Vous êtes sur la page 1sur 94

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS – FAFIC


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS –
PPGCISH

THASSIO MARTINS DE OLIVEIRA DIAS

TINTA E DOR: A PRÁTICA DA TATUAGEM NA CONSTRUÇÃO DA


IDENTIDADE

Mossoró, RN
2014
THASSIO MARTINS DE OLIVEIRA DIAS

TINTA E DOR: A PRÁTICA DA TATUAGEM NA CONSTRUÇÃO


DA IDENTIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais e Humanas da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Ciências Sociais e humanas.

Área de Concentração: Cotidiano, identidades e


subjetividades.

Orientadora:
Dra. Maria Cristina Rocha Barreto

Mossoró, RN
2014
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Dias, Thassio Martins de Oliveira.

Tinta e dor: a prática da tatuagem na construção da identidade. / Thassio


Martins de Oliveira Dias. – Mossoró, RN, 2014.

94 f.
Orientador(a): Profa. Dra. Maria Cristina Rocha Barreto

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais e Humanas). Universidade do


Estado do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais e Humanas.

1. Identidade - Construção - Dissertação. 2. Tatuagem - Corpo. 3. Poder. I.


Barreto, Maria Cristina Rocha. II. Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte. III.Título.

UERN/BC CDD 305.3


Em memória de Francisco de Assis, Chicão.
AGRADECIMENTOS

À CAPES e CNPQ pelo suporte financeiro que possibilitou este trabalho.

À Prof.ª Dra. Maria Cristina Rocha Barreto, pela aposta feita na presente pesquisa e
pelas orientações que tiveram grande peso na construção deste trabalho.

Aos professores e professoras do PPGCISH, que possibilitaram, direta e


indiretamente, a minha formação enquanto pesquisador.

À todas as pessoas que tornaram possível esta pesquisa, em especial a Joaquim, Luan,
Jean e a todos os outros tatuados, pela confiança e empolgação em todas as conversas que
tornaram esta pesquisa possível.

À Chicão, por ter aberto as portas do seu estúdio, pela confiança e camaradagem.
“A profundidade da pele é hospitaleira para
todos os significados.”

(David Le Breton)
Tinta e dor: a prática da tatuagem na construção da identidade.

RESUMO

A prática da tatuagem encontra-se cada vez mais difundida em nossa sociedade ocidental
urbana, não apenas enquanto um desejo de embelezamento corporal, mas principalmente
atrelada à ideia de distinção do outro, do comum. As marcas corporais são encaradas como
uma forma de singularização por muitos indivíduos, uma maneira de cristalizar em si uma
identidade escolhida, e por esta via (re)significando o próprio corpo. O presente trabalho visa
discutir o papel da tatuagem na construção da(s) identidade(s) dos indivíduos que se utilizam
desta prática, buscando compreender de que maneira esta prática se torna uma realização de
um desejo que “não tem preço”, constituindo uma marca de sua autonomia corporal através de
um procedimento estético, onde a ressignificação da dor se torna uma forma de superação, ao
mesmo passo que uma evidência para si, funcionando como atestado de que se está a altura
deste desafio. O corpo é percebido enquanto um território a ser conquistado, geograficamente
pensado enquanto potencializador das marcas inscritas, as quais são estrategicamente
dispostas, configurando um jogo de sedução onde se fundamenta uma estética da presença. A
busca por um traço singular e único é encarado como uma forma de diferenciação e
individualização, uma impressão de traços primordiais à(s) identidade(s). Através deste
prisma, discutiremos a noção de corpo e como este se constitui dentro das relações de poder e
saber, as quais buscam o controlar através de uma padronização. Discutiremos também a
noção de identidade, na medida em que esta se encontra inserida dentro de padrões culturais e
linguísticos que tornam possível a sua representação, e como esta noção tornou-se
fragmentada e múltipla em nossa sociedade ocidental contemporânea. A tatuagem atuaria para
estes indivíduos enquanto uma prática de liberdade sobre si, na qual exercem uma autonomia
sobre seus corpos, buscando imprimir em sua pele desejos, gostos e memórias no intuito de
cristalizar uma identidade efêmera, objetivando através das marcas corporais seus processos
de subjetivação.

Palavras-chave: Tatuagem. Corpo. Identidade. Poder.


Ink and pain: the practice of tattooing in identity construction

ABSTRACT

The practice of tattooing is increasingly widespread in our urban Western society, not only as
a desire for body embellishment , but mostly tied to the idea of distinction from the other ,
from ordinary. The body marks are seen as a way of singling out individuals for many , a way
to crystallize itself a chosen identity , and by this means redefining the body. This paper aims
to discuss the role of tattooing in the identity( s ) construction( s ) of those who uses this
practice, seeking to understand how this practice becomes a fulfillment of a wish that is
"priceless " , constituting a mark of their bodily autonomy through an aesthetic procedure ,
where the reframing of pain becomes a way of overcoming the same whereas evidence for
themselves , functioning as stating that this is the height of this challenge . The body is
perceived as a territory to be conquered , geographically thought while potentiating the
registered marks , which are strategically placed , setting up a game of seduction which is
based on an aesthetic presence . The search for a single trait and is only seen as a form of
differentiation and individualization , an impression of the primary traits of identity ( s ) .
Through this prism , we discuss the notion of the body and how it is constituted within
relations of power and knowledge , which seek control through standardization . Also
discussed the notion of identity , as it is embedded within cultural and linguistic patterns that
make possible their representation , and how this notion has become fragmented in our
contemporary Western society . The tattoo works for these individuals as a practice of
freedom on himself, which exert autonomy over their bodies , seeking to print on your skin
desires , tastes and memories in order to crystallize an ephemeral identity , aiming through the
body marks its processes of subjectivation

Keywords: Tattoo. Body. Identity. Power.


LISTA DE FOTOGRÁFIAS

Figura 1 - A friend ship never sinks, tatuagem no peito de Andreas simbolizando as


amizades. ................................................................................................................................. 41

Figura 2 - Tatuagem de Jean com o símbolo da banda norte americana Foo Fighters. .. 42

Figura 3 - Faz o que tu queres, pois é tudo da lei. Tatuagens de Emmeson que
contemplam o símbolo e parte da canção sociedade alternativa de Raul Seixas. .............. 44

Figura 4 - Tatuagem de Danie no antebraço. ....................................................................... 50

Figura 5 - Tatuagem no antebraço de Ivickson. Um estilo de vida impresso na pele. ..... 56

Figura 6 - Tatuagem da ilustração feita por Robert Crumb de Franz Kafka..................... 65

Figura 7 - 1º tatuagem de Danie. ........................................................................................... 67

Figura 8 – Tatuagens de Andreas com os símbolos das bandas Misftis e Municipal Waste.
.................................................................................................................................................. 69

Figura 9 - Tatuagem exclusiva feita para Joaquim. ............................................................ 75

Figura 10 - Tatuagens luck 7, fate nos dedos de Luan. ...................................................... 78


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11

1 CORPO E MARCAS CORPORAIS ........................................................................ 22

1.1 Breve olhar sobre o corpo no ocidente ............................................................... 22

1.2 Um corpo modelável ........................................................................................... 25

1.3 Identidades flutuantes ......................................................................................... 26

1.4 Tatuagem contemporânea: uma breve história ................................................... 32

1.5 Novos contornos da tatuagem ............................................................................. 35

2 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE .................................................................... 38

2.1 Identidade, significado e linguagem ................................................................... 38

2.2 Representação e diferença .................................................................................. 43

3 RISCANDO IDENTIDADES ................................................................................... 48

3.1 Corpos (in)disciplinados ..................................................................................... 48

3.2 Corpo, poder e sujeito em Foucault .................................................................... 51

3.3 Cuidados de si e liberdade .................................................................................. 56

3.4 A moderna bioascese e as bioidentidades ........................................................... 60

3.5 Horizontes do corpo ............................................................................................ 62

3.7 Um prazer doloroso ............................................................................................ 70

3.8 A busca pelo diferencial ..................................................................................... 73

3.9 O contato com o tatuador .................................................................................... 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 83

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 86

ANEXOS ....................................................................... Erro! Indicador não definido.


11

INTRODUÇÃO

O corpo humano é algo fascinante, único e comum em sua estrutura biológica, porém
não se limita apenas às características de natureza fisiológica. Este substrato material pode ser
capaz de possibilitar formas diversificadas de existência. Seu torso e membros, ações e
práticas, são um terreno fértil às mais variadas construções simbólicas, edificações que visam
uma composição de sentido, significado, valor. Por meio deste viés, as modificações corporais
podem ser consideradas enquanto práticas que visam moldá-lo, e desta maneira recompor sua
significação.

As culturas modificam os corpos, desde maneiras mais superficiais por meio de


vestimentas, pinturas corporais e cortes de cabelos, até transformações mais agudas através de
ferimentos, deformações, pigmentações: perfurar e escarificar a pele; alargar os lábios ou os
lóbulos auriculares; imprimir de forma indelével figuras e formas no corpo. Estas são algumas
das formas de interferir diretamente - e indiretamente - na experiência corporal e, assim, na
própria existência do ser.

Vivemos em uma sociedade cada vez mais voltada para o corpo, constituindo um
verdadeiro culto a este. A busca pela beleza na sociedade contemporânea tem levado vários
sujeitos a exercerem inúmeras práticas de modificações corporais no intuito de realçar
características ou esconder imperfeições. Ideais de beleza são veiculados através das mais
variadas mídias e a busca pelo corpo perfeito faz parte do cotidiano para muitas pessoas.
Através de exercícios, o body-building busca construir o corpo através de atividades físicas,
malhando para exaurir sinais de gordura e se livrar de fraquezas; os tratamentos biomédicos
buscam retardar o máximo possível os efeitos do envelhecimento e até mesmo a morte; as
maquiagens cumprem o papel de disfarçar ou realçar traços faciais; as cirurgias plásticas
visam mudar as silhuetas do corpo e o rosto de acordo com os anseios de indivíduos
insatisfeitos com suas formas. Dentre outras várias maneiras de se relacionar com o corpo e a
ideia construída de si, as mais variadas formas de modificações corporais fazem uma
reivindicação por uma identidade, cada vez mais efêmera e mutável na presente sociedade.

Nesta conjuntura, a tatuagem, enquanto uma prática de modificação corporal, pode nos
proporcionar uma aproximação do universo particular dos indivíduos, possibilitando enxergar
12

através de um prisma que dá acesso às constelações simbólicas dos sujeitos, na qual


constroem suas relações, tanto com a sociedade na qual se encontram “suturados” quanto
consigo mesmos.

O universo das modificações corporais está cada dia mais difundido na sociedade
urbana contemporânea, e a utilização de piercings e tatuagens não são mais consideradas
como algo tão estranho, anormal ou exótico, possuindo destaque em revistas especializadas e
ganhando visibilidade através de novelas e filmes. O crescente número de pessoas que fazem
tatuagem demonstra que tal prática encontra-se cada vez mais legitimada no atual cenário
citadino, sendo considerada enquanto mais um adorno possível para embelezar o corpo, assim
como uma forma de ressignificação da própria experiência corpórea.

Esta amplitude da prática da tatuagem vem se tornando cada vez menos associada à
marginalidade e ao comportamento desviante, características estigmatizantes que a
acompanharam no decorrer da história, sendo hoje mais e mais relacionada a um estilo de
vida, a uma busca por diferenciação e singularização, assim como a um ideal de beleza.

Contudo, por mais que esta prática se encontre mais aceita e difundida, certos limites
ainda circunscrevem os padrões que a balizam, instituindo noções do que pode ser
considerado normal e admissível. Desta maneira, a pele toma proporções geográficas,
dividindo os corpos em lugares aceitáveis ou reprováveis para a impressão das tatuagens. O
corpo se torna um território e a cartografia das tatuagens assume contornos na maioria das
vezes visíveis aos olhos dos demais, configurando uma outra dinâmica em relação aos corpos
não tatuados, onde as marcas corporais ingressam em um jogo que busca a atração do olhar
alheio.

A decisão de marcar a pele não se faz através de um processo indolor. Ao contrário,


leva o sujeito a enfrentar uma agonia, característica intrínseca a esta prática, variando de
lugares onde é suportável até lugares aonde chega a causar um completo desconforto. O
enfrentamento da dor se torna uma superação pessoal, uma glória individual por sobrepujar o
que se constitui uma barreira, uma vez que vivemos em uma sociedade que, cada vez mais, se
distancia de tudo aquilo que venha a proporcionar uma aflição.

Estratégias, subjetivação, enfrentamento da dor, realizações de desejos, a experiência


da tatuagem não se faz no simples encontro da agulha com a pele. A vontade, a seleção do
desenho, a procura pelo tatuador, o olhar do outro, uma série de fatores rodeiam e permeiam a
experiência da tatuagem, que é vivenciada pelo indivíduo.
13

Assim, algumas inquietações servirão de fio norteador para nos guiar em um mundo
muito mais profundo do que as agulhas podem penetrar na pele. Então, o que mais esses
corpos marcados nos guardam? De que maneira esses corpos se construíram em nossa
sociedade? Quais as motivações e intensões que entremeiam os desenhos e locais escolhidos?
De que formas as experiências de vida invadem os poros destes indivíduos? E como, através
das modificações corporais, o indivíduo se relaciona consigo e com a sociedade em que se
encontra? Tais implicações serão esclarecidas à medida que os horizontes forem sendo
desbravados, clareando nossa visão pelo mundo de marcas escolhidas, símbolos, formas. Ao
buscar entender esta prática adentramos no âmbito da própria vivência humana em sua una
pluralidade.

Assim, nos valemos de uma das particularidades desta prática na busca de algo para
além dos desenhos impressos na pele: a experiência vivida. Nesta mesma acepção, as relações
construídas juntamente com a tatuagem também irão se configurar enquanto norte para nossos
questionamentos acerca desta prática, proporcionando-nos a compreensão de caracteres
modelados e modeladores entre indivíduo e sociedade.

A presente pesquisa tem como panorama geral a compreensão das relações


estabelecidas pelos sujeitos a partir da tatuagem, identificando de que maneira as experiências
vividas tomam contornos pigmentados e se tornam parte importante de suas subjetivações, e
assim, da própria construção de suas identidades. A partir deste prisma objetivamos entender
como os indivíduos constroem uma imagem de si através das tatuagens, e de que maneira o
corpo é utilizado como terreno geográfico e estratégico para a distribuição dos desenhos
escolhidos. Atentamos também para a maneira como a ressignificação da dor se torna uma
forma de superação, ao mesmo passo que uma evidência para si, funcionando como um
atestado de que se está a altura deste desafio.

Por este viés, acreditamos que a tatuagem deva ser encarada, não somente pela
perspectiva do tatuado ou do tatuador, mas compreender a construção dos laços de confiança
entre os sujeitos e subjacentes a esta relação.

Este estudo visa, então, contribuir para a construção de um saber a respeito do corpo, a
respeito das construções simbólicas e identitárias as quais a tatuagem se faz denominador
comum, e também para a ampliação dos conhecimentos que constituem o ser humano em suas
relações e representações com a sociedade e consigo.
14

O mundo das tatuagens é amplo e diverso, possuindo uma vasta gama de estilos que
variam desde modelos mais clássicos como, por exemplo, a oriental e a old school, até novas
formas de aplicação da técnica em busca de um traço singular que se destaca dos outros, tendo
como inspiração obras de artes plásticas. As características que dizem respeito a esta prática
caminham de maneira a convergirem, partilhando motivações e interpretações, circulando
dentro de um campo comum onde a busca por um atrativo, uma identidade e uma
originalidade permeiam os discursos.

A passagem para estas compreensões foi possível graças a uma bibliografia que serviu
como base para nosso trabalho, elucidando nosso caminho dentro da prática da tatuagem.
Dentro desta bibliografia damos destaque a dois trabalhos efetuados em Florianópolis, SC. O
primeiro, desenvolvido por Andrea Lisset Perez Fonseca (2003) que fez uma etnografia sobre
o novo contexto da prática da tatuagem, evidenciando relações construídas entre tatuados e
tatuadores neste meio, demonstrando que a tatuagem se configura enquanto uma normalidade
estética e vivencial na contemporaneidade, assim como uma nova forma de construção da
subjetividade. E a outra importante contribuição é creditada ao trabalho de Zelia Costa (2004)
que demonstra a transição da prática da tatuagem enquanto uma atividade marginal, feita em
lugares improvisados, para uma atividade comercial e legitimada no meio urbano
contemporâneo, possuindo lugares devidamente pensados para o exercício desta prática.

A antropologia sempre se debruçou sobre as mais diversas modificações corporais,


buscando compreender as dinâmicas envolvidas nestas práticas e como estas se encontram
ligadas a construções particulares que moldam a vivência humana. Nesta perspectiva
buscamos respaldo nos estudos antropológicos de Débora Krischke Leitão (2004) e David Le
Breton (2004), os quais fazem referência à mudança de significado da tatuagem na
contemporaneidade, visto que suas análises apontam para uma transição desta prática
enquanto pertencente a indivíduos excluídos socialmente para uma forma de expressão da
subjetividade, se convertendo em um ideal de embelezamento ligado a noção de autonomia
sobre a anatomia e a singularidade.

Os estudos sobre o corpo são primordiais para uma melhor compreensão da dimensão
alcançada pelas marcas corporais. Desta forma as observações de Marcel Mauss (2003) nos
chamam a atenção para a importância da análise do corpo e da corporeidade enquanto
pertencentes ao âmbito das ciências sociais, ratificando os estudos de David Le Breton (2006;
2011) e José Carlos Rodrigues (2006), os quais sublinham como o corpo pode assumir um dos
principais vetores para construções simbólicas e sociais, imbuídos em crenças e
15

representações que estão na base da vida social, as quais possuem diversas formas e
percepções que dizem respeito à época e a cultura a qual se encontram, convergindo desta
forma com a perspectiva apontada por Roy Porter (1992) da qual o corpo deve ser inserido na
história para que sua compreensão seja possível.

A contribuição do enfoque dado por Pierre Bourdieu (2001) à experiência deste corpo
no mundo, da capacidade de aprendizado relativa a esta relação confrontante do ser
corporificado com a sociedade, demonstra que este vínculo não se desenvolve de forma
passiva, mas em um elo estruturado e estruturante, que o produz e vem a dar condições para
que ele se produza, tornando-se, na perspectiva de Denise Bernuzzi Sant’anna (2005), difícil
de limitar este corpo a apenas uma acepção.

Inserimos este debate à ótica de Michel Foucault (2004), percebendo como estes
corpos se encontram atrelados a relações de poder com o intuito de docilizar e adestrá-los,
minando e controlando as possibilidades que estes corpos podem assumir em nossa sociedade.
Os conceitos de biossociabilidade e bioascese expostos por Francisco Ortega (2008) nos
ajudam a compreender os contornos que o corpo ganha na contemporaneidade, onde o
discurso do risco baliza toda a relação do indivíduo consigo mesmo.

Buscamos da mesma forma auxílio nos debates acerca da identidade através do viés
dos estudos culturais, nos respaldando nos trabalhos de Anthony Giddens (1991; 2002) e
Stuart Hall (2011) para compreendermos os fatores que proporcionaram as transformações na
noção de identidade na modernidade. Correlatos a estes conhecimentos, os estudos de Tomaz
Tadeu da Silva (2014), Kathryn Woodward (2014), Fabiano Rocha Flores (2011) e Manuel
Castells (1999) nos auxiliam no entendimento da noção de identidade em sua relação com a
cultura, com a linguagem, com a diferença e com a representação.

Tendo em vista uma análise qualitativa, nos apoiamos na observação participante


enquanto método empregado na pesquisa, adotando a técnica da entrevista direta baseada em
questões semiestruturadas. Devido à natureza da pesquisa, nos limitamos a um universo que
compreendeu a análise de dez entrevistas no total.

O ponto de partida se deu no 1º Fest Tattoo Mossoró, que ocorreu nos dias 11 e 12 de
Janeiro de 2014 no Hotel VillaOeste, em um espaço preparado para receber eventos. O
festival contou com a participação de vários tatuadores da região nordeste, em sua grande
maioria do próprio estado do RN, e de um tatuador internacional vindo de Portugal. O
ambiente montando proporcionava a cada tatuador um estande para que suas atividades
16

fossem praticadas, ao mesmo tempo em que uma curiosa plateia circulava o local, parando e
observando linhas sendo traçadas, borrões que revelavam cores e formas, ao som do
barulhinho das máquinas de tatuagem que ecoava freneticamente pelo amplo espaço, povoado
por um público diverso de não tatuados e tatuados, homens e mulheres, crianças e adultos,
proporcionando um clima de confraternização.

A rotatividade de pessoas era constante, mas culminou com bom público para o
julgamento das melhores tatuagens. As premiações eram divididas por categorias, cada qual
relacionada a um estilo de tatuagem. Em um desses certames, o de melhor old school, o
tatuador Chicão havia agradado mais aos juízes.

Almejando uma melhor compreensão acerca do mundo da tatuagem, objetivamos


entender alguns aspectos que dizem respeito à figura do tatuador. Desta forma, buscamos esta
análise através da perspectiva de Chicão, o qual possui um estúdio de tatuagem há sete anos
na cidade de Mossoró, RN. Atualmente se encontra em seu segundo endereço, onde também
faz residência, dividindo o espaço de moradia com mais duas pessoas. Francisco de Assis, ou
simplesmente Chicão (28), possui pouco mais de sete anos de carreira no ramo, começando a
desenvolver sua técnica impulsionado pela curiosidade e de maneira autodidata por volta dos
20 anos de idade, quando residiu em São Paulo, SP. Nesta fase inicial utilizou sua própria
pele como área de aprendizado, prática comum entre os tatuadores quando iniciantes.

Enxergar a tatuagem por meio dos relatos do tatuador foi de suma importância, uma
vez que é através dele que a tatuagem tome contornos na pele, estabelecendo um contato
íntimo por meio de uma prática onde dor e prazer dialogam.

Este evento também proporcionou o reencontro com vários colaboradores da minha


primeira pesquisa sobre marcas corporais, realizada ao final da graduação em 2007, assim
como a aproximação com outros até então desconhecidos.

O interesse pelo mundo das modificações corporais não é algo completamente novo a
minha vivência, pois entrei em contato com este universo ainda muito cedo em minha vida,
através dos mais variados meios midiáticos como revistas, televisão, internet etc. Esta
curiosidade foi em parte sanada ao final do curso de graduação em Ciências Sociais, onde fiz
minha primeira investida no campo das modificações corporais, buscando compreender a
tatuagem e seus significados dentro do cenário musical underground na cidade de Mossoró.
Esta pesquisa proporcionou que minha curiosidade acerca do mundo das tatuagens tomasse
formas em meu próprio corpo.
17

Este episódio se transformou em um dos grandes desafios a serem superados nesta


pesquisa, pois esta prática não me é estranha devido ao fato de possuir um número
significativo de tatuagens. Porém, tal exercício foi primordial para a construção deste
trabalho, uma vez que a própria experiência na prática da tatuagem ajudou a compreender esta
realidade, servindo ao final como uma forma de autoconhecimento.

O período de entrevistas se estendeu por quatro meses, de Janeiro até Maio de 2014,
pois, à medida que as conversas se construíam, nossos colaboradores demonstraram interesse
em indicar alguns de seus amigos que também possuíam tatuagens. Esta dinâmica
proporcionou o acompanhamento de alguns destes sujeitos em situações cotidianas,
participando de conversas informais em grupos diversos, nos quais se encontravam pessoas
tatuadas na grande maioria das vezes. Retornei posteriormente durante mais dois meses, no
período de Julho e Agosto, para maior aprofundamento.

