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HISTÓRIAS DA GENTE BRASILEIRA Parte 1

I
maginemos a cena: um rapaz jovem, PÁGINAS 18 E 19

SALATHÉ, Friedrich.
alto, bonito, de cabelos louros e olhos Plantação de café. 1835.
azuis, vestido com longas meias bran- BIBLIOTECA NACIONAL

cas, sapatos de fivela e calças ligeira- [ICONOGRAFIA]. EM: STEINMANN,

JOHANN. SOUVENIRS DE RIO DE

mente bufantes. Trata-se do jovem d. JANEIRO. [GRAVURA 1].

Pedro II. Estamos em janeiro de 1843,


e ele, aos dezessete anos, faz, então, a “fala do trono”, aquela que
abre o ano legislativo da Assembleia Geral.
Com voz fina, falou pouco. Contente, anunciou seu casamento com a jo-
vem que só conhecia de retrato, Teresa Cristina, irmã do rei das Duas Sicílias.
Mais contente, noticiou: a noiva chegaria em breve ao Brasil! Logo depois,
“manifestou a mágoa profunda que dilacerava seu coração pelas revoltas co-
metidas nas províncias de São Paulo e Minas Gerais”, como registrou um dos
políticos presentes, João Manuel Pereira da Silva, em suas Memórias.
O imperador agradeceu o entusiasmo com que, de vários pontos do
Império, “os povos acudiram em defesa da Lei, da Ordem e da Coroa”. Elo-
giou o Exército, a Marinha e a Guarda Nacional, que haviam reduzido os
rebelados à obediência, e prometeu: a luta no Rio Grande do Sul termina-
ria brevemente. O governo não pouparia meios, força e energia para tal.
Ao final, recomendou que se fizessem estudos sobre o estado das finanças
do Império, sobre a Instrução Primária e Secundária e encerrou, pedindo
providências que favorecessem a imigração estrangeira.
Sim, o Brasil havia passado de colônia a Império. Depois da partida do
pai, o monarca fora assistido por um conselho de regentes, até 1840. Nesse
mesmo ano – e para sair das dificuldades que os regentes enfrentavam – d.
Pedro II assumiu o trono. Tinha quatorze anos e o apoio do povo que rabis-
cou versos nos muros da capital: “Queremos Pedro II/ Embora não tenha
idade/ A nação dispensa a lei/ E viva a maioridade”.
Nas primeiras décadas do século XIX, vastos planaltos a oeste do país
foram ocupados. As cidades litorâneas cresceram, assim como o número

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Parte 1 HISTÓRIAS DA GENTE BRASILEIRA

Coroamento de
d. Pedro I, 1822.
FRÈRES, Thierry. Cérémonie
de sacre de d. Pedro 1er.
Empereur Du Brésil. 1839.
BIBLIOTECA NACIONAL [ICONOGAFIA].

EM: DEBRET, JEAN-BAPTISTE. VOYAGE

PITTORESQUE ET HISTORIQUE AU

BRÉSIL. TOME TROISIÈME. P. 71.

de moradores. A procura por moradias, mercadorias, bens de consumo


e escravos aumentou. A capital da colônia virou sede da corte e o maior
porto negreiro das Américas. No dia a dia, a escravidão estava em toda a
parte e para todos. Homens livres e pobres, brancos, mulatos ou negros ti-
nham, eles também, seus cativos. A mentalidade escravista era geral. Sim,
pois o rompimento com a ordem colonial não passou de um verniz liberal
aplicado por um grupo de elite, num projeto conservador, reproduzido
em cascata, de alto a baixo, na sociedade.
O Brasil continuava com o mesmo plano escravista, que alimentava
a riqueza de proprietários de terra; esses, por sua vez, garantiam o apoio
à monarquia. Só que, em vez de entregar suas riquezas a Portugal, eles as
entregavam nas mãos dos ingleses, compradores dos produtos brasileiros.
No início do século XIX, a miscigenação ia avançada; as relações de
classe e a condição social eram extremamente dinâmicas. O comércio
entre o Centro e o Sul crescia, aumentando a influência dos negociantes
nas decisões políticas. Muitos estrangeiros foram chegando para fazer ne-
gócios ou viagens de descobertas científicas. O país oferecia oportunida-
des e curiosidades. Os rios facilitaram a penetração; as bacias do Prata, do
Amazonas e do São Francisco promoveram as migrações internas. A gen-
te brasileira circulava... Circulava, e mais: essa gente agora se inquietava.
As dores do parto do Império eram também as suas. Dores que emergiam
na forma de tensões que percorriam o Brasil de Norte a Sul.
A partida de d. Pedro I para Portugal suscitou dois sentimentos: o de an-
tilusitanismo e o de liberdade. O país deveria ser livre, autônomo. “Mazom-

