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CONTINUIDADE DE QUÊ?
No Brasil, a resistência católica ao modernismo reinante sempre foi muito tímida. A superficialidade
de formação e de caráter dos brasileiros em geral, e dos católicos em particular, foi sempre a raiz de
desinteresse pelos graves desvios da vida católica. Quando muito, encontramos certo interesse religioso
associado e secundariamente derivado de preocupação política. A grande figura do bispo herói da Fé, Dom
Antônio de Castro Mayer, sempre foi uma exceção e ficou escondida na conspiração de silêncio com que a
imprensa o cercou. Por desgraça, a sua admirável obra de manter uma diocese católica no meio do
terremoto do pós-concílio não teve semelhante nem no Brasil, nem no estrangeiro. E por desgraça ainda
maior, o seu clero, que tinha lutado valentemente durante tantos anos, caiu de modo lamentável e
imprevisível numa posição de interessado compromisso.
Em paralelo com a grande figura episcopal, a Providência concedeu ao Brasil o não menos herói leigo,
o professor (essencialmente professor), escritor, romancista e polemista Gustavo Corção. Se o paralelo é
exato na defesa da Fé, do catolicismo autêntico e também no silêncio criminoso com que a imprensa
esquerdista brasileira o escondeu, graças a Deus ele não se verifica na defecção da sua obra. A Revista
Permanência e seu centro de estudos católicos sobreviveram aos anos, à penúria econômica, aos ataques
virulentos do clero modernista e dos “moderados”. Enfim, a Permanência permaneceu, permaneceu católica
e fiel à resistência à aluvião modernista, que como um rio de imundícies, “cloaca de todas as heresias”, saída
da boca do dragão, prometia não deixar nada de pé. Mas infelizmente, a sua bandeira, que permanece
fielmente hasteada, não é vista de muito longe.
Nada mais no Brasil? Certamente poderíamos citar também o professor Galvão de Souza, “ilustre
professor de la universidad católica de São Paulo, de gran sencillez personal, rigor mental y de entrañable
carácter”, na expressão de Rafael Gambra¹.
Mas seu pensamento e sua obra sempre tiveram intenção primeiramente jurídica e politica,
verdadeiramente política, mas só secundariamente religiosa.
Os outros grupos e movimentos católicos que se afirmavam “tradicionais” padeciam de tão graves
tendências sectárias, que sempre foram grave obstáculo, em vez de ajuda ao catolicismo autêntico.
Nessa situação tão complexa e frágil, tivemos a vinda da Fraternidade São Pio X para o Brasil, que viu
suas ações cobertas pelas dificuldades e isolamento que vinham caracterizando a resistência católica
brasileira.
Por isso, quando Rev. Pe. Paulo Ricardo de Azevedo começou a aparecer nas mídias como alguém
que afirmasse a verdadeira doutrina neste deserto intelectual católico, vimos com certa indulgência a sua
defesa do Vaticano II e das autoridades eclesiásticas atuais. Parecia, visto de longe, desejo de salvar a
autoridade papal, uma atitude de reverência à hierarquia eclesiástica e um desejo de não se unir a o espírito
de contestação e desobediência tão próprio do clero moderno. Parecia, insisto, que o Pe. Azevedo tentava
desculpar catolicamente os lamentáveis textos do Vaticano II.
Sempre recusamos qualquer ataque ou polemica a um padre que, mesmo sem chegar até as últimas
conclusões, lutasse pela mesma defesa da Fé católica. Preferimos não parecer dar razão aos “padres de
passeata” que atacaram e continuam atacando de modo tão vil o Rev. Pe. Paulo Ricardo. Mas qual não foi a
nossa surpresa ao ter em mãos o texto de sua conferência sobre o Vaticano II! O livro é pequeno, o texto é
curto, mas os equívocos se amontoam em cada parágrafo. Não há, como tínhamos imaginado, uma
interpretação católica dos textos, mas sim uma afirmação de todos os graves erros modernistas condenados
tantas vezes pela Igreja. Bastaria citar o Denzinger, e comentar as grandes encíclicas de Gregório XVI, Pio IX,
Leão XIII, São Pio X, Pio XI, Pio XII contra o liberalismo e o modernismo, para mostrar os pontos em que a
doutrina do Pe. Paulo Ricardo contradiz o ensinamento autêntico e constante da Igreja.
