A ESSÊNCIA DA COZINHA

E houve de tudo um pouco:

50 cursos culinários por dia,
30 chefes de cozinha,
300 produtos gourmet para
degustação e prova,
degustações de cinco
dos mais desejados
restaurantes da cidade,
sessões de cozinha para
crianças, sessões de “show
O relato que se segue é um mero caderno cooking” pela primeira vez
no singular Salão Árabe,
de notas de um sem número de experiências provas temáticas de vinhos
que o Palácio da Bolsa, no Porto, apresentou e espirituosos…

durante três dias, muitas delas bem

vivenciadas pelos mais de 9.400 visitantes
que puseram “as mãos na massa”
no Essência do Gourmet.

TEXTO EDUARDO MIRAGAIA

FOTOS RICARDO POLÓNIO, IMATEXTO/IMTX E ARQUIVO

Gourmet,
Nas próximas páginas, o salpicar do que aconteceu no Essência do
o mais interactivo dos eventos gastronómicos do país
>/

/>
SE NÓS CAPITANEÁSSEMOS o grupo
de estarolas que dão estrelas Michelin,
seria uma completa estafadeira um destes
dias no Porto corria célere a festança da
Essência do Gourmet… Seria seguramente
um esbanjar de constelações!
Pela qualidade e o número de chefes
concitados para o certame, pela inventiva
de pratos e pratos de pura arte comestível,
pela democrática arte de ensinar os segre-
dos do cozinhado, ali escancarada em
muitas tendas que recheavam de odores o
piso térreo do Palácio da Bolsa onde peque-
nas multidões, quiçá por uma vez, não
soltavam vitupérios pela delonga do
entendimento… Mais, as artes circenses de
catapultar criancinhas a confeccionarem os
seus próprios pratos, ora estica a massa a
bem de uma pizza, ora toca de enfeitar o
acepipe… A miudagem à desgarrada, assim
o programa nacional escolar fosse capaz só
num punhado de dias, os três que deram
alma à Essência do Gourmet, ensinar aos
meninos os misteres do gostar, sem tempos
mortos, sem a chatice das rotinas do empi-
nanço… Mais, tanto mais, as mostras de
dezenas de produtos gourmet, coisas para o
menino e a menina, paladares afoitos a
compotas subtis, queijos puríssimos, talvez
que muitos destes rebuçados possam um
dia, se não já, esbarrar nos ditames toscos
dos senhores da União Europeia (UE).
Queira ou não a UE, num estalar de
dedos vislumbrámos as saquetas de
80 W I N E
MET
ESSÊNCIA DO GOUR
WINE & TAPAS 2010
legumes secos 100% Trás-os-Montes no
parapeito, cinco euros cada. Vimos nós e os
quase 10.000 visitantes deste evento que
não tem cotejo em Portugal. Num rodopio
anual que o faz escalar montanhas, no ano
passado mais de 7.000 almas ali poisaram,
desta feita a congregação foi maior, esperar
para a empreitada em 2011… É que quem
não salta não é da malta. Se fossemos ainda
salpicando os cerca de 300 produtos
gourmet desta boa feira de vaidades,
arriscávamos a bordar de ponto em branco
uma espécie de Lusíadas… Mas já agora, a
talhe de foice, teríamos estrofe naquele
genuíno arroz Bom Sucesso, carolino
marche, estes sim os bagos que a cozinha a
sério deve usar até à exaustão; e que dizer
de um azeite até pernoitar como o Fadista,
Portalegre não dá tréguas; fadista de outro
jeito, é o ouro líquido Acushla, um virgem
extra da Quinta do Prado, Lodões, Vila
Flor… traduzido à letra, “estás no meu
coração”; quem quer azeite quer fiel amigo,
como diz o slogan, “nós adoramos bacal-
hau”, aqui a assinatura que se vai impondo
é Dias, sejam eles feriados ou não; para os
inefáveis da cervejola, driblando aquilo que
deve ir na dança do bacalhau, vinho, claro,
as loiras de um stand eram mais que as
mães, no altar mor exibia-se a Bitburger,
tão só a cerveja de barril mais vendida na
Alemanha; Açores também valem, ata-
quem lá nos beiços os seus doces regionais,
www.queijadasdagraciosa.pt; no salpicar
A E S S Ê N C I A D O
do fim abrimos alas ao whisky, o cicerone
de serviço, João Beleza, do expositor Single
Malt Whisky Club, recomendou-nos uma
pomada que serviu para amansar as quei-
jadas – o Suntory Hibiki 12 anos, Blended
Whisky, do Japão… Os de olhos rasgados a
quererem travar o impacto dos escoceses…
Na ardósia está escrito e vale a pena deci-
frar: para festejar o seu 110º aniversário, a
Suntory criou um novo blend. A responsa-
bilidade era muito elevada pois as versões
de 17, 21 e 30 anos do Hibiki têm sido clas-
sificadas como das melhores do mundo nas
respectivas categorias. Se gosta de whiskies
doces, está em caselas, pois esta versão foi
acabada em cascos onde estagiou licor de
ameixa japonesa, Umeshu, filtrado através
de carvão de bambu. Provem lá que é de-
mocrático!
AOS COMES…
Agora onde a porca torce o rabo está no
desbravar da imensa quermesse constituída
pelo cerne da questão (e não queremos
parecer um político a botar faladura…) ou
seja para aquilo que fomos principalmente
convocados: os comes!
Aqui o cidadão não tinha mãos a
medir. A saber mais de 50 aulas de cozinha
por dia a cargo de renomados chefes, casos
estóicos de Chakall, Igor Martinho,
António Vieira, Paulo Morais, Nuno San-
tos, Nuno Inverneiro, Francisco Ferreira,
Júlio Trigo, Vítor Sobral, Giorgio Damásio,
V I N H O

