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Aula 06: Teoria dos Princı́pios Jurı́dicos

de Ronald Dworkin

Rodrigo Costa Ferreira∗


rodrigouepb@yahoo.com.br
rodrigoufrn@yahoo.com.br
CCJ – UEPB – UFRN

Texto em Construção

19/06/2018

Para os meus alunos.

Resumo

Nessa aula pretendemos abordar a teoria do direito elaborada pelo jurista


americano Ronald Dworkin. Para tanto, explanamos alguns conceitos jurı́dicos
fundamentais: polı́tica, princı́pios jurı́dicos, caso difı́cil, poder discricionário,
integridade e coerência. Para Dworkin as nossas práticas jurı́dicas indicam
que o direito não pode ser compreendido exclusivamente por meio de pro-
cessos mecânicos como sugere, em geral, o positivismo jurı́dico, devendo esse
ser percebido como a união de padrões expressos (como as regras jurı́dicas) e
padrões não-expressos (como os princı́pios). Os princı́pios não expressos nos
textos jurı́dicos ou por meio de outras vias oficiais do direito (princı́pios mo-
rais, polı́ticos, econômicos etc.), uma vez evocados para solucionar demandas
por direitos individuais, devem se ajustar aos direitos existentes no sistema
jurı́dico democrático, observada ao final a necessidade de coerência desses com
o conteúdo normativo da Constituição.

Palavras-chave: Princı́pios Jurı́dicos; Poder Discricionário; Integridade.

1 Introdução
Para Ronald Dworkin (2002, 1999) o positivismo jurı́dico de autores como
Hans Kalsen, Norberto Bobbio, John Austin e, em especial, aquele elaborado por
Herbert L. A. Hart, ao qual terce as suas maiores crı́ticas, falha ao tentar descre-
ver o direito, pois não levam em consideração as formas como ele se manifesta ao

Doutor em Filosofia Analı́tica pela UFPB–UFRN–UFPE; Mestre em Lógica Matemática pela
UFPB; Professor Adjunto de Filosofia e Teoria do Direito na Universidade Estadual da Paraı́ba
(UEPB – CCJ) e na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN – DA – CERES).

1
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longo das práticas jurı́dicas (decisões judiciais, petições ou mesmo atos produzidos
por advogados, promotores, funcionários públicos, entre outros). Isso procede, se-
gundo Dworkin, em razão do Positivismo Jurı́dico basear a sua análise do direito
em construções artificiais e mecânicas (por exemplo: norma fundamental ou regra
secundária de reconhecimento).
Observa ainda que no dia a dia forense os juristas se deparam, com frequência,
com casos difı́ceis que não podem ser solucionados com padrões expressos, tal como
uma regra jurı́dica. Uma vez que aos jurista não é dada a oportunidade de dene-
gar a justiça, veem-se obrigados a oferecer uma resposta a caso jurı́dico. Sob tais
circunstâncias, os juristas aplicam padrões de ordem moral e polı́tica (ou mesmo
econômico) como solução a esse tipo caso. Entretanto, de modo a evitar arbitra-
riedades, como a não observância da ampla defesa e do contraditório, tais padrões
devem se adequar ao (ou, quem sabe, devem ser inferidos do) sistema democrático de
direitos individuais, caso no qual, ao final, se apresentarão como princı́pios jurı́dicos.
Atendida a exigência de coerência com as regras jurı́dicas do direito democrático vi-
gente, esses princı́pios serão aplicados como “solução” das lides que demandam o
reconhecimento de algum direito individual. É nesse âmbito restrito, portanto, que
um princı́pio jurı́dico (princı́pio moral, polı́tico, econômico etc. recepcionado pelo
direito) deve ser aplicado.
Na teoria do direito de Dworkin os princı́pios jurı́dicos surgem como uma
alternativa de solução dos casos difı́ceis contra a arbitrariedade dos “novos direi-
tos” criados pelo detentor do poder discricionário, como proposto por Herbert L.
A Hart, na sua obra O Conceito de Direito (The Conception of Law, 1961). Como
observamos em outra aula, Hart propõe que os juristas ao enfrentarem casos difı́ceis,
objetivando apresentar uma resposta a esses, devem fazer uso irrestrito do poder dis-
cricionário, ou seja, o “poder de criar novos direitos”. Nesse momento, como sugere
Hart, os juristas gozam de uma liberdade plena para criarem o direito. Entretanto,
Dworkin chama a nossa atenção para alguns problemas que veem a tona ao aca-
tarmos, como membros de um Estado Democrático de Direito, a versão hartiniana
de poder discricionário. O problema mais grave que surge em razão do uso desse
tipo de poder discricionário é o da inobservância da máxima democrática funda-
mental da ampla defesa. Afinal, se o direito é criado no “calor do julgamento”, isto
é, depois dos fatos (ex post facto), não há o conhecimento prévio por parte do réu
deste direito, o que prejudica a sua capacidade de defesa (o contraditório). Mas,
afinal, como a aplicação de um princı́pio jurı́dico possibilita superar esse problema
e outros que surgem com o uso ilimitado do poder discricionário? Nas próximas
seções discutimos com mais detalhes essa inquetação.