1 - Artigo “Un pensador de la Hispanidad Fraterna” publicado na revista Tradição, Revolução e Pós-Modernidade, editora Millennium,
2001, pág. 147
1 – O primeiro parágrafo da Iª Parte tem como título O que é um concílio. Mas a definição prometida
é substituída pela simples afirmação da importância do Vaticano II, e de que ele é visto pela “esquerda” e
pela “direita” de modos mui diversos. Essa aproximação, que quer buscar uma síntese de extremos de
meias-verdades, voltará durante toda a conferência em todos os temas. A conclusão final da conferência
está já insinuada no primeiro parágrafo: devemos ter posição média, moderada diante do Vaticano II, ou seja,
nem a posição da “esquerda que o vê para a salvação a Igreja, como se esta fora fundada a partir do
Concílio”, nem a posição dos “mais tradicionalistas que veem o Concílio como algo a ser condenado”.
2 – O título seguinte Hermenêutica da continuidade e hermenêutica da ruptura explica a ideia.
Ficamos surpresos com a primeira frase do capítulo, que dá início ao raciocínio: (Pe.Paulo.) - “Qual é a minha
atitude perante o Concílio Vaticano II?” Por que perguntar sobre posições e opiniões pessoais – minha
atitude – quando estamos procurando uma definição, uma doutrina? Esta aproximação subjetivista também
é uma nota importante na compreensão do pensamento do conferencista.
O Pe. Azevedo diz que os dois grupos extemos que atacam ou que defendem o Vaticano II tem
ambos um erro em comum: o de lê-lo numa “hermenêutica de ruptura”, e que a posição correta seria a do
Papa Bento XVI (e por acaso a dele, Pe. Azevedo), de que o (Pe. Paulo)- “Concílio Vaticano II precisa ser lido
em uma hermenêutica de continuidade… Essas duas atitudes são nocivas, como se fosse a união entre a
esquerda e a direita para ler o Concílio a partir de uma ruptura. Se o Concílio Vaticano II tem algum sentido,
só o tem dentro da grande história da Igreja.
O princípio de que a doutrina católica tem perfeita unidade em si mesma e não pode ter contradição
interna é verdadeiro e certamente fundamental. Não é possível negar hoje o que afirmamos como verdade
imutável ontem. Poderíamos pensar que o pedido de “continuidade” do Pe. Azevedo fosse um modo de
exigir a adesão à doutrina católica ensinada tradicional e constantemente pela Igreja, e que o perigo de uma
“hermenêutica de ruptura” referia-se ao gravíssimo perigo de cair na heresia ao separar-se da doutrina
católica. Mas, curiosamente, o Pe. Azevedo faz referência à unidade, não com a doutrina imutável, mas sim
com a “história” da Igreja. Veremos mais adiante como ele insistirá em que o importante não é conservar a
Fé, mas sim conservar a “Vida” da Igreja. Esse caráter existencialista foi sublinhado por São Pio X na sua
Pascendi como uma das características do pensamento modernista.
Antes de continuar nossa leitura, cabe uma pergunta. Como podemos falar de hermenêutica em se
tratando do Magistério da Santa Igreja? O próprio uso desta palavra mostra que estamos diante de uma
concepção diferente do magistério. Explico-me.
A palavra hermenêutica significa a arte de interpretar textos que oferecem dificuldade especial, por exemplo, pela sua
antiguidade e linguagem arcaica. De modo particular, refere-se à interpretação da Sagrada Escritura.
“Mas o pensamento subjetivista moderno fala de hermenêutica para a interpretação de qualquer texto, pondo agora a
dificuldade não numa característica particular, mas sim na dificuldade geral que o homem teria para transmitir o seu
pensamento. Um autêntico teólogo católico não pode aceitar que se fale em uma hermenêutica dos textos do Concílio
de Trento ou Vaticano I, por exemplo, porque são textos atuais que fazem precisamente a interpretação autorizada da
Tradição, no que essa tinha necessidade de ainda ser explicada. Se para ler Trento, que faz uma hermenêutica da
Tradição, eu, Padre Calderón, preciso aplicar uma arte especializada para poder, por minha vez, interpretá-lo, isso que
dizer que o senhor leitor, terá que fazer uma hermenêutica da minha interpretação. Quer dizer, então, que nunca
ninguém pode falar claramente a mesma linguagem? É exatamente isso o que pensa um moderno subjetivista, mas
está gravemente equivocado²”.