A rapaziada aprendeu
que se fartou,
ora no vira das receitas fáceis de bacalhau,
sushi e bacalhau, bacalhau gourmet, ora no
vira do peixe da Amazónia com os seus
RUI MOREIRA
Presidente da Associação Comercial do Porto sabores frescos e exóticos, técnicas de corte
de peixe, receitas únicas, ora ainda nos
ensinamentos aos chamados gourmets
preguiçosos, por aí fora, um fartote.
MARCO GOMES
na cozinha da César Castro
NUNO SANTOS
na cozinha da ViniPortugal
83
ESSÊNCIA DO GOUR
MET
WINE & TAPAS 2010
Rui Paula, Luís Américo, Augusto Gemelli,
Luis Baena e Marco Gomes. Uma conste-
lação de estrelas, assim a Michelin quisesse
desbravar mato, tinha muito para se
coçar… E a rapaziada aprendeu que se far-
tou, ora no vira das receitas fáceis de bacal-
hau, sushi e bacalhau, bacalhau gourmet,
ora no vira do peixe da Amazónia com os
seus sabores frescos e exóticos, técnicas de
corte de peixe, receitas únicas, ora ainda
nos ensinamentos aos chamados gourmets
preguiçosos, por aí fora, um fartote.
E toda a minha boa gente de avental. À
nora. Nas aulas estavam implicados a dar
ao gatilho: corta cebolas, pica alhos, os
chefes nunca tiveram tanta mão-de-obra de
borla. Era o apelo a uma das consignas da
festa: 50 cursos culinários/dia, totalmente
interactivos! Uma aposta bem urdida pelos
patronos da Essência do Gourmet: uma
organização da Associação Comercial do
Porto e Essência do Vinho, que também
meteu um total de 30 chefes de cozinha em
palco.
Para aqueles que não quiseram ir às
aulas, talvez sem mãos de tesoura para os
afazeres das casernas de comestíveis, a
Essência do Gourmet cativava outro
chamamento às armas… As sessões de
“show cooking”. No teatro, leia-se Salão
Árabe do Palácio da Bolsa, bem repimpadas
ficaram cerca de 60 cadeiras para os
mirones dos chefes que cozinhavam cater-
vas de receitas. Na ordem de cena e para a
W I N E A E S S Ê N C I A D O
posteridade, Vítor Sobral tratou por tu o
cabrito em português e em aula magistral,
pormenores e prognósticos daremos lá
mais para a frente, quando for o fim do
jogo; Alexandre Silva esgrimiu o foie gras;
Amaya Guterres casou com a cozinha min-
hota; Álvaro Costa esteve a meias com a
cozinha do palácio; Gemelli, o italiano mais
português que por aí anda, sacou a espada
da charcutaria tradicional na cozinha mod-
erna; Nuno Diniz brandiu o peixe-galo, a
manteiga e o lagostim; Pedro Lemos inven-
tariou a sua própria cozinha; Dalila e Rena-
to Cunha, matrimónio em beleza, do
restaurante Ferrugem, em Famalicão, como
não podia deixar de ser… maridagens com
Vinho Verde; Vítor Matos, senhor uma
estrela Michelin, em apreço Casa da Calça-
da, Amarante, lançou-se aos peixinhos e à
mariscada da nossa costa; Luís Baena e
Ricardo Ferreira alvitraram os grandes
crús da cozinha – ceviche, tártaro de peixe,
tártaro de carne, carpaccio; quanto a
Leonor Sousa Bastos, ficou a artilharia
leve… das sobremesas leves; e vem outra
estrela Michelin, como é o galego Xosé Tor-
res Canas, que apalavrou a sua cozinha,
instalada pelas bandas de Pontevedra,
restaurante Pepe Vieira; para o penúltimo
show instalou-se Jerónimo Ferreira mais a
graça dos produtos biológicos e comida
vegetariana; na balada final entrou Hen-
rique Sá Pessoa, sala à cunha, em nome do
cesto surpresa que preparou.
V I N H O