2 Direito como a Integridade de Regras Jurı́dicas


e Princı́pios Jurı́dicos
Para Ronald Dworkin (1999, 2002) o positivismo jurı́dico é uma teoria ina-
dequada do direito por rejeitar a ideia de que indivı́duos possam ter, em um processo
judicial, outros direitos jurı́dicos além daqueles expressamente determinados pelas
regras jurı́dicas institucionais. Dworkin (1999, 2002), mediante esse entendimento,
realiza um ataque geral ao positivismo jurı́dico, tendo como alvo especı́fico o positi-
vismo jurı́dico de Herbert L. A. Hart.
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Ao longo de alguns artigos compilados no livro Levando os Direitos a Sério


(Taking Rights Seriously, 1978), Dworkin (2002) propõe uma teoria do direito alter-
nativa que tem por objetivo mostrar como os indivı́duos podem ter as suas demandas
por direitos atendidas, mesmo nos casos difı́ceis quando não existem decisões judi-
ciais ou práticas expressas no âmbito institucional.
A sua teoria do direito estabelece uma teoria normativa da decisão que, pri-
meiro, enfatiza a distinção entre argumentos de princı́pios e argumentos de polı́tica
e, segundo, defende a tese de que decisões judiciais baseadas em princı́pios jurı́dicos
podem ser compatı́veis com as exigências de um Estado Democrático de Direito (de-
vido processo legal, ampla defesa, contraditório, juiz natural etc.), observada algumas
condições.
Ao perguntarmos o que é o direito, estamos em busca de uma teoria sobre
como utilizar o conceito de direito e o conceito de obrigação jurı́dica que elucidem os
compromissos conceituais que os seus usos implicam. Na opinião de Dworkin, nesse
sentido, não é possı́vel construirmos uma teoria adequada do direito se considerarmos
as nossas práticas supérfluas, já que por meio dessas podemos identificar manejos
importantes dos conceitos de direito e de obrigação jurı́dica.
Devemos, assim, olharmos com seriedade para as nossas práticas judici-
ais, para só então estabelecemos um quadro teórico contundente à teoria do di-
reito. Ao fazermos isso, enfatiza Dworkin, percebemos que os juristas ao se depa-
rarem com casos difı́ceis, nos quais o raciocı́nio ou o debate a respeito de direitos e
obrigações jurı́dicas são mais agudos, recorrem a padrões que não funcionam como
regras (padrões canônicos explı́citos), mas como princı́pios (padrões não explı́citos),
cuja operacionalidade é diferente. Portanto, para Ronald Dworkin (2002, p. 47 ss)
o direito contempla algo de fundamental além das regras jurı́dicas: os princı́pios 1 .
Dworkin (2002, p. 159 ss) entente que todos os princı́pio, utilizados para
solucionar um caso jurı́dico ou para compor um argumento jurı́dico, devem se ajus-
tar ao (ou ser inferidos do) sistema jurı́dico de regras jurı́dicas vigente no âmbito do
um Estado Democrático. Como há uma triagem institucional dos conteúdos morais,
polı́ticos, econômicos etc. do princı́pios, em especial, à luz da Constituição Federal
que estabelece além de uma cartilha de direitos e deveres fundamentais, diretivas
polı́ticas, podemos conferir a esses conteúdos legalidade jurı́dica e legitimidade de-
mocrática.
A nossa doutrina sugere a seguinte classificação de princı́pios jurı́dicos:

(1) Princı́pios Gerais do Direito;

(2) Princı́pios Estruturais;

(3) Princı́pios Fundamentais;

(4) Princı́pios Setoriais.

Dworkin acrescenta a este rol os (5) Princı́pios Morais e Polı́ticos que são
princı́pios jurı́dicos que têm conteúdo moral e polı́tico, mas que não se confundem
1
De modo pioneiro, nesses termos, propõe Roscoe Pound (apud VALE, 2009, p. 58): “ O direito
é algo mais de que um corpo de regras. Consiste em regras, princı́pios, conceitos e critérios (ou
padrões) para a conduta e para a decisão”.
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com as prescrições da moral e da polı́tica. Estes conteúdos ainda que se remetam a


algum valor moral ou meta coletiva são exigências por direitos individuais.
Os (1) princı́pios gerais do direito 2 , em geral, não estão escritos, tendo ordi-
nariamente a forma de “brocardos jurı́dicos”. São exemplos de brocardos jurı́dicos:
“Na dúvida, o juiz deve antes absolver que condenar”, “Deixa-se ao arbı́trio do juiz
o que não é definido pelo direito (pela lei)”, “O acessório segue a natureza do princi-
pal”, entre outros. Já os (2) princı́pios estruturais não se revelam de modo explı́cito
nos textos normativos. Por exemplo, o princı́pio do duplo grau de jurisdição não
está expresso no texto constitucional, a sua existência só é detectada a partir da
interpretação que fazemos da forma como a nossa Constituição Federal estrutura os
nossos tribunais. Eis, grosso modo, a organicidade proposta por nossa Constituição:
temos o Supremo Tribunal Federal acima de todos os outros tribunais, logo pode-
mos falar de uma dupla jurisdição. Por sua vez, os (3) princı́pios fundamentais,
diferentemente da categoria anterior, estão explicitamente enunciados. O princı́pio
da dignidade pessoa humana, presente no Art. 1, III, da nossa Constituição Federal,
é um exemplo desse tipo de princı́pio. Temos, ainda, os (4) princı́pios setoriais:
princı́pios próprios de cada ramo do direito. Tomemos como exemplo o princı́pio
da proteção do trabalhador (in dubio pro operario), exclusivo da dogmática jurı́dica
trabalhista ou do direito do trabalho, inexistente em outro ramo do direito.
Em sua teoria do direito Dworkin (2002, p. 36 ss) explora, em especial,
os princı́pios morais e polı́ticos por acreditar que desempenham um papel essen-
cial na decisão jurı́dica, pois admite que sempre que necessário podem ser usados
como prescrições alternativas (ou integrativas) às regras jurı́dicas expressas pela au-
toridade que, por ventura, não oferecem respostas ao caso jurı́dico. Nesse sentido,
para jurista americano, o direito apesar de ser um sistema incompleto, ele é com-
plementável, ou seja, mesmo na ausência de regras jurı́dicas aplicáveis os juristas
podem sempre contar com um princı́pio (padrão de equidade a ser observado) como
solução aos casos jurı́dicos controvertidos (ou casos difı́ceis). O princı́pio a ser apli-
cado, por sua vez, pode não ser, por exemplo, um princı́pio setorial, um princı́pio
fundamental ou um princı́pio estrutural, mas antes um princı́pio moral e polı́tico
não localizado expressamente no ordenamento jurı́dico, mas presente no horizonte
moral e polı́tico ajustável (ou recepcionado pelas) às regras jurı́dicas já conhecidas
pelo ordenamento jurı́dico constitucional.
O juiz ao enfrentar um caso difı́cil, sugere Dworkin (2002), pode não ter em
mãos uma regra jurı́dica estatutária ou mesmo um precedente jurı́dico (como uma
jurisprudência), mas, certamente, terá uma princı́pio para o qual possa recorrer.
Lembremos que a lacuna está relacionada ao texto e não aos princı́pios, já que são
o resultado de uma construção hermenêutica (interpretação) realizada pelo juiz (ou
por juristas) que devem os recepcionar à luz do direito democrático já existente.
Quando isso ocorre, denotamos esses princı́pios como princı́pio jurı́dicos (normas
jurı́dicas ou proposições jurı́dicas de equidade). Vejamos melhor quais são as im-
plicações desta ideia ao estudarmos na seção a seguir o conhecido caso jurı́dico Riggs
vs. Palmer 3 , amplamente discutido por Dworkin (1999, p. 20; 2002, p. 37).
2
Para uma referência aos princı́pios gerais do direito no âmbito do ordenamento brasileiro ver
o Art. 4 da Lei de Introdução as Normas Brasileiras (Decreto–lei n◦ 4657/1947).

