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ARTIGO ARTICLE 345

O acolhimento e os processos de trabalho


em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil

“User embracement” and the working process


in health: Betim’s case, Minas Gerais, Brazil

Túlio Batista Franco 1


Wanderlei Silva Bueno* 1

Emerson Elias Merhy 1

1 Departamento de Medicina Abstract The subject of this paper is changes in health care when “user embracement” is used
Preventiva e Social,
as a strategic aim. According to the “user embracement” concept, health care clients are the cen-
Faculdade de Ciências
Médicas, Universidade ter of the health services’ organization, including the following: 1) care for everyone seeking it,
Estadual de Campinas. thus guaranteeing universal accessibility; 2) reorganization of the work process, such that its
Cidade Universitária
central thrust is shifted from the physician to the multiprofessional staff, or “user embracement
Zeferino Vaz, Campinas, SP
13083-970 Brasil. team”, in charge of “hearing” users and becoming involved in solving their health problems; and
* Falecido 3) solidarity, humanity, and citizenship as parameters for the relationship between health care
users and providers. The research showed improvement of non-medical health care productivity
and greater accessibility by users. After nine months, the “user embracement team” solved 50% of
the health problems themselves. The above-mentioned effects were also linked to workers’ moti-
vation, leading to greater creativity in the work process.
Key words Program Evaluation; Medical Care; Ambulatory Care; Community Health Services

Resumo Este trabalho relata experiência de inversão do modelo tecno-assistencial para a saú-
de, tendo como base a diretriz operacional do acolhimento. O acolhimento propõe que o serviço
de saúde seja organizado, de forma usuário-centrada, partindo dos seguintes princípios: 1) aten-
der a todas as pessoas que procuram os serviços de saúde, garantindo a acessibilidade universal;
2) reorganizar o processo de trabalho, a fim de que este desloque seu eixo central do médico para
uma equipe multiprofissional – equipe de acolhimento –, que se encarrega da escuta do usuário,
comprometendo-se a resolver seu problema de saúde; e 3) qualificar a relação trabalhador-usuá-
rio, que deve dar-se por parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania. Por meio da in-
vestigação realizada, foi possível observar um aumento significativo do rendimento profissio-
nal, dos servidores não-médicos, que passaram a atuar na assistência; esse elevado rendimento
profissional determinou, por conseqüência, maior oferta e aumento extraordinário da acessibi-
lidade aos serviços de saúde.
Palavras-chave Avaliação de Programas; Assistência Médica; Assistência Ambulatorial; Ser-
viços de Saúde Comunitários

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Introdução sobre o processo de produção da relação usuá-