Ora já estamos um poço de saber
depois de termos ido às aulas, de ter visto
os chefes preparar receitas revelando todos
os segredos, depois de termos provado
dezenas de produtos gourmet, só falta
atacar as palamentas servidas por cinco
magníficos restaurantes portuenses: pela
borla de 7€ o prato, comensais de todos os
matizes acotovelavam-se nas cozinhas do
Buhle, DOP, Góschò, Pedro Lemos e Pou-
sada do Freixo.
REPORTAGEM À QUEIMA-ROUPA
Eu repórter incumbido deste Sísifo que é
desbravar esta feira de amores atiro-me
sem mais aquelas ao canhenho que poisa
ao meu lado, gatafunhos mil, esgalhados à
queima-roupa… Começamos por encher o
bandulho no Buhle e logo na escolha de
novo prato da casa, o risotto de moqueca de
camarão, bravo! No casório obrigatório
com o vinho, compensámos o poiso
portista onde assentámos praça durante
três dias a favor do sul e deixámo-nos
enlear pelas belas pomadas da Cooperativa
de Borba. Escorreu um esbelto Borba Pre-
mium 2006, apenas 20.000 garrafas vieram
para a rua. Vinho puxa palavra… Manuel
Rocha, o director-geral da cooperativa, jura
a pés juntos que os brancos deste ano “são
fantásticos e os tintos estão ao nível do ano
passado”.
Mas como no entoar popular, já está
na hora de ir para o primeiro “xou”. Vítor
84 W I N E
MET
ESSÊNCIA DO GOUR
WINE & TAPAS 2010
Sobral vai cantar as virtudes do cabrito por-
tuguês e o que se segue é obra de mestre…
Vítor descasca o animal a preceito, não dá
para explicar tanto saber da poda. Explica
para os mais distraídos como extrair o
bedum, não fazê-lo é fatal. Depois dá graço-
la, quando o chefe alerta para a conveniên-
cia de tirar a etiqueta… Para a cultura geral
aponta para os filetes que começa a extrair
e são conhecidos pelo petisco dos talhantes.
Mas vamos partir para a construção de
um arroz de cabrito e palpites vêm de enfi-
ada, naquilo que, sem favor, é uma aula
magistral do Vítor, ele que nem precisa de
elogios. Para juntar aos ingredientes que
vão dar alma ao arroz, o chefe avisa os
incautos para a necessidade de tirar as
sementes ao tomate e ao pimento… E em
abono de uma digestão fácil, o contrário é
do piorio. Mais avança retirando a pele a
ambos. E vai entretanto clamar pelo arroz
carolino, o melhor pela sua libertação de
goma. Já o agulha só para o forno, espécie
de arroz seco… e chega. Carolino é que é!
Na preparação da pratalhada, Vítor
estabelece mais avisos à navegação, a
catrapiscar… Só usar bom vinho, mas sem
madeira, para não passar para o cozinhado;
sal marinho purificado, fujam dele que é
limpo quimicamente, certeiro é só o sal
marinho tradicional; abertura para os quia-
bos que já se encontram em Portugal,
condimento que faz o gosto de brasileiros e
africanos.
A E S S Ê N C I A D O
ÁLVARO COSTA CHAKALL
na apresentação no Salão Árabe na cozinha do Bacalhau Dias
… Sobral continua, continua, que é
bom… “Quando éramos pequeninos
comíamos miolos, agora inventaram umas
coisas… Acho um desperdício!” Na
redenção do produto nacional cabrito, para
o chefe o nosso é o melhor do mundo,
“uma parte dos nossos cabritos são expor-
tados para Espanha”. Para ficar ainda
numa mão cheia de considerandos… Como
a poesia da “cozinha das mães e das avós,
quase ourivesaria; todos os produtos de
cozinha são nobres, importante é como os
cozinhar; o arroz é um prato de partilha de
família”. Deixamos o cabrito a medrar e AUGUSTO GEMELLI LEONOR SOUSA BASTOS
tentamos mais um assalto à fortaleza onde no auditório do Essência do Gourmet estreou-se na Essência do Gourmet
se urdem cocktails, na barraca Spirits Mas-
terclass… Qual quê, cruzes canhoto, para
variar são magotes de gente, desistimos…
Lá vai em compensação mais um Nespres-
so a beberricar ao compasso de um charuto
lá em su sitio, quer dizer, na varanda do
Palácio. Agora olhamos para a sebenta e
gostámos da prosa, propiciada pelo chefe
Alexandre Silva, quartel-general no Bocca.
Saravá. Na aula o foie gras está em riste,
sem dispensar estória cultural… “Os gregos
foram os primeiros no foie, mas não sabi-
am o que estavam a fazer”, lá proclama o
Alexandre. “Engordavam os gansos para
serem maiores, mas os fígados iam para os
pobres…”
Para todos os efeitos, quem sabia
muito bem da delícia do foie era Luís XV, o
grande impulsionador do material… E
V I N H O
 qui o cid adão não
A s a m edir. Essência do Gourmet em números
m ão
tinha de 50 aulas de cozinha por dia
is 9. 400 visitantes
A saber ma fes, casos
e re n o mados che 50 cursos de cozinha por dia
a carg o d , António
h a k a ll, Ig o r Martinho 14 cozinhas com cursos culinários
C
estóicos de uno Santos,
Nuno 30 chefes de cozinha
M o ra is , N
Vieira, Paulo lio Trigo,
F ra n cisc o Ferreira, Jú 300 produtos gourmet
Inverneiro ,
ui Paula, 15 apresentações no Salão Árabe
l, G io rg io Damásio, R
Vítor Sob ra 5 restaurantes do Porto com degustações
elli e Marco
ri co , A u gusto Gem 40 expositores
Luís Am é s, assim
n st e la ção de estrela 110 notícias nos Media nacionais
a co
Gomes. Um sbravar mato
, tinha
qu ise ss e d e
a Michelin
se coçar…
muito para
Os cursos do Essência do Gourmet
COZINHA ÁGUA DAS PEDRAS
Cozinhar com estilo
Chefe Luis Américo (restaurante Mesa, Porto)