3
Para mais detalhes: USA, Court of Appeals of New York (2008).
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3 Caso Riggs vs. Palmer e o Uso do Princı́pio


Jurı́dico
No caso Riggs vs. Palmer (N.Y. 506, 22 N.E. 188 (1889)), a Sra. Riggs e a
Sra. Preston procuraram invalidar a vontade do seu pai, o Sr. Francis B. Palmer,
que havia concedido em testamento, no dia 13 de agosto de 1880, as suas filhas (as
demandantes) um pequeno legado da sua herança, enquanto para o seu neto Elmer
Palmer (o réu) deixou a maior parte dos seus bens, a serem geridos por sua mãe,
outra filha do testador, Susan Palmer, até atingir a idade legal.
Elmer sabia que era destinatário de grande parte dos bens do seu avô, te-
mendo que Francis B. Palmer alterasse o seu testamento, deixando-o sem nada,
pois havia casado a pouco, assassina-o por envenenamento. Embora existisse uma
legislação penal para punir Elmer pelo assassinato, não havia leis ou julgados que
invalidassem o seu direito à herança gerado pelo referido assassinato. Na verdade,
a “lei de sucessões”de Nova York – que determina a forma que um testamento deve
ter para ser considerado legalmente válido: quantos e que tipos de testemunhas deve
assinar; qual deve ser o estado mental do testador; de que maneira um testamento
válido, uma vez firmado, pode ser revogado ou alterado pelo testador, e assim por di-
ante, como muitas em vigor naquela época, não afirmava nada explicitamente acerca
de legatário citado em testamento poder ou não herda no caso em que assassina o
testador. Em razão disto, o assassino parecia ter em mente: ir preso, responder o
processo penal, cumprir a pena e, ao final, receber a herança.
No ano de 1889, o Tribunal de Apelações de Nova York emitiu, por maioria
dos seus membros, um parecer a favor das demandantes. Na ocasião, o tribunal
argumentou que um dos pressupostos gerais e fundamentais da polı́tica e da morali-
dade democrática do direito havia sido violado por Elmer Palmer, aquela que afirma
que “a ninguém será permitido lucrar com sua própria fraude, beneficiar-se com seus
próprios atos ilı́citos, basear qualquer reivindicação na sua própria iniquidade ou ad-
quirir bens em decorrência de seu próprio crime” (DIWORKIN, 2002, p. 37). Não
poderia Elmer lucrar com o crime que havia cometido. Os juı́zes alegaram ainda que
é razoável supor que nenhum legislador pode ter em mente todas as consequências
de qualquer lei a favor da qual ele vote. Ao final, concluem a argumentação afir-
mando que se os legisladores tivessem motivos para suspeitarem desse caso jurı́dico,
certamente, teriam legislado no sentido de coibi-lo.
O Tribunal de Apelações de Nova York ao fazer uso desse princı́pio jurı́dico
– um tipo de padrão diferente daquele que tomamos como “regras jurı́dicas”, um
padrão que não tem uma forma canônica expressa, sendo ele não-expresso e evocado
por uma “exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão de mora-
lidade” (DWORKIN, 2002, p. 36) – não deixou o caso sem solução. Todavia,
devemos questionar: (1) O procedimento de solução de casos difı́ceis por meio de
princı́pios jurı́dicos fere máximas democráticas fundamentais como a da ampla de-
fesa, do contraditório e a da separação dos três poderes?; (2) , Estariam os juristas
ao procederem desse modo exercendo o poder discricionário no sentido hartiniano?
Vejamos.
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4 Teoria da Discricionariedade, o Poder Discri-


