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VATICANO II:

CONTINUIDADE DE QUÊ?

PE. LUIZ CLÁUDIO CAMARGO – FSSPX


VATICANO II:
CONTINUIDADE DE QUÊ?
PE. LUIZ CLÁUDIO CAMARGO – FSSPX
Anotações pessoais por ocasião da leitura do livro “Vaticano II ruptura ou continuidade?” [Editora Ecclesiae,
2009] do Rev. Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior.

Introdução Razões de uma hesitação.


Iª Parte Estrutura do livro e comentário literal.
IIª Parte Doutrina Católica e Objeções às teses principais do Livro.
IIIª Parte O que pensar então do Vaticano II?
Conclusão “Conservador”: Posição intermédia entre o catolicismo e a heresia.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 2


INTRODUÇÃO – RAZÕES DE UMA HESITAÇÃO

No Brasil, a resistência católica ao modernismo reinante sempre foi muito tímida. A superficialidade
de formação e de caráter dos brasileiros em geral, e dos católicos em particular, foi sempre a raiz de
desinteresse pelos graves desvios da vida católica. Quando muito, encontramos certo interesse religioso
associado e secundariamente derivado de preocupação política. A grande figura do bispo herói da Fé, Dom
Antônio de Castro Mayer, sempre foi uma exceção e ficou escondida na conspiração de silêncio com que a
imprensa o cercou. Por desgraça, a sua admirável obra de manter uma diocese católica no meio do
terremoto do pós-concílio não teve semelhante nem no Brasil, nem no estrangeiro. E por desgraça ainda
maior, o seu clero, que tinha lutado valentemente durante tantos anos, caiu de modo lamentável e
imprevisível numa posição de interessado compromisso.
Em paralelo com a grande figura episcopal, a Providência concedeu ao Brasil o não menos herói leigo,
o professor (essencialmente professor), escritor, romancista e polemista Gustavo Corção. Se o paralelo é
exato na defesa da Fé, do catolicismo autêntico e também no silêncio criminoso com que a imprensa
esquerdista brasileira o escondeu, graças a Deus ele não se verifica na defecção da sua obra. A Revista
Permanência e seu centro de estudos católicos sobreviveram aos anos, à penúria econômica, aos ataques
virulentos do clero modernista e dos “moderados”. Enfim, a Permanência permaneceu, permaneceu católica
e fiel à resistência à aluvião modernista, que como um rio de imundícies, “cloaca de todas as heresias”, saída
da boca do dragão, prometia não deixar nada de pé. Mas infelizmente, a sua bandeira, que permanece
fielmente hasteada, não é vista de muito longe.
Nada mais no Brasil? Certamente poderíamos citar também o professor Galvão de Souza, “ilustre
professor de la universidad católica de São Paulo, de gran sencillez personal, rigor mental y de entrañable
carácter”, na expressão de Rafael Gambra¹.
Mas seu pensamento e sua obra sempre tiveram intenção primeiramente jurídica e politica,
verdadeiramente política, mas só secundariamente religiosa.
Os outros grupos e movimentos católicos que se afirmavam “tradicionais” padeciam de tão graves
tendências sectárias, que sempre foram grave obstáculo, em vez de ajuda ao catolicismo autêntico.
Nessa situação tão complexa e frágil, tivemos a vinda da Fraternidade São Pio X para o Brasil, que viu
suas ações cobertas pelas dificuldades e isolamento que vinham caracterizando a resistência católica
brasileira.
Por isso, quando Rev. Pe. Paulo Ricardo de Azevedo começou a aparecer nas mídias como alguém
que afirmasse a verdadeira doutrina neste deserto intelectual católico, vimos com certa indulgência a sua
defesa do Vaticano II e das autoridades eclesiásticas atuais. Parecia, visto de longe, desejo de salvar a
autoridade papal, uma atitude de reverência à hierarquia eclesiástica e um desejo de não se unir a o espírito
de contestação e desobediência tão próprio do clero moderno. Parecia, insisto, que o Pe. Azevedo tentava
desculpar catolicamente os lamentáveis textos do Vaticano II.
Sempre recusamos qualquer ataque ou polemica a um padre que, mesmo sem chegar até as últimas
conclusões, lutasse pela mesma defesa da Fé católica. Preferimos não parecer dar razão aos “padres de
passeata” que atacaram e continuam atacando de modo tão vil o Rev. Pe. Paulo Ricardo. Mas qual não foi a
nossa surpresa ao ter em mãos o texto de sua conferência sobre o Vaticano II! O livro é pequeno, o texto é
curto, mas os equívocos se amontoam em cada parágrafo. Não há, como tínhamos imaginado, uma
interpretação católica dos textos, mas sim uma afirmação de todos os graves erros modernistas condenados
tantas vezes pela Igreja. Bastaria citar o Denzinger, e comentar as grandes encíclicas de Gregório XVI, Pio IX,
Leão XIII, São Pio X, Pio XI, Pio XII contra o liberalismo e o modernismo, para mostrar os pontos em que a
doutrina do Pe. Paulo Ricardo contradiz o ensinamento autêntico e constante da Igreja.

1 - Artigo “Un pensador de la Hispanidad Fraterna” publicado na revista Tradição, Revolução e Pós-Modernidade, editora Millennium,
2001, pág. 147

Fonte: Revista Permanência Edição 273 3


Foi especialmente diante deste perigo de confusão, e instado por alguns moços que me vieram fazer
as objeções lidas nos textos do Pe. Azevedo, que me decidi a contestar as suas afirmações. Sua figura é
apresentada hoje como modelo de ortodoxia e fidelidade ao pensamento da Igreja. Infelizmente isto não é
verdade.
O Pe. Azevedo insiste várias vezes na sua conferência em afirmar que sua posição não é
“tradicionalista”, mas sim “conservadora”. E que essas duas posições não podem ser confundidas. Estas
poucas linhas querem ressaltar a feliz afirmação do Pe. Paulo R. de Azevedo. Minha intenção é, portanto,
mostrar como ele tem toda razão neste ponto, e que entre o seu pensamento conservador e o da Igreja
(doutrina transmitida tradicionalmente dos Apóstolos a nós por ação do Magistério) há um abismo
intransponível.

Iª PARTE – ESTRUTURA DO LIVRO E COMENTÁRIO LITERAL

O opúsculo em questão é a transcrição de duas conferências gravadas em vídeo. Não tive a


oportunidade de assistir ao DVD, mas suponho que o texto lhe seja fiel, pois guarda bem o estilo oral e
parece ter sido aprovado pelo autor.
A estrutura lógica do livro é um pouco confusa, e os títulos apresentados ficam longe de ajudar a
encontrar essa lógica, o que se deve, provavelmente, ao fato de ser a transcrição de uma conferência mais
espontânea. Ponho logo abaixo os títulos apresentados em seu conjunto. Na Iº Parte deste artigo, farei um
comentário literal de cada um destes títulos e na IIº Parte, tentarei fazer uma síntese das principais teses
que fundamentam o texto, comparando-a com a doutrina católica.
“Parte I. O que é um concílio; Hermenêutica da continuidade e hermenêutica da ruptura; O que é um
Concílio Ecumênico? Revolucionários, tradicionalistas e conservadores, A Igreja nasceu católica; Os dois
primeiros concílios; A receptio do Concílio Vaticano II; A mentalidade revolucionária na Igreja pós-conciliar;”
“Parte II. A hermenêutica da continuidade e a receptio; Correntes teológicas no Concílio Vaticano II;
A situação da teologia depois do Concílio; Distorções liberais e tradicionalistas; A culpa é de quem? Afinal, o
que é teologia? O que é heresia?”
Como foi dito na Introdução, são tantos os equívocos e ambiguidades deste pequeno livro, que não
seria possível, na estreiteza de um trabalho como este, responder a todos eles. Outra grande dificuldade
está, como também já dissemos, na falta de rigor com a estrutura do pensamento: muitas vezes os títulos
prometem uma afirmação e explicação que depois não aparecem. O confuso raciocínio avança, supondo as
afirmações e explicações que não vieram, e termina por concluir como se a lógica tivesse sido implacável.
Não nos é possível fazer a análise detalhada dessas incoerências, nem poderemos mostrar todas as petições
de princípio, todos os ilícitos malabarismos nas frases para chegar a uma afirmação “definitiva” de uma
posição tão moderada. Será necessário ater-se as grandes teses de fundo, para que nos dediquemos ao
essencial ao pensamento apresentado na conferência.
Para simplificar as citações, o texto em itálico que aparece sem nota de rodapé é sempre o da
conferência do Pe. Azevedo, que citaremos como aparece na sequência do livro.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 4


Iª PARTE

1 – O primeiro parágrafo da Iª Parte tem como título O que é um concílio. Mas a definição prometida
é substituída pela simples afirmação da importância do Vaticano II, e de que ele é visto pela “esquerda” e
pela “direita” de modos mui diversos. Essa aproximação, que quer buscar uma síntese de extremos de
meias-verdades, voltará durante toda a conferência em todos os temas. A conclusão final da conferência
está já insinuada no primeiro parágrafo: devemos ter posição média, moderada diante do Vaticano II, ou seja,
nem a posição da “esquerda que o vê para a salvação a Igreja, como se esta fora fundada a partir do
Concílio”, nem a posição dos “mais tradicionalistas que veem o Concílio como algo a ser condenado”.
2 – O título seguinte Hermenêutica da continuidade e hermenêutica da ruptura explica a ideia.
Ficamos surpresos com a primeira frase do capítulo, que dá início ao raciocínio: (Pe.Paulo.) - “Qual é a minha
atitude perante o Concílio Vaticano II?” Por que perguntar sobre posições e opiniões pessoais – minha
atitude – quando estamos procurando uma definição, uma doutrina? Esta aproximação subjetivista também
é uma nota importante na compreensão do pensamento do conferencista.
O Pe. Azevedo diz que os dois grupos extemos que atacam ou que defendem o Vaticano II tem
ambos um erro em comum: o de lê-lo numa “hermenêutica de ruptura”, e que a posição correta seria a do
Papa Bento XVI (e por acaso a dele, Pe. Azevedo), de que o (Pe. Paulo)- “Concílio Vaticano II precisa ser lido
em uma hermenêutica de continuidade… Essas duas atitudes são nocivas, como se fosse a união entre a
esquerda e a direita para ler o Concílio a partir de uma ruptura. Se o Concílio Vaticano II tem algum sentido,
só o tem dentro da grande história da Igreja.
O princípio de que a doutrina católica tem perfeita unidade em si mesma e não pode ter contradição
interna é verdadeiro e certamente fundamental. Não é possível negar hoje o que afirmamos como verdade
imutável ontem. Poderíamos pensar que o pedido de “continuidade” do Pe. Azevedo fosse um modo de
exigir a adesão à doutrina católica ensinada tradicional e constantemente pela Igreja, e que o perigo de uma
“hermenêutica de ruptura” referia-se ao gravíssimo perigo de cair na heresia ao separar-se da doutrina
católica. Mas, curiosamente, o Pe. Azevedo faz referência à unidade, não com a doutrina imutável, mas sim
com a “história” da Igreja. Veremos mais adiante como ele insistirá em que o importante não é conservar a
Fé, mas sim conservar a “Vida” da Igreja. Esse caráter existencialista foi sublinhado por São Pio X na sua
Pascendi como uma das características do pensamento modernista.
Antes de continuar nossa leitura, cabe uma pergunta. Como podemos falar de hermenêutica em se
tratando do Magistério da Santa Igreja? O próprio uso desta palavra mostra que estamos diante de uma
concepção diferente do magistério. Explico-me.

A palavra hermenêutica significa a arte de interpretar textos que oferecem dificuldade especial, por exemplo, pela sua
antiguidade e linguagem arcaica. De modo particular, refere-se à interpretação da Sagrada Escritura.
“Mas o pensamento subjetivista moderno fala de hermenêutica para a interpretação de qualquer texto, pondo agora a
dificuldade não numa característica particular, mas sim na dificuldade geral que o homem teria para transmitir o seu
pensamento. Um autêntico teólogo católico não pode aceitar que se fale em uma hermenêutica dos textos do Concílio
de Trento ou Vaticano I, por exemplo, porque são textos atuais que fazem precisamente a interpretação autorizada da
Tradição, no que essa tinha necessidade de ainda ser explicada. Se para ler Trento, que faz uma hermenêutica da
Tradição, eu, Padre Calderón, preciso aplicar uma arte especializada para poder, por minha vez, interpretá-lo, isso que
dizer que o senhor leitor, terá que fazer uma hermenêutica da minha interpretação. Quer dizer, então, que nunca
ninguém pode falar claramente a mesma linguagem? É exatamente isso o que pensa um moderno subjetivista, mas
está gravemente equivocado²”.

2 – Pe. Álvaro Calderón, Prometeo. La Religión del hombre. Editora Rio Reconquista. 2010. Prologo, p. 14

Fonte: Revista Permanência Edição 273 5


O que o Pe. Calderón diz é que o Magistério é um poder da Igreja para explicar a Revelação contida
na Sagrada Escritura ou na Tradição, explicação esta que é feita com a Autoridade de Nosso Senhor. Esta é
uma das principais missões e, portanto, um dos principais poderes da Igreja: ensinar de modo infalível à
doutrina revelada por Deus aos homens. Não é possível que a explicação que a Igreja faz da Sagrada
Escritura precise de explicação e interpretação pessoal. Precisa sim da docilidade, da inteligência que se
aplica a entender o que sua Mãe, a Santa Igreja, ensina. Enfim, não é possível que cada fiel tenha que tornar-
se juiz e mestre do Magistério da Igreja por meio de hermenêutica pessoal.
Esta é, no entanto, uma das teses centrais desta conferência: O Papa Bento XVI pede que se faça
uma “hermenêutica da continuidade”, e o livro do Pe. Azevedo é resposta a esse pedido. Só
compreendemos como isso é possível ao descobrir que Bento XVI e o Pe. Azevedo têm noção de magistério
diferente do que a Igreja ensina.

3 – O que é um Concílio Ecumênico? Nesse terceiro ponto, chegamos ao escorregão mais lamentável de
toda a conferência. O título começa afirmando que devemos ser indulgentes com o Vaticano II, porque ele
se insere numa “continuidade” de infidelidades por parte de todos os Concílios precedentes. Mas essa grave
impiedade ao falar dos Concílios da Igreja fica por um momento suspensa, e só voltará dois capítulos à
frente. Antes de falar sobre as manobras politiqueiras eclesiásticas (n.6) – que seriam a essência da longa
história dos concílios da Igreja, segundo o Pe. Azevedo – ele propõe-se fazer três precisões: a primeira sobre
a autoridade da Igreja (n.3); a segunda sobre a distinção entre tradicionalistas e conservadores (n.4); e em
seguida, volta a falar sobre a autoridade da Igreja, dando explicações sobre sua “organização” (n.5).
“Em primeiro lugar, é preciso definir qual a suprema autoridade da Igreja.” Certamente. Em matéria
de Fé, como é o caso, é preciso saber quem exerce o Magistério na Igreja, quem tem autoridades para falar
em nome de Nosso Senhor, quem pode falar de modo infalível e confirmar os fiéis na certeza da Fé revelada.
Qual é, então, a suprema autoridade da Igreja?
Esta é a resposta do Pe. Azevedo: “A autoridade visível é o Papa e o Colégio dos Bispos.” Mas, para
que o leitor católico que conhece minimamente o seu catecismo não se assuste com a nivelação do Papa
com o Colégio dos Bispos, o Pe. Azevedo desfaz-se em explicações para dizer que a união com o Papa é uma
condição para a autoridade dos Bispos. Mas, para que não se irrite o leitor modernista, que começa a
desconfiar de um súbito ataque de catolicismo nessa defesa de autoridade do Papa, o Pe. Azevedo
continua: ”Portanto, ao nos referirmos ao Colégio dos Bispos, autoridade suprema da Igreja, estamos
claramente incluindo o Papa. Referimo-nos a um grupo de Bispos em união com o sucessor de Pedro. Esta é a
suprema autoridade da Igreja.” Essa inversão é um grave erro. A suprema autoridade não existiria mais no
Papa, mas sim no Colégio dos Bispos, que para ser tal deveria manter união com o Papa. Continua o
Padre: ”Quem pode agir³? A cabeça, o Papa, em comunhão com o corpo, ou seja, os bispos.” Aí esta dito. É o
Papa que deve estar em comunhão com os bispos!
Veremos mais adiante que este democratismo colegial afirmado pelo Pe. Azevedo, tão distante da
doutrina católica, será agravado quando explica que, de fato, quem exerce o Magistério na Igreja é o povo. É,
definitivamente, o povo que dá a condição final para que os atos do Concílio sejam verdadeiros atos do
Magistério, que o Pe. Azevedo chamou de receptio. Parece que em latim fica menos herético. O conciliábulo
de Pistoia poderia assinar embaixo esta deplorável doutrina.
No entanto, como as afirmações parecem ter ido longe demais, o Pe. Azevedo – explicando uma
curiosa doutrina sobre com o identificar o sucessor de São Pedro – afirma que a missão do Papa e do Colégio
dos Bispos é de:
(Pe. Paulo)- “guardar o depósito da fé, uma preciosidade deixada aqui na Terra por Nosso Senhor Jesus Cristo
(sic)… e recebem a missão de nada acrescentar. Portanto a missão do Papa e dos bispos é, por definição,
conservadora”.

3 – Agir? Não estávamos falando do Munus Docendi? Note-se a mudança do tema: falávamos da autoridade no exercício do Magistério, e não do
exercício do poder e governo. Mas devemos acostumar-nos com o procedimento, pois durante toda a conferência o Pe. Azevedo transforma a
questão doutrinal numa consideração ética existencial.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 6


Apesar de manter-se na afirmação desse democratismo episcopal, o autor parecia dar um passo católico: A
função do Magistério é de guardar o depósito da Fé.
Mas não se assuste o modernista, que já começa a franzir as sobrancelhas ao perceber este surto de
catolicismo. O Pe. Azevedo continua: “Um bom Papa e um bom bispo é conservador, pois conserva os
sacramentos, a história, etc.” Então o Depósito da Fé são os sacramentos e a história? Não é uma doutrina
clara e definida? E conclui para não deixar dúvida: “Contudo, essa definição de “conservador” não quer dizer,
necessariamente, tradicionalista.” Nisto o Pe. Azevedo tem toda a razão.

4 – Revolucionários tradicionalistas e conservadores. O termo “conservador”, que tanto agrada o Pe.


Azevedo, não é facilmente tolerado pelo modernista clássico, pois para este, no seu afã entusiasta e otimista
de novidade, a ideia de estar fixado numa doutrina definida lhe causa urticárias. O Pe. Azevedo, então,
dedicará este capítulo para explicar que o que ele chama “conservador” não significa de modo algum
“tradicionalista”. Bom, até aqui nós estamos realmente de acordo. O simples fato de conservador não da
pessoa um católico. É preciso ver o que ele conserva. “É preciso fazer a distinção entre conservador e
tradicionalista… o tradicionalista é uma doença ideológica, um problema.” Um problema? Uma doença?
Qual doença? Ideológica? A própria noção de católico não implica estar inserido numa religião que é
transmitida divinamente por Tradição? Vejamos o que ele quer dizer com isso. Infelizmente, nos
decepcionamos com a falta de consistência no ataque aos tradicionalistas. Esperávamos que o Pe. Azevedo
continuasse com explicação doutrinária sobre a diferença entre o conservador e o tradicionalista;
esperávamos explicação em quais são os pontos em que recairia a “doença ideológica” do tradicionalista, em
que consistiria o seu “problema”. Confesso ter pensado que encontraria aqui uma analise sobre o ato do
Magistério na transmissão do seu objeto – a Verdade revelada; a infalibilidade do Magistério; a fragilidade
do fiel na recepção da verdade. Mas nada disso! Nada de doutrina ou explicações. Encontramo-nos com
descrição de atitudes, com “identificação de posturas”. Sempre a mesma aversão a consideração claramente
teórica para, em vez disso, lançar-se em apreciações prática: “Identificamos, portanto, essas três posturas
perante a Igreja: a revolucionária, a conservadora e a tradicionalista.” Três? Não eram duas? De onde o
senhor tirou a terceira? O senhor não nos ia ensinar os pontos errados de doutrina nos “doentes
tradicionalistas”? Calma! É preciso sempre olhar tudo com visão hegeliana… É preciso identifica os alegados
extremos para conseguir pôr a admirável coroa da moderação intermediária.
“O que é um revolucionário? É aquele que afirma, a olhar para a árvore frondosa da Igreja: ‘Vamos
arrancar a árvore e colocar em seu lugar um pé de abóbora. ’” Certamente, a comparação entre a árvore
frondosa da Santa Igreja e o pé de abóbora da ideologia revolucionária é correta. Mas faltou o Pe. Azevedo
explicar o essencial: o que constitui um revolucionário é sua posição de rebelião diante da verdadeira
autoridade, rebelião esta que se apoia numa visão subjetivista. Nesses dois elementos identificamos o
revolucionário. Veremos, no entanto, como a prodigiosa posição moderada dos conservadores é tão
revolucionária como a dos marxistas em ambos os pontos assinalados: a insubordinação a verdadeira
autoridade e o subjetivismo (mesmo que seja moderado). A diferença entre eles está unicamente na
coragem que os últimos tem de levar os seus lamentáveis princípios até suas últimas consequências.
“O que é um tradicionalista? É aquele que vê árvore frondosa da Igreja perdendo folhas e corre para
colá-las novamente na árvore, porque nela nada pode ser mudada. O revolucionário quer mudar tudo, o
tradicionalista não quer mudar nada.” E dois parágrafos adiante ele continua a caricaturização:“‘Não se pode
mudar nada’ diz o tradicionalista.
Pode e deve mudar, porque a Igreja é um organismo vivo, e todo organismo precisa mudar para
crescer. Entretanto, uma coisa é Nosso senhor Jesus Cristo ter deixado um carvalho e alguém querer
substituí-lo por um pé de abóbora, ou em algo sem vida, como em um museu onde só há coisa antiga que
não podem ser mudadas. Um exemplo: ‘Se os padres começaram a usar rendas nas túnicas da época de Luís
XV, se na corte de Luís XV os homens usavam rendas, então os padres precisam usar rendas também’. Mas as
rendas nas alvas não são obrigatórias.”

