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MANUAL DE ARTE E ARQUEOLOGIA

DO
EGITO ANTIGO II

ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR


ISBN: 8 5-89128-07-5

SÉRIE MONOGRAFIAS, 6

Sociedade dos Amigos do Museu Nacional - SAMN

Diretor do Museu Nacional - UFRJ

Prof. Dr. Alerx Kugland de Azevedo

© Direitos Autorais - Antonio Brancaglion Junior

Brancaglion Junior, Antonio

Manual de Arte e Arqueologia do Egito Antigo II/ Antonio


Brancaglion Junior. - Rio de Janeiro: Sociedade dos Amigos do
Museu Nacional, 2004.

157p. Il. (Série Monografias, 6)

ISBN: 8 5-89128-07-5

1. Religião - História - Egito. 2. Arqueologia - Egito. Série. II.


Título
APRESENTAÇÃO

Os textos fazem parte da série de monografias da Sociedade Amigos do


Museu Nacional (SAMN) inseridos num projeto de cursos de egiptologia,
iniciado em 2003, e ministrados no próprio Museu Nacional.
Esta monografia reúne trabalhos já publicados e outros inéditos que
foram adaptados com a finalidade de formar a segunda parte de um Manual de
Arte e Arqueologia do Egito Antigo.
Foram utilizadas nesta monografia abreviaturas de uso corrente em
trabalhos de egiptologia:
PT - “Textos das Pirâmides”
CT - “Textos dos Caixões”
LdM - “Livro dos Mortos”
N. - nome de um indivíduo que deve ser pronunciado junto com as
fórmulas
KV - Tumbas reais do Vale dos Reis
TT - Tumbas da elite tebana
QV - Tumbas do Vale das Rainhas

Prof. Dr. Antonio Brancaglion Junior


Rio de Janeiro
Maio/2004
INTRODUÇÃO

Talvez não tenha existido nenhuma outra cultura que tenha dedicado
tantos esforços à morte e à esperança em uma outra vida como os egípcios.
Buscando de todas as maneiras assegurar uma existência em um Outro
Mundo.
A idéia de uma outra vida inspirou-os desde a Pré-história por meio da
representação simbólica da viagem do Sol, que nasce todas as manhãs,
atravessando a imensidão do céu azul sobre os campos e o Nilo até alcançar,
velho e cansado, no fim do dia o deserto ocidental para encontrar a morte. O
seu renascimento no oriente sugere a ressurreição e um percurso em um
mundo misterioso e obscuro para além da vida. Na morte, primeiro o rei e
depois os nobres e por fim todos desejavam, como o sol, percorrer o mesmo
caminho e alcançar o mesmo destino: uma gloriosa ressurreição.
Ao longo do tempo os teólogos elaboraram representações do Outro
Mundo cheio de obstáculos e de perigos, de espíritos malignos e de guardiões.
Para superá-los era necessário conhecer a topografia do Além por meio de
verdadeiros guias do Outro Mundo e possuir as fórmulas que dariam o poder
de vencer as dificuldades e os inimigos. Era igualmente indispensável
conhecer os nomes de uma multidão de divindades e de gênios para fazer essa
viagem sem perigos.
Os egípcios que amavam profundamente a vida buscavam prolongá-la
depois da morte. Os mitos de Osíris e da viagem noturna de Rê são a base dos
grandes textos religiosos ilustrados por vinhetas - As Grandes Compilações da
literatura funerária.
Segundo as crenças egípcias os indivíduos estão destinados à
eternidade e à ressurreição no Outro Mundo como Osíris, para isso as suas
imagens deveriam permanecer intactas garantidas pela mumificação e por
suas representações em estátuas, pinturas e relevos. As suas múmias
protegidas dentro de seus esquifes e sarcófagos são guardadas no interior de
suas tumbas junto aos seus bens mais valiosos e queridos.
Enquanto o seu espírito glorificado habitava os campos do Outro
Mundo, viajava com o Sol em sua barca e habitava as suas imagens revendo

II
os seus parentes nos dias de festa quando vinham trazer oferendas. Todos
necessitavam, na outra vida, de alimentos renovados ritualmente todos os
dias por meio de cerimônias e das cenas pintadas nas capelas das tumbas. Os
egípcios imaginavam um Outro Mundo com campos verdejantes que
assegurariam eternamente a sua subsistência, campos que deveriam ser
trabalhados por servidores funerários.
As práticas funerárias dos antigos egípcios, expressas por normas e
costumes, definem-se pelas relações de ordem técnica e ritual que utilizando
uma linguagem simbólica elaborada que respondia, coletivamente, contra a
ameaça do desaparecimento dos membros de sua sociedade. O sepultamento
era parte de um funeral e este parte de um conjunto de rituais pelos quais os
vivos relacionam-se com a morte.

III
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO I

INTRODUÇÃO II

SUMÁRIO IV

ASPECTOS DA RELIGIÃO FUNERÁRIA EGÍPCIA 1

I. A VISÃO DA MORTE 1

II. ELEMENTOS NECESSÁRIOS AO PÓS-VIDA 15

III. O EUFEMISMO DA MORTE NO ANTIGO EGITO 37

IV. OS TEXTOS FUNERÁRIOS E OS SEUS SIGNIFICADOS 48

IV.1. TEXTOS DAS PIRÂMIDES 49

IV.2. TEXTOS DOS CAIXÕES 53

IV.3. LIVRO DOS MORTOS 55

A. O Tribunal de Osíris e o Julgamento do Morto 59

IV.4. LITANIA DE RÊ 68

IV. 5. LIVRO DO AMDUAT 69

IV. 6. LIVRO DOS PORTÕES 71

IV.7. LIVRO DOS CÉUS 74

IV.8. LIVRO DA VACA DIVINA TAMBÉM CHAMADO LIVRO DA 75


VACA CELESTE

IV.9. LIVRO DAS CAVERNAS 76

IV.10. LIVRO DA TERRA OU LIVRO DE AKHER 77

IV.11. LIVRO DAS RESPIRAÇÕES 78

V. O TÚMULO: A MORADA ETERNA 79

V.1. AS TUMBAS REAIS 80

V.2. AS TUMBAS PARTICULARES OU PRIVADAS 86


IV
V.3. EVOLUÇÃO DAS TUMBAS PARTICULARES 87

VI. MÚMIAS: MENSAGEIRAS SILENCIOSAS DE UM PASSADO 95


PERDIDO

VI.1. A ATENÇÃO DESPERTADA PELAS MÚMIAS 99

VI.2. UM HISTÓRICO DO ESTUDO DAS MÚMIAS EGÍPCIAS 101

VII. VASOS CANOPOS 106

VIII. AMULETOS 107

IX. SARCÓFAGOS, ESQUIFES E CARTONAGENS 109

X. ESTELAS 117

XI. SHABTI 120

XII. GLOSSÁRIO GERAL 122

XIII. GLOSSÁRIO DE DIVINDADES 137

XIV. GLOSSÁRIO TOPOGRÁFICO 141

XV. CRONOLOGIA 146

XVI. BIBLIOGRAFIA 148

MAPA DO EGITO 152

V
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

ASPECTOS DA RELIGIÃO FUNERÁRIA EGÍPCIA

I. A VISÃO DA MORTE

Considerando-se as fontes materiais disponíveis em todo o mundo sobre


a civilização egípcia, mesmo ao se tratar de acervos heteróclitos como o do MAE,
vemos a preocupação com a morte como sendo essencial à religião egípcia. Isto‚
o resultado de como se tem orientado a pesquisa arqueológica em um país, onde
as habitações estão sob metros de limo do Nilo depositados durante milênios e
ao nível do lençol freático, hoje em dia muito elevado. A este testemunho pouco
acessível da vida contrapõe-se a condição particular das necrópoles, localizadas
no deserto fora da zona inundável, em uma condição climática que permite a
sobrevivência quase intacta de todo material.
Não se trata somente de um acaso, a diferença na escolha dos materiais
e dos locais das construções profanas, funerárias e sagradas foi mantida
durante milênios. Os egípcios organizaram as construções profanas em função
de suas necessidades da vida cotidiana utilizando palha, fibras vegetais e adobe
como matéria prima, contudo erigiam as construções consagradas aos deuses
e aos mortos em rocha, a fim de eternizá-las.
Embora esta vocação funerária da egiptologia seja marcante na
elaboração de uma visão que temos de sua civilização, não podemos, de forma
alguma, negar o papel capital que as crenças referentes à morte ocuparam no
seio do pensamento religioso egípcio.
De modo geral, tem-se escrito menos sobre a morte no pensamento
egípcio do que sobre os mortos, os ritos funerários e as concepções da vida além-
túmulo. Isto se deve ao fato de que dispomos de maiores conhecimentos sobre
as atividades dos antigos egípcios com relação aos seus mortos do que sobre a
consciência egípcia da morte. No entanto são nestes costumes funerários que
devemos buscar uma reflexão sobre esta consciência, através da crença de que
cada indivíduo passaria da sociedade dos vivos para a sociedade dos mortos,
seguindo uma continuidade social que o levava da infância à maioridade, para
em seguida tornar-se um ancião e finalmente, após a morte, um ancestral.

1
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Os egípcios, no curso de sua história, souberam elaborar um sistema


orgânico de crenças e de práticas relativas à morte que lhes são específicas e
que fazem parte fundamental de sua cultura, o que constitui uma fonte de
estudo particularmente complexa, pois nada temos em comum nem do ponto
de vista conceitual nem do ponto de vista simbólico, com esta cultura.
Os egípcios souberam reduzir ao mínimo o impacto da morte sobre sua
sociedade, limitando-a a um fenômeno que interrompe provisoriamente a
existência dos indivíduos, incidindo somente sobre a sua aparência, isto é, o
seu invólucro carnal. Para tanto, crenças distintas uniram-se em um imaginário
capaz de aceitar a morte, ordenando-a com rituais e símbolos buscando
transcendê-la.
No entanto, as incertezas dos pós vida e os perigos de uma aniquilação
completa do ser constituía um temor para os egípcios.
“Se tu sonhas com a tumba, é pelo amargor do coração.
É o que o faz chegar às lágrimas,
É o que acaba com o homem.
É o que arranca o homem de sua casa, e o abandona no
cemitério.
Tu não sairás mais ao dia para ver o sol.
Aqueles que construíram a pirâmide com belas salas estão
agora mortos.
Suas mesas de oferendas estão vazias.
Eles são como míseros mortos lançados sobre as margens, sob
o ardor do sol, e com as águas decompondo-os, enquanto os
peixes retalham os seus restos.
Escuta, privando-se da alegria e das coisas belas da vida os
homens esqueceram-se da felicidade e todo o resto são ilusões
no caminho que leva ao túmulo”1.
Um costume que parece ter sido comum durante a Baixa Época era o de
se fazer circular entre os convidados de uma festa uma estatueta de madeira de
uma múmia em seu caixão feita com o maior realismo, com o intuito de lembrar

1 Papiro Berlim 3024, XII dinastia (1991-1784 a.C.)


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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

a todos a brevidade da vida e para que bebam e se divirtam pois este é o fim de
todos.
Longe de ser ocultada, a morte era concebida como uma continuidade da
vida. Unidas de tal forma que a vida e a morte explicavam-se uma pela outra.
Assim, numa passagem do “Livro dos Mortos” ela é descrita nos seguintes
termos:
“...Não se torne meu corpo em vermes, mas liberta-me como tu
te libertaste (Osíris). Rogo-te, não me deixes cair na podridão,
como permites a cada deus, a cada deusa, a cada animal e a
cada réptil ver a corrupção depois que a alma os abandona
após a morte. E quando a alma se vai, o homem vê a corrupção
e os ossos do seu corpo apodrecerem, mudam-se num mau
cheiro total, os membros deterioram-se um após o outro, os
ossos desfazem-se, transformados em massa inerte, a carne
transforma-se em líquido fétido, ele torna-se um irmão na
decadência que o salteia, converte-se em multidões e vermes,
desfaz-se totalmente em vermes, dá-se cabo dele, e ele perece
à vista do deus Shu como perecem todos os deuses e todas as
deusas e todos os pássaros e todos os peixes, e todas as
coisas que rastejam e todos os répteis... Que a vida venha da
sua morte”2.
A morte não era um fim mas um meio de passagem para um outro plano,
ela é um momento da existência. O mundo antes da criação é descrito como um
estado em que “ainda não existia o céu, ainda não existia a Terra, ainda não
existia os homens, ainda não existiam os deuses, ainda não existia a morte”3.
A idéia que os egípcios faziam do ser humano é de fundamental
importância para compreendermos a sua concepção da morte e
consequentemente as suas crenças funerárias. Além do corpo, eles atribuíam
ao homem alguns elementos mais ou menos espirituais e independentes da
matéria, cujos principais eram o bá e o ká.

2 “Livro dos Mortos” Cap. CLIV.


3 “Textos das Pirâmides” 1466b-d.
3
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

É importante destacar que estas noções são definidas de forma


esquematizada por uma necessidade de exposição, entretanto, elas são
infinitamente mais sutis em sua elaboração, formando conceitos que se
interpenetram de tal forma que uma análise esquemática se torna sempre
artificial.
Uma das noções mais difíceis de definir é aquela do ká. O ká (kA) era uma
manifestação das energias vitais individuais com a função criadora e
conservadora da vida, era uma força invisível emanada das grandes reservas
energéticas dispersas no universo, que nasce com o homem e acompanha-o
durante a vida e apesar de abandoná-lo no momento da morte, continua a
representar a personalidade do ser com o qual coexistiu: “passar a seu ká”
significa morrer.
O ká era também a força vital de um indivíduo que, após a morte.
continuava a “viver” necessitando de alimento e ar que lhe eram transmitidos
pelas as oferendas, pelas fórmulas mágicas e pelas cenas nas capelas
funerárias. O ká incarnava nas estátuas do morto colocadas na tumba. É do ká
que provém toda a vida e é para ele que ela retorna após a morte. A tumba e o
sacerdote funerário são chamados a casa e o servidor do ká, respectivamente.
Alguns vêm no ká um reflexo imaterial do corpo ou “duplo”, como em algumas
culturas africanas.
O conceito de “duplo” foi formulado pela primeira pelo egiptólogo francês
Gaston Maspero em 1878, para ele o ká era uma projeção astral, viva e colorida
do corpo humano, formada por uma matéria tênue que não podia ser
normalmente vista nem tocada, e que era incorporada ao homem no momento
do nascimento.
Uma espécie de gênio protetor, o ká era o guardião do morto que se
incorporando a qualquer imagem dele, esculpida ou pintada, impedia a
destruição do indivíduo após a morte: até mesmo as ushabtis serviam de
receptáculo para o ká, o que explica a preocupação com a exatidão fisionômica
de algumas ushabtis.
As divindades também possuíam um ká, como o deus sol Rê que possuía
quatorze deles como sendo as suas qualidades inerentes: brilho, força, poder,

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

honra, prosperidade, alimentação, duração, iluminação, glória, magia, vontade


criadora, visão, audição e o conhecimento.
O bá (bA) é erroneamente comparado à noção ocidental de “alma”, por uma
questão de convenção, era um aspecto espiritual do indivíduo que após a morte,
libertava-se do corpo físico obtendo a faculdade de transportar-se para onde lhe
agradasse. É representado, a partir do Novo Império, por um pássaro com
cabeça humana. Surgida no reinado de Amenhotep III, a sua representação
hieroglífica é a da cegonha jaburu (Ephippiorhynchus senegalensis) do Sudão
que devido ao seu caráter migratório justificava seu uso como símbolo da alma.
Habitava no céu junto com as outras “almas” ( bAw) incluindo as dos
deuses, e retornava ao túmulo trazendo o ká das oferendas4.
O bá de um deus (ser imaginário) era representado por um animal real,
vivendo sobre a terra, enquanto que o bá de um homem (ser real) é um pássaro
imaginário que liga o seu possuidor ao mundo imaginário dos deuses
Era o bá que, ao lado do morto, testemunhava a pesagem de seu coração
diante de Osíris, cujo resultado poderia impedi-lo de entrar no céu. Isto leva a
incorrer no erro de se pensar que o bá seria mortal, sendo a ressurreição um de
seus atributos. Na verdade, ele nunca morre, nos “Textos das Pirâmides” vemos
que o rei e seu bá “não morrem, eles se afastam da vida”5.
Ao que tudo indica existiria um bá universal criado no mesmo instante
que o próprio universo, e que englobaria todas os outros. O termo bá passou
para o Copta substituindo o termo grego psyché, o que significa que ele
incorporava as características individuais que o destinguem de todos os outros
seres. Os outros elementos constituintes do ser humano eram:
O “corpo” era designado sob vários nomes, entre eles khat (XA.t) que
designava o cadáver, djet (Dt) o “corpo” físico sujeito à decomposição, só
preservado pela mumificação. Era o mais frágil de todos os elementos que
formavam o ser e hau (Ha) que designa as carnes que compõem o corpo.
A “sombra” shut (Swt) era uma espécie de irradiação móvel e silenciosa do
corpo. Após a morte adquiria uma independência, com uma existência à parte

4 “Livro dos Mortos” Cap. LXXXIX intitulado: “Encantamento para permitir um bá reunir-
se com seu corpo na necrópole”.
5 “Textos das Pirâmides” 134a.

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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

do corpo, com o poder de locomover-se. Seu papel ainda não é muito claro, está
intimamente associado ao bá, ambos possuíam a faculdade de visitar a múmia
no interior da tumba. Era associado às capacidades físicas, como a força física,
comer, beber e as atividades sexuais. Aparece pela primeira vez nos “Textos dos
Caixões”, do I Período Intermediário.
O akh (Ax) é frequentemente traduzido como glória ou espírito luminoso é
o resultado da união do bá com o ká. É um elemento imortal, transcendente e
perfeito e não um estado como o ká ou uma faculdade como o bá. Era comum
a todos as divindades.
O “nome” ren (rn) é pelo nome que um ser passava a existir. Através dele
o homem situava-se no Universo, possuía uma personalidade, uma
individualidade e um destino. O poder da magia atuava para o bem ou para o
mal através do nome. Apagar o nome de uma pessoa era o mesmo que suprimir
a sua lembrança neste mundo, como privá-la de uma existência além-túmulo.
O “coração” ib (ib) é a sede da emoção e do pensamento. Órgão no qual
atuavam os deuses. Sede do intelecto e da concepção física e intelectual. Um
homem sem coração era antes de tudo um imbecil. Era a sede da consciência,
do bem e do mal, e por isso era mantido no corpo mumificado e seria pesado
numa balança diante do Tribunal de Osíris.
É impossível determinar em que momento de sua história os egípcios
elaboraram estes princípios espirituais, contudo, é evidente que a partir do
momento que os mortos são sepultados, há um culto funerário, e que este
supunha uma existência, nos moldes de uma segunda vida, como provam os
alimentos e os objetos depositados junto aos corpos. A posição fletida dos
corpos, nos primeiros sepultamentos neolíticos, seria aquela do dormir, uma
indicação de que a morte seria um longo sono. Esta posição “fetal” poderia ser
um indício de que o morto encontraria na terra um meio materno do qual
nasceria para uma nova vida.
Tudo indica que os egípcios nunca conceberam a morte como sendo um
fim, eles jamais admitiram a possibilidade de um desaparecimento completo da
personalidade de um indivíduo pela simples perda de seu corpo físico. Se é
verdade que os egípcios não viam a morte como um fim são igualmente certas

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

a dúvida e o desconforto frente ao misterioso mundo dos mortos. O medo estava


não na morte, vista como um estágio a ser seguido, mas na nova existência.
É principalmente a fim de responder a este mistério inevitável que as
crenças funerárias foram elaboradas, uma doutrina de salvação formada por
diversos elementos complexos e com forte suporte simbólico. Todavia duas
idéias foram básicas, presentes desde a mais alta antigüidade: de um lado a
vida além-túmulo foi concebida como um prolongamento da vida terrestre, nos
moldes da vida às margens do Nilo; de outro a crença de que esta nova
existência só seria possível após ser percorrido um longo caminho repleto de
perigos, crenças que originaram as shabtis e os amuletos.
Deparamo-nos inevitavelmente com a questão da localização do mundo
dos mortos, a qual os egípcios nunca estabeleceram com muita precisão, ela
varia segundo a época e o texto. Contudo duas doutrinas, embora opostas,
foram seguidas:
A primeira, e talvez a mais primitiva, tem a terra como a morada eterna,
decorrente do fato de que ela guardaria a parte visível do homem, o seu corpo.
Nada mais natural, portanto, que colocar o mundo dos mortos no interior
da terra e considerar o túmulo como sendo a entrada deste mundo. A esta
concepção foi rapidamente associada o mito de Osíris, um deus agrário
identificado ao grão e que adquiriu o status de rei dos mortos. Entretanto nos
sepultamentos das primeiras dinastias nada comprova, com certeza, a
existência de um “Mundo Inferior” ligado a Osíris, mas este fato não impede que
seu culto já existisse neste momento. Desde a sua aparição, nos “Textos das
Pirâmides”, Osíris é o Senhor do Mundo dos Mortos, descrito e representado
como um rei, aspecto inseparável de seu mito e de seu culto.
Fruto de uma sociedade agrícola, estabilizada às margens do Nilo, Osíris
é descrito como um herói deus civilizador que ensinou aos homens a
agricultura, as instituições essenciais como a família monogâmica e a noção de
lei e proibiu a antropofagia, retirando-os assim da barbárie. O seu reino era
denominado Am-Duat ou Duat (DwAt) isto é, “Mundo Inferior”, o local que era
percorrido pelo sol noturno e onde os mortos descansavam. Sua entrada era
pelo Re-stau (R-st3w) ou “Porto das Passagens” domínio do deus ctônico Sokar,
termo que originalmente designava a necrópole de Saqqara.

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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

A segunda doutrina era a de um mundo celeste, a princípio uma doutrina


estelar onde o mundo dos mortos era considerado como o mundo das estrelas,

chamado Duat ou Dat (DAt), escrito por uma estrela dentro de um círculo .
Significava a “zona crepuscular” e o “céu noturno”, segundo a qual haveria um
céu inferior, identificado ao “Oceano Primordial”, onde as almas dos mortos
refugiavam-se após a morte, compartilhando com as estrelas de uma vida
eterna. Nesta crença estelar destacam-se as chamadas “imperecíveis” (ixmw-sk)
localizadas no céu norte. As estrelas circumpolares, assim denominadas por
nunca desaparecerem do céu, um símbolo ideal para a vida eterna.
Outro grupo de estrelas destacadas nesta doutrina eram as “infatigáveis
(ixmw-rwD) localizadas no céu sul, assim chamadas por seguirem
incansavelmente a trajetória do sol. As almas dos reis mortos estariam
associadas às “imperecíveis” enquanto as almas dos eleitos seriam as
“infatigáveis”.
Algumas estrelas isoladas tinham um papel de destaque nesta crença:
Órion6 (s3H) era considerado o bá de Osíris que reinava sobre as estrelas (almas)
dos mortos; Sóthis (Sírius)7 (spdt) era a mãe e irmã do morto, identificada,
portanto a Ísis e Néftis; Háthor era a guia dos caminhos do céu e a “estrela da
manhã” seria Hórus8. As demais estrelas anônimas seriam as almas dos mortos,
que acompanhariam no céu os reis e os deuses como haviam feito em vida.
Esta concepção estelar de uma existência após a morte estabeleceu pela
primeira vez uma distinção entre a parte material do homem, abandonada à
terra e sua parte espiritual, que deixava a matéria para desfrutar, com as
estrelas, de uma existência eterna. Embora esta crença estelar tenha
desaparecido muito cedo, traços dela são ainda perceptíveis durante o Novo
Império, por exemplo, as entradas das tumbas eram orientadas pelas estrelas.
Num momento impossível de ser determinado, esta crença estelar foi
absorvida por uma doutrina puramente solar, exposta na forma de inscrições,
encontradas em sua maioria nas câmaras funerárias reais do final da V e VI

6 “Textos das Pirâmides” 819-821 e 925.


7 “Texto das Pirâmides” 822.
8 “Texto das Pirâmides” 1719 e 2005.
8
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

dinastias. Esta não foi uma obra popular, mas uma obra de salvação da alma
do rei, baseada em conhecimentos mágicos que permitiriam ao rei morto
ascender ao céu e empreender a viagem cósmica junto a Rê. Constituía-se num
verdadeiro sacramento que possibilitaria a alma do rei derrotar os inimigos e os
perigos e serem aceitos pelas forças divinas.
As duas doutrinas, estelar e solar, não se opunham essencialmente,
ambas tratavam do destino póstumo do rei, e afinal as estrelas e o sol
movimentam-se no mesmo espaço, assim sendo o rei seria o único a desfrutar
de uma existência junto a Rê, enquanto os outros mortos glorificados formariam
a sua corte (as estrelas) que o acompanharia para servi-lo.
Assim como não há além de um único rei, parece neste momento não
haver além de um único morto, seu corpo deve ser protegido por um complexo
funerário e a sua existência assegurada por toda a eternidade. Com a sua morte
confundem-se o destino de toda a sociedade, uma luta contra a morte e a
desordem social.
A concepção de um mundo dos mortos localizado em um céu inferior foi
mantida. A princípio, o sol após ter percorrido o céu superior, mergulhava ao
ocidente no mundo subterrâneo que iluminava durante a noite. Ele utilizava
cotidianamente duas barcas na realização de seu périplo: a barca mandjet
(manDt) pela manhã, cujo nome significa algo como “estar em boa saúde”, “estar
intacto” ou ainda “aquela que pertence à luz do dia” e a barca meseket (mskt ou
msktt) à noite que significa “desaparecer pouco a pouco”, uma alusão à luz
crepuscular.
Se fora fácil adaptar a concepção estelar à doutrina solar, o mesmo não
ocorreu a Osíris, cuja origem era completamente estranha ao mundo solar. Esta
conciliação somente foi possível por razões políticas que tiveram, sem dúvida,
um papel maior que as afinidades teológicas. Osíris tornara-se tão popular no
Delta, no início do Antigo Império, que o clero heliopolitano julgou indispensável
a sua introdução no ciclo solar.
A propagação do culto de Osíris pelo país enriqueceu sua personalidade
com diferentes aspectos: sua passagem por Mênfis acentuou seu caráter
funerário pela associação a Sokar, divindade ctônica habitante do AmDuat; em
Heliópolis ele foi integrado à Eneida Heliopolitana enquanto filho de Geb e Nut

9
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

e o deus falcão Hórus foi escolhido como seu filho, tornando-se deste modo uma
divindade astral; em Abidos ele foi identificado com uma divindade funerária
arcaica com a aparência de um cão negro, Khentimentiu (#nty-Imnty.w) cujo
nome significa “Aquele que está à cabeça dos Ocidentais” o que se tornou um
epíteto de Osíris no final do Antigo Império tornando-se o deus da necrópole e
senhor mortos (os ocidentais).
Existe igualmente a hipótese de Osíris ter absorvido, ou mesmo ter-se
originado, do culto do rei Anedjty (ou Anedjeb) da I dinastia, adorado como um
deus funerário em Busíris, de quem Osíris incorporou os cetros reais em sua
iconografia.
A sobrevivência dos mortos não se apoiava mais no reaparecimento
cotidiano do sol, mas também sobre os ciclos da natureza regidos por Osíris.
Ele é o grão que após ter sido ceifado encontra uma nova vida estando confinado
à terra; como o grão sob a terra, é no “Mundo Inferior” que os mortos deverão
nascer para uma nova vida.
O mito de Osíris, simples e familiar, possibilitou a todo homem, mesmo o
mais humilde, a possibilidade de tornar-se, após a morte, um Osíris. Isto é,
conhecer a ressurreição, a sobrevivência da alma não era mais um privilégio do
rei e de alguns poucos. O nome de Osíris passa a preceder o nome de todos os
mortos como forma de assegurar esta identificação. O significado do nome
Osíris (Wsir) é incerto, podendo ser o “Local do Olho”.
Esta identificação não é fortuita mas objetiva maiores benefícios ao morto:
assim como Osíris foi acolhido no mundo de Rê, o morto “osirificado” também
teria este acesso ao mundo celeste, anteriormente restrito ao rei, após ser
declarado “justificado” ou “justo de voz” (mAa-xrw) epíteto que o qualifica como
tendo passado com sucesso pelo “Julgamento da Alma”, satisfazendo as
condições do Maat. Este epíteto, até o fim da história egípcia, virá logo após o
nome do morto escrito nos monumentos e mobiliário funerário. Este epíteto é
utilizado pela primeira vez sob o reinado de Mentuhotep III.
Além disso Osíris era um deus com atributos reais, o açoite nekhakha
(nxAnxA) e o cajado heka ou hekat (HqAt) o que tornaria o morto um rei no outro
mundo permitindo o seu acesso às fórmulas e aos símbolos de autoridade de
uso exclusivos do rei.

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

O antagonismo evidente nos primeiros tempos que opunha a doutrina


solar e as crenças osiríacas foram, pouco a pouco a partir do Novo Império,
fundindo-se e adquirindo um valor de verdadeira doutrina nacional. O reino dos
mortos é definitivamente colocado no mundo subterrâneo. Rê penetra neste
mundo subterrâneo a cada anoitecer, pela montanha ocidental Manu,
navegando em sua barca que o transporta pelo céu. Sua aparência divina com
cabeça de falcão (hieracocéfala) transforma-se à noite em outra com cabeça de
carneiro (criocéfala), uma referência ao vocábulo bá, que significa ao mesmo
tempo “carneiro” e “alma”. Esta idéia indica que o deus sol desce ao “Mundo
Inferior” como um bá, a fim de que sua alma pudesse unir-se ao seu corpo.
O deus sol navega em um Nilo subterrâneo acompanhado por numerosas
almas e divindades, o que faz com que sua barca seja chamada “Barca de
Milhões”. A cada hora da noite Rê faz uma parada, a fim de regenerar-se e de
compensar os bem-aventurados que o acompanham. Após ter percorrido as
doze horas ou divisões do “Mundo Inferior” o sol sai das trevas, completamente
regenerado sob a forma de um escaravelho (Khépri), através da montanha
ocidental Bakhu.
Como a escuridão da noite é o berço da luz de um novo dia o deus sol
busca, ao entrar no mundo subterrâneo, a fonte oculta da vida, a morte, que é
a vida potencial.
Osíris é o rei deste “Mundo Inferior” e o deus sol Rê visita-o todas as noites
levando a sua luz a este mundo de trevas, dando “vontade” e “memória” a sua
alma, que se renova sob a forma de um falcão solar graças aos raios solares. Rê‚
o sol regenerador, mergulhado no Duat para unir-se à múmia de Osíris e onde
seus “raios unem-se as suas carnes”. Esta união era representada pelos falcões
no topo dos estojos peitorais e por falcões mumificados em caixões e sarcófagos.
Ilustrações desta ação de Rê sobre Osíris aparecem nas vinhetas de
papiros funerários, exemplo no “Livro dos Mortos” capítulo 82 onde é dito: “Rê
penetra na Caverna misteriosa para fazer reviver o coração daquele cujo coração
não bate mais” (isto é, Osíris).
O seu mito forjado ao longo da história, evolui de maneira a refletir cada
estágio do desenvolvimento social egípcio. Embora fosse considerado o iniciador
dos homens na civilização e na moral, foi principalmente como deus dos mortos

11
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

e como deus da ressurreição que ele foi venerado. Integrado à cosmogonia


heliopolitana ele introduz na religião oficial o problema da moral, isto é, do bem
e do mal. Uma moral revelada pelo deus que preside os destinos do Outro
Mundo.
Osíris torna-se um deus universal cuja concepção é claramente definida
nos textos frequentemente presente nos templos ptolomaicos como Edfu, Philae
e Ombos: “seu bá está no céu, suas estátuas sobre a Terra e seu cadáver no
Duat” ou ainda “erga-te tu, deus rico em formas, a Terra possui tua imagem, o
Duat tua múmia e o céu está repleto por tua alma estrela divina”9.
Ao longo de sua passagem pelo “Mundo Inferior”, os mortos libertam-se
de seus corpos, tornando-se somente espíritos puros que atingirão o céu.
O morto estaria pronto para junto com seu bá e sua sombra “sair à luz do
dia” viajando de leste a oeste cotidianamente a exemplo do sol, em nenhum caso
o morto viajaria em direção ao leste onde os inimigos do sol são massacrados10.
O verdadeiro momento da ressurreição do morto é aquele onde, livre de
seu corpo, ele deixa o Duat, o mundo da matéria, para entrar no mundo do
espírito entre os deuses. À noite retornaria ao túmulo e ao “Mundo Inferior” a
fim de reencontrar-se com seu corpo, preservado da corrupção pela
mumificação.
A morte ao dissociar a matéria do espírito estabelece a distinção corpo-
Duat, espírito-céu. A fim de enfrentar este “Mundo Inferior” e seu tribunal
divino, o ritual funerário recorrera a um formalismo que conduzira à religião.
A partir do Novo Império, um desenvolvimento da magia pela qual os
homens buscaram determinar a vontade dos deuses, eles próprios: “Mortos são
somente os que não conhecem as fórmulas mágicas, os outros vivem de
eternidade em eternidade, como seu pai Rê no céu”11.
O símbolo torna-se uma proteção para o homem, exatamente como o
conhecimento da verdade que ele recobre. Por conseguinte, os amuletos e as
figuras mágicas possuem um valor em si, expõem ou representam o símbolo
equivalente da verdade que ele dissimula.

9 “Livro dos Mortos” Cap. CLXVIII.


10 “Livro dos Mortos” Cap. XCIII.
11 El Papiro Funerario de Khonsu-Thot.

12
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Vemos então que se quisermos exprimir o que seria a morte para um


egípcio seria necessário o uso da forma negativa, isto é‚ a não-vida ou a não-
existência, já que um homem morto não estaria, na concepção egípcia,
verdadeiramente morto 12, o que não é simples de ser entendido pela nossa
mentalidade ocidental. O temor maior dizia respeito justamente a esta não-
existência que se apresenta como uma segunda morte 13.
Esta segunda morte era causada pela condenação da alma pelo tribunal
divino diante de Osíris, pela incapacidade do morto em mover-se no Outro
Mundo e pela perda do nome (memória). Portanto a segunda morte reporta-se
à falta de condições que permitam à alma sobreviver, pois o corpo já se
encontrava inanimado pela primeira morte.
A morte em si não é capaz de colocar fim ou abreviar a existência a não
ser de maneira parcial, a morte do corpo físico. Ela era acompanhada sempre
de um grande perigo, o de extinguir a existência da alma, esta eventualidade
deveria ser afastada com precauções na forma de fórmulas mágicas, amuletos
e ritos bem determinados pelo Corpus Religioso. Os esforços depreendidos pelos
egípcios na mumificação, no sepultamento e no mobiliário funerário são o
testemunho deste temor da não-existência.
A morte física é sinônimo de rejuvenescimento, de renovação do que
existe, é o caminho que conduz a uma nova existência. O morto é “um deus
rejuvenescido que engendra o ‘Belo Ocidente’”14.
No “Livro do Amduat” na última hora da noite o deus sol acompanhado
pelos mortos eleitos penetram como velhos, abatidos pela idade, no corpo de
uma serpente gigantesca chamada “A que envolve o Mundo” e saem
rejuvenescidos como crianças. Ao sair do Reino dos Mortos o deus sol Rê é
chamado “a criança”.
A Criação somente foi possível pela existência da morte, o Criador do
mundo é responsável não somente pela existência de todos os seres vivos, mas

12 “Eles (os mortos) não vão como mortos, eles vão como vivos”, “Texto das Pirâmides”
134.
13 “Livro dos Mortos” Cap. CLXXV intitula-se “de como não morrer uma segunda vez”,

idéia presente ainda nos capítulos XLIV, LXIV, CXVI, CXXXVI A, CXXVII A e em
“Textos dos Caixões”, 47b.
14 “Texto dos Caixões” I, 88b.

13
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

também pelo fim deles15. Os deuses, o rei, os homens e tudo o que pertence ao
universo são dependentes de uma renovação perpétua somente possível através
da morte, não se trata de uma simples realidade, mas de uma visão positiva
essencial para a estrutura social egípcia.
Segundo este conceito cada ser deve morrer a fim de poder regenerar-se,
somente o não-existente estaria morto de maneira definitiva e permanente. A
não-existência significava, de modo geral, o que é informe, inarticulado,
ilimitado e não diferenciado. Em contrapartida o existente é claramente
definido, articulado e limitado, a existência pode ser ordenada, experimentada
e renovada. Os termos utilizados para designar a não-existência são muitos: tm-
wnn e mn-wn negações do verbo ser, iwty e iwtt literalmente “o que não é” ou “o que
não existe”, nsd mt=f literalmente “quando não era (existia) ainda” utilizado para
uma situação anterior à criação.
Do mundo criado, isto é, ordenado, fazem parte os mortos justificados,
ao passo que aqueles que sofrem uma segunda morte são condenados a uma
região completamente profunda, totalmente escura, infinita, um abismo aquoso
onde as trevas indicam o estado anterior à Criação tornando-se um “não-
existente”16.
Para este abismo devem ir Apópi, inimigo de Rê, e os inimigos do Egito
pois, não basta a sua morte, já que uma nova vida emerge da morte, é preciso
expulsá-los do mundo existente.
Portanto dentro deste “otimismo cósmico” das crenças religiosas egípcias
a morte não é anárquica pois possui modelos: o funeral real e os ritos osiríacos.
No rico imaginário religioso egípcio a morte aparece como um
acontecimento natural e desta forma alimenta uma visão otimista de perpétuo
retorno e rejuvenescimento como o ciclo solar, o ciclo da vegetação, o ciclo da
lua e o ciclo do Nilo.
Este eterno retorno é o valor maior das crenças funerárias, presente desde
os tempos mais antigos: “Vá para que tu retornes! Dorme para que tu despertes!
Morra para que tu vivas”17.

15 “Livro dos Mortos” Cap. XVII.