O 1º Fest Tattoo Mossoró contava com uma trilha sonora, da qual Mateus ficara
encarregado de fazer no primeiro dia, pois no segundo dia ele iria participar como “tela” para
um dos tatuadores. Mateus (20) é estudante e já possui outras tatuagens. Sua 1º tatuagem foi o
ano do seu nascimento since 1994, e iria fazer sua 4º tatuagem na convenção.

E a partir de uma rede de amizades tecidas outrora, muitos dos colaboradores foram
sendo apresentados, o que nos levou a um novo universo de informantes. Joaquim (26) é
estudante de pós graduação e integrante de uma banda de rock, suas tatuagens são aparentes
caso não use camisas de mangas longas, localizadas no ante braço, e são expressão de sua
paixão por literatura e música. Luan (23), supervisor de operações, compartilha a semelhança
com Joaquim de também possuir uma banda de rock, porém, suas tatuagens seguem um estilo
de “tatuagem de cadeia”, propositalmente mal feitas seguindo o estilo old school, além de ter
tatuagens em um lugar incomum: nos dedos das mãos.

Danie (22), da mesma forma que Luan, é supervisora de operações, sendo inclusive
colegas de trabalho. Ela possui quatro tatuagens, sendo que apenas duas são aparentes em
seus ante braços, sendo uma delas sua 1º tatuagem feita aos 13 anos de idade, juntamente com
sua mãe. Emmesson (23) é estudante de engenharia e trabalha como gerente em uma loja no
shopping da cidade, começou as modificações corporais com a utilização de piercings, e sua
primeira tatuagem foi uma homenagem a Raul Seixas, com parte de sua música sociedade
alternativa. Anderson (23), estudante de veterinária, possui uma tatuagem que se estende
pelas suas costas e toma parte de uma de suas pernas, feita quando morava em Minas Gerais,
18

aos 18 anos. Todos eles trabalharam juntos durante um bom tempo na loja em que Emmesson
viria a se tornar gerente, este fato fez com que eles sempre se relacionassem em suas falas,
citando uns aos outros como parte de suas narrativas.

Marcos (21) é amigo de Danie, natural do Rio de Janeiro. Além de trabalhar também
como supervisor de operações, canta pela noite em bares e restaurantes da cidade. Possui
quatro tatuagens, uma delas que toma toda a parte interna de seu ante braço com a frase have
Faith, juntamente com o símbolo da banda Evanescence localizada em seu pulso.

Jean (27) é estudante e professor de inglês, possui tatuagens estrategicamente


localizadas de modo a facilitar serem cobertas, alegando que faz suas tatuagens para si e que
não faz questão de mostrá-las. Suas tatuagens envolvem homenagens a bandas das quais gosta
e que marcaram simbolicamente sua vida. Esta motivação para as marcas corporais também é
partilhada pelo gerente de vendas Andreas (20), o qual tem o intuito de tatuar símbolos de
bandas que influenciaram seu modo de ser, possuindo 9 tatuagens ao todo, sendo duas delas
de bandas de rock. Suas outras tatuagens são pela admiração da arte, pela beleza do desenho,
possuindo como característica o fato de todas terem sido feitas por tatuadores diferentes.

Ivickson (38), professor de filosofia, possui várias pequenas tatuagens, algumas


visíveis, outras fáceis de esconder, viveu sua juventude em João Pessoa/PB onde andava de
skate e frequentava festas de punk rock hardcore, experiência que resolveu marcar em sua
pele (foto ). Possui um berimbau tatuado em sua perna como forma de homenagear o esporte
que pratica hoje, e em suas horas vagas também surfa, outro esporte que irá se transformar em
futura tatuagem.

Nossos informantes não formam um grupo coeso, alguns deles não se conhecem,
possuindo como único elo lugares em comum como eventos de rock ou outras manifestações
artísticas. A grande parte das entrevistas se deu na casa dos informantes, outras em locais
públicos como universidades e escolas, entre uma aula e outra. Um ponto a se destacar sobre
as entrevistas é a aura de empatia que as permeou, muito pelo fato de eu possuir tatuagens,
que ficavam visíveis nos momentos das conversas, onde em vários momentos eu era incluso
em seus argumentos como um “igual”.

As entrevistas tomaram um tom de narrativas, onde os indivíduos buscavam


constantemente suas experiências vividas, recordando episódios de suas vidas para então
chegarem as suas conclusões e explicações. Destaco a importância para este fato, pois, de
acordo com Marvasti (2003), a análise das narrativas não se limita ao exame das respostas
19

dadas sobre a vida do informante, sendo ampliada para um melhor entendimento das
experiências vividas pelo informante.

Acredito que através da narrativa entraremos em contato com o universo de criações


simbólicas dos informantes, proporcionando-nos sua interpretação da realidade e das
experiências vividas, demonstrando-nos para além de sua narratividade as relações que
estabelece com a sociedade, com os outros e consigo mesmo.

Através da prática da narrativa iremos focar simultaneamente o que as pessoas dizem


ou fazem e como elas tornam esses discursos ou ações significativas.

A suposição aqui é de que a vida social, e narrativas em particular, são moldadas


através de uma série de práticas e condições que as tornam significantes. A análise
visa demonstrar como a habilidade de falar e circunstancias concretas da vida social
se juntam para formar a realidade social (Idem., Ibid., p.97 tradução nossa).

As narrativas estão diretamente ligadas às experiências pessoais, dando acesso a


detalhes dos acontecimentos e ações. Não pode ser encarada como apenas uma listagem de
acontecimentos, mas uma maneira de ligá-los cronologicamente dando sentindo aos
acontecimentos (BAUER; GASKELL, 2003).

[...] o sentido não está no “fim” da narrativa; ele permeia toda a história. Deste
modo, compreender uma narrativa não é apenas seguir a seqüência cronológica dos
acontecimentos que são apresentados pelo contador de histórias: é também
reconhecer sua dimensão não cronológica, expressa pelas funções e sentidos do
enredo (Idem., Ibid., p.93).

É através do enredo que a narrativa ganha coerência e sentido, fornecendo o contexto


para o entendimento dos acontecimentos, dos atores, descrições, objetivos, moralidades e
relações que formam a história. “Como a narrativa é contada irá depender crucialmente dos
recursos culturais disponíveis.” (ELLIOTT, 2005, p.127, nossa tradução).

Para uma melhor sistematização das informações tecidas dividimos o presente trabalho
em três capítulos, buscando confrontar as ideias construídas a partir do embasamento
bibliográfico com a realidade pesquisada. Na primeira parte contextualizaremos, de forma
breve, as ideias ligadas ao universo do corpo, da identidade e da tatuagem, nos apropriando de
suas construções históricas enquanto embasamento para a compreensão das atuais
representações que desaguam na contemporaneidade. Por esta via abordaremos a construção
da noção de corpo, buscando demonstrar de que forma se deu seu entendimento dentro da
perspectiva das ciências sociais e como esta compreensão possibilitou novas interpretações
20

sobre o que pode ser considerado enquanto corporeidade, inserindo o corpo em um contexto
cultural e social que o cria, o molda, desenhando seus contornos junto a uma série de regras e
normas que buscam dar significado a este corpo. Em seguida nos remeteremos à identidade,
objetivando compreender de que maneira esta noção foi sendo construída ao longo da história,
transitando de uma visão que a considerava enquanto uma característica inata e estável ao ser,
a uma concepção flutuante e múltipla da qual se encontra em constante construção. Por este
viés analisaremos quais acontecimentos possibilitaram esta alternância de perspectiva em
relação à identidade e de que maneira ela se encontra relacionada à noção de corpo.
Finalizamos este capítulo expondo, de maneira sucinta, o contexto no qual a prática da
tatuagem se construiu no ocidente, explorando resumidamente sua história de modo a
compreender de que maneira estas marcas corporais se relacionavam a um comportamento
desviante, tornando-se um traço de indivíduos que se encontravam à margem da sociedade.
Por meio deste prisma iremos analisar quais fatores foram significativos para que esta
atividade viesse a se desvencilhar de sua carga histórica estigmatizante, ingressando em um
contexto comercial e legitimado socialmente, tornando-se uma forma a mais de ornamentação
corporal, sendo ressignificada pelos atores sociais em busca de uma distinção ligada a ideia de
singularização do corpo que escapa aos padrões corporais em vigência.

Trataremos no segundo capítulo de algumas das características que constituem aquilo


que conhecemos como identidade, e de que modo a cultura na qual os sujeitos se encontram
inseridos tem papel preponderante em suas construções. Por este viés analisaremos a
intersecção de traços culturais e linguísticos que visam atribuir sentido à vivência humana,
simbolizando o corpo e as ações, neste caso a tatuagem, para dar coerência à vida através de
representações que buscam fixar um discurso na pele destes sujeitos. Da mesma maneira,
buscamos compreender o papel da diferença enquanto uma qualidade significativa para a
ideia de identidade, as quais afirmam e reafirmam relações de poder inseridas nestas
distinções em relação aos corpos. Este panorama se mostra salutar para o entendimento dos
fatores que levaram ao descentramento da identidade, antes vista como uma característica
invariável durante a vida do sujeito e que o acompanharia desde o berço até a morte sem
mudanças significativas, para uma visão onde a identidade se encontra em constante
construção, inserida em um contexto de mudanças radicais no cotidiano e que vem a afetar
aspectos pessoais de nossas vidas.

Iniciamos o terceiro capitulo discutindo, dentro de uma perspectiva pautada nos


pensamentos de Michel Foucault, de que modo a disciplinarização encontra-se atrelada à
21

noção de sujeito e estas relações de poder tentam sujeitar este corpo em vias de torná-lo dócil,
obediente, domesticado, onde a tatuagem é vivenciada pelo sujeito enquanto um dos meios
possíveis de não ser subjulgado, resistindo a esta formatação e exercendo sua liberdade em
viver este corpo de uma forma única, procurando formas de praticar sua individualidade sobre
si. Se faz salutar destacar de que vivenciamos em uma época em que nossas identidades são
somáticas, no sentido de serem atribuídas ao nosso corpo e pelo nosso corpo, na qual se deve
cuidar deste a todo custo para afastá-lo de qualquer sinal de impotência ou dor. Através desta
concepção, empregada por Francisco Ortega (2008), analisaremos de que maneira a prática da
tatuagem escapa a esses moldes e proporciona ao indivíduo uma vivência desta experiência
corpórea, entrando em consonância com os pensamentos de Pierre Bourdieu (2001) e Denise
Bernuzzi Sant’anna (2005), os quais atribuem a este caráter da presença do corpo no mundo,
logo de sua experimentação, uma constante relação entre estruturas estruturantes e
estruturadas, possibilitando ao sujeito vivenciá-lo enquanto um horizonte a ser descoberto.
Consonante com o exposto, também analisaremos a experiência da tatuagem através de uma
de suas características mais ressaltadas: a dor. A prática da tatuagem faz com que esta
sensação, encarada enquanto algo negativo na sociedade ocidental contemporânea, passa a ser
vivenciada enquanto uma positividade, um obstáculo a ser superado para a aquisição de um
desejo, estabelecendo uma assemelhação com a própria experiência de se estar vivo. Em
seguida, veremos de que forma a ideia de distinção é levada em consideração no que diz
respeito tanto para o tatuado quanto para tatuador, na medida em que ambos buscam um grau
de singularização, de diferenciação nos traços desejados e executados. Por meio deste viés,
buscamos compreender o elo de confiança estabelecido entre tatuado e tatuador, e de que
modo esta relação é negociada levando em consideração os anseios de ambos os atores
sociais. As negociações não se limitam à relação com o tatuador, mas também dizem respeito
à própria sociedade, que impõem padrões de lugares e desenhos a serem tatuados,
segmentando o corpo em lugares aceitáveis e reprováveis.

As marcas corporais não se fazem apenas impressões na pele destes indivíduos, mas
dialogam com toda a experiência do viver, proporcionando uma construção de significados
para brindar suas vidas com o sentido necessário, edificando uma possibilidade de vivenciar
suas corporeidades.
22

1 CORPO E MARCAS CORPORAIS

Neste capítulo iremos tratar dos aspectos teóricos que envolvem nossa análise.
Partiremos da construção do corpo no ocidente, buscando compreender, de maneira breve, sua
composição e seu diálogo com a cultura, que o transforma, remodela, modifica; e de que
forma as ciências sociais se debruçaram sobre este objeto.

Correlato a esta construção corpórea, visamos abranger a categoria da identidade, uma


vez que é através do corpo que ela toma formatos e é expressa, transmutando o próprio corpo
em prol de um ideal de ser.

Ao fim, dialogaremos com a modificação corporal em destaque no presente trabalho, a


tatuagem. Observando sua história de forma sucinta, iremos vislumbrar sua construção através
dos tempos, e de que forma está se modificou.

Corpo, identidade e modificações corporais caminham juntos para uma compreensão à


cerca do ser humano, que vivi está experiência, que molda seu corpo em busca de uma melhor
relação com sua construção identitária.

1.1 Breve olhar sobre o corpo no ocidente

As ciências sociais, ao definir seu campo de atuação, definem também seu objeto de
estudo, onde foram reservados aos fenômenos superorgânicos, frutos da capacidade humana
de simbolizar, enquanto caberiam às ciências naturais os estudos dos fenômenos naturais.
Desta forma os estudos sobre o corpo não se constituíram como um campo consagrado dentro
da sociologia clássica, ao contrário de outras áreas como a religião e o conhecimento. A esfera
da corporeidade fica então relegada à tutela das ciências biológicas e a área da saúde, e apesar
de ser um objeto de simbolizações, recebendo atenção e menções da antropologia e da
etnografia, o corpo não se constitui como uma área de investigação ou como objeto de estudos
de interesse tanto da antropologia como da sociologia até recentemente (ALBUQUERQUE,
2001).
23

As representações corporais que experimentamos hoje, e que tem para nós a força de
natureza, foram gestadas apenas há quatro séculos (Id., ibid.). Levando-nos a buscar na
história dos corpos a incorporação de suas percepções para então entender seus contornos
(PORTER, 1992).

De acordo com Le Breton (2011), a visão mitológica da concepção do ser humano que
permeava a Idade Média estabelecia limites aos saberes que diziam respeito ao corpo, pois o
homem era visto como fruto da criação divina, possuindo em si uma sacralidade que impedia
com que este fosse violado. “No universo dos valores medievais e renascentistas, o homem
está tomado pelo universo, ele condessa o cosmo. O corpo não é isolável do homem ou do
mundo, ele é o homem e é, na devida proporção, o cosmos.” (Id., ibid., p.72).

A mudança da concepção acerca do corpo vivenciada durante os séculos XVI e XVII o


ressignifica no Ocidente. A partir de então, o corpo não é mais encarado ao que se é,
irredutível de sua ligação com o divino, mas também ao que se possui. O corpo se torna
objeto, podendo ser submetido à comercialização, vendido, comprado, consumido como uma
mercadoria. Esta ideia do corpo objeto não é uma invenção dos tempos modernos, pois esta
prática é tão antiga quanto a própria civilização. É no seio das sociedades industriais e
urbanas emergentes, porém, que a ideia da similaridade do corpo a uma mercadoria, ou
mesmo a uma máquina, se torna cada vez mais central. Esta nova visão sobre o corpo humano
é fundamental para a composição de um dos pilares para que determinadas classes sociais em
ascensão viessem a estabelecer certo domínio sobre uma parcela de indivíduos, aliando-se aos
avanços e incrementos proporcionados pela ciência e tecnologia, que a esta altura se
encontravam mais laicas e menos místicas (SANT’ANNA, 2005).

Durante o século XIX, a ascensão da burguesia e do pensamento positivista imprimem


seus projetos sociais na fisiologia humana, modelando os corpos através de espartilhos e
extraindo a força nos processos de produção, mecanizando-os para uma maior eficácia e
utilidade (ALBUQUERQUE, 2001).

A corporeidade começa a ser introduzida aos estudos sociológicos e antropológicos


com o ensaio “Técnicas corporais” de autoria de Marcel Mauss (2003), o qual apresenta um
inventário de gestos, técnicas e hábitos corporais. Em seu ensaio, Mauss lembra que até então
tais estudos estavam relegados à categoria de “diversos” dentro dos estudos etnográficos,
revelando assim o caráter introdutório de tal tema no terreno das ciências sociais.
24

Para a ciência moderna, que tomou por base o método proposto por Descartes e a
máxima atribuída a ele “penso, logo existo” fundamenta a existência no pensamento,
dividindo a realidade em res-extensa (Matéria) e res-cogitans (consciência), fazendo, desta
forma, o corpo enquanto um mero suporte, um objeto no qual a consciência encontra-se
encarnada (REIS, 2011). O corpo estaria em oposição à mente, assim como a natureza estaria
para a cultura ou a razão para a emoção, implicando uma hierarquização onde os primeiros se
encontram inferiores aos seus opostos (ALBUQUERQUE, 2001).

Porém, a dualidade que encontramos referente à distinção corpo/mente aparece muito


antes de Descartes, onde ser humano significava ser uma alma encarnada. Um dos fatores que
contribuíram para que a história do corpo fosse negligenciada encontra suas raízes em nossa
herança judaico-cristã, onde encontramos uma visão fundamentalmente dualista do homem.
Nestas tradições o homem é uma aliança entre alma e corpo, psique e soma, na qual a alma
possui privilegio, deixando em segundo plano o corpo (PORTER, 1992).

Ao direcionarmos nossa atenção para as sociedades mais tradicionais, percebesse que


o corpo é encarado como uma parte do mundo natural, possuindo uma ligação direta ao
cosmos. A própria palavra “corpo” - que para nós não desperta espanto algum - acaba por
atribui uma separação, uma ruptura, onde se coloca uma distinção entre o ser humano e a
natureza, e desta forma é tomada com estranheza aos olhos de muitas comunidades que
possuem uma visão holista, a qual não separa o corpo do ser, uma vez que estes se encontram
integrados a natureza, ao cosmos e a própria comunidade.

Nessas sociedades, as representações do corpo são, de fato, representações do


homem, da pessoa. A imagem do corpo é uma imagem de si, alimentada das
matérias-primas, que compõem a natureza, o cosmos, em uma espécie de
indistinção. [...] o corpo não existe como um elemento de individuação, uma vez que
o próprio indivíduo não se distingue do grupo, sendo, no máximo, uma
singularidade na harmonia diferencial do grupo (LE BRETON, 2001, p.31-33).

Atualmente há tentativas em curso para acabar com estas antigas visões hierárquicas
culturais, onde a alma possui um privilégio superior ao corpo. Nas palavras de Porter (1992,
p.293) estas hierarquias acabaram por sancionar “sistemas inteiros de relações de poder
regulador-regulado.” E apesar de seu caráter paradoxal e mistificador, tal dualismo se torna
fundador de sistemas de valores, moldando o uso linguístico, esquemas classificatórios e
éticos. A desmistificação destes processos vem ocorrendo nas ultimas décadas, sendo possível
perceber a subversão às relações puritanas e à platônica suspensão do corpo (id. Ibid.).
25

A partir da década de 60, com o surgimento e fortalecimento de movimentos sociais


diversos tais como os movimentos feministas, movimentos por igualdades raciais e os
movimentos de contracultura, novas representações do corpo começam a surgir, tornando-se
um terreno fértil para novos estudos acercada corporeidade (PORTER, 1992;
ALBUQUERQUE, 2001).

Através de valores integradores como a vivência comunitária, a aliança com a


natureza e a reconciliação entre corpo e a mente, a contracultura procurou construir
modos de agir, sentir, pensar e curar distantes do dualismo hierárquico que sustenta
a modernidade (PORTER, 1992, p.35).

Além da cultura a qual os indivíduos se encontram inseridos, devemos levar em


consideração a época, a classe social e a própria sociedade. Dentro deste panorama se
estabelecerá funções e responsabilidades no que diz respeito ao corpo, possibilitando uma
pluralidade de significações.

1.2 Um corpo modelável

A corporeidade é um fenômeno social e cultural, um motivo simbólico, objeto de


representações e imaginários. Tal traço da raça humana poderia ser encarado pouco mais do
que uma massa de modelar, a qual recebe da sociedade em que se encontra formas de ser e
existir, de socializar e se comportar (LE BRETON, 2003, 2006; RODRIGUES, 2006). Assim
como o mundo se torna compreensível através desta experiência corpórea, nós também nos
tornamos compreensíveis uns aos outros através deste caráter sensível ao qual se constitui o
corpo.

Durante o começo dos estudos antropológicos foi posto em questão se poderia haver
um estágio “natural”, ou mesmo “selvagem”, do ser humano, visto que alguns casos de
“crianças selvagens” foram registrados na história (LÉVI-STRAUSS, 2003; LE BRETON,
2009). Porém, de acordo com Rodrigues (2006) a noção de um comportamento humano tido
como natural, um estado de natureza deste ser, é instaurado culturalmente. Nas palavras de
Lévi-Strauss (2003, p.41) “O homem é um ser biológico ao mesmo tempo que um indivíduo
social.”, porém, na carência de significações históricas aceitáveis, a distinção entre estado de
natureza e estado de cultura apresenta seu valor lógico, que justifica sua utilização como
instrumento de método pela sociologia moderna.
26

Cada sociedade elege uma série de características intelectuais, morais,


comportamentais e também atributos físicos, atribuindo-os um caráter de normalidade. E por
mais que exista uma distinção entre grupos e indivíduos, sempre existirá um limite para este
distanciamento da normalidade, sendo atribuído à educação o papel de inculcar nas crianças
esta constelação de características comuns, buscando traçar um perfil minimamente
homogêneo a todos (RODRIGUES, 2006).

A criança se encontra predisposta a mimetizar e interiorizar gestos e ações, tanto dos


seus pais quanto dos outros ao seu redor. A imitação é algo ordinário nesta fase da existência
humana (LE BRETON, 2006).

Desde a infância o ser humano sofre processos de construções da noção de corpo, o


qual encontrasse diretamente atrelado a sua sociedade e cultura. Neste sentido a educação
pode ser vista como um processo repressor que incutirá no indivíduo uma série de princípios
que são comuns a todos os membros da sociedade, orientando desta forma seus
comportamentos em relação com o mundo e consigo mesmo. Sejam as regras formais ou
informais, explícitas ou tácitas, associadas aos valores sociais transformam a ação, ou a
inação, em mensagens significativas, ou seja, acabam por funcionar como códigos. Estes
códigos são encarados como adequados e justos, e geram obrigações e expectativas por parte
dos indivíduos, onde as transgressões são sancionadas negativamente pelo grupo
(RODRIGUES, 2006).

1.3 Identidades flutuantes

As experiências corpóreas são necessárias para nosso conhecimento de si, fazendo


destes estágios importantes movimentos na construção de nossa individualidade. Desta forma,
a conexão visceral de nossos corpos com nossas personalidades nos guiam em direção à sua
compreensão, em como nossa noção de identidade se desdobra no período correlato a
construção da noção de corpo, e assim assimilar sua atual condição.

As diversas mudanças em nossa maneira de nos relacionarmos com nossa


corporeidade também modificou nossa maneira de nos relacionarmos com nossas identidades.