rio-serviço sob o olhar específico da acessibili-
À medida que nos aproximamos dos momen- dade, no momento das ações receptoras dos
tos de relações dos usuários com os serviços de clientes de um certo estabelecimento de saúde.
saúde e com os seus trabalhadores, para verifi- Olhando assim, como uma etapa deste pro-
carmos o seu funcionamento, vamo-nos sur- cesso de produção, o acolhimento funciona co-
preendendo com a descoberta de que, sempre mo um dispositivo a provocar ruídos sobre os
que houver um processo relacional de um momentos nos quais o serviço constitui seus
usuário com um trabalhador, haverá uma di- mecanismos de recepção aos usuários, en-
mensão individual do trabalho em saúde, reali- quanto certas modalidades de trabalho em saú-
zado por qualquer trabalhador, que comporta de que se centram na produção de um mútuo
um conjunto de ações clínicas. Ações clínicas reconhecimento de direitos e responsabilida-
aí significam o encontro entre necessidades e des, institucionalizados pelos serviços de acor-
processos de intervenção tecnologicamente do com determinados modelos de atenção à
orientados, os quais visam operar sobre o cam- saúde.
po das necessidades que se fazem presente nes- Como etapa do conjunto do processo de
se encontro, na busca de fins implicados com trabalho que o serviço desencadeia na sua re-
a manutenção e/ou recuperação de um certo lação com o usuário, o acolhimento pode, ana-
modo de viver a vida. liticamente, evidenciar as dinâmicas e os crité-
Esses encontros, que se dão entre dois indi- rios de acessibilidades a que os usuários (por-
víduos, são produzidos em um espaço inter- tadores das necessidades centrais e finais de
cessor (Merhy, 1997a) no qual uma dimensão um serviço) estão submetidos, nas suas rela-
tecnológica do trabalho em saúde, clinicamen- ções com o que os modelos de atenção consti-
te evidente, sustenta-se: a da tecnologia das re- tuem como verdadeiros campos de necessida-
lações, território próprio das tecnologias leves des de saúde, para si.
(Merhy, 1997b). Os encontros e desencontros nessa etapa
Olhando esses momentos – pelo lado do podem, ao gerar ruídos e estranhamentos para
trabalho tanto do médico, quanto do de um um olhar analisador (em produção no interior
porteiro de um serviço de saúde – são-nos re- da equipe de trabalhadores), revelar uma dinâ-
veladas questões-chave sobre os processos de mica instituidora que se abre a novas linhas de
produção em saúde, nos quais o acolhimento possibilidades, no desenho do modo de se tra-
adquire uma expressão significativa. Isto é, em balhar em saúde, permitindo a introdução de
todo lugar em que ocorre um encontro – en- modificações no cotidiano do serviço em torno
quanto trabalho de saúde – entre um trabalha- de um processo usuário-centrado, mais com-
dor e um usuário, operam-se processos tecno- prometido com a defesa da vida individual e
lógicos (trabalho vivo em ato) que visam à pro- coletiva.
dução de relações de escutas e responsabiliza- Em síntese, o que propomos é pôr em prá-
ções, as quais se articulam com a constituição tica o acolhimento como um dispositivo que
dos vínculos e dos compromissos em projetos interroga processos intercessores que cons-
de intervenção. Estes, por sua vez, objetivam troem relações clínicas das práticas de saúde e
atuar sobre necessidades em busca da produ- que permite escutar ruídos do modo como o
ção de algo que possa representar a conquista trabalho vivo é capturado, conforme certos
de controle do sofrimento (enquanto doença) modelos de assistência, em todo lugar em que
e/ou a produção da saúde. há relações clínicas em saúde. Além disso, deve
Esses processos intercessores – como o também expor a rede de petição e compromis-
acolhimento – são atributos de uma prática clí- so que há entre etapas de certas linhas de pro-
nica realizada por qualquer trabalhador em dução constituídas em certos estabelecimen-
saúde, e focá-los analiticamente é criar a pos- tos de saúde, interrogando centralmente as re-
sibilidade de pensar a micropolítica do proces- lações de acessibilidade.
so de trabalho e suas implicações no desenho Qual a vantagem de atuar sobre esses ruí-
de determinados modelos de atenção, ao per- dos e processos?
mitir pensar sobre os processos institucionais Na medida em que, nas práticas de saúde,
por onde circula o trabalho vivo em saúde, ex- individual e coletiva, o que buscamos é a pro-
pondo o seu modo privado de agir à um debate dução da responsabilização clínica e sanitária
público no interior do coletivo dos trabalhado- e da intervenção resolutiva, tendo em vista as
res, com base em uma ótica usuário-centrada. pessoas, como caminho para defender a vida,
No entanto, o tema do acolhimento apre- reconhecemos que, sem acolher e vincular, não
senta-nos um outra possibilidade: a de argüir há produção desta responsabilização e nem