16 “Livro dos Mortos” Cap. CLXXV.
17 “Texto das Pirâmides” 1975.
14
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

II. ELEMENTOS NECESSÁRIOS AO PÓS-VIDA

Desde os tempos mais remotos a sociedade egípcia estabeleceu práticas


funerárias que visavam marcar a permanência da personalidade do indivíduo
sem insistir em sua mudança de estado; para tanto uma “indústria” e uma
técnica até certo ponto inigualáveis até os nossos dias, desenvolveu-se com o
único propósito de tratar do cadáver e dos aspectos que envolvem a
decomposição do ser biológico (mumificação, bandagens, sarcófagos etc.), mas
também com a firme intenção de afirmar o ser social (túmulo, culto aos mortos,
ritos funerários etc.) com o objetivo de perpetuar as relações sociais do morto
(família, comunidade e Estado).
Três elementos destacam-se como gerenciadores desta coesão social,
mantenedores da personalidade do morto e de um valor metafísico
indispensável à existência póstuma: o túmulo, habitação do morto e local de
contato entre os vivos e o morto; e o nome, elemento de perpetuação da memória
individual e coletiva e o ritual de oferendas, através do qual mantém-se o
contato entre vivos e mortos e entre gerações.
O papel preponderante da tumba egípcia ‚ o de ser o local de contato entre
o mundo terrestre e o Outro Mundo, entre os mortos e os vivos. A chegada do
morto à tumba consagrava a sua entrada na eternidade. Desde os primeiros
tempos, as tumbas aparecem como o local de um novo nascimento e a ruptura
dos níveis de existência. Esta ruptura estaria simbolizada na imagem do poço
que liga e, ao mesmo tempo separa, os mortos dos vivos. No fundo do poço, os
princípios espirituais constitutivos do homem falecido poderiam sobreviver
próximo ao corpo imóvel e conhecer uma existência mais ou menos feliz
segundo a sinceridade e a forma das manifestações do culto que os vivos
devotavam aos mortos. Através deste verdadeiro “poço das almas”,
estabeleciam-se as relações imaginárias entre mortos e vivos.
Com a grave crise do I Período Intermediário, com o ampliar da base social
da qual o Egito recrutava a própria classe dirigente, o túmulo passou a não
mais constituir o objeto de uma concessão real, tornando-se a expressão da

15
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

riqueza individual e símbolo da vontade de seu proprietário em “investir” no


próprio destino póstumo, que até então era uma prerrogativa da aristocracia.
O túmulo dos não privilegiados manteve-se praticamente inalterado desde
os tempos pré-históricos. Trata-se de uma simples cova na zona desértica,
muito semelhante àquelas que se encontram ainda hoje nos cemitérios
muçulmanos mais pobres pelo interior do Egito; nos casos melhores o corpo era
colocado no interior de um sarcófago de madeira de baixa qualidade e
acompanhado por alguns objetos de uso pessoal e um punhado de amuletos.
Sobre a mumificação não é o caso de se falar. Como bem informou-nos
Heródoto, existiam vários tipos de embalsamamentos segundo a possibilidade
econômica da família do morto. O pobre poderia esperar somente a ação da
natureza; envolto em um sudário, o corpo ressecava e conservava-se graças à
proteção da areia quente e seca do deserto.
Contudo, ao que se refere às tumbas dos mais afortunados e poderosos
socialmente vemos que a forma do túmulo varia muito segundo a época, com
características diversas de região para região em uma mesma época, segundo a
natureza do solo na qual a tumba deveria ser escavada e naturalmente segundo
a posição social de seu proprietário.
Todas as tumbas egípcias compõem-se em duas partes mais ou menos
independentes uma da outra, a câmara subterrânea e o maciço da
superestrutura; este último não era, todavia, absolutamente indispensável ao
descanso da alma do morto. A origem destes dois elementos não é a mesma,
correspondendo a dogmas funerários diferentes e seu desenvolvimento
progressivo, ao longo dos séculos, ocorreu independentemente.
A grande distinção não está na localização destas duas partes de todas as
tumbas egípcias de alguma importância, uma no subsolo (a câmara) e outra
acima do solo (a capela), pois existem tumbas, muito numerosas, que são
inteiramente escavadas no solo (hipogeus). Os dois elementos arquitetônicos
constituintes das sepulturas distinguem-se sobretudo pelo seu propósito, que
não é a mesma.
A câmara subterrânea tem por missão abrigar o corpo do morto, enquanto
a capela é o local de encontro dos vivos com o morto, o local onde se
desenvolvem os ritos ligados ao que chamamos de cultos funerários. A câmara,

16
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

salvo raras exceções, é subterrânea, e em princípio inacessível aos vivos; a


capela ao contrário, deve por definição ser acessível, mas pode ser construída,
ou em um edifício sobre o solo acima da câmara, ou diante deste edifício, ou
ainda à frente da câmara mortuária. É na capela que se encontram as estelas
funerárias, diante da qual se desenvolvem os ritos em memória do morto.
A estela funerária é o suporte material da personalidade do morto, possui
um valor evocador e assegura o contato entre o morto e os vivos, bem como
sinal demarcatório de propriedade do túmulo que traz a identidade e a biografia
do morto junto à fórmula de oferenda. A tumba é portanto o prolongamento e a
promotora da integração da vida e da memória social para além da morte. Por
sua monumentalidade e sua visibilidade a tumba é o meio com o qual o morto
permanece presente na vida social. Como nas casas orientais o túmulo possui
um local público (diwân), onde desenvolve-se a vida social à qual se contrapõe
um local privado (harîn) acessível somente ao proprietário.
Para ascender ao status de proprietário de uma tumba e desfrutar de
todos os ritos funerários o egípcio deveria possuir uma posição social
denominada imakhu (im3xw) cuja tradução pode ser “venerável”. Foi um epíteto
aplicado aos deuses, aos reis e aos nobres, no caso dos mortos era aplicado aos
bem-aventurados, aqueles que foram considerados em vida justos e éticos, e
após a morte tinham a sua memória reverenciada e eram honrados com
oferendas funerárias.
Para tanto três requisitos eram necessários:
- exercer uma função que lhe desse acesso ao artesanato, que no Egito
faraônico era monopólio do estado, e aos meios necessários para pagar os
artesãos e os operários responsáveis pela construção e decoração de sua tumba.
- uma progenitura que se encarrega do culto funerário, o que demandaria
bens suficientes para se fazer um legado testamentário capaz de suprir e
realizar todas as cerimônias e rituais funerários.
- possuir uma aprovação pública, um lugar bem assegurado na memória
e na apreciação social.
Qualquer que seja o seu título honorífico, todos os que possuem o título
de imakhu tem, por definição, o status de um proprietário de um túmulo
aprovado pelo reconhecimento público e com um lugar assegurado na memória

17
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

social. O túmulo era, portanto, uma propriedade e o substrato material e visível


da individualidade e ao mesmo tempo uma instituição social.
A função do túmulo como local de contato entre os vivos e os mortos
torna-se evidente quando nos defrontamos com uma categoria de objetos
denominada “Cartas aos Mortos”. Criadas com o propósito de comunicar-se com
os mortos, estas cartas remontam à VI dinastia e permaneceram em uso até a
Baixa Época. Escritas sobre os recipientes cerâmicos destinados a conter as
oferendas alimentares, para textos mais longos eram utilizados o papiro e
tecidos, mas a grande maioria era escrita em tigelas para alimentos, eram
depositadas diante da estela funerária sobre a mesa de oferendas. Nestas cartas
os vivos que se sentiam ameaçados por alguma pessoa já morta, escreviam a
este rogando-lhe que cessem as hostilidades. Se não fosse possível um contato
direto com os espíritos maléficos, pedia-se a algum parente falecido para intervir
contra o culpado diante de um tribunal do Outro Mundo, para que a injustiça
fosse reparada. Está claro então que a idéia de que os mortos poderiam agir
sobre os eventos ou as situações terrenas era tida como um fato, e que uma
injustiça cometida neste mundo poderia ser pleiteada diante de um tribunal dos
mortos. Um outro exemplo de que o túmulo era tido como local de encontro
entre estes dois planos de existência (vida/morte) está no conjunto de textos
designados genericamente por “literatura funerária”, formada por inscrições
tumulares surgidas na IV dinastia. Uma parte destas inscrições endereçam-se
aos visitantes do túmulo e são expostas sob a forma de ameaça:
“A todo homem que fizer aqui qualquer coisa de mal, que me
prenda a esta terra, que destrua uma pedra ou um tijolo desta
tumba que apagaria as inscrições, que faça qualquer coisa
contra meus filhos, eu serei julgado com ele por isso pelo
grande deus, senhor do julgamento, diante do tribunal.
Todo homem que penetrar nesta tumba não estando
purificado, que entrar após ter comido o que é execrável eu me
apoderarei (dele) como se fosse um pássaro”.
Vários delitos são mencionados: Entrar na tumba em estado de impureza,
apagar as inscrições as quais não devem somente dar informações sobre o
morto mas também ter por sua simples existência uma ação eficaz, neste caso

18
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

inclui-se principalmente a supressão do nome do morto; levar os elementos da


tumba a fim de usá-los como material de construção.
Os profanadores são ameaçados por um processo diante do tribunal dos
mortos com penas que podem ser executadas tanto neste mundo quanto no
outro.
Igualmente os votos ilustram esta mesma idéia:
“Todo homem que penetrar no interior (da tumba) e glorificar o
deus (o morto), o mesmo ser feito em seu favor”.
“à vós viventes sobre a terra que passam diante deste túmulo
descendo ou subindo o rio, dizei: milhares de pães e de tigelas
de cerveja para o proprietário desta tumba, e eu intercederei
em seu favor no Mundo Inferior”.
Ao nível da organização simbólica da arquitetura egípcia, nada destingue
a casa do deus (templo) da residência dos vivos e dos mortos (túmulo). Templo,
casa e túmulo encarnam, cada um a sua maneira a imagem tripartite do
universo egípcio: céu, terra e mundo subterrâneo. Todo edifício, seja qual fosse
a sua utilização, deveria, para ser eficaz, reproduzir a organização do mundo.
Neste caso os túmulos expressariam três partes essenciais a religião
funerária: a solarização do morto realizada no recinto aberto diante da entrada
do túmulo onde ocorria o ritual de “Abertura da boca”, a fim de reanimar as
faculdades momentaneamente interrompidas pela morte. A função seguinte
seriam as oferendas “horusianas” realizadas na capela funerária ou no corredor
de acesso, reproduziam as oferendas feitas por Hórus a seu pai Osíris no dia de
seu sepultamento. A terceira era a osiríaca, cujo objetivo era a regeneração do
morto associado ao nascimento no Outro Mundo, representada pelo poço e pela
câmara funerária onde o sarcófago com a múmia repousava.
Assim o túmulo exprime os três níveis da existência, simbolizados pelas
três divindades: Rê o céu, Hórus sobre a terra e Osíris no mundo subterrâneo.
Em adição à simbologia da câmara mortuária, em alguns casos ela
poderia representar o cosmos inteiro: o teto representando o céu e o solo a terra,
enquanto que o sarcófago representaria a elevação original surgida do oceano
primordial. Considerado de grande importância para a mitologia egípcia, devido

19
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

ao aparecimento espontâneo de vida sobre a elevação original nos mitos da


criação.
A contradição entre a tumba, que deve ser hermeticamente fechada, e a
necessidade de locomoção do morto ‚ somente aparente. A tumba é o meio onde
se prepara a libertação da “alma” (bá), suas portas abrir-se-ão para o morto.
Assim como o sol sai das trevas, o morto libertar-se da obscuridade da tumba.
Um fator importante no desenvolvimento das tumbas egípcias foi a
necessidade de prover um espaço de estocagem para os itens do equipamento
funerário, que eram considerados essenciais para o uso do morto no pós-vida.
Em pequenas covas das culturas Pré-dinásticas não teria sido um grande
problema a estocagem dos artefatos funerários, já que estes eram limitados e
consistiam primariamente de vasos de cerâmica, junto com poucos objetos
pequenos tais como ferramentas de sílex e paletas de cosmético em ardósia.
Estes objetos podiam facilmente ser acomodados dentro de uma cova de
dimensões modestas, agrupados em volta do corpo fletido, em uma única
câmara. Porém com o acúmulo de riquezas de algumas camadas da população,
ocorrido principalmente após a unificação do Egito, levou a um crescimento
correspondente na quantidade do material incluído no equipamento funerário,
o que levou ao desenvolvimento de tumbas maiores com câmaras de estocagem
na superestrutura, no caso das mastabas, (principalmente após a V dinastia) e
posteriormente em câmaras anexas nos hipogeus.
A tumba era o local onde o ká do morto habitava, ou mais precisamente,
no corpo mumificado, na sua efígie, na estela funerária e nas estátuas do morto
depositadas na tumba, isto é, as formas em que o morto recebia suas oferendas.
A usual fórmula de oferendas reflete isto: “...oferendas de bois, aves e todas as
coisas boas e belas para o ká de (nome do morto)”.
A capela funerária era algumas vezes chamada "a casa do ká”. O túmulo
também era de vital importância para o bá principalmente a câmara mortuária
para onde ela retornava todas as noites a fim de coabitar com a múmia.
O funcionamento eficiente de qualquer tipo de capela funerária dependia
dos parentes do morto ou de um sacerdote encarregado dos ritos corretos e
regulares, como veremos mais adiante. Todavia nenhum culto funerário poderia
continuar indefinidamente, como seria o desejo para o bem estar do morto; salva

20
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

guardas eram necessárias a fim de suprir a possível interrupção no


fornecimento de oferendas alimentares. Já vimos como uma estátua era
acreditada poder substituir o corpo mumiforme, tornando-se o local de
descanso do ká, este tipo de crença, porém, foi estendido também às oferendas
representadas em relevos e pinturas nas paredes da capela e sobre as estelas
funerárias, pois as cenas poderiam, magicamente, tornar-se substitutas a fim
de prover todo o necessário para o morto.
Esta é a razão pela qual muitas das decorações de tumbas consistem de
repetidas cenas mostrando procissões de pessoas trazendo comida e o
proprietário da tumba sentado diante de uma suntuosa refeição. As muitas
representações de tais imagens nas paredes atuavam como um substituto para
os eventos representados e asseguravam a continuidade da vida do morto para
quem fora preparada a tumba.
Esta visão “utilitária” da arte fez com que não somente as provisões
fossem retratadas, mas também os estágios de preparação da comida, incluindo
a semeadura e a colheita dos cereais, a criação e o abate dos rebanhos. O poder
das cenas e prover as necessidades do morto poderia sobreviver enquanto
durassem as mesmas, o que era uma garantia de um fornecimento regular de
oferendas, mesmo com o fim do culto funerário.
Durante o Médio Império era costumeira a representação de oferendas
alimentícias entre as pinturas nos caixões junto com ilustrações de outros itens
do equipamento funerário. Normalmente o conteúdo preciso das cenas era
especificado por inscrições rotulando os vários objetos.
A natureza funcional das pinturas e relevos egípcios têm um profundo
efeito sobre as convenções que governavam a reprodução de imagens. Seres
vivos e objetos não eram retratados como apareciam, mas pela forma a mais
reconhecível e completa possível, sem perspectivas enganadoras ou sombras
que pudessem levar a uma representação incompleta, tornando-a sem função
para o morto, isto é, para a crença funerária um objeto não visto era um objeto
que não existia.
Uma clara demonstração desta crença na substituição das oferendas por
relevos e pinturas é dada pelo grande número de mesas de oferendas conhecidas
por hetep (Htp).

21
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Além da mesa hetep os egípcios também faziam as suas oferendas aos


mortos colocando-as sobre um pedestal com quatro pernas ou uma mesa
circular apoiada sobre um único suporte central, ambos eram chamados khaut
(xAwt), isto é, altar. A mesa com um único suporte sobreviveu tanto no Egito
quanto na Síria, até os dias de hoje chamada khuwân, bem como a mesa com
quatro pernas que se transformou no altar das igrejas coptas.
Desde tempos Pré-históricos oferendas aos mortos eram feitas sobre
pequenas esteiras de juncos entrelaçados colocados sobre as sepulturas. Ainda
no Pré-dinástico as esteiras foram substituídas por lajes em pedra no mesmo
formato, uma prancha retangular feita usualmente de calcário, basalto ou
granito, com uma projeção em cada lado que ‚ muitas vezes chanfrada, que
servia como um tipo de calha. A palavra que designa desde os tempos mais
remotos estas mesas de oferendas é hetep e as oferendas postas sobre elas
hetepet. O significado para hetep era o de “oferenda para altar” e também “paz”,
“satisfação” e “felicidade”. Estas mesas hetep trazem gravadas sobre a face
figuras das coisas ofertadas: bolos, pães, gansos, carnes, frutas etc., e
normalmente possuem inscrições nas bordas das mesas em que Anúbis e Osíris
são invocados a prover o sustento do ká do morto. No Novo Império também os
vasos hés (Hs) usados na purificação das oferendas passam a ser gravados nas
mesas. A maioria das estelas retratam a utilização da mesa hetep e a purificação
das oferendas alimentares por um personagem que verte um líquido,
provavelmente água com natrão, de um vaso hés sobre a mesa.
Como uma alternativa ou um suplemento para a provisão de relevos e
pinturas, o fornecimento de oferendas poderia ser garantido por modelos que
eram considerados tão úteis à vida Além-Túmulo quanto os próprios objetos
reais.
Os primeiros tipos de modelos a serem usados eram pequenas cópias em
pedra e simulacros de vasos cerâmicos, já comuns em tumbas da I dinastia.
Seu uso foi grandemente estendido no Antigo Império, onde modelos eram
colocados nas capelas das mastabas no lugar de seus equivalentes maiores.
Porém, o Médio Império foi o período em que foi feito o maior uso de modelos
funerários, não somente como cópias de objetos individuais (vasos,
ferramentas, embarcações, alimentos etc.) mas também para representar

22
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

atividades da vida diária. Esses modelos funcionavam magicamente como


sustento do morto, da mesma forma como as pinturas tumulares. A maioria
eram feitos em madeira ou rocha estucada e pintada ilustrando episódios da
preparação de comida e bebida e o cultivo e estocagem de grãos.
Estes modelos miniaturísticos permaneceram em uso até o final do
período faraônico, são deles que provém uma grande parte de nosso
conhecimento da vida cotidiana egípcia.
A partir do Novo Império a responsabilidade das tarefas em favor do morto
foi transferida dos modelos para as shabtis que passaram a trazer ferramentas
agrícolas, cestos, vasos e outros equipamentos necessários à produção de
alimentos para o morto no outro mundo.
Embora a preparação de um túmulo e de equipamento funerário fosse
objeto de uma atenção especial durante a vida de um egípcio, nada mais era do
que um meio de perpetuar o nome do morto pelo maior tempo possível.
O nome é uma das “manifestações” espirituais mais características da
cultura egípcia, é através dele que se exterioriza um conceito mental, que é
criado materialmente, dando-lhe uma existência visível (escrita) e audível (voz).
Formar o nome de alguém ou de algo é equivalente a confeccionar uma
imagem que toma vida no momento que a boca a pronuncia. O nome é uma
imagem que se confunde com seu objeto, torna-se o próprio objeto, adaptado ao
uso do pensamento. Ele era para um egípcio uma realidade concreta e uma das
formas do pensamento.
Por isto na mitologia egípcia, o poder criador do Demiurgo era expresso
pelo “verbo criador”, que nomeou todas as coisas dando-lhes existência. A
semelhança do Gênesis I (hexamerão) e II 19-20 expresso em João I, 1, “No
princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus”. O
pensamento criador era formado no coração de Deus enquanto que o
instrumento da criação era a sua língua. Todo o verbo era primeiro um conceito
do coração para depois tomar forma e se realizar através da palavra. Desta
forma a Divina Assembléia de Heliópolis era descrita como sendo parte
integrante de Deus “como seus dentes e lábios, que correspondem ao sêmen e às
mãos de Atum”. Esta associação entre dentes e lábios com o sêmen e as mãos,
refere-se ao mito em que o mundo foi criado pela masturbação do demiurgo.

23
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

O nome, portanto, era para os egípcios a própria criação, sem nomes o


mundo material tornar-se-ia um mar de matéria incontrolada. No momento do
nascimento, quando sua mãe lhe atribuía um nome, estava dando-lhe a sua
própria natureza e marcando o seu destino, cada vez que fosse pronunciado.
Este conceito está explícito em nomes pessoais como: Renseneb “Possa
meu nome ser bom”; Renefankh “Possa meu nome viver”; Nakht “Força”; Nedjmt
“Doce”.
Como já foi dito, todo aquele que de alguma maneira cria ou copia uma
imagem, cria também um novo ser e se a esta imagem ‚ adicionado um nome,
ela passa a evocar ao mesmo tempo uma parte da alma original. Uma
conseqüência desta crença em um nome-imagem é a importância social do
artista-artesão, revelada pela terminologia que define a sua profissão seankh
“aquele que faz reviver”.
Da mesma forma que dar um nome a uma pessoa era dar-lhe uma
existência, apagar o nome de um indivíduo equivaleria à sua destruição. Sem
nome ninguém poderia ser identificado pelos deuses e assim, como o homem só
passava a existir neste mundo após ter o seu nome pronunciado, da mesma
forma a sua existência futura só seria possível com a sua perpetuação. A obra
do artista egípcio é análoga àquela do demiurgo. Em cada imagem que ele
confecciona é refeito o ato inicial da criação.
Esta crença no poder criador, aniquilador, constrangedor e enfeitiçador
da palavra determinou todo o comportamento dos egípcios em face à morte:
nomear uma pessoa era fazê-la existir após o seu desaparecimento físico, e
quanto mais numerosas fossem os sinais de reconhecimento de seu nome mais
segura estaria a sua existência no mundo dos mortos. Um provérbio egípcio diz:
“seja de quem for o nome pronunciado, então ele vive”. É por isto que a capela
funerária e todo local de culto ao morto em geral agrupavam o máximo de
indicações, as mais explícitas possíveis sobre o morto.
Não só a permanência do nome do morto entre os vivos era indispensável
mas a garantia de que o próprio morto não se esqueceria de seu nome, de modo
que o seu ká e o seu bá pudessem reencontrar e reconhecer-se como
pertencentes ao mesmo indivíduo. O ká e o nome (ren) eram de tal modo
inseparáveis que durante o Período Ptolomaico ambas serviam para designar as

24
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

mesmas idéias. Assim o equipamento funerário depositado no interior da tumba


era preenchido com o nome e títulos do morto. Esta preocupação é expressa no
“Livro dos Mortos” por um capítulo exclusivo intitulado “Fórmula para fazer com
que o morto se lembre de seu nome no Reino dos Mortos”, em versões mais
recentes, datadas do Período Ptolomaico conhecidas por “Livro das Respirações”
a litania “Para conservação do nome” torna-se um elemento central.
A preocupação com uma segunda morte causada pelo esquecimento do
nome seria um fenômeno que se intensificou com o passar do tempo. Se
compararmos o “Livro dos Mortos”, datado do Novo Império, com o “Livro das
Respirações”, do Período Ptolomaico, apenas o capítulo XXV do “Livro dos
Mortos” é dedicado a este tema enquanto que no “Livro Segundo das
Respirações” a preservação do nome toma todo o texto IV. No entanto, já nos
“Textos das Pirâmides” o tema da preservação do nome tinha destaque nas
fórmulas 601, 1650 a 1653 e 1660 a 1671.
O nome passou a ter um valor capital no culto funerário a partir da Baixa
Época, quando o custoso de um serviço regular de oferendas alimentares foi
substituído por um processo verbal, mágico, onde era suficiente recitar a antiga
fórmula de oferendas e introduzir evidentemente o nome do morto aos quais
estariam assegurados todos os bens alimentares enumerados na oração: “a vós
viventes sobre a terra que vêm a esta necrópole. Cada um de vós que vêm para
fazer oferenda nesta necrópole, cite o meu nome no momento da libação de água.
Pois eu sou um homem que deve ter o seu nome pronunciado”, texto extraído da
tumba de Petosíris em Tuna el-Gebel. Assim no momento final da cerimônia de
oferendas quando a libação de água purificava as oferendas e o local o nome do
morto deveria ser dito.
O culto funerário irá também associar o nome do morto àqueles das
maiores divindades do Egito, permitindo a sua alma desfrutar todos os dias das
oferendas regulares feitas nos templos: “Que meu nome seja durável em Tebas
e nos nomos todos os dias e para sempre como é durável o nome de...”, (Texto
extraído da tumba de Petosíris em Tuna el-Gebel) segue o nome de trinta
divindades e seus respectivos nomos. As grandes divindades eram possuidoras
de vários nomes, um sinal de seu poder, por exemplo Ísis era tida como
possuidora de mil nomes. Assim o morto chamado de Osíris teria as qualidades

25
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

regenerativas do deus e compartilharia das oferendas dedicadas a ele. São


vários os exemplos que ilustram esta ligação entre o nome do morto com o de
Osíris, particularmente nas shabtis (ushabtis). A fórmula gravada nas shabtis
além de uma forma de perpetuar o nome do morto (memória), os títulos
(condição social) e sua ascendência (nome dos pais), também a determinação
de conferir-lhe uma substância, isto é‚ o texto pela simples enunciação de que
a figura responderia ao chamado do morto, assegurava o seu funcionamento
desejado.
Verbo e magia conjugam-se de uma maneira natural no espírito egípcio
para criar fórmulas e textos que darão ao morto poderes eficazes contra as
forças hostis que possam impedi-lo em sua jornada ao Outro Mundo.
O acesso ao “Mundo Inferior” só é permitido àquele que conhece os nomes
das sete portas e de seus respectivos guardiões que conduzem aos domínios de
Osíris18, os nomes das vinte e uma portas dos “Campos dos Juncos” 19 e das
almas de Heliópolis, Buto, Hieracômpolis e Hermópolis20. A “Sala da Dupla
Maat” só seria permitida ao morto que soubesse os nomes de todos os elementos
que compunham o portão de entrada (ferrolhos, lintel, tranca, encaixes, portas,
ombreiras e as pranchas do chão)21. O próprio julgamento da alma do morto era
descrito como “o julgamento das palavras” (wDa mdw) isto é‚ a pesagem das ações
e dos atos, já que mdw significava tanto a ação quanto a palavra.
O epíteto ligado aos mortos mais freqüente nos objetos funerários é
“justificado” (mAa-xrw), isto é‚ “verdadeiro de palavra” uma forma de tornar o
morto conhecedor de todos os nomes necessários (deuses e demônios) e das
“palavras de poder”, isto é, os encantamentos e fórmulas mágicas a fim de que
possa remover de seu caminho qualquer obstáculo.
Verbo e magia conjugam-se de maneira natural no espírito egípcio a fim
de criar fórmulas e textos que dão ao morto poderes eficazes como vimos no
caso dos trigramas, afinal os próprios amuletos em grande parte devem o seu

18 “Livro dos Mortos” Cap. CXIX, CXLIIa e CXLIV.


19 “Livro dos Mortos” Cap. CXLV-CXLVI.
20 “Livro dos Mortos” Cap. XCVI, XCVII e CXI-CXVI.
21 “Livro dos Mortos” Cap. CXXV.
26
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

poder mágico ao fato de serem hieróglifos “petrificados” que prolongam e


mantêm para a eternidade a magia do verbo.
Pela atribuição de um nome o homem torna-se um indivíduo diferenciado,
possuidor de uma personalidade, uma identidade reconhecível e um destino
que deverão ser mantidos para além da morte: “(...) pronunciem meu nome,
evoquem minha titulatura, louvem a minha imagem ... coloquem meu nome na
boca de vossos servidores e a memória de mim junto a seus filhos...” (texto
extraído da estela de Thutmés I, atualmente no Museu do Cairo).
Posto que a vida não pode ser concebida sem os alimentos que a mantém,
os egípcios não poderiam deixar de evocar a propósito da morte os alimentos,
juntamente com outras categorias de oferendas, que constituíam um meio
simbólico de transcendê-la.
Vida, morte e alimento unem-se estreitamente no pensamento dos
egípcios antigos. De fato morre-se por inanição, por falta de força e de alimento,
tanto neste mundo quanto no próximo: “...Ergue-te ó Rei, toma tua cabeça, junta
teus ossos, reúne teus membros, sacode a poeira de tua carne! Toma teu pão que
não é pouco e tua cerveja que não azedar”22. Um dos maiores temores dos
egípcios era a possibilidade de não dispor de qualquer alimento no mundo dos
mortos, sendo obrigado a comer o que lhe abominava: encontramos no “Livro
dos Mortos” a “fórmula para não comer excrementos e não beber urina no Reino
dos Mortos”23, pela qual o morto teria a sua disposição os alimentos dos deuses.
O morto procurava identificar-se com o deus Hetep, das oferendas
alimentares24. O próprio rei buscava escapar da fome e da sede compartilhando
o alimento com os deuses:
“Ó fome não venha até Téti...Téti não tem fome, graças ao pão
de Hórus que ele comeu... Téti não tem sede, como o deus Shu
também não tem”25.
Uma parte importante do material destinado a acompanhar o morto
tomava a forma de oferendas alimentares, necessárias a sua sobrevivência. Um

22 “Textos das Pirâmides” 373.


23 “Livro dos Mortos” Cap. LIII, que possui um equivalente em “Texto dos Caixões” 213.
24 “Livro dos Mortos” Cap. 110.
25 “Texto das Pirâmides” 551-552.
27
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

dos tipos mais freqüentes de oferendas alimentares, desde os primeiros


sepultamentos, consistia em depositar no túmulo uma porção de comida e
bebida junto ao corpo. Durante o Antigo Império a sofisticação na armazenagem
das oferendas chegou ao ponto em que silos e armazéns eram conectados com
as câmaras funerárias dos grandes túmulos.
A partir da II dinastia, o suprimento de comida e bebida tomou a forma
de uma refeição completa, a maneira servida aos vivos, colocada na tumba em
pratos de pedra ou cerâmica, diante da “porta falsa”.
Tais refeições poderiam ser desfrutadas perpetuamente ou até que fossem
removidas ou destruídas. O fato de que as provisões nunca fossem consumidas
significaria que estariam sempre à disposição do morto e que este obteria o seu
sustento necessário alimentando-se do ká das oferendas.
Os animais sacrificados como oferendas aos mortos eram empilhados
sobre os altares, preferencialmente as partes consideradas nobres de um touro:
cabeça, pata dianteira esquerda, fígado, coração; bem como patos e gansos e
também gazelas e órix. Sendo proibida aos mortos e aos deuses a oferta de
peixes, lebres.
Todos os animais abatidos eram associados ritualmente com os inimigos
do morto e dos deuses: “Eu abati para ti aquele que te ofendeu”26.
Durante a Baixa Época o touro sacrificado era de cor avermelhada, isto
segundo Plutarco seria uma identificação com o deus Seth, pois ele mesmo teria
esta cor. Outra atribuição “sethiana” dos touros era o fato de que desde o Antigo
Império acreditava-se que Osíris (Népri) era a cevada que era debulhada pelo
pisoteio de touros da mesma forma como Seth havia cortado o deus em pedaços.
Desta forma ao sacrificar o animal estaria também sendo garantida a destruição
das forças contrárias à ressurreição do morto. O touro era tido desde os “Textos
das Pirâmides” como uma das formas de deslocamento do morto, que o conduz
sobre as costas pelo céu do norte27, esta crença é representada em cenas
pintadas nos pés de caixões e cartonagens da Baixa Época onde a figura de um
touro a galope é mostrada com uma múmia presa às costas. Este touro

26 “Texto das Pirâmides” 1544-1550.


27 “Texto das Pirâmides” 2047c e 2136b.
28
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

chamado Nega nos “Textos das Pirâmides” foi identificado posteriormente com
Ápis que possuía uma estreita ligação com Osíris.
Normalmente inacessível à maior parte da população a oferenda de
animais sacrificados limitava-se à cabeça e à pata dianteira de um touro e à
cabeça de um ganso, que eram deixados sobre a mesa de oferendas ou colocados
em um fosso externo ao túmulo.
A presença do morto como indivíduo que habita na tumba comporta uma
outra forma de consumo de bens: aquela que conhecemos como provisões
funerárias, isto é, as oferendas que não tomaram a forma de gêneros
alimentícios, que poderiam ou ser feitos especialmente, destinados somente ao
uso funerário, ou poderiam ser as posses de uso diário que o proprietário
desejava levar consigo ao outro mundo como caixas, cadeiras, camas e similares
além de equipamentos para cosmético, brinquedos, instrumentos musicais,
ferramentas e armas.
A obrigação de se ofertar alimentos ao morto no dia de seu funeral não
era aceita pelos egípcios como sendo suficiente para a sua sobrevivência, a
regularidade na deposição das oferendas na tumba teve início no Período Tinita,
inicialmente em benefício exclusivo do rei morto. Como foi dito anteriormente
houve um período da história egípcia que somente o rei era possuidor de uma
alma imortal o que o tornava o centro de um culto funerário específico.
Durante a III dinastia um serviço regular de oferendas alimentares foi
estabelecido tendo como centro a “Casa da Eternidade” (pr-Dt), um órgão
administrador do culto real ligado ao palácio que tinha por função oficiar
diariamente o serviço de oferendas no templo funerário em benefício dos reis
mortos. Tal organismo funcionava em um sistema de fundação que mantinha o
corpo sacerdotal, o templo funerário e tudo o que fosse necessário ao culto. O
cargo principal desta fundação era o de “Chefe das Oferendas” (Hr Htpw) ocupado
por um dos grandes personagens da corte ou por um dos filhos do rei.
Assim como o rei em vida protegera e alimentara os seus fiéis servidores
(imakhu) também na morte continuaria a fazê-lo.
O rei, no Egito, era o único proprietário do solo e de seus recursos
portanto o único que poderia autorizar a construção de uma tumba, utilizando
para tanto os recursos materiais do Estado, que eram então postos a serviço de

29
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

seus protegidos. Por extensão deste favor os cortesãos mortos também se


beneficiaram das oferendas previstas para o culto real. Estas oferendas eram
consagradas juntas, em um mesmo local no templo funerário da necrópole, em
seguida repartidas segundo uma ordem de importância sobre as mesas de
oferendas das diferentes mastabas.
Os beneficiários desta fundação real eram admitidos por um decreto cujo
texto era gravado sobre as paredes da capela e da câmara funerária das
mastabas e também sobre as mesas de oferendas e onde diz: “Oferendas-que-o-
rei-dá a um tal ou tal deus e ao ká de N. nascido de N.”, seguido de uma longa
enumeração de alimentos e produtos variados, normalmente designados como
“todas as coisas boas e puras”.
Este sistema de fundação funerária só pode subsistir enquanto o poder
real era estável e muito rico e enquanto o número de beneficiários era
relativamente pequeno.
Com o declínio do poder central, no final do Antigo Império, que culminou
com a descentralização administrativa e o empobrecimento da monarquia e ao
mesmo tempo favorece a evolução social das classes, até então desprestigiadas
da população.
Isto fez com que aqueles que asseguravam o seu culto funerário graças a
um favor real buscassem, segundo os seus próprios recursos cumprir os ritos
funerários. É evidente que se o ritual de oferendas regulares era facilmente
realizável em pequena escala pelos descendentes diretos do morto, o mesmo
não aconteceu quando a multiplicação dos cultos geração após geração
tornaram o ritual demasiado dispendioso. Surgem então as fundações
funerárias semelhantes à “Casa da Eternidade” que destinava ao culto de um
morto um patrimônio cuja receita fosse suficiente, a fim de garantir tanto o
culto ao morto e a manutenção da tumba quanto o sustento de um sacerdote
funerário, o “servidor do ká”, responsável pela execução dos ritos.
A concepção da fórmula de oferendas muda, a velha fórmula é substituída
por: “Oferendas-que-o-rei-dá a Osíris (ou Anúbis) para que este dê oferendas ao
ká de N.”. O rei no lugar de fazer uma oferenda ao morto conjuntamente com
alguma divindade, faz oferendas ao deus, a fim de que este possa transferir uma
parte em favor do morto, transformando-o em um comensal do deus.

30
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Todavia a denominação nswt di Htp, que se lê Htp di nswt, é traduzida tanto


“Oferendas-que-o-rei-dá” como “oferendas reais para”. Esta fórmula era também
empregada nos templos em benefício aos deuses e continuou a ser aplicada às
oferendas e transcritas nas paredes das tumbas e no mobiliário funerário,
mesmo se elas fossem ofertadas exclusivamente pelas pessoas cujo dever
incumbiu-as de fazê-lo, ou seja os familiares, cuja obrigação mais sagrada era
a de cuidar da tumba e de manter vivo o nome de seus mortos através da
recitação regular da fórmula de oferendas e pela deposição regular de oferendas:
aniversário da morte, ano novo, dias santos e festivais da necrópole.
Inicialmente o deus portador das graças reais era Anúbis, o grande deus das
necrópoles, eventualmente acompanhado pelo deus da necrópole local onde o
morto estava sepultado. Com o crescimento do culto de Osíris, este passou
finalmente a ocupar o lugar de Anúbis na fórmula de oferendas.
Com o Médio Império este sistema de fundação modifica-se para uma
espécie de pecúlio funerário afim de garantir a perpetuação do culto. Para tanto
é criada uma disposição contratual entre o proprietário da tumba e o seu futuro
“servidor do ká” na qual fica estabelecido que, quando da morte do sacerdote
somente um de seus filhos assumiria o seu lugar de sacerdote funerário. Esta
disposição buscava evitar os gastos dispendiosos e o progressivo abandono do
culto dividindo-se as obrigações sacerdotais entre seus herdeiros.
Estes sacerdotes funerários pertenciam ao clero de um dos deuses
funerários, Anúbis e Osíris, e na maior parte do tempo eram independentes dos
santuários, formando uma espécie de confraria profissional completamente
desvinculada do culto dos deuses e das atividades externas aos templos
desempenhadas pelos outros sacerdotes.
Paralelamente passou-se a ser permitido, a quem pudesse arcar com as
despesas, instalar sua própria estátua nos templos e consagrar diante dela uma
mesa de oferendas e com isto beneficiar-se de parte das oferendas cotidianas
feitas ao deus.
Neste período cresce a idéia, segundo a qual, a aparência do rito era
suficiente para se recriar a realidade dos objetos evocados e aumentar a
importância das cenas que decoram as tumbas. Desta forma surgem as

31
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

miniaturas de servidores e as shabtis que trabalharão nos campos do “Mundo


Inferior” a fim de alimentar os deuses e o morto.
Estas crenças permanecem praticamente inalteradas durante o Novo
Império.
A partir do Médio Império surge a “invocação de oferendas” pert kheru (prt-
xrw) que consistia na leitura de uma lista de oferendas, o que era suficiente para
que elas, magicamente, viessem a existir.
Com a Baixa Época as últimas ilusões dos mortos em buscar a solicitude
de seus descendentes recai sobre a própria fórmula de oferendas, embora ainda
sejam feitas oferendas em espécie, crescem os apelos aos visitantes da necrópole
para que pronunciem a fórmula e façam uma simples libação de água invocando
o nome do morto.
A instalação do equipamento funerário e a deposição das oferendas na
tumba foram, em todos os períodos, acompanhadas por certos ritos, cujos
detalhes seriam demasiadamente complexos para serem tratados aqui. De
modo geral estes rituais se localizavam na parte pública da tumba isto é‚ no
lado externo. Nosso conhecimento destes ritos é essencialmente do Novo
Império, pela decoração das tumbas reais e civis da necrópole tebana e os ritos
são apresentados sob a forma de cenas acompanhadas de legendas explicativas.
Uma descrição do cortejo fúnebre e das cerimônias que precedem o
sepultamento foi-nos transmitida por meio de uma inscrição da tumba de
Amenemhat, em Beni Hassan, da XII dinastia:
“Um belo funeral chegava em paz, seus setenta dias tendo
sido completados em seu local de embalsamamento, sendo
colocado em seu trenó...e sendo puxado por jovens touros, o
caminho sendo aberto com leite até você alcançar a porta de
sua tumba.
Os filhos de seus filhos, unidos harmoniosamente, choram
com os corações cheios de amor. Sua boca é aberta pelo
sacerdote leitor e sua purificação é feita pelo sacerdote Sem.
Hórus restabelece-lhe sua boca e abre-lhe os olhos e os
ouvidos, sua carne e seus ossos estão completos em tudo que
lhe pertence. Fórmulas mágicas e glorificações são recitadas

32
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

para você. É feita a você uma oferenda-que-o-rei-dá, seu


próprio coração sendo verdadeiro com você, seu coração de
sua existência terrena, você tendo chegado a sua forma como
no dia em que você nasceu. É trazido para você o Filho-que-
você-ama, os cortesãos fazendo homenagens [você] entra em
uma terra dada pelo rei, no sepulcro do oeste” (Texto extraído
da tumba de Amenemhat).
Parte do texto acima refere-se à cerimônia que ocorria à entrada da tumba
conhecida por ritual de “Abertura da Boca” (wpi-r). O propósito deste ritual era
o de restaurar ao morto os poderes da fala, da visão e da audição e de tornar
cada um dos órgãos do morto capaz de retomar as suas funções e ele mesmo
retornar à vida para a sua existência póstuma.
As suas origens remontam ao início do Período Dinástico, quando não
possui nenhuma ligação com as práticas funerárias. Seu propósito era o de
consagrar as estátuas dos reis e dos deuses, animando-as magicamente a fim
de serem estabelecidas nos locais de culto apropriados. Este rito era praticado
pelos sacerdotes associados ao culto de Ptah e de Sokar em Mênfis. Esta
“Abertura da Boca” mágica permaneceu em prática durante toda a história
egípcia. Paralelamente no Período Tinita, uma “Abertura da Boca” funerária foi
introduzida nos rituais funerários reais com o propósito de restituir-lhes suas
faculdades vitais.
Com a difusão dos ritos funerários do domínio real para o privado, passou
a ser realizado também nos sepultamentos particulares, combinando a
cerimônia de oferendas do culto funerário real com a do culto divino cotidiano.
Inicialmente realizado em uma estátua do morto, passou durante o Novo
Império a ser realizado na própria múmia. O corpo em seu estojo antropomórfico
era seguro em pé diante da entrada da tumba por um sacerdote com uma
máscara de chacal personificando o deus Anúbis. A adoção dos caixões
antropomórficos a partir do Novo Império teria justamente como objetivo
retratar o morto e permitir que o corpo mumificado fosse mantido ereto durante
esta cerimônia.
Dois outros sacerdotes, conhecidos como sacerdote-Sem e o “Filho-que-
ele-ama” (sA-mri=f), tocavam a boca da múmia com vários instrumentos rituais

33
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

restaurando os sentidos do morto; em seguida era simbolicamente ungido,


vestido e maquilado, uma recordação da antiga cerimônia em que a imagem do
rei era vestida.
Ao lado destes dois aparecem esporadicamente outros sacerdotes e um
certo número de figurantes. Na Baixa Época a responsabilidade em oficiar o
ritual de oferendas é transferida do “Chefe-indicador-de-oferendas” (Hr-wDb)
para o “Sacerdote-leitor” (Xr-Hbt), o que indicaria o predomínio da palavra sobre
o ritual. Isto é‚ a mudança de um estado no ritual onde nomear os alimentos
seria suficiente para o morto.
Finalmente, após diversos incensamentos e fumigações acompanhados
por preces, o oficiante preparava a primeira refeição funerária. As oferendas
eram purificadas, os animais consagrados e abatidos. Eram lidas então
glorificações ao morto enquanto era feita uma libação e o convite para que este
viesse consumir as oferendas.
A confirmação do rito era obtida por uma recapitulação de todo o ritual
simbolizado pelo gesto do sacerdote Sem, tocando uma última vez a boca da
múmia.
A cerimônia termina com a descida da múmia à câmara funerária e com
a tumba sendo selada. O morto que até então encarnava as funções passivas
ligadas à morte passava, pelos ritos a uma nova existência, com suas funções
vitais restabelecidas. O morto tendo recuperado seus meios conscientes, graças
aos ritos de auto reconstituição, poderá tomar a frente de sua nova existência,
restituído de suas faculdades momentaneamente perdidas no instante em que
o “sopro da vida” lhe foi retirado.
De fato, nem todas as etapas do ritual eram realizadas, em muitos casos,
a cerimônia teria sido simplificada devido ao seu alto custo e também porque
as próprias cenas que a representavam no interior da tumba poderiam agir
magicamente como substitutas do ritual.
Esta “Abertura da Boca”, que no início não tinha nenhuma relação com
culto de Osíris, foi durante o Médio Império como tudo o mais que dizia respeito
ao mundo dos mortos, incorporada pelo seu mito passando a ser considerada
como o ritual que Hórus realizou para seu pai Osíris. Hórus foi conectado com
o título sacerdotal de “Filho-que-ele-ama”, tornando-se o sacerdote uma

34
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

representação de Hórus como o filho herdeiro de seu pai morto. O mito de Osíris
conferiu ao ritual de “Abertura da Boca” e ao serviço de oferendas uma noção
de piedade filial e de legitimidade dos herdeiros perante a sociedade. Os egípcios
acreditavam que o responsável pela realização dos ritos funerários fosse o
primogênito do morto, não tendo esta possibilidade a filha mais velha ou o seu
parente mais próximo, e em último caso o seu melhor amigo, que assim
estabeleceria os seus direitos de herança, desde que assumisse o papel de
Hórus.
É claro que, ao delegar a responsabilidade dos ritos a um sacerdote, o
filho não perderia os seus direitos, desde que providenciasse os recursos
necessários para a sua realização.
Pelos ritos funerários, os egípcios buscavam não somente uma comunhão
entre os deuses e os homens, mas também entre eles próprios. Os rituais
funerários eram o elo entre as gerações. O pai morto tornava-se o recém-nascido
e o filho herdeiro um novo pai para a família. A morte reverte os papéis, muda
o protagonista das gerações que se ligam graças à solidariedade dos ritos. Se o
pai engendrou fisicamente o filho, este por sua vez, oficiando os ritos abre a seu
pai as portas de uma nova vida espiritual, o filho tornando-se o pai espiritual.
Se o pai se completa por meio de seu filho este se completa em seu pai, o rito
ativa o ciclo de solidariedade entre as gerações.
Como vimos, a morte é uma etapa que conduz o indivíduo a assumir uma
forma diferente de existência que difere da vida pelo fato de ser mais efetiva.
Portanto, a solidariedade em torno do morto no momento dos funerais assim
como após o sepultamento faz-se pelo fato de que no Egito os mortos dependem
dos vivos mais do que estes dos mortos.
Esta solidariedade ativa só se interrompe pela falta de memória, isto é,
quando o ontem não existe mais. A memória expressa no túmulo, no nome e
nos rituais funerários mantém o presente ligado ao passado, sem ela só haveria
um eterno hoje e o mundo social dissolver-se-ia, pois para os egípcios a morte
era menos uma morte biológica efetiva do que a extinção do ser social com a
perda individual e grupal da memória. Neste sentido a morte social era para um
egípcio fonte de preocupações maiores do que a extinção do suporte físico da
memória.

35
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

A memória social assim como a individual, desintegra-se quando o


passado é esquecido, “a trama da solidariedade desintegra-se também e o mundo
torna-se um campo de batalha onde um combate o outro”. Ela é a ligação que
engloba o “ontem” unido ao “hoje” dando uma conseqüência à ação.
A morte definitiva, escatológica, é sobretudo a morte social (memória
coletiva) transcrita em termos metafísicos como uma segunda morte.
“Veja, batemo-nos sobre o campo de batalha, pois o ontem foi esquecido.
Nada triunfa para aquele que não conhece mais aquilo que conhecia”
(“Ensinamentos de Amenemhat”).