Fonte: Revista Permanência Edição 273 7


Sem entrar na desordem lógica e nos erros de expressão desse confuso parágrafo, a ideia é bastante
clara. Clara e desonesta. O esforço de ridicularização da fidelidade católica é realmente lamentável.
Podemos certamente critica com Pe. Azevedo a atitude obtusa de alguém que se determinasse à fixidez em
coisas secundárias acidentais. Isso não é católico, nem nunca o foi. Mas não estávamos falando do
Magistério? Não era sobre a autoridade suprema da Igreja que ensina de modo infalível que estávamos
discutindo? São folhas velhas e secas o ensinamento infalível da Igreja? Podem as verdades definidas
infalivelmente pelo Magistério ser levadas pelo vento da modernidade como algo morto? Além disso, a
imagem usada como centro da ridicularização, de que ”é preciso mudar para crescer”, esconde
sorrateiramente que também só cresce o que permanece sempre o mesmo: se a planta deixa de ser ela
mesma nesse crescimento, estamos falando de destruição e amontoamento e não de crescimento. Por outro
lado, não me lembro de ter visto nas nossas igrejas ou capelas fiéis tradicionalistas vestidos de rendinhas.
Talvez até o padre tradicionalista revestido de rendinhas duvidasse se poderia dar ou não a comunhão, ao
encontrar na mesa de comunhão um tradicionalista descrito pelo Pe. Azevedo, vestido de peruca
aristocrática na hora da Missa. E se o tradicionalista do Pe. Azevedo está tão apegado aos costumes
acidentais do passado, por que escolher a corte de Luís XV? Talvez fosse mais tradicionalista vestir-nos de
túnicas e turbantes.
“Concluindo: a suprema autoridade da Igreja é o Papa, juntamente com os Bispos. Estes tem a
missão, delegada por Nosso Senhor Jesus Cristo de conservar. Fica evidente o que significa conservar: a vida
da Igreja.” Não, Pe. Azevedo. Essa não é a doutrina da Igreja, nem quanto ao sujeito que exerce a sua
autoridade suprema, nem quanto ao objeto a ser conservado.

5 – A Igreja nasceu católica. Tínhamos dito que a colegialidade4 afirmada pelo Pe. Azevedo era o seu mais
grave escorregão. Mas nos enganamos. Aqui há pior. O presente capítulo quer explicar que a constituição da
Igreja com o Papa, os Bispos, Presbíteros e Diáconos vem desde a sua constituição. “É impressionante como
a Igreja já nasceu católica. Não se tornou católica com Constantino, já nasceu do modo que indicamos.” Não
conseguimos entender muito bem por que tanta impressão e tanta surpresa. Mas estamos de acordo que a
Igreja fundada por Nosso Senhor é a Igreja Católica Apostólica Romana, e que os protestantes se enganam
gravemente imaginando uma Igreja primitiva sem uma hierarquia sacerdotal.
E para reforçar essa ideia diz: “Quem estuda os Padres da Igreja, como costumo dizer às pessoas,
pode até perder a fé, deixar de ser cristão. Entretanto não será protestante, pois, ao estuda-los, percebe que
a Igreja nasceu católica.” Aqui entendo menos ainda. Quem estuda os Padres da Igreja (se refere aos Santos
Padres ou aos Papas?) pode perder a fé? Como é isso? E o Pe. Azevedo fala do nascimento da Igreja como se
fosse algo que decorresse de um processo histórico espontâneo e não da constituição dada a Ela por Nosso
Senhor.
No entanto, o pior escorregão que fizemos menção (por enquanto…) está alguns parágrafos antes:
“As palavras escritas pelos apóstolos nas Sagradas Escrituras não foram proferidas, historicamente, por Jesus.
Jesus não as disse pessoalmente, mas sim os apóstolos e, para mós católicos, esta é a Revelação.” O clássico
modernismo de Renan e Loisy condenado pela Igreja aparece aqui em toda a sua força. Então quer dizer que,
quando o Evangelho diz que Nosso Senhor falou isto ou aquilo, está mentindo? “Mentir” talvez seja uma
palavra muito forte. Diremos, então, que as palavras ditas por Nosso Senhor nos Santos Evangelhos foram os
Apóstolos que as imaginaram ou as fabricaram nas suas piedosas meditações, ao lembrar-se da pessoa
extraordinária que foi Jesus. Não, não, Pe. Azevedo, essa realmente não é a doutrina católica.

4- Equiparação do Colégio dos Bispos com o poder papal.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 8


6 – Os dois primeiros concílios. Este capítulo pretende fazer uma análise dos concílios de Nicéia e de
Constantinopla. Há um esforço enorme neste longo capítulo para denegri-los. Isso é necessário para
defender sua tese central, anunciada no início da conferência, e que será explicada no próximo capítulo. O
que [ele] diz aqui definitivamente, é que apesar das tramoias, politicagens, covardias, interesses, falta de
firmeza doutrinal e compromisso com governo por parte dos papas e bispos, no fim das contas, Deus se
serve de tudo, e mesmo que o texto resultante de tantos pecados e covardias seja fraco, é sempre possível
interpretá-lo benignamente. Nisso consistiria a milagrosa fidelidade católica à doutrina revelada na longa
série de Concílios.
As constantes mudanças de tema (às vezes dentro da mesma frase), e imprecisões históricas, as conclusões
tiradas da manga são tantas, que dar resposta a cada uma delas seria desviar-nos das teses centrais desse
escrito. Recomendamos ao leitor católico que recorra a algum bom livro de história, com visão católica dos
Concílios, para desfazer tantos equívocos.

7 – A receptio do Concílio Vaticano II. Aqui chegamos à tese central da conferência: “O Concílio Ecumênico,
para ser um verdadeiro Concílio da Igreja, precisa ser recebido por ela. Há um tempo para produzir o
documento do Concílio e u tempo para que a Igreja receba este documento.” Vamos ver se entendemos: a
autoridade suprema da Igreja – que já não é mais o Papa, mas sim o Papa e o Colégio dos Bispos – quando se
reúne de modo solene e extraordinário para definir e para ensinar, fala e ensina sem que isso valha nada,
até que o povo tenha tempo para refletir e assimilar essa doutrina. Só então é que “passa a ser um
verdadeiro Concílio da Igreja”. Assim, o democratismo do Pe. Azevedo sofreu, durante a conferência, aquela
“evolução homogênea do dogma” tão cara à Nova Teologia, e chegou a sua plena maturidade nesta tese.
“Como a Igreja lidou com o Concílio de Constantinopla? Ela analisou o texto fraco e equívoco (sic!) de
Constantinopla e o interpretou de forma forte, inequívoca, católica, ortodoxa. Eis o milagre: A Igreja fiel de
Cristo”. Atentemos bem para o que parece nos dizer o Pe. Azevedo: a Igreja/Povo, sabendo que as palavras
não valem nada, e que, apoiada no subjetivismo reinante, pode por um passo de mágica (talvez parecido
com o dos Apóstolos, que inventaram as palavras de Nosso Senhor) fazer com que as palavras “equívocas”
de um Concílio, feito pelo Colégio dos Bispos unido ao Papa, se transforme em “inequívocas”, deve exercer
seu supremo papel de “Povo de Deus”, e transformar5 esses textos em doutrina conservadora, conseguindo,
assim, manter a continuidade da vida da Igreja (sem que entenda muito bem o que esta “vida” quer dizer).
Fazendo isso, conseguirá que esses textos sejam um verdadeiro Concílio da Igreja. Eis o milagre! De modo
algum! Nem a filosofia subjetivista, nem a teologia modernista, nem o democratismo religioso estão de
acordo com a Religião Católica!
Agora é aplicar a tese ao Vaticano II.
“Se quisermos entender o Concílio Vaticano II, precisamos analisar o texto e interpretá-lo em sintonia e em
comunhão com a fé de dois mil anos da Igreja, por mais que alguns textos sejam fracos.” É curioso que os
textos do venerável Concílio de Constantinopla o Pe. Azevedo chama de “equívocos” e diz que precisam de
esforço e maquiagem, de interpretação “forte, inequívoca, católica, ortodoxa”. Mas do Vaticano II diz apenas
que pode ser que “alguns textos sejam fracos”. Isso realmente é curioso.
Segundo ele, porém, nosso dever é claro: “devemos analisar o texto e interpretá-lo”. E não devemos nos
assustar com a obra impossível que Pe. Azevedo nos pede: a de fazer do Vaticano II algo católico, pois o
“milagre” do subjetivismo é suficientemente poderoso para transformar qualquer coisa em qualquer coisa.
Para ilustra a tese, o Pe. Azevedo nos propõe um exercício: ”Em exemplo é a questão do comunismo no
Concílio Vaticano II”. Ele explica que, mesmo que o Papa tivesse feito um acordo com os comunistas para
conseguir a vinda dos Bispos ortodoxos para a reunião do Concílio (o que o Pe. Azevedo põe em dúvida, não
sei muito bem como); mesmo que não tivessem aceitado o pedido dos bispos realmente católicos durante o
Concílio para que houvesse um documento oficial condenando explicitamente o comunismo; mesmo que o
assunto não tivesse sido proibido nas discussões conciliares; e que um Cardeal não tivesse sido encarregado
especialmente pelo Papa de impedir qualquer menção no tema;

5 – Ou deformar ou interpretar ou adaptar… use o leitor o verbo que mais lhe aprouver, pois, seguindo a doutrina explicada, as palavras não valem
muito.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 9


Mesmo com tudo isso, perplexo leitor, apareceu no Concílio uma nota de rodapé com as referências dos
documentos anteriores que o condenavam. Ótimo! Está salva a ortodoxia do Vaticano II! Já temos uma base
suficientemente segura para afirmar, por meio de “interpretação forte”, que o Concílio é anticomunista pela
nota de rodapé.
“Pode-se dizer que se trata de falta de vergonha na cara… (sic) Porém, como foi dito, o Concílio não pode ser
avaliado pelos atos e virtudes dos padres conciliares. O Concílio é válido quando está em sintonia e em
continuidade com a fé de dois mil anos da Igreja. Essa fé está presente no Concílio Vaticano II, mesmo que o
texto seja fraco. Ele é anticomunista, e em continuidade coma fé de dois mil anos”. E o capítulo conclui
curiosamente, insistindo na necessidade de objetividade. Sim, objetividade! Diz que devemos partir dos
textos reais e concretos aprovados em Assembleia Conciliar e não olhar as pessoas dos bispos e dos papas
por mais que não sejam virtuosos. Sim, isso é correto.
Mas quais textos, meu Deus do céu? Não consigo entender como pode salvar-se a objetividade da leitura
pelo fato de não olhar quem escreveu o texto (o Pe. Azevedo insistirá muito neste ponto durante toda a
conferência), se depois desta admirável imparcialidade, temos total “liberdade” para ler e interpretar esses
“textos reais e concretos”, e fazê-los coincidir com o que queremos com o que nos parece ortodoxo, com o
que tenha etiqueta de “moderado”, mesmo contrariando a objetividade dos textos, mas nos rodapés que
fazem menção do que poderia ter sido dito. Parece que o nobre fim de aproximar esses textos de posição
mais conservadora e menos esquerdista justificaria os meios de maquiar e forçar as expressões para fazê-las
dizer o que não disseram. Podemos chamar isso de “objetividade de rodapé”.
Parece oportuno fazer duas observações antes de prosseguir com nossa leitura. A primeira delas é que a
condenação (ou não) do comunismo, mesmo com toda a sua urgente atualidade e inegável conveniência, é
problema menor no Vaticano II. Essa ausência de condenação (ou condenação em nota de rodapé, como
queira) é um indício evidente da mentalidade não católica que reinou no Vaticano II. Certamente, não é
possível ser católico e ao mesmo tempo aprovar o comunismo, nem teórico nem prático. A Igreja já o
condenou solene e definitivamente várias vezes. Já ensinou pelo seu Magistério autêntico que este
pensamento é incompatível com a Fé católica6. Isso é certíssimo, e qualquer católico sabe disto, ou deveria
saber. Mas – esta é a primeira observação que queria fazer – não basta ser anticomunista para ser católico.
O anticomunismo não é o critério último e definitivo do catolicismo autêntico. É possível, apoiado numa
doutrina liberal também condenada pela Igreja, reprovar o comunismo. É possível ser anticomunista e estar
completamente fora do pensamento da Igreja.
A segunda observação é acerca da objetividade no ler, especialmente quando se trata da leitura de código
de leis ou de ato professoral ou magisterial, em que o leitor deve ter o cuidado de entender o que o autor
realmente quis dizer. Mesmo que não esteja de acordo com o que lê ou escuta, não pode ser chamado de
objetivo o leitor que faz com que as palavras digam coisa diversa (às vezes ao contrário) do pretendido pelo
autor. Em Direito, esta objetividade se expressa pelo aforismo: “A lei deve ser interpretada conforme a
mente do legislador”. Não olhar as qualidades e defeitos dos bispos e papas do Vaticano II é certamente um
princípio de objetividade, mas recusar-se a entender os documentos do Vaticano II no sentido em que os
seus autores lhe quiseram dar e que expressam tantas vezes, é uma traição à objetividade.

6 – Mesmo que João Paulo II num discurso lamentável tenha dito que há sementes de verdade no comunismo.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 10


8 – A mentalidade revolucionária na Igreja pós-conciliar. Este capítulo é realmente desconcertante. Para
salvar o Vaticano II com sua quase condenação do comunismo, o Pe. Azevedo lança-se num curioso (e
algumas vezes contraditório) esforço de dar “razões conjeturais” para mostrar que os Bispos – uns pobres
ingênuos – não tinham como saber que a sua covardia diante dos comunistas teria consequências tão graves.
Eles tinham uma boa intenção: “Parecia ser uma boa estratégia uma descontração das tensões7. Apenas
parecia, pois hoje notamos que essa descontração foi um equívoco. Contudo, quando votaram a Gaudium et
Spes, não poderiam prever humanamente o que aconteceria em 1968, a grande revolução cultural estudantil
marxista.” Mas não foi sugerido que não deveríamos olhar as pessoas, mas sim os textos? Não foi dado a
entender que a inocência ou a malícia dos bispos não importava? Como pode ser que essa seja agora a razão
principal para desculpar não os bispos, mas o próprio Vaticano II e um dos seus piores documentos? Mas –
para entrar no argumento central – nós nos perguntamos, então, se as consequências “que [os bispos]
humanamente não poderiam ter previsto” não tivessem acontecido; se não tivéssemos entrado na “batalha
cultural moderna”, então o comunismo seria menos contrário à Verdade, menos errado, menos perverso, e
os bispos não teriam menos obrigação de combatê-lo e refutá-lo? Como pode o senhor dizer que só “hoje
vemos que foi um equívoco”? E se o senhor não quer fazer considerações doutrinárias sobre o assunto, mas
sim permanecer no campo da história, não estava o comunismo já em 1960 destruindo todos os países do
Leste? Não tinha já matado mais gente que todas as guerras juntas? As fomes devastadoras da União
Soviética não tinha destruído a vida daqueles países?
Eis que diante da tensão armamentista, diante da crise da Baía dos porcos em Cuba, em lugar de ensinar e
afirmar a doutrina católica em toda a sua pureza, os bispos – por não terem um analista de conjunturas
históricas, coitadinhos – terminaram se enganando. Vejam só! Desobedeceram aos papas, desconheceram o
que eles ensinavam e mandavam, mas tinham boa intenção. Se ao menos tivesse um analista de conjunturas
históricas, poderiam ter feito melhor, mas “humanamente não poderiam ter previsto” as consequências
“conjunturais” de sua não afirmação da Verdade. É surpreendente o que lemos aqui. O Pe. Azevedo o parece
querer desculpar o que lhe parece um erro. Mas para ele não é um problema doutrinal, e sim um problema
prudencial de conveniências.

“Nossos bispos não são treinados para uma argumentação dialética, no sentido marxista do termo. [E o
senhor acha que deveriam sê-lo?] São treinados para a dialética platônico-aristotélica, para uma
argumentação lógica. Os bispos, principalmente da época do Concílio Vaticano II, que possuíam uma
formação clássica, eram treinados para lidar com parceiros leais no diálogo. [Se eles tivessem tido realmente
essa formação não tinham feito o desastroso Concílio Vaticano II] O que eles não entendiam e ainda hoje é
difícil que a igreja compreenda [como?], é que estas pessoas da esquerda não são sinceras, pois para eles
não existe a verdade e, consequentemente, não há nada que dito hoje não possa ser desdito com maior
desenvoltura.”

Não, padre! Na Santa Igreja os bispos não são “treinados”. Eles são formados. E sê eles não entendiam que
não é possível dialogar com “essas pessoas da esquerda” é por que a função de um bispo não é dialogar com
ninguém. Eles não precisam de nenhum analista de conjunturas. Eles precisam conhecer e ensinar a Verdade
e governar os seus fiéis conforme essa Verdade. Não é a função de um bispo exercer dialética, seja platônica
ou aristotélica. O bispo é Príncipe da Santa Igreja, faz parte da Igreja Docens, é Doutor e Mestre dos seus
fiéis. Sua obrigação é ensinar a Verdade, tanto revelada por Nosso Senhor, como a que podemos conhecer
pela razão, se esta é atacada de modo grave. Deve também, como Príncipe que é, governar os seus fiéis e
conduzi-los ao cumprimento das Leis de Deus. E, diga-se de passagem, que também não se entende o
desprezo pela filosofia platônica ou aristotélica – como se isso fosse puro esnobismo intelectual. Não é
possível ensinar a Verdade sem ser lógico, sem saber pensar.

7 – “Descontração das tensões”? Do que estamos falando? Não estávamos falando da doutrina ensinada pelo Vaticano II? Como pode parecer boa
política descontrair a doutrina? Será boa política dissimular a verdade?

Fonte: Revista Permanência Edição 273 11


Mas o drama terrível que vivemos hoje, prezado Pe. Azevedo, é que o Papa e os bispos durante o Vaticano II
puseram de lado a sua doutrina e suas funções e quiseram fazer outra coisa, quiseram adaptar o catolicismo
ao revolucionário mundo moderno, quiseram precisamente seguir os “analistas de conjunturas” e trataram
de realizar uma política de descontração das tensões.
“Nossos bispos e padres não são treinados para entender que existe uma batalha cultural, que hoje as
mentes revolucionárias não estão fazendo a luta armada, pois perderam a corrida armamentista; hoje fazem
uma batalha cultural.” Justamente! E diante dessa “batalha cultural”, a atitude de um padre ou de um bispo
é a de ensinar e pregar a Verdade, e fazer que dela nasça verdadeira cultura. E o governo prudencial desse
bispo ou padre deve estar apoiado nessa Verdade. Nosso modo de atuar não é o mesmo da Revolução. Se
eles querem tomar caminhos tortuosos de maquinações e manobras, certamente devemos defender-nos
para não cairmos em suas armadilhas, pois é com a simplicidade da Verdade que vencemos as artimanhas
do erro.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 12


IIª PARTE

1 – Concílio Vaticano II – A hermenêutica da continuidade e a receptio. A intenção da segunda parte da


conferência é explicitamente mostrar como devemos – nós, a Igreja/povo – fazer a interpretação do
Vaticano II, para quer ele seja um “verdadeiro concílio da Igreja” em “continuidade” com sua “vida e
história”. Este processo de interpretação é chamado como já foi dito de “receptio” (recepção).
“Na história da Igreja, muitos Concílios não foram bem – sucedidos. Isso se deve ao fato de que foram
realizados, mas não houve ‘receptio’, não houve recepção, ou seja, as decisões não foram recebidas pela
Igreja que, de alguma forma, não as reconheceu como expressão da fé apostólica.”
A expressão ”um Concílio mal sucedido” causa certa estranheza para um ouvido católico. O que pode
significar? Significaria talvez que uma guerra ou algo parecido impediu que o papa e os bispos de passarem
das deliberações até a expressão definitiva do ato magisterial? Ou significaria, quem sabe, que os bispos
tiveram a pretensão de prescindir da aprovação papal? No primeiro caso teríamos somente um projeto de
Concílio (como foi grande parte do que estava em projeto para o Concílio Vaticano I), no segundo um
conciliábulo (como o de Pistóia). Mas se o papa ensinou de modo claro e definitivo em matéria de Fé ou
moral aprovando os documentos de um Concílio, isso já basta para falar de um ato definitivo do Magistério,
e de um “Concílio bem sucedido”. Poderíamos falar de insubordinação por parte dos fiéis e reclusa de
receber a doutrina ensinada. Poderíamos, então, dizer que não foram logradas as finalidades de um Concílio
(como a conversão dos protestantes em Trento). Será isso o que quer dizer? Não, não! Não é isso o que o
nosso conferencista quer dizer. Na Igreja – de – cabeça – para – baixo do Pe. Azevedo será preciso a
aprovação e a lenta assimilação do povo para que uma doutrina seja verdadeira “expressão da fé apostólica”
e para que um Concílio seja realmente tal.
“Porém, as pessoas não se movem por decreto, e um corpo como o da Igreja não é mudado do dia para a
noite, pois as coisas levam tempo para serem absorvidas.” Mas que raio! Será possível que em nenhum
momento o Pe. Azevedo consegue fazer a distinção entre o munus docendi e o munus regendi? “As pessoas
não se movem por decreto”. E o que isso tem que ver com a afirmação de uma doutrina? Será que devemos
ir bem lentamente para poder dizer que em Deus há três Pessoas, “pois um corpo como o da Igreja não é
mudado do dia para a noite”? Entendo que a Santa Igreja tenha mansidão para conduzir os seus fiéis na
reforma dos seus costumes, na correção de suas faltas, até mesmo para corrigir os seus erros doutrinais.
Mas essa mansidão, que o Pe. Azevedo chama de falta de pressa, não pode aplicar-se à “expressão de Fé
apostólica”. O governo exige o exercício da prudência, é verdade. Mas a prudência está fundada na clareza
dos princípios, e não o contrário.
“Vimos que, de certa forma, o Concílio Vaticano II foi um acontecimento maravilhoso, um dom de
Deus para a Igreja. [Quando vimos isso?] Mas para que o seja de fato, é preciso que seja interpretado e
recebido em continuidade com a tradição… [Qual tradição?] As palavras escritas nos documentos conciliares
só ganham sentido se considerarmos verdadeiramente o que é a fé da Igreja de dois mil anos em
continuidade: ou o Concílio Vaticano II é o vigésimo primeiro concílio ecumênico e, portanto, deve ser
interpretado à luz dos vinte concílios precedentes, ou não significa nada.”
Como dissemos antes, a doutrina católica tem uma unidade – não poderia ser de outro modo – e,
portanto, sem dúvida, um concílio não pode contradizer o outro, se é que se trata de um verdadeiro concílio.
Há uma evidente coerência em todas as partes da doutrina católica. Mas o sentido dos atos do Magistério
não depende absolutamente do modo como o recebem os fiéis, nem de interpretação nenhuma. É
justamente o contrário: Não é o Concílio, ou qualquer outro ato de Magistério autêntico que deve adaptar-
se e moldar-se por uma interpretação e assimilação popular, mesmo que seja por um admirável esforço
conservador, mas, ao contrário, é o pensamento dos fiéis que deve ser iluminado pelo ensinamento da Igreja
que, por meio de sua autoridade, ensina de modo infalível em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 13