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O ACOLHIMENTO E OS PROCESSOS DE TRABALHO EM SAÚDE 347

otimização tecnológica das resolutividades que Antes do acolhimento


efetivamente impactam os processos sociais de
produção da saúde e da doença. No ano de 1995 (considerando-se de março de
Tendo como base essas premissas, vejamos 1995 a fevereiro de 1996 – antes da implanta-
adiante, com a descrição de um processo ini- ção do acolhimento), a Unidade fez 1.342 aten-
ciado junto a uma rede de serviços de saúde, dimentos em média por mês, com 1.456 horas
no âmbito municipal, as possibilidades de in- trabalhadas, entre todos os profissionais da as-
troduzir esses percursos, na busca de impactar sistência. O processo de trabalho era o tradi-
os mecanismos de acesso e de explorar as pos- cionalmente conhecido, centrado na figura e
sibilidades de novos desenhos micropolíticos no saber do médico para o atendimento aos
no modo cotidiano de realização de certos mo- usuários. Em vista da baixa oferta de consultas
delos de atenção à saúde. médicas, para o acesso às mesmas utilizava-se
o velho sistema de fichas. Esta era a única for-
ma de administrar o serviço oferecido em vista
O caso de Betim: da demanda da população. Os que procura-
relato de uma experiência vam consulta e não conseguiam ficha sequer
entravam na Unidade de Saúde, “era do portão
Em Betim, vivia-se, no ano de 1996, intensa pra casa” ou para a peregrinação em outros
mobilização na rede básica assistencial para a serviços.
implantação do acolhimento, diretriz do mo- Em meados de 1995, contando com a asses-
delo tecno-assistencial, orientado nos princí- soria do Laboratório de Planejamento e Admi-
pios do Sistema Único de Saúde (SUS). O aco- nistração de Sistemas de Saúde – Lapa/Uni-
lhimento propõe, principalmente, reorganizar camp, o grupo dirigente da Secretaria de Saúde
o serviço, no sentido da garantia do acesso uni- de Betim (incluindo aí o corpo gerencial) dis-
versal, resolubilidade e atendimento humani- cutiu a proposta de inversão do modelo tecno-
zado. Oferecer sempre uma resposta positiva assistencial, baseado nas diretrizes do acesso,
ao problema de saúde apresentado pelo usuá- acolhimento, vínculo e resolubilidade. Foi a
rio é a tradução da idéia básica do acolhimen- partir daí que a Secretaria Municipal de Saúde
to, que se construiu como diretriz operacional. tomou a decisão de implantar o acolhimento
Pelo lugar estratégico ocupado por essa em toda a rede de serviços.
proposta, achamos que o acolhimento deveria
ser estudado, para se verificar a sua eficácia e Em que consiste o acolhimento enquanto
assim oferecer subsídios à sua consolidação diretriz operacional
nas Unidades de Saúde, procurando, ao mes-
mo tempo, viabilizar seu aperfeiçoamento, en- O acolhimento propõe inverter a lógica de or-
quanto tecnologia de organização de serviços ganização e funcionamento do serviço de saú-
de saúde. de, partindo dos seguintes princípios:
Este estudo é devedor de uma investigação 1) Atender a todas as pessoas que procuram
realizada pela Rede de Investigação em Siste- os serviços de saúde, garantindo a acessibili-
mas e Serviços de Saúde no Cone Sul. Preten- dade universal. Assim, o serviço de saúde assu-
de-se, a partir desta investigação, manter inter- me sua função precípua, a de acolher, escutar e
locução com as entidades formadoras de re- dar uma resposta positiva, capaz de resolver os
cursos humanos e os diversos serviços de saú- problemas de saúde da população.
de, como exercício por excelência da práxis co- 2) Reorganizar o processo de trabalho, a fim
mo método de construção de novas propostas, de que este desloque seu eixo central do médi-
substantivas o suficiente para dar respostas à co para uma equipe multiprofissional – equipe
altura dos desafios na organização de sistemas de acolhimento –, que se encarrega da escuta
e serviços de saúde. do usuário, comprometendo-se a resolver seu
Para este estudo, foi eleita a Unidade Básica problema de saúde.
de Saúde (UBS) Rosa Capuche, situada no bair- 3) Qualificar a relação trabalhador-usuário,
ro Jardim Petrópolis, com população de 10.256 que deve dar-se por parâmetros humanitários,
pessoas na sua área de abrangência, para o ano de solidariedade e cidadania.
de 1996, de acordo com o IBGE.
Implantação do acolhimento

O ponto de partida para a implantação do aco-


lhimento foi a decisão do grupo dirigente da
Sesa, tomada através dos órgãos colegiados de