COZINHA BACALHAU DIAS

Receitas fáceis de bacalhau
Chefes Chakall e Igor Martinho (restaurante Quinta dos Frades, Lisboa)

COZINHA CÉSAR CASTRO

Utensílios para cozinhar
Chefe Marco Gomes (restaurante Foz Velha, Porto)

COZINHA EL CORTE INGLÊS

Receitas “low cost”
Chefe Júlio Trigo (restaurante El Corte Inglês Gaia-Porto)

COZINHA MIMOSA
Receitas com derivados de leite
Chefe Giorgio Damásio

COZINHA NATIV
Peixes exóticos da Amazónia
Chefe António Vieira (restaurante Shis, Porto)

COZINHA ORIVÁRZEA
Receitas com arroz
Chefe Luis Baena (restaurante Manifesto, Lisboa)

COZINHA PRIMOR
Receitas para jantares de amigos
Chefe Augusto Gemelli (restaurante Gemelli, Lisboa)

COZINHA SEAFOODS
Sushi
Chefe Paulo Morais (restaurante Umai, Lisboa)

COZINHA SILAMPOS
Sopas, massas e petiscos
Chefe Vitor Sobral (restaurante A Tasca da Esquina, Lisboa)

COZINHA TEKA
“Ez Meals” e “Finger Food”
Chefe Nuno Inverneiro (restaurante O Comercial, Porto)

COZINHA TESCOMA
Um ás na cozinha
Chefe Rui Paula (restaurante DOP, Porto, e DOC, Douro)

COZINHA VILA GALÉ

Cozinha é chique
Chefe Francisco Ferreira (hotéis Vila Galé)

COZINHA VINIPORTUGAL
Gastronomia e Vinho
Chefe Nuno Santos (restaurante Puttanesca, Leiria)