As mudanças ocorridas nas sociedades modernas a partir do final do século XX


ocasionaram uma série de eventos que proporcionaram uma fragmentação da paisagem
27

cultural, descentrando os indivíduos tanto de suas bases culturais e sociais quanto de si


mesmo. Este duplo descentramento do sujeito acaba por afetar nossas identidades pessoais,
mudando também a forma pela qual pensamos e enxergamos a nós mesmos enquanto sujeitos
detentores de uma identidade.

Vista anteriormente como sendo divinamente estabelecida, e desta forma sem grandes
possibilidades de transformações e mudanças, a identidade rompe com estas amarras a partir
do nascimento do “indivíduo soberano”. Concebido entre o Renascimento do século XVI e o
Iluminismo do século XVIII, este episódio é tido como o motor que colocou em movimento a
“modernidade.” (HALL, 2006).

O “indivíduo soberano” era tido como um:

[...] indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de


consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia pela
primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que
permanecendo essencialmente o mesmo [...] ao longo da existência do indivíduo
(id., ibid., p.10-11).

Esta visão “individualista” da qual o centro do eu era a identidade de uma pessoa


sofreria mudanças com a concepção sociológica do indivíduo, relacionando a identidade aos
processos de interação dos quais eram partilhados em sociedade. Esta noção do sujeito refletia
a crescente complexidade da modernidade, modificando o foco da identidade enquanto algo
autônomo e autossuficiente para uma esfera de relações estabelecidas com outras pessoas, das
quais mediariam valores, sentidos e símbolos constituintes da cultura em que se encontravam.
A noção de sujeito estava ligada a um mundo polarizado, no qual o indivíduo possuidor de
uma essência interior viria a dialogar continuamente com um mundo exterior, formando e
modificando o indivíduo (id., ibid.).

Argumenta-se que tal visão acerca da noção de identidade tem sofrido constantes
mudanças desde o final do século XX, e desta maneira a ideia pela qual se entendia a auto
identidade não encontra mais correspondência com a realidade. Nas palavras de Stuart Hall
(ibid., p.12):

O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está
se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades,
algumas vezes contraditórias e não resolvidas. Correspondentemente, as identidades,
que compunham as paisagens sociais ‘lá fora’ e que asseguravam nossa
conformidade subjetiva com as ‘necessidades’ objetivas da cultura, estão entrando
em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio
28

processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades


culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático.

O mundo moderno não passa simplesmente por mudanças sociais num ritmo mais
frenético e acelerado que outrora, mas estas mudanças acabam possuindo também uma maior
amplitude e profundidade nas práticas sociais e modos de comportamento. Segundo Giddens
(2002, p.9), “[...] a modernidade altera radicalmente a natureza da vida social cotidiana e afeta
os aspectos mais pessoais de nossa existência.”

Estas constantes modificações encontram-se inseridas em um intenso processo de


globalização. Os avanços tecnológicos fazem com que fronteiras sejam ultrapassadas, ligando
cada vez mais o local ao global. Giddens (ibid.) nos chama a atenção neste ponto para a
separação das noções de tempo e espaço enquanto uma das peculiaridades desta nova
dinâmica da vida social moderna. Nas sociedades pré-modernas as noções de tempo e espaço
estavam ligadas diretamente ao cotidiano e “[...] se conectavam através da situacionalidade do
lugar.” (Id., ibid., p. 22, grifo do autor). O desenvolvimento de uma dimensão “vazia” do
tempo foi preponderante para sua separação da noção de espaço. A invenção do relógio, zonas
de tempo globalmente padronizadas, mapa global, possibilidade de deslocamentos em curtos
períodos desvincularam cada vez mais o tempo do espaço, reduzindo sua correlação.

O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomentando


relações entre outros “ausentes”, localmente distantes de qualquer situação dada ou
interação face a face. Em condições de modernidade, o lugar se torna cada vez mais
fantasmagórico, isto é, os locais são completamente penetrados e moldados em
termos de influências sociais bem distantes deles. O que estrutura o local não é
simplesmente o que está presente na cena; a “forma visível” do local oculta as
relações distanciadas que determinam sua natureza (Giddens, 1991, p.22, grifo do
autor).

Esta ruptura entre o tempo e o espaço é considerada como principal condição para o
processo de desencaixe, que deve ser entendido como um “deslocamento” assim como uma
reestruturação das relações sociais através desta nova relação entre tempo-espaço (id., ibid.).

Stuart Hall (2006) elenca cinco deslocamentos que vieram a descentrar o sujeito
racional, pensante e consciente, demonstrando uma série de rupturas nos discursos sobre os
indivíduos. A primeira descentração diz respeito à redescoberta e a reinterpretação dos
escritos de Marx. Seus novos interpretes percebiam os indivíduos não mais como autores ou
agentes da história, mas que estes só poderiam agir baseando-se em condições históricas que
eram proporcionadas por outros, onde utilizariam recursos materiais e culturais fornecidos por
29

gerações anteriores a sua existência. Dando ênfase as relações sociais e não a uma noção
abstrata do sujeito, Marx desloca a ideia de que existiria uma essência universal de homem, e
que esta essência seria um atributo singular ao indivíduo.

O segundo descentramento está ligado à descoberta do inconsciente por Freud, onde


nossas identidades e nossa sexualidade são formadas através de processos psíquicos e
simbólicos inconscientes. Assim, a identidade seria algo formado ao longo do tempo, e não
inato ao indivíduo desde sua nascença. “[...] em vez de falar da identidade como uma coisa
acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento.” (id.,
ibid., p.39, grifo do autor).

O terceiro descentramento está associado ao trabalho de Ferdinand de Saussure, o qual


argumenta que nós não somos os autores de nossas afirmações, visto que a língua é um
sistema social e não individual, e sua existência é anterior a nossa. Ao falarmos, evocamos
uma imensa gama de significados que já se encontram atrelados a nossa língua e ao nosso
sistema cultural.

O significado é inerentemente instável: ele procura o fechamento (a identidade), mas


ele é constantemente perturbado (a diferença). Ele está constantemente escapulindo
de nós. Existem sempre significados suplementares sobre os quais não temos
qualquer controle, que surgirão e subverterão nossas tentativas para criar mundos
fixos e estáveis (id., ibid., p.41).

O quarto descentramento envolvendo o sujeito e sua identidade se faz nos estudos


conduzidos por Michel Foucault. Sua genealogia do indivíduo moderno possui como base os
debates envolvendo o “poder”, o qual não é tratado enquanto algo abstrato, um objeto a ser
possuído por alguém, mas enquanto relações que permeiam os discursos. Aqui se dá destaque
ao “poder disciplinar”, regulador e vigilante, procurando sempre manter as atividades que
envolvem a vida dos sujeitos e a maneira como estes lidam consigo e com os outros sob certo
controle, alicerçado nos conhecimentos fornecidos pelas ciências. Estes novos discursos sobre
o indivíduo fazem com que este seja cada vez mais individualizado, e “[...] quanto mais
coletiva e organizada a natureza das instituições da modernidade tardia, maior o isolamento, a
vigilância e a individualização do sujeito individual.” (id., ibid., p.43).

O quinto momento que veio a corroborar para o descentramento do indivíduo se deu


nos anos sessenta juntamente com uma série de “novos movimentos sociais”. O surgimento e
impacto causado pelo feminismo, por exemplo, teve uma correlação direta com o
descentramento do sujeito, questionando distinções, contestando esferas da nova vida social e
30

principalmente de formação de identidade sexuais e de gênero, abrindo precedentes para


novas formas de se encarar a identidade.

A perda das ancoras sociais que assegurava aos indivíduos o caráter natural,
predeterminante e inegociável da identidade faz com que a importância dada à identificação
se torne cada vez maior. O que antes era tido como caráter definidor de identidade como raça,
gênero, país, local de nascimento, classe social, família, agora se encontra diluído,
fragmentado e menos importante. Neste novo panorama, a ansiedade de encontrar ou criar
novos grupos que possibilitem a vivencia do pertencimento, e que facilitem a construção da
identidade, se torna salutar.

Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas identidades


em movimento – lutando para nos juntarmos aos grupos igualmente móveis e
velozes que procuramos, construímos e tentamos manter vivos por um momento,
mas não por muito tempo (BAUMAN, 2005, p.32, grifo do autor).

Segundo Bauman (ibid.), a ideia de identidade nasceu em um momento em que a


noção de pertencimento sofrera uma crise, desencadeando um grande esforço na tentativa de
transpor a fenda entre o “deve” e o “é”, recriando a realidade à semelhança da ideia.

As “identidades” flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras


infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta
constante para defender as primeiras em relação às últimas. Há uma ampla
probabilidade de desentendimento, e o resultado da negociação permanece
eternamente pendente (id., ibid., p. 19).

A identidade se faz em um constante esforço, em uma tarefa incompleta, uma ficção


que necessita de processos de coerção e convencimento para se consolidar enquanto concreta
em uma realidade imaginável. A identidade não é definida por um modelo dado desde o início
de nossas vidas, como no caso das identidades pré-modernas ou mesmo do “sujeito
soberano”.

Seu problema não é o que você precisa para “chegar lá”, ao ponto que pretende
alcançar, mas quais são os pontos que podem ser alcançados com os recursos que
você já possui, e quais deles merecem os esforços para serem alcançados. [...] A
tarefa de um construtor de identidade é, como diria Lévi-Strauss, a de um bricoleur,
que constrói todo tipo de coisas com o material que tem à mão... (id., ibid., p. 55,
grifo do autor).

Apesar da crença em uma identidade estável, imutável, ou mesma escondida em nosso


interior a espera de um despertar, a atribuição de uma identidade a si mesmo é um processo de
31

construção mútua, onde o contato constante com outras construções identitárias se faz
necessário para a aquisição de instrumentos que proporcionem ao indivíduo sua ideia de “eu”.

O conhecimento de si é dado pelo reconhecimento recíproco dos indivíduos


identificados através de um determinado grupo social que existe objetivamente, com
sua história, suas tradições, suas normas, seus interesses, etc. (CIAMPA, 1984, p.
64).

Este “eu” não paira pelo cosmos de forma indefinida, ele se encontra corporificado,
encarnado. Tomar consciência de si, construir uma identidade, ser e existir; a vida e a
realidade encontram concretude na práxis cotidiana. O corpo não é apenas uma “entidade”,
mas se faz como parte primordial da experiência, um “[...] modo prático de enfrentar
situações e eventos exteriores.” (GIDDENS, 2002, p.57). O processo de construção de um
“eu” fundamenta-se na visão do reflexo de um “eu” corporificado, o qual possui limites,
fronteiras que vêm a preparar a cena para todas as identificações possíveis (WOODWARD,
2014).

A imersão deste eu corporificado nas interações da vida cotidiana “[...] é uma parte
essencial da manutenção de um sentido coerente de auto identidade.” (GIDDENS, 2002, p.
95).

[...] na identidade, biologia e biografia se inter-relacionam pela elaboração de


sentidos e uma linguagem específica, codificada, que transforma a objetividade do
corpo, sua natureza, em um privilegiado espaço de manifestações autênticas,
particulares. Mais do que uma essencialidade, o corpo adquiri uma gramática e uma
semântica que lhe é própria e que é resultado e processo de uma determinada forma
de construção social [...] (LUCAS, 2012, p.127).

Percebemos que a ideia que possuímos de nossa identidade enquanto algo acabado e
bem definido é apenas uma ilusão. Resquício do pensamento moderno no qual centralizou e
interiorizou no ser humano, através da razão e da consciência, a ideia de uma essência
inerente ao ser, que permaneceria estável durante toda sua existência. A ruptura com este
pensamento permitiu que novos horizontes possíveis fossem vislumbrados, e desta forma a
identidade torna-se um enigma a ser edificado não somente através do ser, do indivíduo, mas
sim de sua relação com o mundo, com seus semelhantes e vice-versa. A identidade deixa de
ser um porto seguro, no qual o indivíduo ancorava suas certezas sem receios de abalo, e passa
a ser um problema; uma constante reivindicação necessária ao sujeito em sua existência. A
modernidade tardia proporcionou uma profusão de identidades possíveis, deixando a
estabilidade à mercê de ansiedades e de inseguranças, constantemente ameaçando a existência
32

do sujeito. A manutenção de uma postura em diversos ambientes se torna uma garantia à


coerência de sua auto identidade.

Tal qual percebemos até o presente momento, a correlação das noções de corpo e
identidade perpassou uma série de construções sociais que se encontravam inseridas em
determinados períodos históricos, nos amparando na compreensão dos indivíduos
contemporâneos. Neste sentindo, a prática da tatuagem pode ser encarada como um dos
possíveis prismas para considerar transformações e (re)significações, imprimindo no corpo do
indivíduo sua representação, sua visão de si e do mundo que o abrange.

1.4 TATUAGEM CONTEMPORÂNEA: UMA BREVE HISTÓRIA

Hoje, as tatuagens se encontram em um sistema comercial, podem ser compradas,


consumidas ao bel prazer dos indivíduos dispostos a pagar por estas modificações. Mas,
apesar de ter sido englobada pela moda dos jovens urbanos como uma forma de circunscrever
seus gostos e identificações, sua história nos é importante para a compreensão de aspectos
ainda latentes cotidianamente como, por exemplo, o caráter estigmático que a acompanha,
relacionando-a a um comportamento desviante e a rebeldia.

As modificações corporais expressão uma manifestação simbólica do ser humano, um


traço de cultura que o acompanha desde o momento em que um troglodita se orgulhou de suas
cicatrizes como uma forma de expressar sua coragem. Não existe um consenso quanto ao
surgimento da prática de pigmentar a pele de maneira proposital, sendo atribuída a um
surgimento múltiplo, ou a populações nômades que transmitiram essa prática a outros povos
(MARQUES, 1997). O fato é que o corpo humano deixa de ser apenas uma matéria biológica,
mas passa a ser lócus de simbolizações, onde transmuta-se o físico para modificar também a
própria existência.

A tatuagem durante muito tempo foi remetida fortemente a um caráter desviante, à


delinquência e à promiscuidade. Este fator é compreensível dentro de sua dinâmica histórica,
33

uma vez que seu processo de (re)ocidentalização1 teve como um dos principais canais de
transmissão desta prática os marinheiros, os quais difundiram comumente suas atividades nas
áreas portuárias e estaleiros das cidades do velho continente, espalhando-se majoritariamente
entre os próprios marinheiros, assim como também entre outros frequentadores comuns a
estes perímetros, tais como ladrões, assassinos, prostitutas e toda uma parcela da população
que se encontrava a margem da sociedade (MARQUES, 1997).

Em épocas variadas da história, a tatuagem serviu como identificador de


transgressores, sendo utilizada para marcar desde os corpos de escravos na Grécia antiga,
geralmente aplicada nos rostos destes, estigmatizando-os, até judeus nos campos de
concentração nazistas durante a segunda guerra mundial, como uma forma de controle e
identificação (ARAUJO, 2005; MARQUES, 1997).

No universo carcerário as marcas corporais agiriam como reforçadores e reafirmadores


de determinados códigos capazes de externar a natureza das relações sociais dentro das quais
são produzidas. Fazendo transparecer para aqueles que conseguem decifrar tais códigos os
crimes cometidos ou mesmo as penas infligidas àqueles que carregam tais marcas (DA
SILVA, 1991).

As efetivas trocas são comunicativas, não informativas, pois se dão entre os grupos.
Não há preocupação com grandes plateias – a correspondência ideológica é
construída entre eles mesmos. Trata-se de um produto de uma articulação individual
ou de pequenos grupos que estão continuamente particularizando a imagem e o seu
significado (RAMOS, 2005, p. 95).

Outrora, o movimento punk em meados da década de 1970 chocou a sociedade


britânica com seus cortes de cabelos pontiagudos, com suas roupas rasgadas e/ou
incrementadas com alfinetes e espigões. O ódio social tomou de conta de seus corpos,
configurando-se como um ódio pelo próprio corpo, expresso através de modificações
corporais como o uso de piercings (de uma forma bastante rústica, onde alfinetes muitas vezes
eram utilizados no lugar das joias) e também através de tatuagens. O corpo perfurado,
marcado e odiado simbolizava a relação forçada com o outro; se torna uma superfície de
projeção, onde suas modificações são testemunhos da recusa das condições de sua existência.

1
Pautamo-nos na perspectiva empregada por Toni Marques (1997), na qual a prática da tatuagem se encontrava
inserida no contexto europeu, entretanto, esta foi quase que totalmente banida durante a idade média, voltando à
tona no século XVIII com as grandes navegações.
34

Contudo, a cultura punk, e dentre várias outras manifestações de contracultura, entram no


circuito do consumo, transmutando-se em estilo. As marcas corporais sofrem uma mudança
de status, são engolidas pela moda, pelos esportes, pela cultura das jovens gerações nascentes,
onde “[...] diversificam-se igualmente em uma busca de singularidade pessoal [...].” (LE
BRETON, 2003, p.34).

O estigma social ainda é um eixo de identificação, classificação e de relacionamento.


No que diz respeito à prática da tatuagem e sua história no ocidente, apesar de se encontrar
menos intenso e latente na contemporaneidade, ainda segue como fator de relevância dentro
desta dinâmica (FONSECA, 2003).

Nesta perspectiva devemos ter em mente o conceito de estigma trabalhado por


Goffman (2012), que se torna fundamental para melhor compreendermos o que de fato o
constitui. Nas palavras do referido autor, o termo estigma faz referência a:

[...] um atributo profundamente depreciativo, mas que é preciso, na realidade, é uma


linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode
confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é em si mesmo, nem honroso
nem desonroso (GOFFMAN, 2012, p.13).

Através desta compreensão podemos nos soltar das amarras que atrelam a ideia de
estigma como algo naturalizado, inerente ou próprio de quem a possui, passando a ser
entendido enquanto uma construção social e cultural. Logo, o desviante é constituído dentro
do mundo social, sendo a partir destas construções que se desenvolvem as interações
evidenciadas pelo estigma (FONSECA, 2003).

[...] o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma
consequência da aplicação por outros de regras e sanções a um “infrator”. O
desviante é alguém a quem este rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento
desviante é aquele que as pessoas rotulam como tal (BECKER, 2009, p.22).

O que irá constituir, ou não, o desvio se refere em parte ao ato, se este viola ou não
alguma regra, e em parte da reação das outras pessoas acerca dele. O desvio não recai
enquanto uma qualidade inerente ao comportamento em questão, mas na interação entre
aqueles que cometem o ato e aqueles que reagem a este (id., ibid.).

Devemos voltar nossa atenção ao fato de que, dentro da reflexão proposta, o estigma
da tatuagem é algo voluntário, uma vez que a pessoa não nasce com ela, muito menos é
induzido socialmente a fazê-la, é uma decisão pessoal que se realiza enquanto uma opção de
vida, cobrando uma dimensão singularizante de tal prática (FONSECA, 2003).
35

Contudo, a tatuagem sofre uma mudança em seu significado e uso na


contemporaneidade. Ultrapassa a conotação de prática subversiva pertencente a classes
marginais e excluídas socialmente, ou de movimentos de contracultura ligados politicamente
e ideologicamente a estéticas contrárias ao padrão social, não estando mais, necessariamente,
ligada ao desvio (LEITÃO, 2004).

Neste sentindo podemos observar que existe um caráter de ambiguidade no que se


refere às marcas corporais, uma vez que as tatuagens são encardas como traço estigmatizante
em alguns lugares ou por certos grupos de pessoas, enquanto é valorizada e apreciada em
outros ambientes. O habitus dos indivíduos, assim como os campos em que se encontram,
irão balizar essas classificações enquanto legítimas ou ilegítimas.

Os esquemas do habitus, formas de classificação originárias, devem sua eficácia


própria ao fato de funcionarem aquém da consciência e do discurso, portanto, fora
das tomadas do exame e do controle voluntário: orientando praticamente as práticas,
eles dissimulam o que seria designado, erroneamente, como valores nos gestos mais
automáticos ou nas técnicas do corpo, na aparência [...], envolvem os princípios
mais fundamentais da construção e avaliação do mundo social [...] (BOURDIEU,
2007 , p.434, grifo do autor).

1.5 Novos contornos da tatuagem

O grande marco na história da prática da tatuagem foi a invenção do “tatuógrafo" em


1891, máquina elétrica que possibilitou uma revolução em aspectos chaves referentes ao
ofício da tatuagem, tais como: diminuição do tempo empregado, passando de horas para
minutos, assim como o aumento das qualificações técnicas no que diz respeito a aplicação da
tatuagem, as quais incluem um melhor aperfeiçoamento do acabamento dos traços, contornos,
brilho e coloração. Para além dos aprimoramentos dos aspectos técnicos, a necessidade de ter
que estar próximo a um ponto de corrente elétrica, logo de fixar-se, faz com que está prática
tome uma maior dimensão social, configurando um cenário no qual a aplicação da tatuagem
necessitasse de uma pessoa com disposição de tempo e com certa dedicação para este ofício.
A máquina de tatuar passa a identificar o tatuador moderno, da mesma forma que simboliza a
sua profissionalização, passando de um saber artesanal, manual e adquirido de maneira
ocasional para um conhecimento técnico, sendo necessário ter habilidade e maestria em sua
execução (FONSECA, 2003; SANDERS, 2008).
36

Apesar da necessidade de se estabelecer em um local fixo para a prática da tatuagem,


esta atividade ainda não se encontrava inserida em um espaço específico, destinado única e
exclusivamente para tal fim. Durante este ínterim a tatuagem vivia uma fase de transição e
experimentações e os pontos comerciais que abriam possuíam uma natureza “ambígua”, uma
vez que a tatuagem era oferecida juntamente com outros produtos e serviços, e não
acarretavam lucros suficientes para se manter (FONSECA, 2003).

Anteriormente vista como underground e ligada a uma parcela de indivíduos que se


utilizavam destas ornamentações enquanto reafirmadores de sua vontade de estar à margem
da sociedade, o panorama estigmatizante ao qual a tatuagem encontrava-se atrelado sofre
mudanças a partir do momento em que esta prática, antes relegada a cantos improvisados e
com acesso restrito, passa a ser encontrada nos centros das cidades. Este rearranjo social faz
com que sejam agregados ganhos fundamentais a esta atividade: um reconhecimento social
desta prática, e desta forma sua entrada em um campo de “legitimação” social, exaurindo-se
de seu entorno de marginalidade com o qual era identificado (id., ibid.).

A prática da tatuagem chega ao Brasil oficialmente no início dos anos 60, juntamente
com o dinamarquês Knud Harald Lykke Gregersen, ou simplesmente Tattoo Lucky, como
ficou conhecido. Luky foi considerado pela imprensa nacional como o primeiro tatuador
profissional na América do sul, se instalando na região de Santos e depois no Rio de Janeiro,
disseminando a prática da tatuagem pela região sudeste e sul do país. Este foi considerado o
grande marco para a tatuagem em território nacional, marcando a pele e a história de muitos, e
abrindo caminho para a entrada do Brasil no mapa da tatuagem moderna (MARQUES, 1997).