36
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

III. O EUFEMISMO DA MORTE NO ANTIGO EGITO

Dentre todas as civilizações a egípcia talvez seja a que mais tenha nos
legado testemunhos da presença da morte em sua sociedade. As tumbas, as
múmias, o material funerário e a grande abundância de textos nos revelam a
importância de sua crença em uma vida póstuma.
Para nós que vivemos em uma sociedade que se preocupa em ocultar os
sinais da morte, afastando-a da melhor maneira possível do nosso convívio, os
egípcios sempre nos fascinaram por sua necrolatria. Assim, desde que a
egiptologia existe, antes mesmo de tornar-se uma ciência, os estudos a
respeito de suas crenças referentes à morte sempre foram uma prioridade.
O grande interesse por parte dos egiptólogos no estudo das crenças
funerárias egípcias reside no fato de que os restos materiais são em sua
grande maioria provenientes das necrópoles, e, por estas localizarem-se
invariavelmente na zona desértica, este material conservou-se melhor que os
outros vestígios.
Entretanto, tem-se estudado muito mais as práticas funerárias egípcias
que uma antropologia da morte. Ainda estamos tentando estabelecer quais as
relações entre suas concepções e suas práticas, qual o papel destas práticas
no domínio público e no privado e entender como os egípcios antigos
concebiam a noção de morte.
Tentando-se esclarecer algumas destas questões estaremos diante de
uma cultura e uma civilização habitada por vivos, que buscavam
ambiciosamente uma existência após a morte, e não apenas de um povo com
túmulos e múmias.
No curso de sua história, os egípcios souberam elaborar um sistema
orgânico de crenças e de práticas relativas à morte cujo objetivo essencial era
minimizar o impacto da morte sobre a sua sociedade, limitando-a a um
fenômeno que interrompe provisoriamente a existência dos indivíduos,
incidindo somente sobre a sua aparência, isto é, no seu receptáculo físico
(carnal). Em torno desta concepção central crenças distintas uniram-se em um
imaginário capaz de aceitar a morte, neutralizando e ordenando-a com rituais
e símbolos, a fim de transcendê-la.

37
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

É impossível determinar em que momento os egípcios elaboraram suas


crenças funerárias; contudo é evidente que a partir do momento que os mortos
são sepultados, há um culto funerário, e que este supunha uma existência
post-mortem, uma segunda vida concebida segundo os moldes de sua
existência terrena, como testemunham os alimentos e os objetos depositados
junto ao corpo.
Os egípcios não possuíam divindades que personificassem a morte,
normalmente, ela é descrita como sendo enviada pelos “mensageiros de
Sekhmet” que trazem o “sopro da morte” em oposição ao “sopro da vida”.
A morte é um evento caracterizado por diferentes fatos: estar morto é em
primeiro lugar e de maneira absoluta o estado de privação do “sopro da vida”;
para os egípcios o ritmo cardíaco, embora conhecido, não era tido como um
princípio vital. O coração (ib ou haty) era antes de tudo o centro da
compreensão e do discernimento, o órgão da vontade que o colocava em
sincronia com as forças cósmicas (maat). Em seguida, estar morto, era estar
privado do uso de seus membros, tornar-se imóvel.
Um dos desejos mais freqüentes expresso no “Livro dos Mortos” é a
faculdade de ir e vir do morto segundo a sua própria vontade, o que pode nos
parecer paradoxal já que o morto era cuidadosamente enfaixado antes do
sepultamento. As bandagens que envolvem as múmias eram chamadas de “os
limites da morte” ou “os limites de Seth”, o deus que assassinou seu irmão
Osíris.
Todavia, o que mais os egípcios identificavam com a destruição do
indivíduo, o fim de suas funções vitais, era a decomposição do corpo.
Desde os “Textos das Pirâmides” a visão da putrefação era a mais
abominável. No capítulo 154 do LdM o morto dirige-se ao deus Osíris em uma
prece para que seu corpo não se decomponha:
“...Não se torne meu corpo em vermes, mas liberta-me como tu te
libertaste. Rogo-te, não me deixes cair na podridão, como permite
a cada deus, a cada deusa, a cada animal e a cada réptil ver a
corrupção depois que a alma os abandona após a morte. E
quando a alma se vai, o homem vê a corrupção e os ossos do seu
corpo apodrecerem, mudam-se num mau cheiro, os membros

38
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

deterioram-se um após o outro, os ossos desfazem-se,


transformados em massa inerte, a carne se transforma em líquido
fétido, ele se torna um irmão na decadência que o salteia,
converte-se em multidões de vermes, desfaz-se totalmente em
vermes...”
Os egípcios nunca tiveram um único termo que designasse a morte de
uma forma completa e total, sempre preferiram expressões eufemísticas ao se
referirem a ela, era comparada ao sono, à noite, às idéias ligadas ao silêncio,
ao sofrimento, às doenças e à guerra.
De todas as formas de referência à morte a mais freqüente e a mais
antiga é a concepção de que a morte é um instante de passagem no qual o
morto parte desta vida para outra, não como um cadáver errante, mas como
um ser vivo que se desloca segundo a sua vontade e seu senso de orientação.
Nos “Textos das Pirâmides” é dito ao morto: “Tu não partiste como um morto, tu
partiste como um vivo” (PT 833a), a fim de atenuar o fato de que a morte é a
partida para uma jornada em que se interrompera o contato com o mundo dos
vivos, é dito ao morto: “tu partiste, tu retornarás”, “a partida é como o retorno e
vice-versa” (CT 6, 91m).
Uma das expressões mais utilizadas em relação à morte é aquela que
emprega o verbo meni, que designa o ato de amarrar o barco em uma estaca
fincada na margem. Estas estacas eram identificadas às deusas Ísis e Néftis,
divindades que possuíam um papel protetor para com o morto nos rituais
funerários, principalmente durante a mumificação. Parece-nos que esta
expressão designa que a boa travessia do morto termina com a acostagem no
mundo dos mortos.
A morte ligada a um vocabulário marítimo poderia significar não
somente o transporte da múmia por barco até a margem ocidental do Nilo,
onde se localizava a necrópole, mas que a morte era a chegada ao porto após
haver atravessado a vida. Meni seria uma alusão à renovação da vida e da
ordem quando da viagem do sol durante a noite, através do reino dos mortos,
dispersando o caos e a obscuridade. Na mitologia funerária egípcia o deus-sol
Rê navega em um Nilo subterrâneo levando em sua barca, chamada “Barca de
Milhões”, as almas dos mortos. Outros termos ligados ao movimento eram

39
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

igualmente empregados para designar a morte: shem “ir” ou khepy “passar”,


presente na expressão “passar para o seu ká”, que significa morrer.
O morto é também designado bagiu “o cansado”, uma alusão ao deus
Osíris também chamado de “o de coração cansado”. Temos também o verbo
mut, homófono do substantivo que significa mãe, de cuja raiz foram tirados
substantivos que designavam as mortes violentas e sangrentas. O termo hepet
era utilizado para designar o estado inânime do corpo.
Segundo os textos funerários, os mortos não pertencem à humanidade,
mas formam uma coletividade própria, denominada desde os “Textos das
Pirâmides” por akhu, que designa um estado ao qual o morto desejava atingir,
um estado inicialmente exclusivo do faraó que desfrutava de uma existência
póstuma junto às estrelas. Mais tarde com a “democratização” das crenças
funerárias, ocorrida durante o final do Primeiro Período Intermediário e o início
do Médio Império, os simples mortais puderam beneficiar-se desta
imortalidade ao lado dos deuses. Democratização é um termo muitas vezes
aplicado ao fenômeno político-ideológico que ocorreu no campo religioso e que
possibilitou o acesso das classes sociais mais baixas aos ritos funerários,
antes exclusivos do faraó.
Os akhu, isto é, os “glorificados” atingem esta condição não
simplesmente por estarem mortos, mas por serem socialmente reconhecidos
como mortos que desfrutam de uma existência póstuma ao lado dos deuses.
A palavra akh, cujo plural é akhu, possui ramificações que cobrem uma
série de referências, entre elas akhet “horizonte” que pode significar “ser eficaz”
e “ser alguém”, mas o significado central encerra o conceito de luz, o morto no
estado de akh teria o seu espírito transfigurado sakhu pela luz, seria aquele
que escapou da escuridão. O oposto de akh é mut, a pessoa que morreu e não
foi transfigurada pela luz do deus Rê no Mundo Inferior estes são os espíritos
maléficos e mal intencionados denominados mut nas “cartas aos mortos”. Uma
das formas de comunicação com os mortos era a de escrever uma carta em um
recipiente para oferendas e depositá-lo na tumba.
Outras formas eufemísticas são utilizadas para designar o morto, ele é
“aquele que descansa”, “aquele que está em paz” ou “aquele que foi para o seu
pai”, isto é, para o túmulo da família. Os mortos são chamados de “os

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

perfeitos”, e o mais comum de todos “os ocidentais”, uma evocação do local de


descanso dos mortos; o ocidente designa ao mesmo tempo as necrópoles e o
local metafórico do outro mundo. Um dos epítetos de Osíris é o de
Khentamentiu, isto é “O Primeiro dos Ocidentais”.
Nos textos autobiográficos, nas estelas funerárias, nos textos
invocadores de oferendas e nos apelos aos vivos o morto jamais se refere como
tal. Ele simplesmente descreve a sua situação social, os seus títulos e os
cargos que possuiu em vida. Somente dois epítetos, que acompanham o nome,
designam o indivíduo como estando morto. O primeiro é imakhu, traduzido
normalmente por “venerável”, um título exclusivo aos mortos, para tanto eram
necessários uma aprovação pública que lhe conferisse uma memória social,
uma progênie encarregada do culto funerário legalmente testamentada e o
morto deveria ter promovido em vida um acúmulo de bens suficientes para
viabilizar a criação deste verdadeiro fundo de pensão funerário.
O outro título ligado ao nome do morto em todos os textos e objetos
depositados em sua tumba é maatkheru, diz respeito mais ao desejo de
imortalidade do morto que a busca de uma memória social. Normalmente
traduzido por “justificado” o termo significa literalmente “justo de língua” e
surge pela primeira vez sob o reinado de Mentuhotep III e designa o morto que
passou pelo julgamento dos mortos.
A imagem deste julgamento é amplamente conhecida, a pesagem do
coração que algumas vezes é chamada de psicostasia, diante do tribunal dos
quarenta e dois deuses, presidido por Osíris e mais raramente por Rê, na
presença do deus Thot, o escriba divino que registra o veredicto. O indivíduo é
introduzido por Anúbis psicopompo na sala do julgamento que é, ao mesmo
tempo, a entrada dos domínios imortais de Osíris. Seu coração que deve
representar a pureza de seus atos é pesado contra Maat, frequentemente
simbolizada por uma pluma. Paralelamente, o morto pronuncia a dupla
declaração de inocência, atestando que não cometeu nenhuma falta que
contrarie as exigências de Maat. Este texto qualificado de “confissão negativa”
nada tem em comum com a concepção cristã de pecado como muitos desejam
crer. Após ser declarado “justificado” pelo tribunal, o morto pode entrar no
“Belo Ocidente” e iniciar a sua vida post-mortem.

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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Não sabemos em que momento o morto era reconhecido pelos vivos


como sendo um “justificado”, todavia um texto de Diodoro Sículo é digno de
consideração. Nele o autor descreve um julgamento do morto antes do
sepultamento, realizado na margem oposta à necrópole. Este julgamento era
previamente anunciado pela família do morto e no dia marcado um grupo de
quarenta e duas pessoas dispunha-se em semicírculo ao redor do corpo
representando os juízes, que aguardavam alguma acusação contra o morto.
Caso não houvesse nenhuma acusação ou estas fossem consideradas
caluniosas, a cerimônia de sepultamento poderia prosseguir; entretanto se
alguma culpa fosse declarada contra o morto este não seria sepultado segundo
o ritual (Diodoro Sículo I, 92 (1-6) e I, 72).
A existência de um julgamento como parte do ritual de sepultamento
não é atestada em nenhuma outra parte, contudo, na última frase do capítulo
86 do LdM, o morto declara: “meu corpo foi sepultado”, isto é, recebeu o
sepultamento ritual. No capítulo 1, um parágrafo complementar é algumas
vezes adicionado e nele o morto declara: “fui examinado por numerosos
inquisidores...minha alma foi a eles confrontada...e que minha boca foi correta
sobre a terra”. No final do capítulo 125 o morto diz: “eu me livrei das calúnias
dos que estavam em serviço”.
No campo das imagens os egípcios tratavam a morte também
eufemisticamente. Uma das características da civilização egípcia é sem dúvida
a proliferação de imagens, todavia, a enorme proporção de monumentos de
uso funerário que sobreviveu até os nossos dias pouco ou quase nada
retratam a morte. Então como os mortos ou a morte eram representados?
Os egípcios jamais adotaram uma figura que representasse a morte, pelo
menos não como a figura do esqueleto com a foice, adotada pelo ocidente
desde a Idade Média. Não existem representações de esqueletos na arte
faraônica, são raras as imagens de mortos com seus corpos ressecados pela
mumificação. Uma destas representações encontra-se no sarcófago de
Hildesheim datado entre 600 e 300 a.C., uma outra está na vinheta que ilustra
o capítulo 89 do LdM de Tehena. Em ambas as cenas o corpo é representado
nu, todo preto, com os membros extremamente finos e as juntas muito
proeminentes.

42
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

No caso do mais ilustre de todos os mortais, o faraó, é sempre


representado com seus atributos reais exercendo as suas funções como em
vida. Se, a partir do Novo Império, as cenas dos templos representam a
teogamia ou o nascimento divino do rei, o mesmo não ocorre com a morte do
faraó, nenhuma cena dos funerais reais é retratada, somente as shabtis
retratam o faraó sob a forma de uma múmia, uma das inúmeras formas de
identificá-lo ao deus Osíris. A única exceção é a cena da parede leste da
câmara funerária de Tutankhamon, nela o sarcófago real aparece deitado
sobre o catafalco que é puxado por cinco grupos de homens, membros de sua
corte. Outra cena excepcional é a que representa a morte da princesa
Meketaten, na qual o corpo da princesa aparece estendido sobre o seu leito
próximo do qual os seus pais, o faraó Akhenaton e a rainha Nefertiti,
lamentam-se.
Os particulares, além das shabtis, são retratados nas paredes das
capelas funerárias do Novo Império, durante os rituais funerários, mas sempre
sob a forma de uma múmia ou de um sarcófago antropomórfico. Estas
imagens da múmia são utilizadas em cenas estritamente funerárias, em todas
as outras representações, o morto, assim como os membros de sua família,
são representados como vivos, sempre jovens, belos e fortes, conforme o ideal
autobiográfico dos egípcios. Os egípcios não acalentavam a idéia de nudez
paradisíaca. Não somente comida e bebida eram ofertados aos mortos, mas
também roupas de linho.
O grande temor dos egípcios não estava na perda das funções físicas,
pois como vimos eles acreditavam na permanência da personalidade individual
após a morte; o que lhes aguardava do outro lado da vida era o que os
preocupavam.
Foi com o objetivo de responder a este mistério inevitável que os seus
mitos funerários foram elaborados, uma doutrina formada por diversos
elementos complexos e com forte suporte simbólico. Contudo duas idéias
básicas sobre o destino póstumo dos mortos estiveram sempre presentes
desde os tempos mais remotos: de um lado a vida além túmulo foi considerada
como um prolongamento da vida terrestre, um verdadeiro espelho da vida às
margens do Nilo; de outro a crença de que esta nova existência só seria

43
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

possível após ser percorrida uma longa jornada repleta de perigos. Ambas as
crenças levaram à elaboração de um riquíssimo repertório textual e
iconográfico.
Nestes textos a morte é apresentada como sendo não apenas o fim da
vida, mas também como a entrada para um novo modo de ser. Os egípcios
acreditavam que embora a vida fosse transitória, ela poderia ser preservada
através da renovação. Nos rituais esta verdade mítica era invertida, e a vida
renovada pela preservação. A idéia presente em todos os mitos funerários
egípcios era a de que a vida só poderia existir e ser renovada através da morte.
Não somente os seres humanos, mas também os deuses eram mortais.
A renovação dava-se fora do mundo criado, na escuridão das águas
primevas (Num) que circundava o universo criado e era mantido fora dele,
circulado por uma serpente que morde a ponta de sua cauda. No “Livro do
Am-Duat”, na última hora da noite, o deus-sol e os mortos eleitos penetram
como velhos, abatidos pelo cansaço da vida, no corpo de uma serpente
gigantesca chamada “A que envolve o Mundo” e ao saírem de dentro dela
surgem rejuvenescidos como crianças, e o deus-sol é chamado “o jovem”.
Esta mitologia funerária tem início com os “Textos das Pirâmides”, um
apanhado de fórmulas gravadas nas câmaras funerárias das pirâmides da V e
VI dinastias. Este conjunto que não foi organizado de forma sistemática foi
inteiramente composto para fornecer os meios que permitissem uma existência
póstuma ao faraó, de modo que este evitasse os perigos e as ameaças da outra
vida. O destino do rei morto era celeste, por diversos meios ele chegaria ao
céu, adotando diferentes formas animais, com a ajuda de diferentes objetos,
para lá desfrutar de uma existência junto às estrelas e navegar diariamente na
barca do deus-sol Rê.
Este destino imortal estritamente reservado ao faraó foi, às custas de
grandes mudanças ideológicas e políticas, transformado nos “Textos dos
Sarcófagos” de forma a permitir que os simples mortais pudessem se
beneficiar de uma existência ao lado dos deuses. Este conjunto de textos
recebeu este nome pelo simples fato de terem sido escritos à tinta, no interior
de sarcófagos de madeira, durante o Médio Império, particularmente nas
necrópoles de Beni Hassan e El-Berschec. Foram inspirados diretamente nos

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

“Textos das Pirâmides”, aos quais se adicionou um grande número de


capítulos suplementares e rubricas, a fim de dar uma forma mais coerente ao
texto. Essencialmente trata-se da viagem do morto no Outro Mundo celeste
junto com Rê e os meios mágicos necessários para evitar o ataque de inimigos.
Sobre os sarcófagos da necrópole de El-Berschec, datando do início do
Médio Império, surge uma outra composição funerária conhecida por “O Livro
dos Dois Caminhos”, acompanhada de uma vinheta. Este nada mais é que um
mapa do mundo dos mortos, com os dois caminhos que conduzem ao Re-Stau,
um lugar mítico onde Osíris é o senhor e que é habitado por terríveis
monstros. Este livro é o ancestral das grandes cosmografias do Novo Império.
No Novo Império enquanto os rituais funerários eram fixados em textos e
codificados, como foi o caso do “Ritual de Abertura da Boca”, novas
composições funerárias foram compiladas, reproduzidas em papiro para os
particulares e gravadas sobre as paredes das tumbas reais no Vale dos Reis.
Estes textos tornaram-se cada vez mais indispensáveis ao morto em sua
viagem ao Mundo dos Mortos.
O mais conhecido de todos os textos funerários egípcios é sem dúvida o
“Livro dos Mortos” cujo título correto é “Encantamentos para Sair da Tumba à
Luz do Dia”. Substituto dos “Textos dos Sarcófagos”, de onde ele retirou muitos
de seus capítulos, ele é principalmente escrito sobre o papiro que era
depositado entre as pernas das múmias, entre as bandagens ou dentro de
uma imagem em madeira do deus Osíris-Seker. A mais acessível de todas as
composições funerárias, o “Livro dos Mortos”, poderia ser adquirida nos
templos em versões com vinhetas ricamente decoradas ou em compêndios
mais modestos conforme o poder aquisitivo. O seu texto é dividido em rubricas
e cada capítulo possui uma vinheta com mais de cento e noventa capítulos. O
“Livro dos Mortos” passou por uma série de ampliações, chamadas recensões,
e modificações a partir do Terceiro Período Intermediário até o Período
Ptolomaico.
Enquanto as tumbas de particulares eram ornamentadas com
representações da vida cotidiana, as quais eram cenas estritamente religiosas,
as tumbas reais fizeram nascer um outro gênero literário que teve a sua
origem no “Livro dos Dois Caminhos”. As sepulturas dos faraós eram

45
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

desprovidas de cenas da vida cotidiana e suas ilustrações eram retiradas das


grandes obras cosmográficas do Novo Império.
O primeiro livro do Mundo Inferior foi chamado de “Livro do Amduat”
embora seu título original fosse “O que está no Mundo Inferior” ou como
consta em algumas tumbas “Texto da Câmara Oculta”. Este foi o tema
predominante em todas as tumbas reais de Thutmés III a Akhenaton
descrevendo a jornada do deus-sol em sua barca pelas doze horas da noite
para nascer na última hora através do corpo de uma serpente para uma nova
vida ao amanhecer.
Durante o reinado de Horemheb surge uma nova composição ainda sem
título na época, mas que atualmente é conhecida como “Livro dos Portões”,
pois cada uma das doze divisões da noite está representada separada por um
portão. Embora a idéia das doze horas noturnas permaneça, o “Livro dos
Portões” adiciona a sala do tribunal de Osíris na última hora antes do
nascimento do sol. Em comparação ao “Livro do Amduat” reduziram-se em
muito as características do Mundo Inferior e o número de seres que nele
habita.
Permaneceu em uso até o reinado de Merneptah que teve o corredor de
acesso ao seu cenotáfio inscrito com a primeira cópia conhecida do “Livro das
Cavernas”, cujo nome antigo nos é desconhecido. Este descreve o Mundo
Inferior dividido em duas metades com o disco solar ao invés da Barca Solar
percorrendo cada hora e traz, com maiores detalhes, a tortura dos danados.
Esta composição aparece nas tumbas de Ramessés IV, VI, VII e IX.
Nas últimas tumbas reais ramessidas, incluindo a da rainha Twosret,
um novo conjunto de elaboradas cenas que retratam a jornada do sol sob a
terra durante a noite e no céu diurno foi chamado “Livro da Terra”, por
concentrar-se no aspecto ctônico da ressurreição solar junto com os deuses
Geb, Aker e Tatunen.
Estas cosmografias permaneceram em uso, juntamente com o “Livro dos
Mortos”, até a época Ptolomaica quando surge então o “Livro das Respirações”
que permaneceu em uso até o segundo século da nossa era. Conhecemo-los
unicamente em papiros provenientes da região tebana, atribuídos a Ísis e a
Thoth, eram utilizados como uma espécie de documento ou “passaporte” que

46
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

permitiria ao morto receber o sopro da vida no Outro Mundo bem como o


poder de preservar o seu nome: uma lembrança com temas dos “Textos das
Pirâmides” mesclada com elementos do “Livro dos Mortos”.
Em todos estes textos o deus-sol Rê divide o domínio do Mundo dos
Mortos com o deus Osíris, é a combinação de uma existência celeste com uma
ctônica, dividindo um espaço misterioso localizado no poente sob a terra onde
o deus Osíris é o Senhor. Para que a vida seja renovada é preciso que Rê a
percorra todas as noites, passando por suas doze seções ou horas, navegando
em sua barca de oriente a ocidente levando luz a este mundo de trevas. Porém,
o tempo no outro mundo é diferente do terreno, uma hora no Duat era
equivalente a uma vida. Tão logo a Barca Solar se aproximasse de um dos
portões que dividem as horas do Mundo Inferior este se abriria
automaticamente.
Quando o deus-sol brilha na escuridão e, diz o verbo criador, os
sarcófagos e as capelas são abertos e os espíritos saem das múmias acordando
do sono da morte. Eles saem das bandagens que os protegiam e então o
ressurrecto poderia viver a sua segunda vida, cultivando os campos, pescando
e caçando, jogando e participando de banquetes com seus familiares.
Repetindo a sua vida graças ao brilho do sol, e acreditando que na outra vida
teria a possibilidade de realizar feitos não conseguidos em vida, as mulheres
estéreis poderiam ter seus filhos, os famintos seriam alimentados e os
injustiçados seriam recompensados. Em algumas tumbas de mulheres
solteiras são encontradas figuras da morta com uma criança, representando o
desejo desta em ter um filho na sua vida póstuma.
No mesmo espaço e ao mesmo tempo, os inimigos dos deuses, aqueles
que foram contra Maat em vida, seriam punidos. Não havia uma divisão
espacial definida entre “céu” e “inferno” nos textos funerários egípcios, neste
mundo o sol que dá a luz e a vida aos “justificados”, dá o calor calcinante e o
fogo que queima os inimigos. No “Livro dos Portões” o deus Rê diz:
“Ó deuses (os mortos) que estão no Mundo Inferior,
Que estão junto do Governador do Oeste (Osíris),
Que estão estirados a seu lado,
Que estão dormindo em seus suportes,

47
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

ergam sua carne,


juntem os seus ossos,
reúnam seus membros,
unam a sua carne.
Pode haver fresca brisa para suas narinas.
Livrando-se de suas bandagens.
Possam tirar suas máscaras.
Possa haver luz para seus divinos olhos,
para que possam ver a luz por eles.
Levantem-se de seu cansaço”.

IV. OS TEXTOS FUNERÁRIOS E OS SEUS SIGNIFICADOS

Os teólogos egípcios elaboraram representações do Outro Mundo repleto


de obstáculos e perigos com espíritos malignos e guardiões. Para vencer estes
perigos era necessário conhecer a topografia do Outro Mundo, possuir um guia
e fórmulas mágicas capazes de vencer as dificuldades desta jornada no Outro
Mundo. Era preciso conhecer os nomes das divindades e dos guardiões
funerários.
Os textos, fórmulas e liturgias funerárias que os egípcios nos deixaram
são de uma quantidade extraordinária, maior que qualquer outra cultura. Em
nenhuma outra a utilização da palavra e do texto foi tão amplamente
importante no culto funerário quanto no Egito Antigo. Isto porque estas
fórmulas e textos eram um meio mais importante para alcançar o Pós-vida.
Sua função era equipar o morto com um repertório de textos necessários
a sua sobrevivência póstuma. Conhecer as fórmulas era possuir um poder
mágico substituindo a memória neural do morto por uma artificial.
Temos duas formas básicas de textos funerários:
Liturgia Funerária - formavam textos destinados a serem recitados no
culto aos mortos (recitações). Faziam parte dos rituais executados durante a
mumificação e realizados na capela da tumba pelos vivos em favor do morto.
Literatura Funerária - Textos que o morto levava para o tumba para o
seu proveito no Outro Mundo. Estes textos localizavam-se em locais

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

inacessíveis, nas paredes das câmaras funerárias, nos caixões e nos papiros
colocados junto às múmias. A literatura funerária é um fenômeno único e
exclusivo da cultura egípcia.
Ambas as formas estão junto ao local onde deveriam agir, próximas ao
morto: na sua tumba, nas bandagens das múmias, em estelas, estatuetas
funerárias, mesas de oferendas e amuletos.
Independente da época, da forma e do conteúdo estes textos têm como
função fornecer uma proteção ao morto através de encantamentos e rituais
que deveriam ser realizados pelos vivos em benefício ao morto (liturgia) ou
realizados pelo próprio morto na outra vida (literatura).
Ambos têm por finalidade “fazer as mudanças”, isto é, fazer com que o
morto atinja o estado de glorificado, fazendo uma transição com sucesso junto
aos deuses no Outro Mundo, ou como são chamados nos “Textos das
Pirâmides” “akhu que se tornaram divinos” (PT 969b). Todo propósito da
Literatura Funerária egípcia é, portanto, auxiliar o morto a tornar-se um akh
evitando a segunda morte.
Em egípcio o termo genérico para todos os textos funerários era sakhu,
isto é, “o que faz um akh”.

IV. 1. TEXTOS DAS PIRÂMIDES

Os textos funerários mais antigos e, provavelmente, os mais


cuidadosamente estruturados da literatura funerária egípcia, compostos
provavelmente em Heliópolis, são os “Textos das Pirâmides”, inscritos nas
câmaras subterrâneas dos reis da V e VI dinastias e de algumas de suas
rainhas, num total de 9 pirâmides. Aparece pela primeira vez na pirâmide de
Unas, em Saqqara, o último faraó da V dinastia.
É um conjunto que chega a 759 fórmulas, cujo número varia conforme o
tamanho da pirâmide. A de Unas contém 227 fórmulas. A pirâmide de Pépi II,
na VI dinastia, tem a coleção mais completa com 675 fórmulas. Os textos são
esculpidos em colunas cujas fórmulas ou falas variam de tamanho, podendo
ser traduzidas por uma curta sentença até várias páginas. Estas fórmulas

49
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

começam com a palavra “recitar” e terminam com uma linha divisória ou com
o final hieroglífico que significa “fechar”.
Por suas características estes textos parecem datar de um século antes.
Tradições mais antigas são perceptíveis no próprio texto, como por exemplo
quando os corpos eram sepultados na terra ou em túmulos feitos em tijolos de
barro, anteriores às pirâmides:
“Levanta-te, remova a terra, saia do pó”. (PT 747b)

“Derrube a sua mastaba. Esmigalhe os tijolos” (PT 1942c)

Uma possível referência à antiguidade destes textos é o chamado “Hino


Canibal” (PT 273-4) que descreve o rei comendo a magia e os espíritos dos
deuses, após a sua chegada ao céu. Embora possa ser um conceito metafórico
esta passagem poderia ser uma referência a sacrifícios humanos realizados em
tempos Pré-históricos.
Eles não são uma coletânea aleatória de textos, podemos distinguir três
gêneros distintos, cada um com uma função específica e cada um relacionado
à arquitetura da pirâmide:
Na câmara funerária os textos são ditos por um locutor anônimo
(sacerdote) que fala sobre o rei morto.
Na parede oeste, sobre o sarcófago, estão Fórmulas de Proteção contra
criaturas maléficas formando um conjunto mais antigo com frases impossíveis
de serem traduzidas. Estes textos complementam a própria função protetora
da pirâmide: “Cuspa parede. Vomite tijolo. Aquilo que sai de sua boca vire-se
contra você” (PT 246a-b). Aparecem também voltadas em direção ao serdab
onde estavam as estátuas do faraó.
Na parede norte da câmara funerária estão as Fórmulas de Alimentação
e a Lista de Oferendas, mais curtas, acompanhando a apresentação de
alimentos e outras oferendas ao morto.
Cada oferenda é chamada “Olho de Hórus”, muitas fórmulas apresentam
trocadilhos:
“Osíris N., receba o Olho de Hórus.
Ele não pode ser retirado de você.

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Dois pedaços de pão” (PT 87a-b)

Além das fórmulas existem também indicações de como e quantas vezes


recitá-las. O ritual de oferendas acompanha, também, a purificação e a
cerimônia de “Abertura da Boca” com a finalidade de restaurar as faculdades
do morto. Então, segue a apresentação dos alimentos e das bebidas, além de
objetos de uso do morto. O texto termina com o ritual de “Quebra dos Vasos”.
Na parede sul estão as Fórmulas de Glorificação ou Ressurreição do
faraó. Uma seqüência longa de fórmulas cujo tema é a partida do rei deste
mundo para o outro. O ritual começa com as palavras “Você não parte como
um morto, você vai como vivo” (PT 134a) e terminam com “O seu nome durará
entre os homens assim como estará entre os deuses” (PT 256d).
O destino do morto nestes textos é as estrelas onde o rei se apresenta
com uma cabeça de chacal. Estas fórmulas permaneceram em uso em
períodos posteriores.
Na antecâmara as fórmulas são ditas pelo próprio morto, na primeira
pessoa ou em alguns casos é invocado na terceira pessoa. Estas fórmulas
“personalizadas” formam o maior e mais variado grupo, aparecendo também
no corredor que leva para fora da pirâmide.
Diferente dos textos rituais estas fórmulas não possuem uma seqüência
fixa, variam de pirâmide para pirâmide e utilizam metáforas referindo-se ao
deslocamento do morto, como escadas para o céu e travessia de canais.
Tratam também do surgimento do rei no mundo divino e a sua chegada sob
diferentes formas: babuíno, crocodilo, serpente, touro e estrela.
Faz parte deste grupo as fórmulas que não são nem descritivas nem
narrativas, mas “apelativas”, uma evocação ao rei:
“Erga-te ó rei
Tome a tua cabeça,
Reúna os teus ossos
recolha os teus membros,
sacuda a terra de tuas carnes.
Receba teu pão que não apodrecerá,
Tua cerveja que não azedará.

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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Tu te apresentarás à porta que afasta os ímpios,


e Khentimenutef sairá para te receber,
ele pegará a tua mão e te conduzirá ao céu
ao lado de teu pai Geb
Ele (Geb) se alegrará com a tua presença
e te estenderá os braços.
Ele te abraçará e te alimentará
Ele te colocará à frente dos espíritos glorificados,
as estrelas imperecíveis.
Aqueles dos locais ocultos te renderão homenagens,
os grandes se juntarão a ti,
os vigias se levantarão diante de ti
eu cortei para ti a cevada
e ceifei para ti o trigo,
para poder celebrar as festas mensais,
para poder celebrar a tua festa do 15º dia,
como foi ordenado pelo teu pai Geb
erga-te, Osíris N.,
tu não estás morto” (PT 664a, 665b)

Embora os “Textos das Pirâmides” sejam todos de uso da realeza é


possível que algumas de suas fórmulas, como a de oferendas, possam ter sido
usadas por membros da elite. Estes textos eram, provavelmente, escritos em
uma “cópia mestre” em papiro guardado em um templo em Heliópolis.

52
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Esquema das fórmulas na câmara interna e anexo da Pirâmide de Unas

IV. 2. TEXTOS DOS CAIXÕES

O primeiro uso de textos funerários por particulares data do Primeiro


Período Intermediário e Médio Império. São conhecidos como “Textos dos
Caixões” ou “Textos dos Sarcófagos”, pois são muitas vezes, encontrados nos
caixões em madeira, embora, também apareçam em papiros e nas paredes de
algumas tumbas.
Durante o Antigo Império o Outro Mundo era no céu e era o destino do
faraó morto. Assim, o tema da ascensão celeste é um dos principais temas dos
“Textos das Pirâmides”. O rei deixa este mundo indo para o céu, enquanto os
homens continuam, após a morte, em uma existência terrena. Os simples

53
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

mortais cumpriam, até então, uma passagem horizontal, isto é, até a


necrópole, o Belo Ocidente, enquanto o rei fazia uma ascensão vertical rumo
aos céus. Os “Textos dos Caixões” rompem a fronteira entre o destino do rei e
a sorte dos homens, um reflexo da crise política do final do Antigo Império.
O costume de cercar o morto por textos continua, mas agora não mais
uma exclusividade de reis e rainhas. Não é fruto somente de mudanças da
concepção dos direitos póstumos, mas também uma transformação da
cosmografia. O Outro Mundo não era mais exclusivamente localizado no céu,
mas também no Mundo Inferior (Duat) onde eram os domínios de Osíris, onde
perigos e dificuldades deveriam ser transpostos e onde as fórmulas mágicas
eram indispensáveis ao morto.
Cada caixão é tratado como uma versão, em escala reduzida, das
câmaras das pirâmides do Antigo Império, e como anteriormente esses textos
eram inscritos nessas câmaras agora são escritos a tinta nesses caixões.
Reproduzem os textos rituais dos “Textos das Pirâmides” principalmente o
Ritual de Ressurreição, que aparece completo. As fórmulas de oferendas são,
geralmente, substituídas por uma lista de oferendas ou pinturas
reproduzindo-as.
Esses textos, influenciados pelas práticas burocráticas, utilizam a tina
de cor preta dos textos e das fórmulas e a vermelha para o “cabeçalho” ou
“rubrica” utilizadas para dar informações sobre a finalidade do texto, os efeitos
desejados e as indicações de uso. As formas típicas dessas rubricas são os
títulos das fórmulas, como por exemplo “Não morrer uma segunda vez”, “Não
comer excrementos no Reino dos Mortos”, “Não andar de cabeça para baixo”,
“Dispor de ar e água”, “Justificar um homem”, “Transformar-se em...”, entre
outras.
Esta inovação mostra que o objetivo principal dos “Textos dos Caixões”
não é o de registrar eternamente as preces para o morto, substituindo a voz do
sacerdote leitor, como acontecia nos “Textos das Pirâmides” mas sim o de
eternizar um saber mágico tornando-o disponível para que o próprio morto o
utilizasse, isto é, não tinha mais a função de substituir as preces, mas sim a
de criar uma memória artificial para o morto equipando-o de um repertório de
fórmulas que o libertariam do Mundo dos Mortos tornando-o um espírito-akh.

54
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

A maior parte dos “Textos dos Caixões” são fórmulas “pessoais” vindas
diretamente daquelas encontradas na antecâmara e no corredor de acesso das
pirâmides reais. São cerca de 1185 fórmulas distribuídas de forma variada em
cerca de 200 caixões já encontrados. Em alguns casos a fórmula é idêntica aos
dos “Textos das Pirâmides” ou uma versão
adaptada delas, outras formam uma série nova
de textos funerários, como o “Guia para a
Outra Vida”, uma série de fórmulas
acompanhadas por um “mapa” descrevendo os
obstáculos do Outro Mundo e fornecendo
instruções para uma viagem segura ao morto.
O mais importante desses guias é o
“Livro dos Dois Caminhos” um guia do Mundo
Inferior pintado no fundo das cubas dos
caixões. Nele uma rota pintada em preto,
chamada de “Caminho Inferior”, e outra em

azul, o “Caminho Superior”, margeando um lago


Mapa do Outro Mundo representado
de fogo. nas laterais internas do caixão de
Gewa, el-Bersha, British Museum
O morto, ameaçado por vários perigos, é
ajudado pelas fórmulas mágicas a superar os
obstáculos. Estes textos unem a concepção solar da viagem do faraó na Barca
Solar com uma visão osiríaca dos Campos de Oferendas.

IV. 3. LIVRO DOS MORTOS

A denominação “Livro dos Mortos” foi dada pelo egiptólogo alemão Karl
Richard Lepsius (1810-1884) após a sua publicação de uma grande versão
ptolomaica do Museu de Turim, o Papiro de Iufankh, embora essa
denominação ainda esteja em uso para definir o mais célebre livro funerário do
Egito Antigo nada tem a ver com o título original em egípcio “Livro para Sair à
Luz do Dia”, título da primeira fórmula ou capítulo “Aqui começam os capítulos
para sair à luz do dia, e dos cânticos em louvor e glorificação e do sair glorioso
no Belo Amentet e que nele entrar, que devem ser recitados no dia do
55
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

sepultamento e pelo qual o morto entrará depois de haver saído” que resume a
finalidade geral da obra, assegurar ao morto a inteira liberdade de movimento
e de ação fora da tumba. Essa busca pelo “sair à luz do dia” já está presente
nos “Textos dos Caixões”.
Surgido no Novo Império o “Livro dos Mortos” marca um momento
decisivo na história da literatura funerária egípcia. A partir da XVIII dinastia
tornou-se um texto de referência permanecendo em uso até o Período Romano
como principal texto funerário. Possuindo uma grande influência das fórmulas
presente nos “Textos dos Caixões” ele é caracterizado por varias inovações,
tanto do ponto de vista material como a distribuição de fórmulas ao longo do
texto. O suporte material é uma das características do “Livro dos Mortos”, o
papiro, raramente utilizado antes por ser um material caro porém prático.
Banalizou-se para a redação desse novo texto formando rolos que eram
colocados próximo à múmia. Esse novo material permitia concentrar em uma
superfície reduzida um grande número de preces e encantamentos além de
vinhetas ilustrativas que garantiriam a proteção do morto.
Durante o Período Saíta atinge a versão canônica sendo estruturada em
165 fórmulas ou capítulos dispostos em uma ordem regular é conhecida como
Recensão Saíta. Permaneceu em uso até o Período Ptolomaico quando atinge a
sua forma completa com 192 capítulos. Sessenta por cento desses são
fórmulas cuja origem estão nos “Textos das Pirâmides” e “Textos dos Caixões”.
Esses rolos de papiro possuem uma altura geralmente entre 30 a 40cm e
o comprimento que varia de versões resumidas com 1 a 2m até as versões
completas com 15 a 25m. Algumas fórmulas eram gravadas, também, em
outros suportes, como o capítulo 6: “Fórmula para fazer uma Shabti trabalhar
pelo morto na necrópole”, escrito nas estatuetas funerárias ou o capítulo 30
“Fórmula de como não deixar que o coração do morto seja arrebatado no
Mundo Inferior”, escrito em escaravelhos.
O número e as seqüências das fórmulas ou capítulos variam de papiro
para papiro. Praticamente todas as fórmulas são “pessoais” e muitas possuem
títulos e instruções para uso:
“Fórmula de um amuleto-Tit, em jaspe vermelho, colocado no pescoço do
morto.

56
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

A ser dito por N.:


Você tem o seu sangue, Ísis
Você tem o seu poder, Ísis
Você tem a sua magia, Ísis
Este amuleto é a proteção desta grande (deusa)
Guardando-o contra aquele que poderia causar-lhe mal.

Esta fórmula deve ser recitada sobre o amuleto-Tit, em jaspe vermelho,


umedecido em água de flores e amarrado com fibras de sicômoro e
colocado no pescoço do morto”.

O papiro não foi, todavia, suporte exclusivo para o “Livro dos Mortos”,
podendo estar presente também em paredes de tumbas, sarcófagos, caixões,
bandagens de múmia e estelas com pequenos extratos.
Escrito em hieróglifo cursivo ou hierático, mais tardiamente em
demótico, ele se impôs como um texto funerário principal do Egito Antigo.
O “Livro dos Mortos” tem como função dar ao morto os meios de obter
três condições básicas para a sua sobrevivência no Mundo dos Mortos: as
preces dedicadas às grandes divindades, a identificação do morto com os
deuses e as forças divinas e o domínio dessas forças por meio do
conhecimento de seus nomes secretos.
Dessa forma o morto seria capaz de sair à luz do dia, de leste para oeste
como o sol, continuando a sua existência, podendo rever a sua casa, proteger
os seus familiares e amigos, vingar-se de seus inimigos, consumir as
oferendas, adorar o deus-sol e receber as bênçãos dos deuses. Obtendo a
liberdade de locomoção e de alimentação tendo: “a felicidade no céu, a riqueza
na terra e a vitória no Mundo Inferior”.
Dois grandes temas estão presentes no “Livro dos Mortos”: o primeiro é a
vitória do morto no tribunal de Osíris (capítulo 125), onde após provar a sua
inocência, ele é declarado “justificado” ou “justo de voz”, esse epíteto significa
que o morto satisfez as condições de Maat. O outro grande tema presente nos
capítulos 100 a 102 e 129 a 136 reconhecem o morto como um beatificado
diante do deus Rê tornando-o capacitado, assim como os deuses, a viajar na

57
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Barca Solar e a desfrutar dos Campos de Oferendas, esses capítulos possuem


os títulos de fórmulas e não de livros sugerindo que eram recitados durante os
rituais funerários e festividades aos mortos nesses o morto passa a ter o
epíteto “glorificado”.
Desde os primeiros exemplares, surgidos na região tebana, esse novo
conjunto de textos aparece como uma compilação de fórmulas, mais ou menos
longas, divididas em capítulos em uma sucessão que pode ser variável e esses
precedidos por um título específico escrito em vermelho, enquanto o texto é
escrito em preto. No final de cada texto pode vir um suplemento, escrito
também em vermelho, que especifica o modo de utilização do capítulo, além de
um texto que garante a sua eficácia: “funciona verdadeiramente, um milhão de
vezes”.
A presença desses títulos introdutórios a cada capítulo é uma das
características do “Livro dos Mortos” era desconhecido nos “Textos das
Pirâmides” e praticamente inexistente nos “Textos dos Caixões”, essa
distribuição em capítulos dá uma certa autonomia suscetível de uma evolução
e modificação de cada capítulo individualmente.
Outra novidade são as ilustrações ou vinhetas que acompanham os
textos cujos primeiros exemplares aparecem nos sarcófagos dos reis tebanos
da XVIII dinastia. Pouco numerosas no início essas ilustrações multiplicam-se
chegando a uma por capítulo.
Algumas vinhetas possuem um destaque no “Livro dos Mortos”
ocupando a altura total da folha, como a do capítulo 16 “Hino em Louvor ao
deus Rê”, do capítulo 110 “Os trabalhos nos Campos de Juncos”, do capítulo
125 “A Pesagem da Alma” e do capítulo 148 “As Vacas Sagradas”.
A sua função não é meramente decorativa e muitas vezes, ou pela falta
de espaço ou para encurtar o tamanho do livro, algumas vinhetas substituem
completamente o texto fazendo com que muitos exemplares do “Livro dos
Mortos” sejam quase que exclusivamente constituídos por ilustrações.