“Não há, por exemplo, contradição entre o Concílio de Trento e o Concílio Vaticano II.” Aqui realmente será
preciso um milagre de “interpretação, de análise, de receptio” para conseguir fazer com que não se veja
contradição entre o Concílio de Trento, que expressa a doutrina católica com toda a clareza e com toda a
firmeza de um ato de Magistério, com o Vaticano II, que expressa inequivocamente o pensamento liberal e
modernista. De todos os modos, a própria hierarquia, os próprios membros do Concílio disseram mais de
uma vez que se tratava de uma doutrina nova e em contradição com a doutrina anteriormente ensinada
pela Igreja. O Cardeal Ratzinger, no seu livro Teoria dos Princípios Teológico8, referindo-se ao documento
Gaudium et Spes do Vaticano II diz:
“Contentemo-nos aqui com a comprovação de que o documento tem um papel de anti-Syllabus9 e, por tanto,
expressa a tentativa de uma reconciliação oficial da Igreja com a nova época estabelecida a partir do ano
1789”.
Mas continuemos a leitura do Pe. Azevedo: “essa visão significa a verdadeira receptio, a verdadeira
recepção do Concílio Vaticano II, que ainda esta sendo posta em prática, visto que ainda hoje não foi
recebido em sua plenitude.” Vamos de espanto em espanto: depois de cinquenta anos o Vaticano II ainda
não foi interpretado, analisado, entendido, assimilado e recebido plenamente pelo Povo de Deus. Podemos
concluir daí – seguindo os curiosos princípios do Pe. Azevedo – que o Vaticano II ainda não é “plenamente
um Concílio da Igreja”?
“Portanto, uma pergunta se faz necessária: quem esta lendo os documentos do Concílio atualmente?
Quem os lê percebe não serem nada do que foi dito a seu respeito.” Neste ponto eu concordo com o Pe.
Azevedo, pois justamente estava me perguntando se ele alguma vez leu os textos do Vaticano II. Em sua
conferência não aparece uma única citação, nem se quer uma referência ao texto ou à doutrina ensinada,
identificar, mas nunca ao que objetivamente ensinaram.
“Caso o Concílio seja avaliado a partir das intrigas, das disputas, não será analisado de forma correta.
É preciso ter como ponto de partida os textos conciliares…” Causa-nos certa perplexidade ver estas linhas
escritas pelo mesmo autor que vem durante toda a conferência falando unicamente das “intrigas e disputas
de três posturas perante a Igreja”. E se o leitor acha que, nas quinze páginas que ainda faltam para terminar
a leitura, encontraremos algo mais sólido, se engana completamente. O Pe. Paulo Ricardo de Azevedo entra
agora na identificação das “correntes teológicas” que se disputaram nas salas conciliares.

8 – De Herder, Barcelona 1985. Versão Espanhola. Págs. 548 ss. A tradução para o português é nossa.
9 – Syllabus é uma prolongação da encíclica Quanta Cura do Papa Pio IX, na qual condena solenemente os erros modernos. E o ano mencionado pelo
Cardeal Ratzinger é o da Revolução Francesa, revolução maçônica e sangrentamente anticatólica.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 14


2 – Correntes teológicas no Concílio Vaticano II. Os dois primeiros parágrafos apresentam uma lógica supina.
Referindo-se ao livro O Reno se lança no Tibre10 dizem que ele tem a limitação por ser um relato por demais
objetivo, sendo o autor ocular dos fatos, e isso é um inconveniente, pois o “Concílio não é lido à luz de
1968… sob a ótica da revolução estudantil. Também não é lido a partir da revolução hippie, nem a partir da
forma litúrgica. Trata-se enfim, de um relato contemporâneo.” De fato os dados históricos em toda a sua
clareza de testemunha ocular são um grande problema quando se quer “interpretar o Concílio”, pois obriga,
de modo muito mais exigente, o esforço subjetivista “de análise”. Os malabarismos para poder maquiar o
texto devem ser mais exuberantes.
E do quê exatamente o nosso conferencista não gosta no livro O Reno se lança no Tibre? Perdoe-me
o leitor a pergunta, mas começo já a aprender os critérios de receptio com o que devo “interpretar e
assimilar” os escritos do Pe. Azevedo. “O autor (…) não percebe que o que esta em jogo vai além de uma
disputa entre conservadores e progressistas. É uma análise bastante restrita… Se olharmos de forma mais
profunda… não havia apenas duas tendências, conservador e progressista, mas três.” Ah! Entendi! O Pe.
Azevedo esta na sua praia! A divisão em dois é um pouco incômoda. É preciso sempre encontrar a síntese
hegeliana.
Tenhamos paciência e sigamos o Pe. Azevedo nesta “visão mais profunda”: “…Três escolas teológicas.
Quais são?”
“A primeira é a que se costuma chamar de mais conservadora, ou tradicionalista, mas que
poderíamos denominar neotomismo… diríamos tomismo leonino. O Papa Leão XIII (1810-1903), em fins do
século XIX, escreveu a Encíclica Aeterni Patris, na qual propagava a necessidade de um retorno a Santo
Tomás de Aquino… Os teólogos voltaram para Santo Tomás e elaboraram o pensamento filosófico em
manuais que era utilizados em seminários até a época do Vaticano II. Essa era a teologia mais tradicional da
Igreja…” E se o leitor esperava que o Pe. Azevedo entrasse no aspecto doutrinário dos tais “neotomistas
leonino” , ou crítica séria aos seus manuaizinhos tradicionais para saber se eram ou não fiéis a Santo Tomás,
ou ainda algum comentário da doutrina exposta pelo Papa Leão XIII que “propagava (?) a necessidade de um
retorno “ ao Santo Doutor Comum, ficara decepcionado, pois estas poucas linhas são tudo o que ele têm
sobre essa nossa obtusa corrente tomista. Ah, minto! Perdoe-me o leitor. No fim do capítulo o Pe. Azevedo
explica o porquê do neotomismo ser tão lamentavelmente bronco:

“Portanto, foi com esse grupo11 que a Nouwelle Théologie compôs uma aliança política, débil, apenas para
desbancar a teologia da Cúria e os tomistas leoninos, que não liam mais as Sagradas Escrituras, apenas
Santo Tomás, como se fosse o alfa e o ômega da teologia. Chegou-se a um ponto em que a única discussão
presente nas faculdades de teologia em respeito das diferentes correntes exegéticas de Santo Tomás, o que
não é teologia plenamente católica. Não tenho nada contra Santo Tomás, pois, graças a Deus, Santo Tomás
não era tomista”.
Pelo que escreve o autor da conferência, o tomismo (não sabemos exatamente em que ele o
distingue do neotomismo) pareceria ter nascido com Leão XIII no século XIX (e como devemos chamar os
discípulos de Santo Tomás nos seis séculos anteriores a Leão XIII?), e teria como característica particular não
ler as Escrituras e os Santos Padres, e olhar a própria teologia como exclusiva. Como exemplo de teólogos
neotomistas, menciona o dominicano Pe. Garrigou Lagrange e o Cardeal Ottaviani. Quanto ao gracejo no
final do parágrafo, confesso que não sei muito bem o que significa, e, para não cair no mesmo pecado de
interpretar subjetivamente o que lemos, abstenho-me de comentar12. A ridicularização dos “tradicionalistas
com rendinhas” toca agora um ponto mais central: no campo da teologia seriam exclusivistas, fechados,
cerrados, recusando-se a ler a S. Escritura e os Santos Padres. Uma teologia assim “não é católica”, diz o Pe.
Azevedo.

10 – Wiltgen, Ralph, Oreno se lança no Tibre, Editora Permanência, 2007.


11 – Refere-se aos que chamo de “progressistas” liderados pro Karl Rahner. Voltaremos a ponto logo em seguida.
12 – Ao dizer que Santo Tomás de Aquino não era tomista, o conferencista parece querer dizer que ele não tinha um corpo de doutrina, que não
fundou uma escola de pensamento, e que não tinha a intenção de formar discípulos. Se for isso o que quis dizer, na próxima parte deste trabalho
apresentaremos alguns textos do Magistério mostrando o contrário.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 15


Vejamos um pouco: a obra da teologia para o catolicismo de sempre é a de entender toda a
extensão e precisão do que Deus Nosso Senhor nos revelou, usando da filosofia a modo de instrumento e
usando do bem pensar e do bom senso. A Sagrada Escritura e a Tradição13 são, certamente, regras da nossa
Fé e, portanto, os lugares para onde os teólogos devem dirigir a sua atenção, os seus esforços. E se o leitor já
abriu alguma vez a Suma Teológica de Santo Tomás, verá que é isto que ele faz constantemente. Mas a
Escritura e a Tradição são regras “remotas”. A regra “próxima” da Fé, de acordo com o catecismo básico, é o
Magistério, pelo qual a autoridade da Santa Igreja ensina de modo infalível o que é divinamente revelado, e
em que consiste a doutrina católica. Esta doutrina é algo objetivo, definido e definitivo. Podemos ter maior
ou menor compreensão dela, sem que isso diminua ou aumente a Doutrina Católica, o Depósito revelado. E
de fato, nós sabemos que a Escritura é Sagrada e quais são os Santos Padres pelo Magistério.
Todavia isso parece muito obtuso para a liberdade do subjetivismo do Pe. Azevedo. Mesmo que o
Magistério tenha ensinado constantemente durante vários séculos que a filosofia e a teologia de Santo
Tomás de Aquino são o pensamento da Igreja, e que afastar-se de Santo Tomás é aproximar-se do erro, nada
disto parece interessar ao nosso conferencista. Dirá que isto é “teologia de manual”, que é “teologia da
Cúria Romana”. É preciso olhar as Sagradas Escrituras com olhos próprios, dirá. É necessário ler os Santos
Padres sem muita precisão, pois isso limitaria a experiência pessoal, é necessário vivenciar a liturgia para
chegar a essa teologia das fontes. Não, não! Isso não é católico.
Isso é um neoprotestantismo (já que o nosso conferencista gosta do prefixo) que aplica o livre exame não só
às Escrituras, mas aos textos dos Santos Padres e à Liturgia.
A segunda das “correntes teológicas” é a dos “progressistas propriamente ditos”. E sua figura central
– diz o conferencista – é o “teólogo jesuíta alemão chamado Karl Rahner (1904-1984)”. E diz que Rahner faz
uma “releitura extravagante e sem cabimento de Santo Tomás” a partir dos filósofos modernos Kant e
Heidegger. E conclui dando a sentença definitiva: “Em minha opinião, parece claro não ser este o caminho.”
Nem uma palavra a mais sobre a “corrente dos progressistas”? Nem uma explicação sobe onde
estão os seus erros? Nenhuma fundamentação a partir da doutrina católica? É realmente impressionante até
onde chega antidoutrinarismo do Pe. Azevedo.
Chegamos finalmente à síntese, ao ponto de “equilíbrio perfeito”, à “sagrada moderação”:
“Havia uma terceira (corrente teológica), a da Nouvelle Théologie… Nem um retorno a Santo Tomás, nem um
avanço na direção de autores modernos como Kant e Heidegger, mas de um retorno às fontes…fontes são as
Sagradas Escrituras, a Liturgia e os Santos Padres.”(…)
Historicamente (sempre historicamente e nunca doutrinalmente…), o que aconteceu com essa
teologia? Nas décadas de 1940-50, o grupo da Nouvelle Théologie – especificamente o padre Henry de Lubac,
jesuíta francês – foi perseguido pela Cúria Romana. Especificamente pelo ódio do dominicano Garrigou-
Lagrange contra a teologia de Henry de Lubac, que culminou no silenciamento de Henry de Lubac. Pio XII
pediu que este não mais escrevesse, não ministrasse conferências ou aulas. Assim, a Nouvelle Théologie foi
marginalizada e amordaçada pelo pontificado de Pio XII. ”[Nossa ! É mesmo? Pobrezinho! Mas por que será
que o malvado Pio XII “marginalizou e silenciou”14 o tão moderado de Lubac? Eu li o artigo do Pe. Garrigou
sobe a Nouvelle Théologie e não me lembro de ódio nenhum15. É um trabalho muito pausado e sensato, que
mostra como esta corrente de pensamento tem princípios equivocados, princípios contrários a Fé católica e
que chega a conclusões claramente modernistas. Lembro-me sim, da enxurrada de ataques mal
fundamentados dos moderados “teólogos novos” ao artigo do douto dominicano].
E se o leitor espera que o padre faça uma explicação dos fundamentos do pensamento que
prevaleceu no Vaticano II, e tente fazer uma defesa deste mesmo pensamento (porque era disso que se
tratava a conferência), já lhe aviso que sairá destas paginas decepcionado e desiludido. O Pe. Azevedo não
quer defender doutrinas, ele quer defender “atitudes”.

13 –Os modernistas tem conceito de Tradição do que a Igreja pensa. Falam de uma “Tradição viva”, evolutiva, que no fim das contas não é a
Transmissão do Dado Revelado não escrito, mas sim a transmissão de uma experiência vivencial do sagrado.
14 – Observe como aqui o Pe. Azevedo usa a linguagem tão comum entre os padres da teologia da libertação para colocar-se no lugar de vitima
contra o grupo dominador opressor!
15 – O leitor poderá encontrar o artigo “para aonde vai a nova teologia?” como apêndice do livro A Nova Teologia, Os que pensam que venceram, de
Hirpinus, editado pela Editora Permanência em 2001.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 16


Os parágrafos que seguem explicam como no Vaticano II “houve uma aliança política frágil entre a
Teologia Liberal e a Teologia das Fontes, pois não havia comunhão teológica. Essas duas correntes se aliaram
para derrubar politicamente a teologia da Cúria Romana.” Bons meninos, não? E dá como exemplo dessa
“aliança frágil” um livro escrito em comum entre o então padre. Ratzinger e o padre Rahner (de quem o Pe.
Azevedo diz que nasce toda a “esquerda teológica liberal atual 16”). Sobre este livro diz o Papa Bento XVI em
sua autobiografia: “Ao trabalhar com ele (Rahner), apercebi-me de que, ainda que tivéssemos pontos e
aspirações em comum, do ponto de vista teológico vivíamos em dois planetas distintos 17”.
Vamos ver se entendemos bem: o Pe. Azevedo – que dizia que “caso o Concílio seja avaliado a partir
das intrigas, das disputas, não será analisado de forma correta; (e que)é preciso ter como ponto de partida
os textos conciliares” – nos ensina a “avaliar” o Vaticano II “a partir das intrigas e das disputas” que se deram
entre as três correntes teológicas daquele tempo. E nos diz que a corrente que o Papa Bento XVI (e ele)
segue é a Teologia das Fontes. Essa corrente, para “desbancar” a Cúria Romana (estamos falando, nada
menos, da autoridade da Santa Igreja), que queria se manter tomista e católica, fez um acordo com a
Teologia Liberal, que está apoiada numa “visão terrível da teologia. O Papa tinha consciência de que o seu
grupo estava se aliando a outro de pensamento teológico oposto. Porém tornaram-se aliados políticos, pois
os representantes da Teologia Liberal eram bem mais articulados que o grupo da Teologia das Fontes.”

Se o leitor tem o seu estomago tão embrulhado como o meu deve tranquilizar-se diante desse oportunismo
politico que põe a Verdade de lado para conseguir o poder, pois, deve lembrar-se sempre que no fim das
contas somos nós a Igreja/Povo que exercemos o sagrado Magistério, interpretando subjetivamente e
transformando qualquer texto no que nos parecer por bem. Não tenha problema de consciência, leitor
amigo: ao aceitar o Vaticano II não estamos aderindo a nenhum pensamento errado, herético ou modernista,
diz-nos o conferencista. O texto é suficientemente ambíguo para que cada um leia nele o que quiser. O que
realmente importa é que nó nos organizemos e nos articulemos num movimento político para desbancar os
da esquerda e fazer prevalecer politicamente a nossa interpretação moderada. Que horror!

13 –Os modernistas tem conceito de Tradição do que a Igreja pensa. Falam de uma “Tradição viva”, evolutiva, que no fim das contas não é a
Transmissão do Dado Revelado não escrito, mas sim a transmissão de uma experiência vivencial do sagrado.
14 – Observe como aqui o Pe. Azevedo usa a linguagem tão comum entre os padres da teologia da libertação para colocar-se no lugar de vitima
contra o grupo dominador opressor!
15 – O leitor poderá encontrar o artigo “para aonde vai a nova teologia?” como apêndice do livro A Nova Teologia, Os que pensam que venceram, de
Hirpinus, editado pela Editora Permanência em 2001.
16 – Diz o Pe. Azevedo um paragrafo adiante: “Não afirmo que o Pe. Rahner fosse um herege, mas é possível afirmar tratar-se de um ‘patriarca
herético’, pois foi motivo de muita heresia. Sua visão a respeito da teologia era terrível, pois abria as portas da Igreja para a filosofia revolucionária
moderna”.
17 – RATZINGER, Joseph. Lembranças da Minha Vida: Autobiografia Parcial (1927-1977). São Paulo: Paulinas, 2006, p.106. Citado pelo Pe. Azevedo.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 17


3 – A situação da teologia depois do Concílio. O Pe. Azevedo, que tinha explicado18 que o “o Concílio
Vaticano II não é um espírito desencarnado. Não há, portanto um espírito do Concílio. Este se resume aos
textos produzidos pelo Concílio Vaticano II”, explica agora esta Aliança Conservadora/Liberal vencedora
fundou uma revista chamada Concílium19 depois do Vaticano II que “tinha como meta vulgarizar o que estava
por trás do Concílio II, o seu ‘espírito’”. Curioso. Mas como a união entre eles “frágil”, terminaram por
“entrar em atrito” e a “Teologia das Fontes” fundou a revista Communio, na qual estavam Ratzinger, Von
Balthazar, de Lubac…
“Qual é a situação da Igreja hoje?” O Pe. Azevedo explica que do mesmo modo que se deu a aliança
entre os conservadores e os liberais para “desbancar os neotomistas”, assim agora, o Papa Bento XVI
“realizou uma aliança politica com os tomistas desbancados durante o Concílio, com o objetivo de ter força
politica para administrar a Igreja.”
Contudo, não se assuste o modernista de esquerda, pois o Pe. Azevedo explica que esta aliança é só
para “administrar a Igreja”. Se “Bento XVI usa agora alva com rendas”, isso não significa que “teremos
novamente a missa de São Pio V, como era antes do Concílio. Não é o objetivo do Papa.” Ele usa as
tradicionalistas rendinhas para atrair os neotomistas e poder fazer com eles uma frágil aliança. Segundo o
conferencista, as rendinhas do Papa não querem dizer nada mais que isto.
“De acordo com o Papa, não há motivo para condenar estes grupos perfeitamente ortodoxos,
católicos, tementes a Deus e que amam a Igreja.” Realmente?! Ficamos surpresos e agradecidos com este
reconhecimento. Quer dizer, então, que o pecado de ser “perfeitamente católicos” dos neotomistas
tradicionalistas de rendinhas não é tão grave assim para merecer uma condenação? É possível até - veja só –
fazer uma aliança politica com eles, mesmo que sejam de uma posição teológica diametralmente oposta.
O desconcerto destas palavras é inacreditável. Mas ainda não morra de espanto, benévolo leitor,
que teve fôlego de chegar até aqui, porque tem mais.
No último paragrafo deste inciso, o conferencista explica que essa capacidade do Papa Bento XVI de
mudar de aliado político, e de não ter caído na tendência da “Teologia Liberal de Karl Rahner que acabou no
terreno da heresia, demonstra retidão do Papa”, e o seu desejo de “permanecer na fidelidade à Igreja”.
Seguindo o conselho do Pe. Azevedo de não entrar no campo pessoal, deixemos claro que não queremos de
modo algum, em todas as linhas que traçamos, julgar as intenções e disposições interiores. Isso compete a
Deus. Se por acaso discutimos e nos enfrentamos, o fazemos unicamente no campo das idéias. Das
intenções, repito, sabe Deus. Mas a respeito deste estranho parágrafo, não consigo ver como a mutabilidade
doutrinal e a capacidade de fazer aliança politicas que negociam a Verdade revelada demonstrem “retidão”
e “fidelidade”.

18 – Pagina 22 do seu opúsculo.