A partir da década de 80 a tatuagem passa por uma nova fase, entrando no circuito do
mercado através do estabelecimento de vários pontos comerciais. Inúmeros avanços técnicos
e tecnológicos, juntamente com a regulamentação da profissão, fazem com que a face desta
prática tome novas proporções, possibilitando uma maior abrangência social. O aparecimento
dos estúdios de tatuagem, a utilização de equipamentos importados, de materiais descartáveis,
de revistas e catálogos especializados disponíveis aos clientes proporciona que esta prática
passe do âmbito marginal para o comercial. Uma vez instalado em local fixo e organizado,
devidamente decorado e pensado para a tatuagem, este ambiente vem a se relacionar com
novas formas de conceber o corpo, onde as modificações corporais entram em jogo como uma
nova forma de estilo, de uma nova busca que vem a caracterizar e identificar o sujeito
contemporâneo (COSTA, 2004; FONSECA, 2003).
37

Corpo, identidade e tatuagem dialogam constantemente. As mudanças a cerca da visão


que tínhamos sobre o que é o corpo influenciaram diretamente em nossa noção do que é a
própria identidade, e vice-versa. Nossas identidades, assim como nossos corpos, eram
encaradas de maneira imutável, estática, firme, onde qualquer mudança de percurso apontaria
para uma anormalidade. Neste viés, as marcas corporais eram expressão desta anomalia, um
traço do desvio utilizado por aqueles que queriam se por fora da sociedade, marginais ao
convívio comum.

As mudanças proporcionadas a cerca da visão do nosso corpo, antes sagrado e agora


individual, assim como a noção de nossas identidades, antes estáticas e agora fluídas,
encontraram nas marcas corporais uma nova maneira de se modelarem, ultrapassando o
entendimento de que forma estes corpos e estas identidades deveriam se apresentar.

Esta forma de expressão da identidade encontra-se amplamente difundida em nosso


cotidiano, onde cada vez mais e mais pessoas se utilizam desta modificação corporal para
embelezar seus corpos, imprimindo em si marcas de identificações, laços visíveis de suas
paixões pelas suas vivências, experiências; momentos que encontram desenhos e pigmentos
como ancoradouro. Objetivando analisar de que forma corpo, identidade e tatuagem possuem
uma intima relação, iremos nos debruçar na realidade de alguns atores sociais em vias de
explorar através de seus discursos as amarras que buscam moldar estes corpos, e de que
maneira a tatuagem encontra-se ligada a um modo de cuidado de si, visando uma via
alternativa de vivenciar este corpo dentro das relações de poder que visam impor padrões
normativos a ele, podendo ser encarado enquanto um exercício de liberdade o qual o
indivíduo pratica em sua construção identitária.
38

2 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

Ao falarmos sobre identidade adentramos em um terreno que possui em seu cerne


debates, tensões e divergências acerca das visões que julgam haver um essencialismo ou um
não essencialismo no que se refere à identidade. A primeira vertente pode alicerçar suas
afirmações tanto na história quanto na biologia, buscando princípios e certezas na
fundamentação da identidade em uma “verdade”, que pode tomar um caráter fixo em
acontecimentos de um passado comum ou atrelado ao corpo enquanto limite que vem a
definir quem somos, por exemplo, para a identidade sexual (WOODARD, 2014). Porém, seria
possível reivindicar a identidade sem apelar para uma “verdade” única? Existiria alguma
estratégia alternativa ao argumento fundamentador desta essencialidade da identidade? Seriam
as identidades fluídas e mutáveis, ou possuiriam um núcleo fixo? Estas questões ilustram o
embate existente entre as concepções essencialistas e construcionistas, nos proporcionando
uma problematização do que vem a constituir a identidade contemporânea.

As discussões acerca da identidade possuem diferentes níveis, podendo tomar


contornos amplos e globais, envolvendo preocupações com as identidades étnicas e com as
identidades nacionais. Por outro lado, podemos compreender este conceito ligado a um
contexto que vêm a dar ênfase à identidade pessoal e às relações interpessoais. Em ambos os
enfoques acredita-se que a identidade nas últimas décadas tem passado por um período de
“crise”, decorrente de mudanças ocorridas durante a modernidade (GIDDENS, 2002; HALL,
2011; WOODWARD, 2014).

Tomando como bússola a perspectiva dos estudos culturais, isto implicaria em


examinar a maneira como estas identidades são formadas e os processos nos quais se
encontram envolvidas. Ao analisarmos a ideia de identidade devemos atentar para sua relação
com a cultura, com a linguagem e com a representação (SILVA, 2014; WOODWARD, 2014).

2.1 Identidade, significado e linguagem

Nas palavras de Clifford Geertz (2008, p.9) “a cultura é pública porque o significado o
é”, ou seja, os significados e os símbolos são partilhados pelos atores sociais uns entre os
outros, e não dentro de si. Nesta perspectiva, a cultura pode ser encarada como um sistema
39

entrelaçado de significados e símbolos; um contexto no qual estes signos interpretáveis


podem assumir uma forma inteligível. De acordo com Néstor Garcia Canclini (2004, p.41),
podemos afirmar que a cultura envolve “[...] o conjunto de processos sociais de produção,
circulação e consumo da significação na vida social.”

As identidades são um processo de construção de significado que possuem em sua


base um atributo cultural, ou ainda “[...] um conjunto de atributos culturais inter-relacionados,
o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado.” (CASTELLS, 1999, p.22). A
cultura molda as identidades ao possibilitar dar sentido à experiência, e torna possível optar
por um modo específico de subjetividade (LARAIA, 2005; WOODWARD, 2014).

As identidades podem ser encaradas como um conjunto de traços que estruturam os


modos como os indivíduos são, proporcionando também um conjunto de senhas pelas quais
esses mesmos indivíduos se identificam e se deixam identificar. Desta forma, através deste
viés, as identidades viriam a se definir “[...] tanto no intercâmbio entre as crenças e
construções simbólicas quanto na dinâmica das trocas.” (FLORES, 2011, p. 23).

Este modo de ser, de conceber a si mesmo, se dá através do nosso cotidiano. Como


vimos anteriormente, desde nossa infância somos educados, moldados, disciplinados através
de nossas socializações, que extrapolam nossa vivência no âmbito familiar e se estendem a
inúmeras experiências. Neste sentindo, a aproximação com as modificações corporais também
corroboram para a idealização desta identidade, se caracterizando enquanto um traço
indelével na formação deste indivíduo que se utiliza da tatuagem enquanto uma faceta do seu
eu. A proximidade com a prática da tatuagem em nossas vidas também é perpassada pelas
mais variadas mídias, as quais possuem uma grande participação na composição de nossas
identidades. Por meio do relato de Andreas podemos observar a atribuição que este dá a sua
identidade, a qual encontrasse relacionada com um estilo de vida concernente ao Rock n’ Roll
e a bandas pertencentes a este gênero musical como seu alicerce, onde teve contato tanto no
âmbito familiar quanto através de programas de TV e com experiências com bandas
independentes. Por intermédio destes intercâmbios midiáticos e vivenciais nos é possível
compreender de que forma há um delineamento conjunto de sua identidade, se constituindo
enquanto um canal possível para a formação de sua autoimagem.

Eu lembro que, antes de eu gostar de rock, eu assim: caralho, vou seguir esse estilo
de vida assim. Vou ser rockeiro. Eu já ouvia metal por causa do meu tio. E meu
nome, por causa do maluco do Sepultura, que minha mãe gosta do Sepultura.[...] Já
nasci, acho que já fadado a ser rockeiro. Mas quando eu comecei a ter contato com
40

programas da MTV: Riff, total massacration, essas parada assim, que mesmo que
era zueira passava uns clipes de metal. Ai eu parava e olhava assim, a postura
subversiva, assim agressiva. Ser contra assim oh, com as parada que é certinha.
Caralho, eu quero ser assim, eu acho massa. Eu não tinha ideal nenhum [...], mas
uma coisa foi puxando a outra. [...] Primeiro instrumento, andar com a galera, ter as
tattoo.[...] “Fulaninho tem tatuagem”, caralho, o bicho tem coragem velho, um dia
eu quero chegar nesse nível de ter assim. É uma parada, assim, quase todo mundo do
rock tem tattoo, mas eu não vejo uma coisa de "Maria vai com as outras" (Andreas,
gerente de vendas).

A dinâmica envolvida no processo da tatuagem passa a ter tanta importância quanto os


significados dos desenhos impressos na pele, uma vez que a própria história perpassa pelo
significado, se tornando uma memória de experiências vividas, de um momento o qual foi
escolhido enquanto significativo para o indivíduo, de uma banda de rock que se atribui uma
carga de influência em sua maneira de viver. Exibir e falar sobre as tatuagens que possui são
uma forma de reafirmar sua identidade, definindo-a aos seus olhos e aos olhos dos outros,
demonstrando que suas raízes são pertencentes a um determinado estilo de vida. É através
destas narrativas de suas vidas que podemos perceber o entrecruzamento das realidades nas
quais os indivíduos se encontram, proporcionando-nos uma melhor compreensão de suas
marcas corporais enquanto signos, símbolos, senhas que adquirem suas significâncias
inseridas em uma conjuntura.

Cada tattoo que eu tenho, quando eu paro e penso na tattoo assim: rapaz, essa tattoo
aqui, eu tava vivendo alguma parada. Quando eu fiz essa tattoo, eu pensava de uma
maneira diferente. A minha prmeira tattoo, eu lembro como eu era antes.[...] Ai eu
fiz... a do peito. Ai, meu irmão, já não sou mais o mesmo cara, assim, não é porque
eu tenho mais uma tattoo, mas pô, eu faria aquilo naquela época?! Não, mas eu sei o
que eu tava vivendo e o que eu queria. Então, cada tattooo vai marcando... cada
época que eu tô vivendo. Aqui em Mossoró ainda não fiz nada, mas quando eu fizer
eu vou lembrar: quando eu tava lá em Mossoró... [...]Não que eu vá esquecer, assim,
se eu não fizer a tattoo, mas se eu fizer eu acho que é muito mais marcante (Andreas,
gerente de vendas).
41

Figura 1 - A friend ship never sinks, tatuagem no peito de Andreas simbolizando as amizades.

Desta forma, podemos conceber que ser algo, ou alguém, só pode ser compreendido
quando se está dentro de um processo de produção simbólica e discursiva, pois, não pode se
considerar a identidade enquanto um aspecto absoluto, onde sua existência não possua uma
ligação com a linguagem, encarada como uma característica puramente inerente ou
plenamente externa; não pode ser vislumbrada enquanto mero referencial natural ou fixo
(SILVA, 2014).

Neste sentido, podemos considerar a linguagem como um sistema movediço, pois seus
elementos – os signos – não possuem valor absoluto e não transmitem sentido se considerados
de maneira isolada. O sentido é adquirido quando se insere estes elementos dentro de uma
cadeia infinita de outras marcas gráficas ou fonéticas que se diferem umas das outras. A
linguagem enquanto sistema de significação é uma estrutura instável (id., ibid.).

A tatuagem, da mesma maneira que a linguagem, também pode ser considerada


enquanto um sistema instável, uma vez que seus significados se dão através da inclusão em
uma série de outras marcas. Neste caminho, a tatuagem pela tatuagem não expressa seu real
significado, repousando seu sentindo dentro de uma sucessão de construções simbólicas
arquitetadas pelo indivíduo e anexo a sua realidade. Entrando em consonância com o relato de
Andreas, Jean nos ilustra este entrecruzamento de momentos que fazem com que o desenho
escolhido possua sua historicidade, uma narrativa que irá imprimir uma significância ao
desenho escolhido, uma idealização singular que transmuta o caráter natural do corpo e fixa
uma memória do acontecimento.
42

As minhas tatuagens são muito pessoais, e pra mim chegar a fazer acontecem várias
coisas, uma série de acontecimentos, que eu idealizo isso de alguma forma pra
marcar e nunca mais esquecer. Basicamente é isso. [...] Depois que acontece é que
eu vou começando a juntar e formar as coisas. Nada surgi assim, em vão, apenas
pelo desenho ou por amar o cara que toca naquela banda... não. É uma coisa mais
pessoal mesmo, mais profunda vamos dizer assim [Figura 9] (Jean, Professor).

Desta forma, a tatuagem se constitui enquanto uma linguagem pela qual os indivíduos
imprimem em seus corpos uma infinidade de desejos, uma série de desenhos e temas que
possuem suas lógicas e explicações. Estas figuras não surgem “do nada”, são pensadas e
relacionadas com as experiências vivenciadas pelo indivíduo, onde muitas vezes extrapola os
significados pertencentes aos símbolos que tomam contornos em sua epiderme.

Podemos estabelecer uma correlação com esta característica vacilante da tatuagem e a


indeterminação da linguagem. Esta imprecisão referente à linguagem decorre de uma
propriedade do signo, que é um sinal, um rastro, uma marca que se encontra no lugar de outra
coisa, que pode vir a ser um objeto concreto, um conceito ligado a um objeto concreto ou
mesmo um conceito abstrato. Porém, o signo não possui em si a coisa ou o conceito, nos
proporcionando uma ilusão de que a coisa se encontra presente no signo, sendo esta ilusão
necessária para que o próprio signo funcione enquanto tal. Através deste viés, Silva (2014,
p.79) nos elucida que: “A presença da ‘coisa’ mesma ou do conceito ‘mesmo’ é
indefinidamente adiada: ela só existe como traço de uma presença que nunca se concretiza.”

Figura 2 - Tatuagem de Jean com o símbolo da banda norte americana Foo Fighters.
43

Sendo assim, a identidade se torna possível de ser ancorada na medida em que nos
inserimos em um sistema simbólico e de linguagem, os quais passarão a fornecer pontos de
apoio linguísticos. As identidades adquirem sentido através da linguagem e dos sistemas
simbólicos pelos quais elas são representadas, sendo este significado atribuído culturalmente e
socialmente, além de se encontrar atrelado a um sistema de representação. Por sua vez, a
representação encontrasse ligada a sua dimensão significante, como sistema de signos, logo,
não é uma representação mental ou interior, mas sim uma marca, um traço visível
exteriormente. Age simbolicamente para classificar o mundo e as relações ao seu redor
(SILVA, 2014; WOODWARD, 2014).

A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio


dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeitos. É por
meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa
experiência e àquilo que somos (WOODWARD, 2014, p.17 – 18).

As tatuagens atuam enquanto uma representação que vem a balizar o sentindo


atribuído à existência daqueles que se utilizam desta prática, dando uma significância a sua
vida e localizando-os dentro de suas relações, sejam estas interpessoais ou pessoais. Estas
marcas corporais compõem uma linguagem que expressa as mais diversas ideias através da
pele, permeada pelas experiências do contato com estas modificações e pelos momentos
vivenciados. Um amálgama necessário para compreender àquilo que se é.

2.2 Representação e diferença

A tentativa de definir a noção de identidade no ocidente passa pela definição de


representação. O termo representação comporta uma relação ambígua entre presença e
ausência, pois, “[...] é uma presentificação de um ausente, que é dada a ver por uma imagem
mental ou visual que, por sua vez, suporta uma imagem discursiva.” (PESAVENTO apud
FLORES, 2011, p. 26). Enunciando algo distante no tempo e no espaço, estabelece uma
relação de correspondência entre o que está ausente e o que está presente.

As representações do mundo social não são o reflexo do real nem a ele se opõem de
forma antitética, numa contraposição vulgar entre imaginário e realidade concreta.
Há, no ato de tornar presente ou ausente, a construção de um sentido ou de uma
cadeia de significações que permite a identificação. Representar, portanto, tem o
caráter de anunciar, “pôr-se no lugar de”, estabelecendo uma semelhança que
44

permita a identificação e reconhecimento do representante como representado. (id.,


ibid., p.26).

A representação é uma forma de atribuir sentido; faz parte de um sistema linguístico e


cultural, sendo assim arbitrário e indeterminado. É por meio desta representação que a
identidade passa a existir. A tatuagem, enquanto representação, busca fixar na pele uma
imagem, objetivando um discurso que permeia as linhas, as cores e os temas que ali se
encontram impressos. Torna constantemente presente e evidencia características que podem
ser identificadas por terceiros, expressando particularidades, qualidades, atributos do seu
portador.

A tatuagem pra mim é a forma de você mostrar a sua personalidade. Não tipo, ah
sou rockeiro loucão e tenho uma tatuagem, mas como eu falei, sempre tão ligadas a
significados, entendeu? Tipo, se eu vejo uma pessoa que tem uma tatuagem de Jesus
e é um sarcasmo, eu já sei que aquela pessoa não é uma pessoa religiosa. Então é
uma forma de você expressar quem você é, sem necessariamente abrir a boca, tipo:
“eu tenho uma tatuagem do ac/dc”, pronto, essa cara gosta de rock, não precisou
abrir a boca pra falar que ele gosta (Emmeson, gerente de vendas).

Figura 3 - Faz o que tu queres, pois é tudo da lei. Tatuagens de Emmeson que contemplam o
símbolo e parte da canção sociedade alternativa de Raul Seixas.

Quando os indivíduos encontram-se na presença uns dos outros, geralmente tendem a


buscar indicadores que possam transmitir algum tipo de informação a seu respeito, e dessa
45

forma definir a situação e antecipar o que se pode esperar do outro (GOFFMAN, 2007). Neste
sentido a tatuagem serve como uma objetivação da subjetividade do indivíduo, uma forma de
cristalizar uma representação de si, permitindo um discernimento acercadaquele que estampa
em si tatuagens.

Estas marcas corporais irrompem pelos poros, corroborando para a construção de


nossa representação enquanto indivíduos, compondo e ornando nossos corpos. Fazem parte da
elaboração de nossas “máscaras”, daquilo que desejamos e nos esforçamos a alcançar,
elaborando nossas identidades. Nossas representações não se limitam a características
indeléveis como a tatuagem, perpassando por modos de agir e se portar.

Não é provavelmente um mero acidente histórico que a palavra “pessoa”, em sua


acepção primeira, queria dizer máscara. Mas, antes, o reconhecimento do fato de que
todo homem está sempre e em todo lugar, mais ou menos conscientemente,
representando um papel... É nesses papéis que nos conhecemos uns aos outros; é
nesses papéis que nos conhecemos a nós mesmos.

Em certo sentido, e na medida em que esta máscara representa a concepção que


formamos de nós mesmos – o papel que nos esforçamos por chegar a viver – esta
máscara é o nosso mais verdadeiro eu, aquilo que gostaríamos de ser. Ao final a
concepção que temos de nosso papel torna-se uma segunda natureza e parte integral
de nossa personalidade. Entramos no mundo como indivíduos, adquirimos um
caráter e nos tornamos pessoas (PARK apud. GOFFMAN, p.27).

Porém, neste ponto devemos atentar para uma pequena distinção entre o papel
exercido pelo indivíduo e sua identidade. A influência dos papéis no comportamento de um
indivíduo depende de negociações e acordos que se dão entre o indivíduo e as instituições e
organizações, as quais normatizam tais papéis. Já as identidades constituem fontes de
significados para o próprio indivíduo, que são construídas por ele através do processo de
individuação. As identidades – auto identificação – podem vir a coincidir com o papel social
exercido, porém, as primeiras são fonte de significado de maior prestígio, pois envolvem
processos de autoconstrução e individuação. Genericamente pode-se afirmar que “[...]
identidades organizam significados, enquanto papéis organizam funções.” (CASTELLS,
1999, p.23).

Estar em sociedade é participar ativamente do constante processo dialético em curso,


logo, a construção da identidade perpassa por vários âmbitos da realidade, valendo-se da
matéria prima fornecida pela história, biologia, geografia, instituições produtivas e
reprodutivas, por uma memória coletiva e por fantasias pessoais. Este material é então
46

processado pelos indivíduos, por grupos sociais e pela própria sociedade, proporcionando
uma reorganização de seus significados “[...] em função de tendências sociais e projetos
culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço.” (id.,
ibid., p.23).

Ao afirmamos nossa identidade fixamos aquilo que somos – o que achamos de nós, ou
como gostaríamos de ser vistos –, e a partir deste ponto também estabelecemos o que os
outros são, em um quadro onde os outros são diferentes ou semelhantes a nós. Ao voltar nosso
foco à noção de identidade, devemos também buscar entender sua relação com a diferença,
não como opostos, mas inseridos como elementos primordiais dentro do processo de criação e
produção da própria identidade.

A um primeiro olhar a definição de identidade parece ser concebida como uma


positividade, uma característica independente, um “fato autônomo” que faz referência a si
próprio, autocontido e autossuficiente. A identidade é “aquilo que sou”. Da mesma forma a
diferença também é vista como algo plenamente existente em si mesmo, mas em oposição à
identidade, é “aquilo que o outro é”. Neste sentido, a identidade só precisa ser (re)afirmada
porque há outros que não o são. “Em um mundo imaginário totalmente homogêneo, no qual
todas as pessoas partilhassem a mesma identidade, as afirmações de identidade não fariam
sentido.” (SILVA, 2014, P.75).

Em nossa sociedade, em nosso convívio cotidiano, somos guiados a buscar nossas


identidades, em um sentindo de construí-las, de nos singularizarmos de algum modo, de nos
diferenciarmos uns dos outros. Seja através dos nossos modos de agir e pensar, de nossa
faceta mais subjetiva, seja por modos mais visíveis, através de nossas roupas e adereços,
almejamos nos constituir enquanto seres singulares em nossa existência. A tatuagem,
enquanto um (re)afirmador de uma singularidade, é apontada por Danie como sendo uma
forma de se buscar essa desejada distinção, um traço que a diferenciaria dos outros e estaria
atrelado a uma personificação de si.

Pra mim, a princípio, foi uma busca por identidade. Como eu falei pra você, eu fiz a
1° pra me diferenciar dos demais. E eu acredito que você tem uma tatuagem, que
você tenha uma modificação corporal seja ela qual for, você tem aquilo pra buscar
um diferencial, seu individualismo. [...] então eu fui buscar mudar a minha estética,
a busca de uma personalidade que me destacasse das demais, porque eu nunca gostei
de nada que fosse similar de outras pessoas. (Danie, Supervisora de operações).
47

A afirmação da identidade, na verdade, faz parte de uma extensa série de “negações”,


ou seja, quando dizemos “sou brasileiro” o sentido envolvido neste caso é de dizer
implicitamente que “não somos argentinos”, “não somos chineses” e assim por diante. Da
mesma forma, a diferença só se torna compreensível em sua relação com as afirmações sobre
outras identidades. Em geral, considerasse a diferença como produto diretamente derivado da
identidade, refletindo a tendência em tomar o que somos como norma da qual irá descrever e
avaliar os outros, aquilo que não somos (id., ibid.).

A marcação da diferença é crucial no processo de construção das posições de


identidade. A diferença é reproduzida por meio de sistemas simbólicos. [...] As
identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. [...] a identidade
depende da diferença (WOODWARD, 2014, p.40).

Ao afirmar a identidade e marcar a distinção implicam-se as operações de inclusão e


exclusão, demarcando fronteiras, limites que irão diferenciar o que se encontra dentro ou fora.
“Essa demarcação de fronteiras, essa separação e distinção, supõem e, ao mesmo tempo,
afirma e reafirma relações de poder.” (SILVA, 2014, p.82). Este processo de produção e
construção de identidades oscila entre dois movimentos: por um lado nos deparamos com
processos que tendem a fixar a identidade; por outro lado encontramos processos que tendem
a subverter e desestabilizar estas identidades. A fixação sempre será uma tendência e ao
mesmo tempo uma impossibilidade (id., ibid.).
48

3 RISCANDO IDENTIDADES

Neste capítulo iremos discutir de que maneira o corpo se encontra dentro de relações
de poder que buscam moldá-lo, criando uma ideia de normalidade e padronização do corpo.
Porém, as marcas corporais estariam dispostas como uma forma do indivíduo exercer uma
liberdade na sua relação com o que encara enquanto corpo, vivenciando este corpo de forma
única, ressignificando inclusive a dor envolvida no processo da tatuagem.