58
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

A. O Tribunal de Osíris e o Julgamento do Morto

Para um pós-vida satisfatório além do funeral, da mumificação e do


mobiliário funerário era essencial que o morto provasse ser possuidor de um
caráter e de condutas adequadas durante a sua vida terrena.
Muitas tumbas, desde o Antigo Império, apresentavam inscrições
biográficas com a finalidade de mostrar a conduta correta e as boas ações do
morto durante a sua vida. Essa conduta deveria estar em conformidade com a
ordem moral e cósmica denominada pelos egípcios como Maat, que abrangia
as noções de “verdade”, “justiça”, “equilíbrio” e “ordem”, personificada como
uma deusa, filha do deus-sol.
Para o correto funcionamento do universo era essencial a manutenção
de Maat, sem a qual ocorreria o caos e a destruição da sociedade e da
hierarquia. Era a obrigação principal dos faraós e de todos os indivíduos da
sociedade manter e viver conforme esse princípio seguindo os códigos éticos e
morais da sociedade.
O cumprimento de Maat teria como recompensa um pós-vida no Mundo
dos Mortos e uma existência póstuma plena. O conceito de um julgamento dos
mortos já está presente no Antigo Império, onde inscrições referem-se a um
Tribunal dos Deuses. Essa idéia desenvolveu-se posteriormente durante o
Segundo Período Intermediário quando um julgamento do morto garantiria a
sua passagem para a outra vida, mas foi a partir do início do Novo Império que
o julgamento no Tribunal de Osíris ganhou importância, sendo inevitável ao
morto escapar desse julgamento para poder alcançar a ressurreição e onde
não era possível qualquer tipo de conciliação.
Os modelos míticos desse julgamento aparecem nas disputas entre
Osíris e Seth, e posteriormente entre Hórus e Seth, pelo trono do Egito. A idéia
de um julgamento é o ponto principal do “Livro dos Mortos”, descrito no
capítulo 125, entretanto, encontramos um julgamento do morto já nos
capítulos 18 a 20 no qual ele é defendido por Thoth triunfando sobre os seus
inimigos, mortos ou vivos, diante de um júri formado pelos deuses das
principais cidades do Egito e recebendo a “Coroa da Justificação”. Os capítulos
22, 64, 65 e 83 do “Livro dos Mortos” também tratam do julgamento do morto

59
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

em um tribunal, mas é no capítulo 125, com a sua grande vinheta da


“Pesagem do Coração” que essa idéia de um tribunal foi mais desenvolvida.
O julgamento ocorria após a chegada do morto na “Sala das Duas Maat”,
filhas do sol e da lua, onde o morto era conduzido por Anúbis, responsável
pela sua mumificação. Para poder entrar nessa sala o morto deveria conhecer
os nomes dos guardiões das portas e de todas as partes que compunham as
portas de entrada da “Sala de Julgamento” e saudar os 42 deuses assessores.
Era presidido por Osíris, o modelo de juiz, acompanhado por Ísis e Néftis
e os Quatro Filhos de Hórus. Os 42 deuses atuavam como assessores diante
dos quais o morto teria que negar os 42 pecados específicos que não cometera
em vida. Essa lista de crimes, transgressões de convenções sociais e proibições
religiosas é conhecida como “Confissão Negativa”:

1. “Salve Ó tu, Aquele Que Marcha Com Grandes Pernas (Rê), que vens de
Heliópolis, não cometi inequidades”;
2. “Salve Ó tu, Aquele Que É Abraçado Pela Chama (Atum), que vens de Kher-
Aha, não roubei”;
3. “Salve Ó tu, Aquele Que Tem O Nariz Longo (Thoth), que vens de Khemenu,
não fui ávido”;
4. “Salve Ó tu, O Devorador De Sombras, que vens da Caverna, não roubei”;
5. “Salve Ó tu, O Terrível De Rosto, que vens de Re-stau, não matei ninguém”;
6. “Salve Ó tu, Ruty (Atum), que vens do Céu, não diminuí o alqueire”;
7. “Salve Ó tu, Aquele Cujos Olhos São De Sílex (Hórus), que vens de Letópolis,
não cometi fraude”;
8. “Salve Ó tu, O Incandescente, que vens de Khetkhet, não furtei as coisas que
pertencem ao deus”;
9. “Salve Ó tu, O Esmagador de Ossos, que vens de Heracleópolis, não proferi
falsidades”;
10. “Salve Ó tu, Aquele Que Atiça A Chama, que vens de Mênfis, não roubei a
comida dos famintos”;
11. “Salve Ó tu, O Troglodita, que vens do Ocidente, não proferi palavras más”;
12. “Salve Ó tu, Aquele Que Tem Os Dentes Brancos (Sobek), que vens do
Fayum, não ataquei ninguém”;
60
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

13. “Salve Ó tu, Que Te Alimentas de Sangue, que vens do Local de Abate, não
matei os animais sagrados”;
14. “Salve Ó tu, O Devorador de Entranhas, que vens do Local dos Trinta, não
fraudei o grão”;
15. “Salve Ó tu, O Senhor da Retidão, que vens da Dupla Maat, não roubei as
rações de pão”;
16. “Salve Ó tu, O Errante, que vens de Bubástis, nunca me intrometi nos
assuntos alheios”;
17. “Salve Ó tu, O Pálido (Rê), que vens de Heliópolis, não falei demais”;
18. “Salve Ó tu, Aquele Que É Duplamente Mau, que vens de Andjty, lutei
somente pelas coisas que eram minhas”;
19. “Salve Ó tu, Serpente Uamemty (O Queimador), que vens do Local do
Julgamento, não cometi adultério”;
20. “Salve Ó tu, Que Guardas Sobre O Que É Trazido Para Ele, que vens do
Templo de Min, não cometi fornicação”;
21. “Salve Ó tu, Chefe Dos Grandes, que vens de Imu, não despertei o medo”;
22. “Salve Ó tu, O Destruidor, que vens de Huy, não cometi transgressões aos
Locais Sagrados”;
23. “Salve Ó tu, O Causador De Problemas (Seth), que vens do Local Santo, não
fui violento”;
24. “Salve Ó tu, O Infante, que vens de Heqa-adj (Heliópolis), não me fiz surdo
às palavras da justiça”;
25. “Salve Ó tu, Aquele Que Anuncia A Decisão, que vens de Unsy, não fui
insolente”;
26. “Salve Ó tu, Basty, que vens do Relicário, não provoquei lágrimas”;
27. “Salve Ó tu, Aquele Cujo Rosto Está Para Trás, que vens da Tumba, não fui
depravado nem pederasta”;
28. “Salve Ó tu, Aquele De Perna Em Chama, que vens das Regiões
Crepusculares, não comi meu coração”;
29. “Salve Ó tu, O Tenebroso, que vens das Trevas, não insultei ninguém”;
30. “Salve Ó tu, Aquele Que Traz As Suas Oferendas, que vens de Sais, não agi
com violência”;

61
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

31. “Salve Ó tu, O Possuidor De Muitos Rostos, que vens de Nedjefet (Assiut),
não fui leviano”;
32. “Salve Ó tu, O Acusador, que vens de Utjenet (This), não me voltei contra
deus”;
33. “Salve Ó tu, O Senhor Dos Dois Cornos, que vens de Assiut, não multipliquei
minha fala em demasia”;
34. “Salve Ó tu, Nefertum, que vens de Mênfis, não cometi o mal”;
35. “Salve Ó tu, Aquele Que Não Deixa Nada Subsistir (Tem-sep), que vens de
Busíris, não insultei o rei”;
36. “Salve Ó tu, Aquele Que Age Segundo O Seu Coração, que vens de Tjebu
(Antaeópolis), não sujei as águas de outro”;
37. “Salve Ó tu, O Fluído, que vens Nun, não agi com soberba”;
38. “Salve Ó tu, O Comandante Dos Homens, que vens de Sais (?), não
blasfemei contra deus”;
39. “Salve Ó tu, Aquele Que Procura O Bem, que vens de Huy, não fui
presunçoso”;
40. “Salve Ó tu, Aquele Que Reúne Os Kás (Neheb-kau), que vens da Sua
Cidade, não excedi em meu favor”;
41. “Salve Ó tu, Aquele Cuja Cabeça É Prestigiosa, que vens da Tumba, não
aumentei a minha riqueza a não ser com as coisas que são minhas”;
42. “Salve Ó tu, Aquele Cujo Braço É Conquistador In-dief, que vens da
Necrópole, não caluniei o deus da minha cidade”.

Tendo feitos essas declarações o morto colocava-se diante da balança


conduzido ou pela deusa Maat (ver papiro de Nesmim e Neferibre) ou pela
deusa Amentet ou Hórus (ver papiro de Anhay). O seu coração era colocado em
um dos pratos da balança para ser pesado contra a imagem de Maat
personificada como uma deusa usando uma pluma de avestruz em sua cabeça
(ver papiro de Anhay e Neferibre) ou somente por uma pluma de avestruz (ver
papiro de Ani e Nesmim). O coração, como sede da memória, continha os
registros de todas as ações do morto em vida. A pesagem estava sob os
cuidados de Anúbis e Hórus e revelava a natureza. O veredicto do julgamento
era registrado pelo deus Thoth, o escriba dos deuses.
62
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Papiro de Anhay - Novo Império - Museu Britânico

5 deuses mumiformes "Senhores da Necrópole" sentos diante de uma mesa de oferendas


6 deuses mumiformes "Senores do Ocidente" sentos diante de uma mesa de oferendas

Anhay justificada,
adornada e segurando
plumas de Maat é
conduzida por Amentet a
deusa do Ocidente até
Osíris.

Hórus conduz Anhay


pelo braço até o local
do julgamento

Anúbis
verificando o
prumo da
balança

Ammut com cabeça


de crocodilo, patas
dianteiras de leão e
patas traseiras de
hipopótamo

Shay e Thoth “Senhor das


Maat Renenutet Palavras Sagradas
“Filha de como tijolos Escriba dos deuses”
Rê” com cabeça segura a sua paleta
humana. de escriba
Representam
o Destino do
Morto

63
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Papiro de Neferibre - Período Ptolomaico - Museu do Louvre

Sala da Dupla Maat, sustentada por colunas.


42 deuses mumiformes com plumas em suas cabeças.

Neferibre conduzido por


Maat à presença de
Osíris

Hórus verificando o
prumo da balança

Anúbis
“O Senhor da
Balança”

Thot o escriba dos


deuses segurando a
paleta de escriba

Ammut
“A Devoradora”

Mesa de Oferendas

Osíris “Chefe do
Ocidente, Grande Deus
Senhor de Abidos,
Senhor da Eternidade”
no interior de um
tabernáculo usando a
coroa atef com cornos, o
açoite e o cajado64
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Papiro de Ani - Novo Império - Museu Britânico

12 deuses diante de uma mesa de oferendas (da esquerda para a direita):


Rê Horakhty, Atum, Shu, Tefnut, Geb, Nut, Ísis e Néftis, Hórus, Háthor, Hu e Sia

Osíris dentro de um quiosque é


assistido por Ísis e Néftis, tendo a
sua frente sobre um lótus os
Quatro Filhos de Hórus

Ani "justificado" ajoelha-se e faz oferendas


a Osíris

Hórus conduz
Ani a Osíris

Ammut

Thot registra o
veredicto em sua
paleta de escriba

Anúbis “Aquele da Sala de


Embalsamamento”

Shay
“o Destino”
Renenutet e
Meskhenet
O pássaro
as deusas do
Bá de Ani
nascimento

Ani e sua esposa Tutu entram na sala


do julgamento, curvados em sinal de
respeito
65
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Papiro de Nesmin - Período Ptolomaico - Coleção Particular

Sala da Dupla Maat sustentada por colunas


Duas fileiras com 41 deuses mumiformes agachados segurando plumas

Maat apresenta o morto a


Osíris

Nesmin segurando as
plumas de Mat

Anúbis verificando o
prumo da balança

Hórus verificando o
prato com o coração

Ammut

Thot “Senhor das Palavras


Sagradas"”

Os Quatro filhos de Hórus


sobre um Lótus

Osíris com corpo mumificado


usando a coroa-atef com
cornos e segurando o açoite
e o cajado

66
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Durante essa pesagem, o coração, estava temporariamente fora do controle do


morto o que causava o temor que ele poderia revelar aos deuses algo que
pudesse prejudicar a obtenção de um pós-vida ao morto. Para prevenir que o
coração o caluniasse uma fórmula, retirada do capítulo 30B do “Livro dos
Mortos”, era inscrita em um amuleto chamado “escaravelho coração”, que era
colocado no peito da múmia sobre o coração, onde se lia:

“Ó meu coração que recebi de minha mãe


Ó meu coração que recebi de minha mãe
Ó coração que me acompanhou em minhas diferentes idades
Não se levante como testemunha contra mim
Não se oponha a mim no tribunal
Não seja hostil a mim na presença do Juiz da Balança”

A passagem com sucesso pelo julgamento permitirá ao morto ser


conduzido por Hórus ou Maat ou Amentet perante Osíris, na condição de
“justificado” ou “verdadeiro de voz”, o que lhe assegurava uma sobrevivência
eterna. O morto é representado em pose de júbilo, com os braços elevados, e
adornado com plumas de avestruz simbolizando a sua harmonia com Maat
(ver papiro de Anhay e Nesmim).
Caso seu coração pesasse mais que Maat acusando a maldade e a não
conformidade com a ordem o morto era entregue a Ammut, “a Devoradora”,
uma criatura híbrida representada com cabeça de crocodilo, patas dianteiras
de leão ou leopardo e as patas traseiras de hipopótamo. Essa figura é
normalmente representada agachada, próxima à balança, pronta a engolir o
coração dos culpados, o que causaria a morte definitiva e a não existência do
morto.

67
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

IV. 4. LITANIA DE RÊ

Uma série de textos que aclamam o deus-sol Rê em 75 formas


diferentes. Ao recitá-las o soberano morto identifica-se progressivamente com
o deus-sol e a união deste com o faraó e outras
divindades.
Aparece em pilares de câmaras funerárias e
entradas de tumbas da XVIII dinastia. A partir da
XXI dinastia suas cenas aparecem em caixões e
papiros da elite.
Existiam duas versões, uma curta e outra
longa. A partir de Séthi I aparece nas entradas e
nos corredores das tumbas ramessidas.
O seu nome egípcio era “Livro para Adorar
Rê no Ocidente”. A vinheta de introdução deste
texto é dividida em três partes: ao centro um
Litania de
homem com cabeça de carneiro, representando o Rê, tumba
de Séthi II
deus-sol noturno, acompanhado por um
escaravelho que representa o estado visível e ativo da força primordial do
criador (o sol). Os dois outros registros representam uma serpente e um
crocodilo, imagens das forças ocultas.
As forças do demiurgo solar devem dispersar-se para dar início à
criação. Isso deve ocorrer cotidianamente, a dispersão e depois a sua reunião.
Esse ,mesmo fenômeno está presente no mito de Osíris, onde o corpo
esquartejado é reunido e mumificado.
A recomposição do cadáver divino permite que o deus fique novamente
ativo. A semelhança desses dois destinos (Osíris e Rê) facilitou a fusão desses
dois deuses como símbolos da renovação permanente da criação.

68
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

IV. 5. LIVRO DO AMDUAT

Os “Textos dos Caixões” e mais especificamente os “Guias para o Mundo


Inferior” nele contidos deram origem, durante o Novo Império, a um Mundo
Inferior, domínio de Osíris e Sokar, visitado pelo sol todas as noites, buscando
o renascimento. Este local era denominado pelos egípcios como Amduat.
A mais antiga descrição da viagem noturna do deus-sol. Conhecido em
egípcio como “O Livro da Sala Oculta” ou “O que está no Mundo Inferior”
designa as moradas subterrâneas onde ocorriam as metamorfoses divinas,
principalmente aquelas de Osíris.
O egiptólogo francês, Gaston Maspero, nomeou-a a partir do termo
egípcio para Mundo Inferior, Duat. O texto aparece pela primeira vez na tumba
de Useramon, vizir de Hatshepsut e Thutmés III.
Durante o Novo Império são encontrados somente nas tumbas reais do
Vale dos Reis. A partir da XXI dinastia aparecem em papiros e sarcófagos dos
sacerdotes de Ámon de Karnak.
Na tumba de Thutmés III e Amenhotep II o “Livro da Sala a Oculta”, ou
AmDuat, encontra-se completo. Assemelha-se a um gigantesco papiro
desenrolado sobre as paredes da câmara funerária expondo a viagem do deus-
sol através das doze horas da noite.
Ao longo desta jornada o deus recobra as suas forças. Diferentes
divindades ajudam-no distribuídas sobre as margens de um rio imaginário.
Algumas delas possuem corpos mumificados como Osíris outras trazem cetros,
cajados e coroas reais simbolizando o processo que permite ao deus-sol
regenerar-se como um soberano morto. O sol, no momento em que entra no
Mundo Inferior, confunde-se com Osíris, integrando-se ao ciclo de renovação
perpétua da vida.
Várias sessões marcam momentos cruciais desta jornada. Na quarta
hora o cortejo solar chega às regiões mais profundas do Outro Mundo. O
domínio mais secreto do Duat pertence ao deus Sokar, que representa os
processos do renascimento real desde a antiguidade.

69
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

O espaço consagrado a este momento chave é dividido por uma barreira


que atravessa os três registros. No registro médio está uma porta cujo batente
aberto permite à barca sagrada penetrar nas profundezas da terra.
Na quinta divisão (hora) do Duat uma colina abriga o deus do Supremo
Mistério. O texto nos diz que chegamos ao extremo do mundo criado, o local
onde reinam as profundas trevas do caos. A colina evoca a tumba e a terra
primitiva da qual o mundo foi criado. Nestes dois casos a vida surge deste
monte, que está no registro inferior da parede.

5ª Hora do Amduat,
tumba de Thutmés III

Uma forma ovalada serve de receptáculo à vida que surgirá, ladeada por
duas partes dianteiras de um leão, que representam o deus Akher, “Aquele que
governa as profundezas da Terra”. A cabeça que emerge indica que este espaço
personificado representa o corpo de Osíris e que Sokar é um de seus aspectos.
No registro superior, um escaravelho anuncia a última transformação que
permitirá, no final da vigem, que o deus-sol recobre a sua aparência visível e
sua força. No alto o monte de areia é a tumba de Osíris e dois pássaros
ladeando este monte são Ísis e Néftis realizando os ritos funerários para seu
irmão.
Uma vez passado este ponto extremo a Barca Solar inicia uma lenta
subida até o horizonte. Na sétima hora as forças do caos são afastadas. No
registro superior estão imagens dos inimigos do Egito subjugados
representado o poder do faraó e a dominação da Ordem Divina Universal sobre
o caos.

70
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

No registro médio também está representada a destruição de todas as


forças que possam perturbar os ciclos de renovação da vida. Os inimigos reais
do Egito são bem conhecidos e suas imagens utilizadas nas práticas mágicas
de conjuração. A interrupção do percurso solar é considerada um sinônimo de
destruição do mundo. As obscuras forças que ameaçavam a criação são
representadas por uma serpente chamada Apópis (Apóphis), cujas ondulações
de seu corpo simbolizavam os bancos de areia que ameaçavam a navegação da
Barca Solar.
Esta serpente maléfica é aniquilada com a ajuda dos deuses, inclusive
por seus homólogos positivos, todavia esta foça do caos era somente
momentaneamente afastada. O triunfo do sol renascendo ocorre na décima
segunda hora do Duat.
Ao fim de sua jornada de regeneração, o astro criador toma uma
aparência visível para sua manifestação no mundo. Ele virá a existir e esta
passagem de seu estado passível e invisível para a sua gloriosa aparição é
representada por Khépri, o escaravelho.
Mais tarde quando os faraós, do final da XVIII dinastia, farão a
decoração de suas tumbas com outras composições teológicas (Livros), o “Livro
do Amduat” não será abandonado, e as horas principais, aquelas que
descrevem a chegado ao reino de Sokar, terão um local de destaque nos
corredores das tumbas dos Vale dos Reis.

IV. 6. LIVRO DOS PORTÕES

Uma composição referente aos doze portões que dividem as horas da


noite percorridas pela barca de Rê.
Inscrito na câmara funerária e em pilares na entrada das tumbas do
Vale dos Reis, na tumba de Horemheb, último faraó da XVIII dinastia, e em
seguida na de Ramessés I, o primeiro soberano da XIX dinastia. A versão
completa está na tumba de Ramessés VI, no sarcófago de Séthi I e no corredor
do Osireion em Abidos.
Lembra o “Livro do AmDuat” formando uma espécie de composições
paralelas e complementares. Como o “Livro do AmDuat” o “Livro dos Portões” é

71
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

dividido em sessões que descrevem a viagem noturna do deus-sol em sua


barca, em painéis com três registros. O que é novo é a aparição de uma cena
de julgamento e a utilização de criptogramas.
O Duat compreende onze divisões. Duas cenas que servem de prólogo e
conclusão à jornada do sol são também originais.
A característica maior do “Livro dos Portões” é a presença de doze portas
que materializam as horas da noite. Gigantescos portões que marcam as
diferentes etapas da jornada da Barca Solar são semelhantes às portas
utilizadas nos templos e nos palácios reais que conduzem o viajante em
direção ao interior do edifício.
As vinhetas do início e do final do “Livro dos Portões” representam os
dois horizontes. O sol avança de leste para oeste, como se fosse o percurso
daquele que entrasse no santuário Ámon de Karnak, assim como os
sacerdotes passavam por várias portas antes de chegar ao naos, o local de
manifestação do deus, em direção ao oriente, o local do nascimento do sol.
No “Livro dos Portões” as portas servem para fechar as sessões do Duat
só abrindo para o cortejo divino fechando-se hermeticamente interditando a
passagem de intrusos.
Estas portas são representadas nas paredes dos corredores que levam à
câmara dos sarcófagos. Como se a própria tumba fosse o Duat.
A tumba, os seus anexos e corredores eram uma espécie de hieróglifo
tridimensional que reproduzia o Outro Mundo. Uma evocação imaginária da
geografia do Mundo dos Mortos onde a jornada do rei morto em direção ao
renascimento era semelhante ao do deus-sol.
A vinheta de introdução representa a entrada do Duat. A Barca Solar
passa entre duas montanhas que representam o sinal hieroglífico para
“horizonte”.
A primeira porta é considerada como um guarda do Outro Mundo,
localizada no deserto ocidental.
O batente é guardado por uma imensa serpente que tem por missão
deixar passar o deus-sol. Uma grande diferença com o “Livro do Amduat” é o
grande número de personagens deste livro, mais de 900. Reunidos em grupos
e agindo coletivamente, estes grupos são, muitas vezes, referências a números

72
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

simbólicos. Por exemplo, o doze é referente ao número das horas e aos meses
do ano, o nove é uma referência à enéade divina ou o
quatro que é relacionado aos quatro cantos do mundo
criado.
Uma simplificação aparece na tripulação da Barca
Solar. O sol noturno é agora acompanhado somente por
Hu, o verbo criador, e Sia, o conhecimento divino,
auxiliares do criador na renovação cotidiana do cosmos.
Atrás da quinta porta abre-se a Sala do Tribunal de
Osíris. Esta cena de julgamento não é freqüente na
iconografia de tumbas reais, mas ao ritual destinado aos
simples mortais (Capítulo 125 LdM).
O significado por trás do “Livro dos Portões” é que

todos aqueles, seres humanos ou deuses, conhecem a


11ª divisão do “Livro dos
degradação. Esta corrupção é inerente ao universo material Portões”

onde os ataques do caos são perceptíveis.


A última imagem do “Livro dos Portões” descreve o nascimento do deus-
sol. Uma vez fechados os batentes da décima segunda hora, o sol nasce. Ísis e
Néftis, sob a forma de cobras, relembram a dimensão osiríaca das
metamorfoses pelas quais o sol passou. Assim como Atum, o deus criador,
distingue-se do Nun, o meio líquido primordial, para criar o universo a última
etapa da viagem do sol noturno passa pelas águas do rejuvenescimento. A
transformação do deus em uma entidade visível é representada pelo
escaravelho.

73
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

IV. 7. LIVRO DOS CÉUS

Conhecido também em outras duas composições distintas como o


“Livro do Dia” e o “Livro da Noite”.
Aparece nos tetos dos corredores e em algumas salas de tumbas da
época ramessida.
Já com Séthi I encontramos, pintado sobre seu sarcófago, uma
descrição mitológica do Céu Noturno e as estrelas formando constelações e as
imagens de muitas divindades protetoras.
No “Livro do Céu” é privilegiado
um conceito de “gestação”. O espaço
celeste é personificado pela deusa Nut,
que engole o sol ao entardecer,
guardando no interior de seu corpo
durante a noite e dando-lhe à luz todas
as manhãs.
O mesmo fenômeno ocorre com
os astros noturnos, que circulam no
interior do corpo desta Mãe Divina, Deuses Nut, Geb e Shu
durante o dia.
Nos tetos das tumbas a imagem da deusa é duplicada representando
estes dois ciclos. De um lado discos solares ao longo de seu corpo e no outro
as estrelas. Junto com a imagem da deusa aparecem os decanos e as
divindades que ajudam a progressão do sol e dos astros noturnos.
Complementando os “Textos do Amduat” e dos “Livro dos Portões” estes
textos evocam o céu e destacam a renovação permanente do tempo através da
viagem cíclica do sol e das estrelas.

74
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

IV. 8. LIVRO DA VACA DIVINA TAMBÉM CHAMADO LIVRO DA VACA


CELESTE

O conteúdo deste texto difere um pouco das composições tradicionais


que descrevem a viagem noturna do sol. Estando relacionado com a Criação do
Mundo.
Ele é representado por uma imagem em grande escala da Grande Vaca
Celeste que simboliza a matriz criadora do Universo e que coloca
cotidianamente o astro divino no mundo e também os mortos “justificados”
que o acompanham.
Aparece pela primeira vez em na primeira capela de Tutankhamon, mas
a sua versão mais conhecida está na tumba de Séthi I, no Vale dos Reis. Esse
relato mitológico descreve duas etapas essenciais da criação. Quando os
deuses ainda habitavam a Terra, Rê era o soberano de todas as criaturas. Uma
parte da humanidade revolta-se e foge para o deserto. O deus-sol, então,
decide enviar a sua filha Háthor, sob a temida forma da deusa leoa Sekhmet,
para perseguir os revoltosos.
A deusa passa a encarnar os raios do sol que destroem implacavelmente
os perturbadores da ordem divina. Uma vez aniquilados os rebeldes torna-se
impossível apaziguar Sekhmet, que passa a ser uma ameaça à humanidade.
Os deuses decidem acalmar a deusa embriagando-a, com uma bebida de cor
vermelha, que é confundida com o sangue.
Após ordenar que este evento fosse celebrado sob a forma de rituais
pelos homens, Rê deixa a Terra retirando-
se para o céu nas costas da deusa Nut que
toma a forma de uma vaca e oito
divindades, divididas aos pares, sustentam
as suas patas erguendo-a aos céus.
As atribulações de Sekhmet e o seu
apaziguamento criam uma espécie de
pacto que une os homens aos deuses
celebrados nos rituais, que exaltam a Vaca Celeste, tumba de Séthi I
clemência do deus-sol soberano e com a

75
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

partida de Rê, os mortais têm os seus destinos, assim como o do Egito,


colocados nas mãos do faraó, o representante dos deuses na Terra.

IV. 9. LIVRO DAS CAVERNAS

Aparece na parte superior das paredes das tumbas do final da XIX e XX


dinastias. A sua primeira versão completa aparece no cenotáfio de Séthi I em
Abidos em seguida em um dos corredores da tumba de Merenptah. A cena
final aparece nas tumbas de Tausert e Ramessés III. Em seguida foi
parcialmente recopiado nas tumbas reais da XX dinastia, mas uma versão
completa aparece na tumba de Ramessés VI pela última vez.
A partir do Terceiro Período Intermediário certas passagens do “Livro das
Cavernas” aparecem em papiros e caixões de funcionários da elite.
O nome egípcio desse texto é desconhecido. Seu nome atual vem da
divisão do Duat em duas partes, cada uma com três sessões, consideradas
como representações de caverna ou grutas. Em cada registro aparece um
grande número de divindades.
Os registros inferiores representam, normalmente os inimigos do deus-
sol.
O conteúdo mitológico do texto ressalta as transformações do deus-sol
ocorridas no Mundo Subterrâneo onde aparecem dois deuses da Terra: Geb e
Akher. Este ocupa o centro do registro médio (caverna) em sua forma de
esfinge dupla. Nessa composição a barca do deus-sol só aparece no final.
A sucessão de
horas dos Livros do
Amduat e das Portas
desaparece e a
“viagem” do sol é
representada por
uma sucessão de
metamorfoses do sol

Caverna de Fogo no Mundo Inferior, tumba de


Séthi I, XIX dinastia

76
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

ocorridas durante a noite. O sol é representado em sua forma tradicional no


Mundo Inferior, como um homem com cabeça de carneiro. Na cena final,
entretanto, ele aparece sob a sua forma de escaravelho, anunciando o seu
nascimento próximo, recobrando a sua forma visível e ativa e sob a forma de
uma criança, simbolizando o vigor do recém nascido.

IV. 10. LIVRO DA TERRA OU LIVRO DE AKHER

O último e o mais sofisticado dos textos funerários. São composições


religiosas que descrevem em quatro partes a jornada noturna do sol no Mundo
dos Mortos. Aparecem nas câmaras funerárias do Vale dos Reis e em
sarcófagos da XX dinastia. Presente em sua totalidade somente na tumba de
Ramessés VI.
O seu primeiro editor, Piankoff, publicou-a com o título de “Criação do
Disco Solar” devido às imagens que representam os múltiplos aspectos da
renovação do deus-sol.
O título “Livro da Terra” é uma referência à gestação do deus-sol sob três
personificações: Geb - o solo fértil; Tatunem - a terra em movimento que se
eleva das águas da criação e onde os grãos germinam e Akher - as regiões
profundas do Duat.
Este texto desenvolve aspectos já presentes em outras composições.
Aparece pela primeira vez com Merenptah e foi contemporâneo de e outros
textos;
Os teólogos utilizaram neste texto metáforas sobre as transformações
noturnas do sol mais do que descrevê-lo em suas travessias pelas horas
noturnas.
Na tumba de Ramessés VI, no Vale dos Reis, ele aparece em quatro
grandes cenas, sem seguir sessões distintas. Os dois conjuntos maiores, nas
paredes mais importantes da câmara do sarcófago, tratam do mesmo tema

Forma noturna do deus-sol


navegando através de Akher
com cabeça humana, “Livro
77
da Terra”, papiro do Novo
Império
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

mas de forma diferente do processo de gestação do deus-sol. As cenas são


lidas de baixo para cima. No primeiro aparece a imagem do deus Akher como
um leão com duas partes dianteiras. No registro médio temos dois braços que
sustentam o disco solar e no último aparece, novamente, o deus Akher como
uma esfinge dupla, considerado como o horizonte que sustenta a Barca Solar.
Os adversários da ordem cósmica são representados subjugados:
amarrados ou cortados em pedaços, magicamente incapazes de impedir a
vinda do deus-sol.
No caso da tumba de Ramessés VI, junto com o Livro da Terra, temos o
Livro do Céu no teto da câmara funerária com o corpo da deusa Nut,
formando, assim, a imagem do cosmos conferindo ao rei, em seu sarcófago, a
eterna presença na criação e o seu próprio renascimento. Integrando-o no
processo de renovação das forças do deus-sol.

IV. 11. LIVRO DAS RESPIRAÇÕES

Surgido em Tebas, no Período Ptolomaico, utilizou a escrita hierática e


algumas vezes eram ilustrados com vinhetas na parte superior, é dividido em
duas partes: o Livro Primeiro das Respirações (mH I) e o Livro Segundo das
Respirações (mH II). O primeiro é inspirado nos textos e fórmulas religiosas
mais antigas das estelas e das tumbas; enquanto o segundo é uma reutilização
dos capítulos mais importantes do “Livro dos Mortos”. Como a Confissão
Negativa elas são recitadas ao morto, em sua forma de Osíris, por sua irmã e
esposa Ísis:
“Para fazer o seu bá viver,
para fazer o seu corpo viver,
para reunir cada um de seus membros,
assim ele pode unir-se ao seu pai, o sol”.
A maior parte das fórmulas são “pessoais” e inclui uma litania para a
preservação do nome do morto. A sua função era dar ao morto a possibilidade
de receber do deus Amon “o sopro vital” reanimando a múmia, fechada em seu
caixão, assegurando ao “justificado” os benefícios eternos do ar e da respiração
dados pelo “Rei dos Deuses”.

78
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

V. O TÚMULO: A MORADA ETERNA

O túmulo é o local final para o eterno pós vida do morto, fornecendo dois
requisitos essenciais: é o local permanente para a proteção e abrigo do corpo
contra as violações e degradações; é o local de culto, onde os rituais em favor
do morto são realizados e que garantirão a sua existência póstuma.
A tumba como local de descanso eterno e morada final está refletido na
sua denominação egípcia de “Casa da Eternidade” (prn nHH).
As tumbas egípcias expressam na sua arquitetura, reconhecível mesmo
nas tumbas mais antigas (cerca de 3000 a.C.) e nas mais simples, uma
dualidade funcional: a câmara funerária, selada após o funeral guarda o corpo
e o equipamento funerário essencial. Localiza-se sempre abaixo do solo e o seu
acesso é feito por meio de um poço ou corredor descendente. A exceção das
pirâmides reais da IV dinastia onde a câmara funerária localiza-se no corpo da
pirâmide.
A capela funerária ou câmara de culto localiza-se na superestrutura
acessível aos familiares e sacerdotes que a visitam nos momentos em que se
realizam as cerimônias em favor do morto.
De certa forma as tumbas, assim como os templos, são os locais de
práticas cultuais e dos rituais de oferendas, destinados a garantir o
renascimento e o funcionamento do cosmos, no caso da tumba focados no
morto e nos templos as divindades.
Este significado cosmogônico da tumba pode ser percebido pela
preocupação com a sua orientação desde os tempos Pré-históricos, onde
seguindo o eixo norte-sul (o eixo do Nilo) e o corpo no seu interior, com o rosto
voltado para o leste ou oeste (o eixo solar). No início do Período Dinástico os
corpos passam a ser orientados com a face voltada para o leste, sinal da
importância das crenças solares no pós-vida surgidas nesta época.
Os cemitérios estabelecem-se na franja desértica que margeia as terras
agrícolas, não penetrando nas terras cultivadas, mas permanecendo no limite
entre a zona agrícola do vale fértil do Nilo (a vida) e o deserto (a morte). Esta
proximidade dos cemitérios facilitava o contato entre os vivos e os mortos
mantendo unidos os membros de uma mesma comunidade.

79
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

O posicionamento das tumbas reflete também a hierarquia social


egípcia. Pessoas de status elevado e que formavam a corte eram enterrados
próximas ao faraó, principalmente, no início do Período Dinástico, no Antigo
Império e na XII dinastia. As outras pessoas da sociedade eram sepultadas
próximas ao local onde viviam e trabalhavam.
Podemos dividir as tumbas egípcias em duas categorias principais: as
tumbas reais e as particulares ou privadas. Com o passar dos séculos as suas
formas evoluíram embora mantivessem, essencialmente, a dualidade da
câmara funerária para o sepultamento e a capela funerária para o culto.

V. 1. AS TUMBAS REAIS

As sepulturas reais do final do Período Pré-dinástico e das I e II dinastias


localizavam-se próximas à falésia de Ábidos, em uma área atualmente
chamada Umn el-Qa’ab (“Mãe dos Potes”).
Eram constituídas por uma câmara funerária subterrânea cercada por
câmaras de estocagem de oferendas. Sobre a sepultura era erigida uma
superestrutura feita em tijolos crus que simbolizava o monte primordial do
qual emergiu o deus criador e sobre o qual o rei morto renasceria. O edifício
era circundado por um muro em tijolos recobertos por uma grossa camada de
estuque reproduzindo os contrafortes da fachada do palácio real (serekh), este
complexo era identificado por um par de estelas em rocha nas quais eram
inscritos os nomes do rei.

Visão axonométrica da tumba com “Fachada de Palácio” da rainha Merneith,


I dinastia, Saqqara

80
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

No final da II dinastia a superestrutura dos túmulos reais tornou-se


retangular e, em alguns casos, formando dois níveis. No reinado de Djoser, na
III dinastia, ocorreu uma grande mudança
no formato da tumba real. Pela primeira
vez, este complexo funerário construído em
Saqqara, foi erigido em rocha talhada
reproduzindo as características
arquitetônicas dos “Palácios Funerários”
feitos em tijolos da I e II dinastias.

A superestrutura retangular dos Esquema das fases de construção da


Pirâmide de Djoser. 1. Mastaba original;
edifícios funerários da II dinastia 2. Poço funerário; 3. Primeira ampliação da
mastaba; 4. Ampliação leste da mastaba;
desenvolveu-se em uma série de “mastabas” 5. Pirâmide inicial com quatro degraus;
6. Pirâmide final com seis degraus; 7. Poço
sobrepostas formando a primeira pirâmide com galeria funerária
em degraus, uma “escadaria para o céu”,
que simbolicamente conduziria o espírito do faraó aos céus.
O corpo era sepultado sob a pirâmide e o imenso recinto circundante era
o local para o culto funerário e para as cerimônias do “jubileu” (Heb-Sed), um
ritual onde os poderes do faraó eram eternamente renovados.
Um desenvolvimento posterior deste edifício de Djoser produziu a
“Pirâmide Verdadeira” com os lados em ângulo inclinado e as faces lisas
construídas com blocos maciços de rocha. Fazendo parte de um complexo
funerário que consistia de um templo do lado leste da pirâmide, também
chamado de Templo Alto ou Templo da Pirâmide, que servia para o culto do
faraó morto; e um Templo do Vale ou Templo Baixo próximo ao Nilo, onde,
entre outras cerimônias, era realizada a mumificação do faraó. Estas unidades
de culto eram unidas por um corredor ou calçada pavimentada coberta. As
câmaras funerárias eram, geralmente, dentro do corpo da pirâmide ou, em
alguns casos, sob ela.
Este complexo funerário, cuja pirâmide era o centro, foi desenvolvido no
reinado de Snefru, na IV dinastia, atingindo o seu ponto máximo na
construção das três pirâmides de Giza.

81
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Devido à crença tradicional de que o rei morto ascenderia às estrelas


circumpolares a entrada da pirâmide era situada na face norte, mas o
alinhamento leste-oeste dos templos e edifícios de culto enfatizavam a
presença do simbolismo e crenças solares que se tornaram cada vez mais
importantes a partir da IV dinastia nos funerais reais.
Isto estava refletido na própria forma da pirâmide verdadeira que,
embora ainda simbolizasse o monte primevo e uma escadaria para o céu,
também era de forma estilizada uma representação do Benben, a rocha
sagrada mantida no templo do deus-sol Rê, em Heliópolis, cuja forma
piramidal representava os raios solares petrificados.
O espírito do faraó poderia, então, subir aos céus pelas faces lisas da
pirâmide como uma rampa e para ajudá-lo em sua jornada celeste a cada
amanhecer. Barcas sagradas eram enterradas em câmaras ao lado da
pirâmide para ajudar o soberano morto em sua viagem pelo céu com o deus-
sol Rê.
A forma da pirâmide, com os seus templos anexos, foi utilizada para a
maioria dos sepultamentos reais das IV, V e VI dinastias, embora as
dimensões destes monumentos decaíssem após o reinado de Miquerinos, no
final da IV dinastia.
A maior inovação, contudo, foi a inclusão de inscrições hieroglíficas nas
paredes das câmaras das pirâmides do final da V e VI dinastias formando o
mais antigo corpus religioso egípcio chamado de “Textos das Pirâmides”.
Os obscuros reis do Primeiro Período Intermediário também parecem ter
sido sepultados em pirâmides, a julgar pelos restos sobreviventes que indicam
terem sido sepultados em pirâmides muito simples e, em alguns casos, tendo
retornado ao uso do tijolo cru para algumas partes dos edifícios.
O faraó Mentuhotep II, da XI dinastia, reunificou o Egito e erigiu em
Tebas um túmulo de formato inovador. Localizado no grande circo rochoso
natural de Deir el-Bahari, era formado por um grande edifício de culto (Templo
Funerário) dedicado não somente ao faraó, morto mas também aos deuses
Amon-Rê e Montu-Rê. Com o formato de uma plataforma em rocha,
reproduzindo uma tenda divina estilizada, sobre a qual estaria um edifício
retangular que simbolizaria o monte primevo.

82
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Corte do templo funerário e tumba de Mentuhotep II, Deir el-Bahari

Uma passagem descendente levava da parte posterior do edifício até uma


câmara funerária abobadada escavada sob as encostas da montanha. O seu
sucessor Mentuhotep III pode ter seguido a mesma forma de monumento
funerário, mas a sua tumba ainda não foi localizada.
Amenemhat I, fundador da XII dinastia, provavelmente iniciou a
construção de seu túmulo em Tebas, seguindo o estilo do monumento
funerário de Mentuhotep II, mas com a transferência da corte para o Alto
Egito. O projeto de sua tumba tebana foi abandonado e construiu uma
pirâmide com um complexo de templo em Lisht, no estilo dos monumentos do
final do Antigo Império.
Os seus sucessores da XII e XIII dinastias também foram sepultados em
pirâmides, construídas em diferentes necrópoles próximas ao Fayum:
Dahshur, Lisht, Saqqara, Lahun e Hawara.
Estas pirâmides eram menores em tamanho, de construção inferior e
sem inscrições, entretanto várias delas possuíam câmaras internas complexas
com passagens que buscavam dificultar o acesso aos ladrões de túmulos.
As tumbas dos reis hicsos, da XV dinastia, que controlavam o Delta do
Egito, durante o Segundo Período Intermediário, ainda não foram encontradas.
Provavelmente foram sepultados em tumbas do tipo cananeu, algumas delas
não-reais foram encontradas em Avaris (Tell el-Daba).
Os governantes egípcios da XIII dinastia, contemporâneos aos hicsos,
foram sepultados em Tebas em tumbas escavadas na rocha com pequenas
pirâmides em tijolos, construídas na área de Dra Abu el-Naga. O que parece
ser a subestrutura de algumas destas tumbas forma uma câmara funerária e
uma sala com pilares precedida por um pátio.

83
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Os faraós do Novo Império foram sepultados em tumbas de um novo


estilo, escavadas no “Vale dos Reis” (“Biban el-Moluk”), na margem oeste de
Tebas. As tumbas eram constituídas por uma série de passagens, corredores e
câmaras escavadas na rocha (hipogeu), sem a existência de uma
superestrutura. Provavelmente, este vale foi escolhido pelo formato
proeminente do pico de el-Qurn, que dominava o vale e assemelhava-se a uma
pirâmide natural Era considerado como uma “superestrutura” coletiva para
todas as tumbas localizadas no vale abaixo.