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direção, quais sejam, o Grupo de Direção Es- semana anterior à data prevista, quando o Con-
tratégica – GDE (que reunia a Secretária de selho procurou avisar à comunidade o novo
Saúde e os gerentes dos projetos estratégicos) funcionamento da Unidade de Saúde.
e o Colegiado Gestor (formado pelo GDE e to-
dos os gerentes de Unidades de Saúde). Essa O processo de trabalho no acolhimento
decisão partia de alguns pressupostos básicos,
como: O acolhimento modifica radicalmente o pro-
1) A maioria das pessoas que necessitavam cesso de trabalho. O impacto da reorganização
de atendimento em saúde estavam excluídas do trabalho na Unidade se dá principalmente
dos serviços, daí a grande desconfiança e, até sobre os profissionais não-médicos que fazem
mesmo, opinião negativa que os usuários têm a assistência. No caso da UBS Rosa Capuche,
dos serviços de saúde. consideram-se a enfermeira, a assistente so-
2) As pessoas que procuravam a Unidade de cial, a técnica e a auxiliar de enfermagem. Na
Saúde faziam-no, majoritariamente, em busca atual situação, a equipe de acolhimento passa
da consulta médica, estrangulando completa- a ser o centro da atividade no atendimento aos
mente este serviço. Por outro lado, um grande usuários. Os profissionais não-médicos pas-
número dessas mesmas pessoas não necessita- sam a usar todo seu arsenal tecnológico, o co-
va da consulta, mesmo que essa fosse sua de- nhecimento para a assistência, na escuta e so-
manda individual. lução de problemas de saúde trazidos pela po-
3) O trabalho na Unidade de Saúde era cen- pulação usuária dos serviços da Unidade.
trado na pessoa e no saber médico, ficando os A enfermeira, além de acolher, garante a re-
outros profissionais subestimados no processo taguarda do atendimento realizado pelas auxi-
de trabalho, tendo o seu potencial para a assis- liares de enfermagem. Contribuem nesse pro-
tência enormemente oprimido, reduzindo a cesso os protocolos, que orientam sobre os
oferta de serviços. procedimentos a serem adotados pela equipe
4) A relação trabalhador-usuário sofria de de acolhimento. Na UBS Rosa Capuche, por
crônica degeneração, causada pela alienação exemplo, os protocolos orientam o enfermeiro
dos trabalhadores do seu processo de trabalho, na prescrição de vários exames e medicamen-
ou seja, este se realizava compartimentado, tos, o que aumenta em grande medida a reso-
com os procedimentos sem a necessária inte- lubilidade deste profissional na assistência, fa-
gração multidisciplinar. O objeto de trabalho vorecendo enormemente o fluxo dos usuários.
‘problema de saúde’ recebia, dessa forma, um No modelo anterior, por a assistência estar
tratamento sumário e burocrático, numa rela- centrada no médico, o enfermeiro não realiza-
ção impessoal com o usuário. O mais comum va todo o seu potencial técnico, reduzindo sua
mesmo era a sua exclusão. No entanto, os tra- capacidade de intervenção. Em estudo compa-
balhadores, embora conscientes dos proble- rando este novo modelo com o do período an-
mas, sentiam-se impotentes para mudar aque- terior ao acolhimento, os dados de rendimento
la situação existente, lamentada por eles pró- mostram que seu rendimento agora é aumen-
prios. O contexto sugeria, então, aparente con- tado em 600%.
tradição de interesses entre trabalhadores e Esse novo papel da enfermagem na Unida-
usuários dos serviços de saúde. de de Saúde, com acolhimento, não se deu sem
A partir da decisão de implantar o acolhi- tensões. Subjacente a este processo está a dis-
mento, e sob a permanente coordenação da puta pela supremacia do saber e do poder no
gerente da UBS, definiu-se pela organização de serviço de saúde, até então, monopólio médi-
uma equipe de acolhimento, composta pelos co. Como parte desse polêmico processo, regis-
profissionais de nível superior, por uma técni- tram-se pressões da Câmara de Vereadores con-
ca e auxiliares de enfermagem, para oferecer a tra o atendimento realizado pela enfermeira.
escuta dos usuários. Os médicos ficaram na re- Foi importante também um concorrido debate
taguarda, ou seja, atendendo nos consultórios sobre o acolhimento, promovido pelo Sindica-
os usuários encaminhados pela equipe de aco- to dos Médicos de Minas Gerais, que contou
lhimento. Eliminaram-se a ficha e a fila de ma- com o relato de diferentes experiências de sua
drugada, abrindo-se as portas da Unidade de implantação.
Saúde, com atendimento a todos os usuários É importante registrar que, além de utili-
que a procurassem. Organizou-se a sala de es- zar todo seu arsenal técnico, a enfermeira, com
pera, substituindo a recepção. a reorganização do processo de trabalho, vê-se
O Conselho Local de Saúde teve um papel dotada de maior autonomia na função que
importante para a implantação do acolhimen- exerce. Essa autonomia deve ser entendida dia-
to. Isso se deu, principalmente, no período da leticamente como a condição que o profissio-