2 – Pe. Álvaro Calderón, Prometeo. La Religión del hombre. Editora Rio Reconquista. 2010. Prologo, p. 14
3 – O que é um Concílio Ecumênico? Nesse terceiro ponto, chegamos ao escorregão mais lamentável de
toda a conferência. O título começa afirmando que devemos ser indulgentes com o Vaticano II, porque ele
se insere numa “continuidade” de infidelidades por parte de todos os Concílios precedentes. Mas essa grave
impiedade ao falar dos Concílios da Igreja fica por um momento suspensa, e só voltará dois capítulos à
frente. Antes de falar sobre as manobras politiqueiras eclesiásticas (n.6) – que seriam a essência da longa
história dos concílios da Igreja, segundo o Pe. Azevedo – ele propõe-se fazer três precisões: a primeira sobre
a autoridade da Igreja (n.3); a segunda sobre a distinção entre tradicionalistas e conservadores (n.4); e em
seguida, volta a falar sobre a autoridade da Igreja, dando explicações sobre sua “organização” (n.5).
“Em primeiro lugar, é preciso definir qual a suprema autoridade da Igreja.” Certamente. Em matéria
de Fé, como é o caso, é preciso saber quem exerce o Magistério na Igreja, quem tem autoridades para falar
em nome de Nosso Senhor, quem pode falar de modo infalível e confirmar os fiéis na certeza da Fé revelada.
Qual é, então, a suprema autoridade da Igreja?
Esta é a resposta do Pe. Azevedo: “A autoridade visível é o Papa e o Colégio dos Bispos.” Mas, para
que o leitor católico que conhece minimamente o seu catecismo não se assuste com a nivelação do Papa
com o Colégio dos Bispos, o Pe. Azevedo desfaz-se em explicações para dizer que a união com o Papa é uma
condição para a autoridade dos Bispos. Mas, para que não se irrite o leitor modernista, que começa a
desconfiar de um súbito ataque de catolicismo nessa defesa de autoridade do Papa, o Pe. Azevedo
continua: ”Portanto, ao nos referirmos ao Colégio dos Bispos, autoridade suprema da Igreja, estamos
claramente incluindo o Papa. Referimo-nos a um grupo de Bispos em união com o sucessor de Pedro. Esta é a
suprema autoridade da Igreja.” Essa inversão é um grave erro. A suprema autoridade não existiria mais no
Papa, mas sim no Colégio dos Bispos, que para ser tal deveria manter união com o Papa. Continua o
Padre: ”Quem pode agir³? A cabeça, o Papa, em comunhão com o corpo, ou seja, os bispos.” Aí esta dito. É o
Papa que deve estar em comunhão com os bispos!
Veremos mais adiante que este democratismo colegial afirmado pelo Pe. Azevedo, tão distante da
doutrina católica, será agravado quando explica que, de fato, quem exerce o Magistério na Igreja é o povo. É,
definitivamente, o povo que dá a condição final para que os atos do Concílio sejam verdadeiros atos do
Magistério, que o Pe. Azevedo chamou de receptio. Parece que em latim fica menos herético. O conciliábulo
de Pistoia poderia assinar embaixo esta deplorável doutrina.
No entanto, como as afirmações parecem ter ido longe demais, o Pe. Azevedo – explicando uma
curiosa doutrina sobre com o identificar o sucessor de São Pedro – afirma que a missão do Papa e do Colégio
dos Bispos é de:
(Pe. Paulo)- “guardar o depósito da fé, uma preciosidade deixada aqui na Terra por Nosso Senhor Jesus Cristo
(sic)… e recebem a missão de nada acrescentar. Portanto a missão do Papa e dos bispos é, por definição,
conservadora”.
3 – Agir? Não estávamos falando do Munus Docendi? Note-se a mudança do tema: falávamos da autoridade no exercício do Magistério, e não do
exercício do poder e governo. Mas devemos acostumar-nos com o procedimento, pois durante toda a conferência o Pe. Azevedo transforma a
questão doutrinal numa consideração ética existencial.