Estas marcas corporais entram num jogo da busca pela exclusividade, uma forma de
tentar se distinguir dos outros através de tatuagens exclusivas, que buscam a singularização
tanto da pessoa tatuada quanto do traço do tatuador.

3.1 Corpos (in)disciplinados

O indivíduo não se encerra nele mesmo, sendo o mesmo uma encarnação do coletivo,
uma corporificação do social, um corpo inserido no mundo, o qual se encontra ligado de
forma implícita e explícita a certa limitação de sua representação legitimada (MEDEIROS,
2011).

Deste modo, o controle sobre o corpo começa a ser exercido através dos processos de
educação, o qual se estende desde a infância até as vivências adultas, fazendo da disciplina
uma maneira de domesticar e docilizar os corpos. “Em qualquer sociedade, o corpo está preso
no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações”
(FOUCAULT, 2004, p.117). Segundo as palavras de Cláudio Lúcio Mendes (2006, p.168,
grifo do autor), o corpo é entendido dentro da perspectiva de Michel Foucault como sendo:

[...] ao mesmo tempo uma massa, um invólucro, uma superfície que se mantém ao
longo da história. Sintetizando, pode-se dizer que, para Foucault, o corpo é um ente,
composto por carne, ossos, órgãos e membros, isto é, matéria, literalmente um lócus
físico e concreto. Essa matéria física não é inerte, sem vida, mas sim uma superfície
moldável, transformável, remodelável por técnicas disciplinares e de biopolítica.
Com isso, o corpo é um ente – com sua propriedade de “ser” –, que sofre a ação das
relações de poder que compõem tecnologias políticas específicas e históricas.

Os mecanismos disciplinares, dentro de uma perspectiva foucaultiana nos ajudam a


compreender como esse corpo é produzido, como através das relações de poder essa noção de
49

corpo é inserida e percebida. Logo, o corpo, ou melhor, a maneira pela qual o percebemos,
deve estar em consonância com a estrutura à qual encontrasse incorporado, sendo seu desvio
encarado com estranheza diante dos padrões impostos. Através do discurso de Emmesson
podemos ilustrar de que maneira esta ideia de normalidade, que também é relativa às várias
modificações corporais que são praticadas em nossa sociedade, recai sobre a tatuagem. Este
tipo específico de adereço corporal encontra-se parcialmente excluído das remodelações
corporais legitimadas na sociedade contemporânea.

[...] acho que a maioria da população, ou talvez apenas os mais antigos, ainda são
conservadores, não em relação a tudo, mas pelo menos ao que diz respeito à
mudança corporal e o fato de se expressar, ou talvez modificar o corpo por prazer
vai contra essa maioria. Talvez não seja de fato só mudança corporal em si. Pois
plásticas, lipo, implantes de cabelo etc, são mais bem vistas ou pelo menos, menos
mal vistas. Então, é ser diferente do que está predominando ( Emmeson, gerente de
vendas).

Esta ideia de corpo na qual devemos encarnar tende a entra em choque com maneiras
alternativas de personifica-lo. Ao passo que modificar suas características tidas como naturais
através de procedimentos que se encontram inseridos dentro de práticas legitimadas, como os
procedimentos cirúrgicos estéticos, não é tido como algo estranho, porém, a ruptura com a
representação legítima desta matéria física através da tatuagem, mesmo com o intuito de
embelezamento para o indivíduo, é encarado muitas vezes como exótico, anormal ou mesmo
bizarro. Neste sentindo, a tatuagem, por mais difusa e popularizada que esteja em nossa atual
conjuntura, ainda é um tipo de modificação corporal que possui um limite quanto ao estilo, à
quantidade e localização, características estas que acabam por enquadrar a um modelo
aceitável de tatuagens. Estes corpos são aferidos a um padrão no qual possuí certos desenhos,
número e lugares para as tatuagens, distinguindo-os entre belos ou feios, normais ou
estranhos, aceitáveis ou condenáveis.

Este tipo de relato perpassou as falas de vários de nossos entrevistados, tal como
podemos perceber através das palavras de Danie. Ela possui uma tatuagem de uma caveira
localizada na parte inferior interna do seu antebraço, e relatou já ter recebido alguns olhares
de reprovação de terceiros. Segundo ela:

[...] hoje todo mundo tem tattoo, por menor e mais simples que seja. Mas quem faz
mudança no corpo e não se contenta em parar em 1, 2 e possui várias expostas acaba
sendo e se sentindo um pouco diferente sim, e acho que são enxergados de tal forma.
50

[...] existe um padrão de beleza imposto do que é perfeito e do que é estranho/feio,


infelizmente (Danie, supervisora de operações).

Através da fala de Danie podemos perceber que o corpo deve ser encarado como uma
superfície onde se exercem relações de poder, visto como um caminho para a subjetivação;
uma maneira de entender as relações de poder-saber nas sociedades modernas. Este corpo está
em constante relação com o poder disciplinar, ao qual irá docilizá-lo ao máximo criando
maneiras de extrair deste a maior produtividade possível, ou mesmo inibi-la, caso este venha a
transgredir tais processos disciplinares (MENDES, 2006). E para além da extração da força
produtiva, também o legitima enquanto espaço de simbolização, validando certas
modificações que se encontram polarizadas em praticáveis e censuráveis, estabelecendo não
somente uma ideia de belo ou feio, mas balizando a construção subjetiva do ser.

Figura 4 - Tatuagem de Danie no antebraço.

A obediência às regras não se faz apenas por receio às punições, pois encontrasse
cristalizada nos próprios indivíduos, pelo desejo de seu reconhecimento enquanto parte
integrante da sociedade, como nós alerta Rodrigues (2006, p.38), uma vez que “[...] não
existindo indivíduo sem a sociedade, este não pode negá-la sem no mesmo ato estar negando
a si mesmo. Neste sentido, a sociedade é um bem e suas regras apresentam-se como
desejáveis.”
51

Neste sentido, podemos nos pautar na obra “O processo civilizador”, de Nobert Elias
(1994), para compreender de que maneira ocorreu o desenvolvimento de condutas de
autocontrole que cristalizam um modo de ser civilizado no ocidente. Tomando como base de
suas analises obras que buscaram uma educação e polidez do comportamento em meados do
século XVI, e como estas regras de etiqueta moldaram e controlaram a afetividade, as
emoções e a experiência humana, Elias nos chama a atenção para perceber que este processo
civilizador:

[...] consiste principalmente na mudança estrutural ocorrida em pessoas na direção


de maior consolidação e diferenciação de seus controles emocionais e, por
conseguinte, de sua experiência (como, por exemplo, na forma de um avanço do
patamar de vergonha e nojo) e de sua conduta (como, por exemplo, na diferenciação
dos utensílios usados à mesa) (id., ibid., p.216).

O processo civilizador percorreu a história ocidental impondo padrões


comportamentais específicos com fortes consequências ao corpo. Tais maneiras de balizar as
condutas humanas recaem sobre a maneira como os indivíduos se relacionam com seus corpos
e o modo que devem se relacionar com as funções corporais, introjetando, ao longo do
processo de educação, uma naturalização dos hábitos de higiene, etiqueta e representação do
seu corpo. “A consequência desse processo é uma ampliação do mental em detrimento do
corporal e o desenvolvimento de um autocontrole que deve moldar pulsões, sentimentos e
afetos.” (ALBUQUERQUE, 2001, p.34). Desta maneira, a coerção externa que se daria
através de punições e penalidades passa a ser autocoerção, manifestada na educação e polidez
dos indivíduos que controlam a si mesmos.

A tatuagem, ao ser associada a uma prática vinculada a povos selvagens, e logo após a
um comportamento desviante e marginal, é excluída das condutas civilizadoras, permeando a
educação e assim balizando a maneira de como um corpo (civilizado) deveria ser concebido.
Neste sentido, a prática da tatuagem encontrasse atrelada às relações de poder-saber que
moldam os corpos e as subjetividades dos sujeitos.

3.2 Corpo, poder e sujeito em Foucault

O intuito dos estudos de Michel Foucault (1995) não se pautava simplesmente em


elaborar fundamentos de analises em relação ao fenômeno do poder. Foucault buscava
52

compreender, através do método arqueológico, a história dos diversos modos pelos quais, na
cultura ocidental, o ser humano se torna sujeito. O que nos leva a entender que não é o poder
que constitui seu tema geral, mas sim o sujeito. Este sujeito se encontra e é colocado em
relações de produção e significado, sendo desta forma igualmente posto em complexas
relações de poder.

É necessário, assim, entender as dimensões de uma definição de poder, uma vez que
esta vem a objetivar o sujeito. Primeiramente temos que ter em mente as condições históricas
que se encontram por detrás dessa conceituação, ou seja, se faz necessário uma consciência
histórica da situação presente, assim como também necessitamos de uma nova forma de
economia das relações de poder. O intuito então seria analisar racionalidades específicas
como processos em campos variados, aos quais fazem referência a uma experiência
fundamental (FOUCAULT, 1995).

Foucault expõe essa nova forma de economia das relações de poder com implicações
mais próximas entre a teoria e a prática.

Ela consiste em usar as formas de resistência contra as diferentes formas de poder


como um ponto de partida. Para usar uma outra metáfora, ela consiste em usar esta
resistência como um catalisador químico de modo a esclarecer as relações de poder,
localizar sua posição, descobrir seu ponto de aplicação e os métodos empregados.
Mais do que analisar o poder do ponto de vista de sua racionalidade interna, ela
consiste em analisar as relações de poder através do antagonismo das estratégias
(Id., ibid., p.244).

Em outras palavras, se por um acaso deseja-se descobrir o significado da sanidade em


nossa sociedade, deveríamos atentar para investigação do campo da insanidade. Da mesma
forma, para conseguirmos compreender o significado da prática da tatuagem, devemos nos
atentar para os impedimentos que dizem respeito às modificações corporais.

Tal qual nos referimos anteriormente, as modificações corporais entram em um rol que
separa representações cabíveis e condenáveis, permeando as relações humanas e
determinando as possibilidades do indivíduo se conceber. Podemos perceber através do
discurso acercado preconceito sofrido por aqueles que se utilizam desta prática que existe uma
relação de poderes, contrários, opostos, dispares em relação à imagem do corpo e de como
esta deve ser representada. Estes poderes visão uma homogeneização da ideia de corpo. Ao
questionarmos se a tatuagem proporciona algum tipo de mudança na relação indivíduo-
53

sociedade, Mateus nos ilustra de que é inevitável não entrar em conflito no que diz respeito ao
preconceito que estas marcas vêm a causar nas relações interpessoais.

Eu acho que muda. Muita gente diz que não muda nada em você, mas de um jeito ou
de outro você vai ter que bater de cara com o preconceito, você vai ter que mudar
em relação a... muita gente vai olhar torto pra você. [...] Eu comigo mesmo sou a
mesma coisa, sou até melhor quando faço uma tatuagem. Porque... Quando eu faço
uma tatuagem eu me sinto renovado, assim, mais estiloso. Vai me dizer que quando
você fez a pessoa não fica se olhando de frente pro espelho assim e tal, ficou massa
e não sei o que. Aumenta o ego da pessoa (Mateus, estudante).

Segundo Foucault (ibid.), uma série de lutas antiautoritárias surgiu nos últimos anos,
porém, não basta enxergá-las simplesmente enquanto tais, mas sim perceber o que há de
comum entre elas. Foucault elenca seis características em comum: 1) São lutas “transversais”,
ou seja, não se limitam a um país; 2) O objetivo destas lutas são os efeitos de poder enquanto
tal; 3) São lutas “imediatas”, ou seja, objetiva-se o inimigo imediato, criticam-se as instâncias
de poder mais próximas; 4) São lutas que questionam o estatuto do indivíduo, não são contra
nem a favor do “indivíduo”, são batalhas contra o “governo da individualização”; 5) São lutas
contra os privilégios do saber, pondo em questão o modo pelo qual esse saber circula e
funciona, assim como suas relações de poder; 6) Todas essas lutas giram em torno de um
questionamento: quem somos nós?

O objetivo principal destas lutas não seria atacar um determinado grupo, instituição ou
classe, mas sim uma técnica, uma forma de poder.

Esta forma de poder aplica-se à vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo,
marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe
uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer
nele. É uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos. Há dois significados
para a palavra sujeito: sujeito ao outro através do controle e da dependência, e ligado
à sua própria identidade através de uma consciência ou do autoconhecimento.
Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e sujeita (Id., ibid., p.235).

No entender de Michel Foucault, haveria três tipos de luta: contra as formas de


dominação; contra a exploração e o que separe o indivíduo daquilo que ele produz; contra
aquilo que liga o individuo a si mesmo, e desta forma, o submete ao outro.

Em nossa sociedade essas lutas tendem a prevalecer devido ao fato de que uma nova
forma de política do saber se desenvolveu de modo contínuo desde o século XVI. Esta nova
estrutura política seria o Estado. O poder do Estado combina duas técnicas, que seriam a
54

individualização e os procedimentos para uma totalização. Porém, Foucault (ibid., p.237) nos
alerta para um detalhe importante em relação ao Estado:

Não acredito que devêssemos considerar o “Estado moderno” como uma entidade
que se tenha desenvolvido acima dos indivíduos, ignorando o que eles são e até
mesmo sua própria existência, mas, ao contrário, como uma estrutura muito
sofisticada, na qual os indivíduos podem ser integrados sob uma condição: que esta
individualidade fosse moldada numa nova forma e submetida a um conjunto de
modelos muito específicos.

De inicio vale salientar que o poder dentro da perspectiva foucaultiana em questão não
é tratado enquanto objeto, ou seja, como algo que se possui ou não, ou mesmo a um nível
institucional (o poder pertencente a uma instituição em específico), mas sim enquanto uma
relação que se estabelece historicamente através das práticas, saberes e discursos que dizem
respeito aos indivíduos.

Temos que alçar nosso olhar para como se exerce esse poder sobre os indivíduos,
como acontece quando os indivíduos exercem esse poder sobre os outros, e não buscar
entendê-lo em como se manifesta.

Foucault (ibid., p.240, grifo do autor) expressa a motivação que o leva a seguir essa
lógica de raciocínio:

Grosso modo, eu diria que começar a análise pelo “como” é introduzir a suspeita de
que o “poder” não existe; é perguntar-se, em todo caso, a que conteúdos
significativos podemos visar quando usamos este termo majestoso, globalizante e
substantificador; é desconfiar que deixamos escapar um conjunto de realidades
bastante complexo, quando claudicamos, indefinidamente, ante a dupla
interrogação: “O que é o poder? De onde vem o poder?” A pequena questão, direta e
empírica: “Como isto acontece?”, formulada como esclarecedora, não tem por
função denunciar como fraude uma “metafísica” ou uma “ontologia” do poder; mas
tentar uma investigação crítica sobre a temática do poder.

O poder, como foi dito anteriormente, se dá em um processo de relações, e tais


relações são colocadas em jogo entre os indivíduos. O poder é exercido por alguns sobre os
outros.

Neste sentindo, quando falamos em padrões corporais temos o entendimento de que


existe uma ideia de uniformização destes corpos a um modelo, que deve ser seguido por todos
aqueles que se encontram no seio de nossa sociedade contemporânea. Apesar da ampliação
das caraterísticas que envolvem este modelo, a concepção de como devemos encarnar este
55

corpo encontrasse permeada por relações de poder que tentam limitar os horizontes possíveis.
Vislumbramos estes aspectos através do depoimento de Ivickson, quando este menciona suas
influências de estilo de vida, e para o mundo da tatuagem, que se pautam no meio Hardcore e
no skate, ambos presentes em sua adolescência. Através da filosofia deste estilo de vida,
Ivickson nos proporciona um entendimento de como os indivíduos se encontram em um
processo de resistência contra uma padronização destes corpos.

Foi a minha vida mesmo, acho que foi até mesmo reflexo de minha adolescência.
Como eu andava e frequentei muito o meio Hardcore lá em João pessoa,
principalmente, por que passei a adolescência lá, e o movimento lá, de 90 pra 2000,
tinha um movimento interessante lá. Punk rock, Hardcore e tudo mais, então assim,
e como eu andei com pessoal de skate muito, então isso ficou. Ai eu realmente
adotei, assim como um estilo mesmo, até de música pra se ouvir. [...] É um modo de
viver alheio a muita padronização, muita sistematização. Claro que tem que ter uma
sistematização pras coisas, mas eu acho que alheio a uma massificação, a coisas que
são impostas sem você pensar. Então, esse tipo de coisas que as pessoas seguem, são
submissos, e não sabem por que, então eu acho que o Punk-rock-Hardcore eles
expressão [...] pra mostrar isso [Figura 6] (Ivickson, professor).

Tal analise das relações de poder devem considerar o indivíduo como agente da ação,
e não simplesmente como uma marionete, no qual irá deixar apoderar-se. Uma relação de
poder pressupõe indivíduos livres, ou seja, tanto indivíduos ou grupos de indivíduos possuem
um campo de possibilidades, onde diversas condutas, reações e comportamentos estão diante
de si.

O poder aqui exposto não deve ser encarado de uma maneira negativa, de forma
comumente encarada pelo senso comum, como o poder que não permite escapatórias ou vias
alternativas de fuga.

O poder, enquanto relacional, só existe em ato, tanto do lado de quem o exerce como
do lado daquele sobre o qual é exercido. Dessa forma, o poder é visto em sua
positividade, pois na verdade, o poder produz; produz realidade. O poder permeia,
induz ao prazer, constitui saber, produz discurso (CARVALHO; SILVA, 2010, p.
2).
56

Figura 5 - Tatuagem no antebraço de Ivickson. Um estilo de vida impresso na pele.

Nesta via de pensamento, o poder deve ser visto como um exercício ao qual visa
balizar condutas e ordenar possibilidades. Poderíamos dizer que o poder se constitui enquanto
um conjunto de ações que recaem sobre outras ações possíveis, induzindo e respondendo uma
as outras, facilitando ou dificultando, ampliando ou limitando tais ações.

3.3 Cuidados de si e liberdade

As relações de poder suscitam respostas, reações, invenções. Nas palavras de Foucault


(1988, p.91), “[...] onde há poder, há resistência”, ou seja, o poder proporciona possibilidades
de liberdade, porém, essa liberdade é agonística, não possui o triunfo de uma vitória sobre o
poder, não é plena tal como é idealizada por muitos. Faz parte desta própria relação uma
constante luta, um embate no qual o ser humano busca não se sujeitar.

[...] se é verdade que no centro das relações de poder e como condição permanente
de sua existência, há uma “insubmissão” e liberdades essencialmente renitentes, não
há relação de poder sem resistência, sem escapatória ou fuga, sem inversão eventual;
57

toda relação de poder implica, então, pelo menos de modo virtual, uma estratégia de
luta [...] (FOUCAULT, 1995, p.248, grifo do autor).

A resistência surgiria então como uma prática na qual visa enfrentar às práticas de
sujeição, às práticas dominadoras, “[...] institui-se como um modo de desassujeitamento na
produção da própria subjetividade.” (CARVALHO; SILVA, 2010, p. 3). A liberdade surge a
partir de atitudes e comportamentos, os quais visam ir de encontro com o que é, de certa
maneira, imposto pelas práticas de sujeição, tentando desta forma se instituir como sujeitos
das suas próprias práticas.

Seguindo este viés de pensamento, os saberes concernentes aos modos de


representação dos nossos corpos estão ligados a estas relações de poder-saber. Como pudemos
observar anteriormente, as marcas corporais se encontram ligadas a formas de padronizações
que dizem respeito a como devemos gerir estes corpos, restringindo suas possibilidades e
impondo modelos a serem seguidos. Assim, a tatuagem pode ser encarada enquanto uma
maneira destes sujeitos exercerem suas liberdades sobre si, ornamentando seus corpos fora de
padrões estéticos impostos.

Liberdade e poder não são antagônicos, mas sim correlatos um ao outro, um


constituindo a fronteira do outro. Elas são residentes de um mesmo campo de forças e formam
assim um limite permanente. Estabelecem entre si uma provocação constante. Nunca se é
livre fora desta dimensão, pois não há liberdade fora das relações de poder. “O poder só se
exerce, portanto, sobre sujeitos livres e na proporção em que eles são livres, pois, do
contrário, seria um estado de dominação, sem margem para a efetivação da liberdade.” (Id.,
ibid., p. 4).

Ao pensarmos os processos que visam padronizar o corpo, sejam através dos


processos educativos ou dos veículos midiáticos, podemos observar de que maneira a
tatuagem, assim como outras modificações corporais, se encontram em um caminho que vai
de encontro a esta normatização, servindo aos indivíduos como uma maneira de expressar
suas singularidades, da mesma forma que expõe uma resistência por parte destes atores a uma
sujeição a um padrão corporal, que é tido enquanto um padrão a ser seguido e desejado.

Se encaixar dentro de um padrão de beleza, se encaixar dentro de um padrão de


estilo de vida, se encaixar... Eu acho que ainda tem muito, apesar de você ter várias
opções hoje, mas essas várias opções se transformam cada uma em uma. O negócio
ele só se espalhou mais, mas eu acho que ainda tem (Ivickson, Professor).
58

Estas formas alternativas de se corporificar também acabam entrando em


padronizações que subjugam os indivíduos, e que por mais que exista um alargamento destas
possibilidades, ainda sim, estas relações de padronização e resistência só são possíveis dentro
desta constante relação de poder.

A liberdade é uma condição para a existência do poder, assim como para a existência
do sujeito. Se o poder se exerce de tal forma a anular a liberdade, o poder se converte em
dominação, e o sujeito em mero objeto.

Aos olhos de Foucault se faz necessário praticar a liberdade eticamente. A liberdade


seria condição ontológica para a ética, assim como esta seria a forma refletida que a liberdade
assume (CARVALHO; SILVA, 2010).

Foucault, desta maneira, ao investigar a cultura da antiguidade greco-romana, colocou


a ética como prática racional de liberdade, a qual girava em torno do imperativo “cuida-te de
ti mesmo.” (FOUCAULT, 2004b, p.268). Esse cuidar de si implicava várias ações do sujeito
para com ele próprio, o que encerraria a prática da governabilidade. Esta governabilidade
abarcaria um conjunto de práticas pelas quais seria possível “[...] constituir, ordenar, definir,
instrumentalizar as estratégias que os seres humanos, em sua liberdade, podem ter em relações
aos outros.” (CARVALHO; SILVA, 2010, P. 4). É este governo de si que faz valer a
liberdade do sujeito.

A ética aqui deve ser entendida como uma ação que contribui para a formação da
subjetividade. Está ligado ao tipo de pessoa que supostamente se deseja ser, ao tipo de vida ao
qual seguir, ao estado moral que se é convidado a atingir.

A ética, na concepção do filósofo, refere-se a um processo de subjetivação de cunho


moral, por meio do qual o indivíduo constrói relações consigo mesmo e busca
transformar-se, permanentemente, mediante os cuidados, as técnicas ou as práticas
de si. Ou seja, o termo ético, em Foucault, faz referência à relação consigo mesmo e
se traduz como uma prática, um exercício que o ser executa em prol de si próprio, na
tentativa de ficar bem, de se constituir enquanto sujeito (Id., ibid., p. 5).

A tatuagem é a concretização de um desejo, a realização de uma vontade do sujeito


que dialoga com sua subjetividade, sendo elencada como algo que muda o estado de espírito
depois de sua aquisição, como nos relata Mateus, renovando sua autoimagem e autoestima.