IGOR MARTINHO
em curso culinário de bacalhau
Bordejando os
NUNO DINIZ XOSÉ TORRES CANAS néctares uma fileira
no Salão Árabe chefe galelo, “estrela Michelin”,
em apresentação no Salão Árabe enorme de iguarias
construídas por diversos chefes.
Não se pode dizer qual a melhor. Eram
todas de alto coturno, os vinhos da
casa assim o exigiam, pensamos nós.
Estávamos no cerne de um bem urdido
Wine & Tapas Experience, mais uma
festarola que a Essência do Gourmet
em boa hora soube convocar.
MARCO GOMES
em curso culinário
89
ESSÊNCIA DO GOUR
MET
WINE & TAPAS 2010
sabia que a engorda dos gansos era feita à
custa da ingestão de figos? Era sim. Até que
lá vai o chefe a urdir uns quantos pratos,
do foie frio até ao quente, onde o realce
roça o artístico, aqueles “discos” são belíssi-
mos! Nas junções inventivas consta, por
exemplo, caviar de Vinho do Porto com
pequena calda de açúcar. Noutra condição
apresenta-nos um paté bordejado de figos
com Vinho do Porto. Para a conversa
entremeada, Alexandre nem escusa a auto-
crítica… “Numa altura da minha carreira
tinha a mania de ter pratos bonitos…
Agora, que tenham sabor…” Na volta da
aula, pois um foie a sério tem de ter 15
semanas, quando do lado do contributo do
bicho 30% do seu peso é fígado. E lá saem
para a mesa do canto uns escalopes de foie.
No embevecimento do repórter toca de
anotar uma caterva de ingredientes que
namoram com um dos fígados apresenta-
dos pelo Alexandre: redução de ginja,
rebentos de mostarda, bolinhos de tapioca,
enquanto o foie quente é coberto com corn
flakes, a bem do crocante. Não pense que
ficamos assim, mais enfiada: emulsão de
leite e amaretto, sumo de laranja aqueci-
do… Estafa de receita.
Outra aula, esta proclamada do alto…
Só pode ser confirmada em função da
estatura do chefe Gemelli, um corpanzil
que nunca mais acaba, um cozinheiro de
eleição, a lançar à primeira – “O ponto de
partida é sempre a cozinha tradicional”.
W I N E A E S S Ê N C I A D O
Vamos nessa, neste caso não é Vanessa é
Gemelli… E não chega: “Um enchido ou
um presunto ou a gordura pode ser mais
saudável do que muitas outras coisas”…
Vamos falar, vai ele falar da charcu-
taria tradicional na cozinha moderna. E lá
vem a farinheira com massa brique. Uma
massa que o próprio Gemelli concebe. Para
saber é fácil… Ele dá aulas disto e de outras
loisas todos os sábados no seu restaurante
fronteiro à Assembleia Nacional… Melhor
dizendo, da República…
Para o chefe bom latagão está uma ver-
são nova de farinheira, aromatizada com
azeitona, aliviando a gordura do produto.
Mais mezinha, uma gelatina com tomate
também entra, como ainda compota de
cebola doce (cebola roxa, pouco usada
entre nós). Arte final regar a farinheira
com vinho tinto.
Mas o arraial Gemelli ainda vai no
adro… E toca a conceber um risotto sem
risotto… É que ele está saturado de pro-
duzir risotto a eito. E salta a argúcia de um
risotto feito com couve-flor! Provámos e
ficámos embasbacados. Bom bocado. Mas o
Augusto tem mais risottos sem risottos,
explicou-nos já à saída da aula: de cevada,
de milho, cereais, etc.
Mais uma volta ao redondel do Palácio
da Bolsa, dedicamo-nos a uma espécie de
estatística de trazer por casa… Verificámos
que o facto da Essência do Gourmet se
apresentar prazenteiro no Porto não é só
V I N H O

para portuense ver… Detectámos gente das
mais diferentes paragens e até fomos à fala
com uns algarvios que rodaram até à Invic-
ta em estilo excursão. Para a estatística
amadora da reportagem encontrámos um
número equivalente de senhoras e homens
e casais plenos de harmonia, meter a mão
na massa deve uni-los à melhor. E bebés
também havia, que era mato. Achamos que
quando forem mais crescidotes vão passar
a comer melhor.
Toca a campainha, estridente, hora de
aula, prof. Nuno Diniz. Tira da cartola
uma receita de inspiração recente: o peixe-
galo, o lagostim, as vieiras e a manteiga.
Tanto que nos apetecia estampar aqui a
receita inteirinha, mas creio que o editor
me podia mandar à fava, tantos os carac-
teres que poriam em perigo o espaço desti-
nado para a reportagem de cavalaria.
Enfim, governo-me com diversos comen-
tários salteados do Nuno, para nós uma das
maiores figuras da lusitana gastronomia,
poiso certo nos fogões da lisboeta York
House. Visita obrigatória! Dixit: “Não há
peixe nenhum que deva ferver, o máximo
75ºC; a grande flor de sal vem de Castro
Marim”. Para ficar na simplicidade de um
conceito que por vezes está arredio: “Co-
zinhar sem provar, é brincadeira”.
E só nos faltam duas aulas para passar
o ano… Melhor, para a reportagem ir
dormir, sonhos cor-de-rosa gastronómicos.
Valeu a pena a penúltima aula, na giraldin-
ha de um casal real, marido e mulher
unidos pelos fogões, Dalila e Renato Cun-
ha, mais o brinquinho do seu restaurante
Ferrugem, Famalicão city. Na Essência
90 W I N E
MET
ESSÊNCIA DO GOUR
WINE & TAPAS 2010
debutaram com “mariages” com Vinho
Verde. Apontamos timtim por timtim –
cavala fumada em cataplana, tomilho com Detectámos gente
cebolinhas em geleia de Alvarinho, caviar das mais
de vinagre Moura Alves e salada de micro
verdes. Mas para a estória do Ferrugem,
diferentes paragens
que leva seis anos, esta parte de um casal e até fomos à fala com uns algarvios que
outrora desempregado que deita mão à rodaram até à Invicta em estilo excursão.
construção de um espaço de restauração, Para a estatística amadora da reportagem
hoje pleno de êxito. Quem vai ao Ferrugem encontrámos um número equivalente de
é de propósito e há gente que o faz até vin- senhoras e homens e casais plenos de
do de Lisboa. Boa! harmonia, meter a mão na massa deve uni-
Contente da vida a reportagem só los à melhor. E bebés também havia, que
pensa nisto: grande nível de acontecimen-
era mato. Achamos que quando forem mais
to! E não nos pagam para dizer isto. É bom
crescidotes vão passar a comer melhor.
que para o ano haja mais!
Mas vamos a caminho da derradeira
aula, sobe o pano para Henrique Sá Pessoa.
Auditório cheio até ao gasganete. Logo à
entrada da boca de cena, uma palavra de
ordem: “Vou falar de receitas simples, sem
mistérios, fazendo com que as pessoas pra-
tiquem em casa”. Gosta de dar receitas que
possam ser feitas em cinco minutos. E de
saída já estão prontas a comer umas amêi-
joas à Bulhão Pato e erva príncipe. Fácil,
não é?! Encantado, porém, pareceu o
auditório quando foi apresentada uma
“simples salada”… Camarão (sugestão de
compra, camarão cru com casca e cabeça),
rúcula, melancia – que pode ter a opção de
ser grelhada – folhas de coentros e manjeri-
cão e azeitonas. Segundo o chefe, nasceu
uma salada de aproveitamentos do frigorífi-
co e acabou por a inserir na ementa do seu
restaurante Alma. Fim das aulas. Parece
confirmar-se um número categórico de visi-
tantes licenciados.
VÍTOR SOBRAL
apresentou-se com auditório repleto no Essência do Gourmet
A E S S Ê N C I A D O V I N H O