19 – Na verdade chamava-se Consilium.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 18


4 – Distorções liberais e tradicionalistas. Chegamos à reta final da conferência, na qual o autor quer retirar
suas conclusões. A direção é clara: devemos conseguir evitar os dois extremos liberal e tradicionalista para
chegar a venerável moderação.
Começa citando um “teólogo” da libertação: “Comblim afirma que ‘os documentos conciliares são
esquizofrênicos’. Ou seja, aponta duas tendências: em uma frase, fecha a porta; em outra abre-a. Contudo,
esse equilíbrio faz parte do catolicismo.” O Pe. Azevedo parece concordar com Comblim na intrínseca
ambiguidade dos textos do Vaticano II. Explicará, em seguida, que entre essas duas tendências em conflito,
nos mesmos textos conciliares, os esquerdistas escolhem os que são conforme o seu pensamento comunista
e põem de lado as que não lhes convêm, dando a entender que o problema esta no fato de não aceitar a
bela contradição, terminando então, por escolher um dos lados. Deveríamos – ao que parece – abraçar
pacificamente a esquizofrenia conciliar, já que “esse equilíbrio faz parte do catolicismo”. E contínua dizendo
que os tradicionalistas concordam com essa interpretação tendenciosa (de que não devemos aceitar a
esquizofrenia), mas em vez de escolher o mesmo que os esquerdistas, eles condenam todo o Concílio. E
conclui indignado: “Quando será que alguém irá finalmente ler, ter coragem de analisar os textos
conciliares?” Pois é, padre! É exatamente o que nós perguntamos: Quando será que o senhor vai ter
coragem de ler sem analisar os textos do Vaticano II?
Se o leitor prestou atenção, o Pe. Azevedo não nega a premissa de Comblim de que o Vaticano II seja
esquizofrênico, de que no texto conciliar haja duplicidade. Só que ele chama a isso de boa saúde. E aqui
entra a sua tese final, para realmente nos encher de espanto. Ele dirá que toda a doutrina católica é toda
construída de opostos, de contradições, e que a “complexa” realidade exige que tenhamos sempre os olhos
nesses extremos para conseguir achar a sua síntese. A grande missão do teólogo seria a de fazer esta síntese
das verdades de Fé “aparentemente 20 contraditórias”. Pois é preciso que o hegelianismo chegue até às
próprias verdades da Fé.
E a síntese é a posição católica, a “heresia” e a “mentalidade revolucionária” são principalmente um
“simplismo”: é a tomada de partido por umas das proposições extremas, que em si não estariam mal, pois
são apenas um dos extremos, umas das antíteses.
No parágrafo seguinte, porém, o Pe. Azevedo segue outra linha de pensamento:

“A realidade é complexa respondemos a maior parte das perguntas que nos são feitas na vida com
um sim ou um não… Caso se radicalize e se simplifique a questão, estamos no âmbito de uma mentalidade
revolucionária… Ao meu ver, o grande problema dos tradicionalistas é que eles são revolucionários. Por quê?
Porque a mente revolucionária esta convicta de como o mundo deveria ser e, caso o mundo não esteja de
acordo com este pensamento, o mundo está errado. Notem o simplismo!”

Explica a expressão dizendo que é revolucionário aquele que quer adaptar o mundo à suas idéias, e
não as suas idéias à realidade. Nisso tem razão o padre: o idealismo é uma das partes centrais da Revolução.
Mas – perdoe-me o leitor impaciente se me detenho um pouco – confesso que não compreendo muito bem
a “profunda visão” do Pe. Azevedo.
Ele acusa de revolucionário o esquerdista por escolher um dos sentidos opostos nos textos que ele
reconhece esquizofrênicos. Ele reconhece ainda que um dos sentidos do texto foi ditado pela corrente da
Teologia Liberal de Karl Rahner, a quem ele deu o belo título de “Patriarca de Heresias”, e que desembocou
na prática marxista dos nossos “padres de passeata”. E acusa de revolucionário também o tradicionalista,
porque, apesar de ver que no texto esquizofrênico há vários sentidos opostos, recusa-se em reconhecer
nesse modo de falar ambíguo a doce voz de sua Mãe, a Santa Igreja.

20 – O Pe. Azevedo escusa-se de afirmar a contradição na doutrina católica ao introduzir este advérbio. Mas, se parece querer salvar a contradição
real entre as verdades, termina afirmando uma verdadeira contradição lógica. E as expressões usadas por ele até o final da conferência sublinham de
modo drástico esta contradição, mas em nenhum momento as resolve. Simplesmente afirma que são complementarias. O leitor acredite nessa
complementariedade se quiser, pois não serão explicadas pelo Pe. Azevedo.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 19


Mas – é aqui onde eu queria chegar com essa digressão – como pode o Pe. Azevedo escusar-se de idealismo,
e portanto do belo título de “Revolucionário” que ele distribui tão generosamente a gregos e troianos, se o
que ele faz é exatamente o mesmo processo? Ele tem um a priori conservador, e se aproxima de um texto
“fraco”, “equívoco”, “dúbio”, com a louvável decisão de lê-lo, - não importando se os que escreveram
queriam expressar algo diferente – e consegue “interpretá-lo” conforme seu a priori. Essa interpretação
parece consistir na síntese de proposições contraditórias. Isso é ou não idealismo revolucionário?
Ele poderá defender-se dizendo que o conservadorismo não é um a priori dele, mas está também
num dos sentidos do texto. Então, o que ele está fazendo é o mesmo que os marxistas fazem, com a
diferença de ir na direção da direita e não da esquerda.
Voltemos ao texto. O padre dá um exemplo do simplismo dos tradicionalistas:

“A questão do Ofertório da Missa de Paulo VI se transformou em um verdadeiro cavalo de batalha


para este grupo. Eles não aceitam a Missa de Paulo VI porque afirmam que o Ofertório dá margem à heresia,
pois não menciona o sacrifício e, portanto, não tem validade. Esse é o ponto de vista dos mais brandos, já
que os mais radicais afirmam que a Missa é invalida. 21 Para que fosse válida, o sacerdote teria que
mencionar o sacrifício. Porém, vemos na história da Igreja que durante muito tempo, o Ofertório
praticamente não existia: tratava-se apenas de uma preparação das ofertas, na qual era fito uma procissão,
as ofertas eram levadas, etc. Porém, o grande Ofertório era a Oração Eucarística. Ora, todas as Orações
Eucarísticas atuais mencionam o sacrifício do início ao fim. Logo, essa acusação é infundada. Caso se
condene o Missal de Paulo VI, também se está condenando a tradição litúrgica, pois seguindo o pensamento
dos tradicionalistas, não houve Missa na Igreja durante o primeiro milênio, já que o Ofertório era de outra
forma.”

Desculpe-me o leitor a longa citação, mas como o exemplo apresentado é uma das raras incursões
doutrinárias do nosso autor, vale a pena responder com mais cuidado.
A apresentação da nossa objeção contra a Missa nova, apesar de não ser feita de modo irônico como
as “rendinhas das alvas” do capítulo interior, é igualmente caricaturesca. Talvez o Padre não tenha tido
tempo ou ocasião de estuda-la um pouco mais seriamente. Poderíamos aconselhar-lhe vários livros e
trabalhos muito bem escritos sobre o assunto.
Vamos por partes.
A primeira observação importante é que aqui tratamos dois problemas diferentes: o do ofertório
moderno e o da validade da Missa nova. Certamente estão conectados, mas não são a mesma coisa.
É certo que o rito do Ofertório teve modificações ao longo da história até a codificação de São Pio V.
Mas é falso que “durante muito tempo, o Ofertório praticamente não existia.” É certo também que uma
Missa celebrada por um sacerdote que diga simplesmente as palavras da Consagração (como no caso dos
padres nos cárceres soviéticos) é válida, mesmo sem a recitação do rito do Ofertório, pois na própria
Consagração está incluído necessariamente o Oferecimento do Sacrifício celebrado. Isso tudo é certo. No
que consiste, então, a objeção feita ao “ofertório” da Missa nova?
A Santa Igreja ensina que Nosso Senhor morreu na cruz por nós, para pagar pelos nossos pecados e
reparar a Majestade divina ofendida. Nós pecamos, e é Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e homem
verdadeiro, que expia nossas faltas. Como homem, podia sofrer; como Deus, seus atos tinham valor infinito.
Os teólogos chamam esta misteriosa substituição de “Redenção Vicária”. Nosso Senhor ofereceu-se como
Vítima expiatória para pagar o que os nossos pecados mereceram. Portanto, na sua morte na Cruz está o
oferecimento de sua vida como preço de nossa redenção.

21 – Não entendi a diferença entre os ”tradicionalistas brandos” que acham que “a Missa não tem validade”, e os “tradicionalistas radicais” que
acham que “a Missa seja inválida”.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 20


A Santa Missa renova a morte de Cristo pela dupla consagração. No instante da consagração do
Cálice reproduz-se sacramentalmente, de modo incruento, o Sacrifício redentor de Cristo na Cruz. Não é
possível se quer pensar a realização desse ato sem que esteja incluída a noção de que a sua Morte está
oferecida ao Pai em expiação pelos nossos pecados. Nesse sentido, dizemos que o Ofertório se realiza
necessariamente na Consagração. Mas a Igreja quis que este aspecto da morte de Cristo renovada na Santa
Missa fosse ressaltado por um rito a parte. No Ofertório da Missa o sacerdote não faz “uma preparação das
ofertas”, como diz o Pe. Azevedo (essa é uma noção protestante), mas sim oferece por adiantado a morte de
Cristo que se realizará em alguns instantes na Consagração. Dom Guéranger explica o rito do Ofertório:

“Para compreender todas as orações que se seguem é preciso ter sempre em mente o Sacrifício, apesar de ele
ainda não ter sido oferecido. Assim, nesta primeira oração fala da hóstia que se apresenta ao Pai eterno, se bem que
esta não seja a hóstia divina. Essa hóstia é sem mancha: immaculatam hostiam: aqui há uma alusão às vítimas do
Antigo Testamento, que não deviam ter mancha alguma, porque eram figura de Nosso Senhor, que um dia devia nos
aparecer immaculatus. Nesta oração, o pensamento do padre vai além do momento presente: Ele pensa na Hóstia que
estará no altar depois da consagração, hóstia que é única verdadeira. E por quem a oferece? Percebemos a vantagem
de se assistir à Missa, pois o padre oferece a hóstia por si mesmo, mas também por todos os assistentes: pro omnibus
22
circustantibus. Menciona sempre todos os presentes... ”

Entretanto, a Missa nova foi inventada para responder à nova teologia do Vaticano II, para agradar
ao mundo moderno, e deveria ter tal estrutura que não atrapalhasse as relações ecumênicas coma s outras
religiões, especialmente com os protestantes. Todos os dogmas, todas as verdades que fossem conflitivas,
tanto com o mundo moderno como com as outras religiões, deveriam ser “suavizadas”. O Pe. Azevedo, já o
vimos, chama essa suavização de “política de desconcentração das tensões”. E a principal verdade que choca
o mundo moderno e contradiz o pensamento protestante é a necessidade da Cruz redentora de Cristo. A
Missa nova quer, portanto, dissimular a Cruz de Nosso Senhor. Já não é mais a renovação incruenta do
Sacrifício redentor da Cruz, mas uma “ceia de confraternização” para “lembrar-nos do amor de Jesus”.
O Ofertório da Missa nova, portanto, difere essencialmente do da Missa Católica. Basta comparar os
dois ritos. Neste ele é um rito que torna explicito o aspecto do oferecimento do Sacrifício que Nosso Senhor
fez de Si mesmo em sua Paixão. Naquele ele é, como bem explica o Pe. Azevedo, "apenas uma preparação
das ofertas na qual era feita uma procissão, as ofertas eram levadas, etc.” Mons. Bugnini, o principal autor
da Missa nova, explica que o ofertório moderno foi tirado das orações judaicas para abençoar as refeições
diárias, em que se oferece a Deus “o fruto da terra e o trabalho do homem”. O Pe. Azevedo insiste que, se
no rito do Ofertório moderno não aparece a noção de sacrifício, em contraposição, as inumeráveis Orações
Eucarísticas da Missa Nova “mencionam o sacrifício do início ao fim”. Qual sacrifício? O das oferendas?
Lutero também falava de um “sacrifício de louvor”. A morte de Cristo pode até ser lembrada na Missa nova,
mas se afirma que a Missa seja o sacrifício redentor, seja a renovação da morte de Cristo. O Ofertório da
Missa nova é realmente de espírito protestante.
Quanto à validade da consagração na Missa nova mencionada pelo Pe. Azevedo, esse é outro
problema. Os teólogos católicos ensinam que há muitas causas de invalidade em qualquer Missa. Essas
causas podem ser por parte da matéria: se não é vinho de uva ou pão de trigo não se realiza a consagração;
por parte da forma: se o padre não diz corretamente as palavras da consagração; e por parte do celebrante:
para que se realize a consagração, o padre deve ser validamente ordenado sacerdote e deve aplicar a forma
à matéria conforme a intenção da Igreja.
Mas, curiosamente, todo o cuidado das rubricas da Missa católica, que insistem fortemente nessa
aplicação da forma à matéria, estamos também dissimuladas na Missa nova. Por quê? Ora, os protestantes
dizem que não há uma transubstanciação objetiva de pão em corpo e do vinho em Sangue de Nosso Senhor,
mas sim, um consenso realizado pela fé dos presentes. A Missa nova, portanto, feita para agradar a todos,
dissimula neste ponto a doutrina católica. É assustador como os teólogos católicos na Nouvelle Theologie
começam a falar de “transignificação”.

22 – D. Prosper Guéranger, Missa Tridentina, Editora Permanência, p. 64ss.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 21


Essa tendência de dissimulação aparece nas rubricas modernas, na forma do que se chamou de “Tom
Narrativo”. A fórmula da consagração moderna aparece no meio de um parágrafo sem evidência de
pontuação, sem nenhuma indicação de que esta é a forma sacramental que deve ser aplicada a matéria. Ora,
se um jovem padre formado nos seminários com a Nouvele Theologie, que não sabe a doutrina da Igreja e
que segue o que rito moderno manda, simplesmente narra um fato passado (mesmo que este seja a menção
da morte de Cristo), sem aplicar as palavras da consagração ao pão e ao vinho, então não consagra, e não se
realiza a transubstanciação. A missa é, então, invalida por defeito de intenção. O pastor protestante da
comunidade de Taizé, Max Turrian, que ajudou na confecção da Missa nova, disse que com o rito novo não
mais nenhuma objeção doutrinal para que católicos e protestantes celebrem a Eucaristia com o mesmo rito.
De fato! “Um dos frutos (da nova Missa) será talvez que as comunidades não católicas poderão celebrar a
santa ceia com as mesmas orações que a Igreja Católica. Teologicamente é possível. 23”.

5 – A culpa é de quem? Este estranho apartado começa com uma espécie de resumo do anterior: a
necessidade de fazermos uma receptio do Concílio, sem prestar atenção nem para os padres conciliares que
o escreveram, nem para os frutos do Concílio, pois “1968 teria acontecido irremediavelmente”. Conclui
dizendo que o verdadeiro e único vilão em toda essa história é a “mentalidade da Teologia da Libertação”
com sua filosofia revolucionária comunista.
“Nesse contexto, os padres conciliares têm culpa?” Não entendemos o sentido da pergunta, já que
ele acaba de dizer que não devemos nos preocupar com intenções, nem olhar os frutos, mas unicamente o
texto – conselho que vem repetindo durante toda a conferência. Além disso, perguntamo-nos por que fala
de “culpa” quando vem tentando mostrar que o Vaticano II é um “acontecimento maravilhoso, um dom de
Deus”. Deixemos, porém, de lado a contradição e sigamos o curioso raciocínio.
Sim e não, Sim na medida em que selaram aliança com esse grupo (o de Karl Ranner), e não na
medida em que não podiam prever as consequências “24. Vamos ver se entendemos bem: os padres
conciliares para conseguir enfrentar e vencer (o padre tinha usado o verbo “desbancar”) os neotomistas da
Cúria uniram-se num esforço doutrinário com a ala da esquerda25, mesmo percebendo que se tratava de
hereges (ou “Fonte de Heresias”, como preferiu o conferencista), e “selaram aliança” na produção do
Vaticano II. Mas como o doutrinário é algo muito secundário, pois o que importa é a interpretação que
façamos do texto ambíguo, os padres conciliares não tiveram tanta culpa, pois não podiam prever que o
corvo que estavam criando depois lhes furaria os olhos. Faltou-lhes somente um pouco de astúcia e previsão
política.

“Os próprios Papas Paulo VI e João XXIII desempenharam um papel importante devido a um ‘bom-
mocismo’, que afirmava: ‘ Agora amamos todo o mundo, amamos os hereges e vamos beijá-los e abraçá-los,
pois quando perceberem que o queremos bem, irão se converter’. É de uma grande ingenuidade pensar que o
mundo irá nos aplaudir quando o abraçarmos.”

O Pe. Azevedo, para dissimular a culpa dos que fizeram essa “coisa maravilhosa” do Vaticano II, diz
que na verdade foram ingênuos. E no que consiste essa ingenuidade? Em querer fazer uma aliança com a
Teologia Liberal e a filosofia revolucionária (pois é disso que ele estava falando), principalmente os Papas
Paulo VI e João XXIII, que fundados na ingênua boa intenção apologética de que, se cedessem e dissessem
que a doutrina revolucionária e a atitude de rebelião das nações diante do Magistério e governo da Igreja
são uma coisa muito boa, muito natural, e que nós os amamos assim mesmo, eles ficariam tão comovidos
que terminariam por se converter.

23 – Jornal La Croix do dia 30 de maio de 1969


24 – Anteriormente tinha dito, falando do Papa Bento XVI, que não há culpa nenhuma em fazer uma aliança política com o grupo de esquerda, pois
essa união era só ocasional e para alcançar um objetivo particular. Mas aqui diz o conferencista que esse procedimento não é passível de ser
desculpado.
25 – Convinha perguntar ao Pe. Azevedo “esquerda” ou “direita” de quê? Qual é o ponto de referência? De fato os dois grupos mencionados, tanto o
de Ranner como o de De Lubac, estavam e estão totalmente fora da doutrina e do pensamento da Igreja.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 22


Depois de algumas considerações sobre a realidade do homem perante o amor, que me
desconcertam pelo mau gosto, continua dizendo que “apoia Von Balthasar, apoia Ratzinger, apoia de Lubac,
pois os males não aparecem devido a este retorno às fontes, mas sim da adesão da filosofia moderna
revolucionária.” Percebe-se que realmente não falamos a mesma língua. Para o Pe. Azevedo somente o
comunismo é “revolucionário”. Ora, os três teólogos citados como grandes modelos de posição católica de
“retorno às fontes” estão formados pela filosofia idealista moderna, fundamento de toda a revolução.
Vejamos um pouco:
De Lubac, pai da Nouvelle Theologie, conta na sua obra Memórias em Torno de Minhas Obras26 que
se formou apaixonadamente com as obras de Maurice Blondel, filósofo27, e que tinha como grande modelo
de herói e santo o Mons. Dupanloup, figura central na corrente liberal. Diante da correção que as
autoridades da Igreja tentaram fazer-lhe, conseguiu desobedecer dissimulando sua posição – é ele mesmo
quem o conta.
Se De Lubac é o pai da Nova Teologia, Urs Von Balthasar é o centro do novo movimento modernista
ecumênico que põe num mesmo nível todas as falsas religiões e a Religião Revelada. Falando da formação
católica escolástica dizia:

Balthasar – “Todos os meus estudos durante os anos de formação na Ordem dos Jesuítas foram uma
luta enfurecida com a desolação da teologia... Escrevi o ‘Apocalipse’ com essa fúria que se propunha destruir
o mundo pela violência e reconstruí-lo a partir das fundações, custasse o que custasse.”28.

Que belo exemplo de “continuidade”! Ele mesmo conta que aprendeu com Henri De Lubac a opor a
Patrística a Escolástica, cuja linguagem rigorosa e precisa não permitia o jogo da interpretação subjetiva. A
definição que São Pio X faz dos modernistas na Pascendi parece cair-lhe como luvas:

Pascendi - “Sob as aparências de amor à Igreja, absolutamente deficientes em filosofia e teologia


sérias, impregnados, ao contrário, até os miolos, de um veneno de erro recebido dos adversários da fé
católica, se colocam, sem nenhuma modéstia, como renovadores da Igreja”.

Em Basiléia, Von Balthasar recebe uma decisiva influência da teologia do protestante Barth,
especialmente no tema da predestinação e no que ele chamou “o cristocentrismo radical de Barth”. Essa
teologia protestante foi organizada por Balthasar através da filosofia de Hegel, como ele mesmo explica.
Além da protestantização da sua teologia, Von Balthasar sofre uma influência do comunismo e do socialismo
através de Béguin, que ele batizará em 1940. Béguin será o sucessor do filocomunista Mounier na direção da
revista Esprit, uma das pontas de lança na preparação do modernismo no Vaticano II. A última e mais
profunda influência em Urs Von Balthasar é a sua união místico-amorosa com a “vidente” Adrienne von
Speyr. Ele abandou a Companhia de Jesus para “prestar obediência direta a Deus” indo morar na casa dela.
Será o pensamento de Adrienne que dará a Balthasar a unidade final, especialmente na “nova concepção da
Igreja Católica” e na sua “teologia da sexualidade”.
Joseph Ratzinger, o terceiro e mais importante exemplo apresentado pelo Pe. Azevedo como modelo
de teologia a ser seguida pelos católicos, foi também um dos centros da Nova Teologia. De fato, Ratzinger é
dentre eles, o que tem a teologia mais complexa, e que sofreu uma evolução entre o seu período anterior
ao Vaticano II e posterior. O Pe. Azevedo cita a sua obra fundamental: Introdução ao Cristianismo (Herder,
São Paulo, 1970). Ali Ratzinger, explica que Jesus não foi Deus que se fez homem, mas sim um homem que
se tornou Deus. Jesus é “esse – disse o teólogo – em que se manifesta a realidade definitiva de ser do
homem, e que nisto é simultaneamente Deus.”...

