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de Ronald Dworkin
Texto em Construção
19/06/2018
Resumo
1 Introdução
Para Ronald Dworkin (2002, 1999) o positivismo jurı́dico de autores como
Hans Kalsen, Norberto Bobbio, John Austin e, em especial, aquele elaborado por
Herbert L. A. Hart, ao qual terce as suas maiores crı́ticas, falha ao tentar descre-
ver o direito, pois não levam em consideração as formas como ele se manifesta ao
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Doutor em Filosofia Analı́tica pela UFPB–UFRN–UFPE; Mestre em Lógica Matemática pela
UFPB; Professor Adjunto de Filosofia e Teoria do Direito na Universidade Estadual da Paraı́ba
(UEPB – CCJ) e na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN – DA – CERES).
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longo das práticas jurı́dicas (decisões judiciais, petições ou mesmo atos produzidos
por advogados, promotores, funcionários públicos, entre outros). Isso procede, se-
gundo Dworkin, em razão do Positivismo Jurı́dico basear a sua análise do direito
em construções artificiais e mecânicas (por exemplo: norma fundamental ou regra
secundária de reconhecimento).
Observa ainda que no dia a dia forense os juristas se deparam, com frequência,
com casos difı́ceis que não podem ser solucionados com padrões expressos, tal como
uma regra jurı́dica. Uma vez que aos jurista não é dada a oportunidade de dene-
gar a justiça, veem-se obrigados a oferecer uma resposta a caso jurı́dico. Sob tais
circunstâncias, os juristas aplicam padrões de ordem moral e polı́tica (ou mesmo
econômico) como solução a esse tipo caso. Entretanto, de modo a evitar arbitra-
riedades, como a não observância da ampla defesa e do contraditório, tais padrões
devem se adequar ao (ou, quem sabe, devem ser inferidos do) sistema democrático de
direitos individuais, caso no qual, ao final, se apresentarão como princı́pios jurı́dicos.
Atendida a exigência de coerência com as regras jurı́dicas do direito democrático vi-
gente, esses princı́pios serão aplicados como “solução” das lides que demandam o
reconhecimento de algum direito individual. É nesse âmbito restrito, portanto, que
um princı́pio jurı́dico (princı́pio moral, polı́tico, econômico etc. recepcionado pelo
direito) deve ser aplicado.
Na teoria do direito de Dworkin os princı́pios jurı́dicos surgem como uma
alternativa de solução dos casos difı́ceis contra a arbitrariedade dos “novos direi-
tos” criados pelo detentor do poder discricionário, como proposto por Herbert L.
A Hart, na sua obra O Conceito de Direito (The Conception of Law, 1961). Como
observamos em outra aula, Hart propõe que os juristas ao enfrentarem casos difı́ceis,
objetivando apresentar uma resposta a esses, devem fazer uso irrestrito do poder dis-
cricionário, ou seja, o “poder de criar novos direitos”. Nesse momento, como sugere
Hart, os juristas gozam de uma liberdade plena para criarem o direito. Entretanto,
Dworkin chama a nossa atenção para alguns problemas que veem a tona ao aca-
tarmos, como membros de um Estado Democrático de Direito, a versão hartiniana
de poder discricionário. O problema mais grave que surge em razão do uso desse
tipo de poder discricionário é o da inobservância da máxima democrática funda-
mental da ampla defesa. Afinal, se o direito é criado no “calor do julgamento”, isto
é, depois dos fatos (ex post facto), não há o conhecimento prévio por parte do réu
deste direito, o que prejudica a sua capacidade de defesa (o contraditório). Mas,
afinal, como a aplicação de um princı́pio jurı́dico possibilita superar esse problema
e outros que surgem com o uso ilimitado do poder discricionário? Nas próximas
seções discutimos com mais detalhes essa inquetação.
Dworkin acrescenta a este rol os (5) Princı́pios Morais e Polı́ticos que são
princı́pios jurı́dicos que têm conteúdo moral e polı́tico, mas que não se confundem
1
De modo pioneiro, nesses termos, propõe Roscoe Pound (apud VALE, 2009, p. 58): “ O direito
é algo mais de que um corpo de regras. Consiste em regras, princı́pios, conceitos e critérios (ou
padrões) para a conduta e para a decisão”.
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Para mais detalhes: USA, Court of Appeals of New York (2008).