Para todos os
arvorados dos vinhos,
solene é quando nos propiciam beber um
Barca Velha. E lá aconteceu em três dias
seguidos e integrados na programação
oficial da Essência do Gourmet. Mestre de
cerimónia a Sogrape, exposição da alta nas
suas Caves Ferreira de Vila Nova de Gaia.
Em panteão estavam à prova vinhos de
Portugal, Espanha, Argentina, Chile e Nova
Zelândia, a Sogrape vai a todas.
93
ESSÊNCIA DO GOUR
MET
WINE & TAPAS 2010
EMBALADOS NA BARCA VELHA
Para todos os arvorados dos vinhos, solene
é quando nos propiciam beber um Barca
Velha. E lá aconteceu em três dias seguidos
e integrados na programação oficial da
Essência do Gourmet. Mestre de cerimónia
a Sogrape, exposição da alta nas suas Caves
Ferreira de Vila Nova de Gaia. Em panteão
estavam à prova vinhos de Portugal,
Espanha, Argentina, Chile e Nova Zelân-
dia, a Sogrape vai a todas.
Bordejando os néctares uma fileira
enorme de iguarias construídas por diver-
sos chefes. Não se pode dizer qual a mel-
hor. Eram todas de alto coturno, os vinhos
da casa assim o exigiam, pensamos nós.
Estávamos no cerne de um bem urdido
Wine & Tapas Experience, mais uma fes-
tarola que a Essência do Gourmet em boa
hora soube convocar. Pelo menos o
repórter não costuma estar habituado a
tantos mimos seguidos…
Até que numa sala à parte preparámo-
nos para levar aos lábios o Barca Velha
2000. Não que antes disso as honras da
degustação corressem os seus termos na
voz de um artífice da enologia como Luís
Sottomayor. Não se experimenta um Barca
Velha sem discurso preparado, não é
chegar ali e emborcar, toca e foge…
O Barca Velha nasceu de um sonho. E
quem ousou sonhar e concretizar foi um
senhor: Fernando Nicolau de Almeida.
Idos de 52, a primeira saga construtiva do
Barca Velha, numa época em que os vinhos
durienses acabavam, irremediavelmente,
por despertar aromas a Vinho do Porto…
Num tempo em que a enologia era no míni-
mo incipiente. E vem o segredo do Barca
W I N E A E S S Ê N C I A D O
Velha: uvas colhidas à beira-rio e uvas de
altitude, cenário no Douro Superior, ter-
ritórios de grande calor. Na memória, anos
mais tarde do lançamento do primeiro
Barca Velha, para o areópago ficava sempre
a mesma expectativa… Qual vai ser ano de
Barca Velha? Fernando Nicolau de Almei-
da respondia sempre da mesma maneira:
“Lá para Março falamos…”
O Barca Velha é um vinho pautado por
inúmeras histórias, que livro, que enci-
clopédia podia dar. Como aquela ocorrida
num leilão de beneficência no Brasil onde
faziam figura inúmeros vinhos de topo,
designadamente o melhor que a França
tem, venha por exemplo a insígnia dourada
de um Petrus. Este a ir à praça por 5.000
reais, a contrastar com um Barca Velha de
meros 1.000… Contas apuradas, o Petrus
saiu por 10.000 reais e o nosso Barca de 99
andou lá perto… 8.500 reais. Mais caro que
todos os vinhos franceses de topo que
estavam em leilão.
Para embandeirar em arco ou melhor
para embandeirar em Barca Velha, aquan-
do da comemoração dos 200 anos da
realeza portuguesa se ter deslocado para o
Brasil, um abastado empresário brasileiro
convidou figuras da Sogrape para um inédi-
to… Uma vertical de Barca Velha! Lá
rumaram ao Brasil os enviados da Sogrape,
entre eles o enólogo Sottomayor. Uma
prova para não esquecer, na palavra de
Luís: “O vinho mais velho era de 57… ver-
melho vivo, com uma excepcional estrutu-
ra”. E pensar que guardada a sete chaves
na Sogrape está apenas uma garrafa do ano
da fundação, 1952… Uma Magnum que
ninguém se arrisca a beber…
V I N H O