26 – Milão, Jaca Book


27 – A confusa obra de Maurice Blondel gira ao redor do esforço de buscar “provas” das verdades católicas numa filosofia subjetivista e idealista, pois
segundo ele o homem moderno não pode entender outra linguagem. De Lubac escrevia a Blondel que a sua própria “nova teologia” só era possível
porque “sua obra filosófica lhe havia preparado os caminhos”. Op.Cit.
28 – Introdução de Erdeund Himmel, publicado no livro comemorativo de Urs Von Balthasar – Figura e Opera.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 23


Ratzinger – “Temos nós, então, ainda o direito de assimilar a cristologia (estudo sobre Cristo) na
teologia (estudo sobre Deus)? Não devemos antes reivindicar Jesus apaixonadamente como homem, e fazer
da cristologia um humanismo, uma antropologia? Ou então o homem autêntico, pelo fato mesmo de que é
inteiramente e autenticamente homem, seria ele Deus, e seria Deus precisamente por ser um homem
autêntico? Será possível que o humanismo mais radical e a fé no Deus da Revelação se encontrem aqui até
se confundirem?

A resposta continua Ratzinger, é que a luta desenvolvida nos cinco primeiros séculos da Igreja em
torno dessas questões “chegou, nos Concílios ecumênicos da época, a uma resposta afirmativa às três
questões.”29

A noção de Magistério que vimos anteriormente foi deformada em essência pelo teólogo Ratzinger,
quando, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, apresentou um documento sobre a vocação do
teólogo: “Há decisões do Magistério que não podem ser uma palavra definitiva sobre o assunto enquanto tal,
mas são uma ancora substancial no problema e antes de tudo também uma expressão de prudência pastoral,
uma espécie de disposição provisória.”30
Todavia, dissemos que a sua teologia sofreu uma evolução. Com efeito, antes do Vaticano II, sua
posição avançada ensinava, por exemplo, que não há distinção entre o corpo e a alma – isso seria um
“dualismo platônico”. Mas vários anos depois, a reflexão o levou a reconhecer a “lógica interna da tradição
eclesiástica”, que fala da permanência da alma depois da morte, e mudou, então, de opinião, passando a
defender em seu tratado a existência da alma. 31
Permita-me o leitor citar o parágrafo do livro “A Nova Teologia, Os Que Pensam Que Venceram”,
livro que recomendamos vivamente para a melhor compreensão das grandes figuras do modernismo
teólogo atual:

“Ratzinger é sempre assim: aos excessos, de que guarda distância, ele não opõe jamais a verdade
católica, mas um erro aparentemente mais moderado, o qual, porém, na lógica do erro, conduz, às mesmas
conclusões ruinosas. Ratzinger qualifica-se a si próprio, no ‘Rapporto sulla Fede’ de ‘progressista equilibrado’.
Defende uma ‘evolução tranquila da doutrina’ sem ‘arrancadas solitárias avante’, mas também ‘sem
nostalgia por um ontem irremediavelmente passado’, isto é, pela Fé católica deixada tranquilamente para
trás. Se não gosta do progressismo de ponta, Ratzinger não gosta também da Tradição católica: ‘É só ao hoje
da Igreja – diz ele – que devemos ficar fiéis, não ao ontem nem ao amanhã ‘32”.

Eis aqui os três modelos de teologia apresentados pelo Pe. Azevedo.

29 – Indroduction au Christianisme, ed. Mame e Cerf, 1985, pag 126 e 140. Citado pelo livro A Nova Teologia, Editora Permanência 2001, p.117e ss.
30 – Observatore Romano de 27 de junho de 1990,p.6
31 – Mi vida. Recuerdos (1927-1977), ed. Encuentro Madrid 1997, p.126.
32 – Op. Cit.,p.134.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 24


6 – Afinal, o que é teologia? O Pe. Azevedo, neste penúltimo capitulo, toma um longo caminho para poder
explicar o porquê da existência de várias correntes teológicas diferentes e às vezes contraditórias, como as
que se enfrentaram no Vaticano II. “Muitas pessoas estranham essa diversidade essas alianças políticas, com
um grupo se aliando a outro. Afinal, não há uma só Igreja e uma só fé?”
Para responder a esta pergunta o nosso autor propõe encontrar a definição de teologia, e para
chegar a ela devemos antes “compreender o que é a fé, ou seja, o dogma, o ensinamento”. E responde sem
muitas voltas: “O conteúdo da fé é o que todo cristão precisa aceitar, pois nesse ponto não há correntes
teológicas.” Sim... mas o senhor não definiu nada com esta frase. O que é a fé? O senhor falou do objeto da
fé, mas o que é a fé em si mesmo? E, falando do objeto da fé, apenas falou do objeto moral de que devemos
aceita-lo (no que estamos de acordo, certamente), sem explicar o que o constitui como tal. Sua habitual
repugnância pelas definições parece nos dizer que não nos percamos em teorias desnecessárias. ... Nem
uma palavra para dizer que a Fé é uma virtude teologal infusa por Deus no dia do nosso batismo, pela qual
realizamos um ato sobrenatural, e que o objeto da Fé é o dado revelado por Deus e transmitido por meio da
Santa Igreja. Ora, é o fato de ser algo revelado por Deus o que nos obriga ao assentimento. É autoridade
divina que exige a nossa adesão.
No entanto, dando por terminada a sua profundíssima “explicação” e “definição” do que é a fé, o Pe.
Azevedo propõe um “exemplo prático”: nosso autor quer nos propor duas verdades de fé que estejam “em
aparente contradição”. Novamente, o tema da “contradição”! A primeira é a de que “Jesus nasceu por meio
de uma concepção virginal. A Virgem Maria não manteve relações e, por obra do Espírito Santo, o Filho de
Deus, o Verbo Eterno, se fez carne, se fez Homem (por que com maiúscula?) e assumiu a nossa humanidade”.
E explica que não houve sexo nem com José, nem com o Espírito Santo (é com repugnância que citamos esta
precisão do autor que fala de “teogamia”). Convém reparar que, falando da Encarnação (o Pe. Azevedo não
usa esta palavra em nenhum momento), não vemos no texto a afirmação da divindade de Nosso Senhor
Jesus Cristo 33. Todas as expressões são ambíguas.
A segunda verdade de fé apresentada é de que “Deus criou o sexo, que foi desejado por Deus,
portanto, trata-se de algo bom. Não é uma criação do diabo, pois ele não é capaz de criar nada...” Em
seguida o Pe. Azevedo faz um breve apartado sobre a natureza do mal, para voltar a afirmar: “Conclui-se,
portanto, que o sexo em si, materialmente falando, não é bom nem ruim: será o que fizermos dele
espiritualmente. Se a sexualidade for vivida com espírito desordenado ela será má, se for vivida com o
espírito correto, será boa, pois a maldade não está no ato material (...) Nós cristãos cremos que o sexo é algo
bom.” Mas afinal de contas é bom ou indiferente? Decida-se, por favor!
Em seguida fará um esforço para enfatizar a oposição que vê entre estas duas verdades. Mas, antes
de seguir o nosso conferencista nessa suposta terrível posição, queria sublinhar que mais uma vez nos
encontramos com uma falsificação da doutrina católica. Nosso autor, talvez, admirador de Adrienne von
Speyr, ao falar do sexo, não diz nenhuma palavra das feridas do pecado original, nenhuma palavra da
desordem violenta da concupiscência.
É certo que o sexo foi criado por Deus, e é certo que dentro do matrimônio é algo ordenado e virtuoso. Mas
depois do pecado original há uma terrível luta para que possa realizar-se desse modo ordenado e virtuoso.
Uma das quatro virtudes cardeais, centro de toda vida moral junto aos dons do Espírito Santo, se dedica à
luta contra essa desordem. Mas para nosso conferencista, parece que nascemos todos sem o pecado original!
Nenhuma palavra sobre o mérito da virgindade, a superioridade da castidade dos religiosos sobre a vida dos
esposos! Estamos realmente de cheio no naturalismo condenado pela Igreja.

33 – É bem verdade que no capítulo sobre os dois primeiros concílios o Pe. Azevedo afirmou claramente a doutrina sobre a Santíssima Trindade. Mas
alguns parágrafos adiante, para explicar a alegada fraqueza da fórmula de Nicéia, diz: “Posso adorá-lo e glorifica-lo sem que Ele seja exatamente Deus,
mas apenas divino” (sic). Com isso fica a salvo o espírito nestoriano, bem próprio do modernismo atual, que o Pe. Azevedo parece mostrar nessas
páginas sobre a Encarnação.

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“Temos, portanto, duas realidades de fé. A primeira: o Filho de Deus veio ao mundo sem sexo e a
segunda, que diz ser o sexo uma coisa boa, se vivido espiritualmente de forma ordenada, visto ser criação
divina, não diabólica. Essas duas verdades de fé estão em aparente contradição. Quantas vezes ouvimos a
seguinte argumentação: ‘ Se o sexo é coisa boa, por que Deus veio ao mundo por meio de uma virgem? Não
há nada de errado entre o relacionamento entre o marido e sua esposa, logo – conclusão herética - Jesus
nasceu de uma relação sexual entre José e Maria’. Notem o que faz o herege. Percebe que há duas realidades
de fé, dois dogmas em tensão, e elimina a tensão descartando uma das verdades. A palavra heresia significa
escolher. Escolhe-se qual verdade de fé na qual acreditar. O que é, portanto, uma heresia? É uma fé
incompleta. A pessoa opta por um dogma em detrimento do outro, varrendo para baixo do tapete o que esta
atrapalhando, escolhendo a verdade na qual acreditar.”

Não, não! Como o Pe. Azevedo se esqueceu de definir catolicamente a Fé como virtude infusa, pode
agora falar de fé incompleta. Quando escolhemos o que queremos crer estamos mudando a razão formal do
ato de Fé. Um católico crê por que Deus revelou e a Santa Igreja ensina. A razão pela qual se crê é a
autoridade divina e a da Igreja. Quando um herege escolhe uma das verdade e despreza a outra perde a Fé.
De nada lhe serve crer neste ou naquele dogma, pois deste modo crê em si mesmo e não em Deus. Já não
tem Fé nenhuma, pois não existe meia-Fé. Podemos dizer que o objeto da Fé esta materialmente incompleto
nele, mas perde completamente, no seu ato de rebeldia, a virtude teologal que tinha sido infundida por
Deus.
O Pe. Azevedo fala da contradição aparente das verdades da Fé. Ele tem toda a razão quando diz,
fazendo menção de Chesterton, que um católico ao dar se conta que não entende como é possível conciliar
aspectos conflitantes das Verdades reveladas, sabe que o problema está na sua “cabeça incapaz de
entender”. Sabe que não há contradição, nem pode haver. Mas a sua confiança vem precisamente de saber
que os dogmas ensinados pela Igreja são revelados por Deus, tendo autoridade e credibilidade divina.
“Voltemos à pergunta que motivou estas considerações: o que é a teologia? É a tentativa humana de
harmonizar a aparente contradição entre as verdades de fé.” E se não encontrarmos nenhuma “aparente
contradição”, a teologia desaparece? Perde o seu sentido? Será preciso sempre a dialética hegeliana para
poder “fazer teologia”? Parece que o próprio Pe. Azevedo nos dá um claro exemplo em que fica com parte
da Revelação e recusa outra. A Igreja ensinou de modo definitivo34 o que é a teologia. O Concílio Vaticano I,
na sua Constituição Dogmática sobre a Fé35, condenando o racionalismo de Hermes e Frohschamer, explica a
natureza da teologia: “Certamente a razão iluminada pela Fé, quando busca cuidadosa, pia e sobriamente,
alcança por dom de Deus alguma inteligência e muito frutuosa, dos mistérios, já seja por analogia do que
conhece naturalmente, já pela conexão dos mistérios entre si e com o fim último do homem...”. A teologia é
uma ciência alcançada pela razão, mas que tem como fundamento e raiz a fé infusa e sobrenatural. Os
principais ofícios da (verdadeira) Teologia são:
1)recolher as verdades reveladas. Essas verdades o teólogo recebe do Magistério, regra próxima da
Fé. Dizia Santo Agostinho: “Eu não creria se a autoridade da Igreja Católica não me movesse a isso”. É
portanto, o Magistério que determina onde e como se encontra o dado revelado: Nas suas próprias
definições, nas Sagradas Escrituras, na Tradição (Santos Padres, Liturgia, etc.) O teólogo se aproxima dessas
fontes mostrando também como o ensinamento do Magistério encontra-se implícita ou implicitamente na
Sagrada Escritura ou na Tradição36;
2) Refletir sobre estas verdades, por meio da analogia da Fé e do ser. É a isso que se refere o Concílio
Vaticano I;
3) Propor aos fiéis as verdades reveladas de modo mais acessível, contemplando os mistérios e
ensinando aos outros, como São Domingos de Gusmão dizia: “Contemplata aliis tradere”;

34 – Dz. 1635 Encíclica Qui pluribus; Dz. 1649 ss. Decreto contra Agostinho Bonetty; Dz. 1795 ss. Conc. Vat. I Constituição Dogmática sobre a fé
católica. Recomendamos também a leitura das Encíclicas Pascendi de São Pio X e Humani Generis de Pio XII, pois não só explicam claramente a
relação da fé e da razão, a natureza da teologia, mas também condenam explicitamente todos os erros dos “teólogos modernos”.
35 – Cap. 4,Dz. 1796.
36 – Por isso a dialética que o Pe. Azevedo fez entre a teologia da Cúria romana e a teólogo que volta às fontes é falsa.

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4)Proteger a Verdade revelada, descobrindo e refutando os erros que podem ataca-la, tanto
teológicos como filosóficos;
5) Tirar as conclusões de que Deus nos ensinou, e aplica-las a toda a realidade humana;
6) Ordenar num sistema claro as Verdades reveladas, eis o ofício supremo da teologia, eis a teologia.

“Citemos o teólogo Ratzinger como exemplo de harmonização de duas verdades da fé em aparente


contradição, ao afirmarmos que o sexo é bom e assim Deus escolheu nascer de uma virgem. Ratzinger
considerou que Deus agiu assim porque quis. Poderia ter nascido por meio de uma relação sexual e não
teríamos problema algum. Com esse raciocínio, concluiu-se que o sexo é algo positivo. Mas por que Deus
nasceu de uma virgem? Porque era oportuno, em sua pedagogia, que Jesus tivesse um Pai divino e uma mãe
humana, pois desta forma poderia nos dar o dom da paternidade divina, ou seja, um Pai verdadeiro que é
Deus.”

Confesso que não consigo ver, embora tenha me esforçado, a grande contradição, tão terrível, capaz
de causar dúvidas de fé em “várias pessoas”, e que vem ocupando o Pe. Azevedo em várias páginas. A
solução do teólogo Ratzinger, com o mesmo sabor de nestorianismo das paginas do Pe. Azevedo, conclui
num voluntarismo divino parecido com o que teria dito Duns Scott Ockham ou Lutero.
Nosso Senhor Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, se fez homem no seio puríssimo
da Virgem Maria, tomando dela a natureza humana. A formação dessa natureza não combina que tivesse
concurso da geração normal de todos os homens, tanto em razão do mistério da Encarnação como por parte
da divindade da sua Mãe Santíssima. Em razão da Encarnação, Nosso Senhor não é um simples homem, mas
é Deus e homem, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O concurso de um pai humano poderia induzir-nos
ao erro de achar que Nosso Senhor é simplesmente um homem a quem Deus assumiu, tendo não só duas
naturezas, mas também duas Pessoas. Também foi conveniente que a concepção de Nosso Senhor se desse
de modo milagroso, pela dignidade de Nossa Senhora, pois – apesar do que diz o Pe. Azevedo – o sexo está
profundamente marcado pela desordem da concupiscência, a tal ponto que os sinais do uso do sexo são
chamados pela S. Escritura de “corrupção”. Nosso Senhor quis honrar sua Mãe não só com a isenção de todo
pecado em sua concepção, mas também a preservou de qualquer sombra do pecado ou qualquer
movimento desordenado das paixões, e quis que essa pureza singular fosse evidente mantendo sua
virgindade antes, durante e depois do parto.
“O revolucionário por outro lado quer encerrar Deus na sua lógica, obrigá-Lo a seguir o roteiro que
ele traçou. Analisemos um caso concreto”. Outro “caso concreto”? Paciência estimado leitor este é o último
capítulo.

6 – O que é a heresia? Esse último capítulo é bastante confuso. Temos a impressão que o Pe. Azevedo,
querendo armar uma conclusão para a conferência, termina por precipitar-se. Propõe o tema da heresia no
aspecto das objeções contra a Fé, dando dois exemplos de objeção: o espanhol Torres Queiruga e o filósofo
Voltaire. A mesma objeção é confusa, pois começa apontando a possibilidade de uma intervenção milagrosa
de Deus, e desliza para o problema do mal em si, que se transforma na permissão de Deus ao mal. Sem
responder à objeção, propõe resolver a contradição por uma submissão a Deus: “Como age o católico? Crê
nos três atributos divinos: ‘Senhor eu não Vos compreendo, mas eu Vos adoro, porque Vós sois infinitamente
bom e justo, Vós não cabeis na minha cabeça’”. Estamos de acordo com o Pe. Azevedo na atitude de
humilde submissão a Deus, mas a suposta contradição apresentada pode facilmente ser explicada e
respondida. Um teólogo, pode, sem muito esforço, mostrar a contradição nos termos, mostrar a falácia da
objeção e como os atributos divinos não estão, em absoluto, em contradição.
“A teologia, portanto, consiste no esforço humano que se utiliza dos recursos da inteligência para
solucionar as contradições da fé.” Não era a heresia que estávamos querendo definir? Voltamos À teologia?
Voltamos às contradições da fé?

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“Santo Anselmo de Cantuaria (1033-1109) definia a teologia como fides quaerens intellectum, ou
seja, a fé que procura a intelecção. Portanto, o teólogo precisa ter fé. O herege, o apostata e o revolucionário
não podem fazer teologia. Por esse motivo a Teologia da Libertação não é teologia.” Estamos de acordo.
Certamente a fé é o fundamento da teologia. Implicitamente o Pe. Azevedo parece estar dizendo que o
herege, o apóstata e o revolucionário não tem fé, e em consequência disso, não podem “fazer teologia”.
Sem explicar a diferença entre esses três personagens, parece também implicitamente afirmar que os três
títulos cabem aos “teólogos da Libertação”. Estamos plenamente de acordo que são hereges, apóstatas37 e
revolucionários. Mas se procuramos olhar com um pouco mais de cuidado, a Fé virtude teologal – como
dissemos – que tem como regra próxima do Magistério, ou seja, o objeto da Fé nos é apresentado como tal
pela Santa Igreja. Se a Teologia da Libertação não pode “fazer teologia” por não ter Fé, teremos de dizer o
mesmo da Teologia das Fontes com seu explícito desprezo pelo Magistério (o qual chama de “teologia da
Cúria Romana”), seu espírito neoprotestante e seu livre exame dos Santos Padres e da Liturgia. São tão
hereges e revolucionários como os teólogos comunistas.
“Retomando: a teologia, como dissemos, é a fé que busca a intelecção. Portanto, não é possível fazer
teologia se não existe fé. Por esse motivo, um filosofo ateu, não pode fazer teologia, por mais inteligente e
competente que seja, visto que a fé procura resolver as tensões racionais existentes na teologia. Essa é a
dinâmica da fé.” Vínhamos seguindo um raciocínio até o “filósofo ateu que não pode fazer teologia visto
que...” esperávamos que dissesse “visto que não tem fé”, “por não crer em Deus”, mas incluiu de modo
curioso: “visto que a fé procura resolver as tensões racionais existentes na teologia”. Como é? Não era o
contrário o que vinha nos dizendo: a razão tenta resolver38 as “contradições da fé”? Agora é a fé que resolve
as contradições da razão? Estamos perdidos com tantas contradições!
“Por essa razão, temos diferentes escolas de teologia.” Por qual razão? Não consigo seguir a lógica.
Há diferentes escolas de teologia porque alguns têm fé e outros não? Porque alguns resolvem as
contradições da fé e outros resolvem as contradições da razão? Porque alguns abraçam a contradição de
modo voluntarista e outros de modo especulativo?
“Dissemos que no Concílio havia três escolas, três formas diferentes de resolver as tensões da fé.
Uma delas, A Teologia Liberal, tinha esse objetivo, mas capitulou diante de uma mentalidade revolucionária
que, certamente é herética, ou seja, escolhe verdades nas quais acreditar.” Ah! Acho que entendi: a teologia
é um esforço subjetivo e idealista, é experiência existencial pessoal que pode transformar os “textos fracos e
equívocos” em fortes e ortodoxos. Não importa se a Igreja tenha ensinado de modo definitivo algo – como,
por exemplo, que o Liberalismo é uma doutrina contrária à Fé católica e que os seus princípios são
incompatíveis com o pensamento da Igreja- não importa: o teólogo tem toda liberdade de mover-se em
qualquer direção, contanto que não caia na tentação comunista ou socialista, única tendência que merece a
condenação de “herege, apóstata e revolucionário”. Tudo o mais é compatível com o nobilíssimo título de
“conservador”.
“Assim encerramos esta aula” – sem saber por que Voltaire e Queiroga estão errados em suas
objeções contra a Fé – “em que nos propusemos a discorrer sobre algumas noções básicas de teologia e
sobre alguns acontecimentos do Concílio Vaticano II.”

37 – Se bem que – para rigor dos termos – apóstata é o que abandonou publicamente a religião, sem necessariamente significar que tenha perdido a
Fé. É possível um apóstata que tenha abandonado a Religião por não querer se submeter a uma lei, ou prescrição moral, sem ter negado a Fé.
38 – Fala de uma solução da razão, mas a solução é apresentada é sempre voluntarista.