[...] quando eu faço uma tatuagem eu me sinto renovado, assim, mais estiloso. Vai
me dizer que quando você fez a pessoa não fica se olhando de frente pro espelho.
[...] aumenta o ego da pessoa (Mateus, estudante).
59

Desta maneira, percebemos uma aproximação da prática da tatuagem ao que Foucault


denomina enquanto uma prática ascética, conhecida por tecnologia do eu, onde o indivíduo
por si só, ou com a ajuda de outros, pode efetuar ações em relação ao seu corpo e a sua alma,
sobre seu pensamento, objetivando um estado de felicidade, força, sabedoria, perfeição ou
integridade.

Os modos de subjetivação seriam uma ética da moral, constituindo um ethos, ou seja,


uma maneira de ser do sujeito que se traduzem em variados aspectos, como costume, sua
maneira de se portar diante de si, da vida e dos outros.

Dentro desta linha de pensamento, o indivíduo que fosse capaz de exercer essa
maneira de subjetivação, de controlar a si mesmo, estaria exercendo a liberdade de fato. A
relação de si consigo mesmo também advêm de uma relação com o outro, uma vez que para
se ter tais cuidados de si para consigo seria preciso saber ouvir os saberes de um mestre, tais
como conselhos proferidos por amigos, etc.

Foucault, desta maneira, abre o espaço para questionarmos a respeito de novas


maneiras de produzir esta subjetividade, de nos produzirmos. Deveríamos então, com o
auxílio desta investigação proposta em relação à ética dos Greco-romanos, cujo objetivo se
pautava em uma estética da existência, encarar a própria vida como uma obra de arte.

Desse modo, Foucault problematiza a Grécia clássica não como “algo ao qual
retroceder”, nem como “valor exemplar”, mas compreendendo que dentre as
invenções culturais da humanidade há dispositivos, procedimentos que constituem
ou ajudam constituir um certo ponto de vista que pode ser útil como uma ferramenta
para analisar o que ocorre hoje em dia e para modificá-lo (CARVALHO; SILVA,
2010, p. 6).

Em nossa sociedade essa forma de se relacionar consigo mesmo de maneira ética e


estética estaria em certa via perdida, e como haveria uma necessidade de transformar essa
nossa sociedade através dessa construção de nós mesmo, tomando como referência o modo de
se relacionar consigo tratado pelos Gregos.

As práticas de modificações corporais possibilitam ao sujeito um contato consigo


mesmo através da superação da dor, da realização e felicidade de ver nascer em si algo que
condiz com sua representação, exercem grande influência no modo de encarar e se relacionar
com suas subjetividades. À medida que os pigmentos se fixam na pele, a construção da
identidade através desta experiência, cristaliza uma singularidade impar através da memória
deste investimento voluntário para consigo.
60

3.4 A moderna bioascese e as bioidentidades

Na contemporaneidade, a ascese clássica que representava uma forma de resistência e


uma vontade de singularização que estaria ligada a práticas investidas no corpo com intuito de
crescimento espiritual, e que também estaria ligada a uma dimensão político-social, que
visava a cidade e o outro, dá lugar ao que Ortega (2008) denomina de bioasceses. As
bioasceses, na maioria de suas práticas, visão a saúde e o corpo perfeitos, configurando-se em
uma vontade de uniformidade, a uma adaptação a norma de modos de existir conformistas e
egoístas. Ainda a luz dos conhecimentos de Ortega (ibid., p.30) a bioasceses proporciona
biossociabilidades, que seriam:

[...] uma forma de sociabilidade apolítica construídas por grupos de interesses


privados, não mais reunidos segundo critérios de agrupamentos tradicionais como
raça, classe, estamento, orientação política, como acontecia na biopolítica clássica,
mas segundo critérios de saúde, performances corporais, doenças específicas,
logevidade, entre outros.

Um dos elementos estruturantes básicos da biossociabilidade seria o discurso do risco,


o qual separa experts de leigos e o modo pelo qual organizam seus mundos sociais. O olhar
censurador do outro leva a introjeção da retórica do risco, que resulta em um indivíduo
responsável e orientado a escolhas comportamentais e estilos de vida que tem por finalidade a
saúde e o corpo perfeito, longe de perigos. O indivíduo que não procura uma existência livre
de ameaças é encarado como um desviante, irresponsável, que fornece maus exemplos (Id.,
ibid.).

A ênfase crescente dada na nossa sociedade contemporânea aos diversos


procedimentos de cuidados corporais, médicos, higiênicos e estéticos leva à
formação de identidades somáticas, às bioidentidades, as quais têm deslocado para a
exterioridade o modelo internalista e intimista de construções e descrições de si (Id.,
ibid., p. 42).

A externalização da subjetividade se torna sintoma da contemporaneidade, onde


através do corpo se demonstra aquilo do que gosta e o que é, independente das filiações
culturais e de classe (SANT’ANNA, 2001). “A própria subjetividade e interioridade do
indivíduo são deslocadas para o corpo [...].” (ORTEGA, 2008, p.43). Nas palavras de Le
Breton (2004, p.21) em nossas sociedades “[...] a interioridade do sujeito é um esforço
constante de aparência, reduz-se à sua superfície.”
61

Com a cultura da biossociabilidade tendo um dos seus pilares a aparência corporal


como fundamental para a identidade pessoal, tornando os indivíduos “escravos da aparência”,
as marcas corporais agiriam como uma representação da busca por autenticidade, segundo
Ortega (ibid., p.61), “[...] de uma localização real de nossa essência na sociedade da
aparência.” Esta localização real se daria justamente por uma manutenção do discurso do
risco, uma vez que a prática das modificações corporais proporcionaria uma possível porta de
acesso à contaminação, mas também pelo fato de que a dor é um elemento fundamental desta
prática, que poderia ser encarado como “[...] uma via de acesso ao corpo vivido numa cultura
como a nossa, na qual a dor é um anacronismo que deve ser suprimido, um escândalo
intolerável [...].” (Id., Ibib., p.64).

A ressignificação da dor relatada anteriormente por nossos entrevistados nos auxiliam


no entendimento deste posicionamento, uma vez que este fator ainda é um dos grandes
argumentos para não se fazer tatuagens. A dor, e toda prática que a proporcione, ainda é
encarada como algo a ser evitado, aliando-se ainda a uma forma alternativa de encarnar este
corpo, fugindo aos padrões legitimados em nossa sociedade.

As marcas corporais representam uma ilusão de ruptura com a ordem simbólica,


buscando, testando e incorporando os limites simbólicos do corpo em vias de atingir seus
reais limites, criando desta forma uma nova relação com o real. As modificações corporais
constituem uma radicalização do real: “[...] quando a ordem simbólica não produz mais a
ordem social, o simbólico é reduzido ao Real, ele é incorporado, encarnado.” (Id., ibid., p.62).

À luz dos conhecimentos de Ortega (ibid.), se por um lado a formação de


bioidentidades através das modificações corporais possam parecer seguir um padrão
identitário e apolítico, características constituintes das modernas biossociabilidades, em um
nível fenomenológico da experiência subjetiva as modificações corporais se constituiriam em
um “[...] esforço de fugir da cultura da aparência e de recuperar uma dimensão do vivido
corporal.” (p.57). Podemos perceber isso na fala de um dos nossos interlocutores, quando este
afirma que sua decisão pelas marcas corporais seria uma forma de se rebelar contra uma
repressão instaurada no senso comum.

Se rebelar contra a repressão das pessoas contrárias ao que eu queira ser... A minha
pessoa. Não rebelar contra algo, e sim apenas a pressão das outras pessoas. Então,
quando minha mãe falou assim: “não! Não quero, não quero”, é... Eu fui por mim
[...], pela minha vontade. Mais uma forma de eu seguir aquilo que eu queria fazer,
não deixar me abater pelo que outras pessoas pensam. Ela vir com um argumento
62

completamente inválido [...], ou seja, eu me rebelei contra aquela opressão dela, não
contra ela [...]. É apenas seguir o que você quer, o que você é. É uma coisa em mim
que eu sempre gostei (Jean, professor).

A imagem de um corpo ideal, comum e normal a todos se faz presente em nosso


cotidiano. Desde a infância nossa noção de corpo é cultivada e alimentada dentro de padrões e
normas, visando uma conduta comum, uma normalidade na maneira que nos relacionamos
com nosso corpo e como devemos tratá-lo. Porém, estas condutas a serem seguidas não
encontram um indivíduo passivo, apática, indiferente. O sujeito rompe este paradigma,
resistindo a esta subjugação ao exercer sua liberdade. As marcas corporais ultrapassam os
limites impostos pelas modernas bissociabilidades, possibilitando aos indivíduos moldarem
seus corpos ao bem entender de suas imaginações, permitindo a estes vivenciarem a
experiência de se conceberem de uma maneira idealizada, movimento significativo na
construção de suas identidades; de buscar uma característica que os façam distinguir do corpo
padronizado, alcançando uma singularidade. A tatuagem, através deste prisma, é uma
manifestação da ruptura da ordem simbólica que unia o indivíduo à sociedade, fazendo com
que este sujeito crie novos pontos de apoio simbólicos, encarnando suas realidades através das
marcas corporais como um porto seguro o qual irá fixar um sentindo para sua existência.

3.5 Horizontes do corpo

Podemos perceber em Bourdieu (2001) uma superação do distanciamento do corpo em


relação ao mundo. Para o referido autor, o mundo é compreensível devido à capacidade do
corpo estar presente no exterior de si mesmo, no mundo, e de ser impressionado e
duravelmente modificado por ele.

A relação com o mundo é uma relação de presença no mundo, de estar no mundo, no


sentido de pertencer ao mundo, de ser possuído por ele, na qual nem o agente nem o
objeto são colocados como tais. O grau em que o corpo é investido nessa relação
constitui decerto um dos principais determinantes do interesse e da atenção que se
acham nela mobilizados, bem como da importância – mensurável por sua duração,
sua intensidade, etc. – das modificações corporais dela decorrente (id., ibid., p.172).

As modificações corporais manifestam a relação do indivíduo com o mundo ao seu


redor, a maneira como este encara sua realidade e a interpreta, um investimento em seu
próprio corpo na busca por um pertencimento de si, marcando sua relação consigo e com os
63

outros. As modificações corporais podem ser diversas, englobando desde cortes de cabelos e
maquilagens até cirurgias plásticas e outras intervenções mais radicais sobre o corpo como
tatuagens e piercings. Modificar o corpo implica uma modificação não somente na aparência;
não é apenas o visual que se encontra submetido a uma transformação, mas toda uma cadeia
de relações.

Eu vejo que uma pessoa tá se descaracterizando ou ela tá criando uma nova versão
de si mesmo que ela acha mais condizente com o que ela é por dentro. Ela tá
modificando a parte externa pra ser mais condizente com o que ela é por dentro. Eu
acho que a tatuagem é parecido com isso um pouco. Você tá marcando fora do seu
corpo ideias através de imagens, ou às vezes através de palavras mesmo, que lhe
representam, que representam quem você é (Joaquim, estudante).

Bourdieu (ibid.) nos chama a atenção para o fato de que por meio desta constante
confrontação com o mundo, a ordem social se inscreve nos corpos, pois é pelo corpo que
aprendemos. Esta relação com o mundo não se dá de forma passiva, relegando ao indivíduo
um papel de mero receptáculo da ordem imposta, mas sim numa relação dupla, estruturada e
estruturante, com o ambiente.

Ele constitui o lugar de solidariedade duráveis, de fidelidades incoercíveis, pelo fato


de estarem fundadas em leis e laços incorporados [...], adesão visceral de um corpo
socializado ao corpo social que o fez e com o qual ele faz corpo (id., ibid., p.176-
177).

O corpo é parte primordial da experiência do indivíduo no mundo, instaurando uma


forte conexão entre os atores sociais e a sociedade, local de impressões visíveis e invisíveis,
declaradas e tácitas, ambas reais e enraizadas no corpo.

Podemos perceber que o corpo sugere separações e uniões, possui demarcações que
impõem limites ao passo que indica o que há fora dele. Assim como olhar para o horizonte e
perceber os limites que confundem o céu com a terra ou o mar, o corpo é um paradoxo que
faz com que vários horizontes se abram, seja na moda, no campo da sexualidade, dos gêneros,
passando pela saúde e educação física, e que também remete as modificações corporais. O
corpo possui inúmeros detalhes os quais são impossíveis de serem apreendidos ou decifrados,
pois seria muito difícil limitar o corpo à apenas um prisma da realidade, seria “[...] ocioso e
vão definir de uma vez por todas o que é o corpo e como ele deve ser utilizado.”
(SANT’ANNA, 2005, p.121).
64

As diversas formas de intervir no corpo sejam através da moda, de intervenções


cirúrgicas ou modificações corporais, podem servir como um catalisador da ânsia por
consumo de “novos horizontes”, ou de forma diferente, podem servir para que o corpo se
torne o próprio horizonte, ajudando o corpo a se tornar ele mesmo (id., ibid.).

Muitos corpo funcionam exatamente desse modo: enquanto alguns querem se


apropriar de horizontes nunca vistos, outros funcionam eles mesmos como
horizontes que diferem repetindo a experiência de viver um dia após o outro [...].
Por isso, há que se manter uma espécie de articulação simétrica entre o plano
individual e o plano coletivo. No lugar de valorizar um em desprezo do outro,
valoriza-se a composição de ambos [...] (id., ibid., p.133).

O indivíduo faz do seu corpo o próprio horizonte, vivenciando-o ao modificá-lo,


contemplando-o a cada nova marca impressa em si, reiterando a experimentação de sua
existência na busca de harmonizar seu eu no mundo.

Eu sempre olho, sempre admiro o fato de tá ali, porque é uma parte nova do meu
corpo, há um diferencial no meu corpo e eu fico prestando atenção àquilo de uma
forma positiva, admirando ele. Mas eventualmente, com o tempo, se torna o meu
corpo, passa a ser... Aquela parte nova passa a ser uma parte do meu corpo, então
quando eu olho pro meu braço tatuado eu já não vejo mais a tatuagem, eu vejo o
meu braço, ele é normal. Eu não fico olhando pra ele; ele tá lá, ele existe e eu não
sinto o peso da tatuagem, eu não sinto o peso do desenho que você sente no começo.
[...] e eu começo a olhar a outra parte, eu começo a olhar as partes que não tem
tatuagem, porque eu fico querendo botar mais tatuagens novas (Joaquim, estudante).

[...] existe uma sensação diferente, porque é o seu corpo, o corpo ele também é a
pessoa. O corpo não é só físico, o corpo é a pessoa, você pode também ter ideias no
corpo, seu movimento é o jeito de você pensar. Então por isso, eu acho que você
pode se sentir diferente com algumas tatuagens, porque se você se sente diferente
para o outro, então por que você não se sentir diferente pra si mesmo? Que as vezes
você é o mesmo, mas você é o outro também quando você olha pro seu corpo. Você
tá olhando pra você, mas o corpo é um objeto e um sujeito ao mesmo tempo, acaba
acontecendo isso ai (Ivickson, professor).
65

Figura 6 - Tatuagem da ilustração feita por Robert Crumb de Franz Kafka.

Modificar o corpo não é apenas uma modificação estética, no sentido de interferir


unicamente no exterior do indivíduo. As modificações se dão no corpo, logo, no próprio
sujeito, uma vez que não podemos conceber a ideia de um corpo separado da pessoa que o
encarna. Através do relato de Ivickson podemos ilustrar de que forma nossos corpos são ao
mesmo tempo objetos e sujeitos, para nós e para o outro, uma zona que nos distancia ao
mesmo passo que nos uni com o mundo sensível, e através da tatuagem pode se experienciar
uma sensação de distinção, para o outro e para si mesmo.

3.6 Tatuagem como memória

A prática da tatuagem atravessou a existência dos seres humanos em várias épocas e


continentes, assim como teve propósitos e técnicas diversas em toda sua história. Estas marcas
corporais encontravam-se diretamente ligadas ao desvio, servindo como um emblema
pertencente àqueles que eram relegados à margem da sociedade, servindo muitas vezes como
uma forma de imprimir em si os delitos cometidos ou mesmo para legitimar a dissociação e
desagrado com o outro. A passagem desta prática, que antes se encontrava situada em locais
improvisados e passa para os centros das cidades, modificou o panorama das marcas
66

corporais. Inserida em um seguimento comercial, a tatuagem é ressignificada, passa a ser uma


ornamentação a mais para o corpo, uma intervenção estética que expressa a personalidade do
indivíduo. A tinta penetra na pele sublinhando gostos, momentos, experiências, vivências das
quais são primordiais para a edificação destes atores sociais, os quais recorrem a este tipo de
modificação corporal enquanto cristalizador das suas identidades. A tatuagem vai além de um
embelezamento corporal, é uma maneira de ressignificar a dor, um modo de objetificar traços
da subjetividade do ser, de sua maneira de encarar e interpretar o mundo em que vive. As
marcas corporais são uma busca por distinção, originalidade, uma individualidade que muitas
vezes funcionam como um elo tegumentar que possibilita a relação entre indivíduos que
partilham esta prática, sejam estes tatuados ou tatuadores.

A prática da tatuagem como uma maneira de buscar uma cristalização de uma


identidade, a qual encontrasse inserida em uma sociedade cada vez mais efêmera, é vista em
Le Breton (2003, p.40) quando este afirma que: “A marca é um limite simbólico desenhado
sobre a pele, fixa um batente na busca de significado e de identidade, é uma espécie de
assinatura de si pela qual o indivíduo se afirma em uma identidade escolhida.”.

Neste sentido, as marcas corporais são uma maneira de marcar suas próprias
identidades, de se identificar enquanto sujeito, deixando impresso em si através de traços e
cores quem a pessoa é, quais vivências foram importantes, assim como características e gostos
que se julgam permanentes na constituição de si. Estes fatores se tornam claros diante da fala
de Jean, o qual possui a maior parte de suas tatuagens em homenagem a bandas das quais ele
acredita que o representariam e fariam parte de sua própria construção como pessoa. A
tatuagem não aparece apenas enquanto uma simples homenagem, mas também como uma
forma de lembrança, uma memória à qual remetem a certas épocas, onde estas bandas e
músicas exerceram grande importância em sua vivência, trazendo à tona momentos
específicos e únicos que transcendem as marcas impressas na pele.

Trago uma coisa que fique firme lá no que eu quero fazer, não deixo nada atrapalhar,
fazer com que eu me arrependa, sabe? Fiz e não me arrependo porque são bandas
que me representam musicalmente, letramente também, tudo. Então são coisas que
marcaram a minha vida, certos momentos da minha vida e que toda vez que eu olho
eu vou lembrar disso. Em contrapartida eu esqueço, e realmente serve como
lembrança, porque às vezes eu esqueço que eu tenho tatuagem, então esqueço das
experiências, mas depois que eu vejo me remete a certos tempos (Jean, Professor).
67

Olhar para si ou ser questionado a respeito das tatuagens em seu corpo faz com que o
indivíduo venha a lembra-se, ao mesmo tempo, das razões que o motivaram em sua ação
assim como as circunstâncias que o dirigiram à sua execução. Torna-se uma forma de parar o
tempo, de marcar na memória, e sobre tudo no corpo, a celebração de um acontecimento a fim
de que este não venha a ser dragado pelo constante devir, assemelhando-se a um ancoradouro
para momentos dos quais não se quer deixar à deriva na memória. Nas palavras de David Le
Breton: “A vontade é eternizar um instante através de um acto irreversível, dele reter a
nostalgia, de se agarrar ao fluir infindável das coisas.” (2004, p.131 – 132).

O momento se torna correlacionado à tatuagem, como podemos perceber na memória


relatada por Danie sobre sua primeira experiência com esta modificação corporal, ainda
bastante nova.

Quando eu tinha 13 anos, eu devia tá na 6° ou na 7° série, que eu resolvi fazer. Ai eu


queria meio que me diferenciar um pouco das outras pessoas que tavam lá e tal, ai
eu fiz uma tatuagem, muito escrota por sinal, [...] que foi minha 1° tatuagem. Foi, eu
fiz no dia 2 de novembro, no dia de finados. Minha mãe que me levou pra fazer, eu
tinha 13 anos. Ela fez uma um tempo antes, uns dias antes. Ai eu falei: mãe eu quero
fazer uma também. Ai “tá bom!”, ela me levou. Foi bem fácil, não teve nenhuma
complicação (Danie, supervisora de operações).

Figura 7 - 1º tatuagem de Danie.


68

A marca tegumentar feita em busca de uma diferenciação perante os outros é, ao


mesmo tempo, além de um sinal de distinção em busca de uma singularidade, um registro
permeado por toda uma conjuntura única à experiência do ser, um arcabouço de recordações
que dão a tônica ao próprio ato da tatuagem, configurando-se enquanto uma memória
importante na construção de sua autoimagem.

A marca impressa na pele representa um elo entre o corpo do indivíduo e o objeto pelo
qual as emoções estão sendo manifestadas. Neste sentindo, a tatuagem age simbolicamente
como um significante emocional, vem a indicar a força da união, se torna um símbolo contra a
ausência. A tatuagem é uma demonstração pública, ou encoberta, a qual aponta através de um
sacrifício de sangue que a relação penetrou sob a pele, o limite corporal com o mundo,
representando simbolicamente as relações mantidas entre o Eu e o exterior. “Os sentimentos
são percebidos como da alçada do interior, da subjetividade, do Eu. A pele, a camada
intermediária entre o Eu e o mundo, é um local de comunicação entre o mundo subjetivo e o
mundo objetivo.” (OSÓRIO, 2010, p.127).

A conexão existente entre o ser e o objeto pelo qual se tem apreço pode ser observada
na relação estabelecida por Andreas e as bandas de rock das quais ele elenca como
importantes, não somente por gostar da sonoridade, mas por ser um apoio para a sua própria
maneira de ser e se portar.

[...] eu tenho certeza que o rock influenciou de mais, até porque essa perna aqui eu
quero fazer toda com banda. Pra marcar assim, as bandas que eu mais gostei. [...]
Foi a formação, desde caráter... Até meu caráter eu acho que foi formado por bandas
de rock. Olhar assim a postura do vocalista tal, do guitarrista tal. Ai eu pego a
influência assim, vejo como é a vida do cara fora do palco e trago pra mim às vezes.
Eu pego uma influência do cara e vou além da música, pego a personalidade e trago
assim, às vezes. (Andreas, gerente de vendas).
69

Figura 8 – Tatuagens de Andreas com os símbolos das bandas Misftis e Municipal Waste.

A busca por um embelezamento singularizado a qual a tatuagem proporciona, soma-se


também a uma maior aceitação e admiração de si. Ao visualizar os pigmentos em sua pele o
indivíduo se sente completo, satisfeito, uma vez que sua idealização de si toma formas e
cores. Podemos perceber nas falas de Mateus e Luan esta renovação na relação consigo
mesmo, a qual é possibilitada através da aquisição de uma nova marca corporal com o intuito
de se sentir bem e mais belo.

Quem disser que tatuagem não é uma forma de vaidade tá extremamente enganado.
Você veste uma roupa legal porque você quer que as pessoas vejam que você tá
vestindo uma roupa legal e que você se sente bem vestindo aquela roupa. E
tatuagem é o mesmo esquema, você faz uma tatuagem por que você quer se sentir
bem e você quer parecer legal também, e... Não há nada de errado com isso. [...]
como a tatuagem ela meio que traduz esse lance da personalidade, eu queria que eu
tivesse uma tradução bonita do que eu quero passar (Luan, Supervisor de
operações).