DA AMAZÓNIA PARA A MESA
Dos bastidores da Essência do Gourmet
despontaram dois brasileiros de gema,
Pedro Cavalcanti e Álvaro Cuhoa. Até nós
trouxeram uns belos peixinhos exóticos lá
dos confins do mundo. São peixes de rio,
“amestrados” na especialidade de
aquacultura, e a experiência já amplamente
conseguida iniciou-se em 2009. Primeiro
foi constituída uma S.A. de capital fechado,
onde os investidores são brasileiros e
europeus. À descoberta desta oportunidade
de negócio a transportar para Portugal e
Espanha esteve Rui Dias, do Bacalhau
Dias. Está em foco um produto Premium.
Até aqui estes peixes eram consumidos
principalmente no Estado de Amazonas,
num ápice partiram para a exportação e já
podem ser encontrados em França, Ale-
manha e agora entre nós. Do seu sabor
remete-se especificamente para uma espé-
cie: o Tambaqui/Pintado da Amazónia,
com a peculiaridade de exibir uma estrutu-
ra em forma de costeleta, idêntica ao porco,
a melhor iguaria que se pode retirar desta
espécie. O preço, esse, ronda os 15€ ao
quilo, podendo ser encontrado nas grandes
superfícies.
Aspecto curioso e a bem da floresta
amazónica, em roda dos lagos da aquacul-
tura porfia-se no sentido de ajudar a man-
ter a floresta de pé. No que concerne a este
aspecto da preservação da floresta, a
94 W I N E
MET
ESSÊNCIA DO GOUR
WINE & TAPAS 2010
VITOR MATOS
com credenciais no Salão Árabe
ANTÓNIO VIEIRA
nos cursos com peixes da Amazónia
empresa Nativ (nativpescados.com.br), pio-
neira desta cultura piscícola, deu um passo
mais largo ao constituir-se a Fundação Sobe o pano para
Nativ Amazónia Sustentada.
Quanto a uma possibilidade de con-
Henrique Sá Pessoa. HENRIQUE SÁ PESSOA
distribuiu autógrafos e teve auditório cheio e atento
Auditório cheio até ao gasganete. Logo à
ferir em seu sítio a natureza desta exper-
entrada da boca de cena, uma palavra de
iência, aqui ficam as coordenadas: norte do
ordem: “Vou falar de receitas simples,
Estado do Mato Grosso, fronteira do Esta-
do do Pará, a caminho de Santarém. Boa sem mistérios, fazendo com que as pessoas
viagem, confirmação cabal da descoberta. pratiquem em casa”.
XOSÉ, UMA ESTRELA
Xosé Torres Canas, um galego de Ponteve-
dra, actua com gabarito no seu restaurante
Pepe Vieira, entrincheirado numa flo-
restação luxuriante, Camiño da Serpe. E lá
andou na Essência do Gourmet. Dele disse-
JORGE COSTA E DANIELA COUTINHO
nos Vítor Sobral tratar-se de uma referên- do restaurante Góschò
cia importante na actual gastronomia
espanhola e internacional. Feitas as apre-
sentações, Xosé identifica a sua cozinha a
condizer com o sítio onde está implantado
o restaurante, mar e montanha. Uma coz-
inha, no seu dizer, muito sensível em técni-
cas e ideias, apresentando as coisas da
maneira mais natural. Uma preocupação
extremada: não transformar demasiado os
alimentos. O sabor ácido está presente em
todos os seus cozinhados, o que explica,
por permitir seguir em frente para a experi-
mentação de outros pratos inseridos nos
seus únicos dois menus de degustação.
Atribuindo ao restaurante o nome do seu
NUNO INVERNEIRO
brilhou na cozinha da Teka
A E S S Ê N C I A D O V I N H O