Tumbas Reais do “Vale dos Reis”, XVIII-XX dinastia:


KV? Amenhotep I; KV38 Thuthmés I; KV20 Hatshepsut; KV34 Thuthmés III;
KV35 Amenhotep II; KV 43 Thuthmés IV; KV22 Amenhotep III; KV62
Tutankhamon; KV57 Horemheb; KV17 Séthi I; KV8 Merneptah; KV11 Ramessés III

Os templos funerários
que serviam para o culto dos
faraós estavam fisicamente
separados das tumbas.
Estavam localizados na planície
do lado externo das encostas do
vale próximos à zona fértil do
vale do Nilo voltados para
leste.A disposição interna das Corte axonométrico da tumba de Séthi I, KV17,
XIX dinastia
tumbas, no ”Vale dos Reis”,
84
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

reproduz um Mundo Inferior através do qual o deus-sol percorre em sua


jornada noturna. A decoração das paredes ilustra e descreve as etapas desta
jornada no qual o deus-sol e por conseqüência o faraó morto, por assimilação,
percorre as doze horas da noite em direção a um novo amanhecer e ao
rejuvenescimento e a uma nova vida.
A única exceção a este modelo de tumba real do Novo Império foi a de
Akhentaton, que promoveu uma “revolução religiosa” na qual o disco solar
Aton foi elevado ao status de deus único.
Não somente a crença de Akhenaton negava a existência de múltiplas
divindades mas também as crenças tradicionais no pós-vida baseado nos
ciclos mitológicos de Rê e Osíris. Desta forma a tumba de Akhenaton situava-
se nas encostas da montanha a leste de sua nova cidade Akhetaton (el-
Amarna), localizada longe daquelas de seus predecessores ortodoxos e com
uma decoração que renegava todos os elementos iconográficos tradicionais,
destacando o contato da família real banhado pelos raios vivificantes de Aton.
Sob Tutankhamon a religião ortodoxa foi restaurada e a prática de
sepultamento no “Vale dos Reis” foi retomada até o final da XX dinastia,
quando o Delta do Nilo tornou-se o centro político dos faraós da XXI e XXI
dinastias, tornando o local escolhido para as sepulturas reais em Tânis, a nova
capital e o centro principal de culto do deus Amon no norte do Egito.
As tumbas eram constituídas por câmaras funerárias subterrâneas
construídas em rocha, provavelmente, com capelas de culto formando uma
superestrutura, atualmente destruídas. Estas tumbas situavam-se dentro do
recinto murado do templo de Amon. A
localização de tumbas dentro do recinto dos
templos tornou-se uma prática comum aos
sepultamentos dos parentes dos reis e de
altos oficiais. O costume foi interrompido
durante a XXV dinastia, formada por reis
núbios, que embora residindo no Egito e
egipcianizados, construíram as suas tumbas

em el-Kurru e Nuri, na Núbia. Suas tumbas


Reconstituição das tumbas reais em el-Kurru

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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

reviveram as tradições egípcias do passado distante com pequenas


superestruturas piramidais e templos funerários anexos.
As tumbas da XXV dinastia são as últimas identificáveis dos reis
egípcios. Evidências textuais indicam que os governantes da XXVI dinastia
retomaram a prática de construir as suas tumbas dentro do recinto de um
templo de culto, neste caso o da deusa Neith, em Sais. Entretanto, nenhuma
evidência arqueológica foi ainda encontrada. Talvez esta tradição nos
sepultamentos reais tenha continuado, mas não existem provas e as suas
tumbas ainda permanecem desconhecidas.

V.2. AS TUMBAS PARTICULARES OU PRIVADAS

Nas tumbas dos particulares o mobiliário funerário, os objetos pessoais


e as estátuas, são distribuídos conforme a sua função em uma das duas
partes que as compõem: a capela acessível aos vivos, acima do solo
(superestrutura) e a câmara funerária no subsolo (subestrutura).
Na capela eram colocados os objetos destinados ao culto funerário. As
estátuas eram esculpidas muitas vezes na rocha que formava a tumba ou
confeccionadas separadamente nas oficinas e colocadas em um nicho.
O ponto focal do culto é a estela ou a estela porta-falsa onde a imagem
do morto, frequentemente acompanhado por sua esposa, diante dela era
colocada uma mesa de oferendas em rocha sobre a qual os familiares ou
sacerdotes depositavam os alimentos acompanhados por preces e hinos. Esta
estela era considerada o local de passagem entre o mundo dos vivos e o dos
mortos.
Nas mastabas o ritual de oferendas poderia ser realizado diante da
estátua do morto que estava colocada em uma capela ou em uma câmara
selada adjacente (serdab).
Caso o ritual regular de oferendas fosse negligenciado ele poderia ser
substituído, magicamente, pelas cenas que decoravam as paredes da capela
funerária e pelo equipamento funerário como um método alternativo que
garantiria o fornecimento de alimento para o morto.

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Outra forma de garantir este fornecimento de alimentos ao morto para


toda a eternidade são as cenas representadas nas paredes da capela onde tudo
o que era necessário para o seu conforto estava representado.
O corpo era depositado na câmara funerária subterrânea selada e
inacessível. A comunicação entre esta e a capela dava-se de forma mágica por
meio da estela porta-falsa que permitia ao morto o contato com o mundo dos
vivos.
O acesso à câmara funerária era, normalmente, feito por meio de um
poço, algumas vezes ligado a um corredor; ou por uma passagem descendente.
As paredes da câmara funerária e as de seu acesso não eram decoradas, a não
ser em raras exceções. Todas as decorações concentravam-se na capela.
No dia do sepultamento, o corpo em seu esquife era baixado até a
câmara subterrânea e colocado em seu sarcófago tendo próximo os vasos
canopos e as shabti (ushabti) que eram selados no interior da câmara por um
bloco de rocha, ou por tijolos de barro nas tumbas mais simples, e o poço e a
passagem preenchidos com entulhos, cascalho e areia. Ninguém tinha acesso
ao seu interior exceto o Bá do morto que transitava entre o mundo dos vivos e
o dos mortos.

V. 3. EVOLUÇÃO DAS TUMBAS PARTICULARES

As tumbas particulares mais antigas, datadas da I e da II dinastias,


inspiraram-se nas tumbas reais feitas em tijolos com uma superestrutura de
formato retangular.
Como as tumbas Pré-dinásticas em tijolos estas também tinham uma
superestrutura de formato retangular, mas com as paredes externas
inclinadas para dentro, surgidas inicialmente em Giza, Abusir, Saqqara e
Meidum. Esta forma recebeu, no Século XIX, o nome árabe de mastaba -
“banco”.
Na III dinastia, algumas vezes tinham as faces externas recobertas com
placas de calcário principalmente, em Saqqara, Naqada e Abidos, formando as
primeiras necrópoles.

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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

As tumbas reais desenvolveram para o formato da pirâmide, tornando-se


uma prerrogativa dos faraós do Antigo e Médio Impérios enquanto as
mastabas serão utilizadas como tumbas privadas próprias das pessoas
importantes da sociedade.
A subestrutura destas tumbas compreende uma única câmara funerária
de grandes dimensões cujo acesso era através de um poço vertical. Na
superestrutura as primeiras mastabas possuíam dois nichos nas paredes
externas, um a norte e outro a sul, que serviam como local às preces e
oferendas. Com o passar do tempo, estes nichos desenvolveram-se formando
uma capela de culto.
Na IV dinastia, a rocha torna-se um material regularmente utilizado na
construção das tumbas da elite. O acesso à câmara funerária era através de
um poço aberto no topo da mastaba que atravessava a superestrutura e
penetrava a rocha abaixo do solo.
Após o sepultamento, a câmara
funerária, muitas vezes revestida por
blocos de calcário, era lacrada com
uma parede de tijolos ou blocos de
rocha, ou algumas vezes por uma
grande laje em rocha que era
abaixada sobre a entrada como uma Corte de uma
mastaba típica da
porta de alçapão (porticullis). O poço IV dinastia
era preenchido com cascalho e areia.
Em algumas mastabas a estrutura da face externa foi alongada
formando um corredor colocando o nicho no interior da superestrutura. A
porta-falsa era o ponto focal da capela, embora o seu plano variasse: algumas
eram cruciformes, outras retangulares ou no formato de um L. O número de
câmaras nas mastabas multiplica-se. Nas V e VI dinastias algumas mastabas
possuem uma série complexa de câmaras, depósitos e serdabs ocupando todo
o interior da superestrutura. Os depósitos das mastabas continham, além dos
alimentos, os equipamentos rituais usados pelos sacerdotes no culto aos
mortos. O acesso à câmara funerária, em muitos casos, era feito por meio de

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

um poço inclinado que mais se assemelhava a uma rampa como a dos


corredores internos das pirâmides.
A introdução das câmaras internas e a progressiva expansão de suas
dimensões criaram superfícies capazes de serem decoradas. As primeiras
decorações, na III
dinastia, consistiam de
imagens do morto
diante da mesa de
oferendas cercadas por
objetos e bens
Corte de uma mastaba
desejados e necessários típica das V-VI dinastias
no Outro Mundo. Com
a IV dinastia cenas agrícolas, de caça e de atividades produtivas são adicionais
ao antigo repertório.
No final da IV dinastia as cenas internas representam as atividades
realizadas por trabalhadores e servos, portadores de oferendas, cenas com
açougueiros, trabalhos agrícolas e pesca. Todas realizadas diante da imagem
do proprietário da tumba representado sempre em escala gigantesca. Estas
cenas tinham a função mágica de suprir as necessidades e proporcionar a
subsistência do morto em sua vida póstuma além de confirmar o seu status
social. Com raras exceções não são representadas cenas dos funerais.
Nas V e VI dinastias as cenas em alto relevo policromado representavam
o banquete funerário com o morto diante das oferendas, músicos e
dançarinas; cenas agrícolas distribuídas segundo as estações do ano, a
preparação dos alimentos e a criação dos rebanhos; trabalhos artísticos e
artesanais, joalheiros, escultores e carpinteiros; e a caça nos pântanos e nos
desertos. O morto é representado junto com a sua esposa e filhos
supervisionando todas essas atividades.
No final do Antigo Império surge uma alternativa às mastabas, nas
províncias “nomos” do Alto Egito; eram tumbas escavadas na rocha nos
penhascos e falésias ao longo do Vale do Nilo, onde a área era insuficiente para
a construção de uma superestrutura como as mastabas.

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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Assim, as tumbas eram cortadas na montanha com as entradas voltadas


em direção ao Nilo. Embora existam exemplos datados da IV dinastia
tornaram-se mais freqüentes no final da V dinastia. Todavia diferentes em sua
forma possuem a mesma função das mastabas. Foram mantidos uma capela
para oferendas e culto funerário além de um poço que levava a uma câmara
funerária.
As capelas destas tumbas eram muito largas adaptando elementos
arquitetônicos como colunas, pilares e arquitraves. Nelas existia uma porta-
falsa e um serdab para as estátuas, algumas ocupando uma sala anexa onde
as estátuas eram escavadas na própria rocha que formava a câmara.
O enfraquecimento do poder central, com o colapso do Antigo Império,
repercutiu na forma da tumba.
Desaparecem as superestruturas elaboradas e as tumbas escavadas com
capelas amplas. As tumbas da elite tornam-se muito inferiores em qualidade.
Há um predomínio das tumbas rupestres escavadas nas falésias com
capelas não decoradas, exceto por pequenas estelas colocadas diante da
passagem ou poço que levava à câmara funerária. Em muitas destas tumbas
modelos em madeira servem como substitutos para as cenas que antes
decoravam as paredes das capelas.
Com o restabelecimento do poder central, no início do Médio Império,
foram estabelecidas as condições para que os oficiais e os administradores
locais utilizassem a mão de obra de artistas e
artesãos na construção de suas tumbas.
Grandes tumbas escavadas na rocha
com pórticos e pilares na capela e poços que
levam à câmara funerária, surgem na XII
dinastia, em Beni Hassan, Deir el-Bersha,
Assiut, Meir e Assuã testemunhando o
desenvolvimento de uma elite que são

sepultados em sua cidades natal e não mais


Reconstituição de uma tumba em
junto ao faraó na sua capital.
Beni Hassan
Em El-Tarif, em Tebas ocidental, na XI
dinastia, desenvolveu-se uma forma de tumba composta por um pátio
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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

escavada na colina diante de uma fachada sustentada por pilares com um


corredor que conduzia a uma pequena capela ou nicho e uma passagem ou
poço que levava a uma câmara funerária, esta forma denominada saff que em
árabe significa “em linha” ou “fila”.
Embora as tumbas escavadas nas encostas rochosas predominem no
Médio Império, mastabas ainda eram construídas para os cortesãos que eram
sepultados próximos às pirâmides reais em El-Lisht.
Tumbas rupestres, muitas vezes pouco
decoradas, continuaram a ser feitas durante o
Segundo Período Intermediário, entretanto,
importantes inovações ocorreram no Novo
Império. No início da XVIII dinastia tumbas da
necrópole tebana desenvolveram-se tendo como
modelo as tumbas saff; as primeiras tumbas
do Médio Império foram, na verdade, tumbas

saff deixadas inacabadas ou adaptadas e


Corte axonométrico de uma tumba
reutilizadas. saff:
1. pátio; 2. entrada; 3. sala
A forma desenvolveu-se transformando o transversal; 4. porta-falsa; 5. poço;
longo corredor, entre a fachada e a câmara 6. câmara com esquife; 7. sala
axial; 8. nicho com estátuas de
interna, em uma sala transversal que tomou a culto.
forma tradicional das tumbas privadas da XVIII
dinastia em um formato de um T invertido.
As paredes eram decoradas com pinturas e mais raramente relevos. A
sala transversal possui, normalmente, cenas que retratam o ambiente social
do morto: cenas agrícolas, caça e pesca, banquete funerário e a carreira
funcional do proprietário.
Estas cenas “cotidianas” fornecem um testemunho muito valioso dos
hábitos, costumes e valores da sociedade da época. Mas além dessas
informações as cenas também guardam uma linguagem simbólica que coloca o
morto frente a um combate contra as forças do caos como aliado das
divindades e junto com o faraó mantendo a ordem cósmica
A sala axial possui uma decoração, normalmente, representando temas
funerários como os rituais e o culto ao morto. Esta sala, na forma de um
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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

corredor, termina na estela porta-falsa ou em um nicho com a estátua do


morto diante do qual se realizavam os rituais de oferendas.
A câmara funerária subterrânea era ligada a um poço ou uma passagem
inclinada e não era decorada, somente em casos muito excepcionais ela
possuía textos e cenas funerárias.
Na XIX dinastia o conceito das tumbas particulares muda. Ela passa a
ter uma função “comemorativa” com uma decoração que confirma o status do
morto e a sua condição social dando ênfase ao papel religioso da tumba,
colocando-o em um contexto divino, em uma feliz existência póstuma, no
Mundo dos Mortos, junto aos deuses.
A tumba passa a ser uma espécie de templo, um local sagrado onde o
morto adora os deuses, como já anunciava, muito discretamente, algumas
tumbas do Médio Império.
Esse desenvolvimento é manifestado, principalmente, na decoração das
paredes da capela e na arquitetura das tumbas.
As capelas das tumbas da XVIII dinastia eram caracterizadas pela
concentração de um único tema o cena por parede, demarcado pelos cantos da
câmara, pelas entradas, passagens e outros elementos arquitetônicos.
A organização interna dos elementos dentro das cenas era feita usando-
se os registros. Isso foi substituído por uma “tira de imagens” na qual os temas
são dispostos sequencialmente em uma faixa pictórica horizontal, que poderia
estender-se de uma parede à outra adjacente. A distinção de duas dessas
faixas em uma parede dava ao pintor a oportunidade de realizar um
paralelismo conceitual. Cenas de culto funerário ocupam, geralmente, a parte
inferior e aquelas relacionadas ao Pós-vida e ao Mundo dos Deuses ocupam o
superior. Este paralelismo entre as faixas deriva da decoração das estelas
funerárias da XVIII dinastia que mostra a adoração aos deuses, no topo da
estela, e o culto ao morto na parte inferior.
As tumbas ramessidas compõem-se por cinco partes distintas: a parte
externa, com uma pirâmide em tijolos e um pátio murado, as vezes com um
jardim arborizado; e as partes internas com a capela, a passagem em declive e
a câmara funerária.

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

O pátio e a capela tinham uma forte ligação com a arquitetura dos


templos, enfatizando o paralelismo entre o culto aos deuses e o culto ao morto.
Isso se torna mais evidente no Período Pós-Amarna nas tumbas de Tebas e
Mênfis que possuíam uma entrada com o
formato de um pilono e o pátio com colunas.
Na mesma época, a pirâmide já havia sido
abandonada como forma exclusiva para as
tumbas reais, passando a ser usada pelos
particulares em uma escala muito menor na
construção da superestrutura de suas tumbas
em Mênfis e Tebas.
Na arquitetura das tumbas ramessidas
manifestam-se três níveis conceituais:
A câmara funerária e a passagem

inclinada era uma associação ao Mundo


Reconstituição das
Subterrâneo e aos Domínios de Osíris, isto é, a tumbas de Deir el-
topografia do Mundo Inferior e o local de Medina, Tebas

sepultamento do deus ao qual o morto era identificado.


A superestrutura tinha associações solares sendo representada por uma
pequena pirâmide com um nicho para conter uma estela escrita com hinos ao
deus-sol. Esta parte da tumba
era, geralmente, construída com
tijolos em barro e poucas
sobreviveram, mas fragmentos e
representações em pinturas
ajudam a compreender a sua
Cortes de tumbas de
forma original. No topo da Deir el-Medina: 1.
pirâmide um piramidion, feito em pilono; 2.pátio;
3. entrada com
rocha, geralmente mostra o morto pirâmide;
4. capela; 5. sala axial;
em adoração ao deus-sol Rê-Harakhti. 6. nicho; 7. poço;
A capela e as suas salas internas e o pátio eram 8. antecâmara;
9. câmara funerária
inspirados pela arquitetura do templo. Este era o local de

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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

culto onde os deuses eram adorados junto com os ritos funerários ao morto.
Este esquema representa um desenvolvimento posterior da função
conceitual da tumba. É uma reflexão monumental do papel do morto, colocado
como participante da jornada do deus-sol identificando-o com Rê e com Osíris.
A construção de novas tumbas particulares declinou com o final do Novo
Império e durante o Terceiro Período Intermediário foram construídas,
relativamente, poucas tumbas, ao invés disso as tumbas antigas foram
reutilizadas, muitas vezes, sem qualquer alteração na decoração e houve uma
tendência crescente de sepultamentos coletivos. Entretanto, algumas
estruturas funerárias foram construídas, a maior parte eram formadas por
modestas capelas em tijolos com poços que levam à pequenas câmaras
funerárias não decoradas. Há inúmeros exemplos, principalmente em Tebas
próximo ao Ramesseum dentro do recinto de culto, o que será uma
característica deste período.
Embora algumas capelas fossem decoradas com blocos com relevos
pintados, s esquifes e papiros é que se tornaram os principais veículos para a
tradição dos textos e imagens funerários, em particular os esquifes que
atuavam como uma tumba em miniatura.
As XXV e XXVI dinastias testemunharam o renascimento das primeiras
tradições artísticas, na arquitetura e nas práticas religiosas. Essa tendência
também é evidente nas tumbas que aproveitando o ressurgimento da
construção arquitetônica, promovido pelo governo centralizado, favoreceu a
construção de tumbas para altos oficiais em Tebas e Mênfis.
Em Tebas, as grandes tumbas dos oficiais, das Divinas Adoradoras de
Amon e sacerdotes foram construídas ao longo do caminho processional do
templo de Hatshepsut que, provavelmente, adquiriu uma importância
renovada como foco da revivida “Bela Festa do Vale”.
Essas enormes “tumbas palácios” pertenceram à mesma tradição das
tumbas ramessidas.
Em Saqqara e Giza os altos oficiais eram sepultados em “Tumbas Poços”
com as suas múmias protegidas por enormes sarcófagos antropomórficos.
Pessoas de status inferior continuaram a reutilizar as tumbas antigas e a
serem sepultados coletivamente.

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

A tendência da capela funerária de imitar


um templo de culto culminou no IV ao III Século
a.C., com a criação de tumbas como as de Tuna
el-Gebel, no restante do Egito o modo como o
morto era sepultado variava. Catacumbas foram
usadas em Alexandria, na necrópole de Kom el-
Shugafa, decoradas com relevos e pinturas nas

quais a iconografia egípcia foi mesclada a elementos


Reconstituição da câmara
greco-romanos. No Fayum e nos oásis, as múmias abobadada com o sarcófago de
uma “Tumba Poço”, XXVI
eram enterradas em grandes covas, talvez como um dinastia
armazenamento temporário. Em Kom Abu Billo
havia tumbas em tijolos com tetos abobadados e um nicho na extremidade
leste que continha uma estela em calcário.
Com a chegada do cristianismo os sepultamentos tornaram-se cada vez
mais simplificados, muitas vezes, nada além de uma cova como as sepulturas
dos mais humildes do Período Faraônico.

VI. MÚMIAS: MENSAGEIRAS SILENCIOSAS DE UM PASSADO PERDIDO

A idéia de uma vida após a morte no Egito remonta aproximadamente ao


Paleolítico Médio. É nessa época que aparecem os primeiros objetos utilitários
colocados nas sepulturas, junto ao corpo, para que o morto os utilize em uma
nova existência.
A vontade de conservar os corpos, em sua integridade física, a fim de
que o morto possa viver em um Outro Mundo parece datar das primeiras
dinastias. Ela tem a sua origem nas areias do deserto de onde surgiam,
algumas vezes, corpos em um estado de conservação que impressionaram
esses primeiros egípcios.
Seu fundamento religioso tem na concepção da individualidade, que
para os egípcios era constituída por sete princípios diferentes, que coexistiam
uns com os outros: o Corpo, o Coração, o Nome, a Sombra, o Bá, o Ká, e o

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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Akh. Nenhum indivíduo poderia existir sem um desses princípios, seja sobre a
Terra como no Outro Mundo.
O corpo, que servia de receptáculo a todos os outros elementos, deveria
ser preservado após a morte para reunir, todos os princípios que formavam o
indivíduo.
A palavra múmia deriva do persa mum, que significava “cera” ou
“betume” passando para o árabe mummia. No copta mum significa “cera”. A
origem desse nome, para designar os corpos embalsamados dos egípcios
antigos, baseia-se no engano provocado pela aparência enegrecida de algumas
múmias, semelhante à coloração do betume ou do piche mineral, substância
que ocorre naturalmente na região do Mar Morto e que muito esporadicamente
era usado no processo de mumificação durante o Novo Império. Na verdade a
coloração preta é o resultado do uso de resinas vegetais que se alteraram com
o tempo.
As primeiras tentativas de mumificação
eram um processo de conservação muito
simples e pouco eficazes. O corpo do morto era
coberto por gesso para evitar a sua
decomposição, o que resultava em uma espécie
de “casca” preservando somente a aparência
externa do corpo. Foi apenas com a descoberta
da desidratação artificial, com a ajuda do
natrão, que a mumificação teve um progresso
real no Antigo Império.
Variação da posição da incisão da
Os corpos eram cobertos por cristais de evisceração conforme a época:
A. vertical no abdômen no início do
natrão que retirava os líquidos dos tecidos. reinado de Thutmés III; B. diagonal
paralela a coxa durante e após o reinado
Essa técnica de conservação foi completada, de Thutmés III.
C. diagonal da cintura até a virilha nas
durante o Antigo Império, pelo processo de múmias de menor qualidade e mais
evisceração abdominal e escerebração. A recentes.

primeira técnica consistia na retirada do intestino, do fígado, dos pulmões e do


estômago para que a sua decomposição não se espalhasse para o restante do
corpo. As vísceras eram limpas - com vinho de palmeira - desidratadas,

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

enfaixadas e guardadas dentro de vasos canopos. O coração, que para os


egípcios antigos era o centro do pensamento, era deixado no lugar.
A segunda técnica consistia em retirar o cérebro, na maior parte das
vezes pelas narinas, quebrando o osso etmóide com a ajuda de um gancho, e a
cavidade craniana preenchida com resinas. Após a evisceração e escerebração
o corpo do morto era lavado e recoberto com natrão durante 70 dias sendo
depois limpo, entretanto o tempo decorrido poderia ser maior, como o ocorrido
na mumificação da rainha Meresankh que levou 272 dias ou Tutankhamon
que teria levado 8 meses, é provável que o tempo de mumificação, nesses
casos, estaria somado a preparação do equipamento funerário, como os
caixões, sarcófagos e a conclusão da própria tumba. A cavidade abdominal
poderia ser preenchida com goma de cedro, mirra, diversos ungüentos junto
com mechas de linho, ou na mais simples com serragem, dando ao corpo a
sua forma original antes de ser enfaixado com tiras de linho impregnadas com
goma arábica. Em seguida uma série de faixas em tecido, mais largas, eram
colocadas para proteger o corpo todo e por último um sudário era amarrado ao
corpo por faixas horizontais.
Paralelamente a essa técnica de conservação, os egípcios antigos,
desenvolveram uma teologia da mumificação por meio do mito de Osíris. Ele
foi o primeiro homem-deus a vencer a morte. Assassinado pelo seu irmão Seth
o seu corpo, despedaçado, foi reunido e mumificado por sua esposa Ísis e por
Anúbis criando a primeira múmia.
A mumificação era praticada por sacerdotes especializados, os
embalsamadores. Inicialmente feita sob a “Tenda da Purificação”, na entrada
da necrópole ou próximo à tumba, na Baixa Época era feita em um edifício
chamado “Local Puro”. A classe de embalsamadores é conhecida desde a VI
Dinastia seguindo uma hierarquia: o “Controlador dos Mistérios”
supervisionava as operações realizadas por um embalsamador chefe o
“Chanceler do Deus” e pelos “Sacerdotes Leitores”. Os sacerdotes que
celebravam os rituais usavam uma máscara do deus Anúbis. Existia ainda um
pessoal subalterno que participava dos rituais fúnebres, durante o processo de
mumificação, e artesãos especializados na preparação do natrão, dos
ungüentos, das resinas e das bandagens.

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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

A mumificação fazia parte de um ritual funerário muito complexo onde


numerosos rituais religiosos eram realizados durante as diferentes etapas da
preparação do corpo. Os embalsamadores colocavam numerosos amuletos
entre as bandagens e recitavam inúmeras fórmulas mágicas, escritas em rolos
de papiros, que eram lidas pelo “Sacerdote Leitor”.
Uma vez pronta a múmia realizava-se o “Ritual de Abertura da Boca” que
permitia ao morto recuperar as suas faculdades físicas e mentais. O morto,
assim preparado, poderia renascer para uma nova vida pela identificação com
o deus Osíris tornando-se, ele mesmo, um Osíris (um ser divino). A múmia
recebia, em seguida, a máscara funerária e era colocada dentro de esquifes e
sarcófagos para ser transportada até a sua tumba.
A mumificação foi inicialmente um privilégio real. Somente o faraó
poderia tornar-se um Osíris. Com o final do Antigo Império esse privilégio foi
estendido aos nobres e, pouco a pouco, ao povo. Três categorias de
mumificação eram praticadas segundo os recursos materiais da família, ela
poderia ser completa ou mais ou menos simplificada. Os sacerdotes eram
pagos, pelas famílias, em espécie ou em prata após a Baixa Época.

Esquema de enfaixamento de uma múmia. Existem várias formas de se enfaixar o corpo,


podendo começar pelas extremidades dos membros, terminando na cabeça. O corpo era
envolto em uma mortalha que era fixada com faixas. Sobre a cabeça era colocada a máscara
mortuária.

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Ela não era exclusivamente reservada aos humanos. Na religião egípcia


uma grande parte dos deuses poderia se manifestar pelos animais e um
grande número de espécies era mumificado. Certas espécies de animais, como
os gatos e as íbis, eram criadas com o objetivo de serem mumificadas para
serem vendidas aos peregrinos que as utilizavam como oferendas às
divindades. O mais famoso de todos os animais mumificados foi o touro Ápis
que, a partir do Novo Império até o final da Baixa Época, era mumificado e
sepultado em imensos sarcófagos em granito no Serapeum, em Mênfis.

VI. 1.A ATENÇÃO DESPERTADA PELAS MÚMIAS

O interesse sobre as múmias teve início com a própria egiptologia.


Objeto de curiosidade despertou o interesse dos primeiros viajantes europeus
que chegaram ao Egito junto com a campanha militar de Bonaparte, em 1798.
Desde esta época as múmias começaram a ser levadas como objetos
ornamentais para os “gabinetes de curiosidades” dos colecionadores, na sua
maioria membros das cortes ou da burguesia européia. Este modismo chegou
à corte portuguesa, no Brasil, onde D. Pedro I adquiriu a coleção de Fiengo,
que mais tarde seria base da coleção egípcia do Museu Nacional. Seu filho, D.
Pedro II, deu prosseguimento a esse interesse pela terra dos faraós tornando-
se um egiptólogo amador.
Esse interesse por objetos egípcios fez com que numerosas múmias
pertencentes a colecionadores particulares terminassem mais tarde nos
museus, o que as preservou mas sem nenhuma outra informação quanto à
procedência desses objetos.
Muitas das múmias que permaneceram no Egito tiveram um fim menos
digno, foram destruídas por diversas razões. A pilhagem foi a principal causa
da sua destruição. Na busca por jóias e amuletos os corpos eram
despedaçados e seus restos abandonados ou queimados, ainda no interior de
suas sepulturas.
Durante a Idade Média um manual em árabe ensinava como saquear as
tumbas, “O Livro dos Tesouros Enterrados” como era chamado, fez tanto
sucesso que foi reproduzido durante séculos. Nele os saqueadores aprendiam

99
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

com precisão como encontrar as tumbas e as múmias e de como se proteger


magicamente da vingança dos espíritos perturbados.
Outra causa de destruição muito freqüente era a moagem dos corpos
mumificados par a obtenção de um pó considerado como possuidor de
propriedades curativas devido ao betume contido nos corpos.
Esta prática mencionada pelo médico árabe Ibn Sina (Avicenna) escrita
no Século 11 e presente no trabalho de outro médico árabe Abd el Latif
tratavam das propriedades do pó de múmia que misturado à água era
aquecido para que vapores fossem inalados ou dissolvidos para ingestão com a
finalidade de curar abcessos, fraturas, paralisias, náuseas, úlceras e epilepsia.
O pó de múmia aparece nas listas de substâncias medicinais na maioria dos
textos médicos latinos, foi tão comum que é mencionado mesmo em textos
literários, como em “Romeu e Julieta” de Shakespeare, sendo usado até o
Século 19. Quando a rainha Vitória adoeceu recebeu do rei da pérsia um
frasco contendo pó de múmia para ajudar em seu tratamento de saúde.
O pó de múmia foi amplamente utilizado no Século 19 e início do Século
20 também na fabricação de pigmentos utilizados na pintura, por ser
considerado como um conservante das cores e com o mesmo pó obtinha-se
uma cor chamada “marrom múmia”.
Os tecidos das bandagens também foram utilizados na fabricação de
papel. Enquanto as múmias de animais, principalmente as de gato, eram
exportadas para a Inglaterra a um custo de aproximadamente 3 dólares a
tonelada para servir como fertilizante agrícola. Além disso muitas múmias
tiveram o seu fim nas fornalhas das locomotivas a vapor no Egito usadas como
combustível no lugar do carvão.
Esses diferentes usos mantiveram durante séculos o comércio de corpos
mumificados contribuindo para a sua destruição e promovendo os saques nas
tumbas.

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

VI. 2. UM HISTÓRICO DO ESTUDO DAS MÚMIAS EGÍPCIAS

Com a descoberta do raio-X, em 1895, por W. C. Röntgen um novo


campo de estudo abriu-se para as múmias egípcias permitindo uma
exploração não destrutiva. W. Flinders Petrie pede que as múmias por ele
descobertas no Egito sejam radiografadas em 1896, mas a pouca potência dos
aparelhos da época só permitiram a exploração das extremidades dos
membros.
Nos anos que se seguiram, a radiologia foi tornando-se cada vez mais
um instrumento que veio a contribuir nos estudos sobre a mumificação
egípcia. Em 1897 foi realizada pelo Dr. Bloch, em Viena, a primeira radiografia
completa de uma múmia egípcia.
- 1903 a múmia do faraó Thutmés IV (cerca de 1499-1386 a.C.) foi
desenfaixada em uma cerimônia solene no Museu do Cairo por Gaston
Maspero, Emile Brugsch e Georges Daressy na presença de uma platéia de
egiptólogos e médicos. No mesmo ano essa múmia foi conduzida em um táxi
para o primeiro hospital do Cairo que dispunha de um aparelho radiográfico
para ser examinada pelo Dr. Khayat. A chapa permitiu determinar a idade do
rei mostrando ser mais jovem do que se pensava baseado nos documentos
históricos.
- 1912 G. Elliot Smith publicou a primeira descrição completa das
múmias reais do Museu do Cairo por meio da radiografia. Ainda a pouca
potência dos equipamentos não permitia uma visualização das partes dos
corpos que estavam sob grossas camadas de resina.
- Entre 1903 e 1909 os naturalistas, Louis Lorte e Claude Gaillard,
publicaram um estudo sobre a fauna mumificada do Egito Antigo onde gatos,
cães, roedores, bovídeos, ovídeos, pássaros, répteis e peixes foram
radiografados. A despeito da utilização cada vez maior da radiografia em
análises não destrutivas ainda eram freqüentes as sessões de desenfaixar as
múmias que resultavam na destruição dos corpos, como as realizadas em
Manchester pela egiptóloga Margaret Murray, que em 1907 "autopsiou" as
múmias dos dois "irmãos" datados do Médio Império (cerca de 2061-1784 a.C).

101
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

- 1910 o patologista inglês, Marc Armand Ruffer, desenvolveu uma


técnica de reidratação dos tecidos mumificados permitindo a histologia, a
anatomopatologia e a parasitologia dos tecidos humanos mumificados
identificando a presença de ovos do chistosoma haematobium responsável pela
bilharziose em duas múmias da XX dinastia (cerca de 1185-1070 a.C). Nesse
mesmo ano G. Elliot Smith identifica um caso de lepra em uma múmia copta.
- 1913 o químico, Marcellin Bertoletti, descreveu a primeira anomalia
vertebral, uma fusão anormal das vértebras lombares com o sacro, em
radiografias de uma múmia da XI dinastia (cerca de 2061-1991 a.C).
- 1925 Douglas E. Derry autopsiou a múmia de Tutankhamon mas não
a radiografou gerando críticas a esse seu trabalho.
- 1926 no Museu Guimet, em Paris, foi realizada a primeira radiografia
de uma múmia na França. O equipamento operado por M. Bonin resultou em
chapas interpretadas pelo egiptólogo Alexandre Moret, nessa época ainda
enfrentava-se dificuldades em transpor massas resinosas que cobriam ou
preenchiam partes do corpo.
- 1931 o patologista, Roy L. Moodie, radiografou uma série de 17
múmias, onde 7 eram de crianças, todas de épocas diferentes revelando sinais
de artrose, arterioesclerose e desgastes dentários. De grande qualidade essas
radiografias permitiram ver as estrias de crescimento em duas crianças do
Período Romano. Moodie estudou também vários animais mumificados pelos
egípcios antigos.
- 1933 W. C. Boyd e L. G. Boyd seguidos por L. C. Wyman
desenvolveram a primeira técnica de determinação de grupos sangüíneos das
múmias a partir dos restos musculares de uma série de 131 múmias egípcias.
- 1936 P. B. Candela desenvolveu uma outra técnica utilizando
fragmentos de ossos pulverizados, seu estudo foi feito sobre 30 múmias de
mulheres egípcias da XXI dinastia (cerca de 1070-946 a.C).
- 1942 F. J. Onckheere publicou um estudo completo, tanto radiológico
como da autópsia, da múmia do escriba real Butehamon.
- 1955 A. T. Sandison desenvolveu uma técnica de reidratação de tecidos
que pouco variou até hoje.

102
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

- 1960 o Dr. Roberval Bezerra de Menezes radiografou a múmia feminina


romana (nº. 158) do Museu Nacional encontrando sinais de ósteo-artrite, mas
infelizmente as radiografias estão atualmente desaparecidas.
- 1963 George Harrison radiografou os restos mumificados encontrados
na tumba real nº. 55 que foram identificados como sendo, provavelmente, do
faraó Akhenaton e mais tarde comparando-se as radiografias mostrou ser um
parente próximo a Tutankhamon.
- 1966 Peter Hugh Ker Gray radiografou e publicou as múmias do
Museu de Leyden das quais 3 delas fazem parte do pequeno grupo de múmias
(nº. 7, 15 e 16) ao qual pertence a múmia romana feminina (nº 158) do Museu
Nacional.
- 1968 Peter Hugh Ker Gray e Warren Royal Dawson publicaram o
catálogo de múmias e restos humanos do Museu Britânico, combinando o
estudo arqueológico com as análises das radiografias de 133 múmias, dentre
elas a de nº. 6704, esta faz parte do pequeno grupo ao qual pertence múmia
feminina (nº. 158) do Museu Nacional.
Nesse mesmo ano George Harrison radiografou pela primeira vez a
múmia de Tutankhamon com um equipamento portátil no interior da tumba
desse faraó. Nesse mesmo ano fez as radiografias de um dos fetos encontrados
nessa mesma tumba.
- 1973 J. E. Harris e E. F. Wente publicaram um estudo das múmias
reais do Museu do Cairo mostrando incompatibilidades entre as identificações
clássicas e as filiações genéticas prováveis, mas comprovando em vários casos
a idade da morte de alguns faraós obtida por fontes históricas.
- 1976 a múmia de Ramessés II foi levada para Paris para ser restaurada
e estudada por uma equipe dirigida por Lionel Balout e C. Roubet, utilizando
vários exames não invasivos, entre eles a radiografia, e análises de fungos e de
restos vegetais encontrados na múmia. Ao final dos exames a múmia foi
esterilizada por raios gama e colocada em uma vitrine de plexiglas preenchida
por uma atmosfera estéril.
- 1979 A. Rosalie David e sua equipe publicaram um estudo de 17
múmias do Museu de Manchester datadas desde o Novo Império (cerca de
1570-1070 a.C.) ao Período Romano (332 a.C.-395 AD) e de restos humanos

103
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

fragmentados. Foram igualmente estudadas múmias de 31 animais que se


encontravam no museu.
Nesse mesmo ano Eugen Strouhal e L. Vyhnànek estudaram 24 corpos e
restos de múmias egípcias em museus e coleções particulares da
Tchecoslováquia, muitas delas provenientes da necrópole de Deir el-Medina
encontradas nas escavações de Bernard Bruyère, bem como 69 múmias de
animais.
- 1980 Aidan Cockburn e sua equipe publicaram o estudo sobre 4
múmias da Universidade da Pensilvania em um projeto chamado PUM I-IV.
- 1981 R. Grilletto publicou os resultados dos estudos antropológicos
das múmias descobertas nas escavações na necrópole de Antinoe e com E.
Delorenzi o estudo das múmias egípcias do Museu de Turim.
- 1982 C. Roubet e Roger Lichtenberg desenvolveram um projeto
inovador de estudo a partir de radiografias de 17 múmias feitas no próprio
campo de escavação na necrópole de Dush, no Oásis de Kharga, datado do
Período Ptolomaico ao Romano (332 a.C.-395 AD). Esse trabalho prosseguiu
até 1974 com Françoise Dunand e Roger Lichtenberg.
De 1986 a 1988 I. Morimoto, Y. Naiato, K. Hirata e T. Wakebe
publicaram um estudo dos restos de 166 múmias provenientes da necrópolede
Gurna, em Tebas, datadas da XVIII dinastia ao Período Ptolomaico (cerca de
1570-31 a.C.)
- 1987 Patrice Josset e Jean-Claude Goyon autopsiaram, após um
minucioso radiológico e com o auxílio de tomógrafo, uma múmia do Museu
Guimet de História Natural de Lyon o que resultou na criação de dois
documentários de grande sucesso da TV Francesa, um sobre a autópsia e
outro sobre a análise dos materiais coletados durante os trabalhos (tecidos
humanos e vegetais e pólen).
- 1992 a Organização Egípcia de Antiguidades promoveu um estudo
radiológico de 59 múmias do Período Romano (30 a.C.-395 AD) da necrópole
de Aïn Labakha, no Oásis de Kharga.
- 1992 a toxicóloga Svetla Balabanova do Instituto de Medicina Forense
de Ulm ao examinar as amostras de cabelo das múmias do Museu de Munique
divulgou resultados ainda controversos da presença de cocaína e nicotina.

104
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Atualmente no Museu de Manchester sob a supervisão de Rosalie David


organiza um banco de dados de DNA de múmias egípcias iniciada com a
coleção do Museu Britânico e vem recebendo amostras de outros museus pelo
mundo; e ainda Salima Ikram, da Universidade Americana do Cairo, vem
estudando as múmias reais do Museu do Cairo e desenvolvendo um projeto de
“adoção” de múmias de animais cujo estudo radiológico é patrocinado por
cotas adquiridas por particulares.
Estudos das múmias do Período Romano descobertas nas tumbas do
Vale das Rainhas e no Ramesseum, em Tebas Ocidental, estão atualmente em
curso feitos por A. Macke e C. Macke-Ribet da equipe de Christian Leblanc.
Atualmente todos os meios científicos modernos são colocados à
contribuição do estudo das múmias humanas e animais nos grandes centros
internacionais. Normalmente as pesquisas desenvolvem-se no âmbito dos
museus e universidades associadas ou auxiliadas por hospitais em grupos
multidisciplinares formados por especialistas que permitem um estudo de
todos os aspectos científicos possíveis: histológicos, anatomopatológicos,
radiológicos, palinológicos, entomológicos e têxteis, além da datação por
radiocarbono e as reconstituições faciais a partir das características
cranianas. Os progressos incessantes nas técnicas não destrutivas de análise
médica, como os scanners e tomógrafos, com a sua análise de grande definição
de imagens que permite a eliminação da superposição de diferentes estruturas
e contrastes o que possibilita uma melhor visualização vem sendo cada vez
mais aplicado.
Podemos então dizer que as múmias egípcias nunca foram tão
estudadas como atualmente fornecendo um conhecimento cada vez mais
preciso das condições de vida no Egito Antigo, das doenças e dos processos de
mumificação, permitindo confrontar e especificar os dados arqueológicos.