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possibilitam ao juiz decidi por equidade. O julgamento por equidade está previsto,
por exemplo, no artigo 140, parágrafo único, do nosso Código de Processo Civil (Lei
n◦ 13.105/2015). O juiz além de ter a liberdade de escolha dos parâmetros, pode
livremente estabelecer os critérios de avaliação que devem delinear os parâmetros
escolhidos.
A discricionariedade em sentido forte envolve total liberdade de escolha.
De volta ao exemplo do militar, exerce o militar esse tipo de discricionariedade se
para a missão, para qual foi designado, tiver a liberdade de escolher “quaisquer”
um dos soldados disponı́veis. Esse nı́vel de discricionariedade é raro, em função do
enorme campo deixado ao exercı́cio do poder discricionário.
Exemplo emblemático da discricionariedade em senti forte no direito brasi-
leiro do trabalho é o da produção de normas no dissı́dio coletivo de ordem econômica.
Diante os conflitos de natureza econômica, presentes no dissı́dio coletivo do traba-
lho, no qual a divergência abrange reivindicações econômico-profissionais por parte
dos trabalhadores, visando alterar condições existentes na respectiva empresa ou
categoria, o juiz tem a difı́cil missão de estabelecer o direito, no qual não há re-
gras jurı́dicas expressas pela comunidade polı́tica. Imaginemos, por exemplo, certo
dissı́dio coletivo econômico no qual cabe ao juiz decidir entre o uso do uniforme
de cor azul ou vermelho ou pelo aumento ou não do salário de certa categoria. O
juiz, nesse tipo de dissı́dio, não está vinculado a nenhum parâmetro ou critério legal
preestabelecido.
poderes?
Dworkin afirma que toda sentença jurı́dica fundamentada em princı́pios
trata tão somente questões relativas a demanda por direitos individuais, não tra-
tando de conteúdos polı́ticos de bem-estar problematizados pelos polı́ticos em sua
deliberações polı́ticas, as quais irão compor momentos importantes do processo de
criação das leis. Os direitos individuais não são criados pelos juristas sob uma ampla
discussão polı́tica, mas antes são reconhecidos por meio do restrito “jogo de práticas
do direito”. Tais direitos surgem a partir das mais diversas diretivas normativas
concebı́veis pelo raciocı́nio jurı́dico-democrático. Na sua teoria dos princı́pio, nesse
sentido, Dworkin destaca como diretiva normativa os princı́pios jurı́dicos. Vejamos
com mais detalhes essa tese.
É possı́vel que os legisladores por meio da lei (com “texturas abertas”)
expressem a sua intenção de conferir aos juı́zes a possibilidade de fazerem uso das
suas capacidades de julgar, a partir das quais fixam critérios que viabilizam aplicar
a leicom maior justeza (equidade). Nesse tipo de situação em que os juı́zes estão
autorizados a exercerem o poder discricionário em sentido fraco e menos fraco há
parâmetros que devem ser observados. A decisão jurı́dica, aqui, está subordinada a
parâmetros que traduzem, ainda que de modo geral, a “vontade geral” da lei, mas
que, por outro lado, deve ser melhor elucidada pelos juristas. Já num sentido forte,
como observamos na seção acima, o poder discricionário dos juiz não está limitado
pelos padrões da autoridade legislativa. No entanto, isso não significa dizer, como
sugere Dworkin (2002, p. 53), que o julgador esteja livre para decidir sem recorrer
a padrões de equidade.
Para o positivismo jurı́dico, como defende Dworkin, o juiz não tem poder
discricionário quando uma regra jurı́dica clara e estabelecida está disponı́vel. Na-
queles casos em que dispõe de regras de direito vagas (com “texturas abertas”), os
positivistas empregam o poder discricionário no sentido fraco (ou no sentido me-
nos fraco), “para dizer que, às vezes, os juı́zes devem formar o seu próprio juı́zo ao
aplicar padrões jurı́dicos” (DWORKIN, 2002, p. 54). Já o positivismo jurı́dico de
Hart aborda também o poder discricionário em seu sentido forte ao entender que
um juiz o pratica ao esgotar as regras expressas a sua disposição, não estando por
isto obrigado por quaisquer padrões derivados da autoridade da lei. Ou, por outras
palavras, “os padrões jurı́dicos que não são regras e são citados pelos juı́zes não
impõem obrigações a estes” (DWORKIN, 2002, p. 55). Então, diante de um caso
difı́cil no qual a ação judicial especı́fica não pode ser submetida a um padrão fixo,
estabelecido de antemão por alguma autoridade competente, tal como uma regra
jurı́dica, seja ela clara ou ambı́gua, o juiz tem o poder discricionário para decidir o
caso criando “novos direitos”.