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IIª PARTE DOUTRINA CATÓLICA E OBJEÇÕES ÀS TESES PRINCIPAIS DO LIVRO

Ao longo da conferência, mesmo que não tenham sido explicitadas, aparecem várias teses nas quais
o autor fundamenta o seu raciocínio. Queremos aqui enuncia-las e compará-las coma Doutrina da Igreja
ensinada pelo Magistério infalível.

 Magistério interpretável;
 Colegialidade, Conciliarismo e Democratismo;
 Teologia das Fontes: livre interpretação da Regras remotas da Fé;
 Distinção entre “Jesus histórico” e “Jesus da Fé”;
 Noção de Tradição viva (vitalismo);
 Tomismo opcional e “liberdade de opinião teológica”.
Começaremos pela formulação da tese do Pe. Azevedo, o que tentaremos fazer do modo mais
conciso possível, esperando ser fiel ao pensamento do conferencista e tentando guardar, na medida do
possível, os termos e palavras do autor.
Ato seguido, confrontaremos essas teses com os textos do Magistério que ensinaram sobre o tema.

MAGISTÉRIO INTERPRETÁVEL

A ideia central do opúsculo é a de interpretar o Vaticano II de modo conservador, sem cair nos
extremos da Teologia da Libertação, nem recusá-lo como fazem os tradicionalistas. Essa obra supõe um
esforço de interpretação que ainda não foi concluído, e que é nosso dever aplicar-nos a ele seriamente. O
fundamento primeiro do que foi chamado de receptio é, portanto, a possibilidade de interpretação pessoal e
subjetiva do Magistério. Contra a ideia da necessária adaptabilidade da doutrina católica para que possa ser
interpretada, afirma o Magistério:

“E, com efeito, a doutrina da Fé que Deus revelou, não foi proposta como um achado filosófico que deva ser
aperfeiçoado pelo engenho humano, mas sim entregue à Esposa de Cristo como um deposito divino, para
ser fielmente guardada e infalivelmente declarada. Do qual se segue que também se deve manter
perpetuamente aquele sentido dos sagrados dogmas que uma vez declarou a santa Madre Igreja e jamais
deve-se afastar desse sentido sob pretexto e nome de uma mais alta inteligência. ‘Cresça, pois e muito e
poderosamente se adiante em quilates, a inteligência, ciência e sabedoria de todos e de cada um, já seja do
homem partícula, já seja de toda a Igreja universal, das idades e dos séculos; mas somente no seu próprio
gênero, ou seja, no mesmo dogma, no mesmo sentido, e na mesma sentença’.”39

Citamos também cânones contra os pseudo-teólogos:

“Se alguém disser que pode acontecer que, conforme o progresso da ciência, seja necessário atribuir alguma
vez aos dogmas propostos pela Igreja um sentido diferente do que entendeu e entende a mesma Igreja seja
anátema.”40

“Que o dogma não só pode, mas que deve evolucionar e mudar, não só o afirmam sem subterfúgios os
modernistas, mas é também consequência que se segue evidentemente dos seus princípios. Porque entre os
pontos principais da sua doutrina têm eles um que deduzem do princípio da imanência vital e é que as
fórmulas religiosas, para que sejam realmente religiosas e não puras elucubrações da inteligência, devem ser
vitais e viver a mesma vida do sentimento religioso.” 41

39 – Conc. Vat. I Const. Dogmática sobre a Fé Católica. Dz. 1797. Para citação do Comonitório vide
40 – Idem, Dz. 1818, f
41 – Enc. Pascendi de São Pio X. Dz. 2080.

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Em relação à nova concepção de Magistério e a liberdade do teólogo frente à Revelação São Pio X
observa o seguinte:

“Porque o que [os modernistas] pensam sobre a potestade doutrinal e dogmática é muito pior e mais
pernicioso. Sobre o magistério da Igreja fantasiam deste modo. Uma associação religiosa não pode de modo
algum ter unidade, se não há uma só consciência e uma fórmula única da qual se sirvam. Agora bem, uma e
outra unidade exige uma espécie de inteligência comum, a qual corresponde encontrar e determinar a
fórmula que mais exatamente responda a consciência comum e essa inteligência de ter suficiente
autoridade para impor à comunidade a fórmula que tivesse estabelecido. Pois bem, nesta conjunção e como
que fusão, tanto da inteligência que escolhe a fórmula quanto à potestade que a prescreve, põem os
modernistas a noção do magistério eclesiástico. Assim, pois, como em definitivo o magistério nasce das
consciências individuais e tem encomendado o seu dever público para a comodidade das mesmas
consciências, segue-se necessariamente que depende dessas consciências e deve submeter-se às formas
populares. Portanto, proibir às consciências dos indivíduos que professem pública e abertamente os
impulsos que sentem42, assim como fechar-lhes o caminho da critica pra que empurrem o dogma na direção
de uma necessária evolução, não é uso, mas sim abuso de uma potestade que lhe foi encomendada para a
utilidade. De modo semelhante deve guardar-se temperança no mesmo uso da autoridade. Censurar e
proibir um livro qualquer sem conhecimento do autor, sem admitir explicação nem discussão alguma, é
certamente coisa que está próxima da tirania. Pelo qual aqui deve achar-se um caminho intermediário, afim
de que fiquem intactos os diretos tanto da autoridade como da liberdade. Entretanto, o católico deve atuar
de modo que publicamente se mostre obedientíssimo à autoridade, mas não por isso deixa de seguir o seu
próprio gênio. Enquanto à Igreja em geral prescreve assim: Dado que o fim da potestade eclesiástica se
dirige unicamente ao espiritual, deve retirar-se todo o aparato externo com que a contemplam. No qual
restringem unicamente às almas, em que a honra que se tributa à sua potestade recai sobre Cristo, seu
fundador”.43

COLEGIALIDADE, CONCILIARISMO E DEMOCRATISMO

Querendo definir qual é a autoridade de um Concílio dentro da Igreja, o Pe. Azevedo começa por
perguntar-se qual é a autoridade suprema da Igreja, e responde dizendo que é o Colégio dos Bispos unidos
ao papa como cabeça. O Concílio, reunião solene e extraordinária do Colégio episcopal com o papa,
estabelece-se, então, como a mais alta instância doutrinária eclesiástica.
O Papa Alexandre VIII condenou como herética a seguinte sentença:

“’Também nas questões de fé pertence a parte principal o Sumo Pontífice e seus decretos alcançam a todas
e cada uma das Igrejas, sem que seja, no entanto irreformável o seu juízo, a não ser que se lhe apresente o
consentimento da Igreja.44

A proposição que estabelece: ‘que foi dada por Deus à Igreja a potestade para ser comunicada aos pastores
que são seus ministros, para a salvação das almas’; entendida no sentido de que da comunidade dos fiéis se
deriva aos pastores a potestade do ministério e regime eclesiástico, é herética.”45

Além do que, a que estabelece ‘ que o Romano Pontífice é a cabeça ministerial’; explicada no sentido de que
o Romano Pontífice não recebe de Cristo na pessoa do bem-aventurado Pedro, mas sim da Igreja, a
potestade do ministério. Pela qual tem poder em toda a Igreja como sucessor de Pedro e vicário de Cristo e
cabeça de a igreja é herética.46

42 – Como quando Pio XII “perseguiu, marginalizou e amordaçou” o teólogo modernista De Lubac.
43 – Pascendi ,Dz 2093
44 – Contra o clero Galicano, Dz 1325.
45 – Const. Auctorem Fidei, condenando os erros de Pistóia. Dz 1502.
46 – Ibidem, Dz 1503

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O papa, no exercício de suas funções, exerce o Supremo Apostolado sem que lhe seja necessária a
comunhão com os bispos para a validade de suas ações:

“Em verdade, tendo Deus posto, como adverte Agostinho, na cátedra da unidade a doutrina da verdade,
esse escritor funesto, pelo contrário, não deixa pedra por mover para atacar e combater por todos os modos
esta Sede de Pedro... [O papa é] aquele a quem nenhum bispo pode igualar; de quem os bispos mesmos
recebem sua autoridade, d modo como ele mesmo recebeu de Deus sua suprema potestade... 47’’ “Contra os
hereges e cismáticos. Ensinamos, pois, e declaramos que, conforme o testemunho dos Evangelhos, o
primado de jurisdição sobre a Igreja universal de Deus foi prometida e conferido imediatamente e
diretamente ao bem-aventurado Pedro por Cristo Nosso Senhor.(...)”

A esta tão magnifica doutrina das Sagradas Escrituras, como foi sempre entendida pela Igreja Católica, se
opõem abertamente as torcidas sentenças dos que, deformando a forma de regime instituída por Cristo
Senhor para a sua Igreja, negam que só Pedro fosse provido por Cristo do primado de jurisdição verdadeiro e
próprio, sobre os outros Apóstolos, já considerados separadamente, já reunidos todos em Colégio.
Igualmente se opõem os que afirmam que este primado não foi outorgado imediata e diretamente ao
mesmo bem-aventurado Pedro, mas sim à Igreja, e por meio dela a ele, como ministro da mesma Igreja.”

(Canon)”Se alguém disser que o bem-aventurado Pedro Apóstolo não foi constituído por Cristo Senhor, príncipe de
todos os Apóstolos e cabeça visível da Igreja militante, o que recebeu direta e imediatamente do mesmo Senhor Nosso
48
Jesus Cristo somente primado de honra, mas não verdadeira e própria jurisdição, seja anátema.”

Essa doutrina sobre a autoridade papal está explicada em várias partes do Magistério infalível. Leão XIII a
desenvolveu na sua encíclica Satis Cognitum, e Pio XII na sua encíclica Mystici Corporis. Por outro lado, os
mesmos Concílios têm sua própria autoridade da aprovação que recebem do Papa, e sem ela não têm
nenhum valor de magistério, mesmo que reunisse todos os bispos do mundo. 49

“Além do que se contêm nos Decretais de Gelásio, aqui depois do Concílio de Éfeso, acrescente-se também o primeiro
de Constantinopla; e logo acrescente-se: E se alguns outros concílios foram até agora celebrados pelos Santos Padres,
50
decretamos que sejam guardados e recebidos depois da autoridade destes quatro.”

Foi condenada pelo V Concílio de Latrão a seguinte sentença:

“Se o Papa com grande parte da Igreja sentisse deste ou de outro modo, e mesmo que não errasse; no entanto não
seria pecado ou heresia sentir o contrário, especialmente em matéria não necessária para a salvação, até que por um
Concílio universal fosse aprovada uma coisa ou reprovada outra.” Além do Colegialismo, o Pe. Azevedo afirma que,
para que um documento eclesiástico seja realmente um ato do Magistério é necessário que a Igreja – entendendo o
termo como conjunto dos fiéis – receba e assimile este ensinamento. Só então pode ser considerado verdadeiro
Magistério.

Contra isso a doutrina católica afirma a clara divisão da Igreja docente e da Igreja discente:

“Entre os membros que compõem a Igreja há distinção muito importante, porque há uns que mandam, outros que
obedecem, uns que ensinam, outros que são ensinados. A parte da Igreja que ensina chama-se ‘docente’ ou ‘ensinante’.
A parte da Igreja que é ensinada chama-se ‘discente’. Esta distinção na Igreja estabeleceu-a o próprio Jesus Cristo. A
Igreja docente e a Igreja discente são duas partes distintas de uma só e mesma Igreja, como no corpo humano a cabeça
é distinta de outros membros e, não obstante, forma com eles um corpo só.”

47 – Super Soliditate, Da potestade do Romano Pontífice [contra Fêbronio] do Papa Pio VI.
48 – Conc. Vaticano I, Dz 1822,1823
49 – Cfr. Carta do Papa São Gelásio I, em que decreta sobre a autoridade dos Concílios e Padres, Dz 163.
50-Cânon sobre o Primado, os Concílios e os apócrifos, de São Felix III[526-530], Dz.173

Fonte: Revista Permanência Edição 273 31


“A Igreja docente compõe-se de todos os Bispos (quer se encontrem dispersos, quer se encontrem reunidos
em Concílio), unidos à sua cabeça, o Romano Pontífice. A Igreja discente é composta de todos os fiéis. Os
que têm, na Igreja o poder de ensinar são o Papa e os Bispos e, sob a dependência destes os outros ministros
sagrados... O poder que têm os membros da hierarquia eclesiástica não vem do povo, e seria heresia dizê-lo;
vem unicamente de Deus.”

“O exercício destes poderes compete unicamente ao corpo hierárquico, isto é, ao Papa e aos Bispos a ele
subordinados.”51

TEOLOGIA DAS FONTES: LIVRE INTERPRETAÇÃO DAS REGRAS REMOTAS DA FÉ

O Pe. Azevedo propõe como modelo de teologia a dos teólogos do movimento chamado Nouvelle
Theologie, que tem como característica um acesso direto (sem intervenção do Magistério) às Sagradas
Escrituras, aos Santos Padres e a Liturgia, e que, a partir dessas “fontes” deve desenvolver o seu esforço de
conciliação das aparentes contradições da Fé.
Essa nova visão da teologia é uma conclusão necessária da inversão de papéis no exercício do
Magistério. Para a teologia católica o Magistério autêntico52 é a regra próxima da Fé, que nos dá o sentido
católico das regras remotas da Fé, a Sagrada Escritura e a Tradição. Para a nova teologia, o princípio de
ortodoxia passa a ser a união do “teólogo”, pelo diálogo com o que eles chamam de “Comunhão
eclesiástica”. Esta seria, de agora por diante, a que conserva o Depósito Revelado, que já não é mais uma
doutrina, mas sim “experiência, vida, presença”.

“Além disso, para reprimir os espíritos petulantes, (o sacrossanto Concílio de Trento) decreta que ninguém,
apoiado em sua prudência, tenha a ousadia de interpretar a Escritura Sagrada, em matérias de fé e costumes, que
pertencem à edificação da doutrina cristã, retorcendo a mesma Sagrada Escritura conforme o próprio sentido, contra
aquele sentido que sustentou e sustenta a santa madre Igreja, a quem corresponde julgar sobre o verdadeiro sentido e
53
interpretação das Escrituras Santas...

DISTINÇÃO ENTRE “JESUS HISTÓRICO” E “JESUS DA FÉ”

Apesar desta tese não ser um dos fundamentos da tese central da conferência, merece nossa
atenção pelo fato de sido afirmada de modo claro e categórico, mesmo que em passant.54 O Pe. Azevedo
explica que as palavras que aparecem escritas no Evangelho como tendo sido proferidas pro Nosso Senhor
não o foram de fato, mas são considerações, meditações, elaborações feitas a posteriori pelos Apóstolos.
Esta doutrina foi condenada pela Igreja várias vezes de modo solene. S. Pio X em sua encíclica
Pascendi, diz:

“Alguns modernistas que se dedicam a escrever a história parecem demonstrar cuidado extremo para que não os
considerem filósofos, mas pelo contrário proclamam ser ignorantes de toda filosofia. Astúcia suma, para que ninguém
pense que estão imbuídos de preconceitos filosóficos e que não são, portanto, como dizem, absolutamente objetivos. A
55
verdade é que, pelo contrário, a sua história ou sua crítica respira pura filosofia ... Portanto Deus, o mesmo que
qualquer intervenção divina no humano, devem relegar-se à fé, como uma coisa que só a ela pertence. Portanto, se se
apresenta algo que consta de um duplo elemento, divino e humano, como são Cristo e a Igreja, os sacramentos e
muitas outras coisas semelhantes, é preciso parti-lo e dividi-lo de modo que o humano seja dado à história e o divino à
fé. Daí a distinção corrente entre os modernistas do Cristo histórico e o Cristo da fé, a Igreja da história e a Igreja da fé,
56
os sacramentos da história e os sacramentos da fé, e outras coisas semelhantes a cada passo .

51 – Catecismo Maior de São Pio X, Editado por Dom Antônio de Castro Mayer, bispo de Campos, em 1976, pg 43 ss. Este Catecismo é um resumo
feito por São Pio X do Catecismo Romano do Concílio de Trento. Foi reeditado recentemente pela Editora Permanência.
52-Chama-se “autêntico” o Magistério exercido pela Autoridade hierárquica da Igreja.
53-Dz 786
54- Aula I, Cap. 3 A Igreja nasceu católica, pg.9.
55- Recomendamos a leitura de todo este capítulo da Pascendi onde o Papa explica os três grandes princípios desse racionalismo modernista.
56 – Pascendi de São Pio X, DZ.2096.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 32


Também o Decreto Lamentabili, de 3 de julho de 1907 condena, entre outros, os seguintes erros:

“14. Em muitas narrações, os evangelistas não tanto referiram o que é verdade, mas o que eles creram fosse mais
proveitoso para os leitores, mesmo que fosse falso.
15. Os evangelhos foram aumentados com adições e correções contínuas até chegar a um cânon definitivo e
constituído; nos quais, portanto, não ficou senão um tênue e incerto vestígio da doutrina de Cristo.” 16. As narrações
de João não são propriamente história, mas sim uma contemplação mística do Evangelho, os discursos (de Cristo)
57
contidos no seu Evangelho são meditações teológicas sobre o mistério da salvação, destituídas de verdade histórica.”

A Sagrada Comissão Bíblica, cujos decretos têm autoridade de Magistério, conferida pelo Papa São
Pio X, respondeu no dia 29 de maio de 1907 a várias dúvidas, entre ela:
“Dúvida III: Se apesar da prática que esteve constantissimamente em vigor desde os primeiros tempos da Igreja
universal de argumentar pelo quarto Evangelho como por documento propriamente histórico; considerando, no
entanto, a índole peculiar do mesmo Evangelho e a intenção manifesta do autor de ilustrar e defender a divindade de
Cristo pelos mesmos fatos e discursos do Senhor, pode dizer-se que os fatos narrados no quarto Evangelho estão
totalmente ou parcialmente inventados com o fim de que sejam alegorias ou símbolos doutrinais, e os discursos do
Senhor não são própria e verdadeiramente discursos do Senhor mesmo, mas sim composições teológicas do escritor,
mesmo que postas na boca do Senhor.
58
Resposta – Negativamente.”

Diz a Pascendi:
“Assim também, dizem eles (os apologistas modernistas), há nos Livros Sagrados muitíssimas coisas viciadas de erro em
matéria histórica e científica... Além do que – acrescentam – como os Livros Sagrados são por sua natureza religiosos,
vivem necessariamente da vida; agora bem, a vida tem também sua verdade e sua lógica, distinta certamente da
verdade e da lógica racional e até de uma ordem totalmente distinta, ou seja, a verdade da adaptação e proporção, já
seja ao meio, como eles dizem, em que se vive, já seja ao fim para o qual se vive. Em fim, chega, ao extremo de afirmar
sem atenuante algum, que o que se desenvolve por meio da vida é tudo verdadeiro e legítimo. Nós, Veneráveis Irmãos,
para quem a verdade é uma e única e que os Livros Sagrados julgamos que, escritos por inspiração do Espírito Santo,
têm a Deus por autor; afirmamos que isso equivale a atribuir a Deus mesmo uma mentira oficiosa ou de utilidade, e
com palavras de Agostinho dizemos: ’Uma vez admitida em cimo tão alo de autoridade uma mentira oficiosa, não ficará
nem se quer a menor parte daqueles livros que, se alguém lhe parece ou difícil para os costumes ou incríveis para a fé,
não se refira por essa mesma perniciosíssima regra, ao propósito e condescendência do autor que mente’. De onde
resultará o que acrescenta o mesmo santo doutor: ’Nelas (ou seja, nas Sagradas Escrituras) cada um crerá o que quiser
59
e não crerá no que não quiser’.” .