Apesar das práticas de modificações corporais estarem inseridas dentro de parâmetros


ou moldes culturalmente e socialmente estabelecidos, estas são reafirmadas e referidas como
respostas aos desejos individuais (LEITÃO, 2004). “A tatuagem opera como um símbolo:
70

engloba um gosto, uma vontade, uma posição que só pode ser compreendida a luz da
interpretação daquilo que é o espaço que rodeia o indivíduo.” (BAPTISTA, 2010).

A tentativa de compreender as tatuagens apenas pelos desenhos impressos é uma


forma incompleta de análise, pois, além das figuras e seus significados próprios, a tatuagem
contemporânea é utilizada pelos indivíduos como uma maneira de embelezamento
singularizante, onde há uma constante resignificação dos desenhos atrelados às suas
vivências, experiências, interpretações, etc. Através deste viés podemos entender que por mais
que a prática da tatuagem se encontre inserida em parâmetros de aceitação, esta modificação
corporal se transforma em cada indivíduo que a resignifica, e através desta prática de
embelezamento e ornamentação da pele, se busca uma realização de um desejo, que se
encontra circunscrito em uma maneira distinta de interpretar a realidade.

3.7 Um prazer doloroso

A tatuagem é um processo no qual a dor se encontra diretamente envolvida, não sendo


possível a aplicação de anestesia no local a ser trabalhado. Apesar da existência de algumas
pomadas anestésicas que aliviam parcialmente a dor, o uso destas é visto com desconfiança e
sobriedade pelos tatuadores. E mesmo que o tatuador seja bastante experiente e possua uma
“mão leve”2, o processo não deixa de ser penoso para quem se submete a ele, principalmente
quanto mais horas durarem a sessão.

Durante muito tempo, enquanto a tatuagem ainda se encontrava marginalizada e se


fazia prática comum entre grupos de marinheiros e soldados, a resistência e a indiferença à
dor eram tidas como valores admiráveis. Quanto mais tatuagens, maior a virilidade e a
coragem desta pessoa. A preocupação de mostrar-se resistente a dor desapareceu com o passar
dos tempos, principalmente com a difusão da tatuagem entre os jovens e a expansão desta
prática para além do universo masculino. A resistência à dor deixa de ser uma virtude
almejada, e passa a ser uma barreira, um desafio pessoal a ser superado no intuito de realizar o
desejo de ver impresso na pele uma marca escolhida (LE BRETON, 2004).

2
Termo usado para definir a força empregada pelo tatuador no momento da tatuagem, podendo ser a mão “leve”
ou “pesada”. Outro termo comum é “mão boa” ou “mão firme” que diz respeito à precisão dos traços e a nitidez
do desenho.
71

O contato das agulhas com a pele causa um leve desconforto, suportável ao primeiro
momento. Mas com o passar das horas a dor se torna mais acentuada, a pele já se encontra
inflamada, inchada, sangrando e suja de tinta. Um borrifador com uma solução de água e
sabonete antisséptico é utilizado para limpar o local, aliviando por alguns instantes a pele
ferida, que novamente volta a ser marcada. Dependendo da figura escolhida, pode se levar
dias, semanas ou meses. Alguns projetos, chamados de telas, levam anos para serem
concluídas, pois cobrem grandes partes do corpo como, por exemplo, toda a extensão das
costas. Além do tempo empregado no desenho, alguns locais proporcionam uma sensibilidade
maior à dor, tais como: as mãos, os pés, o tórax, as costelas e etc.

Tal incômodo é amplamente desvalorizado pelos clientes, embora seja relevado na


grande maioria das vezes. A dor se torna um elo entre tatuador e tatuado, é infligida por um
enquanto é aceita pelo outro. Torna-se um laço sutil que imprime uma memória profunda do
acontecimento (id., ibid.).

[...] eu tenho que me acostumar que a dor vem de várias formas. Ela vem como a
tatuagem, ela vem... Sei lá, em forma de relacionamento; você bateu num canto você
vai sentir dor, a dor é inevitável. Mas ai você decide quais são as escolhas que você
quer fazer pra sua vida, que você acha que vão valer a pena, ai você vai enfrentar
aquilo ali como tudo na vida. Nada você ganha de graça, então se você vai fazer
alguma coisa que você considera importante pra você, independente de fazer o
mínimo sentindo pra você ou pras pessoas que tão ao seu lado, você vai ter que
passar por dor (Luan, Supervisor de operações).

Através das falas de nossos entrevistados podemos perceber que a dor é resignificada
pelos indivíduos, sendo utilizada por eles como uma maneira de lidar com a vida. Transmuta-
se o seu entendimento desfavorável e cria-se uma nova interpretação, apartando a ligação de
uma experiência negativa. A dor passa a ser encarada enquanto um apaziguador de outros
tormentos vividos pelos sujeitos, um sacrifício de sangue do qual irá fazer brotar na pele não
somente formas e colorações, mas um desejo, uma marca escolhida, imprimindo
indelevelmente em uma parcela de si uma imagem almejada e idealizada. A dor envolvida
neste processo desvia o foco de outras dores mais subjetivas ao sujeito, proporcionando uma
experiência única da qual tem como resultado algo belo e cobiçado pelo indivíduo.

Você tá passando por um momento que não é muito bacana, e você sente aquela dor e
tal, e você vai fazer uma coisa que você quer muito fazer e acaba criando coragem
quando tá mais vulnerável. No meu caso é isso, eu crio mais a coragem pra fazer uma
tatuagem ou pra aumentar minha orelha. É tanto que eu não uso mais alargador, só
72

que quando eu tô tensa com alguma coisa eu ponho. Então é mais ou menos isso, é pra
mascarar um pouco, não é que aquilo vá me lembrar do problema que passou não. Pra
mim é mais a questão de mascarar aquela dor porque você vai sentir uma outra dor, e
daquela dor vai vir uma coisa que você quer (Danie, Supervisora de operações).

Quando as pessoas entrevistadas possuíam outro tipo de modificação corporal, neste


caso em específico o alargador, peça utilizada para aumentar o diâmetro dos lóbulos
auriculares, a dor envolvida neste processo era sempre comparada à dor que envolve a
tatuagem, que vem a proporcionar uma sensação de adrenalina, tal qual podemos perceber
através da fala de Emmeson.

Faz parte, precisa ter dor, assim como o alargador. Quando eu alargava a orelha, eu
conversava com Anderson umas coisas que ele achava que eu também tinha razão. No
alargador, você não se preocupa com o tamanho do alargador, a sensação boa é
quando você alarga a sua orelha e inflama e fica latejando, aquela sensação ruim de
alargar a orelha, você se deitar e ficar aquele negócio latejando na sua orelha. É tanto
que... “Ah, mas eu só queria um de 6mm, 7mm” suponhamos, mas ai chega e não tem
mais graça, é só um brinco qualquer, um brinco faria o mesmo sentido. Ai você vai e
coloca outro, mas justamente por isso, pela dor e pela sensação que dá depois, sua
orelha tá inflamada e fica... Você sente que tem alguma coisa na sua orelha, sua orelha
tá pesando, sua orelha tá sendo incomoda. É isso que me faz alargar a orelha, e com
tatuagem se não tivesse a dor, não teria tanta graça na tatuagem. [...] é que quando
você tá fazendo é muito bom. É tanto que antes eu tinha um preconceito com o
pessoal que fazia suspensão e hoje em dia eu já entendo, pela adrenalina que dá. Da
mesma forma que a dor é bom pra minha orelha, eu achava legal, é uma adrenalina
legal de ficar suspenso. Eu acho que se torna meio que um mérito. Sim, um mérito,
tipo... não foi uma coisa fácil, por mais que seja uma coisa suportável, não foi uma
coisa fácil (Emmeson, gerente de vendas).

O resultado final é sempre destacado como sendo uma recompensa pelos esforços
desprendidos. A dor é sublimada, não é uma sensação em vão, pelo contrário, ela acompanha
o processo de metamorfose que se desenha nos corpos dos sujeitos. A satisfação de
vislumbrar em si uma modificação a muito tempo esperada faz com que a dor seja encarada,
por muitos daqueles que se submetem a esta prática, enquanto uma característica importante
ligada ao processo de modificação corporal.

[...] o que é desconhecido assusta, ou ele te assusta ou ele te atrai. A primeiro


instante a vontade eu tinha de mais... vamo fazer. [...] ai quando comecei a fazer eu
achei que... Eu imaginava uma dor pior do que realmente era, e foi tranquilo. Nossa
e é bom, você vê aquela pele sendo marcada e tal, uma escolha sua (Anderson,
Estudante).
73

Há uma relação de ambivalência no que diz respeito à dor desprendida durante o


processo de impressão na pele. Uma espera ansiosa pelo enfretamento da dor e pelo desejo de
superação é uma forma de evidenciar a si mesmo de que se está a altura desta prova,
vivenciando-a como um reforço que vem a legitimar sua identidade escolhida (LE BRETON,
2004).

3.8 A busca pelo diferencial

De acordo com Sanders (2008) a partir da década de 1960 a prática da tatuagem passa
por uma “renascença”. Esta prática atravessava uma época na qual ainda era encarada como
uma atividade desviante, porém, foi cenário de mudanças significantes que vieram a acontecer
nas últimas décadas. Jovens tatuadores, geralmente com uma bagagem adquirida em
universidades de artes e com experiência nesta mesma área, começaram a se utilizar da prática
da tatuagem como uma forma de expressão. Esta exploração por novos horizontes seria
motivada por um desencantamento pelas formas tradicionais de expressão artística e uma
limitação presente no meio artístico convencional. Estes jovens artistas buscam uma maior
satisfação criativa ao invés de financeira, se especializando em designes exclusivos,
aprimorando suas técnicas, sendo seletivos nas imagens que irão imprimir na pele de seus
clientes.

Muitos tatuadores exercem tanto trabalhos exclusivos e únicos quanto trabalhos


comerciais, que já possuem um modelo. Aos olhos de Chicão, tatuador em Mossoró há 7
anos, os trabalhos comerciais não proporcionam a mesma satisfação e prazer que um trabalho
exclusivo, desenvolvido pelo tatuador, tornando-se uma boa fonte de renda.

Eu acho que o trabalho comercial é satisfatório pro tatuador sim, porque é um


trabalho rápido, que é comercial. E de 100% do trabalho comercial, é 50%, vamos
falar, "satisfatório". É o que dá o dinheiro rápido, pra falar a verdade. É um trabalho
que você tem retorno mais rápido. Mas pro tatuador, falando como tatuador, o
trabalho prazeroso é o trabalho que a gente faz, que dá prazer mesmo de fazer.
Aquele trabalho grande, que a gente vai mostrar bem o nosso poder e domínio sobre
a pele, e que o cliente aceite nossas dicas e tal. Isso é trabalho mais satisfatório
(Chicão, tatuador).

A tatuagem se constitui enquanto um universo, um campo, onde as regras se


aproximam do campo da arte. Neste universo os tatuadores se consideram, e são
74

considerados, artistas, e neste sentido operam regras de inclusão ou exclusão de membros


deste campo, estabelecendo distinções entre profissionais e amadores. Este campo é permeado
por regras de pertencimento, compartilhadas por aqueles que querem adquirir ou manter o
status de profissional (OSÓRIO, 2010). O grau de artista é resultado direto dos processos
envolvidos em sua trajetória individual e singularizante, não bastando apenas tatuar para que
o resultado seja considerado arte. O tatuador precisa entender a “arte de tatuar”, fator que se
dá através da dedicação, interesse e técnica, havendo uma necessidade de constante
aperfeiçoamento, treinando e desenhando, participando de convenções para ter acesso a novos
conhecimentos e novidades (COSTA, 2004).

Um profissional pra mim é um tatuador que procura estudar, nunca deixa de estudar,
porque eu acho que o tatuador nunca deve deixar de evoluir. O tatuador bom mesmo
tá sempre procurando novas técnicas, tá procurando o diferencial em tudo, e sempre
mostrar o trabalho o melhor que ele faz. Isso é que é o diferencial do tatuador, não
parar. Eu, como tatuador, já tenho acho que sete anos de carreira e, eu pra mim,
nunca parei de estudar, sempre fui procurando inovar. Acho que isso é o diferencial,
procurar inovar (Chicão, tatuador).

Não somente o tatuador busca uma distinção perante seus pares, uma satisfação
alcançada através de designes e técnicas exclusivas que o diferenciem, que o singularizem,
mas, em contrapartida, também há um reconhecimento por parte dos clientes, que procuram
tatuadores na expectativa de possuírem em sua pele uma das suas criações únicas e
exclusivas, assim como também na busca de uma aplicação de técnicas singulares, reforçando
a distinção buscada através da “procura pelo diferencial”, pela originalidade.

Ter uma arte exclusiva também se alia ao fato de que esta arte esta sendo feita pelo
próprio artista, o que, nas palavras de Joaquim, se torna um grande distintivo da experiência
da tatuagem.

É massa porque, além de ser um desenho original, é um original tatuado pelo próprio
cara. Então, é uma arte do sujeito. É tipo você ser tatuado, sei lá, pelo Picasso, pelo
Ralph Steadman. É o próprio desenhista, é o próprio artista tatuando o seu corpo.
(Joaquim, Estudante).
75

Figura 9 - Tatuagem exclusiva feita para Joaquim.

Os indivíduos que buscam a tatuagem enquanto um componente importante na


constituição de sua identidade fazem distinções sobre as marcas corporais, dividindo-as em
uma oposição entre originais e modistas. Ao falarmos em modismo operamos uma
diferenciação que liga o grau de originalidade a uma ideia de individualidade e singularidade,
enquanto que o modismo estaria atrelado a uma imitação, uma cópia. Desta maneira é
estabelecido uma hierarquia das marcas corporais, onde a cópia possui menor valor.

O sentindo da palavra modismo aqui é o de imitação, que revela um sujeito incapaz


de pensar por si e ter opiniões e gostos próprios. Esta valorização da originalidade
da tatuagem sugere que a marca não tem apenas um uso estético, mas também um
signo de distinção, criando uma hierarquia na qual quem tem uma tatuagem original
é superior a quem não tem, porque é uma pessoa mais individualizada, que expressa
sua autonomia na própria pele, instância imediata de comunicação de si com o
mundo. A tatuagem serve, na sua qualidade de signo de distinção, como signo de
individualidade. Estabelece-se, portanto, uma hierarquia entre a uniformização e a
individualização, em que a última emerge como mais legítima e valorizada
(OSÓRIO, 2010, p.128).

A mídia foi apontada por Marcos como um dos canais que viabilizam uma maior
difusão desta prática, e desta forma acaba por influenciar as pessoas a copiarem certos
modelos de tatuagens, acarretando, na fala de Danie, uma moda nos desenhos escolhidos.
76

Eu acho que tem uma grande influência, acho que grande parte da mídia. A maioria
dos artistas tem uma tatuagem hoje, ai o pessoal vê na televisão acha bonito e quer
fazer igual pô. O que a maioria das pessoas fazem, viu na televisão acha que é muito
legal e quer fazer também. O pessoal se aliena naquilo (Marcos, supervisor de
operações).

[...] é a questão da moda, se a pessoa tá vendo lá uma coisa que várias pessoas tem
é...inevitável, inevitável. Sempre vão fazer, sempre vão copiar o outro, e vai virando
aquela bola de neve e acaba sendo a tatuagem do momento. É o símbolo do infinito,
é aquelas andorinhas saíndo de um pena. Sempre tem, tem a moda (Danie,
supervisora de operações).

O desejo de diferenciar-se não se distancia muito da vontade de pertencer, não a um


grupo estruturado e devidamente circunscrito, mas a uma sensibilidade dispersa e comum,
uma questão de estar com outros, conhecidos ou estranhos, investindo-se demasiadamente
numa conivência ao mesmo passo que se resguarda uma individualidade (LE BRETON,
2004). A tatuagem se torna um pequeno elo entre os indivíduos, criando ao primeiro olhar um
vínculo inicial, uma empatia mínima de pelo menos milissegundos, a qual se confirmará ou
não através de uma interação mais próxima.

Este sentimento em relação às modificações corporais faz com que as pessoas que
apreciam estas formas de expressão formem grupos, como nos relata Mateus, que fez parte de
um grupo virtual onde o elo era a body modification. Porém, os assuntos tratados neste grupo
não eram estritamente relacionados a tatuagens ou outros tipos de modificações,
proporcionando um ambiente de conversas e estabelecendo laços de amizade.

Quando eu tinha uns 12, 13 anos eu pesquisava direto. Participei de um bocado de


chat de body modification de São Paulo e tudo. Alargador, escarificação, tatuagem,
sobre tudo. Ai eu vim pegando o gosto, e sempre gostei desde pequeno. [...] Era
mais por amizade, sabe? Na verdade, falava até pouco sobre isso, era mais assim...
Falava, vez ou outra, entrava pessoas assim... Discutiam, mas... Sei não, era só pra
conversar mesmo, sendo que todo mundo que tava nesse grupo era tatuado, tinha
alargador, era tatuador. Era como se fosse uma família, era legal que só. No tempo
era no MSN. [...] Antes de acabar até mesmo o MSN eu sai desse grupo, foi muita
gente saindo, foi ficando fraco, mas até hoje eu tenho contato com uma amiga minha
lá de São Paulo que ela é tatuadora, a gente é muito amigo mesmo, até hoje. Ela é
gente boa. Eu até tirei uma brincadeira com ela, que ela tatua potilismo, ai eu disse
assim: um dia eu ainda vou ai em São Paulo e fazer uma tatuagem com você pra
ficar de lembrança (Mateus, estudante).
77

As marcas corporais atraem os olhares e a atenção de muitos indivíduos e, por muitas


vezes, torna-se um “quebra-gelo” para o início de um contato mais prolongado, uma conversa
sobre as modificações, suas razões e significados, assim como histórias, vivências e tudo o
que perpassa pelos pigmentos tegumentares. Exibir suas tatuagens serve como uma forma de
mostrar suas “raízes” dentro do mundo, assim, as tatuagens se fazem quase que da mesma
forma que a exibição de um álbum de figurinhas, apontando com orgulho as vivências e
histórias que estão estampadas em seus corpos.

As conversas além de tratarem das questões técnicas ligadas aos desenhos tais como
traços e cores, envolvem também a questão do local tatuado. Como vimos anteriormente, um
dos fatores que vem a balizar a escolha de certos locais está ligado à dor envolvida em
determinados pontos do corpo. A superação da dor e a coragem de enfrentá-la é demonstrada
como uma conquista pessoal, encenada de forma caricata muitas vezes quando o local da
referida tatuagem encontrava-se em uma área demasiado sensível. A dor é relatada de forma
bastante específica, onde construções narrativas são desenvolvidas, ressaltando os detalhes
mais difíceis de ter enfrentado.

O fascínio e a curiosidade acabam por enveredar muitos a quebrarem barreias e


preconceitos.

Numa base diária tem pessoas que vem falar comigo por causa das minhas
tatuagens, mas por incrível que pareça eu achei que fosse rolar um certo repúdio
maior das pessoas, porque as pessoas também não estão tão acostumadas com
tatuagem no dedo [Figura 4], elas tão acostumadas com... Se não é num canto mais
normalzinho, se é no dedo ou no pescoço, sei lá... Ainda é um tabu. [...] mas logo
elas tiram esse estigma, porque quando eu começo a conversar eu mostro a elas que
isso não tem nada de mais, não significa que porque eu tenho tatuagem de marginal
eu não sou, necessariamente, um marginal [risadas] (Luan, supervisor de operações).

O contato com a tatuagem pode se dar de várias formas, seja através das múltiplas
mídias como já citado anteriormente, tais como revistas, televisão e internet, ou por uma
experiência marcante ao vislumbrar e se fascinar com estas modificações em outros,
enxergando beleza, sentindo e originalidade, levando o indivíduo a decidir-se por escolher
uma marca. Esta busca por uma originalidade, por uma distinção, uma afirmação da
identidade pessoal através de modificações corporais, paradoxalmente, possuem uma grande
força social (LE BRETON, 2004).
78

Figura 10 - Tatuagens luck 7, fate nos dedos de Luan.

Estar presente em um grupo de pessoas que possuem tatuagens, ou outras


modificações corporais, aproxima o sujeito desta prática de tal forma que passa a ser uma
realidade mais sensível ao ser, fascinando e impelindo-o.

Eu disse: bicho, acho que rola de eu ser tatuado também. Comecei a sair com uma
galerinha que era tatuada, e foi por tabela mesmo [...]. Na época eu achava legal, só
que não tinha tanto aquela gana. Depois que eu fui dar significado às tatuagens que
eu tenho; entender porque eu tava fazendo tatuagem. E foi ai que eu decide: vou
fazer minha primeira tattoo. Via os caras com tatuagem, achava legal, comecei a
criar gosto pela coisa e começou a fixar na minha cabeça a ideia (Luan, supervisor
de operações).

Apesar de possuir uma parcela de influência do meio social ao qual se encontra


inserido, a busca da tatuagem enquanto um traço original e distinto é sempre apontada como
um grande marco na decisão de se voltar a esta prática de modificação corporal.

O que antes representava uma marca e uma prática de um grupo circunscrito tem
tomado, nas últimas décadas, contornos singularizantes, onde a busca pela originalidade, pela
diferenciação e por uma individualidade é percebida cada vez mais latente no que diz respeito
a esta atividade, envolvendo tanto atores sociais que buscam a tatuagem como uma forma de
embelezamento corporal, como uma maneira de imprimir uma identidade escolhida, quanto
79

pelos tatuadores que a veem como uma forma de expressão artística, onde se fazem
necessários o domínio de técnicas e a constante busca por um aperfeiçoamento enquanto
legitimadores de sua prática.

3.9 O CONTATO COM O TATUADOR

O contato com o tatuador é indispensável, pois é a partir deste momento em que a


materialização dos projetos pode vir a ganhar seus contornos, e por mais espontânea e
impulsiva que pareça, não deixa de ter sua parcela de intimidade que engloba o lado
psicológico, o contato com a pele e o sangue, a dor aplicada e aceita, e tudo aquilo que
implica uma interferência corporal (FONSECA, 2003).

O processo de elaboração dos desenhos permite ao tatuador adentrar na intimidade da


vida de seus clientes. As conversas são prolongadas, perguntas são feitas de ambas as partes a
fim de desvendar características que possam ser inclusas dentro do projeto que irá ser
impresso na pele. Segundo Le Breton (2004, p.220), “Este momento de intimidade partilhada
é muitas vezes um tempo de confidência para o cliente que se sente confiante e revela as suas
dificuldades, os seus sonhos, os seus receios.” Histórias são contadas e intimidades reveladas,
e muitas vezes a pessoa que busca a tatuagem encara o tatuador também como uma espécie de
confidente.

Já teve tatuagem que eu me emocionei. Teve uma história no outro estúdio que eu
cheguei a chorar, mas eu tive que me conter assim... Foi uma das histórias mais
massa que eu tive. Tem tatuagem que parece simples, mas por detrás dela tem umas
histórias... Tem tatuagens que tem histórias totalmente cabulosas. Muita gente
acaba recorrendo à tatuagem, por que acho que é uma maneira de se expressar, de
homenagear, dependendo se for uma situação de tristeza, de felicidade... (Chicão,
tatuador).