5 – A Igreja nasceu católica. Tínhamos dito que a colegialidade4 afirmada pelo Pe. Azevedo era o seu mais
grave escorregão. Mas nos enganamos. Aqui há pior. O presente capítulo quer explicar que a constituição da
Igreja com o Papa, os Bispos, Presbíteros e Diáconos vem desde a sua constituição. “É impressionante como
a Igreja já nasceu católica. Não se tornou católica com Constantino, já nasceu do modo que indicamos.” Não
conseguimos entender muito bem por que tanta impressão e tanta surpresa. Mas estamos de acordo que a
Igreja fundada por Nosso Senhor é a Igreja Católica Apostólica Romana, e que os protestantes se enganam
gravemente imaginando uma Igreja primitiva sem uma hierarquia sacerdotal.
E para reforçar essa ideia diz: “Quem estuda os Padres da Igreja, como costumo dizer às pessoas,
pode até perder a fé, deixar de ser cristão. Entretanto não será protestante, pois, ao estuda-los, percebe que
a Igreja nasceu católica.” Aqui entendo menos ainda. Quem estuda os Padres da Igreja (se refere aos Santos
Padres ou aos Papas?) pode perder a fé? Como é isso? E o Pe. Azevedo fala do nascimento da Igreja como se
fosse algo que decorresse de um processo histórico espontâneo e não da constituição dada a Ela por Nosso
Senhor.
No entanto, o pior escorregão que fizemos menção (por enquanto…) está alguns parágrafos antes:
“As palavras escritas pelos apóstolos nas Sagradas Escrituras não foram proferidas, historicamente, por Jesus.
Jesus não as disse pessoalmente, mas sim os apóstolos e, para mós católicos, esta é a Revelação.” O clássico
modernismo de Renan e Loisy condenado pela Igreja aparece aqui em toda a sua força. Então quer dizer que,
quando o Evangelho diz que Nosso Senhor falou isto ou aquilo, está mentindo? “Mentir” talvez seja uma
palavra muito forte. Diremos, então, que as palavras ditas por Nosso Senhor nos Santos Evangelhos foram os
Apóstolos que as imaginaram ou as fabricaram nas suas piedosas meditações, ao lembrar-se da pessoa
extraordinária que foi Jesus. Não, não, Pe. Azevedo, essa realmente não é a doutrina católica.
7 – A receptio do Concílio Vaticano II. Aqui chegamos à tese central da conferência: “O Concílio Ecumênico,
para ser um verdadeiro Concílio da Igreja, precisa ser recebido por ela. Há um tempo para produzir o
documento do Concílio e u tempo para que a Igreja receba este documento.” Vamos ver se entendemos: a
autoridade suprema da Igreja – que já não é mais o Papa, mas sim o Papa e o Colégio dos Bispos – quando se
reúne de modo solene e extraordinário para definir e para ensinar, fala e ensina sem que isso valha nada,
até que o povo tenha tempo para refletir e assimilar essa doutrina. Só então é que “passa a ser um
verdadeiro Concílio da Igreja”. Assim, o democratismo do Pe. Azevedo sofreu, durante a conferência, aquela
“evolução homogênea do dogma” tão cara à Nova Teologia, e chegou a sua plena maturidade nesta tese.
“Como a Igreja lidou com o Concílio de Constantinopla? Ela analisou o texto fraco e equívoco (sic!) de
Constantinopla e o interpretou de forma forte, inequívoca, católica, ortodoxa. Eis o milagre: A Igreja fiel de
Cristo”. Atentemos bem para o que parece nos dizer o Pe. Azevedo: a Igreja/Povo, sabendo que as palavras
não valem nada, e que, apoiada no subjetivismo reinante, pode por um passo de mágica (talvez parecido
com o dos Apóstolos, que inventaram as palavras de Nosso Senhor) fazer com que as palavras “equívocas”
de um Concílio, feito pelo Colégio dos Bispos unido ao Papa, se transforme em “inequívocas”, deve exercer
seu supremo papel de “Povo de Deus”, e transformar5 esses textos em doutrina conservadora, conseguindo,
assim, manter a continuidade da vida da Igreja (sem que entenda muito bem o que esta “vida” quer dizer).
Fazendo isso, conseguirá que esses textos sejam um verdadeiro Concílio da Igreja. Eis o milagre! De modo
algum! Nem a filosofia subjetivista, nem a teologia modernista, nem o democratismo religioso estão de
acordo com a Religião Católica!
Agora é aplicar a tese ao Vaticano II.