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nal tem de decidir sobre seu trabalho, como o Tabela 1


exercício pleno do ‘saber-fazer’ no momento
do procedimento assistencial. Média mensal de atendimentos realizados pelos servidores da Unidade Básica
Em relação à auxiliar de enfermagem, seu de Saúde Rosa Capuche, nos anos de 1995 e 1996. Média mensal de horas
trabalho anterior à implantação do acolhimen- trabalhadas e rendimento dos servidores.
to resumia-se às atividades próprias da sua
função (curativo, injeção, vacina, distribuição Período Média de atendimentos por mês Horas trabalhadas
de medicamentos) e ao apoio aos médicos. Ho-
Março/95 a fevereiro/96 1.342 1.456/mês
je, a relação da auxiliar com os médicos é do
Março/96 a fevereiro/97 4.455 1.665,7/mês
acolhimento para a retaguarda, após realizar a
Acréscimo (+ 332%) (+ 14,4%)
escuta do problema de saúde do usuário; ou
seja, é uma relação circunscrita ao exercício Fonte: Franco, 1997.
multiprofissional.
A assistente social participa do acolhimen-
to e coordena os grupos programáticos. Os
programas, considerados atividade fundamen- para a assistência. Este rendimento, associado
tal para garantir a integralidade da assistência, ao das auxiliares de enfermagem, garante im-
são fatores importantes na garantia do sucesso pacto extraordinário no acesso aos usuários.
do acolhimento. Isto porque resolvem grande c) Indicador de resolubilidade da equipe de
parte da demanda, com ações dirigidas para acolhimento.
grupos prioritários de atenção à saúde. Como resolubilidade, neste caso, conside-
No caso dos médicos, nota-se que seu pro- ra-se a solução encontrada pela equipe de aco-
cesso de trabalho não foi modificado tanto lhimento para as queixas, sem outro tipo de
quanto seria necessário para causar impacto encaminhamento. Como equipe de acolhimen-
na assistência, a partir da sua atividade especí- to, considera-se a equipe multiprofissional, or-
fica. O trabalho destes profissionais foi organi- ganizada na Unidade, para fazer a escuta dos
zado de tal forma que eles ficaram, às vezes, na problemas de saúde trazidos pelos usuários.
retaguarda (consultas aos usuários encami- Na UBS Rosa Capuche, essa equipe foi organi-
nhados pela equipe de acolhimento) e, outras zada contando com a enfermeira, a assistente
vezes, na equipe de acolhimento. Houve inclu- social e as auxiliares de enfermagem.
sive redução do agendamento, porém sem gran- Corroboram para a resolubilidade da equi-
de sucesso na sua inserção no novo modelo. O pe de acolhimento (Figura 2) fatores que atuam
trabalho médico permanecia incólume à velha juntos e simultaneamente, quais sejam:
lógica da consulta/agenda, determinante neste 1) Discussões permanentes entre a equipe
processo. Voltaremos a esse tema mais à frente. da Unidade de Saúde, para avaliar e reproces-
sar o acolhimento.
Os números do acolhimento 2) Capacitação da equipe, adquirida com a
própria experiência no atendimento. A expe-
A seguir, relacionamos o resultado da aplica- riência adquirida proporciona segurança para
ção de diversos indicadores que dizem respeito decidir, para efetivamente ‘fazer’ com base em
a medidas de avaliação da Unidade de Saúde e determinado ‘saber’, adquirido na vivência da
do acolhimento. assistência ao usuário.
a) Acessibilidade aos serviços da Unidade 3) Utilização de protocolos, elaborados pela
de Saúde. equipe técnica da UBS, os quais indicam a con-
Os dados comparados de acessibilidade aos duta a ser adotada diante dos problemas de
serviços demonstram o aumento extraordiná- saúde que mais se apresentam no acolhimento.
rio do atendimento geral da Unidade, com a 4) Interação da equipe, com enfermeiras e
implantação do acolhimento e a reorganização médicos fazendo a retaguarda do acolhimento
do processo de trabalho ( Tabela 1). O rendi- e a capacitação em serviço. A indicação de de-
mento será detalhado a seguir, com indicador terminada conduta pressupõe uma decisão do
específico. profissional, o que, no modelo tradicional, apre-
b) Rendimento profissional. senta-se como um ato isolado, solitário.
Constata-se, pelos dados de produção/ho- 5) Funcionamento dos grupos programáti-
ras trabalhadas, o aumento extraordinário do cos, que haviam deixado de funcionar no iní-
rendimento da enfermeira e da assistente so- cio da implantação do acolhimento, em razão
cial (Figura 1), confirmando a tese de que estas da prioridade dada ao trabalho exclusivamente
profissionais, com a reorganização do proces- assistencial naquele momento específico.
so de trabalho, utilizam todo o seu potencial

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Figura 1

Rendimento dos profissionais de nível superior, da Unidade Básica de Saúde Rosa Capuche, por período de um ano,
antes e após o Acolhimento.