A teoria do direito de Dworkin (2002, p.127) propõe que mesmo que ne-
nhuma regra regule o caso, uma das partes pode, ainda assim, ter direito de ganhar
a causa. O juiz continua tendo o dever, mesmo nos casos difı́ceis, de descobrir quais
são os direitos das partes, e não de inventar novos direitos. Para entendermos essa
tese, a partir de agora, devemos investigar qual é a distinção que Dworkin faz das
noções de “argumentos de princı́pio” e “argumentos de polı́tica” e como essa di-
cotomia nos permite avaliar a primeira objeção do uso do poder discricionário em
sentido forte apontada acima.
A teoria da decisão proposta pelo positivismo jurı́dico estipula, a primeira
vista, que os juı́zes devem aplicar os direitos formulados por outras instituições,
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não devendo eles criarem novos direitos. Entretanto, segundo Dworkin (2002, p.
128–129) ela reconhece que (1) as regras jurı́dicas podem ser vagas e que devem
ser interpretadas antes de se poder aplicá-las aos casos controvertidos; (2) há casos
jurı́dicos tão problemáticos e novos que não podem ser decididos sem se ampliar
ou reinterpretar as regras existentes. Portanto, justamente aqui os juı́zes devem
criar novos direitos. Devem promulgar as leis que, em sua opinião, os legisladores
promulgariam caso se vissem diante dos fatos problemáticos do caso difı́cil.
Se os juı́zes podem agir em circunstâncias especiais como se “legisladores
fossem”, então eles estão aptos a criarem leis a maneira desses agentes competentes:
em resposta a fatos e argumentos. Fica claro que os juı́zes que procedem como legis-
ladores ferem a competência do legislativo, pois subordinam as suas compreensões
dos casos difı́ceis a um argumento de polı́tica. Esse tipo de argumento, segundo
Dworkin (2002, p. 129), estabelece a construção ou proteção de algum objetivo
da comunidade como um todo. Mas, para Dworkin, os juı́zes costumam decidir os
seus casos não com base em argumentos de polı́tica, mas por meio de argumentos de
princı́pio que respeitam ou garantem um direito de um indivı́duo ou de um grupo.
Em razão disso, na verdade, para Dworkin “os juı́zes não deveriam ser e não são
legisladores delegados, e é enganoso o pressuposto de que eles vão além de decisões
polı́ticas já tomadas” (DWORKIN, 2002, p. 129).
E mais, decisões sobre polı́ticas devem ser operadas através de algum pro-
cesso polı́tico criado para oferecer uma expressão exata dos diferentes interesses que
devem ser levados em consideração. Pode ser que o sistema polı́tico da democracia
representativa funcione com indiferença nesse aspecto, mas funciona melhor do que
um sistema que permite que “juı́zes não eleitos, que não estão submetidos a gru-
pos de pressão ou a a cobranças do eleitorado, estabeleçam compromissos entre os
interesses concorrentes em suas salas de audiências” (DWORKIN, 2002, p. 133).
Conclusão: os juı́zes não devem usar polı́ticas (proposições que descrevem metas4 )
para justificarem as suas decisões, mas sim princı́pios jurı́dicos (proposições que
descrevem diretos).
Por outro lado, o juiz quando fundamenta as suas sentenças em argumentos
de princı́pio estabelece “alguma vantagem apresentada por quem reivindica o direito
que o argumento descreve, uma vantagem cuja natureza torna irrelevantes as sutis
discriminações de qualquer argumento de polı́tica que a ela se pudesse opor. Assim,
um juiz que não é pressionado pelas demandas da maioria polı́tica, que gostaria de
ver seus interesses protegidos pelo direito, encontra-se, portanto, em uma melhor
posição para avaliar o argumento” (DWORKIN, 2002, p. 134).