A escolha do tatuador é seguida por uma relação em que empatia e confiança são tidas
como palavras chaves. O tatuador é quem dimensiona o corpo em função do sujeito e sua
subjetividade, como um todo que se relaciona. Tocar o corpo é, ao mesmo tempo, tocar o
sujeito e sua intimidade, não apenas a matéria orgânica, mas também o psicológico
(FONSECA, 2003).

As relações com o profissional participam do único registo de uma relação


comercial colorida com a simpatia. [...] A generosidade, a qualidade da presença, a
80

disponibilidade, o escutar são unanimemente saudados e alimentam a reputação do


profissional (LE BRETON, 2004, p.104 – 105).

Apesar dos avanços tecnológicos que proporcionam com que a tatuagem possa ser
removida através de cirurgia a laser, as marcas corporais ainda são encaradas enquanto
eternas, uma vez que este procedimento é mais caro e mais doloroso do que a própria
tatuagem. Este caráter duradouro que as marcas corporais possuem encontrasse atrelado à
confiança no tatuador, pois, é este que irá marcar a pele de forma indelével. Deixar se
submeter a este processo faz com que o sujeito tenha que estar confiante naquele que
executará a tatuagem, fazendo da relação estabelecida entre tatuado e tatuador primordial para
sua efetivação.

Eu acho que tem que ter uma empatia mínima, até porque quando você cria essa
relação de empatia, enfim, quando você constrói uma espécie de relação com o
tatuador, você passa a ter mais confiança, porque você precisa ter muita confiança
no cara, porque você vai confiar a ele uma parte do seu corpo pra ficar marcada pro
resto da vida. Então, eu acho que a relação de confiança, a relação de empatia
mesmo entre tatuado e o tatuador, ela existe e ela tem uma importância quase que de
igual valor com a qualidade do tatuador, o quão ele desenha bem, o quanto o traço
dele é interessante (Joaquim, estudante).

Todas as 5 que eu tenho foram com o mesmo tatuador. Quando eu fui fazer a 1°, eu
fui por indicação [...]. Mas eu fui por indicação e vi que ele mandava bem e, fui lá e
confiei nele. Ai depois agora, essas últimas 3 que eu fiz, eu já morava aqui em
mossoró mas eu fiquei com o pé atrás de fazer aqui, com os tatuadores daqui. tanto
por ter medo de acontecer alguma coisa, de fazer alguma coisa errada e também pelo
preço, porque aqui é muito caro. [...] ai eu fui e falei com Elder, que é o tatuador:
"Elder, eu tô querendo fazer uma tatuagem e tal, é assim, assim, assim... e eu tô aqui
em mossoró, e eu vou sair daqui, pegar uma folga no trabalho só pra poder ir fazer
com você, porque eu confio em você e tal." Ai beleza, ele mandou mandar as fotos,
eu mandei as fotos pra ele e fui lá fazer. Eu passei o dia inteiro lá fazendo, 3
tatuagens (Marcos, supervisor de operações).

A escolha dos temas que iram ser pigmentados na pele passam por um longo caminho
de negociações, discussões e revisões sobre o projeto até chegar a um acordo mútuo entre o
tatuador e o cliente. Sabemos que a escolha é do cliente, porém, o tatuador, enquanto
profissional nesta atividade, tende a conversar e convencer o cliente sobre um melhor local,
melhores cores, disposição do desenho e do próprio desenho. Caso não se chegue a um meio
termo entre as partes, e o cliente insista em uma ideia da qual o tatuador não concorde, ou
vice-versa, a negociação deixa de ser feita assim como a própria tatuagem.
81

Por exemplo, o cliente procura um desenho totalmente minimalisado, num curto


espaço, ai o tatuador vai saber o que não é bacana pro futuro. Porque tatuagem tem
que se procurar a ter cuidado com o futuro. Tem que pensar bem na frente já. [...]
Tem cliente que vem bem decidido já, bem decidido no que quer fazer, mas tipo,
quando eu converso com o cliente às vezes eu consigo mudar, se a tatuagem não for
possível eu consigo mudar, tento mudar, mas dentro daquele padrão que ele quer. Se
isso não acontecer, eu infelizmente vou ter que pensar no trabalho, e acabo não
tatuando se a tatuagem não for bacana. Se não vai ficar bacana, eu não tatuo
(Chicão, tatuador).

O contato entre tatuador e tatuado não cessa necessariamente logo após o termino do
trabalho, que segue uma série de instruções a serem seguidas para que a tatuagem passe por
um bom processo de cicatrização. Geralmente pede-se que o cliente volte para que o tatuador
possa ver o trabalho definitivamente concluído após a cicatrização.

O prazer de ter na pele um trabalho que atenda as expectativas desejadas,


principalmente depois de algumas sessões, gera uma confiança ainda maior, fazendo com que
o cliente retorne ao estúdio. Essas relações são por muitas vezes prolongadas, alargando-se os
vínculos que escapam a relação de cliente e tatuador, configurando-se em uma amizade. Os
laços de amizade se tornam tão fortes que ultrapassam as paredes do estúdio de tatuagem, e o
cliente se torna companhia para momentos de descontração.

É tanto que assim, a curto prazo, cliente e tatuador. Mas depois que a gente começa
a fazer o processo, tem clientes que a gente sai depois pra beber, sai pra se divertir,
acabo indo, sei lá, fazer algum esporte. Tem tudo isso. Rola a amizade e tal. Tem
clientes que sempre acabam voltando. Tem clientes aqui que nunca deixam de tatuar
comigo (Chicão, tatuador).

E tem o lance da confiança também nos tatuadores né! Às vezes você fica tipo: “ah
eu comecei a fazer com ele e...” Às vezes você tanto tem a intimidade e, por
exemplo, a minha eu fiquei três anos fazendo ela. Você cria um vínculo e tipo, se é
um trabalho que você gosta você volta. É como uma fidelização de cliente... Passa a
ser amigo. Por exemplo, o meu tatuador eu falo: “o meu amigo que me tatuava”, ai a
galera falava: “como assim, ele ia na tua casa?”, “não ele é tatuador”. Passou a ser
meu amigo. Eu já conhecia ele, mas só que fazendo a tatuagem você passa a
conviver mais. São horas que você passa ali no estúdio e tal, e vamo conversar né?!
Ai você cria um vínculo bacana (Anderson, estudante).

A satisfação de uma boa tatuagem aliada a um bom relacionamento com o tatuador é


tida como uma maneira de divulgar o seu trabalho. Este fator é levado em consideração por
82

ambas às partes, de forma tácita, onde geralmente o próprio cliente toma a iniciativa de
indicar pessoas para o estúdio, como uma maneira de ajudar no trabalho do tatuador.

A gente tem contato até hoje... Ah, e sempre perguntam quando é que eu vou de
novo e tal, e às vezes eles mandam desenhos pra mim porque lembrou de mim
assim: “ah, esse desenho eu lembrei de você, o quê que cê acha?” Então assim,
mantenho amizade... Não amizade, mas o contato eu tenho, converso. Às vezes ao
indicar uma pessoa, eu ligo: “oh, vai um amigo meu fazer uma tatuagem ai e tal.”
Por eu ter 6 tatuagens, as pessoas sempre me perguntam, e é uma forma até de você
ajudar o cara. É o merchan (Jean, professor).

As marcas corporais ultrapassam a pele destes indivíduos, criando laços de confiança e


amizades que possuem a dor como marca comum. A tatuagem é encarada como uma forma de
superar a ideia de uma padronização corpórea, uma maneira de se libertar da normalização
destes corpos, marcas que visam estabelecer uma singularidade na existência destes
indivíduos.

A tatuagem ultrapassada também seus contornos e cores, servindo como um álbum de


memórias, facilmente acessível ao olhar do outro, porém, exigente de um contato mais
próximo para que estas lembranças se façam presentes nos desenhos. Uma experiência
vivenciada pelos sujeitos como marco de significância para suas próprias vidas.
83

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O corpo humano não se limita apenas as suas funções de caráter fisiológico, podendo
ser encarado como um receptáculo de construções simbólicas, assemelhando-se a uma massa
de modelar, adquirindo formas ao ser inserido em uma cultura, possuindo a capacidade de
proporcionar uma pluralidade única ao indivíduo. A existência deste sujeito se dá através da
sensação de estar presente no mundo, o que implica de certa forma em ser possuído por este
na medida em que as diversas formas de modificações corporais são aplicadas, desejadas,
vivenciadas pelo sujeito em busca de uma significação. Nossa realidade é construída através
da experiência da qual o corpo nos proporciona. Esta vivência corpórea é tida como algo
incompleto, e o corpo um objeto passível de transformações e remodelamentos que visam sua
posse, uma busca pela certeza de que este corpo lhe pertence. Perfuração ou alargamento dos
lóbulos auriculares, cortes e pinturas dos cabelos, crescimento ou retirada de pelos, cirurgias
plásticas e outras várias modificações corporais; são inúmeras as possibilidades de se fazer
presente no mundo.

A tatuagem enquanto uma prática de modificação corporal permeou a história de


várias sociedades, possuindo significados e propósitos particulares a cada uma delas, sendo
utilizada desde uma forma ritualística que acenava a passagem para a vida adulta, um sinal de
que se estava preparado par assumir as responsabilidades deste momento, ou mesmo como
uma maneira de identificar escravos e dissidentes.

A grande influência em nossa sociedade ocidental advinda da tradição judaico-cristã


corroborou para a estigmatização das marcas corporais, uma vez que o corpo era tido como
algo sagrado, e sua modificação era vista como uma afronta a criação divina, encarada como
uma prática ligada ao paganismo. Os atores sociais responsáveis pela difusão desta prática
alimentaram o imaginário social onde a tatuagem era encarada como sinal de um ser não
civilizado e inclinado a cometer delitos, pertencente à margem da sociedade.

A invenção da máquina de tatuar proporcionou uma mudança no panorama das marcas


corporais, possibilitando um aprimoramento em seus aspectos técnicos, assim como
configurando um novo cenário para esta prática. O aparecimento das lojas especializadas em
84

tatuagens, as quais acabam por assumir uma fachada comercial e se inserem nos centros das
grandes cidades, fazem com que esta prática permeie o cenário urbano contemporâneo.

As marcas corporais atingem um novo papel, distante da visão negativa e


estigmatizante de outrora, são ressignificadas na contemporaneidade e passam a ser encaradas
como outra forma possível de expressar a individualidade. As tatuagens possuem um
importante papel na construção e reafirmação das identidades destes indivíduos, marcando
vivências, experiências, servindo como um “álbum de memórias” impresso na pele; uma
forma de cristalizar características que julgam primordiais para sua edificação. Através da
tatuagem busca-se uma distinção, um diferencial do corpo comum visto no dia-a-dia, uma
forma de sentir-se diferente não somente em relação ao outro, mas também em relação a si
mesmo, demonstrando de que maneira o indivíduo se posiciona no mundo e de que forma se
enxerga.

Nossa identidade nunca se encontra definitivamente fechada, acabada, pelo contrário,


encontrasse em uma constante construção junto a toda a experiência do viver. Em uma era de
incertezas onde tudo se torna efêmero, a identidade perde suas âncoras e deixa o indivíduo à
deriva, ansioso por encontrar ou criar grupos que possibilitem a ancoragem, mesmo que
temporária, de suas identidades. Neste sentindo, a prática da tatuagem serve como um
cristalizador de uma identidade fugaz, gravando na pele uma relação em prol de uma certeza
de particularidades inabaláveis. Os traços, símbolos, desenhos e formas que ganham
contornos nos corpos destes sujeitos são uma maneira de imprimir sua constante construção,
caracterizando inúmeras narrativas de vidas, momentos, memórias, gostos etc; Cristalizações
de narrativas primordiais na edificação do sujeito. Enquanto muitos buscam se encaixar
dentro dos padrões de uma normalidade corporal, a tatuagem é tida como uma forma de
resistir a uma padronização, de exercer uma liberdade sobre si, de marcar na pele uma
autonomia sobre seu próprio corpo, modelando-o de acordo com seus desejos.

A impressão de desenhos na pele se configura em um ideal de embelezamento,


buscando através da tatuagem uma ornamentação, um adereço que se faz permanente no
corpo através de um sacrifício de sangue. A tatuagem carrega consigo a lembrança, uma
memória, nem sempre presente no desenho em si, em seu significado ou razão primeira, mas
acaba por remeter à uma época ou situação vivenciada no momento em que foi impressa. O
momento da tatuagem é encarado como um ritual de passagem pessoal, onde o enfrentamento
da dor é necessário como uma prova de que se está à altura de carregar estas marcas. A dor
envolvida no processo de modificação corporal entra em jogo com uma importância por vezes
85

singular, onde não é encarada enquanto uma penalidade, mas sim vivenciada pelo sujeito
como uma forma de se dar com a realidade de sua própria existência, servindo como válvula
de escape para angústias e dores pessoais, onde o processo de cura acompanha o processo de
cicatrização. O sofrimento desprendido é encarado de forma positiva, uma barreira a ser
vencida tendo em vista uma expectativa de que ao final do processo irá se sentir mais
completo, satisfeito, contente por enxergar em si o fruto de sua escolha. A própria dor implica
em uma reafirmação da pertença deste corpo, de exercer sua autonomia sobre si, de poder
definir de acordo com seu repertório as formas que iram ser marcadas.

A influência para as marcas corporais são variadas, sendo possível entrar em contato
com a tatuagem através de programas de televisão, revistas, internet ou através de um contato
presencial. A tatuagem assumiu contornos individuais, não exercendo mais a vontade de
pertencer a um grupo social circunscrito, passando a ser um sinal de distinção, uma maneira
de expressar a singularidade que destaca um corpo do outro, objetivando através das marcas
corporais a subjetivação do mundo.

As dinâmicas envolvidas no processo de tatuagem nos demonstram que as marcas


corporais nos permitem vislumbrar o universo particular das construções corporais e
simbólicas dos indivíduos, seus ideais de beleza que dialogam diretamente com gostos,
memórias e experiências. Através das marcas corporais podemos compreender melhor a
correlação existente entre indivíduos e sociedade, de que maneira a tentativa de fuga dos
padrões sociais impostos acabam por criar novas constelações de construções simbólicas.
Almejar um ideal de corpo singular para escapar do corpo ideal desejado pela maioria. As
tatuagens se tornam uma identidade única ao indivíduo, marcando não somente a pele de
forma indelével, mas proporcionando a este sujeito uma nova experiência do seu corpo, novas
maneiras de se conceber e se portar.
86

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Maria Isabel Mendes de. Nada além da epiderme: a performance romântica da
tatuagem. In: BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. Cultura, consumo e identidade. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2006.

ALBUQUERQUE, Leila Marrach Bastos de. As invenções do corpo: Modernidade e


contramodernidade. In: Matriz, Vol.7, N°1, p.33-39, jan-jun. 2001.

ARAUJO, Leusa. Tatuagem, piercing e outras mensagens do corpo. São Paulo: Cosac &
Naify, 2005.

BAPTISTA, Raquel Leonor Pimenta. A identidade estampada na pele: o quotidiano de um


estúdio de tatuagem e body-piercing em Lisboa. Lisboa: ISCTE, 2010.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro : Jorge


Zahar, 2005.

__________________. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2007.

BAUER, Martin W.; GASKELL, George. (Ed.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e
som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2003.

BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. 1.ed – Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2008.

BOURDIEU, Pierre. O conhecimento pelo corpo. In: Meditações pascalianas. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2001.

________________. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto


Alegre, RS: Zouk, 2007.

CARVALHO, Ana Maria de; SILVA, Francisco Paulo da. A liberdade agonística do sujeito
foucaultiano. In: Simpósio de letras do vale do Açu, 1, 2012, Açu. Anais do I simpósio de
letras do vale do Açu. Açu: UERN, Dez. 2010, p. 1-8.

CASTELLS, Maneul. Paraísos comunais: identidade e significado na sociedade em rede. In:


O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999. P. 21 – 28.

CANCLINI, Néstor Garcia. A cultura extraviada nas suas definições. In: Diferentes, desiguais
e desconectados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004. P. 35 – 53.
87

CIAMPA, Antonia da Costa. Identidade. In: LANE, Silvia T. M.; CODO, Wanderley. (orgs.).
Psicologia Social: o homem em movimento. 8. Ed. São Paulo: Editora Brasiliense. 1989. P. 58
– 75.

COSTA, Zelia. Do porão ao estúdio: Trajetórias e práticas de tatuadores e transformações no


universo da tatuagem. Florianópolis, SC: UFSC, 2004. Originalmente apresentada como
dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2004.

DIAS, Thassio Martins O. Olhe em mim o eu: a tatuagem e sua subjetivação no cenário
underground de Mossoró. Mossoró, RN: UERN, 2008. Originalmente apresentado como
monografia de graduação, Universidade Estadual do Estado do Rio Grande do Norte, 2008.

ELIAS, Nobert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.

ELLIOTT, Jane. Using Narrative in Social Research. London, SAGE Publications, 2005.

FLORES, Fabiano Rocha. Do problema das identidades na pós-modernidade. Santa Maria,


RS: UFSM, 2011. Originalmente apresentada como dissertação de mestrado, Universidade
Federal de Santa Maria, 2011.

FONSECA, Andrea Lisset Perez. Tatuar e ser tatuado: Etnografia da prática contemporânea
da tatuagem. Florianópolis, SC: UFSC, 2003. Originalmente apresentada como dissertação de
mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2003.

FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In.: RABINOW, Paul e DREYFUS, Hubert. Michel


Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1995, p.231 – 249.

______________. Os corpos dóceis. In: Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de


Raquel Ramalhete. Petropólis: Editora vozes, 2004, p.117 – 137.

______________.Ética, Sexualidade, Política. Organização e seleção de textos de Manoel


Barros da Motta. Tradução de Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado Barbosa. (Coleção:
Ditos e Escritos, Vol. V). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004b.

GEERTZ, Clifford. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. In: A
interpretação das culturas. 1. Ed., 13.reimpr. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

________________. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991.


88

GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 14. Ed. Petrópolis, Vozes,


2007.

________________. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. Ed.


Rio de Janeiro: LTC, 2012.

GOLDENBERG, Mirian. O corpo como capital: gênero, sexualidade e moda na cultura


brasileira. 2. ed. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010.

HALL, Stuart. A identidade na pós-modernidade. 11. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 18. Ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2005.

LEITÃO, Débora Krischke. Mudança de significado da tatuagem contemporânea. In:


Cadernos IHU Ideias. Ano 2, N°16, 2004.

LE BRETON, David. Adeus ao corpo: Antropologia e sociedade. Campinas, SP: Papirus,


2003.

___________________. A sociologia do corpo. Petrópolis: Vozes, 2006.

___________________. Sinais de identidade: Tatuagens, piercings e outras marcas


corporais. Lisboa: Miosótis. Edição e Distribuidora, 2004.

___________________. As Paixões Ordinárias: antropologia das emoções. Petrópolis:


Vozes, 2009.

__________________. Antropologia do corpo e modernidade. Petrópolis: Vozes, 2011.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Natureza e cultura. In: As estruturas elementares do parentesco.


Petrópolis: Vozes, 1982.

LUCAS, Doglas Cesar. A Identidade como Memória Biográfica do Corpo e sua Proteção
Jurídica: itinerários de um paradoxo. In: Revista seqüência – estudos jurídicos e políticos.
UFSC, Florianópolis, SC. V. 33 n. 65, 2012.

MARQUES, Toni. O Brasil tatuado e outros mundos. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

MARVASTI, Amit B. Qualitative Research in Sociology. London: SAGE Publications,


2004.

MAUSS, Marcel. As técnicas do corpo. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São
Paulo: Cosac & Naify, 2003.
89

MEDEIROS, Cristina Carta Cardoso de. Habitus e corpo social: reflexões sobre o corpo na
teoria sociológica de Pierre Bourdieu. In: Movimento, Porto Alegre, v. 17, n. 01, p.281-300,
jan.-mar. 2011.

MENDES, Cláudio Lúcio. O corpo em Foucault: superfície de disciplinamento e governo. In:


Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, EDUFSC, n. 39, p. 167-181, Abr. 2006.

ORTEGA, Francisco. O corpo incerto: Corporeidade, tecnologias médicas e cultura


contemporânea. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

OSÓRIO, Andrea. Tatuagem de amor. In: GOLDENBERG, Mirian. O corpo como capital:
gênero, sexualidade e moda na cultura brasileira. 2. Ed. São Paulo: Estação das Letras e
Cores, 2010.

PORTER, Roy. História do corpo. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Editora UNESP 1992.

RAMOS, Célia Maria Antonacci. Tatuagem e globalização: uma incorporação dialógica. In:
BUENO, Maria Lucia; CASTRO, Ana Lúcia (Org.). Corpo, território da cultura – São
Paulo: Annablume, 2005.

REIS, Alice Casanova dos. A subjetividade como corporeidade: o corpo na fenomenologia de


Merleau-Ponty. In: Vivência. Natal, UFRN, n. 37, p. 37-48, 2011.

RODRIGUES, José Carlos. Tabu do corpo. 7. Ed. rev. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ,
2006.

SANDERS, Clinton. Customizing the body: the art and culture of tattooing. Philadelphia:
Temple University, 2008.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Horizontes do Corpo. In: BUENO, Maria Lúcia;
CASTRO, Ana Lúcia (Org.). Corpo, território da cultura. São Paulo: Annablume, 2005.

_____________________________. Corpos de Passagem: ensaios sobre a subjetividade


contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.

SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: Identidade e
diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 14. Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. P.73
– 102.
90

SILVA, Marina Albuquerque Mendes de. As tatuagens e a criminalidade feminina. In:


Cadernos de campo, n.1, 1991, p.5-16.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:


Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 14. Ed. – Petrópolis, RJ:
Vozes, 2014. P. 7 – 72.
ANEXOS
Anexo A – Roteiro de entrevista – Tatuados:

1. Quando foi a 1º vez que viu uma tatuagem?

2. Quando foi que começou a pensar em fazer uma tatuagem?

3. O que motivou a tomar essa decisão? Continua a ser a mesma motivação, ou


vem mudando com cada tatuagem?

4. O que sente antes do momento da tatuagem? E depois, como se sente? Existe


alguma mudança?

5. Como é a relação com a dor? É importante no processo ou poderia ser descartada


se possível?

6. Suas tatuagens possuem um significado?

7. Qual sua relação com o tatuador (anteriormente, durante e depois)?

8. Já sofreu algum tipo de preconceito? Já exerceu algum preconceito no que diz


respeito a tatuagens?

9. Como é a relação com outras pessoas sem tatuagem? Elas abordam você para
falar sobre? E as pessoas tatuadas?

10. O que é tatuagem para você?


Anexo B – Roteiro de entrevista – Tatuador:

1. Quando foi a 1º vez que viu uma tatuagem?

2. Quando foi que começou a pensar em fazer uma tatuagem?

3. Quando começou a se tornar tatuador? Como se deu esse processo? Houve


algum “mestre”?

4. Você acha que a tatuagem está mais bem aceita hoje? O que proporcionou isso?

5. Como é a relação com a dor? É importante no processo ou poderia ser descartada


se possível?

6. Qual sua relação com as pessoas? Existe uma conversa a respeito? O que é
tratado?

7. Já sofreu algum tipo de preconceito? Já exerceu algum preconceito no que diz


respeito a tatuagens?

8. Como é a relação com outras pessoas sem tatuagem? Elas abordam você para
falar sobre? E as pessoas tatuadas?

9. O que é tatuagem para você?

10. O que é preciso para ser um tatuador?

Vous aimerez peut-être aussi