NOÇÃO DE TRADIÇAO VIVA (VITALISMO)

Ao contrário do ponto anterior sobre a autenticidade das palavras de Nosso Senhor que, apesar de
não ser elemento essencial no raciocínio da conferência, aparece de modo explícito, esta tese não aparece
afirmada de modo explícito, mas está no centro de toda a lógica da conferência. Vemos, portanto,
referências a ela constantemente.
Para os modernistas – explica a encíclica Pascendi - a Revelação não é propriamente uma doutrina
clara e explícita, mas sim uma presença de Deus. O homem que tem de pode experimentar essa presença de
um modo vital. Só posteriormente poderá tentar elaborar uma doutrina que dê alguma razão – sempre
palidamente – dessa experiência vital, que é necessariamente subjetiva. Mas para não cair o subjetivismo
protestante, os modernistas acrescentaram que essas experiências pessoais se unificam na Igreja por meio
do culto, e que a hierarquia deve procurar fórmulas que possam abranger essas experiências vitais. A isso
eles chamam dogma. Assim parecem conciliar um subjetivismo moderado com aparência de obediência aos
dogmas da Igreja. Mas no fundo, se prestarmos atenção, são dogmas que devem prestar obediência a essa
curiosa “vida” da Igreja. A Tradição, para eles é a transmissão e conservação dessa vida.
57 – Dz. 2015 e ss.
58 – Dz. 2112.
59 - Pascendi de São Pio X, DZ. 2103.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 33


“Porque entre os pontos principais da sua doutrina têm eles um que deduzem do princípio da imanência vital e é que as
fórmulas religiosas para que sejam realmente religiosas e não puras elucubrações do entendimento, têm que ser vitais
e viver a vida mesma do sentimento religioso... no sentido de que o sentimento religioso, mesmo impondo-lhe alguma
modificação, se é preciso, as assimile vitalmente. Ou seja, é necessário, para expressá-lo de outro modo, que a fórmula
primitiva seja aceita pelo coração e este a sancione;”

TOMISMO OPCIONAL E LIBERDADE DE OPINIÃO TEOLÓGICA

O Pe. Azevedo identifica a posição tradicionalista que ele chamou “da Cúria Romana” com o
tomismo, ou “neo-tomismo”, ou ainda “tomismo leonino”, como disse. Segundo ele, essa opção teológica
surgiu como efeito da encíclica Aeterni Patris de Leão XIII, mas muito deformada devido ao apego exagerado
à letra de Santo Tomás, e termina por dizer que esta estreiteza não pode sequer ser chamada de teologia60.
Propõe. portanto, uma posição intermédia: “nem um retorno a Santo Tomás nem um avanço na
direção de autores modernos como Kant e Heidegger, mas um retorno às fontes”.61
Essa posição supõe necessariamente todos os erros anteriores e fundamenta-se em uma noção não
católica do que é a teologia, a Revelação e o Magistério. Aqui nos limitaremos a apresentar a lista das
referências dos papas durante sete séculos falando de Santo Tomás de Aquino e do seu papel na teologia
católica. O Pe. Azevedo parece afirmar três coisas: a) que o tomismo é algo tardio na história da Igreja,
lamentável consequência da encíclica de Leão XIII; b) que de fato Santo Tomás não chegou a formar corpo
de doutrina (“Santo Tomás não era tomista”);e c) que não há nenhuma obrigação em seguir seus
ensinamentos (que parecem ultrapassados), e que não é católico dedicar-se conhecer com exatidão esses
ensinamentos. Como veremos, a Santa Igreja tem um pensamento muito diferente do nosso conferencista.62
Alexandre IV, estando Santo Tomás vivo lhe chama de “varão ilustre pela honestidade dos costumes,
que conseguiu, por graça de Deus o tesouro da ciência e das letras.”63
João XXII disse aos cardeais na preparação para a canonização de Santo Tomás que “ele iluminou a
Igreja mais que todos os outros Doutores, e se aprende mais nos seus livros num ano do que durante toda a
vida nos livros dos demais.” Nas vésperas da canonização fez uma alocução diante de toda a Cúria Romana
dizendo que na Suma teológica “cada artigo é um milagre.”
Canonizou a Santo Tomás em 18 de julho de 1323, fazendo extremado elogio das suas virtudes e de
sua “doutrina segura (...) que ele submeteu, como dissemos, toda a sua doutrina, oral e escrita, à regra da fé
da própria Igreja, propalada pela boca de Pedro, cuja estabilidade sabia que nunca se abalaria com os ventos
das agitações humanas.”;
Clemente VI, por sua vez, não se cansou de recomendar o estudo de Santo Tomás. E mandou ao
Capítulo Geral dos dominicanos , em 1346, que a Ordem impusesse a obrigação estrita a todos os seus
religiosos de seguir a doutrina de Santo Tomás.
O Beato Urbano V, que ordenou a transladação do corpo do santo Doutor de Fossanova para
Toulouse, chama-o de “Doutor Egrégio” e diz à Universidade de Toulouse: “Queremos que se funde na
doutrina sólida e consistente daquele santo(...). Queremos também, e pela presente vos mandamos que se
sigais a doutrina do referido bem-aventurado Santo Tomás como verdadeira e católica, e que esforceis em
aplica-la com todas as vossas forças.”
Os Papas Nicolau V, Alexandre VI e Pio IV fazem gradíssimos elogios à doutrina do Doutor Angélico
que por falta de espaço não incluímos aqui.
60 – Diz o Pe, Azevedo, pg 34. “Os tomistas leoninos não liam mais as Sagradas Escrituras, apenas Santo Tomás, como se fosse o alfa e o ômega da
teologia. Chegou-se a um ponto em que a única discussão presente nas faculdades de teologia era a respeito das diferentes correntes exegéticas de
Santo Tomás, o que não é teologia plenamente católica. Não tenho nada contra Santo Tomás, pois graças a Deus, Santo Tomás não era tomista.”
61 – Op. Cit. Pg.32
62 – Permita-me o leitor citar aqui as palavras de Santo Alberto Magno sobre o seu discípulo predileto. “A flor e a honra do mundo (...), o homem
mais sábio desde o seu tempo até o fim do mundo, sem temor a ser superado por ninguém, cujos escritos brilham sobe todos os outros pela sua
pureza e sua verdade.” E falando dos teólogos da Universidade de Paris e de Oxford, que atacavam a Santo Tomás por sua adesão a Aristóteles, dizia
também Santo Alberto Magno: “Blasfemam como brutos animais das coisas que ignoram”. Citado por Fr. Ramirez OP, na introdução da Suma
Teológica, em espanhol da editora BAC. Recomendamos vivamente a leitura de todo este capítulo sobre a autoridade do Doutor Angélico. Ali ele faz
uma longa lista de comentários de santos e homens eminentes sobre Santo Tomás, antes de entrar nos comentários dos papas. Na lista que
apresentamos resumimos o que o dominicano espanhol traz na sua Introdução.
63 – Citado pelo R.P. Santiago Ramirez, OP, na Introdução geral da Suma Teológica publicada pela BAC.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 34


São Pio V, no dia 11 de abril de 1567, declara solenemente Santo Tomás, pela bula Mirabilis Deus,
Doutor da Igreja Universal, equiparando-o aos quatro grandes doutores da Igreja latina: Santo Ambrósio, São
Jerônimo, Santo Agostinho e São Gregório Magno. O Papa o chama de “luz claríssima da Igreja”, e diz que
sua doutrina é ”regra certíssima da doutrina cristã, com que iluminou a Igreja apostólica, refutando uma
infinidade de erros”. São Pio V foi quem mandou fazer a primeira edição de todas as suas obras reunidas,
que por essa razão chamou-se “edição piana”.
O Concílio de Trento colocou sobre o altar que presidia a assembleia dos Padres conciliares a
Sagrada Escritura e a Suma Teológica de Santo Tomás, dizendo: “A Igreja mesma fez sua a doutrina teológica
dele (S. Tomás) por ser a mais certa e segura de todas.”
Recomendamos os textos elogiosos da doutrina tomista dos Papas Sixto V, Clemente VIII e Paulo V,
que por falta de espaço não concluímos aqui.
Alexandre VII, entre as várias exortações a todo o clero para que seguissem a doutrina de Santo
Tomás, mandou aos carmelitas da província de Castela seguirem o tomismo “por ser doutrina tão alta e
constantemente recomendada pelos Soberanos Pontífices.”
Bento XIV, ao aprovar os estatutos do Colégio Teológico de São Dionísio de Granada, na Espanha,
impõe a obrigação de não ensinar outra doutrina, senão a de Santo Tomás, sob pena de excomunhão
reservada à Santa Sé, e cita no mesmo documento, em extenso, os louvores feitos ao santo por Clemente
VIII e Bento XIII, e acrescenta por sua parte:

“Por isso, já que as obras de tão grande doutor, mais brilhantes que o sol, escritas sem nenhum erro, com as quais
esclareceu a Igreja de Cristo com admirável erudição, podem recorrer-se com pé firme, Nós, que sempre seguimos com
particular piedade e veneração Doutor Angélico, ao exemplo dos nossos predecessores os romanos Pontífices, que
tiveram em grande honra a sua doutrina e lhe cumularam de merecidos louvores, unindo nossas palavras a esses
louvores aprovamos e confirmamos estes estatutos.”

Pio IX também teceu elogios a Santo Tomás:


“Em verdade ele, dotado de um gênio sobre-humano para as coisas sublimes e iluminando com a luz divina para
entender as Sagradas Escrituras extraiu o que tinham discutido os antigos filósofos e ensinado os Santos Padres, e
elaborou um corpo de doutrina universal, onde a teologia, levada a cabo com método científico, rica e amplamente
explicada e aumentada com novas demonstrações, ocuparia o primeiro lugar; a filosofia, purificada de erros, do mesmo
modo que as outras ciências lhe serviriam com obsequiosa espontaneidade; de onde resultaria que uma refulgente luz
de verdade unificada não só penetraria e promoveria cada coisa, mas também dissiparia todas as trevas dos erros
passados e futuros e facilitaria armas eficacíssimas para destruí-los.”

As intervenções de Leão XIII por si só já bastam para formar enorme bulário tomista de considerável
proporção. Sua mais célebre encíclica sobre o Aquinatense é, sem dúvida, Aeterni Patris, publicada no dia 4
de agosto de 1879, convencido de que “nas doutrinas de Santo Tomás há um valor extraordinário e uma
força singular para libertar o nosso tempo dos graves males que padece.”
No ano seguinte, declara solenemente o Santo Doutor Padroeiro de todos os estudos católicos em
todos os seus níveis:
“Nós, para glória de Deus onipotente e honra do Doutor Angélico, para aumento das ciências e comum
utilidade de toda a sociedade humana, declaramos com nossa suprema autoridade o Doutor Angélico Padroeiro de
todas as Universidades, Estúdios, Academias, Liceus Escolas católicas, e queremos que como tal seja tido por todos,
venerado e seguido.”
O Papa Leão XIII, ainda, manda e subvenciona uma nova dição crítica de todas as suas obras, que se
chamará, portanto, leonina, dizendo que “nada há mais conveniente para rebater as perversas teorias de
nosso tempo e nada mais eficaz para conservar a verdade.”
São Pio X faz seus todos os louvores, recomendações e ordenanças sobre a doutrina tomista que
fizeram seus predecessores, especialmente Leão XIII, completando-as e mandando observá-las
religiosamente, o que significa que comete falta moral que não as cumpre. Ele diz: “Julgamos que é
totalmente necessário que o que o nosso ilustre predecessor prescreveu sobre o cultivo da filosofia e
doutrina tomista seja religiosamente observado.”

Fonte: Revista Permanência Edição 273 35


E acrescenta: “Então se esqueçam nunca desta observação: abandonar a Santo Tomás,
especialmente em questões de metafísica é um gravíssimo perigo (...). Uma triste experiência ensina,
especialmente nos dias, que os que se separam de Santo Tomás acabando finalmente por apostatar da Igreja
de Cristo”.
São Pio X pública o seu Motu Próprio Doctoris Angelicis, no dia 29 de junho de 1914. Suas afirmações
e exigências são explícitas:

“Assim, pois, como não falaram os que creram que, como Nós dissemos [que Santo Tomás deve ser seguido]
‘principalmente’ e não ‘unicamente’ obedeciam ou, pelo menos não se opunham a nossa vontade seguindo a qualquer
autor eclesiástico, mesmo que os seus ensinamentos estivessem em pugna com os princípios de Santo Tomás. Mas
estes tais se enganaram completamente (...)” (O Papa explica que a Igreja exige o estudo de Santo Tomás tanto
em filosofia como em teologia).

“Portanto, os princípios básicos da filosofia de Santo Tomás não devem ser considerados como meramente opnáveis ou
discutíveis, mas como fundamentos do humano e do divino; Além do que, uma vez abandonados ou alterados de
qualquer modo esses princípios, acabarão finalmente os jovens estudantes eclesiásticos por não entender nem sequer
a terminologia usada na Igreja na proposição dos dogmas de nossa Fé. (...)”.

Além do que, se Nós ou alguns de nossos Predecessores, aprovamos e louvamos a doutrina de outro santo autor,
mesmo que esses louvores fossem acompanhados de recomendações e até de mandatos de divulga-la e defende-la, tal
doutrina deve entender-se aprovada e recomendada na medida em que esteja de acordo com os princípios do Angélico
o pelo menos, enquanto não se lhe oponha de nenhum modo (...).”

“Mas especialmente devem cumpri-la [a exigência de estudar e ensinar a doutrina de Santo Tomás] os professores de
filosofia e teologia, que devem ter bem presente que lhes foi concedida a faculdade de ensinar, não para que
exponham aos seus discípulos suas opiniões particulares, mas para que ensinem a doutrina aprovada pela Igreja, como
é a de Santo Tomás, o qual, depois do seu glorioso trânsito assistiu com ela a todos os Concílios Ecumênicos.”

Bento XV resumiu todas as exigências dos seus Predecessores, incluindo a seguinte lei no Código de
Direito Canônico: “Os professores devem expor a filosofia racional e a teologia e formar os seus alunos
nessas disciplinas, atendo-se por completo ao método, ao sistema e aos princípios do Doutor Angélico e
seguindo-os com toda a fidelidade.”64

Pio XI publicou a sua encíclica sobre SantoTomás Studiorum Ducem, no dia 9 de junho de 1923, onde
renova todas as recomendações e as exigências dos Papas nos seis séculos desde a sua canonização.
Pio XII tem também inúmeros documentos sobre o Doutor Angélico.
Fica, pois, patente, que erra o Pe. Azevedo quando pretende que o tomismo seja uma opção de
tradicionalistas a partir de Leão XIII.

64 – Can. 1366

Fonte: Revista Permanência Edição 273 36


IIIª PARTE – O QUE PENSAR, ENTÃO, DO VATICANO II?

Até agora seguimos os confusos passos do nosso conferencista, e vimos como se afasta gravemente
do pensamento da Igreja. A sua tentativa de “interpretação” do Vaticano II, curiosamente, parece mais uma
longa exortação do que uma verdadeira (e imparcial) análise. Não entrou no campo doutrinário, não desceu
até os textos (apesar das repetidas advertências do autor de que esta é a única atitude correta), mas
simplesmente quis nos fazer crer que o Vaticano II é o resultado é de uma deplorável pugna de forças
políticas, e que nós devemos optar pela “moderada”, sem saber muito bem o que significa isso
doutrinariamente.
No dia 25 de janeiro de 1983, o Papa João Paulo II, publicou a Constituição Apostólica promulgando
o Novo Código de Direito Canônico, na qual explica aos católicos perplexos de todo o mundo que “este Novo
Código pode ser entendido como um grande esforço para traduzir em linguagem canônica a doutrina
eclesiológica conciliar”. E o Papa explica que essa doutrina é profundamente nova e esta em ruptura com a
Tradição da Igreja. Ele enumera cinco principais elementos que serviam como as colunas do novo
pensamento. São eles: a Igreja como Povo de Deus, a autoridade eclesiástica como serviço, a Igreja como
comunhão, os membros do Povo de Deus participando cada qual com seu modo do triplo poder de Cristo:
sacerdotal, profético e real e a obra do ecumenismo.
Pouco tempo depois, a Comissão mista católico-luterana publicou um documento em que apresenta
sete pontos importantes “entre as ideias do Concílio, onde podemos ver uma aceitação das exigências de
Lutero65”. E o Papa, nessa mesma ocasião dos festejos promovidos pelas autoridades romanas ao 5º
centenário de Lutero, fez um discurso exaltando “a profunda religiosidade de Lutero”.
Diante destes fatos gravíssimos, Dom Marcel Lefebvre e Dom Antônio de Castro Mayer enviaram ao
Papa uma carta aberta denunciando os graves erros o Vaticano II e as reformas que lhes seguiram. Anexada
à carta foi enviada também uma breve síntese desses erros.
Propomos ao leitor, cansado de desatinos, esse texto como resumo e análise dos documentos
conciliares.

Carta de Dom Lefebvre e Dom Antônio dia 21/11/1983.

65 – Documentantion Catolique 1855 [3 de julho de 1983]

Fonte: Revista Permanência Edição 273 37


ANEXO – BREVE SÍNTESE DOS PRINCIPAIS ERROS DA ECLESIOLOGIA CONCÍLIAR

1 CONCEITO “LATITUDINARISTA” E ECUMÊNICO DA IGREJA

O conceito de Igreja como “povo de Deus” encontrasse atualmente em numerosos documentos


oficiais: os atos do Concílio Unitatis Redintegratio, “Lumen Gentium”, - o novo Código de Direito Canônico
(c.204, §1) a carta do Papa João Paulo II Catechesi Tradendae e a alocução na Igreja anglicana de Cantuária, -
o Diretório ecumênico: Ad totam Ecclesiam do Secretariado para a Unidade dos Cristãos.
Este conceito transpira um sentido latitudinarista e um falso ecumenismo.
E os fatos manifestam de odo evidente este conceito heterodoxo: as autorizações para a construção
de salas destinadas ao pluralismo religioso, a edição de bíblias ecumênicas que não são mais conformes à
exegese católica e as cerimônias ecumênicas como as de Cantuária.
Na Unitatis Redintegratio ensina-se que a divisão dos cristãos “é para o mundo um objeto de
escândalo e dificulta a pregação do Evangelho a toda a criatura... que o Espírito Santo não se recusa a servir-
se de outras religiões como meio de salvação”. Este mesmo erro é repetido no documento Catechesi
Tradendae de João Paulo II. É no mesmo espírito e com afirmações contrárias à Fé tradicional, que João
Paulo II declarou na Catedral de Cantuária, em 25 de maio de 1982, “Que a promessa de Cristo nos inspira a
confiança de que o Espírito Santo sanará as divisões introduzidas na Igreja, desde os primeiros tempos, após
Pentecostes”, como se a unidade do Credo jamais estivesse existido na Igreja.
O conceito de “povo de Deus” insinua que o protestantismo não é outra coisa senão uma forma
particular da mesma religião cristã.
O Concílio Vaticano II ensina “uma verdadeira união no Espírito Santo” com as seitas heréticas
(Lumen Gentium,13), “certa comunhão embora imperfeita, com elas” (Unitatis Redintegratio,03).
Esta unidade ecumênica contradiz a Encíclica Satis Cognitum de Leão XIII, que ensina que “Jesus não
fundou uma Igreja que abarca várias comunidades que se assemelham genericamente, mas que são distintas
e que não estão vinculadas por um liame que forma uma Igreja individual e única”. Igualmente, esta unidade
ecumênica contraria a Encíclica Humani Generis de Pio XII, que condena a ideia de reduzir á uma fórmula
qualquer a necessidade de pertencer à Igreja Católica; em contrário outrossim, a Encíclica Mystici Corporis
do mesmo Papa que condena a concepção de uma Igreja “pneumática” que se seria um laço invisível das
comunidades separadas na Fé.
Este ecumenismo é igualmente contrário aos ensinamentos de Pio XI na Encíclica Mortalium Animos:
“Sobre este ponto é oportuno expor e recusar uma opinião falsa que está na raiz deste problema e deste
movimento complexo por meio do qual os não católicos se esforçam por realizar uma união das Igrejas
cristãs. Os que aderem a esta opinião citam constantemente estas palavras de Cristo: ‘Que eles sejam um...
e que não exista senão um só rebanho e um só pastor’ (Jo17,21 e 10,16) e pretendem que, por estas
palavras Jesus exprime um desejo ou uma oração que jamais foi realizada. Eles pretendem com efeito, que a
unidade de Fé, de governo, que é uma das notas da verdadeira Igreja de Cristo, praticamente até hoje jamais
existiu e hoje ainda não existe”.
Este ecumenismo condenado pela Moral e pelo Direito Católicos chega a permitir a recepção dos
Sacramentos da Penitência, da Eucaristia e da Extrema-unção de “ministros não católicos” (C.844 do novo
Código) e favorece a “hospitalidade ecumênica” autorizando os ministros católicos a dar o sacramento da
Eucaristia a não católicos.
Todas estas coisas são abertamente contrárias à Revelação divina que prescreva a “separação” e
recusa a união “entre a luz e as trevas, entre o fiel e o infiel, entre o templo de Deus e o dos ídolos” (2Cor,
6,14-18).

Fonte: Revista Permanência Edição 273 38


2 GOVERNO COLEGIAL-DEMOCRATICO DA IGREJA

Depois de terem abalado a unidade da Fé, os modernistas de hoje empenham-se por sacudir a
unidade de governo e a estrutura hierárquica da Igreja. A doutrina, já sugerida pelo documento Lumen
Gentium do Concílio Vaticano II, será retomada explicitamente pelo novo Direito Canônico (C.336), doutrina
segundo a qual o colégio dos bispos juntamente com o papa goza igualmente do poder supremo na Igreja, e
isto de uma maneira habitual e constante.
Esta doutrina do duplo poder supremo é contrária ao ensinamento e à pratica do Magistério da
Igreja, especialmente no Concílio Vaticano I (DS3055) e na Encíclica de Leão XIII Satis Cognitum. Somente o
papa tem este poder supremo que ele comunica, na medida em que ele o julgar oportuno e em
circunstâncias extraordinárias.
A este grave erro está ligada a orientação democrática da Igreja, com os poderes inerentes no “povo
de Deus”, como se define no novo Direito. Este erro jansenista foi condenado pela Bula Auctorem Fidei de
Pio VI (DS2592).
Esta tendência em fazer com que a “base” participe do exercício do poder encontra-se na instituição
dos Sínodos e Conferências Episcopais, nos Conselhos Presbiterais, pastorais na multiplicação de Comissões
Romanas, e de Comissões Nacionais, o que também é feito no interior das Congregações religiosas (ver a
propósito Concílio Vaticano I, DS3061 – Novo Código de Direito Canônico, C.447).
A degradação da autoridade na Igreja é a fonte da anarquia e da desordem que se nota n’Ela hoje
por toda parte.