Sabemos que a decisão de um caso difı́cil deve ser uma decisão sobre direitos
das partes e que as razões que os juı́zes articulam para seu convencimento devem ser
4
Para Dworkin (2002, p. 142–143) um objetivo polı́tico não-individual é uma meta. Uma
meta é “um estado de coisas cuja especificação não requer a concessão de nenhuma oportunidade
particular, nenhum recurso ou liberdade para indivı́duos determinados” (DWORKIN, 2002, p.
143). As metas estimulam as trocas de benefı́cios e encargos no seio de uma comunidade como
um todo. Algumas concepções de igualdade podem ser consideradas metas. Por exemplo, uma
comunidade pode visar uma distribuição na qual a riqueza máxima seja mais do que o dobro da
riqueza mı́nima, ou, segundo uma outra concepção, nenhum grupo racional ou étnico tenha menos
propriedade que outros grupos. A igualdade enquanto meta está subordinada a um entendimento
de bem coletivo agregado, de modo que uma oferta menor de algum benefı́cio a um homem possa
ser justificada simplesmente mostrando que isso levará a um maior benefı́cio geral. Quando os
juı́zes, por outro lado, ao deliberarem sobre o direito à igualdade, os processam como um “direito
polı́tico” ao sugerirem o seu impacto sobre situações sociais particulares e complexas.
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ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão.
Dworkin examina, inicialmente, o modo de funcionamento do tudo-ou-nada
das regras não no âmbito do direito, mas no contexto de um popular jogo americano:
o jogo de beisebol. Nesse jogo há uma regra que estipula que se o batedor errar três
bolas está fora do jogo. O juiz ao reconhecer que essa regra tem um enunciado
preciso, não pode decidir que um batedor que errou três bolas não está eliminado.
A regra, nesse caso, é aplicável e, portanto, é válida. No âmbito do direito, por
exemplo, se a exigência de que o testamento válido é aquele que é assinado por três
testemunhas é uma regra jurı́dica válida, então nenhum testamento será validado
quando assinado por apenas duas testemunhas.
A lógica de aplicação dos princı́pios é diferente. Eles possuem uma dimensão
que as regras não possuem: a dimensão de peso (dimension of weight). No conflito
entre princı́pios, o princı́pio com peso maior (com o grau de justiça maior ou com
uma retórica mais expressiva) sobrepõe-se ao outro, sem que percam as suas vali-
dades. Cada princı́pio, em determinadas circunstâncias, tem um peso próprio, e é
justamente da argumentação entre eles que surge a solução do caso jurı́dico, desse
modo “aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de
cada um” (DWORKIN, 2002, p. 42).
Se duas regras entram em conflito, pode o jurista constatar que um delas é
inválida para regulamentar o caso jurı́dico. Os conflitos entre regras são resolvidos
por um sistema preestabelecido, que é, ele próprio, um sistema de regras jurı́dicas
que delineiam teste de validade (vigência). Há “sempre” uma regra que prevalece
em relação a outra. Os critérios da escolha são fornecidos pelo sistema, como, por
exemplo, o fato de uma das regras ser mais recente, de ser mais especı́fica ou até
mesmo de possuir uma maior importância tipológica dentro do sistema jurı́dico5 .
Já com relação a solução do confronto entre regra e princı́pio. Dworkin
sustenta que uma regra pode recepcionar, expressamente, um princı́pio caso em que
está atribuindo uma maior relevância (por exemplo, princı́pios jurı́dicos fundamen-
tais). Não obstante, pode ocorrer também que, em outras circunstâncias, princı́pios
(coerentes com as regras do direito democrático) afastem a aplicação de uma regra.
Isso ocorre sempre que se entende que o peso daquele grupo de princı́pios (princı́pios
morais, polı́ticos, econômicos etc. recepcionados como princı́pios jurı́dicos) é maior
do que da regra expressa no sistema jurı́dico.
5
Para Herbert Hart os princı́pios se distinguem das regras tão somente por uma questão de
grau, não se podendo diferenciar as regras dos princı́pios à “maneira do tudo-ou-nada”, até porque
mesmo “uma regra jurı́dica superada, em concorrência com uma regra mais importante num caso
dado, pode, tal como um princı́pio, sobreviver, para determinar o resultado em outros casos”
(HART, 2005, p. 322). Nesse sentido, entre regras com a mesma hierarquia, analisado o caso
prático, o juiz está obrigado a atribuir um peso para afastar ma dessas regras. Isso ocorre, por
exemplo, quando há conflitos entre direitos fundamentais.
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Referências