105
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

VII. Vasos Canopos

Os egípcios compreenderam, desde muito cedo, que a decomposição do


corpo começava pelas vísceras e decidiram, portanto, retirá-las através de uma
incisão do lado esquerdo do abdômen.
Entretanto, preocupados em manter a integridade do morto, não se
desfaziam desses órgãos, mas secavam e individualmente enfaixavam-nos em
linho sepultando-os, na tumba, próximos à múmia em vasos denominados
“Canopos”, termo criado no século XIX pelos antiquários os mais antigos
datando da IV Dinastia, e sempre em número de quatro.
Os egípcios não tinham um termo específico usado para designar estes
vasos, sendo chamados genericamente de “jarros de embalsamação” (qbw n-
wt).
Estes vasos eram feitos, mais frequentemente, em alabastro (calcita),
calcário ou faiança e colocados sob a proteção dos Quatro Filhos de Hórus,
que eram associados a um ponto cardeal.
A partir do Médio Império passam a ter as suas tampas representando o
rosto do morto e mais tarde, durante a XIX dinastia, passaram a ter o rosto
dos Quatro Filhos de Hórus, e cada um estava também sob a proteção de uma
deusa.
Na Baixa Época as vísceras mumificadas tinham a forma de pacotes que
eram colocados no interior da múmia e, frequentemente, um conjunto de
Vasos Canopos “falsos” eram colocados na tumba.

106
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

DEUS TAMPA ÓRGÃO DEUSA LOCAL

Hapy babuíno pulmões Néftis norte

Duamutef ou chacal estômago Neith leste


Tuamutef

Amset ou homem fígado Ísis sul


Mesta

Qebehsenuef falcão intestinos Serket oeste

VIII. AMULETOS

Os amuletos têm um papel importante na vida dos egípcios antigos que


atribuíam a eles uma função protetora contra todos os males, conhecidos ou
imaginados, transferindo-lhes as suas virtudes mágicas. Eram usados em
colares, pulseiras, como pingentes ou anéis.
Segundo as suas crenças, esta proteção, estendia-se também aos
mortos; as múmias eram providas de amuletos destinados a proteger o morto
em sua vida no Outro Mundo. Ao longo da história egípcia os amuletos
multiplicaram-se em uma grande variedade de formas
chegando, na Baixa Época, a aproximadamente 300
tipos diferentes. Cada um possuía poderes particulares e
eram colocados em locais definidos sobre a múmia.
Quanto mais alta a posição social do morto os
amuletos eram mais numerosos e feitos em materiais
mais preciosos. O material era escolhido, muitas vezes,
por suas propriedades mágicas. A grande maioria era
feita em faiança azul esverdeada, cor que simbolizava a
regeneração, alguns eram feitos em pedras
semipreciosas ou em ouro.
Disposição dos amuletos em
Podemos dividir os amuletos em grandes uma múmia da Baixa Época
categorias. A mais numerosa é aquela em que os

107
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

amuletos têm a forma de animais, entre os quais o escaravelho ocupa um


lugar de destaque.
Outra categoria de amuletos muito freqüente são as pequenas imagens
de divindades. Estas atribuíam os poderes da divindade à pessoa que as
carregassem.
Existiam também amuletos que representavam sinais sagrados ou
símbolos de divindades, tais como o pilar-djed, símbolo de Osíris, o nó-tyt,
símbolo de Ísis, e o Olho de Hórus (udjat).
Havia ainda amuletos que representavam partes do corpo humano para
proteção ou, no caso dos mortos, também a substituição, o mais freqüente
sendo o coração.

cabeça de cobra
escaravelho
deus Thoth
ibicéfalo

peitoral com pilar- nó-


feixe de papiro
Anubis djed tyt
wadj

coroa coroa
branca vermelha coração-ib
olho-udjat
108
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

IX. SARCÓFAGOS, ESQUIFES E CARTONAGENS

O “naos” é para o templo o núcleo do edifício, a morada do deus, o santo


dos santos, assim como o sarcófago para a tumba, pois aquele é a parte
essencial, a morada do morto, por conseguinte a razão de ser da sepultura.
Como o “naos”, o sarcófago ocupa um lugar definitivo na tumba, não podendo
ser considerado nem como um objeto mobiliar nem como um ornamento.
As primeiras tentativas feitas pelos egípcios neolíticos de proteger os
corpos sepultados foram a de depositá-los em covas envoltos em cestas, peles
de animais, ou coloca-los dentro de potes de barro de formato redondo ou oval,
às vezes com um outro pote emborcado como tampa.
Deste modesto início desenvolveu-se uma progressiva série dos mais

Sepultamento com corpo fletido sobre um “caixão-


esteira”, I dinastia, British Museum Esqueleto sepultado em um
pote cerâmico, I-II dinastia,
Museu Petrie

elaborados caixões, variando em estilo e decoração nos diferentes períodos. O


desenvolvimento dos sarcófagos e caixões como o último receptáculo do corpo
físico foi grandemente afetado pela crença religiosa e em breve adquiriram seu
próprio simbolismo.
Estes receptáculos estavam destinados a conter o khat, isto é o corpo
sem vida, que era passível de corrupção e que só poderia ser preservado pela
mumificação.
Ao lado da significação mística do sarcófago, bem caracterizado pelo seu
nome egípcio “senhor da vida”, este importante objeto possui uma função que
podemos qualificar de arquitetônica, pois constitui uma verdadeira casa para o
109
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

morto. Esta noção aparece de uma maneira


precisa durante o Antigo Império, quando os
sarcófagos e caixões, vêm substituir as
simples covas Pré-dinásticas. Eram grandes
caixas retangulares com paredes espessas,
sua decoração era usualmente simples com
entalhes verticais que representavam a
fachada de uma casa de tijolos, chamada
frequentemente de serekh ou “fachada de Caixão “Casa” em madeira para um
palácio”, pois acredita-se terem sidos corpo fletido, II-III dinastias, Mênfis.

inspiradas nas fachadas dos primeiros


palácios reais Pré-dinásticos, além de possuírem representações de portas ao
longo de painéis de decorram o seu exterior são fechados por uma tampa
abobadada..
Este tipo de sarcófago desenvolveu-se segundo uma idéia relativa à
condição do homem após a morte: o morto continuaria a viver sob a terra,
deveria então ser abrigado da mesma forma que fora em vida.
Durante o Médio Império a forma e a decoração dos sarcófagos,
inspiradas no período anterior, sofreram modificações conforme as crenças
funerárias da época; os textos funerários anteriormente reservados às paredes
da câmara funerária real, passam a ser escritos nos sarcófagos de
particulares.
O material utilizado é a madeira e a decoração era então pintada ainda
com motivo de “fachada de palácio”, mas compostos como uma série de estelas
separadas por uma coluna vertical de textos que traz os nomes e títulos do
morto. Os olhos-udjats são pintados ou esculpidos ao nível da face da múmia
incorporados, às vezes, a uma representação de uma “porta-falsa”. Este
mesmo motivo aparece frequentemente, no mesmo ponto, no interior do
caixão.
O corpo era colocado dentro do caixão sobre o seu lado esquerdo com a
face voltada para o nascer do sol, a eterna fonte de vida, com o objetivo de
transferir ao morto a revigorante energia do sol.

110
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Este tipo de caixão, chamado também de “sarcófago heliopolitano”, era


colocado sob a proteção de divindades relacionadas as suas partes
componentes. Assim os lados menores eram guardados por Shu - Tefnut - Geb
- Nut; os ângulos dos lados maiores pelos “Quatro Filhos de Hórus”: Amset -
Hapy - Duamutef - Qebehsenuef; a tampa era relacionada com Nut. O caixão
passa a ser alinhado no interior da câmara funerária, segundo um eixo norte-
sul, isto é segundo as cidades sagradas de Buto e Hieracômpolis e guardado
por quatro deusas - Néftis - Neith ao sul e Ísis - Selkit ao norte. Usualmente
esta forma é reduzida, tendo as figuras de Néftis na cabeça e a de Ísis nos pés,
desta forma o morto tornar-se-ia Osíris protegido por sua família. No interior
são comuns as representações de oferendas alimentares e objetos do
mobiliário cotidiano.
A parte inferior da tampa é decorada com estrelas e outros motivos
astronômicos, o fundo é decorado com cenas do “Texto dos Dois Caminhos”,
uma espécie de mapa do Mundo Inferior.

Caixão de Pepi-seneb, IX Dinastia, madeira estucada. Museum of Fine Arts Boston

As teorias relativas à vida após a morte transformam-se na polarização


de duas doutrinas: a osiríaca e a solar, que dão ao morto os “Campos Elísios” e
o “Céu”. É o momento de transição do Médio para o Novo Império quando o
tipo de caixão retangular, com motivo de “fachada de palácio”, dá lugar aos
esquifes antropomórficos e às máscaras mortuárias em cartonagem. Esta
técnica limitava-se a uma máscara que envolvia toda a cabeça e ombros da
múmia.

111
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Surgidas durante a XII dinastia, estas


máscaras eram feitas de linho fortalecido com
goma, o que permitia a moldagem tridimensional
antes da aplicação do gesso, proporcionando uma
cuidadosa modelagem da face.
Ao esquife antropomórfico são dadas duas
significações mágicas: o poder simbólico inerente a
sua forma de múmia osiríaca e a sua decoração
com cenas e textos especificamente religiosos. Em
muitos casos o rosto do esquife era coberto por
uma camada de ouro, como alusão à pele dos
deuses, e por ser uma matéria incorruptível, Máscara funerária de
Nakhti, XII dinastia,
segundo o pensamento egípcio. Em outros Assiut, Louvre
exemplares o rosto era pintado em verde, como uma
identificação com Osíris como deus da vegetação.
Esta combinação faria do sarcófago uma armadura mágica que, em
torno da múmia, realizaria os efeitos desejados. Devido à natureza peculiar do
pensamento religioso egípcio, muitas vezes cenas de diferentes fontes
mitológicas podem ser
encontradas lado a lado em um
mesmo esquife.
Desde do Antigo Império,
os caixões foram identificados
com o corpo de Nut, a deusa-
celeste, protetora do morto. Suas
associações funerárias são duas:
Nut era a mãe de Osíris na
cosmogonia heliopolitana e era ao
mesmo tempo o símbolo do céu ,

a mãe do deus-sol Rê, como


Decoração interna do sarcófago da rainha
descrito na câmara funerária de Hatshepsut com a deusa Nut, XVIII dinastia,
Museu do Cairo
Ramessés VI “Eu sou tua mãe

112
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Nut. Eu me estendo sobre ti em meu nome de céu. Tendo entrado em minha


boca, tu sais entre minhas coxas, como Rê, todas as manhãs”. O corpo de Nut
era então o sarcófago, o esquife ou o estojo que envolvia o cadáver, que deste
modo atingiria o estágio inicial de uma nova vida.
Nut é a “Mãe Bondosa”, “Senhora da Vida” e da “Respiração”, a mãe
protetora que atende às preces daquele que é duas vezes seu filho, o morto
identificado a Osíris-Rê. Em oposição à mãe terrestre, que traz o seu filho ao
mundo, Nut, a mãe celeste, guardaria eternamente o corpo que
lhe foi confiado, assegurando-lhe uma vida sem limite de tempo.
“Ó minha mãe Nut, estende-te sobre mim, e que eu possa ser
colocado entre as imperecíveis estrelas e nunca morre”. Versões
desta passagem dos “Textos das Pirâmides” eram
frequentemente escritas em caixões, principalmente durante o
Novo Império. “Eu nunca te enviarei de volta ao mundo” diz Nut
ao morto nos textos do “Ritual Funerário”.
Os sarcófagos e esquifes egípcios traziam a figura da
deusa Nut na face externa de suas tampas, ou no interior da
caixa que recebia o corpo mumificado, fazendo daquele que ela
recobria seu filho Osíris. Nos textos do Antigo Império a palavra
usada para designar o peito de um sarcófago era mwt (mãe).
Deusa Nut pintada no
A caixa dos esquifes e sarcófagos era muitas vezes interior de um esquife,
XXII dinastia
identificada a Geb, o deus-terra, era o irmão-esposo de Nut.
O morto é Osíris, que se encontra no seio da terra, sujeito aos ataques de Seth
(a decomposição). Quando a tampa é descida sobre o sarcófago, o céu se une à
terra. O simbolismo baseia-se num mito, segundo o qual, originariamente, o
céu e a terra estavam unidos e quando foram separados o tempo passou a
existir. Deste modo o morto em seu caixão estaria fora do mundo temporal, o
caixão é o ponto de partida para a viagem que o morto fará no Outro Mundo.
Ao que parece, durante o Médio Império, o sarcófago era assimilado a
um barco, símbolo de um meio dinâmico de conduzir o morto no mundo
celeste. Nesta época a prancha dianteira era identificada com o estibordo de
um barco e a prancha das costas com o bombordo. A propósito disto Nut é

113
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

também o nome dado à vela e à cabine dos barcos nos “Textos dos
Sarcófagos”.
Assim como a tumba, o caixão, não é um espaço fechado e inerte mas
uma matriz geradora de mutações e de vida, onde o bá poderia vir visitar o
antigo corpo que um dia ele habitou, utilizando os olhos dos caixões como
portas por onde a alma poderia entrar e sair do “Mundo dos Mortos”, esta
função aparece pela primeira vez nas representações das “portas-falsas” nos
sarcófagos do Médio Império.
O corpo de Nut, por onde o deus-sol navega
todas as noites, é o meio regenerador do sol e do
morto. Os sarcófagos e esquifes se apresentam
então como um microcosmos.
Sob a influência deste simbolismo complexo,
o caixão antropomórfico, primitivamente simples,
toma pouco a pouco proporções monumentais.
Quer seja em madeira (esquife ou caixão), quer seja
em rocha (sarcófago), como o dos soberanos, o
caixão antropomórfico permanecerá em uso até o
seu desaparecimento no Período Romano.
A partir do final do Novo Império o uso de
cartonagem para caixões internos passa a ser mais
freqüente. Essa técnica, surgida no I Período
Intermediário, consistia de camadas de linho
coladas e prensadas sobre a qual era aplicada uma
camada de estuque de espessura variada, que após
estar seca proporcionava uma excelente base para
Cartonagem de Nakhtefmut,
XXI dinastia, Fitzwilliam a decoração com cenas e textos funerários
Museum semelhantes aos aplicados nos esquifes
satisfazendo as necessidades estéticas que a
religião exigia.
No Período Ptolomaico o linho poderia ser substituído por folhas de
papiro velhas que também poderiam ser usadas para se produzir uma massa
semelhante ao papel machê.

114
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Conforme a época a cartonagem poderia ser dourada ou ter a adição de


apliques em relevo para as coroas, cabelos, adornos e incrustações de pedras
semipreciosas e pasta de vidro.
Surge então uma maior predileção por caixões em cartonagem, feitos em
duas metades, como os de madeira, ligados por de orifícios ao longo dos lados.
Os pés eram geralmente reforçados com uma base de madeira.
A decoração tende a uma divisão em registros horizontais cobrindo do
peito aos pés, com cenas mitológicas ou do “Livro dos Mortos”.
Outro tipo de caixão, surgido na Baixa Época, consistia num estojo feito
de várias camadas de linho, sendo a mais externa estucada e decorada.
Quando a múmia era colocada dentro deste “envelope” as bordas das folhas de
linho, que formavam o estojo, eram costuradas ou atadas às costas. O estojo
era então tratado como um esquife, com sua decoração e textos usuais.
Estes estojos, assim como as
cartonagens, poderiam ser depositados dentro
de um caixão externo em madeira.
A partir da XXVI dinastia e
principalmente no Período Ptolomaico o estojo
de múmia passou a predominar, tomando-se
usual prover o morto com uma máscara com
a face pintada e um peitoral que continha o

seu nome e títulos junto à prece de oferendas. Esquema de encaixe de esquifes


antropóides em um caixão
Algumas múmias tinham ainda um estojo para retangular, Baixa Época
os pés.
Cada painel ao longo do corpo era pesadamente decorado com motivos
mágicos, tais como: o colar-usekh, símbolo da Eneida Heliopolitana, e a partir
da XXVI dinastia transformou-se também em um amuleto que se destinava a
dar ao morto o poder de livrar-se das bandagens que impediam a sua
mobilidade.; os olhos-udjats; as deusas Ísis e Nut pteróforas com suas asas
abertas protegendo o morto; os “Filhos de Hórus” e os chacais de Anúbis, que
protegiam o morto contra os ataques de seus inimigos e guardariam os órgãos
embalsamados, que neste período eram depositados no interior da múmia;

115
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

além de representações de vários amuletos e símbolos solares como o disco


solar envolto por serpentes e os escaravelhos.
A popularidade deste tipo de “container” deveu-se, em parte, ao seu
preço relativamente baixo e seu fechamento conveniente em torno da múmia.
A superfície branca estucada proporcionava uma
excelente base para a decoração, o que satisfazia as
necessidades estéticas que a religião exigia.
Esta forma de se apresentar a múmia foi uma
decorrência do próprio pensamento religioso da época,
em que a aparência externa do morto era tão importante
quanto a sua conservação para a perpetuação de uma
vida além-túmulo. Esta “visão fictícia” criada pelo
pensamento religioso egípcio tardio está muito presente
na cultura material, o importante não é que as coisas
existam verdadeiramente, mas que tenhamos a idéia de
que existiam.
Além disso, os gastos com esta técnica eram
muito menores do que com uma mumificação de boa
qualidade ou com os caros esquifes de madeira.
Estes estojos funerários eram muitas vezes

mantidos em estoque nas oficinas que os


Cartonagem do Período
produziam. Completamente decorados, reservavam Romano, I século A.D., British
Museum.
apenas o espaço para o nome e os títulos do
proprietário.

116
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

X. ESTELAS

As estelas são lajes em rocha ou madeira, e mais raramente em faiança,


que poderiam conter cenas e inscrições referentes a decretos e registros
históricos de realizações reais, demarcações de fronteira, e hinos e preces a
divindades. Contudo, em sua maior parte, são de caráter funerário sendo o
ponto focal o culto ao morto e portanto colocada sempre em um local de livre
acesso na capela funerária.
Desde o Antigo Império as estelas são destinadas a assegurar a
perpetuidade das oferendas funerárias, pela representação dos mortos diante
de uma mesa de oferendas e pela inscrição de invocações de fórmulas de
oferendas. Elas frequentemente representam vários membros de uma mesma
família, sejam como beneficiários das oferendas, sejam como oficiantes dos
rituais, pois o culto aos mortos era executado pelos parentes e seus
descendentes.
Elas provém, em grande parte, das
capelas funerárias, estruturas construídas
sobre as câmaras funerárias, frequentemente
familiar ou provenientes de capelas votivas
construídas próximas aos grandes templos,
principalmente, do Templo de Osíris, o grande
deus dos mortos, em Abidos.
Na sua origem, no Período Thinita, as
estelas eram um privilégio real. Eram altas e
representavam episódios históricos ou extratos
do protocolo real gravados na parte superior
enquanto que a parte inferior era lisa para
facilitar a sua fixação no solo.

Estela porta-falsa de Neferyu No decorrer do Antigo Império surge a


calcário policromado. VIII dinastia estela “porta-falsa”, chamada “a boca da
Metropolitan Museum, NY
casa” (r-pr), feitas em rocha e mais
raramente em madeira, que reproduz uma porta com a imagem do morto
diante de uma mesa de oferendas e um texto com as invocações de oferendas.
117
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Era localizada, normalmente, sobre o poço ligado à câmara funerária do lado


oeste da tumba, esta porta permitiria ao morto comunicar-se com os vivos e
ter acesso às oferendas que eram depositadas diante dela.
No Médio Império as estelas “porta-falsa” continuam a existir, mas
simplificadas a um formato retangular e normalmente decorada com um friso
e no topo folhas de palmeira. Paralelamente desenvolveu-se uma forma de
estela com o topo arredondado trazendo o nome e os títulos do morto e seus
familiares.
Nesta época surge também as estelas votivas ou estelas de capelas,
destinadas a prover ao morto e a sua família o benefício das cerimônias
realizadas nos santuários próximos dos grandes templos ou nos locais
sagrados.
Colocadas em capelas simples construídas em tijolos ou em cenotáfios
em rocha, um grande número de estelas votivas provém de Abidos, a oeste do
recinto do templo de Osíris. Colocadas ao longo do caminho processional que
levava ao templo elas eternizavam a peregrinação ao túmulo de Osíris.

Reconstituição de uma Capela Cenotáfio do Médio Império


em Abidos:
1 - Murro do recinto; 2 - Pátio ou jardim;
3 - Capela; 4 - Mesa de Oferendas; 5 - Estelas

Pouco a pouco, a partir do início do Novo Império, a estela toma a sua


forma “clássica” com o topo arredondado e dividido em dois registros,
principalmente, e algumas vezes três. O registro superior mostra,
frequentemente, o morto, algumas vezes acompanhado por sua esposa diante
de divindades. No registro inferior, o morto e sua esposa, segurando flores de
lótus, sentados diante de uma mesa de oferendas trazidas por seus familiares
118
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

dispostos como participantes de um ritual de oferenda. É nesta época,


também, que aparecem as estelas com representações do morto diante de
divindades.
Convém, entretanto, não se prender a fórmulas
esquematizadas com respeito aos temas tratados nas
estelas. Na realidade as formas e o conteúdo variam
conforme a época e os destinatários.
Devemos lembrar que o faraó era, por excelência, o
proprietário de todas as riquezas do Egito e o
intermediário entre os deuses e os homens. Somente ele
estava habilitado a dar as oferendas necessárias às
divindades. Assim, a maior parte das estelas começa por
uma fórmula de invocação de oferendas feita pelo faraó
endereçada, principalmente, a uma divindade funerária
(Anúbis e Osíris) que irá reverter em favor do morto:

“Oferendas que o rei faz para...” (Htp-di-nsw), seguida de Estela em calcário de Paser,
final da XVIII dinastia,
uma lista de alimentos indispensáveis e pelo nome e
British Museum
títulos do morto e a sua filiação terminada pelo termo
justificado (m Aa-xrw), que significa que morto foi reconhecido como justo e puro
após o seu julgamento no tribunal de Osíris.

119
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

XI. SHABTI

As estatuetas funerárias Shabti (Shauabti) ou Ushabti são figuras


mumiformes colocadas na tumba para cumprir tarefas que o morto poderia vir
a ser convocado a realizar no outro mundo. Essas figuras servis foram
idealizadas para evitar que o morto trabalhasse, cultivando os campos ou
limpando os canais, no Outro Mundo. No início do Médio Império, cada morto
possuía, em seu túmulo, apenas uma shabti com pequenas ferramentas para
realizar estes trabalhos.

Ferramentas, utensílios e símbolos das


Shabtis/Ushabti
A. Enxadas
B. Picaretas
C. Cestos - Novo Império
D. Cestos - III Período Intermediário
E. Cestos - Baixa Época
F. Canga com potes e cestos
G. Moldes de tijólos
H. Símbolos: 1 ankh; 2 djed; 3 was; 4 vaso-hés;
5 nó-tyt;
6 escaravelho; 7 pássaro-Ba

Com o passar do tempo, no Novo Império (XVIII-XIX dinastias), durante


o reinado de Séthi I e Ramessés II, as shabti passaram a ser colocados em
maior número (até 700 peças) formando verdadeiras equipes de trabalho,
sendo guardados em caixas. É desta época que data o aparecimento dos
“supervisores”, isto é, figuras não mumificadas vestidas como os vivos cuja
função seria a de comandar grupos de dez shabtis.
Estas estatuetas poderiam ser feitas em pedra, madeira, bronze ou mais
frequentemente em faiança azul (Novo Império) ou verde (Baixa Época). As
ferramentas, especialmente a enxada e a picareta nas mãos e um cesto nas

120
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

costas, eram pintadas ou moldadas na própria figura. A partir da Baixa Época


estes servidores funerários tiveram outra interpretação, passaram a ser
chamadas de Ushabti que significa “Respondente”, pois deveriam responder
em lugar do morto quando este fosse chamado a desempenhar as tarefas nos
Campos de Osíris. Como aparece no Capítulo VI do LdM, que já aparecia
escrito em shabtis desde o Novo Império.
Capitulo VI do LdM: fórmula para fazer com que uma shabti execute os
trabalhos para alguém no Mundo dos Mortos

“Ó Shabti, se eu for chamado e designado a


fazer todos os trabalhos que são realizados no
Mundo dos Mortos, esses que os espíritos dos
mortos são obrigados a fazer no além, coloca-te em
meu lugar a semear os campos, a encher de água
os canais, a transportar areia do Leste para
Oeste...
A estatueta responde: Eis me aqui”.

Shabti em faiança de
Sheshonq, Mênfis, XXII
dinastia

Shabti em rocha
com roupas de
oficial “supervisor”,
XIX dinastia

121
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

XII. GLOSSÁRIO GERAL

Este glossário geral foi concebido como um instrumento de uso mais amplo que a
simples explicação das noções abordadas nesta apostila

Ábaco - bloco quadrado no alto do capitel de uma coluna ou pilar sobre o qual
apoiava-se a arquitrave. No Novo Império traz gravado os cartuchos reais.
Abertura da Boca - ritual originado no Antigo Império, com a finalidade de dar ou
restabelecer a vida, realizado sobre as estátuas, os sarcófagos ou as múmias por
sacerdotes com objetos e vestimentas especiais.
Adobe - em árabe “muna”. Mistura de barro e palha utilizada na fabricação de tijolos
crus e como material de revestimento.
Afnet - toucado com a forma de uma bolsa que, no Período Amarniano, era um
atributo real chamado khat.
Afresco/Destêmpera - processo técnico de pintura, típico das tumbas egípcias, onde
os pigmentos minerais moídos são adicionados a uma goma (têmpera) e diluídos
em água.
Akh - um dos componentes espirituais do homem, resultado da união do Bá e do Ká.
Seu significado: “Ser Luminoso”, “Eficaz”, “Glorioso”, “Transfigurado”. É um
elemento espiritual que habita os céus e é o responsável pelas metamorfoses do
morto.
Akh iker n Re (“O Perfeito Espírito de Rê”) - nome do culto aos ancestrais muito
popular entre os trabalhadores de Deir el-Medina.
Akhet - Estação da Inundação que inicia na segunda metade de julho e termina na
primeira metade de novembro.
Alabastro (calcita) - de coloração branca ou amarelada semitransparente foi utilizada
principalmente na produção de objetos rituais como vasos canopos e vasos para
ungüentos. Tinha uma conotação de purificação. As suas jazidas estavam
principalmente no Médio Egito e no Sinai.
Altar Khat - suporte de formato cilíndrico sobre o qual era praticado um sacrifício ou
oferenda. Era móvel ou fixo, utilizado em espaços abertos ou nos túmulos.
Muitas vezes servia como suporte para a mesa de oferendas.
Alto relevo - cenas e inscrições esculpidas em rocha ou madeira, pintadas ou não,
onde a luz ressalta os contornos da figura.
Amarniano - nome que designa o período da “revolução” religiosa promovida pelo
faraó Amenhotep IV (Akhenaton). É uma referência ao sítio de Tell el-Amarna.
Amazonita (feldspato) - silicato de potássio, cálcio e alumínio opaco de cor
esverdeada. De coloração verde assumia os mesmos valores simbólicos da
turquesa, sendo indicado para a confecção de amuletos com a forma de papiros
e era considerado, juntamente com o lápis-lazúli e a turquesa, um dos materiais
mais preciosos. As suas jazidas ocorrem no Deserto Oriental.
AmDuat ou Duat - local percorrido pelo sol noturno onde descansam os mortos.
Amenti - o "Ocidente", onde os egípcios situavam a Terra dos Mortos. Era o reino de
Osíris visitado pelo deus-sol em sua viagem noturna após o entardecer, quando
o sol desaparece nas montanhas do oeste.
Ametista - variedade de quartzo transparente de coloração violeta a rosa claro.
Utilizado no Médio Império para a produção de amuletos e escaravelhos. As suas
jazidas ocorrem em Assuã e no Deserto Arábico.
Amratense - nome do primeiro período da cultura Pré-histórica de Naqada, que leva o
nome do sítio arqueológico el-Amra, ao sul de Abidos.
Amuleto - pequeno objeto com poderes mágicos que protegia os vivos e os mortos das
forças nefastas e dos inimigos. O objeto poderia representar deuses ou sinais
hieroglíficos favoráveis. O material em que estes objetos eram confeccionados
possuía um valor simbólico.
122
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Ankh - sinal hieroglífico que significa vida, conhecido também como cruz ansata ou
alçada. É um atributo dos deuses que dá a vida aos homens. Utilizado como
amuleto ou motivo decorativo. Ignoramos o que representa exatamente este
sinal.
Anubeion - santuário consagrado ao culto de Anúbis, situado em Saqqara.
Apotropaico - que tem o papel de afastar os seres nocivos e o mal.
Arquitrave - viga mestra retangular, em pedra, assentada horizontalmente sobre
colunas ou pilares para vencer o vão entre elas. Parte do entablamento que
repousa nos ábacos dos capitéis das colunas (epistílio). Quando em janelas ou
portas é decorada.
Asclepeion - santuário consagrado ao culto de Imhotep, identificado a Asclépio.
Asheru - lago sagrado com a forma de um crescente. Característico dos templos das
deusas identificadas com a "Deusa Distante", como o templo de Mut em Karnak.
Aspectiva - neologismo de origem alemã para designar a maneira egípcia de
representar, por oposição, a perspectiva. Na aspectiva não há pontos oblíquos
nem de fuga. Cada objeto é visto de maneira perfeitamente ortogonal, sem
deformação, segundo um plano mais favorável. O eixo do olhar é perpendicular
ao plano. Vários desses planos podem ser justapostos a fim de dar uma idéia
mais completa dos seres e dos objetos. Conhecido também como Frontalidade.
Átrio - pátio interno ladeado por colunas.
Auriflama - mastro em madeira de grandes dimensões fixado no pilono dos templos e
no qual estava a bandeira do deus.
Bá - um dos componentes espirituais do homem, dos deuses e dos animais.
Responsável pela individualidade é um elemento ativo e dinâmico que se separa
do corpo após a morte. É representado sob a forma de um pássaro com cabeça
humana, algumas vezes munido de braços. É o responsável pela passagem do
morto ao Mundo dos Vivos. Erroneamente traduzido por “alma”.
Badariense - cultura neolítica do Médio Egito que leva o nome do sítio arqueológico
el-Badari.
Baixo relevo - cenas e inscrições esculpidas em rocha ou madeira, pintadas ou não,
onde a luz penetrava nos sulcos destacando a figura.
Bakhu ou Bakh - as montanhas ocidentais por onde o deus-sol sai após a sua
viagem noturna pelas 12 horas do Mundo dos Mortos regenerado sob a forma de
um escaravelho.
Barba divina (Khebesut) - barba postiça, longa e trançada com a ponta curvada para
frente. Símbolo de força e virilidade. Usada pelo faraó morto e por divindades
funerárias como associação ao deus Osíris.
Barca Mandjet - a "Barca do Dia" utilizada pelo deus-sol em sua viagem diurna após
sair do Mundo Inferior.
Barca Meseket - a "Barca da Noite" utilizada pelo deus-sol em sua viagem noturna
pelo céu inferior.
Barca sagrada - barca sobre a qual a estátua de uma divindade ou do faraó
divinizado efetuava sua viagem sobre o Nilo. As imagens eram frequentemente
transportadas em modelos reduzidos de barcos durante as procissões.
Basalto - rocha preta e opaca utilizada para a construção de sarcófagos, pavimentos
de templos, estátuas e pequenos objetos. Tinha uma associação natural com o
Mundo Inferior e com o conceito de renovação. As suas jazidas concentravam-se
principalmente no Fayum, Abu Roash, Sinai e Assuã.
Bekhen - basalto ou grauvaca, utilizado na confecção de estátuas reais e divinas,
extraído das pedreiras de Wadi Hammamat cujo nome significa "Pedra
Maravilhosa". No Antigo Testamento é chamado de Eben Bochan e pelos
romanos Lápis Niger ou Lápis Thebaicos.

123
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Benben - pedra erguida em Heliópolis que recebia os raios do sol nascente. É a


manifestação do deus primordial Atum. Talvez a origem da forma do obelisco e
da pirâmide.
Brecha - uma matriz vermelha escura ou verde acinzentada de material heterogêneo
com inclusões de calcário bege utilizada na produção de vasos e estatuária. As
suas jazidas encontram-se ao longo de todo o Vale do Nilo.
Bubasteion - templo consagrado à deusa Bastet, situado em Saqqara.
Cabeça Reserva - cabeça humana em calcário, com as orelhas quebradas ou não
representadas, esculpida em tamanho natural cortada na altura do pescoço
formando uma superfície plana. Os 34 exemplares conhecidos são originários da
IV Dinastia no cemitério oeste da pirâmide de Khufu (Quefrem), era colocada
entre o fundo do poço funerário e a câmara funerária, em uma época onde as
estátuas particulares estavam proibidas. Provavelmente substituíam a cabeça do
morto ou eram destinados a um ritual mágico contra a decapitação.
Cachette/Favissa - termo que designa uma série de esconderijos antigos que
guardavam as múmias ou as estátuas.
Calçada ou Rampa - termo que designa, nos complexos funerários das pirâmides, o
corredor coberto que leva do Templo Baixo ao Templo da Pirâmide. Era
iluminado por pequenas janelas ou clarabóias e decorado com relevos. Por ele
era transportada a múmia real a caminho de sua tumba.
Calcário - carbonato de cálcio opaco com impurezas que fazem com que a sua
qualidade varie. De coloração do branco ao amarelo ou do rosa ao preto.
Facilmente trabalhável foi utilizado em praticamente toda a produção artística,
como monumentos, estatuária, objetos rituais. As suas jazidas ocorrem ao longo
de todo o Vale do Nilo.
Calcedônia (ágata ou ônix) - variedade micro cristalina de quartzo branco azulado.
Utilizado para a produção de amuletos e escaravelhos a partir do Médio Império.
As suas jazidas ocorrem no Deserto Ocidental.
Campos de Iaru ou Campo dos Juncos - campos paradisíacos do “Mundo Inferior”
de origem solar situados, a leste, eram um local de passagem. Enquanto os
Campos de Oferendas, a oeste, eram os locais de descanso dos mortos. Desde o
Antigo Império eram confundidos formando os Domínios de Osíris, onde o morto
plantava e colhia o seu alimento. Aparece no Capítulo 110 e 145 do “Livro dos
Mortos”.
Caneluras - Sulcos verticais colocados como ornamentação de pilares e fustes de
coluna.
Capela períptera - edifício cercado por uma única linha de colunas ou pilares.
Capitel - parte superior de uma coluna, geralmente esculpida.
Capitel Hathórico - capitel ornado com o rosto da deusa Háthor com orelhas de vaca.
Cartucho - nome que designa o anel ovalado, originalmente representava uma corda
amarrada, que simboliza a eternidade (shen) e que envolve protegendo
magicamente os dois últimos dos cinco nomes do faraó, o nome de trono e o
nome de nascimento.
Casa da Alma - designa uma forma particular de mesa de oferendas em terracota que
reproduz um miniatura de uma habitação verdadeira. Característica das VII a
XII Dinastias.
Cataratas - antes da construção das barragens o Nilo possuía seis cataratas
principais entre Cartum (Sudão) e Assuã. Desde os tempos mais antigos a
primeira catarata, em Assuã, formava a fronteira natural entre o Egito e a Núbia.
Cavernas - tradução aproximada do termo egípcio qereret que designa a região do
Duat. No singular "A Caverna" designa uma região do Mundo Inferior em
Heliópolis. É usado também para designar a origem do Nilo.
Caveto - ou toro. Moldura circular colocada nos ângulos de um monumento de forma
a ocultar os cantos vivos (anta), tanto horizontais como verticais. Usados
124
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

também como moldura para painéis com cenas decorativas tanto na arquitetura
como no mobiliário. Normalmente encimados pelas cornijas. Algumas vezes
lisos, mas frequentemente decorados com sulcos e linhas que reproduzem as
tiras de amarração usadas nos feixes de plantas, uma lembrança de quando
esses elementos vegetais eram utilizados na arquitetura dos tempos Pré-
Dinásticos. A sua função era puramente decorativa.
Cenotáfio - termo que designa uma tumba vazia. Os reis possuíam duas tumbas:
uma na qual o seu corpo era sepultado e outra que servia como local de culto
funerário. Este termo aplica-se não somente às tumbas fictícias como também
para todo o monumento dedicado à comemoração de um morto.
Cetro-Heqa ou Heqat - uma das duas insígnias reais egípcias. Derivado do bastão do
pastor, em forma de gancho, é o símbolo da realeza e do deus Osíris.
Cetro-Nekhakha - uma das duas insígnias reais egípcias. Derivado de um
instrumento agrícola, o flagelo, é o símbolo de autoridade associado ao deus
Osíris, igualmente carregado pelo deus Min.
Cetro-Sekhem - simboliza a manifestação do poder divino. É um símbolo de
autoridade carregado pelos oficiais e administradores do faraó. É um emblema
conectado com os deuses Osíris e Anúbis.
Cetro-Uadj - cetro em forma de papiro característico das divindades femininas.
Cetro-Was - consiste de uma vara terminada em forquilha tendo em seu topo a
cabeça de um animal (provavelmente um canídeo). Característico das divindades
masculinas. Simbolizava estabilidade, poder e domínio.
Cimo Tebano (El-Qurn) - cume sagrado em forma de uma pirâmide natural que
domina as necrópoles e templos de Tebas Ocidental. Identificado com a deusa
Merytseger.
Colossos de Memnon ou Amenophiun - duas estátuas colossais de Amenhotep III
que flanqueavam o acesso de seu templo funerário em Tebas Ocidental.
Coluna - existe um grande número de tipos de colunas na arquitetura egípcia
classificadas de acordo com a forma do capitel: protodórica, palmiforme
(palmeira), lotiforme (lótus), papiriforme (papiro) e Hathórica.
Complexo da Pirâmide - conjunto de edifícios ligados à sepultura do faraó e
necessários ao culto funerário. Composto pelo Templo Baixo, a calçada, o
Templo Alto e a pirâmide.
Cone funerário - cone em terracota fixado nas entradas das tumbas da XI à XXVI
Dinastias e trazendo o nome e os títulos do morto. Típicos da região de Tebas.
Cone de ungüento ou Cone de incenso - cone frequentemente representado nas
cenas de banquete funerário sobre a peruca ou cabeça dos participantes. Este
objeto enigmático poderia ser um cone de ungüento perfumado que se derreteria
com o tempo perfumando os cabelos ou protegendo contra o sol, seria um
símbolo hieroglífico para exprimir o perfume e teria conotações eróticas ligadas
ao renascimento e à procriação.
Cornalina - uma variedade de quartzo do grupo das calcedônias, translúcida de
coloração vermelha ou alaranjada. É considerada preciosa como a prata, o lápis-
lazúli e a turquesa. Simbolicamente representava as forças ligadas à cor
vermelha, como o sangue, a energia vingadora, o dinamismo e o poder do sol,
mas também o temperamento maléfico de Seth, o deus da desordem, das
tormentas e da aridez. Muito utilizado na confecção de amuletos desde o Período
Pré-dinástico. Na baixa Época o seu nome (Hrst) significava “tristeza”. As suas
jazidas encontram-se no Deserto Oriental.
Cornija - moldura côncava e saliente sobreposta no alto das paredes, nos
enquadramento das portas, nas estelas retangulares e em algumas formas
mobiliares. Inspirada em folhas de palmeira são, frequentemente, gravadas e
pintadas na curvatura. O conjunto é sobreposto por um filete.