3 OS FALSOS DIREITOS NATURAIS DO HOMEM

A declaração Dignitatis Humanae do Concílio Vaticano II afirma a existência de um falso direito


natural do homem em matéria religiosa, que se opõe aos ensinamentos pontifícios, que negam formalmente
semelhante blasfêmia.
Assim Pio IX na sua Encíclica Quanta cura e o Syllabus, Leão XIII nas suas Encíclicas Libertas
Praestantissimum e Immortale Dei, Pio XII na sua alocução: Ciriesce aos juristas católicos italianos, negam
que a razão e a Revelação fundamentem semelhante direito.
O Vaticano II crê e professa, de modo universal, que a “Verdade não pode impor-se senão pela força
da própria Verdade”, esquecendo-se de que a Verdade pode impor-se também, normal e racionalmente,
pela autoridade, pela autoridade de Deus revelante. O Concílio chega ao absurdo de afirmar o direito e não
aderir e não seguir a verdade; chega ao absurdo de obrigar os governos civis a não mais fazer discriminações
por motivos religiosos, estabelecendo a igualdade jurídica entre as falsas religiões entre as falsas religiões e a
verdadeira Religião.
Tais doutrinas se fundamentam em uma falsa concepção da dignidade humana, proveniente das
pseudo-filosofias da Revolução Francesa, agnósticas e materialistas, que já foram condenados por São Pio X,
na Carta Apostólica Nostre Charge Apostolique.
O Vaticano II diz que da Liberdade Religiosa surgirá uma era de estabilidade para a Igreja. Gregório
XVI, ao contrário, afirma que é suma imprudência sustentar que da liberdade imoderada de opiniões
provenha algum benefício para a Igreja (DS.2731).
O Concílio, na Gaudium et Spes, exprime um principio falso, quando julga que a dignidade humana e
cristã procede do fato da Encarnação, que teria restaurado esta dignidade para todos os homens. Esse erro é
afirmado na Encíclica Redemptor Hominis de João Paulo II.
As consequências do reconhecimento por parte do Concílio desse falso direito do homem arruínam
os fundamentos do Reino Social de Nosso Senhor, abalam a sua autoridade e o poder da Igreja na sua
missão de fazer reinar Nosso Senhor nos espíritos e nos corações, empenhando-se no combate contra as
forças satânicas que subjugam as almas. O espírito missionário será acusado de proselitismo exagerado.
A neutralidade dos Estados em matéria de religião é injuriosa à Nosso Senhor e à sua Igreja, quando
se trata de Estado com maioria católica.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 39


4 PODER ABSOLUTO DO PAPA

Sem duvida, o poder do Papa na Igreja é um poder supremo, mas ele não pode ser absoluto e sem
limites, visto que está subordinado ao poder divino que se espreme na Tradição, na Sagrada Escritura e nas
definições já promulgadas pelo Magistério eclesiástico (DS.3116).
O poder do Papa é subordinado e limitado pelo fim que determinou a concessão desse poder. Esse
fim foi claramente definido pelo Papa Pio IX na Constituição Pastor Aeternus do Concílio Vaticano I (DS.3070).
Seria intolerável abuso de poder modificar a constituição da Igreja e pretender apelar para o direito humano
contra o direito divino, como na liberdade religiosa, como na hospitalidade autorizada pelo novo Direito,
como na afirmação de dois poderes supremos na Igreja.
É claro que nestes casos e em outros semelhantes, há uma dever para todo o clero e fiel católico de
resistir e recusar a obediência. A obediência cega é u contrassenso e ninguém está isento de
responsabilidade por ter obedecido aos homens antes que à Deus (DS.3115), e esta resistência deve ser
pública se o mal é público e é uma causa de escândalo para as almas (S.T. IIa-IIae, q.33, a. 4 ad2).
Aí estão os princípios elementares de moral, que regulamentam as relações dos súditos com todas
as autoridades legítimas.
E essa resistência, aliás, encontra uma confirmação o fato de que atualmente são punidos os que se
mantém firmemente vinculados à Tradição e à Fé católicas, ao passo que os que professam doutrinas
heterodoxas ou realizam verdadeiros sacrilégios não são inquietados de modo algum. É a lógica de abuso de
poder.

5 CONCEPÇÃO PROTESTANTE DA MISSA

A nova concepção da Igreja, como a definiu o Papa João Paulo II, na Constituição que antecede o
novo Código de Direito Canônico, pede uma mudança profunda no ato principal da Igreja no Sacrifício da
Missa. A definição da nova eclesiologia dá exatamente a definição da nova Missa, a saber, um serviço, uma
comunhão colegial e ecumênica. Não se pode definir melhor a nova Missa, que como a ova igreja conciliar
está em ruptura profunda com a Tradição e o Magistério da Igreja.
É uma concepção mais protestante do que católica que explica tudo quanto foi indebitamente
exaltado e tudo o quanto foi diminuído.
Em posição aos ensinamentos do Concílio de Trento na sua Sessão XXII e em oposição à Encíclica
Mediator Dei de Pio XII, exagerou-se o papel dos fiéis na participação na Santa Missa e diminuiu-se o papel
do sacerdote transformado em simples presidente. Exagerou-se o papel da Liturgia da Palavra e diminuiu-se
o Sacrifício propiciatório. Exaltou-se a ceia comunitária e foi ela laicizada, à custa do respeito e da Fé na
Presença Real mediante a transubstanciação.
Ao suprimir a língua sagrada, pluralizaram-se ao infinito os ritos, profanando-os por achegas mundanas ou
pagãs e difundiram-se traduções falsas com prejuízo da verdadeira Fé e da verdadeira piedade dos fiéis.
E não obstante, os Concílios de Florença e de Trento tinham pronunciado anátemas todas estas
mudanças e afirmado que nossa Missa no seu Cânon remonta aos tempos apostólicos.
Os Papas São Pio V e Clemente VIII insistiram sobre a necessidade d evitar as modificações e as
mudanças conservando perpetuamente este Rito Romano consagrado pela Tradição.
A dessacralização da Missa, sua laicização levam à laicização do Sacerdócio, à maneira protestante.
A reforma litúrgica de estilo protestante é um dos grandes erros da Igreja conciliar e dos mais
ruinosos para a Fé e a graça.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 40


6 A LIVRE DIFUSÃO DE ERROS E HERESIAS

A situação da Igreja, em atitude de busca, introduz na prática o livre exame protestante, resultado
da pluralidade de credos no interior da Igreja.
A supressão do Santo Ofício, do Índice, do juramento antimodernista provocou nos teólogos
modernos uma necessidade de novas teorias que desorientam os fiéis e os engajam para o carismatismo, o
pentecostalismo, as comunidades de base. É uma verdadeira revolução dirigida, em última análise, contra a
autoridade de Deus e da Igreja:

I. Os filósofos modernos antiescoláticos, existencialistas, anti-intelectualistas são ensinados nas


universidades católicas e Seminários maiores.
II. O Humanismo é favorecido por essa necessidade das autoridades eclesiásticas fazerem eco ao
mundo moderno, transformando o homem em fim de todas as coisas.
III. O naturalismo – a exaltação do homem e dos valores humanos faz esquecer os valores
sobrenaturais da Redenção e da graça.
IV. O modernismo evolucionista causa repúdio da Tradição, da Revelação, do Magistério de 20
séculos. Não há mais Verdade fixa, nem dogma.
V. O socialismo e o comunismo – A recusa do Concílio de condenar estes erros foi escandalosa e
levou a pensar que o Vaticano hoje seria favorável a um socialismo ou um comunismo mais ou
menos cristão. A atitude da Santa Sé durante estes 15 últimos anos confirma esse julgamento,
tanto deste como do outro lado da cortina de ferro.
VI. Enfim, os acordos com a maçonaria, o Conselho Ecumênico das Igreja e Moscou confirmam a
Igreja num estado de prisioneira e a tornam totalmente incapaz de cumprir livremente a sua
Missão. São verdadeiras traições que clamam vingança aos Céus, como igualmente os elogios ao
heresiarca mais escandaloso e mais nocivo à Igreja.
É tempo de a Igreja recuperar sua liberdade de realizar o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo e o
Reino de Maria sem se preocupar com seus inimigos.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 41


CONCLUSÃO – “CONSERVADOR”: POSIÇÃO INTERMÉDIA IMPOSSÍVEL ENTRE O
CATOLICISMO E A HERESIA
Chegamos finalmente à conclusão da conferência, cansado leitor, e será necessário tirar a nossa
conclusão.
Quando a missa nova foi apresentada pela primeira vez 66 a uma comissão de bispos e cardeais na
Capela Sistina, celebrada pelo mesmo Mons. Bugnini – seu principal autor – vários dentre os prelados se
retiraram em sinal de protesto. Estava entre eles, por exemplo, Dom Slipyi. Esta foi a primeira entre as
tantas reações católicas contra essa reforma litúrgica de caráter revolucionário. Mas a principal delas,
podemos dizer, foi o documento apresentado pelo então Prefeito da Doutrina da Fé, o Cardeal Ottaviani,
chamado Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae, que, exercendo sua função de proteger a Fé católica,
lançava um grito de alarme contra o perigo deste inquietante rito.
O cardeal resumiu o problema da missa nova assim: “O Novus Ordo Missae representa, tanto no seu
conjunto como nos seus detalhes, um surpreendente afastamento da teologia católica da Missa”. E no
parágrafo seguinte: “As razões pastorais apresentadas para justificar uma ruptura tão grave – ainda que tais
razões pudessem ser sustentadas em face de considerações doutrinárias – são insuficientes”.
Ora assim como o novo Código de Direito de Canônico é a expressão jurídica da nova doutrina sobre
a Igreja – como o afirmou João Paulo II – assim também a missa nova é a sua expressão litúrgica. Eis o
Vaticano II transformado em lei e liturgia.
Podemos, portanto, concluir com João Paulo II que o Concílio apresenta uma doutrina
completamente nova, que, como bem expressa o Cardeal Ottaviani, está em grave ruptura com a Fé católica.
Podemos para frasear, então, a sua analise da missa nova: O Vaticano II representa, tanto no seu conjunto
como nos seus detalhes, um surpreendente afastamento da doutrina católica.
Mas se essa grave ruptura nos é apresentada pela mesma hierarquia, se o mesmo Concílio se afirma
uma novidade, como é possível, então, que o Cardeal Ratzinger, e com ele o Pe. Azevedo, afirmem que o
Vaticano II é uma “Continuidade”?
A grande pergunta para conseguir a chave desse enigma é: O Vaticano II é continuidade de quê? O
Papa Paulo VI nos explicará.
De fato, em seu discurso da última sessão pública na aula Conciliar, no dia 07 de dezembro de 1965,
ele diz que, para entender o Concílio, é necessário entender a situação histórica em que está inserido, “pois,
embora o Concílio não tenha querido pronunciar-se em sentenças dogmáticas extraordinárias (...), a Igreja
baixou para dialogar com o homem (...), a Igreja falou ao homem de hoje, tais quais eles são.”
E como define o Papa “esse homem de hoje”? Esse ponto é muito importante, pois parece ser
essencial no pensamento do próprio Concílio. Observemo-lo atentamente:
“Para o (o Concílio) apreciarmos devidamente, é necessário recordar o tempo em que se elevou a cabo este
acontecimento: foi num tempo em que, como todos reconhecem, os homens estão voltados mais para a conquista da
terra do que para o reino de Deus; foi num tempo em que o esquecimento de Deus se torna habitual, como se os
progressos da ciência o aconselhassem; foi num tempo em que o ato fundamental da pessoa humana, mais consciente
de si e da sua liberdade, tende a exigir uma liberdade total, livre de todas as leis que transcendam a ordem natural das
coisas; foi num temo em que os princípios do laicismo aparecem como a consequência legítima do pensamento
moderno e são tidos quase como norma sapientíssima segundo a qual a sociedade humana deve ser ordenada; foi num
tempo em que a razão humana pretende exprimir o que é absurdo e tira toda a esperança; foi num tempo, finalmente,
em que as religiões étnicas estão sujeitas a perturbações e transformações jamais experimentadas. Foi neste tempo
que se celebrou o nosso Concílio”.
A esse homem em aberta rebelião contra Deus, que se põe a si mesmo como o centro de todos os
seus atos, e a sua liberdade como valor supremo, que o papa chama de “humanista moderno que nega a
transcendência das coisas supremas”.

66 – Essa primeira forma foi chamada de “Missa Normativa” e foi recusada pelo Sínodo. Mais tarde o Novus Ordo Missae, o Rito da Missa Nova, que
era substancialmente a mesma reforma que já tinha sido recusada, foi imposta por Paulo VI sem nenhuma consulta.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 42


O Vaticano II é, então, um discurso não doutrinário-dogmático que se dirige ao liberal clássico ateu.
E o que lhe quer dizer? Qual será o objeto desse esforço tão colossal para “baixar a dialogar” com a
Revolução?
É aqui onde nos surpreendemos sobremaneira, pois o Papa Paulo VI diz solenemente que o
“humanismo novo” do Concílio tem a mesma finalidade que o humanismo ateu. E foi especialmente isso que
o Concílio se propôs, ou seja, a explicar ao humanista ateu que o catolicismo liberal e eles realizam a mesma
obra: “a promoção da dignidade do homem”. Quase não acreditamos nas linhas que lemos: “E vós
humanistas modernos, que negais as verdades transcendentes, concedei-lhe ao Concílio ao menos este
mérito, reconhecei este nosso humanismo novo: nós também- e mais do que ninguém – somos cultores do
homem.”
Paulo VI está citando quase literalmente Jacques Maritain, que foi chamado pelos membros do
Concílio de “o Profeta”. Ele foi convidado, de fato, pelo papa, para fazer um discurso na aula conciliar a
todos os bispos e cardeais. Conforme a sua doutrina, o catolicismo medieval, por demais teocêntrico, caiu no
deplorável exagero de descuidar os valores humanos. Maritain chamará o catolicismo medieval de “deísmo
desumano”. E o “Profeta” continua explicando no seu famoso livro Humanismo Integral que o humanismo
ateu do Renascimento foi simples reação contra esses excessos obscurantistas. Mas, como infelizmente eles
também terminaram por cair num exagero de não “transcender às coisas eternas”, seu humanismo
terminou por incluir-se numa violenta luta contra Deus e sua Igreja nas revoluções. Lamentável, mas
compreensível, diz Maritain. Depois das duas grandes guerras, profetiza o literato, teria chegado o tempo de
encontrar posição intermediária, ponto de equilíbrio entre o catolicismo autêntico e o liberalismo
revolucionário: eis aqui o “humanismo novo” do Concílio. Os liberais entenderam claramente: “Nós lutamos
durante um século e meio para que nossas opiniões prevalecessem dentro da Igreja, e não tivemos sucesso.
Mas por fim veio o Vaticano II e nós triunfamos67”.
Dom Lefebvre comentando a citação diz:

“Mas, então, o que quiseram os católicos liberais durante um século e meio? O casamento da Igreja e da
revolução. O desposório da Igreja com a subversão. A união da Igreja com as forças destrutoras da sociedade, de
qualquer sociedade, da sociedade familiar e civil até a sociedade religiosa. E esta união está escrita no Concílio: tomem
o documento ‘Gaudium et Spes’ e o encontrareis ali: é necessário unir os princípios da Igreja com a Igreja com as
concepções do homem moderno. O que quer dizer isso? Quer dizer que a Igreja deve desposar, a Igreja Católica, a
Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, os princípios que lhe são contrários, que lhe atacam, que sempre estiveram contra
a Igreja. E é precisamente esta a união que foi promovida no Concílio pelos homens da Igreja. Mas não pela Igreja.
68
Porque Ela jamais admitiria uma coisa semelhante” .

Esta união com o pensamento liberal é reconhecida claramente por todos os que fizeram o Vaticano
II. Paulo VI di-lo explicitamente no discurso citado, mas simplesmente nega que isso seja uma deformação da
verdadeira Religião. “Tudo isto e tudo o mais que poderíamos ainda dizer a cerca do Concílio, terá por
ventura da Igreja em Concílio para a cultura atual que toda é antropocêntrica? Desviado, não; voltado, sim.”
O Concílio tem, então, que dirigir-se a dois campos opostos, que até então estavam travando uma luta de
morte: a Religião verdadeira de Nosso Senhor Jesus Cristo, e a religião do homem, que se chama Revolução.
Deus no início pôs inimizade perpétua entre a Descendência da Mulher e da Serpente. E Nosso Senhor com
toda a sua mansidão disse que não rezava pelo “mundo” nosso inimigo. Mas o bondoso Concílio quis que
esses inimigos fizessem as pazes.
“O humanismo laico e profano apareceu – diz o Papa do Concílio – finalmente, em toda sua terrível estatura, e
por assim dizer desafiou o Concílio para a luta. A religião, que é o culto de Deus que quis ser homem, e a religião –
porque o é – que é o culto do homem que quer ser Deus, encontraram-se. Que aconteceu? Combate, luta, anátema?
Tudo isto poderia ter se dado, mas de fato não se deu. (...) Com efeito, um imenso amor para com os homens penetrou
totalmente o Concílio. A descoberta e a consideração renovada das necessidades humanas – que são tanto mais
69
molestas quanto mais se levanta o filho desta terra – absorveram toda a atenção deste Concílio.”

67 – O Catolicismo Liberal,pelo senador Prélot, escrito em 1969. Citado por Dom Lefebvre, no seu famoso sermão de Lille, no dia 29 de agosto de
1976.
68 - O sermão de Lille.
69 - Papa Paulo VI, Discurso de encerramento do Concílio, 1965.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 43


Será necessário convencer os católicos de que não há apostasia em entregar-se aos princípios da
Revolução anticatólica; e será necessário de convencer os liberais clássicos de que, no fim das contas, temos
os mesmos princípios, as mesmas finalidades, e que eles não perdem nada em tolerar o catolicismo
desfigurado.
Para convencer os católicos, o Vaticano II usará linguagem difícil, confusa, ambígua, evitando sempre
choque direto com a doutrina católica. Usará muitas vezes as ideias centrais do catolicismo, mas tiradas do
seu sentido e contexto original, e compostas discretamente no sistema revolucionário. Assim os documentos
do Vaticano II parecem belos “shoppings” ao serviço do homem, mas construídos com as pedras de antigas
catedrais. E, se mesmo assim, os obstinados e obscurantistas medievais insistirem em permanecerem fieis
ao catolicismo, fieis à doutrina revelada por Deus e ensinada pelo Magistério da Igreja, se tiverem a audácia
de recusar a “grave ruptura” que nos é oferecida, então se usará com eles dos rigores da perseguição, como
a que sofreu Dom Marcel Lefebvre.
Para convencer os liberais ateus, o Vaticano II mostrou-lhes que não é necessário dar nenhum passo
fora da sua posição, não é necessário abdicar de nenhum de seus princípios; dirá aos humanistas modernos
que sua “conversão” não significa a submissão a Deus e à Igreja. O Vaticano II mostrou-lhes que todas as
suas reivindicações, exigências e rebeldia, são as mesmas aspirações da Igreja. O único que deve fazer que,
ao dar culto ao homem, estão honrando a Deus. E insiste que isso é muito útil para eles mesmos, pois desse
modo terão toda a estrutura da Igreja a serviço da religião do homem.
Voltemos à nossa pergunta inicial: O Vaticano II é continuidade de quê? Certamente não é
continuidade do catolicismo, do qual guarda somente a estrutura e as aparências (e muitas vezes nem isso!).
O Vaticano II é continuidade do movimento Renascentista humanista que nasceu no século XIV, e tomou
forma com a Revolução protestante, difundiu-se e fez-se liberal, com a Revolução Francesa e Revolução
comunista. O Vaticano II é, por um lado, uma covardia diante de um mundo hostil pretensamente vencedor,
capitulação e debandada diante do inimigo. E, por outro lado, é a tentativa de injetar vida nova no
humanismo que já não acreditava no homem, depois de tantos séculos de decepção. O Cardeal Ratzinger
disse abertamente na sua famosa entrevista ao periódico italiano Jesus:

“O problema dos anos 60 era o adquirir os melhores valores de dois séculos de cultura liberal. De fato esses
são valores que, apesar de terem nascido fora da Igreja, podem encontra o seu lugar, purificados e corrigidos, na visão
que a Igreja tem do mundo. Foi o que se realizou. É verdade que os resultados decepcionaram as esperanças talvez um
70
pouco ingênuas. É por isso que será necessário encontrar um novo equilíbrio.”

70 – Citado por Dom Lefebvre, em conferência COSPEC 112. A 21 de dezembro de 1984.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 44


Certamente o Vaticano II se propõe como algo intermediário, ou “moderado”. Nisso o nosso
conferencista tem razão. Mas infelizmente isso não é possível. Não há meio termo entre ter Fé e não tê-la.
Não há catolicismo pela metade. Querer buscar este ilusório ponto de equilíbrio é cair fora da barca da Santa
Igreja, sem a qual não há salvação.
No fim do capítulo VI do Breve Exame Crítico, o Cardeal Ottaviani mostra como a doutrina católica
sobre a Santa Missa que foi ensinada de modo infalível pelo Concílio de Trento é contradita diretamente
pelo rito da missa nova; e conclui com estas dolorosas palavras: “Mas é a esta fé que a consciência católica
está para sempre ligada. Desta forma, com a promulgação da Nova Ordenação da Missa, a verdadeira fé
católica depara-se com a trágica necessidade de fazer uma escolha”.
Para continuar parafraseando o venerável Prefeito para a Doutrina da Fé, podemos dizer que, com o
Vaticano II a verdadeira Fé católica depara-se com a trágica necessidade de fazer uma escolha. Escolha entre
três posições (pois, como bem aconselha nosso conferencista devemos sempre buscar essa disposição
tripartite para nossas escolha): 1) a posição da aberta apostasia do mundo moderno, a apostasia na qual caiu
a maioria dos católicos, que abandonaram a prática da Religião depois do Concílio; 2) a posição do
“liberalismo católico moderado” ou que se crê moderado, do Vaticano II, que quer ser meio termo entre a
religião medieval e o liberalismo ateu. Essa é a posição que nos propõe o Pe. Azevedo e 3) a de manter-nos
fieis no meio desta tormenta. Essa terceira posição tem a gravíssima dificuldade de exigir o dificílimo
equilíbrio entre o respeito e submissão à autoridade e a resistência aos erros dos homens na Igreja, que, em
lugar de exercer em sua autoridade em nome de Cristo, querem ser os representantes de um consenso
democrático.
Eis aí, paciente leitor, o dever de escolha que é posto diante de todos nós.
São Paulo já nos tinha avisado “que virá um tempo em que muitos não suportaram a sã doutrina,
mas pelo contrário buscaram para si mestres conforme os seus desejos, levados pelo prurido de ouvir.
Afastarão os seus ouvidos da Verdade e os entregarão às fábulas (...). Eu combati o bom combate, conclui a
minha carreira, guardei a Fé.”71
Dom Lefebvre disse no sermão de Lille, para explicar a sua resistência ao Vaticano II: “Quando estiver
diante do meu Juiz, eu não quero que Ele possa me dizer: - Tu também, tu deixaste também destruir a Igreja”.

71 – S. Paulo, Ep. Timóteo, Cap.4.

Fonte: Revista Permanência Edição 273 45

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