3
rendimento 95

2,5 rendimento 96

1,5

1
rendimento

0,5

0
clínica médica pediatria ginecologia/obstetrícia consulta de assistência social especialidades
enfermagem

Fonte: Franco, 1997.

Figura 2

Distribuição dos problemas de saúde que se apresentaram à equipe de acolhimento da Unidade Básica de Saúde
Rosa Capuche, segundo a resolubilidade e encaminhamentos adotados, apresentados em freqüência relativa,
por períodos mensais.

80
resolvido pela equipe
de acolhimento
70
resolubilidade da equipe de acolhimento (%)

marcado atendimento
para outro setor da unidade
60
referenciado para rede SUS
50

não anotado
40

30

20

10

0
mar/96 abr/96 mai/96 jun/96 jul/96 ago/96 set/96 out/96 nov/96 dez/96 jan/97 fev/97

Fonte: Franco, 1997.

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O ACOLHIMENTO E OS PROCESSOS DE TRABALHO EM SAÚDE 351

A gestão da Unidade com acolhimento No imaginário coletivo, ele é a realização da


utopia construída com o advento do SUS e per-
O processo de gestão da Unidade de Saúde é dida no momento seguinte, com a constituição
compatível com o modelo tecno-assistencial. de uma hegemonia neoliberal nos serviços de
Assim, o acolhimento só é possível se a gestão saúde.
for participativa, baseada em princípios demo- O acolhimento associa na forma exata o
cráticos e de interação entre a equipe. Isto se discurso da inclusão social, da defesa do SUS,
dá porque a inversão do modelo tecno-assis- a um arsenal técnico extremamente potente,
tencial, com mudanças estruturais no processo que vai desde a reorganização dos serviços de
de trabalho, pressupõe a adesão dos trabalha- saúde, a partir do processo de trabalho, até à
dores à nova diretriz. Este compromisso com a constituição de dispositivos auto-analíticos e
mudança, com a construção do devir, só é pos- autogestoress, passando por um processo de
sível quando os profissionais discutem e efeti- mudanças estruturais na forma de gestão da
vamente podem decidir sobre a organização Unidade.
dos serviços na Unidade de Saúde.
A gestão democrática e participativa criou Problemas de primeira hora
oportunidade para que se experimentasse na
Unidade de Saúde um processo pedagógico, O primeiro problema enfrentado para a im-
auto-conduzido, de extrema riqueza. Os traba- plantação do acolhimento diz respeito ao te-
lhadores passaram a conhecer o usuário, a par- mor, próprio da condição humana, de encarar
tir do momento em que este adentrou a Unida- o novo, por excelência o desconhecido.
de. Por outro lado, o permanente contato com Vencida esta primeira dificuldade, o acolhi-
a assistência, as inúmeras reuniões dos fóruns, mento chegou e encontrou uma Unidade de
discussões técnicas de grupos programáticos, Saúde que vinha há muitos anos funcionando
o debate sobre a política de saúde, levaram os com reduzida oferta de serviços, baixa presen-
trabalhadores a assimilar um conhecimento ça dos usuários por causa da inacessibilidade à
importante acerca da sua realidade e da reali- Unidade, tendo, por conseqüência, incalculá-
dade institucional. Podemos dizer que eles ad- vel demanda reprimida, não apenas para os
quiriram capacidade de auto-análise, o que serviços próprios da UBS, como também para
lhes deu possibilidade de autogestão na orga- os procedimentos especializados. Implantan-
nização do processo de trabalho e, por conse- do o acolhimento, aqueles problemas anterior-
qüência, dos serviços. O Colegiado Gestor e o mente existentes no serviço apareceram de for-
Fórum Saúde se tornaram assim, por excelên- ma enfática, muito mais evidentes.
cia, dispositivos auto-analíticos e autogestores, Olhando um pouco sobre alguns medos re-
que protagonizaram um processo instituidor e lacionados ao acolhimento, vale destacar aque-
organizador no interior da Unidade de Saúde le que se refere à falsa noção de que o mesmo
(Baremblit, 1992). faz com que a UBS torne-se um grande pronto-
Associa-se a esse modelo de gestão o plane- atendimento (PA). Em Belo Horizonte, onde o
jamento estratégico situacional, incorporado acolhimento já é uma realidade mais ampla e
no instrumental de trabalho da Unidade de experimentada, o acolhimento permite, de fato,
Saúde mediante a colaboração do Lapa-Uni- tornar a UBS em um verdadeiro estabelecimen-
camp e com a interferência do Grupo de Apoio to de saúde onde se faça saúde pública, pois
à Gestão – GAG. uma coisa é o uso do pronto-atendimento co-
mo um recurso a mais para abordar o usuário, e
outra coisa é reduzir a UBS a um lugar exclusi-
Concluindo vo onde só se faz PA. Temos visto que o acolhi-
mento tem levado a Unidade a receber e incor-
O acolhimento como fator de mudança porar os grupos de riscos como uma realidade
sua, à qual deve dar uma resposta individual e
O que transparece de forma enfática em todo o coletiva e pela qual tem que se responsabilizar.
trabalho de investigação sobre o acolhimento é
sua contemporaneidade, ou seja, a capacidade Limites do acolhimento
de se colocar no nosso tempo, mobilizar ener-
gias adormecidas, reacender a esperança e colo- Após um ano de implantação do acolhimento
car em movimento segmentos importantes dos na Unidade, permanecem três questões que se
serviços de saúde, como grupos sujeito que se impõem como limites à nova diretriz, sobre os
propõem à construção do novo, a fazer no tem- quais devemos nos debruçar para encontrar as
po presente aquilo que é o objetivo no futuro. alternativas técnicas para sua consolidação.