“Se quisermos entender o Concílio Vaticano II, precisamos analisar o texto e interpretá-lo em sintonia e em
comunhão com a fé de dois mil anos da Igreja, por mais que alguns textos sejam fracos.” É curioso que os
textos do venerável Concílio de Constantinopla o Pe. Azevedo chama de “equívocos” e diz que precisam de
esforço e maquiagem, de interpretação “forte, inequívoca, católica, ortodoxa”. Mas do Vaticano II diz apenas
que pode ser que “alguns textos sejam fracos”. Isso realmente é curioso.
Segundo ele, porém, nosso dever é claro: “devemos analisar o texto e interpretá-lo”. E não devemos nos
assustar com a obra impossível que Pe. Azevedo nos pede: a de fazer do Vaticano II algo católico, pois o
“milagre” do subjetivismo é suficientemente poderoso para transformar qualquer coisa em qualquer coisa.
Para ilustra a tese, o Pe. Azevedo nos propõe um exercício: ”Em exemplo é a questão do comunismo no
Concílio Vaticano II”. Ele explica que, mesmo que o Papa tivesse feito um acordo com os comunistas para
conseguir a vinda dos Bispos ortodoxos para a reunião do Concílio (o que o Pe. Azevedo põe em dúvida, não
sei muito bem como); mesmo que não tivessem aceitado o pedido dos bispos realmente católicos durante o
Concílio para que houvesse um documento oficial condenando explicitamente o comunismo; mesmo que o
assunto não tivesse sido proibido nas discussões conciliares; e que um Cardeal não tivesse sido encarregado
especialmente pelo Papa de impedir qualquer menção no tema;
5 – Ou deformar ou interpretar ou adaptar… use o leitor o verbo que mais lhe aprouver, pois, seguindo a doutrina explicada, as palavras não valem
muito.
6 – Mesmo que João Paulo II num discurso lamentável tenha dito que há sementes de verdade no comunismo.
“Nossos bispos não são treinados para uma argumentação dialética, no sentido marxista do termo. [E o
senhor acha que deveriam sê-lo?] São treinados para a dialética platônico-aristotélica, para uma
argumentação lógica. Os bispos, principalmente da época do Concílio Vaticano II, que possuíam uma
formação clássica, eram treinados para lidar com parceiros leais no diálogo. [Se eles tivessem tido realmente
essa formação não tinham feito o desastroso Concílio Vaticano II] O que eles não entendiam e ainda hoje é
difícil que a igreja compreenda [como?], é que estas pessoas da esquerda não são sinceras, pois para eles
não existe a verdade e, consequentemente, não há nada que dito hoje não possa ser desdito com maior
desenvoltura.”
Não, padre! Na Santa Igreja os bispos não são “treinados”. Eles são formados. E sê eles não entendiam que
não é possível dialogar com “essas pessoas da esquerda” é por que a função de um bispo não é dialogar com
ninguém. Eles não precisam de nenhum analista de conjunturas. Eles precisam conhecer e ensinar a Verdade
e governar os seus fiéis conforme essa Verdade. Não é a função de um bispo exercer dialética, seja platônica
ou aristotélica. O bispo é Príncipe da Santa Igreja, faz parte da Igreja Docens, é Doutor e Mestre dos seus
fiéis. Sua obrigação é ensinar a Verdade, tanto revelada por Nosso Senhor, como a que podemos conhecer
pela razão, se esta é atacada de modo grave. Deve também, como Príncipe que é, governar os seus fiéis e
conduzi-los ao cumprimento das Leis de Deus. E, diga-se de passagem, que também não se entende o
desprezo pela filosofia platônica ou aristotélica – como se isso fosse puro esnobismo intelectual. Não é
possível ensinar a Verdade sem ser lógico, sem saber pensar.
7 – “Descontração das tensões”? Do que estamos falando? Não estávamos falando da doutrina ensinada pelo Vaticano II? Como pode parecer boa
política descontrair a doutrina? Será boa política dissimular a verdade?
8 – De Herder, Barcelona 1985. Versão Espanhola. Págs. 548 ss. A tradução para o português é nossa.
9 – Syllabus é uma prolongação da encíclica Quanta Cura do Papa Pio IX, na qual condena solenemente os erros modernos. E o ano mencionado pelo
Cardeal Ratzinger é o da Revolução Francesa, revolução maçônica e sangrentamente anticatólica.