125
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Coroa-Atef - coroa do deus Osíris e do deus Herishef em forma de mitra ladeada por
plumas de avestruz e algumas vezes com o disco solar em seu topo. Pode possuir
também dois cornos de carneiro e o uraeus.
Coroa-Azul (Khepresh) - coroa real do Novo Império que simboliza o renascimento e
o triunfo do faraó. Geralmente azul com discos amarelos. Erroneamente
considerada como capacete ou coroa de guerra.
Coroa-Branca (Hedjet) - mitra que simbolizava o poder do Alto Egito. É protegida pela
deusa Nekhbet.
Coroa-Dupla (Pschent) - formada pela união das Coroas Vermelha e Branca.
Simboliza a união e o poder do Alto e Baixo Egito.
Coroa-Hemhemet ou Hemhem - coroa composta por três coroas-Atef juntas sobre
cornos de carneiro, usada pelo rei morto e pelo deus-criança Harpócrates.
Coroa-Theni - formada por cornos de carneiro horizontais, duas plumas com o topo
arredondado e curvo que envolvem o disco solar.
Coroa-Vermelha (Desheret) - coroa anelada que simbolizava o poder do Baixo Egito.
É protegida pela deusa Uadjet.
Corregência - período onde dois faraós, normalmente o rei e um de seus filhos,
exercem conjuntamente o poder.
Cosmogonia - mitos referentes à Origem do Universo e à Criação do Mundo que têm
como princípio comum o “Oceano Primordial” ou “Nun”.
Côvado ou cúbito - unidade de medida dos antigos egípcios equivalente a 52,5cm
subdividido em 7 palmos ou 28 dedos para o côvado real, na XXI Dinastia, o
côvado pequeno era de 44,9cm subdividido em 6 palmos; durante o Período
Persa o côvado real passou a 64,2cm.
Crioesfinge ou Esfinge criocéfala - esfinge com cabeça de carneiro que guardava
exclusivamente as vias de acesso aos santuários.
Cripta - salas ou corredores secretos reservados desde o Novo Império. Mas
principalmente na Baixa Época eram feitas nas paredes e fundações dos templos
seja para conter estátuas ou objetos sagrados, seja como elemento cultual ligado
ao funcionamento do templo.
Culto Ancestral - realizado em um busto idealizado de um homem, ou mulher ou
muito raramente de um casal, ou para uma estela com a imagem de um familiar
morto sentado diante de uma mesa de oferendas cheirando uma flor de lótus.
Essas imagens incarnavam os seus ancestrais mortos, admirados por suas
virtudes e qualidades chamados Akh-iqer-en-Rê “Espírito Excelente de Rê”, eram
os intermediários que levavam os apelos dos vivos aos deuses. Muito popular
durante o Novo Império, principalmente, entre os moradores da vila de Deir el-
Medina.
Deben - unidade de peso equivalente a 13,6g de ouro ou 27,2g de prata, no Novo
Império corresponde a 91g de prata. Subdividido em 10 kites de 9,1g.
Demótico - do grego “(Escrita) Popular”. É uma escrita cursiva, derivada do hierático,
em linhas horizontais e da direita para a esquerda. Somente após o Período
Ptolomaico passou a ser usado em obras literárias e religiosas. O último
testemunho é um grafito em Philae de 394 d.C.
Depósito de fundação - grupo de modelos reduzidos formado por placas, de
materiais variados, gravadas com o nome do faraó, miniaturas de ferramentas,
vasos e oferendas enterradas nas fundações dos edifícios, principalmente os
templos.
Dáide - par de estátuas esculpida em um mesmo bloco.
Dinastia - divisão da realeza egípcia criada pelo sacerdote egípcio Maneto a pedido de
Ptolomeu II, na primeira metade do Século III a.C. Ela era essencialmente
definida pela capital da época e por laços que nem sempre eram consangüíneos.
Dintel/Lintel - peça em pedra ou em madeira que se põe horizontalmente sobre
ombreiras de portas ou de janelas.
126
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Diorito (gabro ou granito preto) - rochas heterogêneas escuras, pretas ou pretas


esverdeadas, utilizadas na produção da grande estatuária, vasos, tigelas e
objetos finos. As suas jazidas encontram-se ao sul de Assuã.
Dikeras - termo grego que designa o "Duplo Corno da Abundância" seguro nas mãos
das estátuas das divindades e dos soberanos ptolomaicos.
Divina Adoradora ou Esposa do Deus - título da filha do primeiro sacerdote de
Amon, no reinado de Hatshepsut. No Novo Império foi um título usado pelas
rainhas e princesas. Durante o III Período Intermediário designava a chefe
espiritual dos domínios de Amon em Tebas. Esta função era exercida por virgens
da família real e transmitida por adoção.
Djed ou Pilar-Djed - objeto enigmático identificado com a coluna vertebral de Osíris,
mas também associado a Ptah e Sokar. A sua existência remonta ao Período Pré-
dinástico. A cerimônia de “Ereção do Pilar-Djed”, simbolizando a ressurreição do
deus era um ponto importante dos festivais de Abidos. Simboliza a estabilidade e
a permanência. Usado como amuleto e motivo decorativo.
Djet (Corpo Físico) - o corpo físico era o mais corruptível dos elementos que
compunham o homem e por isso era mumificado.
Dromos - via de acesso, em eixo, à entrada de um templo, ou entre dois templos,
ladeada por esfinges ou calçada.
Electro - designa um ouro branco ou uma liga de ouro e prata.
Encáustica - um método de pintura popular no Período Greco-Romano. Consiste na
aplicação de pigmentos fixados com cera de abelhas. Aplicado sobre madeira
e/ou tecido.
Enéade - grupo ideal de três vezes três divindades tendo sempre um deus principal. O
nove, para os egípcios, representava um plural indefinido fazendo com que a
enéade egípcia não tenha, necessariamente, nove deuses. As mais conhecidas
são a de Heliópolis, Mênfis, Abidos e Tebas, esta última com quinze deuses.
Epagômeno - cinco dias suplementares dedicados a Osíris, Hórus, Seth, Ísis e Néftis.
Acrescentados ao calendário solar para obter o ano de 365 dias.
Escaravelho - coleóptero sagrado que simboliza o sol levante e a idéia de nascimento.
Reproduzido em grande número como amuletos e jóias.
Escriba - função essencial da administração egípcia que possuía a tarefa de ler e
escrever.
Esfinge - do egípcio shespankh “Imagem Viva”. Designa um ser híbrido, mais
frequentemente, um corpo de leão com cabeça humana real usando um nemés e
representa a encarnação do poder real e divino. Numerosas variantes existem: o
nemés pode ser substituído pela juba do leão; a cabeça pode ser a de um
carneiro ou falcão; algumas vezes a esfinge pode ter o corpo de carneiro ou de
crocodilo. A partir do Médio Império podem ter a cabeça da rainha.
Estátua cubo ou bloco - categoria de estátua que aparece no início do Médio Império
e que permaneceu em uso até o Período Romano. O morto sentado com os
joelhos junto ao peito, frequentemente envolto em um manto dando o formato de
cubo ao corpo, onde somente a cabeça se ergue, talvez, como uma referência ao
sol nascente e à ressurreição. A sua origem provável estaria na representação do
guardião que se sentava na porta do templo.
Esteatita - aglomerado compacto de cristais de talco de coloração do branco ao cinza.
Sobre ela era aplicada uma camada vitrificada de coloração verde azulada para a
confecção de amuletos e ushabtis, principalmente na Baixa Época. As suas
jazidas ocorrem no Deserto Arábico.
Estela - placa em pedra, madeira ou faiança egípcia destinada a conter inscrições,
relevos ou pinturas com aplicações funerárias ou de propaganda política. É
atestada desde os tempos mais antigos como uma pedra comemorativa ou
demarcatória do túmulo. Traz o nome e os títulos do proprietário da tumba e de
seus familiares. Pode ser independente da tumba ou integrar a sua arquitetura.
127
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Estratigrafia - superposição de diferentes camadas arqueológicas fixando sua


sucessão cronológica e, portanto, suas datas relativas.
Eternidade - para os egípcios havia dois tipos possíveis de eternidade. A neheh
identificada ao deus-sol Rê como sendo uma eterna regeneração cíclica; e a djet
identificada a Osíris, linear e ligada à idéia de perpetuidade.
Ex-voto - inscrição, objeto ou animal mumificado colocado em uma santuário como
agradecimento a uma graça atendida.
Faiança egípcia - material vitrificado obtido pela mistura de sílica com gipsita ou
argila e óxidos de cobre. Geralmente de cor verde ou azul.
Faraó (Per-âa) - do egípcio “A Grande Casa”. Usada para designar o palácio real. Foi
utilizado a partir da XVIII Dinastia para designar o rei e na XXII Dinastia passou
a fazer parte da titulatura real.
Festa do Vale ou Bela Festa do Vale - procissão anual dos deuses tebanos Amon,
Mut e Khonsu em suas barcas entre Karnak e Deir el-Bahari. No Novo Império a
barca de Amon visitava também os outros templos funerários.
Festival de Opet - festa tebana durante 27 dias cujo ponto máximo era a procissão
das barcas sagradas e reais entre os templos de Karnak e Luxor. Representando
a união de Amon, de Karnak, e Opet, de Luxor.
Festival do Jubileu (Heb Sed) - festa jubilar celebrada pelo faraó destinada a
regenerar o seu vigor físico e seu poder mágico. Geralmente celebrada após 30
anos de reinado e repetida a cada 3 anos. O rei refazia os ritos de coroamento
usando um manto curto particular.
Flabelo - leque com cabo longo guarnecido com plumas de avestruz.
Galeria - em oposição aos poços são corredores inclinados que permitem o acesso às
câmaras das pirâmides ou das tumbas privadas.
Gerzense - nome do segundo período da cultura neolítica de Naqada, que leva o nome
do sítio arqueológico El-Gerze, próximo a Meidum.
Gesto Henu - também chamado Gesto de Júbilo ou "Recitação das Glorificações".
Aparece frequentemente nas cenas de adoração a Osíris e Rê e feito pelas almas
(bás) de Pe e Nekhem, onde são representados com um dos joelhos no chão, a
mão esquerda fechada apoiada sobre o peito, o braço direito erguido em ângulo
reto com a mão fechada. Esta aclamação rítmica poderia ser acompanhado por
gritos.
Gesto Nini - gesto de saudação e veneração que consistia em derramar um pouco de
água com as mãos diante de uma pessoa que se queria honrar. Frequentemente
feito entre as divindades ou entre um faraó e uma divindade.
Glorificado - do egípcio Imakhu. É um epíteto aplicado aos mortos após terem sido
absolvidos no Julgamento da Alma. Ele indica um estado de beatificação em
relação ao deus Osíris capacitando o morto a seguir o sol em sua jornada.
Granito - rocha ígnea de composição cristalina de quartzo, feldspato e mica de
coloração rósea, cinza e preta. Foi amplamente utilizada em todos os períodos na
construção de edifícios, sarcófagos e estatuária. As suas jazidas encontram-se
em Assuã e Wadi Hammamat.
Grauvaca (xisto) - rocha homogênea e dura de cor esverdeada. Utilizada desde os
tempos Proto-dinásticos para a confecção das paletas votivas e amuletos. Foi
utilizada também para a confecção de vasos e recipientes, escaravelho coração e
também na estatuária. As suas jazidas ocorrem no Deserto Arábico.
Heka - uma energia transformadora e criadora ao mesmo tempo coletiva e individual,
traduzida muitas vezes como magia.
Hemispeo - templo rupestre onde a parte posterior é escavada na rocha e a anterior é
construída.
Hicsos - versão grega do egípcio heqa khasut ("Príncipes dos Países Estrangeiros"
também traduzido como "Reis Pastores"). Este termo não designa raça nem
origem, usado durante o Antigo e Médio Impérios para as populações núbias e
128
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

asiáticas, mas que caracteriza as populações originárias da Palestina, em sua


maioria amoritas e cananeus, que ocuparam o Egito criando a XV Dinastia com
a capital em Aváris, no Delta Oriental.
Hierático - do grego “Escrita Sacerdotal”. É o nome dado à escrita cursiva não
monumental, originada da simplificação dos sinais hieroglíficos, utilizada para
escrever sobre papiro ou óstraco com pincel e tinta. Utilizada desde o Período
Thinita paralelamente à escrita monumental hieroglífica, foi substituída no
Século VII a.C. pelo demótico.
Hieróglifo - do grego “As Letras Sagradas Esculpidas”. Conjunto de sinais
(fonogramas, ideogramas e determinativos) que compunham a escrita egípcia e
também a que persistiu por mais tempo. Aparece no final do Período Pré-
dinástico (cerca de 3100 a.C.) estendendo-se até 394 d.C. Após o aparecimento
das suas versões cursivas (hierático e demótico) confinou-se a contextos
religiosos e monumentais.
Hin - unidade de volume que corresponde aproximadamente a 0,48l.
Hipogeu - do grego “sob a terra”. Tumba rupestre subterrânea que com a pirâmide e
a mastaba representa a terceira forma essencial das tumbas egípcias que eram
escavadas nas encostas das montanhas e das falésias ao longo do Nilo.
Hipostila - sala do templo onde o teto é sustentado por uma série de colunas
dispostas em filas paralelas.
Hu - o verbo criador. Som que se espalhou pelo Universo no momento da Criação. Era
também representado como uma divindade.
Ib (Coração) - sede da vida, do conhecimento e da inteligência.
Íbis - pássaro sagrado do deus Thot.
Iseum - necrópole das “Mães dos Touros Ápis” consagrada à Ísis, mãe de Ápis, em
Mênfis.
Ished - arbusto do deserto (Balanites aegyptiaca) que fornece um fruto açucarado, às
vezes, identificado à Persea. Está relacionado ao nascimento do deus-sol,
aparecendo junto com o gato de Heliópolis, símbolo da vitória do sol sobre
Apópis.
Isocefálico - equalização do tamanho entre duas ou mais figuras, numa composição,
pelo ajuste da escala ou do posicionamento deixando as cabeças das
representações no mesmo nível.
Janela da Aparição - janela ou balcão do palácio real onde o faraó recompensava os
seus funcionários. Durante o Novo Império, no templo funerário, era o local onde
o rei assistia as cerimônias religiosas.
Jaspe - variedade de quartzo duro e brilhante de grãos finos e de coloração
homogênea amarela, vermelha e verde. A variedade vermelha possuía as
conotações positivas de dinamismo e poder do sol e era utilizada na confecção de
amuletos, principalmente o nó de Ísis. A verde foi utilizada desde os tempos Pré-
dinásticos na confecção de amuletos, principalmente os escaravelhos coração no
Período Faraônico. As suas jazidas ocorrem no Deserto Arábico.
Justificado ou Justo de Voz - do egípcio "Maakheru". Epíteto colocado após o nome
próprio que qualifica o morto como tendo passado com sucesso pelo julgamento
no Tribunal de Osíris, cumprindo as condições de Maat.
Ká - um dos componentes espirituais do homem e dos deuses. Criado ao mesmo
tempo em que o ser físico é algumas vezes chamado de “duplo”. É o símbolo da
força vital conservadora e alimentadora do ser. Encarna na estátua do morto
depositada na tumba.
Kalathos - palavra grega que designa o módius. É um instrumento de medida de
cereais usado como coroa pelo deus Serápis.
Kemet - “A terra negra”. Nome que designava o Egito como referência ao limo escuro
depositado pelo Nilo fertilizando os campos.

129
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Kemyt - coletânea de textos literários, surgido no Médio Império, utilizado como


manual na formação dos escribas.
Khekeru - “ornamentos” decorativos estilizados formando frisos no alto das pinturas
e relevos. Provavelmente inspirados em feixes de plantas no alto das paredes de
tijolos crus das casas primitivas.
Khepesh - cimitarra com a lâmina no formato do crescente, originária do Oriente
Próximo, trazida ao Egito pelos hicsos.
Khool - pintura para os olhos, à base de galena, que não somente ornava mas
também protegia os olhos contra algumas doenças.
Kom - palavra árabe que designa um monte de escombros aplicado às colinas com
restos antigos. Sinônimo de Tell.
Lágida - dinastia fundada pelo general macedônico Ptolomeu, Filho de Lagos, após a
morte de Alexandre o Grande. Reinaram entre 305 a 30 a.C., até a dominação
romana.
Lago Sagrado - lago retangular que reproduzia simbolicamente, nos templos, o
oceano primordial (Nun).
Lápis-lazúli - mineral azul escuro e opaco muitas vezes com manchas brancas e
impurezas de ouro com uma aparência lustrosa quando polido. Foi a pedra
semipreciosa mais valorizada pelos egípcios. Simbolizava o céu noturno e o
oceano primordial, muito utilizado na produção de amuletos e jóias da elite. O
seu nome (xsbd), na Baixa Época, foi um sinônimo para “deleite” e “prazer”. Foi
importado desde os tempos Pré-dinásticos do Afeganistão.
Litania de Rê - uma série de textos que aclamam o deus-sol Rê em 75 formas
diferentes e a união deste com o faraó e outras divindades. Aparece em pilares
de câmaras funerárias e entradas de tumbas da XVIII Dinastia. Existiam duas
versões, uma curta e outra longa, a partir de Séthi I aparece nas entradas e nos
corredores das tumbas ramessidas.
Livro da Terra ou Livro de Akher - composições religiosas que descrevem em quatro
partes a jornada noturna do sol no Mundo dos Mortos. Aparecem nas câmaras
funerárias e em sarcófagos da XX Dinastia.
Livro das Cavernas - textos que descrevem o “Mundo Inferior” em uma série de
cavernas ou poços por onde o deus-sol passa, e onde as almas e os inimigos do
deus são punidos. Aparece na parte superior das paredes das tumbas do final
da XIX e XX Dinastias, no cenotáfio de Séthi I em Abidos e uma versão completa
na tumba de Ramessés VI.
Livro das Respirações - surgido na região tebana, no Período Ptolomaico, é dividido
em duas categorias: o Primeiro Livro das Respirações e o Segundo Livro das
Respirações. O primeiro é inspirado nos textos e fórmulas religiosas das estelas
e das tumbas; enquanto o segundo é uma reutilização dos capítulos mais
importante do “Livro dos Mortos”. A sua função era dar ao morto a possibilidade
de respirar associando-o indiretamente ao deus Amon, considerado como o
sopro da vida e o de assegurar a conservação de seu nome.
Livro do AmDuat - do egípcio “Aquilo que há no Mundo Inferior” ou “O Livro da Sala
Oculta”. Nome de uma série de textos que descreve o percurso subterrâneo do
sol durante as doze horas da noite e que foi representado nas paredes de
algumas tumbas reais da XVIII Dinastia. A versão completa encontra-se nas
tumbas de Thutmés III, Amenhotep III e do vizir User.
Livro dos Céus - textos que descrevem a passagem do deus-sol nos Céus. Dividido
em três partes: Livro do Dia, Livro da Noite e Livro da Vaca Divina. Aparecem
nas câmaras funerárias e nas passagens das tumbas da XIX e XX Dinastias. O
Livro do Dia e o da Noite, compostos no final do Novo Império, descreve o céu e a
criação do sol, aparece em diversas tumbas reais ramessidas; o Livro da Vaca
Divina ou Celeste conta o mito da deusa Háthor embriagada e a partida de Rê

130
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

em direção ao céu nas costas da deusa Nut, provavelmente foi composto no


Período Amarniano.
Livro dos Mortos - do egípcio “Livro para sair à luz do dia”. Coletânea de
aproximadamente 192 capítulos, na sua forma mais completa e mais tardia,
derivada dos Textos das Pirâmides e Textos dos Sarcófagos. É uma espécie de
manual do Outro Mundo para uso dos mortos. Extratos deste decoram as
tumbas e sarcófagos ramessidas.
Livro dos Portões - uma composição referente aos doze portões que dividem as horas
da noite percorridos pela barca de Rê. Inscrito na câmara funerária e em pilares
na entrada das tumbas do Vale dos Reis e em alguns sarcófagos de faraós.
Surgiu no final da XVIII Dinastia. A versão completa está na tumba de Ramessés
VI, no sarcófago de Séthi I e no corredor do Osireion em Abidos.
Lótus - lírio aquático que simbolizava o surgimento da luz e do mundo. Era a planta
heráldica do Alto Egito.
Maat - palavra que designa vários conceitos como ordem, equilíbrio, verdade e
justiça. É também representada como uma divindade.
Mammisi - do copta “Local do Nascimento”, termo inventado por Champollion. Termo
utilizado para designar os pequenos templos anexos da Baixa Época, mas
essencialmente Ptolomaicos, onde se celebravam o nascimento do deus-criança
Manu - designa as montanhas líbias identificada pelos egípcios como local onde o sol
penetra no Mundo dos Mortos em sua viagem noturna, em oposição ao Bakhu.
Mastaba - do árabe “Banco”. Designa uma tumba civil composta por dois elementos:
uma superestrutura retangular com faces inclinadas, feita com tijolos ou pedra,
reservada ao culto funerário onde se encontravam as câmaras decoradas: a sala
de oferendas, a porta-falsa, a mesa de oferendas e o serdab. E uma parte
subterrânea, escavada na rocha, com a câmara funerária cujo acesso era
geralmente por um poço. Datada essencialmente do Novo Império.
Medjay ou Madjai - termo que designava, durante o Antigo Império, as populações da
Baixa Núbia e os nômades do Deserto Oriental e que passou a designar as
pessoas recrutadas para o policiamento das necrópoles e das fronteiras do
deserto.
Menat - palavra egípcia que designa um objeto simbólico em forma de colar formado
por várias fileiras de contas unidas a um contrapeso. Este objeto era mais
frequentemente carregado nas mãos que no pescoço. É um dos atributos que
designa o poder da deusa Háthor com valor de fecundidade. Durante algumas
cerimônias era usado como um chocalho.
Meroítico - nome referente ao sítio de Meroi próximo à quinta catarata do Nilo.
Designa o período da história sudanesa (Kushita) durante o qual esta cidade foi
o centro de toda a atividade (após o III século a.C. até o IV século d.C.).
Mesa de Oferendas - placa em pedra ou terracota onde vários tipos de oferendas para
o morto eram pintadas ou em relevo, sendo assim disponíveis eternamente.
Estas placas eram depositadas na capela funerária, aos pés da porta-falsa, sobre
a qual eram depositadas as oferendas alimentares.
Métopa/Tríglifo - faixa ou tira com intervalos retangulares de dimensões variáveis e
pintadas com cores diferentes ou esculpidas em friso na parede ou em qualquer
superfície plana.
Modelo ou maquete - figuras em rocha ou mais frequentemente em madeira pintada
que individualmente ou em grupos representavam as mais variadas cenas da
vida cotidiana destinadas a substituir as decorações das paredes da capela
funerária. Características do Médio Império.
Modius - palavra latina que designa um recipiente cilíndrico de medida de capacidade
usado pelos romanos. No vocabulário egiptológico designa, por semelhança a
sua forma, um elemento circular que serve de base para certas coroas divinas.

131
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Múmia - do árabe “Mumiyah” (betume). Corpo embalsamado, eviscerado e


desidratado; e envolto em bandagens.
Naoforme ou naofore - tipo de estátua, geralmente masculina, ajoelhada, em pé ou
sentada que traz ou apresenta um naos abrigando uma estátua ou um emblema
divino.
Naos - do grego “Templo”. Na egiptologia refere-se a um tabernáculo em pedra
contendo um relicário em madeira no qual era colocado uma estátua de culto,
por extensão era o nome dado à sala do tabernáculo.
Natrão - sal natural composto pela mistura de carbonato de sódio, cloreto de sódio e
sulfato de sódio, extraído principalmente de Wadi Natrun, no Baixo Egito. Era
principalmente utilizado para a desidratação dos corpos no processo de
mumificação e para a purificação, fumigação das cerimônias religiosas e ao
preparo de sabão para banho.
Necrópole - do grego “Cidade dos Mortos”. Designa os grandes cemitérios que se
estendem no limite do deserto ocidental.
Nefer - do egípcio “Bom” ou “Belo”. Usado como motivo decorativo, jóias, amuletos e
mobiliário.
Nemés - toucado faraônico feito em tecido estriado que envolvia a cabeça, com duas
abas que caíam sobre o peito e era amarrado à nuca em uma espécie de trança.
Nilômetro - instalação provida de um poço e uma escala que permitia a medida da
cheia do Nilo.
Nomarca - nome dos governantes dos nomos. Nobres hereditários ou simplesmente
governadores, segundo a época.
Nomo - palavra de origem grega usada para indicar as províncias administrativas do
Egito Antigo, cujo número variava de 32 no Antigo Império a 42 na Baixa Época
(22 no Alto Egito e 20 no Baixo Egito). Cada nomo era representado por uma
insígnia da divindade local sobre um estandarte.
"Nove Arcos" - na ideologia real faraônica os países estrangeiros submissos ao faraó
são representados por nove arcos sob os pés do soberano.
Obelisco - do grego “Espeto”. Bloco monolítico com sessão quadrada e o topo em
forma de pirâmide. Símbolo solar, raio do sol petrificado, aparecendo geralmente
aos pares na entrada dos templos, diante do pilono, ou de certas tumbas.
Obsidiana - rocha magmática vitrificada preta brilhante e translúcida. Utilizada na
confecção de amuletos específicos na Baixa Época e lâminas usadas nas
cerimônias de mumificação. Era importada da Etiópia.
Ogdoade - grupo de quatro casais de deuses primordiais da cosmogonia de
Hermópolis: Nu, Naunet; Heh, Hauhet; Kek, Kauket; Amun, Amaunet, criados
pelo verbo representado pelo deus Thot. Os deuses são representados por sapos
e as deusas por serpentes. Estas forças primordiais depositaram o “ovo cósmico”
sobre a terra que emergiu do Nun, de onde surgiu o sol criador do mundo. Em
uma outra versão os deuses fecundaram um lótus de onde surgiu o sol.
Óstraco - fragmento de pedra ou de cerâmica utilizado como suporte para escrever
(cálculos, cartas, exercícios e contratos) e desenhar (modelos, esboços e
projetos).
Ouro - metal considerado como a carne dos deuses, usado para recobrir as suas
imagens e as máscaras funerárias conferindo ao morto um estado divino. A
deusa Háthor possuía o epíteto "A Dourada" ou "O Ouro Feminino".
Paleta - placa em pedra utilizada para misturar cosméticos. Usada como suporte para
decoração em relevo durante o Pré-Dinástico.
Papiro - suas fibras unidas em folhas formavam longos rolos que eram suporte para
os textos e de onde deriva o nosso nome “papel”. Planta aquática que
simbolizava a fertilidade e a força criadora. Era a planta heráldica do Baixo
Egito.
Per-nu - nome do santuário Pré-dinástico de Buto que representava o Baixo Egito.
132
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Per-ur (A Grande Casa) - nome do santuário Pré-dinástico de Nekhen (Hieracômpolis)


que representava o Alto Egito.
Peret - Estação da Germinação (Inverno) que inicia na segunda metade de novembro
e termina na primeira metade de março.
Período Intermediário - nome dado aos períodos em que o Egito foi dividido e
governado por vários soberanos simultâneos.
Peristilo - pátio rodeado por colunas.
Peruca ou Toucado tripartite - peruca repartida em três mechas de cabelo, duas
caindo de cada lado do rosto, sobre o peito, e a terceira sobre o ombro e costas.
Pilar ou Colosso Osiríaco - pilar ao qual está fixada uma estátua real geralmente
mumiforme ou com os pés juntos e os braços cruzados sobre o peito, como o
deus Osíris. É a representação funerária ou jubilar do faraó, não tem funções
arquitetônicas.
Pilone/Pilono - entrada monumental com a forma de dois maciços trapezoidais
ladeando a porta de entrada dos templos, simbolizando as montanhas do
horizonte entre as quais se ergue o sol. Diante ele erguem-se as auriflamas,
obeliscos e as estátuas colossais dos faraós.
Pirâmide - do grego “Bolo de Sésamo”. Monumento funerário que continha a tumba
do faraó. Representa, simbolicamente, a escadaria que o conduziria ao céu e
também os raios do sol que tocavam a terra.
Piramidion - pedra em forma de pirâmide que se encontrava nas pontas dos
obeliscos ou de pirâmides, simbolizando o sol, podendo ter um revestimento em
electrum ou ouro. Este termo designa no Novo Império uma pequena pirâmide
colocada sobre a entrada da tumba.
Porfírio - rocha violácea com a presença de cristais, principalmente brancos e pretos.
Utilizada na confecção de estatuária e elementos arquitetônicos, desde o Antigo
Império, mas principalmente na Baixa Época, onde também foi utilizada na
confecção de amuletos. Tornou-se muito apreciada pelos imperadores romanos
que a elegeram como uma rocha imperial para as suas imagens e na decoração
de seus palácios. As suas jazidas ocorrem próximas ao Mar Vermelho.
Porta-falsa, Porta de Aparição ou estela porta-falsa - nas tumbas era uma imagem
construída em relevo ou pintada, em pedra ou madeira, de uma porta pela qual
o morto ou o seu Ká poderia sair do Outro Mundo para receber as oferendas
depositadas pelos vivos sobre a Mesa de Oferendas. No Antigo Império possuía,
geralmente, representações do morto diante de uma mesa.
Porticullis - bloco de calcário ou mais frequentemente de granito colocado para
bloquear a entrada ou um corredor de uma câmara funerária após o
sepultamento.
Posição de Marcha - na estatuária, no baixo relevo ou na pintura as figuras,
principalmente as masculinas, são representadas com o pé esquerdo à frente.
Uma postura dinâmica em oposição aos pés juntos das mulheres e dos mortos.
Pré-dinástico - nome dado ao período que precede a primeira dinastia histórica e que
engloba todo o período chamado Eneolítico ou Calcolítico durante o qual as
tradições neolíticas do trabalho em pedra e os metais (cobre) surgem. É o
período que se inicia com o Badariense.
Pronaos - sala que precede o santuário, seja imediatamente seja a alguma distância,
segundo o plano do templo. Palavra algumas vezes empregada para designar a
sala hipostila (Edfu e Dendera). Desenvolveu-se nas XVIII e XIX Dinastias
tornando-se no Período Ptolomaico e Romano um elemento essencial dos
templos.
Psicostasia - do grego “Pesagem da Alma”. Designa a pesagem do coração do morto
na “Sala da Dupla Verdade” ou “Sala das Duas Maat”, sob a presidência de
Osíris, o juiz, auxiliado por 42 divindades, por Thoth, o escriba, Anúbis, o

133
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

verificador e pelo monstro Amam, a grande devoradora. A cena ilustra o capítulo


1265 do “Livro dos Mortos”.
Quartzito - uma forma dura e cristalina do arenito (grés) de coloração homogênea
avermelhada ou bege amarelada. Foi utilizada em edifícios, sarcófagos reais e
monumentos desde o Antigo Império. Inúmeros reis foram retratados com este
tipo de rocha devido a sua conotação solar, principalmente nos reinados de
Amenhotep III, Akhenaton e Ramessés II. As suas jazidas encontram-se em
Assuã.
Quiosque - pequeno edifício aberto em todos os lados servindo de embarcadouro e/ou
tribuna nas cerimônias festivas. O mesmo termo designa também os edifícios
semelhantes sobre os tetos dos templos ou ainda os repositórios. Um pavilhão
que abrigava o rei ou o morto.

Re-stau ou Ro-setau "Porto das Passagens" - nome que originalmente designava a


Necrópole de Mênfis onde se localizava a entrada do Mundo Inferior domínios do
deus Sokar e por designação passou para todas as necrópoles como os Domínios
de Osíris.
Registro - subdivisão horizontal de uma parede decorada em tumbas, em templos ou
em objetos e estelas.
Rekh - habilidade e uma técnica utilizada pelo homem na arte e na escrita.
Ren (Nome) - era um sinal de individualidade que expressa a essência do ser e uma
qualidade. Era através do nome que se realizava alguns atos mágicos e a sua
permanência significava a sobrevivência do ser.
Ritual de embalsamamento - manual composto por parágrafos dispostos
sequencialmente as operações de embalsamamento. Cada parágrafo indica ao
manipulador as suas ações. Uma outra parte dá o conteúdo religioso dos atos.
Saff - do árabe “fila”. Tumba do rei Antef em Tebas ocidental (El Tarif) escavada na
rocha com uma fachada com pórtico com pilares ligada a um corredor que leva à
câmara funerária. Esta forma deu origem a tumbas privadas, principalmente em
Gebelein e Dendera.
Saiote-Shendyt - saiote de origem Pré-histórica usado pelo faraó e algumas
divindades. Consiste de duas peças de tecido amarradas na frente de onde
pende uma peça horizontal estriada e sobre este era colocado um cinturão de
onde pendia um tecido em forma de uma cauda de touro.
Sarcófago - do grego “Pedra Devoradora de Carnes”. De formato retangular, em
pedra, continha o caixão em madeira ou pedra (antropomórfico), múltiplos ou
não, com o corpo mumificado e que ocupava o lugar mais importante da
sepultura egípcia. Considerado a morada do morto.
Sekhet - designa os campos férteis às margens do Nilo. É frequentemente
representado por figuras femininas que simbolizam os distritos do Egito (nomos)
que trazem nas mãos a abundância das colheitas.
Sem - sacerdote cuja característica é vestir uma pele de pantera e, muitas vezes, usar
a madeixa da infância. Ocupa um lugar de destaque nos rituais egípcios,
principalmente, aquele da "Abertura da Boca".
Sematawy - do egípcio “União das Duas Terras”. Escrito em hieróglifos monumentais
nas laterais dos tronos reais. Algumas vezes associado com os “Gênios do Nilo”.
Simbolizando as plantas heráldicas do norte (papiro) e do sul (lótus ou lírio),
amarradas ao hieróglifo “unir”, representando a união do Baixo e do Alto Egito.
Senet - jogo de tabuleiro, semelhante ao nosso jogo de damas, com três fileiras de dez
casas. No Capítulo 17 do "Livro dos Mortos" a partida de Senet simboliza a
jornada do morto no Outro Mundo.
Serapeun - cidade-santuário consagrado ao culto do touro Ápis.
Serdab - do persa “Depósito”. Câmara completamente fechada contendo, nas
mastabas ou templos funerários do Antigo Império, as estátuas Ká do morto.
134
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Uma fenda na altura dos olhos, na parede que separa o serdab do local de
oferendas, estabelecia o contato entre estas estátuas e os vivos que praticavam o
culto.
Serekh - do egípcio “Fachada de Palácio”. É uma representação da fachada e do muro
que cercava os primeiros palácios egípcios. Utilizado como motivo decorativo e
na composição do primeiro nome real ou “Nome de Hórus”, colocado sob um
falcão.
Serpentina (esteatita) - rocha composta por um silicato hidratado natural de
magnésio esverdeado. Utilizada principalmente no Período Pré-dinástico para a
produção de estelas e amuletos profiláticos contra picadas de serpentes e
escorpiões.
"Servidor no Local da Verdade" - tradução do termo Sedjem ash em Set Maat cujo
significado literal é "Aquele que escuta o apelo no Local da Verdade" e que
designa os artistas e artesãos que trabalhavam nas tumbas e templos funerários
tebanos e que moravam na vila de Deir el-Medina durante o Novo Império. O
"Local da Verdade" ou "Local de Maat" é uma metáfora que para a necrópole
tebana, especificamente a tumba real. Durante a XVIII dinastia também era
denominado de "Grande Local".
Shabti ou Ushabti - pequenas estatuetas que representavam os servidores
funerários, frequentemente mumiformes, feitas em diferentes materiais,
colocadas na tumba para substituir magicamente o morto na execução de
trabalhos que seria chamado a realizar no Outro Mundo. Frequëntemente tem
nas mãos instrumentos agrícolas e possuem ao longo do corpo inscrições
contendo o capítulo VI do "Livro dos Mortos" ou simplesmente o nome e títulos
do morto. Outra forma para o seu nome era Shauabti.
Shaduf - dispositivo elevatório pendular de água que aparece na XIX Dinastia e ainda
utilizado no Egito.
Shebiu ou “Ouro da Recompensa” - colar composto por anéis em ouro dado pelo rei
para recompensar seus melhores oficiais e funcionários.
Shemu - Estação da Colheita (Verão) inicia na segunda metade de março e termina
na primeira metade de julho.
Shut (Sombra) - seu significado ainda não está bem claro. É associada com a Bá e
possui uma existência própria ligada à sexualidade do morto. A sua presença é
revelada pela luz do sol.
Sia - conjunto de conhecimentos utilizados na Criação do Universo. É também
representado como uma divindade.
Sicômoro - variedade da figueira egípcia. Árvore sagrada das deusas Háthor e Nut.
Madeira dura e escura usada na confecção de mobiliário, sarcófagos, estátuas e
outros acessórios funerários.
Sílex - aparece incluso em camadas de calcário, foi utilizada principalmente nos
Período Pré-histórico para a produção de lâminas e manteve-se em uso, no
período faraônico, na produção de objetos rituais.
Sistro - espécie de matraca utilizada nas cerimônias litúrgicas, em especial ligado ao
culto das deusas Háthor e Bastet.
Sistrophore - “estátua portadora de sistro”.
Speos - do grego “Gruta”. Designa os templos ou tumbas rupestres, isto é, talhadas
completamente na rocha.
Stelophore - estatueta de uma pessoa ajoelhada em posição de oração, que põe as
suas mãos erguidas sobre uma estela diante de si. Normalmente escrita com um
hino ao deus-sol. Surgidas após a XVIII Dinastia poderiam ser colocadas nos
nichos das pequenas pirâmides privadas.
Talatat - do árabe que indica uma largura de três palmos. Designa os blocos de
pedra decorados, de pequenas dimensões, utilizados nas construções dos

135
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

templos do Período Amarniano em Luxor e Tell el-Amarna, e reutilizados em


Hermópolis.
Têmenos - palavra grega que designa o conjunto dos domínios sagrados de um
templo no interior de um recinto cercado por um muro que separa o mundo
profano daquele sagrado isto é o santuário, a propriedade do deus.
Templo Alto ou Templo Funerário ou Templo da Pirâmide - termo que designa, no
complexo funerário das pirâmides, o templo funerário construído junto à face
leste das pirâmides. Local onde se praticava o ritual funerário e o serviço de
oferendas para o faraó morto. Composto por uma parte pública e outra privada.
Abrigada as estátuas do faraó.
Templo Baixo ou Templo do Vale - termo que designa, no complexo funerário das
pirâmides, o templo que possuía um embarcadouro próximo ao Nilo e que era
ligado ao Templo Alto por uma calçada pavimentada. Era o local da Tenda da
Purificação onde os sacerdotes executavam o ritual de “Abertura da Boca” na
múmia do faraó.
Templo de Milhões de Anos - termo egípcio que designa os templos funerários
consagrados ao rei morto, mas que possuía também a função de “Templo
Memorial”, servindo ao culto ancestral, como repositório da Barca Sagrada e
Templo Divino. Os principais encontram-se em Tebas Ocidental.
Tenda da Purificação - tenda ritual onde os sacerdotes faziam a purificação do
cadáver e o secava com natrão. Após a mumificação a tenda servia aos rituais
funerários como o da “Abertura da Boca”. No Antigo Império o Templo Baixo era
utilizado para esta finalidade.
Teogamia - do grego “Casamento Divino”. Doutrina religiosa que proclamava a origem
divina do faraó, representada pela união carnal de sua mãe com um deus.
Teophore - “portador da divindade”. Designa as estátuas de particulares de trazia a
escultura de um deus. É também aplicado às pessoas que possuíam o nome de
uma divindade.
Textos das Pirâmides - conjunto de mais de 800 fórmulas gravadas nas paredes das
câmaras funerárias das pirâmides a partir de Unas, na V Dinastia. A pirâmide
de Pépi II, na VI Dinastia, tem a coleção mais completa com 675 fórmulas
compostas, provavelmente em Heliópolis, os textos além do ritual funerário
proclama a ressurreição do faraó junto com o deus-sol e permitindo ao faraó
reinar no Outro Mundo.
Textos dos Sarcófagos - conjunto com mais de mil fórmulas escritas nos caixões do I
Período Intermediário e Médio Império. Derivado dos Textos das Pirâmides.
Estas fórmulas garantiriam a sobrevivência do morto no Outro Mundo.
Tríade - grupo de três divindades formando uma família ou grupo de três estátuas
esculpidas em um mesmo bloco.
Turquesa - mineral azul esverdeado opaco. Era apreciado por sua coloração
esverdeada associada pelos egípcios com a renovação da vida e a ressurreição.
Usada na produção de amuletos e incrustações ornamentais desde o Período
Pré-dinástico. As suas jazidas ocorrem no Sinai.
Tyt (Nó de Ísis) - amuleto normalmente de cor avermelhada utilizado também em
motivos funerários. Simbolizava o sangue de Ísis. Surgiu no Antigo Império.
Associado ao pilar-djed a partir do Novo Império.
Udjat - olho sagrado do deus-falcão Hórus usado como sinal de proteção em
amuletos e motivos decorativos. Simboliza a integridade física e o vigor.
Uraeus - forma latina da palavra grega derivada do egípcio “Aquela que se Ergue”.
Designa a cobra protetora, símbolo da realeza e do poder divino, que aparece na
fronte dos faraós e das divindades. Filha de Rê que atacava os inimigos do rei e
dos deuses.
Usekh - colar largo formado por várias fileiras de contas que cobre o peito e os
ombros dos deuses e dos mortos.
136
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Vasos canopos - quatro recipientes nos quais eram colocadas as vísceras extraídas
do corpo durante a mumificação. Cada um era colocado sob a proteção de um
dos Filhos de Hórus representados nas tampas dos vasos: Imset, com cabeça
humana; Hapy, com cabeça de babuíno; Duamutef, com cabeça de chacal; e
Qebehsenuef, com cabeça de falcão, a partir do Novo Império.
Vinhetas - ilustrações características dos diferentes capítulos do “Livro dos Mortos”.
Vizir - do árabe “O Chefe do Poder Executivo” (Primeiro Ministro). Possuía as mais
altas responsabilidades administrativas em nome do faraó. Organizava a mão de
obra, administrava o domínio real, incluindo o palácio e os territórios ocupados,
supervisionava e registrava os atos jurídicos, recolhia os impostos e tributos,
nomeava os altos funcionários e dirigia os arquivos reais.

XIII. GLOSSÁRIO DE DIVINDADES

Akher - Personificação do mundo subterrâneo sob a forma de dois leões, unidos em


um só corpo, que guardam a entrada do Mundo Inferior.
Amon - Cultuado em Tebas. Em sua forma antropomórfica é coroado por um barrete
com duas plumas altas. Seu nome significa “O Oculto”. Pouco conhecido
durante o Antigo Império sua importância começa na XII dinastia como patrono
da monarquia tebana. Seu prestígio atinge o máximo no Novo Império quando é
considerado um deus primordial e universal, é considerado como demiurgo e
integrado, tardiamente, na Ogdoade de Hermópolis. Ele foi assimilado a
numerosas divindades como Rê e Min. Forma uma família com a deusa Mut e
como filho o deus Khonsu, constituindo a família divina tebana. Foi
transformado, pelos teólogos tebanos, como um deus único, eterno, misterioso e
desconhecido. Sob a forma animal aparece sob a forma de um carneiro ou
ganso. Sua contraparte feminina era Amonet.
Amonet - “A Oculta”, contraparte feminina de Ámon na Ogdoade de Hermópolis.
Anúbis - Cultuado no 17º Nomo do Alto Egito (Cinópolis). Representado com o corpo
de homem e cabeça de chacal ou como um chacal. Considerado como filho de
Néftis e Osíris ou de Ísis, Sekhmet ou da vaca celeste Hesat. Era o deus da
mumificação e dos embalsamadores, teria confeccionado a primeira múmia:
aquela do deus Osíris. Juntamente com Toth e Hórus possuía um importante
papel ligado à ressurreição e à psicostasia e condutor das almas, era o guardião
da necrópole e quem verificava o prumo da balança no julgamento dos mortos.
Era associado à lua.
Anukis - Cultuada na 1ª catarata da Ilha de Sehel, onde era identificada a Deusa
Distante ou Olho de Rê. Deusa antropomórfica coroada por um barrete cercado
de plumas. Filha do deus Khnum e da deusa Satis. Representa o início da
inundação e os alimentos originados da cheia do Nilo. Sob forma animal era
identificada a uma gazela.
Ápis - Cultuado em Mênfis. Representado como um touro branco com um disco solar
entre os chifres. Manifestação dos deuses Ptah e Osíris é o deus da fecundidade
e do renascimento. A partir do Novo Império estes touros eram mumificados e
sepultados no Serapeum junto ao mobiliário funerário digno ao de um faraó. Na
Época Greco-Romana foi associado ao deus Serápis.
Apophis ou Apópis - Grande serpente celeste inimiga da barca solar constituindo o
elemento desarmônico no Universo. Representante das forças negativas que
ameaçam a Criação.
Áton - Nome do disco solar que, no Período Amarniano, torna-se a expressão única
do Criador. Seus principais centros de culto foram Akhetaton (Tell el Amarna) e
Tebas. Inicialmente cultuado sob a forma de um homem com cabeça de falcão
(hieracocéfalo) passou, na Época Amarniana, a ser representado pelo disco solar

137
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

cujos raios terminavam em mãos que seguravam o ankh, símbolo da vida, e o


was, símbolo do poder. Divindade cultuada pelo casal real, Akhenaton e
Nefertiti, os intercessores privilegiados entre Áton e a humanidade. Seu culto
desaparece com a morte de Akhenaton.
Astarte - Divindade fenícia cujo culto desenvolveu-se em Mênfis a partir do Novo
Império. Era a deusa da lua, da fecundidade e da guerra. Os egípcios tornaram-
na filha do deus sol Rê e esposa de Seth.
Atum - Cultuado em Heliópolis (Cairo). Deus antropomórfico que usa a coroa dupla.
Seu nome significa “A Totalidade”. Assimilado ao sol da noite é considerado a
forma do demiurgo e o chefe da Enéade Heliopolitana. Por sua criadora e sua
vontade ele emergiu do Nun criando o primeiro casal divino, Shu e Tefnut.
Segundo a teologia Heliopolitana ela coexistiu cm o deus Rê. Os animais
atribuídos a ele são a enguia e o mangusto.
Baal - Deus fenício cultuado em Mênfis pelos cananeus e era identificado aos deuses
Seth e Montu.
Bastet - Cultuada em Bubástis no Baixo Egito. De origem arcaica era representada
por uma mulher com cabeça de gata ou por uma gata. Era a personificação do
caráter sereno e do aspecto benéfico do poder solar e associada à perigosa deusa
leoa Sekhmet. No Período Tardio formou uma tríade com o deus Atum, como
esposo, e o deus Mahés, como filho. Era a deusa da alegria, da música e da
família. Muitas festas eram dedicadas a ela estatuetas de gato em bronze e gatos
mumificados eram colocados nas necrópoles de Bubástis e Saqqara, como ex-
voto à deusa.
Bés - Anão grotesco e barbudo vestindo uma pele de felino. Era um deus protetor
muito popular que afastava o mal e as doenças e protegia o sono e as
parturientes.
Filhos de Hórus - Quatro deuses responsáveis pela proteção dos órgãos internos
embalsamados durante a mumificação. Eram identificados aos quatro cantos do
mundo e cada um guardado por uma deusa funerária tutelar. Imset - sul -
cabeça humana - fígado - Ísis; Hapy - norte - babuíno - pulmão - Néftis;
Duamutef ou Tuamutef - leste - chacal - estômago - Neith e Qebehsenuef - oeste
- falcão - intestino - Serket, todos têm corpo humano mumificado.
Geb - Deus da Enéade Heliopolitana, filho de Shu e irmão de Nut. Representado como
um homem nu deitado e algumas vezes com um ganso na cabeça. Representava
a Terra. algumas era considerado como o pai de Rê e era quem legitimava a
realeza. Os animais atribuídos a ele são o crocodilo e o ganso.
Hapi - Personificação da inundação. Representado como uma figura andrógina.
Portador de alimentos e riquezas dos campos.
Harpócrates - Representado como uma criança com o dedo na boca. Filho de Ísis e
Osíris. Era um deus protetor das crianças e da família.
Háthor - Cultuada em Dendera, mas popular em todo o Egito. Representada como
uma mulher com chifres de novilha e o disco solar e algumas vezes como uma
vaca. Era uma divindade maternal, Mãe do Sol, ligada ao nascimento dos mortos
e sua protetora. Foi bastante popular também como deusa da beleza, da alegria,
do amor, da dança e da música. Identificada ao olho de Rê.
Hórus - Cultuado em Hieracômpolis. Identificado a várias divindades por
todo o Egito. Deus antropomórfico com cabeça de falcão ou como um falcão.
Originariamente era um deus do céu que reinava sobre os astros, tornou-se
deus dos soberanos. Foi um deus real, protetor do faraó, filho de Ísis e Osíris
e adversário de Seth.
Ísis - Deusa antropomórfica cujo culto se espalhou por todo o Egito e na
Época Romana por todo o Império. Irmã e esposa de Osíris, mãe de Hórus.
Identificada a várias outras deusas. Era a deusa da magia e da ressurreição.