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1) A pequena inserção dos profissionais trabalho, os médicos permanecem fechados


médicos no acolhimento. num círculo vicioso, visualizando parcialmen-
2) O agendamento de consultas médicas te a realidade.
permanece como uma questão crítica no servi- E como poderia ser resolvida essa questão
ço. A diretriz do acolhimento pressupõe agen- finalmente?
da aberta para os casos que necessitem. Nossas reflexões a partir de então seguem
3) Um terceiro desafio é a conciliação do em sintonia e cumplicidade com as formula-
trabalho da assistência dentro da Unidade de ções recentes do Laboratório de Planejamento
Saúde com o trabalho externo. e Administração de Sistemas de Saúde – Lapa
(Departamento de Medicina Preventiva e So-
Desafios para a consolidação da inversão cial-Unicamp). Estes consideram o vínculo
do modelo assistencial como a diretriz que, acoplada ao acolhimen-
to, é capaz de garantir o real reordenamento
Podemos começar por refletir sobre os limites do processo de trabalho na Unidade de Saúde,
do acolhimento, relacionados acima. Uma pri- resolvendo definitivamente a divisão de traba-
meira questão que fica evidente é a seguinte: lho compartimentada e saindo da lógica agen-
Por que não se conseguiu incorporar o profis- da/consulta para uma outra da responsabili-
sional médico a esse processo, a ponto de a sua zação de uma equipe multiprofissional, com o
participação específica causar impacto na so- resultado do trabalho em saúde. Isto é o que
lução dos problemas de saúde da população Gastão Wagner de Sousa Campos chama de ‘A
usuária? Obra’. Assim, “...em relação ao trabalho clínico,
A primeira questão a ser pensada é a se- não haveria como valorizar-se ‘A Obra’ sem um
guinte: o trabalho nos estabelecimentos de processo de trabalho que garantisse os maiores
saúde e, entre eles, na Unidade Básica é orga- coeficientes de Vínculo entre profissional e pa-
nizado, tradicionalmente, de forma extrema- ciente” (Campos, 1997:235). Considera-se vín-
mente parcelado. Em eixo verticalizado, orga- culo a responsabilização pelo problema de saú-
niza-se o trabalho do médico e, entre estes, de de do usuário, individual e coletivo.
cada especialidade médica. Assim, sucessiva- O atendimento em saúde seria feito por
mente, em colunas verticais, vai se organizan- meio da adscrição da clientela a determinada
do o trabalho de outros profissionais. Essa di- equipe da Unidade de Saúde, formada, no mí-
visão do trabalho se dá, de um lado, pela con- nimo, pelo médico, enfermeiro, pediatra, gine-
solidação nos serviços de saúde das corpora- co-obstetra e auxiliares de enfermagem. Esta
ções profissionais; por outro, no caso dos mé- equipe passaria a se responsabilizar pelas pes-
dicos, pela especialização do saber e, conse- soas inscritas, devendo, para isto, mobilizar
qüentemente, do trabalho em saúde. todos os recursos dentro e fora da Unidade
A organização parcelar do trabalho fixa os que pudessem favorecer este objetivo, tais co-
trabalhadores em uma determinada etapa do mo exames, consultas especializadas, interna-
projeto terapêutico. A superespecialização, o ção etc.
trabalho fracionado, fazem com que o profis- A equipe deve ter autonomia para agir, mo-