cionário em Sentido Forte e a Moralidade Cons-
titucional
4.1 Teoria da Discricionariedade
Ronald Dworkin (2002, p. 50–53) desenvolve uma teoria da discricionari-
edade que demarca três modalidades de manifestação de poder discricionário: (1)
poder discricionário em sentido fraco; (2) poder discricionário em sentido menos
fraco e (3) poder discricionário em sentido forte.
Ocorre o sentido fraco quando o poder discricionário é exercido na apre-
ciação de determinados parâmetros previamente fornecidos. A liberdade deixada
ao agente comporta apenas a escolha dos critérios que orientam o julgamento dos
parâmetros fornecidos. Por exemplo, exerce o poder discricionário em sentido fraco
o militar ao qual é atribuı́da a tarefa de escolher três soldados “mais fortes” para
realizar determinada missão. Já estar determinado para a missão que devem ser es-
colhidos três soldados mais fortes. Porém, os critérios para avaliar quais são os mais
fortes podem variar. Cabe ao aplicador decidir se o soldado mais forte é aquele que
levanta maior peso, que tem o soco mais potente, que tem maior resistência fı́sica
etc.. A escolha envolve certa liberdade no julgamento dos critérios com relação ao
parâmetro fornecido.
Ao analisar as regras jurı́dicas do ordenamento jurı́dico brasileiro, o juiz
exerce a discricionariedade em sentido fraco quando está diante de conceitos jurı́dicos
indeterminados (“texturas abertas”), tal como o conceito de “igualdade” presente
no caput e inciso I do artigo 5, da nossa Constituição Federal. Podemos falar da
igualdade em sentido formal e da igualdade em sentido material. No primeiro sen-
tido, ao se distribuir aquilo que é devido, há uma abstração ao considerar as partes
como absolutamente iguais (é o que indica o caput do artigo 5 da nossa Constituição
Federal: “Todos são iguais perante a lei (...)”.). No segundo sentido, observa-se jus-
tamente as diferenças existentes entre as partes da lide, e em razão de uma regra
de proporcionalidade, trata-se os desiguais na medida das suas desigualdades (como
sugere o artigo 5, I, e demais artigos da nossa Constituição Federal relacionados a
este dispositivo legal: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição.”). Por exemplo, lembremos que a nossa Constituição
atribui prazos distintos à licença maternidade e à licença paternidade, tendo a pri-
meira um maior número de dias.
No sentido menos fraco, a discricionariedade pode ser exercida na escolha
dos próprios parâmetros. Voltando ao exemplo do militar, isso ocorrer na hipótese
em que a sua função é escolher três soldados “mais qualificados” para a missão. A
liberdade do militar, agora, vai além da simples avaliação de algum parâmetro pre-
viamente fornecido. Neste caso, é ele próprio quem deve determinar os parâmetros.
Fica livre para decidir se a qualificação mais importante para a missão é mesmo a
força, a agilidade, o conhecimento técnico ou a inteligência, por exemplo. Depois de
escolhidos os parâmetros deve avaliá-los de acordo com o seu próprio julgamento.
Sua decisão, no entanto, está vinculado à ideia de que o escolhido deve ser o “mais
qualificado”.
Na atividade judicial brasileira este nı́vel de discricionariedade é autorizado
tão somente por intermédio de regras jurı́dicas do nosso ordenamento jurı́dico que
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possibilitam ao juiz decidi por equidade. O julgamento por equidade está previsto,
por exemplo, no artigo 140, parágrafo único, do nosso Código de Processo Civil (Lei
n◦ 13.105/2015). O juiz além de ter a liberdade de escolha dos parâmetros, pode
livremente estabelecer os critérios de avaliação que devem delinear os parâmetros
escolhidos.
A discricionariedade em sentido forte envolve total liberdade de escolha.
De volta ao exemplo do militar, exerce o militar esse tipo de discricionariedade se
para a missão, para qual foi designado, tiver a liberdade de escolher “quaisquer”
um dos soldados disponı́veis. Esse nı́vel de discricionariedade é raro, em função do
enorme campo deixado ao exercı́cio do poder discricionário.
Exemplo emblemático da discricionariedade em senti forte no direito brasi-
leiro do trabalho é o da produção de normas no dissı́dio coletivo de ordem econômica.
Diante os conflitos de natureza econômica, presentes no dissı́dio coletivo do traba-
lho, no qual a divergência abrange reivindicações econômico-profissionais por parte
dos trabalhadores, visando alterar condições existentes na respectiva empresa ou
categoria, o juiz tem a difı́cil missão de estabelecer o direito, no qual não há re-
gras jurı́dicas expressas pela comunidade polı́tica. Imaginemos, por exemplo, certo
dissı́dio coletivo econômico no qual cabe ao juiz decidir entre o uso do uniforme
de cor azul ou vermelho ou pelo aumento ou não do salário de certa categoria. O
juiz, nesse tipo de dissı́dio, não está vinculado a nenhum parâmetro ou critério legal
preestabelecido.

4.2 Poder Discricionário em Sentido Forte e seu Caráter


Antidemocrático
Para Dworkin o uso do poder discricionário em sentido forte, como sugerido
por Hart (2005), é extremamente danoso à Democracia, uma vez que transgride
algumas máximas democráticas fundamentais. Entre essas máximas, em especial,
Dworkin (2002) analisa duas: (1) a máxima da separação dos três poderes e (2) a
máxima da irretroatividade da lei.