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HISTÓRIAS DA GENTE BRASILEIRA Parte 1

bos” – brancos nascidos na colônia –, africanos, Medalha comemorativa


da coroação de
mestiços, livres, forros e escravos queriam mais d. Pedro II, um jovem
espaço na vida pública. E, sobretudo, “ser brasi- imperador, 1841.

leiro” passou a ser a antítese de “ser português”. MUSEU IMPERIAL/IBRAM/MINC.

As tensões, antes amenizadas pelos laços de “ir-


mandade” com a metrópole, vieram à tona. Elas
surgiam na disputa pelo mercado de trabalho ou de oportunidades, entre
as camadas mais desfavorecidas e os imigrantes pobres portugueses. Elas
existiam no preenchimento de cargos burocráticos ou postos militares, em
que os lusos passavam à frente dos brasileiros. E, mesmo na corte, pairava a
desconfiança de um retrocesso ao absolutismo, pois restavam vários mem-
bros do “partido português”, a favor da permanência do domínio lusitano.
Pior: a independência não trouxe soluções esperadas para muitos
problemas. As elites, que apoiaram a emancipação, queriam mais po-
der. Os agricultores, terras. Os escravos, liberdade. Os comerciantes,
pequenos ou grandes, menos impostos. Eis porque tantos, por razões
tão diversas, pegaram em armas em situações descritas como “motins
políticos”. Entre 1832 e 1835, mais de vinte levantes eclodiram nas prin-
cipais cidades do país.
Frustradas, as elites se queixavam de que, apesar da emancipação e da
transferência do poder político para as províncias, a descentralização era

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Parte 1 HISTÓRIAS DA GENTE BRASILEIRA

Um Império aristocrata pouca e não atendia aos interesses locais. Os re-


e escravista. presentantes de tais poderes se ressentiam, pois os
CHAILLOT [?]. Feitor cargos de autoridade – juiz de paz ou presidente de
castigando escravo. 1846.
BIBLIOTECA NACIONAL [ICONOGRAFIA].
província, por exemplo – eram preenchidos, não
mais por membros das famílias tradicionais, mas
por indicados pelo poder central. Além de enfraquecidos, os membros das
elites se dividiam ideologicamente: havia o “partido brasileiro” e os liberais
radicais, que divergiam quanto aos objetivos a serem atingidos.
Para o “partido brasileiro”, o ideal era a criação de uma monarquia
dual, que preservasse a autonomia administrativa e a liberdade de comér-
cio. A intransigência das cortes – lembra Telma Reinaldo – fez esse partido
inclinar-se à emancipação, mas sem alterações na ordem social e nos privi-
légios. Os liberais radicais formavam um grupo potencialmente revolucio-
nário e estavam mais próximos das camadas populares. Alguns deles eram
republicanos e, em seu conjunto, constituíam o grupo mais receptivo às
profundas mudanças da sociedade. Os grandes proprietários rurais ligados
ao “partido brasileiro” eram os que dispunham dos meios para atingir os
seus propósitos: comércio livre, sem entraves mercantilistas, com a adesão
da burguesia britânica e a base da escravidão.

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HISTÓRIAS DA GENTE BRASILEIRA Parte 1

Nessa época, emergiu um grupo importantíssimo: o dos homens li-


vres e pobres, que podiam ser brancos, pardos, negros ou índios sobre-
viventes da ocupação e da colonização. Era gente que tinha um modo de
vida autônomo e a subsistência garantida pelos recursos naturais de onde
vivia. Plantavam mandioca, milho e feijão. Criavam porcos e galinhas. Co-
nheciam a mata e disputavam com os proprietários as terras que queriam
para si. Independentemente dos partidos ou grupos políticos a que perten-
cessem, as elites temiam os pobres, vistos como inimigos ou bárbaros que
fugiam à sua autoridade. Quando revoltados, inspiravam pavor. Eles tam-
bém tinham sua demanda: queriam uma vida melhor. E por ela lutaram.
Esse foi, portanto, um tempo em que a terra e sua gente se incendiaram.

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