JOGO “À DESCOBERTA RICARDO FERREIRA
DAS CASTAS PORTUGUESAS”
AMAYA GUTERRES
RUI PAULA avô, Pepe Vieira (www.pepevieira.com),
JERÓNIMO FERREIRA
na cozinha Tescoma No Salão Árabe ele está em funcionamento há 10 anos, os
últimos três já ocupando um espaço privile-
giado. Para si, como nos argumenta, ser
estrela Michelin é o único “ranking” inter-
nacional de restaurantes e o mais potente.
Embora ostente o galardão há dois anos,
nem por isso reconhece que esse facto
tenha contribuído para aumentar o
número de clientes. Neste aspecto atribui
isso à crise internacional.
Xosé é um conhecedor da gastronomia
portuguesa e por uma razão em particu-
lar… Tem família no Porto, incluindo o
seu padrinho de baptismo. O bacalhau
concita uma das suas preferências gas-
tronómicas do burgo, como considera
muito peculiar a forma como cozinhamos o
LUIS BAENA
arroz. Outra predilecção: os fumados de
em curso do arroz Bom Sucesso
porco. No tocante aos vinhos, refere serem
para si como uma salsa que se põe no prato.
Imprescindíveis à gastronomia. Mais
explicativo: cada prato, cada vinho. Mais,
utiliza frequentemente nas suas criações
Vinho do Porto e Vinho Verde.
Uma novidade está para breve, no
Verão do próximo ano… Passar a dispor,
na sua “finca” de 14.000 metros quadra-
dos, onde está implantado o restaurante, de
alojamentos. Dormir ao lado da paparoca, é
o que é, bem visto. Quesito de remate… Se
NUNO SANTOS, PEDRO LEMOS,
ÁLVARO COSTA E ANTÓNIO VIEIRA
num “duelo de chefes”
97 W I N E
ESSÊNCIA DO GOUR
MET
WINE & TAPAS 2010
a condição de ser Michelin inviabiliza o
acesso de muitas pessoas… Diz Xosé: “não
é fácil para muitas famílias, mas no meu
caso acho que a relação preço/qualidade
justifica o custo de uma refeição. E entendo
não ser caro”. Quanto a nós, deixamos a
tabela. Menu de degustação (seis pratos),
42 €; menu gastronómico (12 pratos), 72 €.
E OS VINHOS, SENHOR?
Como se tratou de uma mostra gastronómi-
ca, aqui uma das razões para que os vinhos
não ocupassem o lugar central, caso raro,
mas perceptível. Mas muitos produtores
tiveram direito a bancadas, até pela necessi-
dade imperiosa das refeições carecerem de
escolta líquida.” N´est-ce pás”?! Para o lado
da alternância, porém, saiu muita cervejin-
ha fresca, suporte a cargo da Super Bock.
Aqui a reportagem é que não se eximiu
a dar uma espreitadela a um sabichão dos
vinhos, incansável durante três dias a fio, o
nosso galhardo Manuel Moreira, escanção
de alto coturno, fama nacional e interna-
cional bem justificada. E espreitámos uns
largos minutos da sua prelecção, perante
uma clientela vasta, não fosse o tema mais
que chamativo, dito assim, provar vinhos.
Moreira pôs logo à entrada os enófilos
a olhar para a cor do vinho… O profissio-
nal usa nesse caso os sentidos com muita
A E S S Ê N C I A D O
atenção, os outros, diz o mestre, podem
usufruir o vinho em momentos mais
“light”, muita gente ficou desde logo mais
descansada. De resto, o Manuel tratou logo
de passar a mão pelos costados dos seus
espectadores: “Há gente que tem melhor
sentido de prova do que muitos profissio-
nais”. Condição imperativa para todos os
casos, profissionais e amadores: é preciso
provar muito! Ora lá está.
Toda a minha gente a olhar para o
copo. Há castas que têm mais cor do que
outras; a acidez vê-se no brilhantismo da
cor. Depois vem a rábula engraçada dos
dois narizes, invenção francesa… Primeiro
cheirar o vinho em repouso, depois agitar o
copo e lá entra em acção o segundo nariz.
Toca de puxar por ele, agitar, agitar,
esquerda, direita, marche, em frente, alin-
har o passo, é assim também na tropa. E se
o Moreira sabe da poda… “O aroma típico
pós fermentação é o do bombom inglês”…
Alguém mais incrédulo pergunta humilde-
mente – não pode ser também chocolate
belga…
Manel salta para o precipício… Prédi-
ca decisiva da prelecção: vinhos de 2€ esta-
giados em madeira? Só podem ser aparas
de madeira no vinho… Era como o outro
/
das cubas de inox revestidas a madeira. Ah,
ah, para espanto do auditório.
V I N H O