4.2.1 Máxima da Separação dos Três Poderes e o Uso do Poder Discri-


cionário em Sentido Forte
A máxima da separação dos três poderes surge como uma espécie de aparato
burocrático que tem por objetivo mitigar o poder diretivo da vida pública. Deste
modo, o poder é diluı́do na forma de outros três tipos distintos e autônomos de po-
deres: poder legislativo, poder judiciário e poder executivo. Cada um deles apresenta
funções tı́picas e atı́picas. As funções tı́picas são funções exclusivas de cada poder,
enquanto as funções atı́picas são funções que se aproximam em vários aspectos das
funções tı́picas, mas com elas não se confundem. Sabemos que cabe tão somente ao
legislativo a função tı́pica de criar leis de alcance geral (erga omnes), ao judiciário
a função tı́pica de aplicar essas leis e ao executivo a função tı́pica de administrar
a máquina estatal. Mas isso não significa dizer que, por exemplo, o judiciário não
possa elaborar algum tipo de lei, como é o caso da lei que estabelece o regimento
interno de determinado tribunal. Entretanto, esse tipo de lei não tem efeito erga
omnes. Dito isso, como, então, poderia um juiz criar uma lei de caráter amplo me-
diante o seu poder discricionário sem transgredir a máxima da separação dos três
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poderes?
Dworkin afirma que toda sentença jurı́dica fundamentada em princı́pios
trata tão somente questões relativas a demanda por direitos individuais, não tra-
tando de conteúdos polı́ticos de bem-estar problematizados pelos polı́ticos em sua
deliberações polı́ticas, as quais irão compor momentos importantes do processo de
criação das leis. Os direitos individuais não são criados pelos juristas sob uma ampla
discussão polı́tica, mas antes são reconhecidos por meio do restrito “jogo de práticas
do direito”. Tais direitos surgem a partir das mais diversas diretivas normativas
concebı́veis pelo raciocı́nio jurı́dico-democrático. Na sua teoria dos princı́pio, nesse
sentido, Dworkin destaca como diretiva normativa os princı́pios jurı́dicos. Vejamos
com mais detalhes essa tese.
É possı́vel que os legisladores por meio da lei (com “texturas abertas”)
expressem a sua intenção de conferir aos juı́zes a possibilidade de fazerem uso das
suas capacidades de julgar, a partir das quais fixam critérios que viabilizam aplicar
a leicom maior justeza (equidade). Nesse tipo de situação em que os juı́zes estão
autorizados a exercerem o poder discricionário em sentido fraco e menos fraco há
parâmetros que devem ser observados. A decisão jurı́dica, aqui, está subordinada a
parâmetros que traduzem, ainda que de modo geral, a “vontade geral” da lei, mas
que, por outro lado, deve ser melhor elucidada pelos juristas. Já num sentido forte,
como observamos na seção acima, o poder discricionário dos juiz não está limitado
pelos padrões da autoridade legislativa. No entanto, isso não significa dizer, como
sugere Dworkin (2002, p. 53), que o julgador esteja livre para decidir sem recorrer
a padrões de equidade.
Para o positivismo jurı́dico, como defende Dworkin, o juiz não tem poder
discricionário quando uma regra jurı́dica clara e estabelecida está disponı́vel. Na-
queles casos em que dispõe de regras de direito vagas (com “texturas abertas”), os
positivistas empregam o poder discricionário no sentido fraco (ou no sentido me-
nos fraco), “para dizer que, às vezes, os juı́zes devem formar o seu próprio juı́zo ao
aplicar padrões jurı́dicos” (DWORKIN, 2002, p. 54). Já o positivismo jurı́dico de
Hart aborda também o poder discricionário em seu sentido forte ao entender que
um juiz o pratica ao esgotar as regras expressas a sua disposição, não estando por
isto obrigado por quaisquer padrões derivados da autoridade da lei. Ou, por outras
palavras, “os padrões jurı́dicos que não são regras e são citados pelos juı́zes não
impõem obrigações a estes” (DWORKIN, 2002, p. 55). Então, diante de um caso
difı́cil no qual a ação judicial especı́fica não pode ser submetida a um padrão fixo,
estabelecido de antemão por alguma autoridade competente, tal como uma regra
jurı́dica, seja ela clara ou ambı́gua, o juiz tem o poder discricionário para decidir o
caso criando “novos direitos”.
A teoria do direito de Dworkin (2002, p.127) propõe que mesmo que ne-
nhuma regra regule o caso, uma das partes pode, ainda assim, ter direito de ganhar
a causa. O juiz continua tendo o dever, mesmo nos casos difı́ceis, de descobrir quais
são os direitos das partes, e não de inventar novos direitos. Para entendermos essa
tese, a partir de agora, devemos investigar qual é a distinção que Dworkin faz das
noções de “argumentos de princı́pio” e “argumentos de polı́tica” e como essa di-
cotomia nos permite avaliar a primeira objeção do uso do poder discricionário em
sentido forte apontada acima.
A teoria da decisão proposta pelo positivismo jurı́dico estipula, a primeira
vista, que os juı́zes devem aplicar os direitos formulados por outras instituições,
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não devendo eles criarem novos direitos. Entretanto, segundo Dworkin (2002, p.
128–129) ela reconhece que (1) as regras jurı́dicas podem ser vagas e que devem
ser interpretadas antes de se poder aplicá-las aos casos controvertidos; (2) há casos
jurı́dicos tão problemáticos e novos que não podem ser decididos sem se ampliar
ou reinterpretar as regras existentes. Portanto, justamente aqui os juı́zes devem
criar novos direitos. Devem promulgar as leis que, em sua opinião, os legisladores
promulgariam caso se vissem diante dos fatos problemáticos do caso difı́cil.
Se os juı́zes podem agir em circunstâncias especiais como se “legisladores
fossem”, então eles estão aptos a criarem leis a maneira desses agentes competentes:
em resposta a fatos e argumentos. Fica claro que os juı́zes que procedem como legis-
ladores ferem a competência do legislativo, pois subordinam as suas compreensões
dos casos difı́ceis a um argumento de polı́tica. Esse tipo de argumento, segundo
Dworkin (2002, p. 129), estabelece a construção ou proteção de algum objetivo
da comunidade como um todo. Mas, para Dworkin, os juı́zes costumam decidir os
seus casos não com base em argumentos de polı́tica, mas por meio de argumentos de
princı́pio que respeitam ou garantem um direito de um indivı́duo ou de um grupo.
Em razão disso, na verdade, para Dworkin “os juı́zes não deveriam ser e não são
legisladores delegados, e é enganoso o pressuposto de que eles vão além de decisões
polı́ticas já tomadas” (DWORKIN, 2002, p. 129).
E mais, decisões sobre polı́ticas devem ser operadas através de algum pro-
cesso polı́tico criado para oferecer uma expressão exata dos diferentes interesses que
devem ser levados em consideração. Pode ser que o sistema polı́tico da democracia
representativa funcione com indiferença nesse aspecto, mas funciona melhor do que
um sistema que permite que “juı́zes não eleitos, que não estão submetidos a gru-
pos de pressão ou a a cobranças do eleitorado, estabeleçam compromissos entre os
interesses concorrentes em suas salas de audiências” (DWORKIN, 2002, p. 133).
Conclusão: os juı́zes não devem usar polı́ticas (proposições que descrevem metas4 )
para justificarem as suas decisões, mas sim princı́pios jurı́dicos (proposições que
descrevem diretos).
Por outro lado, o juiz quando fundamenta as suas sentenças em argumentos
de princı́pio estabelece “alguma vantagem apresentada por quem reivindica o direito
que o argumento descreve, uma vantagem cuja natureza torna irrelevantes as sutis
discriminações de qualquer argumento de polı́tica que a ela se pudesse opor. Assim,
um juiz que não é pressionado pelas demandas da maioria polı́tica, que gostaria de
ver seus interesses protegidos pelo direito, encontra-se, portanto, em uma melhor
posição para avaliar o argumento” (DWORKIN, 2002, p. 134).
Sabemos que a decisão de um caso difı́cil deve ser uma decisão sobre direitos
das partes e que as razões que os juı́zes articulam para seu convencimento devem ser
4
Para Dworkin (2002, p. 142–143) um objetivo polı́tico não-individual é uma meta. Uma
meta é “um estado de coisas cuja especificação não requer a concessão de nenhuma oportunidade
particular, nenhum recurso ou liberdade para indivı́duos determinados” (DWORKIN, 2002, p.
143). As metas estimulam as trocas de benefı́cios e encargos no seio de uma comunidade como
um todo. Algumas concepções de igualdade podem ser consideradas metas. Por exemplo, uma
comunidade pode visar uma distribuição na qual a riqueza máxima seja mais do que o dobro da
riqueza mı́nima, ou, segundo uma outra concepção, nenhum grupo racional ou étnico tenha menos
propriedade que outros grupos. A igualdade enquanto meta está subordinada a um entendimento
de bem coletivo agregado, de modo que uma oferta menor de algum benefı́cio a um homem possa
ser justificada simplesmente mostrando que isso levará a um maior benefı́cio geral. Quando os
juı́zes, por outro lado, ao deliberarem sobre o direito à igualdade, os processam como um “direito
polı́tico” ao sugerirem o seu impacto sobre situações sociais particulares e complexas.
——————– Teoria dos Princı́pios Jurı́dicos de Ronald Dworkin ——————10