sional de saúde se aliene do próprio objeto de bilizar os recursos necessários para fazer saú-
trabalho. Desta forma, ficam os trabalhadores de. É importante a avaliação permanente do
sem interação com o produto final da sua ativi- seu trabalho, agora facilitado, na medida em
dade laboral, mesmo que tenham dele partici- que este resultado é produto do labor de um
pado, pontualmente. Como não há interação, mesmo grupo multiprofissional, ou seja, foram
não haverá compromisso com resultado do seu as mesmas pessoas que desenvolveram todo o
trabalho. processo vivido pelo usuário, individual ou co-
O acolhimento, ao reprocessar o trabalho letivo, no seu processo saúde-doença.
na Unidade de Saúde, com base na formação O trabalho externo pode ser feito de duas
de uma equipe multiprofissional, a equipe de formas. Na primeira, ele deve ser realizado pelas
acolhimento, conseguiu quebrar a verticalida- equipes multiprofissionais da Unidade de Saú-
de da organização do trabalho na Unidade, me- de, que, ao responsabilizarem-se pela sua clien-
xendo radicalmente no processo de trabalho tela, podem mobilizar recursos até mesmo de
dos profissionais não-médicos. Contudo, não visitas e internações domiciliares, ou outros re-
foi possível romper com a lógica do trabalho cursos, que se encontram juntos à comunidade.
médico, que se dá em torno da agenda/consul- A segunda forma diz respeito à vigilância à
ta. Assim, enquanto os outros profissionais in- saúde. Esta deve estar combinada com o pla-
teragem em equipe, de forma extremamente nejamento e gestão dos serviços de saúde e em
dinâmica, acompanhando o resultado do seu perfeita sintonia com a realidade social, eco-

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O ACOLHIMENTO E OS PROCESSOS DE TRABALHO EM SAÚDE 353

nômica, epidemiológica local, bem como com Essas diretrizes gerais fazem parte da mais
as necessidades dos usuários da região. Este recente experiência de organização de serviços
trabalho deve ser executado por uma equipe, de saúde, alinhados à perspectiva de efetiva
auto-intitulada Equipe de Saúde Pública, for- construção de um sistema de saúde com base
mada especificamente com esse objetivo, po- no acesso para todos, eqüidade, integralidade
dendo atuar vinculada a uma ou a várias uni- das ações, eficácia, com atendimento de quali-
dades de uma mesma região da cidade. dade e humanizado e sob controle social.

Referências

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CAMPOS, G. W. S., 1997. Subjetividade e adminis- & R. Onocko, org.), pp. 71-112, São Paulo: Editora
tração de pessoal. In: Agir em Saúde. Um Desafio Hucitec.
para o Público (E. E. Merhy & R. Onocko, org.), MERHY, E. E., 1997b. A rede básica como uma cons-
pp. 229-266, São Paulo: Editora Hucitec. trução da saúde pública e seus dilemas. In: Agir
FRANCO, T. B., 1997. Acolhimento: Diretriz do Modelo em Saúde. Um Desafio para o Público (E. E. Merhy
Tecno-Assistencial em Defesa da Vida. Trabalho & R. Onocko, org.), pp. 197-228, São Paulo: Edito-
apresentado à Rede de Investigação em Sistemas ra Hucitec.
e Serviços de Saúde do Cone Sul, Fundação Os-
waldo Cruz. (mimeo.)

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(2):345-353, abr-jun, 1999

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