138
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Khepri - Cultuado em Heliópolis (Cairo). Deus antropomórfico com cabeça de


escaravelho ou como um escaravelho. Era o símbolo do sol e do renascimento
cotidiano de Rê.
Khnum - Cultuado em Esna e na Ilha de Elefantina. Deus antropomórfico com
cabeça de carneiro. Era o oleiro divino que modelava toda a humanidade em seu
torno. Era um dos patronos dos artistas.
Khonsu - Cultuado em Tebas. Filho de Ámon e Mut. Aparece sob a forma de um
jovem mumificado com um disco lunar sobre a cabeça. Identificado com as
forças noturnas e com o brilho da Lua.
Maat - Deusa antropomórfica coroada com uma pluma de avestruz.
Representava uma concepção teológica ligada à justiça, à ordem e ao equilíbrio.
Representava a ética segundo a qual a humanidade deveria agir em
concordância com uma consciência universal.
Min - Cultuado em Coptos. Deus antropomórfico, com o corpo mumificado, e
com o falo em ereção. Coroado com um barrete com duas plumas. Seu braço
direito ergue-se sustentando o flagelo. Deus da criação e da reprodução.
Identificado a Amon.
Montu - Cultuado em Tebas. Deus antropomórfico com cabeça de falcão com
dois Uraeus. A partir da XI dinastia tornou-se o deus da guerra.
Mut - Representada por um abutre ou por uma mulher coroada com a cabeça e as
penas de um abutre. Esposa de Ámon e mãe de Khonsu na Tríade Tebana. Seu
nome significava “A Mãe”.
Nefertun - Deus representado pelo lótus ou por um homem coroado por uma flor de
lótus. Simbolizava a origem dos tempos, o sol primordial. Era o deus dos
perfumes.
Néftis - Representada por uma mulher. Esposa e irmã de Seth e irmã de Ísis. Ajudou
a sua irmã a recompor o corpo de Osíris tornando-se uma das deusas da
ressurreição.
Neith - Cultuada em Sais. Deusa guerreira e caçadora. Representada como uma
mulher com a coroa vermelha do Baixo Egito. Era uma deusa primordial e
criadora que não era associada a nenhum deus, pois era possuidora de uma
bissexualidade original.
Nekhbet - Cultuada em Nekheb ao sul de Luxor. Representada por um abutre
branco. Era protetora do faraó e da coroa branca do Alto Egito.
Num - O Oceano Primordial que existia antes da Criação e que circunda a periferia do
mundo criado.
Nut - Cultuada em Heliópolis (Cairo). Representada por uma
mulher. Era a deusa do Céu e da Abóbada Celeste que todas
as noites engolia o sol para dar à luz todas as manhãs a um
novo.
Osíris - Originário de Busíris (Delta). Foi uma das divindades
mais populares em todo o Egito e em todos os tempos. Deus
antropomórfico representado com o corpo envolto em
bandagens usando a coroa-Atef e segurando nas mãos os
cetros da realeza. Deus da vegetação era tido como o primeiro rei sobre a
terra. Foi assassinado por seu irmão Seth e revivido por sua esposa e irmã
Ísis que o ressuscitou através de seus conhecimentos mágicos com a ajuda
de Toth e Anúbis quando, então, Osíris passa a reinar no Mundo dos Mortos
como um juiz que pesa as ações dos mortos.

139
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Ptah - Cultuado em Mênfis. Era representado como uma múmia humana com
um gorro justo na cabeça e com uma grande barba postiça. Deus criador,
protetor dos artistas e artesãos, forma com Sekhemet, sua esposa, e Nefertun,
seu filho, a Tríade Menfita.
Rê - Cultuado em Heliópolis (Cairo). Seu culto estendeu-se por todo o Egito.
Era representado com o corpo humano e uma cabeça de falcão sobre a qual
estava o disco solar que era circundado por uma serpente. Era o demiurgo,
criador da Enéade e do Universo. Todos os grandes deuses eram associados a
ele, principalmente Ámon, com o qual tornou-se a grande divindade dinástica
do Novo Império. Grandes “livros” teológicos descreviam a viagem de Rê em
uma barca que durante a noite percorria o Mundo dos Mortos até a sua
ressurreição ao amanhecer sob a forma do escaravelho Khepri.
Renunet - Representada como uma mulher com cabeça de serpente ou como
uma serpente. Era deusa das colheitas e a senhora dos grãos.
Sekhmet - Cultuada em Mênfis. Representada como uma mulher com cabeça
de leoa ou uma leoa. Divindade guerreira que representava o aspecto
destruidor do sol. Seus emissários traziam a morte e as doenças. Era temida
por representar o poder mágico dos deuses.
Selkis/Selkit - Representada como uma mulher com um escorpião sobre a
cabeça. Era a protetora dos mortos e possuía um papel profilático contra os
venenos.
Serápis - Criado no Período Ptolomaico como deus da corte correspondia às
antigas divindades funerárias menfitas. Associado a Osíris e Ísis.
Seshat - Representada como uma mulher vestida com uma pele de leopardo e
coroada com uma estrela de sete pontas. Era deusa da escrita, da
agrimensura e arquitetura. Era a companheira de Toth.
Seth - Originário do Fayum. Era um deus híbrido formado por partes de
diversos animais. Irmão e assassino de Osíris representava a ignorância e as
influências nefastas presentes no Mundo.
Shu - Deus antropomórfico coroado com uma pluma que simboliza seu nome.
Deus do espaço aéreo que separa a Terra (Geb) do Céu (Nut). Sua esposa e
irmã é Tefnut.
Sobek - Originário do Fayum. Representado com o corpo humano com cabeça
de crocodilo ou um crocodilo. Era um deus criador ligado às forças do Nilo.
Sokáris - Cultuado em Mênfis. Representado como um homem com cabeça
de falcão ou por um falcão mumificado. Deus funerário associado a Ptah e
Osíris. Era o patrono dos artesãos.
Tefnut - Cultuada em Heliópolis (Cairo). Representada como uma mulher
com cabeça de leoa. Simbolizava a umidade na teologia Heliopolitana. É irmã
e esposa de Shu.
Toth - Originário de Hermópolis. Representado como um homem com cabeça
de Íbis e também sob a forma de um babuíno. Era o deus das operações
intelectuais, da escrita, das línguas e da sabedoria. Era o protetor dos
escribas e dos mágicos.
Toueris/Taueret - Deusa híbrida parte hipopótamo, leão e crocodilo. Divindade que
aparece no Novo Império muito popular por ser a protetora das parturientes, dos
recém-nascidos e das crianças.
Uadjet - Cultuada em Buto (Delta). Representada como uma mulher com cabeça de
cobra ou uma cobra. Simboliza o Baixo Egito. É a protetora da coroa vermelha e
junto com Nekhbet protege o faraó e a realeza.

140
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

XIV. GLOSSÁRIO TOPOGRÁFICO

Abidos ou Ábidos - centro religioso do Alto Egito na margem oeste do Nilo a 168km
ao norte de Luxor cujo deus principal era Osíris. Sua origem remonta aos
Períodos Pré-dinásticos e seu principal templo foi construído por Séthi I e
Ramessés II.
Abu Gurob - localidade situada ao norte de Saqqara onde se encontram os templos
solares da V dinastia, em particular aquele de Niuserrê.
Abu Roash - localidade a 9km de Giza e que fazia parte da antiga necrópole onde se
encontra a pirâmide de Djedefre da IV dinastia.
Abu Simbel - nome de uma antiga vila situada a 280km ao sul de Assuã, na margem
oeste, e onde se encontra o mais importante templo rupestre construído por
Ramessés II em honra do deus sol e o templo da rainha Nefertari dedicado à
deusa Háthor.
Abuquir (Canopo) - localidade do Período Ptolomaico localizada a 45km de Alexandria
às margens do Mediterrâneo e onde se encontrava um dos célebres Serapeum.
Abusir (Taposíris Magna) - localizada entre Giza e a norte de Saqqara. Designa a
necrópole real e os templos solares da V dinastia.
Akhetaton - ver Tell el-Amarna.
Akhimim (Chemmis, Panópolis) - cidade situada na margem leste do Nilo
aproximadamente a 200 km ao norte de Luxor. Foi a capital do 9º Nomo do Alto
Egito cujo deus era Min.
Alexandria - cidade às margens do Mediterrâneo, fundada por Alexandre, o Grande,
em 332 a.C., capital e residência dos Ptolomeus. Célebre pelo farol e por sua
biblioteca.
Amada (Hamadah) - localizada na Núbia, na margem ocidental do Nilo, cerca de
50km ao norte de Aniba, onde o faraó Thutmés III construiu um templo em
honra a Ámon-Rê e Rê-Horakhty, concluído por Séthi I.
Aniba - cidade da Baixa Núbia entre a 1ª e a 2ª Catarata. Local de importância
comercial e militar desde o Antigo Império, a cidade foi fortificada durante o
Médio Império.
Antinópolis (Antinoe, Sheikh Aibada) - cidade do Médio Egito fundada pelo
imperador romano Adriano em 30 de outubro de 130 e que possuía um teatro,
um hipódromo e ruas luxuosas.
Armant (Ermant, Hermonthes) - cidade que se encontra na margem oeste do Nilo a
20km ao sul de Luxor. De origem Pré-histórica onde foi cultuado o deus Montu.
Assassif - nome dado a uma das regiões da necrópole tebana. Próxima ao templo de
Deir el-Bahri com tumbas do Período Ramessida, da XXV e XXVI dinastias.
Assiut (Licópolis) - cidade na margem oeste do Nilo a 407km ao sul do Cairo. Capital
do 13º Nomo do Alto Egito onde era cultuado o deus Up-Uaut e de onde partiam
as caravanas para os oásis. Onde se encontram as tumbas da IX, X, XII e XIX
dinastias.
Assuã (Siena) - cidade na margem leste do Nilo próxima à 1ª catarata. Foi a capital do
1º Nomo do Alto Egito onde eram cultuados os deuses Khnum e Satis.
Athribis (Benha, Tell Atrib) - capital do 10º Nomo do Baixo Egito na margem direita
do braço Damieta do Delta do Nilo onde era cultuado um deus falcão
identificado a Hórus.
Avaris ou Aváris (Tell ed-Daba) - capital dos reis hicsos no Delta oriental do Nilo.
Babilônia - nome de uma fortificação romana atualmente no Cairo Velho.
Baharia - oásis do deserto líbio a oeste do Nilo ocupado desde o Período Paleolítico,
tornando-se famoso ela produção de vinho, a partir do Médio Império,
principalmente durante o Período Romano.
Beni Hassan - cidade do Médio Egito na margem leste do Nilo onde se encontra a
necrópole dos príncipes do 16º Nomo do Alto Egito, da XI e XII dinastias.
141
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Bubástis (Tell Basta) - cidade do Delta do Nilo capital do 18º Nomo do Baixo Egito
onde era cultuada a deusa gata Bastet e foi a capital dinástica da XXII e XXIII
dinastias.
Buhen - antiga cidade fortificada que faz fronteira à 2ª catarata, próxima a Wadi
Halfa, onde se encontrava uma grande fortaleza da XII dinastia. Hoje submersa.
Busíris - cidade ao sul do braço Damieta do Delta do Nilo capital do 9º Nomo do
Baixo Egito onde havia um santuário ao deus Osíris.
Buto (Tell el-Farain) - cidade a noroeste do Delta do Nilo onde era cultuada a deusa
serpente Uadjet símbolo do Baixo Egito.
Cairo - capital do Egito fundada pelos árabes em 641.
Cinópolis - capital do nomo de época Ptolomaica.
Coptos (Quft, Iseun) - cidade localizada na margem leste aproximadamente a 40km
ao norte de Luxor. Foi a capital do 5º Nomo do Alto Egito e ocupou uma posição
de destaque como ponto de partida para caravanas e expedições em direção ao
Mar Vermelho. Era a sede de culto do deus Min.
Crocodilópolis - antiga capital do oásis fundada no Médio Império onde foi cultuado
o deus Sobek e durante o Período Ptolomaico a rainha Arsinoe.
Dahshur - cidade situada aproximadamente a 26km ao sul de Giza e que dá o nome a
uma parte da necrópole ao sul de Saqqara. Possui túmulos da IV e XII dinastias
destacando a pirâmide romboidal e a pirâmide vermelha do faraó Snefru e as
pirâmides de Amenemhat III e Senusret III.
Dakhla - oásis do deserto ocidental aproximadamente na altura de Luxor a 200km a
oeste de Kharga. Possui vestígios de ocupação desde o paleolítico e
principalmente do Período Ptolomaico.
Deir el-Medina - região mais meridional da necrópole tebana que compreende as
tumbas, as capelas e uma vila de operários responsáveis pela escavação e
decoração das tumbas reais da XVIII a XX dinastias.
Deir el-Bahari - nome de uma parte da necrópole tebana onde se encontram os
templos funerários de Mentuhotep Nebhepetre, Hatshepsut e Thutmés III, além
de um grande número de tumbas particulares da XVIII dinastia.
Deir el-Ballas - localidade próximo a Coptos no 5º Nomo do Alto Egito, vizinho a
Naqada, que contém cemitérios Pré-históricos, monumentos do Médio Império e
vestígios importantes de palácios do Médio Império.
Dendera (Tentyris) - cidade do Alto Egito na margem oeste do Nilo capital do 6º
Nomo do Alto Egito. Famosa pelo templo bem conservado, de época Greco-
Romana, da deusa Háthor.
Dra Abu el-Naga - parte setentrional da necrópole tebana com importantes tumbas
decoradas de funcionários do Médio Império.
Edfu - capital do 2º Nomo do Alto Egito onde se encontra um templo, de época Greco-
Romana, bem conservado dedicado ao deus Hórus.
El-Amra - cidade situada a 9km ao sul de Abidos onde foram encontradas duas
necrópoles Pré-históricas cujas sepulturas datam do Naqada I ao Período Proto-
dinástico.
El-Ashimunin - ver Hermópolis.
El-Badari - cidade do Alto Egito na margem leste do Nilo ao sul de Assiut onde foram
encontradas importantes sepulturas Pré-históricas de uma cultura neolítica.
Elefantina - ilha localizada diante da cidade de Assuã. Ocupada desde a época Pré-
dinástica possuía um templo consagrado aos deuses Khnum e Satis.
El-Kab (Nekheb) - capital do 3º Nomo do Alto Egito de grande importância religiosa
desde a Pré-história até a época Bizantina. Era o local de culto da deusa abutre
Nekhbet, símbolo do Alto Egito.
El-Khokha - necrópole em Tebas ocidental a sudoeste de Deir el-Bahari com tumbas
decoradas datadas da XVIII e XIX dinastias.

142
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

El-Lisht (Lisht) - na margem esquerda do Nilo onde está a necrópole da capital da XII
dinastia. Destacando-se as pirâmides de Amenemhat I, Senusret I e de seus
familiares.
El-Tarif - necrópole em Tebas ocidental na extremidade norte onde as tumbas de
particulares pertencem, em sua maioria, a XI dinastia.
Esna (Latópolis) - cidade situada na margem oeste do Nilo a 60km ao sul de Luxor.
Possui vestígios de um templo Greco-Romano dedicado a Khnum.
Farafra (Farafre) - oásis do deserto líbio, ocupado desde Paleolítico Superior, aparece
citado no Período Histórico em documentos da V dinastia. No Período Romano
foi o local de uma necrópole rupestre.
Fayum - depressão no deserto a sudoeste do Cairo, habitualmente considerado como
um oásis, ligado ao Nilo por braço fluvial.
Gebel Barkal - montanha sagrada localizada na Alta Núbia, ao sul da 3ª Catarata do
Nilo, próximo à Napata. É uma grande formação rochosa com o topo plano nos
pés do qual foi construído um grande templo a Ámon, na XVIII dinastia.
Gebel Silsilah - pedreiras de grés situadas ao norte de Kom Ombo.
Gebelein - ver Crocodilópolis.
Gerf Hussein - localizado na Núbia onde Ramessés II construiu um templo em honra
a Ptah.
Giza - parte da necrópole de Mênfis atualmente um bairro a oeste do Cairo.
Caracterizada pelas grandes pirâmides da IV dinastia e a grande esfinge.
Gurna - designação geral dada à necrópole tebana, às tumbas e sepulturas datadas
do final do Antigo Império até a Época Romana.
Gurnet Murai - nome da colina que se encontra ao sul da necrópole tebana, situada
acima de Deir el-Medina, contendo um pequeno número de tumbas decoradas
do Novo Império.
Hawara - sítio a sudoeste do Fayum onde se encontra a pirâmide de Amenemhat III e
uma necrópole do Médio Império, da Baixa Época e do Período Greco-Romano.
Heliópolis (On, Iunu) - a nordeste do Cairo era a capital do 13º Nomo do Baixo Egito
e um dos grandes centros espirituais do país.
Heracleópolis Magna (Ahnas el-Medina) - capital do 20º Nomo do Alto Egito a 15km
a oeste de Beni Husef.
Hermontis - a 20km ao sul de Luxor na margem esquerda do Nilo capital do 4º Nomo
do Alto Egito até a XVIII dinastia. Era o local de culto do deus Montu.
Hermópolis Magna (El-Ashmuneim) - capital do 15º Nomo do Alto Egito cuja
principal divindade era o deus Thoth.
Hermópolis Parva - capital do 15º Nomo do Baixo Egito no Delta do Nilo com
vestígios de um templo de Thoth da Baixa Época.
Hieracômpolis (Nekhen, Kom el-Hamar) - a 20km ao norte de Edfu na margem
oeste do Nilo de frente para El-Kab. Foi uma das mais antigas capitais do Egito
(Nekhem).
Illahun (El-Lahun, Khaun) - cidade da margem oeste do Nilo no mesmo nível que o
Fayum, onde se destacam as pirâmides de Senusret II e Senusret III.
Kalabsh (Talmis) - um dos centros mais importantes da Baixa Núbia. Possuía um
templo dedicado ao deus Mandulis, construído pelo imperador Augusto.
Karnak - sítio localizado a 2km ao norte de Luxor. Famoso pelo maior complexo de
templos de todo o Egito dedicado a Ámon, Amut, Khonsu e Montu.
Kharga - oásis do deserto ocidental aproximadamente na mesma altura que Luxor
cujo principal monumento é o templo oracular de Ámon.
Kom-Ombo - sítio na margem direita do Nilo a 45km ao norte de Assuã. Célebre pelo
templo duplo do Período Ptolomaico e Romano consagrado a Sobek e Hórus.
Kush - região da Alta Núbia que se estende do sul da 2ª até a 4ª catarata. Foi uma
colônia egípcia durante o Médio Império e sede de um vice-reino durante o Novo

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ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Império. De sua capital, Kherma, saíram os reis que conquistaram o Egito


fundando a XXV dinastia.
Luxor - cidade do Alto Egito a 729km ao sul do Cairo situada na região tebana onde
se destaca o templo construído por Amenhotep III.
Malqata (Malgatta) - na margem ocidental de Tebas onde se localizava o palácio
residencial de Amenhotep III e de sua esposa, a rainha Tiy.
Medinet Habu - nome moderno que designa o templo funerário de Ramessés III na
margem ocidental de Tebas.
Meidum - cidade a 75km ao sul do Cairo na margem oeste do Nilo onde se encontra a
necrópole do final da III e IV dinastias célebre pela pirâmide inacabada de Huni
concluída por Snefru.
Meir (Cusae, Khis, Qis) - capital do 14º Nomo do Alto Egito, na margem ocidental do
Nilo ao sul de Tuna el-Gebel e ao norte de Assiut. Necrópoles da VI e da XII
dinastias.
Mendes (Djedet, Tell er-Ruba) - cidade do Delta Oriental habitada desde o Período
Pré-histórico até o Período Ptolomaico. Era o local de culto de um carneiro
sagrado.
Mênfis - localizada a 20km ao sul do Cairo. Foi a capital do 1º Nomo do
Alto Egito e a capital do país durante o Antigo Império, mantendo em seguida a
posição de capital administrativa do Egito. Possui uma grande necrópole que se
estende de Abu Roash a Dahshur englobando a necrópole de Saqqara.
Meroi - capital dos reis de Kush entre a 5ª e 6ª cataratas a nordeste de Cartum.
Mirgissa - localizado na Alta Núbia, na 2ª catarata do Nilo, na margem ocidental, foi o
local de uma fortaleza construída na XII dinastia que controlava as rotas
comerciais que ligavam o Egito à Núbia.
Napata - localizada na Alta Núbia, antiga capital do reino de Kush, próxima da 4ª
catarata do Nilo. Conquistada por Thutmés III possuiu um papel preponderante
no comércio até o Período Romano. Os reis locais assimilaram os costumes
faraônicos e deuses egípcios, principalmente Ámon.
Naqada - vila ao norte de Luxor que dá nome a uma necrópole e uma cultura Pré-
histórica.
Náucratis ou Naucrátis (Kom Gaif) - cidade do Delta do Nilo fundada por gregos no
VI século a.C. com santuários dedicados a Apolo, Hera, Atenas e Afrodite.
Núbia - região que se encontra ao sul da 1ª catarata de Assuã se estendendo ao sul
até Dongola. Atualmente sua parte setentrional pertence ao Egito e o restante do
seu território ao Sudão.
Oxyrhynchos (Per-Medjeb, el-Bahnasa) - cidade do Médio Egito, na margem
ocidental do Bahryussuf, capital do 19º Nomo do Alto Egito.
Pelusi (Tell el-Farama) - a 20km a leste do Canal de Suez às margens do
Mediterrâneo. Importante cidade comercial.
Pharus - ilha diante de Alexandria célebre pelo seu farol.
Philae - ilha que se encontra ao sul de Assuã e da 1ª catarata com um santuário
dedicado à Ísis do Período Ptolomaico e Romano.
Pi-Ramessés (Qantir, Kantir) - residência dos reis ramessidas a noroeste do Delta do
Nilo.
Punti - território provavelmente situado ao norte da Eritréia e a leste do Sudão que
mantinha o comércio de ouro, marfim, ébano além de outras variedades de
madeira, macacos, babuínos, girafas, cães, panteras e pigmeus com o Egito.
Ramesseum - templo memorial ou funerário de Ramessés II situado na Necrópole
Tebana.
Sais (Sa el-Hagar) - a nordeste do Delta do Nilo, próximo a Roseta, capital do Egito
durante a XXVI dinastia. Local de culto da deusa Neith.
Saqqara - local da imensa necrópole de Mênfis na margem oeste do Nilo ao sul do
Cairo utilizada durante toda a antigüidade.
144
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Sebennytos (Samanhud, Behbeit el-Hagar) - cidade do Delta, capital da XXX


dinastia onde eram cultuados os deuses Onúris e sua esposa Tefnut e Ísis.
Sedeinga - cidade da Núbia, na margem ocidental do Nilo, entre a 2ª e a 3ª catarata
ao norte de Soleb. Local de uma necrópole meroítica e de um templo construído
por Amenhotep III, consagrado a sua esposa Tiy.
Sehel - ilha a 6km ao sul de Elefantina onde estão centenas de grafitos de várias
épocas da história egípcia.
Semna - localizada na Núbia, na margem ocidental do Nilo, próxima a 2ª catarata
onde o faraó Senusret III construiu uma importante fortaleza que controlava a
fronteira do Egito e as rotas comerciais.
Serabid el-Khadim - a 160km a sudoeste do Canal de Suez na península do Sinai.
Local de importantes minas de cobre, turquesa e malaquita além de um templo
dedicado a Háthor.
Serapeum - região da necrópole de Saqqara consagrado, originalmente, para o
sepultamento dos touros Ápis consagrados a Ptah e Osíris.
Sheikh Abd el Gurna - parte central da necrópole tebana que se estende da falésia
até a planície com tumbas da metade e do final da XVIII dinastia.
Sinai - península ocupada pelos egípcios desde a III dinastia, explorada por missões
mineradoras para extração de cobre, malaquita e turquesa. Onde foi construído
o templo de Serabid el-Khadim.
Siuah (Siwa) - o mais ocidental dos oásis do Egito a 600km de Alexandria. Ocupado
desde o Paleolítico, destacou-se na XXVI dinastia com a construção do templo
com o oráculo de Zeus-Ámon.
Soleb - localizado na Núbia, na margem ocidental do Nilo, entre a 2ª e a 3ª catarata,
era o local de uma grande necrópole do Novo Império e de um templo construído
por Amenhotep III.
Tânis (Sam el-Hagar) - situado a 20km a sudoeste do Delta oriental do Nilo. Foi a
capital do Egito durante a XXI e XXII dinastias e onde foram descobertos os
túmulos de Psusennes I, Osorkon III e Sheshonq III.
Tebas (Dióspolis Magna) - capital religiosa do Egito a partir do Novo Império. O nome
designa a região que se estende nas duas margens do Nilo onde se encontram os
templos de Luxor e Karnak (na margem direita) e os templos funerários, o Vale
dos Reis, o Vale das Rainhas e as tumbas particulares (na margem esquerda).
Tell el-Amarna - cidade construída pelo faraó Akhenaton para sua capital na margem
oriental do Nilo, no Médio Egito, cujo nome antigo era Akhet-Aton e o significado
era “Horizonte de Aton”.
This (Thinis, Naga ed-Deir) - cidade do Alto Egito capital provável do 8º Nomo, na
margem oriental do Nilo, diante de Abidos. Capital da I e II dinastias.
Tôd (Djerty, Tuphiun) - cidade na margem oriental do Nilo a 20km ao sul de Luxor.
Ocupada desde a I dinastia ficou famosa pelo "tesouro" encontrado nas
fundações do Templo de Montu, datado do Médio Império.
Tuna el-Gebel - cidade localizada na entrada do deserto a oeste de Hermópolis
tornando-se a sua necrópole na XVIII dinastia.
Tura - pedreiras de calcário na margem leste do Nilo ao sul do Cairo que forneceu os
materiais para a edificação das melhores construções funerárias de Mênfis.
Vale das Rainhas (Biban el-Harim) - em Tebas ocidental ao sul de Deir el Medina
onde se encontram as sepulturas das rainhas e dos príncipes da XIX e XX
dinastias.
Vale dos Reis (Biban el-Moluk) - em Tebas ocidental onde se encontram 64
sepulturas da XVIII a XX dinastias.
Wadi es-Sebua - localizado na Baixa Núbia onde Ramessés II construiu um templo
em honra a Ámon-Rê e Rê-Harmakhis.
Wadi Hammamat - importante via de comunicação com o Mar Vermelho e local de
exploração de pedreiras desde o Antigo Império até o Período Romano.
145
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Wadi Maghara - localizado no Sinai onde era extraída a turquesa, desde o Antigo
Império, em minas subterrâneas e onde existia uma cidade.
Wadi Natrun - depressão desértica entre o Cairo e Alexandria de onde era extraído o
natrão para o embalsamamento dos corpos.
Xois (Chois, Sakha) - cidade do Delta setentrional. Até o Médio Império foi uma
cidade de menor importância, tornando-se durante a XIV dinastia capital de um
reino independente no 6º Nomo do Baixo Egito.

XV. CRONOLOGIA
Todas as datas anteriores à XXVI dinastia são incertas

PALEOLÍTICO - 500.000-5500 a.C.


PALEOLÍTICO INFERIOR - 500.000 a.C.
PALEOLÍTICO MÉDIO - 100.000 a.C.
PALEOLÍTICO SUPERIOR - 30.000 a.C.
EPI-PALEOLÍTICO - 10.000-5500 a.C.

PRÉ-DINÁSTICO - 5500-3050 a.C.


Pré-dinástico Inicial
Alto Egito: Badariense - 5500-4200 a.C.
Baixo Egito: Fayum A/Merimda
Pré-dinástico Médio
Alto Egito: Amratense (Naqada I) - 4200-3700 a.C.
Baixo Egito: Omari A(?)
Pré-dinástico Tardio
Alto Egito: Gerzense Primitivo (Naqada II) - 3700-3250 a.C.
Baixo Egito: Omari B(?)
Protodinástico
Gerzense Tardio (Naqada III) - 3250-3100 a.C.
Dinastia “0” (Naqada IIIC)- 3150-3050 a.C.

DINÁSTICO INICIAL (THINITA ou ARCAICO)


I dinastia - 2920-2770 a.C.
II dinastia -2770-2649 a.C.

ANTIGO IMPÉRIO (IMPÉRIO MENFITA) - 2575-2134 a.C.


III dinastia - 2649-2575 a.C.
IV dinastia - 2575-2465 a.C.
V dinastia - 2465-2323 a.C.
VI dinastia - 2323-2150 a.C.

PRIMEIRO PERÍODO INTERMEDIÁRIO - 2134-2040 a.C.


VII e VIII dinastias - 2150-2134 a.C.
IX e X dinastias (Heracleopolitanas)- 2134-2040 a.C.
XI dinastia (início) - 2134-2040 a.C.

MÉDIO IMPÉRIO (I IMPÉRIO TEBANO) - 2040-1640 a.C.


XI dinastia (final) - 2061-1991 a.C.
XII dinastia - 1991-1783 a.C.

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ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

SEGUNDO PERÍODO INTERMEDIÁRIO - 1640-1532 a.C.


XIII dinastia - 1784-1650 a.C.
XIV dinastia - 1720-1665 a.C.
XV dinastia (Hicsos) - 1668-1560 a.C.
XVI dinastia (Hicsos) - 1665-1565 a.C.
XVII dinastia - 1640-1550 a.C.

NOVO IMPÉRIO (II IMPÉRIO TEBANO) -1550-1070 a.C.


XVIII dinastia - 1550-1307 a.C.
XIX dinastia - 1307-1196 a.C.
XX dinastia - 1196-1070 a.C.

TERCEIRO PERÍODO INTERMEDIÁRIO - 1070-712 a.C.


Reis-Sacerdotes Tebanos - 1080-945 a.C.
XXI dinastia (Tanita) -1070-946 a.C.
XXII dinastia (Tanita/Bubástida/Líbia)-946-712 a.C.
XXIII dinastia (Líbios) - ca. 828-665 a.C.
XXIV dinastia (Saíta) - 718-685 a.C.
XXV dinastia (Núbios e Kushitas) - 767-656 a.C.

PERÍODO SAÍTA - 664-525 a.C.


XXVI dinastia - 664-525 a.C.

PERÍODO TARDIO (BAIXA ÉPOCA) - 525-332 a.C.


XXVII dinastia (I Período Persa) - 525-404 a.C.
XXVIII dinastia - 404-399 a.C.
XXIX dinastia - 399-380 a.C.
XXX dinastia - 380-343 a.C.

RECONQUISTA PERSA
(II Período Persa) - 343-332 a.C.

PERÍODO GRECO-ROMANO - 332 a.C.- 395 A.D.


REIS MACEDÔNIOS - 332-305 a.C.
PERÍODO PTOLOMAICO - 305-31 a.C.
PERÍODO ROMANO - 30 a.C.-395

PERÍODO BIZANTINO - 395-640

PERÍODO ISLÂMICO - 640-1250


Conquista do Egito por aAmr ibn al-aAss - 640-642
Fundação do Cairo - 641
Califado Omíada (Umayya) - 661
Califado Abássida (al-Abbas) - 750
Dinastia Tulunida (Ibn Tulun) - 868-905
Retomada Abássida - 905
Dinastia Ikhshidida - 935-969
Dinastia Fatimida - 969-1171
Saladino - 1164

147
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

Dinastia Ayyubida - 1171-1250

PERÍODO MAMELUCO - 1250-1497


Dinastia Mameluca Bahrita - 1250-1390
Dinastia Mameluca Buída - 1382-1517

PERÍODO OTOMANO - 1517-1805


Expedição Napoleônica - 1798-1801

PERÍODO MODERNO - 1805-até o presente


Reinado de Muhammad Ali - 1805-1848
D. Pedro I compra coleção egípcia para Museu Real - 1826
Inauguração do Canal de Suez - 1869
D. Pedro II visita o Egito - 1876/77
Ocupação Britânica - 1882
Palácio da Quinta da Boa Vista torna-se Museu Nacional - 1892
Independência Egípcia - 1952

XVI. SUGESTÕES: LIVROS, VÍDEOS E INTERNET

ARTE E ARQUITETURA
DONADONI, S. Museu Egípcio do Cairo. São Paulo: Melhoramentos, 1969.
(Col. Enciclopédia dos Museus)
EDWARDS, I. E. S. As Pirâmides do Egito. Rio de Janeiro: Record, 1985.
LISE, G. Como Reconhecer a Arte Egípcia. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
(Col. Como Reconhecer a Arte)
MACAULAY, D. Construção de uma Pirâmide. São Paulo: Martins Fontes,
1988.
PEINADO, F. L. O melhor da Arte Egípcia, vol. 1 e 2. Lisboa: Edições LDA,
1997.
SMITH, W. S. Arte e Arquitetura do Egito Antigo. São Paulo: Cosac & Naif,
[s.d.].
TIRADRITTI, F. et alii. Tesouros do Egito do Museu Egípcio do Cairo. São
Paulo: ed. Manole, 2000.
WIESNER, J. Egipto. Lisboa: Verbo, 1971. (Col. Ars Mundi)
WILDUNG, D. O Egipto da Pré-história aos Romanos. Köln: Taschen, 1998.

RELIGIÃO
BUDGE, E. A. W. A Magia Egípcia. São Paulo: Cultrix, [s.d.].
BUDGE, E. A. W. A Religião Egípcia, idéias egípcias sobre a vida futura.
São Paulo: Cultrix, [s.d.].
DELANGE, E. & BRANCAGLION, A. Jr. O Egito Faraônico Terra dos Deuses.
São Paulo: Masp-Louvre-Casa França Brasil, 2001.
HART, G. Mitos Egípcios. São Paulo: Editora Moraes, 1992. (Col. O Passado
Lendário)
JACQ, Ch. Akhenaton e Nefertiti. O Casal Solar. São Paulo: Bertrand, 2002.
TRAUNECKER, C. Os Deuses do Egito. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1995.

148
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

SHAFER, B. E. (ed.). As Religiões no Egito Antigo: deuses, mitos e rituais


domésticos. São Paulo: Nova Alexandria, 2002.
SHORTER, A. W. Os Deuses Egípcios. São Paulo: Cultrix, 1984.

OBRAS GERAIS
ALDRED, C. O Antigo Egito. Lisboa: Verbo, 1965.
ALDRED, C. Os Egípcios. Lisboa: Verbo, 1966. (Historia Mundi)
BAINES, J. & MÁLEK, J. O Mundo Egípcio Deuses. Templos e faraós I-II.
Madrid: Edições delPrado, 1996.
BAKOS, Margaret (org.). Egiptomania. O Egito no Brasil. São Paulo: Paris
Editorial, 2004.
BRANCAGLION, A. Jr. Tempo, Matéria e Permanência O Egito na Coleção
Eva Klabin Rapaport. Rio de Janeiro: Casa da Palavra/FEKR, 2002.
BRANCAGLION, A. Jr. O Egito Antigo. São Paulo: Super Interessante/Abril,
2004. (Col. Para Saber Mais)
BRIER, B. O Assassinato de Tutancâmon. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2001.
CASSON, L. O Antigo Egito. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969. (Col.
Biblioteca de História Universal Life)
DESROCHES-NOBLECOURT, Chr. A Mulher no Tempo dos Faraós. São
Paulo: Papirus, [s.d.].
HARRIS, J.R. O Legado do Egito. São Paulo: Imago, 1993.
JACQ, Ch. As Egípcias. Retratos de Mulheres do Egito Faraônico. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
JOHNSON, P. Historia Ilustrada do Egito Antigo. Rio de Janeiro: Ediouro,
2002.
MENU, B. Ramses II. Soberano dos soberanos. Rio de Janeiro: Objetiva,
2002. (Col. Descobertas)
MONTET, P. O Egito no tempo de Ramsés (1300 a 1100 a.C.). São Paulo,
Companhia das Letras, 1989. (col. A Vida Cotidiana)
O’CONNOR, D & FORBES, D. & LEHNER, M. Egito: Terra dos Faraós. Rio de
Janeiro: Abril Coleções Time Life, 1998. (Col. Civilizações Perdidas)
SOLÉ, Robert. Egito um Olhar Amoroso. São Paulo: Ediouro, 2003.
SCHULZ, R. O Egipto. Portugal: Konemann Port, [s.d.]
VALBELLE, D. A Vida no Antigo Egipto. Portugal: Ed. Europa-America, 1990.
VERCOUTER, J. O Egito Antigo. São Paulo: DIFEL, 1980.

ESCRITA e LITERATURA
ARAÚJO, E. Escrito para a Eternidade, a literatura no Egito Faraônico.
Brasília: Universidade de Brasília, 2000.
HOOKER, J. T. Lendo o Passado, do Cuneiforme ao Alfabeto. A História da
Escrita Antiga. São Paulo: Edusp/Melhoramentos, 1996.

149
ANTONIO BRANCAGLION JUNIOR

EGIPTOLOGIA
HOWARD, C. & MACE, A. C. A Descoberta da Tumba de Tutankhamon. São
Paulo: Mercado Aberto, 1991.
ROMER, J. O Vale dos Reis. São Paulo: Melhoramentos, 1994.
SAUNERON, S. A Egiptologia. São Paulo: DIFEL, 1970. (Col. Saber Atual)
VERCOUTTER, J. Em Busca do Egito Esquecido. Rio de Janeiro: Objetiva,
2002. (Col. Descobertas)

INFANTO-JUVENIL
CLARE, J. D. & DAVID, R. Pirâmides do Antigo Egito. São Paulo: Manole,
1994. (Col. Eu estive lá)
DEARY, T. & HEPPLEWHITE, P. Espantosos Egípcios. São Paulo:
Melhoramentos, 1994.
DELAFOSSE, C. & BIARD, P. A Pirâmide. São Paulo: Melhoramentos, 1995.
ÉVANO, B. Contos e lendas do Egito Antigo. São Paulo: Cia das Letras,
1998.
FEIJÓ, M. C. Antigo Egito: O Novo Império. São Paulo: Ática, 1994. (Col. O
Cotidiano da História)
FERREIRA, O. L. Egito Terra dos Faraós. São Paulo: Editora Moderna, 1992.
(Série Desafios)
GANERI, A. Os Antigos Egípcios. São Paulo: Abril, 1995. (Col. Oito Temas, 1)
GANERI, A. Faraós & Múmias. São Paulo: Editora Moderna, 1998. (Col.
Descobrindo Mais)
KOENIG, V. Às margens do Nilo - Os Egípcios. São Paulo: Augustus, 1992.
(Col. Povos do Passado)
MACDONALD, F. Egípcios Antigos. São Paulo: Editora Moderna, 1996.
MILLARD, A. Os Egípcios. São Paulo: Melhoramentos, 1992. (Col. Povos do
Passado)
MORLEY, J. Antigo Egito. São Paulo: Scipione, 1996. (Col. Como seria a sua
vida?)
MORLEY, J. & BERGIN, M. & JAMES, J. Uma Pirâmide Egípcia. São Paulo:
Manole, 1993.
PUTNAM, J. A Vida no Antigo Egito. O cofre dos Tesouros. Portugal: Centra
Livros, 1996.
QUESNEL, A. O Egito. São Paulo: Editora Ática, 1997. (Col. Mitos e Lendas)
SETHUS, M. No Tempo dos Faraós. São Paulo: Scipione, 1992. (Col. Crianças
na História)
STEEDMAN, S. Jornal do Egito. O maior jornal do Mundo Civilizado. Belo
Horizonte: Editora Dimensão, 1997.
UNSTEAD R. J. Uma Cidade Egípcia. Portugal: Celbrasil, 1979. (Col. Veja por
Dentro)

VIDEOS
A Maldição de Tutancâmon, Col. À Procura de Mundos Perdidos, Discovery
Channel Video, Videos Abril, 1998.
Cairo o Fascínio das Pirâmides, Col. Video Travel 17, Abril Coleções, 1997.
Egito em Busca da Imortalidade, Col. Civilizações Perdidas, Time Life Video,
Abril Coleções, 1997.

150
ARTE E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO II

Nilo o Rio dos Deuses, Discovery Channel, Mickinnon Films, Abril Video,
1994.
O Egito em Busca da Eternidade, National Geographic Society, WQED, Abril
Video, 1982.

INTERNET
Devido à extraordinária mobilidade da internet, é difícil afirmar com
segurança que as indicações abaixo já não estarão obsoletas no mesmo
instante que esta lista for concluída.
A classificação aqui presente é puramente subjetiva, já que muitos dos
endereços possuem “links” que os interligam.

INSTITUTOS E ASSOCIAÇÕES
Instituto Francês de Arqueologia Oriental - Cairo
http://www.ifao.egnet.net

Sociedade de Exploração Egípcia - Londres


http://www.ees.ac.uk

Conselho Supremo de Antiguidades - Cairo


http://www.sca.gov.eg/index.html

Griffith Institute - Londres


http://www.ashmol.ox.ac.uk

Theban Mapping Project


http://www.thebanmappingproject.com/

Associação dos Estudantes de Egiptologia - França


http://perso.club-internet.fr/thot_web/

MUSEUS
Metropolitan Museum of Art - Nova York
http://www.metmuseum.org

Museé du Louvre - Paris


http://cartelfr.louvre.fr

Petrie Museum - Londres


http://www.petrie.ucl.ac.uk

British Museum - Londres


http://www.thebritishmuseum.ac.uk/

OUTROS
http://www.egiptologia.com/index.htm
http://www.ancientegypt.co.uk/home.html
http://www.wepwawet.nl/films/

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