do tipo que justificam o reconhecimento ou a negação desses direitos. Se os diretos


não devem ser criados por nossos magistrados, onde então eles devem reconhecê-los?
Se entendermos o direito como um jogo de regras, devemos afirmar que em
seu âmbito existem de regras que o constituem (regras constitutivas) e o regulamen-
tam (regras regulativas). Esse conjunto de regras indicam a natureza desse jogo, a
qual devemos conhecer caso haja a necessidade de inferimos dela padrões implı́citos
que nos permitam atender alguma demanda por direitos, ainda de tais direitos não
estejam expressos no conjunto de regras do jogo que chamamos de direito. Em geral,
para nós juristas a regra mais expressiva do jogo direito é a Constituição.
Dworkin (2002, p. 166–167) entende que a Constituição estabelece um sis-
tema polı́tico geral que é adequado o bastante para que o consideremos consolidado
por razões de equidade. Os cidadãos se beneficiam do fato de viverem em uma so-
ciedade cujas instituições são ordenadas e governadas de acordo com esse sistema.
Ainda que insatisfeitos, entendem que devem assumir os encargos da vida pública,
pelo menos até que um novo sistema entre em vigor, quer por meio de uma emenda
distinta, que por meio de uma revolução geral. Em razão disso, os juı́zes devem ques-
tionar qual sistema de princı́pios é estabelecido pela estrutura jurı́dica- democrática
das regras jurı́dicas vigentes. Ou seja, eles devem elaborar ao mesmo tempo uma
teoria do direito e uma teoria polı́tica, as quais em sı́ntese representam uma teoria
constitucional, que lhes digam qual é a natureza do jogo do direito enquanto um
complexo de regras, princı́pios e polı́ticas, para só então a partir daı́ estabelecer al-
gum padrão de equidade (princı́pio jurı́dico) que se ajuste às regras constitucionais.
Portanto, os juristas não têm a liberdade plena de oferecer qualquer tipo
de princı́pio como solução de um caso difı́cil conformem as suas convicções morais
ou polı́ticas, mesmo que visem atender a um apelo de uma “moralidade popular”
(a maior das metas polı́ticas). Os juı́zos dos juristas, por outro lado, devem estar
subjugados a uma “moralidade constitucional”. Assim, conforme Dworkin (2002, p.
197) os indivı́duos têm o “direito as suas instituições”. É esse direito constitucional,
do modo como o define a moralidade constitucional da comunidade polı́tica, que os
juristas devem defender contra qualquer opinião arbitrária, por mais popular que
seja. A teoria constitucional de Dworkin, por fim, estabelece a “moralidade consti-
tucional da comunidade” como uma “moralidade comunitária” (intersubjetiva) que
nada mais é do que uma “moralidade polı́tica” (tradição) que as leis, os princı́pios
e as instituições pressupõem.

4.2.2 Máxima da Irretroatividade da Lei e o Uso do Poder Discricionário


em Sentido Forte
Dworkin observa que se o juiz diante de um caso jurı́dico para o qual não
dispõe de previsão legal, ele inventa o direito na ocasião do julgamento, fere a
máxima democrática da irretroatividade da lei. Afinal, “cria uma nova lei e aplicá-la
retroativamente ao caso que tem diante de si, a parte perdedora será punida, não
por ter violado algum dever que tivesse, mas, sim, por ter violado um novo dever,
criado pelo juiz após os fatos” (DWORKIN, 2002, p. 132). Ou seja, sob esse ponto
de vista a lei que retroage no tempo impossibilita o direito de defesa da parte. Como
não há o devido contraditório ou uma ampla defesa, por conseguinte, não podemos
falar de um devido processo legal (procedimento basilar do Estado Democrático de
Direito).
——————– Teoria dos Princı́pios Jurı́dicos de Ronald Dworkin ——————11

O magistrado ao atuar de forma discricionária não o faz sem sofrer inúmeras


restrições. A liberdade de “criar” direitos para Dworkin está limitada ora pelas re-
gras do ordenamento jurı́dico, ora por padrões presentes no horizonte moral, polı́tico,
econômico, e assim por diante, da sociedade civil. Ou seja, essas limitações são pro-
venientes (1) do sistema de regras jurı́dicas na forma de mecanismos de controle do
exercı́cio da discricionariedade judicial (sentido fraco ou menos fraco de poder discri-
cionário); e (2) de padrões de justiça e equidade (em especial, princı́pios) presentes
na moralidade comunitária, nas suas relações polı́ticas, econômicas, de decoro etc.,
desde que ajustáveis as regras já reconhecidas por nossas instituições.
Argumenta Dworkin que se a decisão jurı́dica está baseada em certos princı́pios
aceitos pela comunidade democrática e coerentes com as diretivas normativas da
Constituição, goza de legitimidade democrática, e por conta disso cumpri perfeita-
mente a máxima do devido processo legal. Afinal, nesse sentido, o juiz não legisla
ex post facto ou “cria” o direito, na verdade o “reconhece” em padrões morais e
polı́ticos, por exemplo, de algum modo já recepcionados pelas regras que regulamen-
tam as práticas sociais da comunidade polı́tica. Com isso, os juı́zes que decidiram
o caso Riggs vs. Palmer não feriram a ampla defesa e o contraditório do réu, pois
o princı́pio moral e polı́tico que diz que “ninguém deve se beneficiar de um crime”
existe muito antes do crime ter sido praticado por Palmer, padrão esse que subjaz
ao próprio direito ao compor a sua razão de prudência. Não poderia ele, então,
alegar o desconhecimento desta norma moral e polı́tica de cunho democrático, já
que cresceu e foi formado em meio a essa tradição.

4.3 Moralidade Constitucional, Coerência e Integridade


Observada a necessidade de se aplicar os princı́pios de ordem moral, polı́tica,
econômica etc., em caso da ausência de padrão preexistente (regra jurı́dica) que
estabeleça uma solução ao caso jurı́dico, deve o juiz oferecer decisão valendo-se de
outras prescrições presentes em outros sistemas normativos (a polı́tica, a economia,
a moralidade, os costumes etc.). Entretanto, ele deve ter o cuidado de observar se
os conteúdos normativos importados são compatı́veis com aqueles enunciados pelo
sistema jurı́dico do Estado Democrático de Direito, cujas moralidade e polı́ticas estão
institucionalizadas ao longo das suas prescrições e práticas institucionais. Assim, por
exemplo, se o jurista pretende utilizar um princı́pio moral e polı́tico para solucionar o
caso, como observamos no caso Riggs vs Palmer, ele deve observar se esse é coerente
como o direito existente manifesto na Constituição ou mesmo numa lei ordinária
(constitucional) – no caso Riggs vs Palmer essa lei ordinária é a lei que regulamenta
o instituto jurı́dico do testamento. Portanto, a coerência que determina que não
deve existir incompatibilidade entre as normas jurı́dicas (proposições jurı́dicas) é
condição sine qua non para a aplicação dos princı́pios.
Outra condição necessária à interpretação adequada do direito é a integri-
dade. Segundo a exigência da integridade, as decisões jurı́dicas (jurisprudências)
devem seguir uma mesma linha de raciocı́nio coerente. Assim, a integridade do
direito se constrói a partir do respeito à história das decisões judiciais (constitucio-
nalmente válidas).
No ensaio De que Maneira o Direito se Assemelha à Literatura, contido no
livro Uma Questão de Princı́pios (1985), Dworkin explica como o juiz ao dizer com
integridade o direito deve fazer uso da memória ou do “jogo da linguagem jurı́dica”
——————– Teoria dos Princı́pios Jurı́dicos de Ronald Dworkin ——————12

formulado ao longo de práticas jurı́dicas da tradição jurı́dico-democrática:


Cada juiz, entende Dworkin (2005, p. 238), é como um romancista na
corrente. Ele deve ler tudo o que outros juı́zes escreveram no passado, não apenas
para descobrir o que disseram, ou seu estado de espı́rito quando o disseram, mas
para chegar a uma opinião sobre o que esses juı́zes fizeram coletivamente, da maneira
como cada um de nossos romancistas formou uma opinião sobre o romance escrito
até então. Qualquer juiz obrigado a decidir uma demanda descobrirá, se olhar nos
livros adequados, registro de muitos casos plausivelmente similares, decididos há
décadas ou mesmo séculos por muitos outros juı́zes, de estilos e filosofias judiciais e
polı́ticas diferentes, em perı́odos nos quais o processo e as convenções judiciais eram
diferentes. Ao decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se como parceiro de um
complexo empreendimento em cadeia, do qual essas inúmeras decisões, estruturas,
convenções e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro
por meio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem
a responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir em
alguma nova direção. Portanto, deve determinar, segundo seu próprio julgamento, o
motivo das decisões anteriores, qual realmente é, tomado como um todo, o propósito
ou tema da prática até então.
O juiz tem a difı́cil missão de ao julgar manter um pé na tradição e outro
na vanguarda. Na tradição das decisões precedentes e dos direitos fundamentais ele
mantem um laço com a tradição constitucional e polı́tica que fixa certo quadro de
estabilidade à vida social, a qual, apesar de ter vários aspectos importante regula-
mentados pelas regras e práticas jurı́dicas, não é estática. Deve, assim, as decisões
dentro dos parâmetros constitucionais, na medida da elasticidade jurı́dicas que eles
comportam, inovarem sempre que existir a necessidade de atender uma demanda
por direitos individuais. Com isso, é fácil observar que integridade está intimamente
ligada à moralidade democrática constitucional que exige que os juı́zes construam
seus argumentos de forma integrada ao conjunto democrático de direitos individuais
e as decisões constitucionalmente adequadas já firmadas (tradição jurisprudencial
constitucional).

5 Regras Jurı́dicas e Princı́pios Jurı́dicos: Natu-


rezas e Conflitos
A teoria dos princı́pios de Ronald Dworkin distingui em termos teóricos as
regras jurı́dicas, os princı́pios, as polı́ticas e outros tipos de padrões, como em parte
já observamos. Na presente seção discutimos os seus critérios lógicos de distinção
entre regras jurı́dicas e princı́pios jurı́dicos formulados.
A diferença entre regras jurı́dicas e princı́pios, segundo Dworkin (2002, p.
39-43), é de natureza lógica. As regras jurı́dicas têm pedigree. Sabemos quem
as promulgou, a sua tipologia e até mesmo se tem um prazo de validade. Já os
princı́pios são máximas de equidade que são elaboradas em meio a uma tradição
difı́cil de ser estabelecida num ponto exato do tempo e espaço, cujos autores são
anônimos ou o autor é toda a coletividade.
Quanto á aplicação, como indica Dworkin as regras jurı́dicas,são aplicáveis
à maneira do tudo-ou-nada (all-or-nothing). Observados os fatos que uma regra
regulamenta, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve
——————– Teoria dos Princı́pios Jurı́dicos de Ronald Dworkin ——————13

ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão.
Dworkin examina, inicialmente, o modo de funcionamento do tudo-ou-nada
das regras não no âmbito do direito, mas no contexto de um popular jogo americano:
o jogo de beisebol. Nesse jogo há uma regra que estipula que se o batedor errar três
bolas está fora do jogo. O juiz ao reconhecer que essa regra tem um enunciado
preciso, não pode decidir que um batedor que errou três bolas não está eliminado.
A regra, nesse caso, é aplicável e, portanto, é válida. No âmbito do direito, por
exemplo, se a exigência de que o testamento válido é aquele que é assinado por três
testemunhas é uma regra jurı́dica válida, então nenhum testamento será validado
quando assinado por apenas duas testemunhas.
A lógica de aplicação dos princı́pios é diferente. Eles possuem uma dimensão
que as regras não possuem: a dimensão de peso (dimension of weight). No conflito
entre princı́pios, o princı́pio com peso maior (com o grau de justiça maior ou com
uma retórica mais expressiva) sobrepõe-se ao outro, sem que percam as suas vali-
dades. Cada princı́pio, em determinadas circunstâncias, tem um peso próprio, e é
justamente da argumentação entre eles que surge a solução do caso jurı́dico, desse
modo “aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de
cada um” (DWORKIN, 2002, p. 42).
Se duas regras entram em conflito, pode o jurista constatar que um delas é
inválida para regulamentar o caso jurı́dico. Os conflitos entre regras são resolvidos
por um sistema preestabelecido, que é, ele próprio, um sistema de regras jurı́dicas
que delineiam teste de validade (vigência). Há “sempre” uma regra que prevalece
em relação a outra. Os critérios da escolha são fornecidos pelo sistema, como, por
exemplo, o fato de uma das regras ser mais recente, de ser mais especı́fica ou até
mesmo de possuir uma maior importância tipológica dentro do sistema jurı́dico5 .
Já com relação a solução do confronto entre regra e princı́pio. Dworkin
sustenta que uma regra pode recepcionar, expressamente, um princı́pio caso em que
está atribuindo uma maior relevância (por exemplo, princı́pios jurı́dicos fundamen-
tais). Não obstante, pode ocorrer também que, em outras circunstâncias, princı́pios
(coerentes com as regras do direito democrático) afastem a aplicação de uma regra.
Isso ocorre sempre que se entende que o peso daquele grupo de princı́pios (princı́pios
morais, polı́ticos, econômicos etc. recepcionados como princı́pios jurı́dicos) é maior
do que da regra expressa no sistema jurı́dico.

5
Para Herbert Hart os princı́pios se distinguem das regras tão somente por uma questão de
grau, não se podendo diferenciar as regras dos princı́pios à “maneira do tudo-ou-nada”, até porque
mesmo “uma regra jurı́dica superada, em concorrência com uma regra mais importante num caso
dado, pode, tal como um princı́pio, sobreviver, para determinar o resultado em outros casos”
(HART, 2005, p. 322). Nesse sentido, entre regras com a mesma hierarquia, analisado o caso
prático, o juiz está obrigado a atribuir um peso para afastar ma dessas regras. Isso ocorre, por
exemplo, quando há conflitos entre direitos fundamentais.
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Referências

1. DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução Nelson Bo-


eira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

2. —————. O Império do Direito. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São


Paulo: Martins Fontes, 1999.

3. HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Men-


des. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005.

4. USA. Philo Riggs, as Guardian ad litem et al., Appellants, v. Elmer E. Palmer


et al., Respondents. Court of Appeals of New York . Submitted June 21,
1889 . Decided October 8, 1889. 115 NY 506. CITE TITLE AS: Riggs v Pal-
mer. Disponı́vel em: http:// www.courts.state.ny.us/reporter/archives/riggs
palmer.htm. Acesso em: 30 de junho de 2011.

5. VALE, André Rufino. Estrutura das Normas de Direitos Fundamentais.


São Paulo: Saraiva, 2009.

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