“Portanto, foi com esse grupo11 que a Nouwelle Théologie compôs uma aliança política, débil, apenas para
desbancar a teologia da Cúria e os tomistas leoninos, que não liam mais as Sagradas Escrituras, apenas
Santo Tomás, como se fosse o alfa e o ômega da teologia. Chegou-se a um ponto em que a única discussão
presente nas faculdades de teologia em respeito das diferentes correntes exegéticas de Santo Tomás, o que
não é teologia plenamente católica. Não tenho nada contra Santo Tomás, pois, graças a Deus, Santo Tomás
não era tomista”.
Pelo que escreve o autor da conferência, o tomismo (não sabemos exatamente em que ele o
distingue do neotomismo) pareceria ter nascido com Leão XIII no século XIX (e como devemos chamar os
discípulos de Santo Tomás nos seis séculos anteriores a Leão XIII?), e teria como característica particular não
ler as Escrituras e os Santos Padres, e olhar a própria teologia como exclusiva. Como exemplo de teólogos
neotomistas, menciona o dominicano Pe. Garrigou Lagrange e o Cardeal Ottaviani. Quanto ao gracejo no
final do parágrafo, confesso que não sei muito bem o que significa, e, para não cair no mesmo pecado de
interpretar subjetivamente o que lemos, abstenho-me de comentar12. A ridicularização dos “tradicionalistas
com rendinhas” toca agora um ponto mais central: no campo da teologia seriam exclusivistas, fechados,
cerrados, recusando-se a ler a S. Escritura e os Santos Padres. Uma teologia assim “não é católica”, diz o Pe.
Azevedo.
13 –Os modernistas tem conceito de Tradição do que a Igreja pensa. Falam de uma “Tradição viva”, evolutiva, que no fim das contas não é a
Transmissão do Dado Revelado não escrito, mas sim a transmissão de uma experiência vivencial do sagrado.
14 – Observe como aqui o Pe. Azevedo usa a linguagem tão comum entre os padres da teologia da libertação para colocar-se no lugar de vitima
contra o grupo dominador opressor!
15 – O leitor poderá encontrar o artigo “para aonde vai a nova teologia?” como apêndice do livro A Nova Teologia, Os que pensam que venceram, de
Hirpinus, editado pela Editora Permanência em 2001.
Se o leitor tem o seu estomago tão embrulhado como o meu deve tranquilizar-se diante desse oportunismo
politico que põe a Verdade de lado para conseguir o poder, pois, deve lembrar-se sempre que no fim das
contas somos nós a Igreja/Povo que exercemos o sagrado Magistério, interpretando subjetivamente e
transformando qualquer texto no que nos parecer por bem. Não tenha problema de consciência, leitor
amigo: ao aceitar o Vaticano II não estamos aderindo a nenhum pensamento errado, herético ou modernista,
diz-nos o conferencista. O texto é suficientemente ambíguo para que cada um leia nele o que quiser. O que
realmente importa é que nó nos organizemos e nos articulemos num movimento político para desbancar os
da esquerda e fazer prevalecer politicamente a nossa interpretação moderada. Que horror!
13 –Os modernistas tem conceito de Tradição do que a Igreja pensa. Falam de uma “Tradição viva”, evolutiva, que no fim das contas não é a
Transmissão do Dado Revelado não escrito, mas sim a transmissão de uma experiência vivencial do sagrado.
14 – Observe como aqui o Pe. Azevedo usa a linguagem tão comum entre os padres da teologia da libertação para colocar-se no lugar de vitima
contra o grupo dominador opressor!
15 – O leitor poderá encontrar o artigo “para aonde vai a nova teologia?” como apêndice do livro A Nova Teologia, Os que pensam que venceram, de
Hirpinus, editado pela Editora Permanência em 2001.
16 – Diz o Pe. Azevedo um paragrafo adiante: “Não afirmo que o Pe. Rahner fosse um herege, mas é possível afirmar tratar-se de um ‘patriarca
herético’, pois foi motivo de muita heresia. Sua visão a respeito da teologia era terrível, pois abria as portas da Igreja para a filosofia revolucionária
moderna”.
17 – RATZINGER, Joseph. Lembranças da Minha Vida: Autobiografia Parcial (1927-1977). São Paulo: Paulinas, 2006, p.106. Citado pelo Pe. Azevedo.
“A realidade é complexa respondemos a maior parte das perguntas que nos são feitas na vida com
um sim ou um não… Caso se radicalize e se simplifique a questão, estamos no âmbito de uma mentalidade
revolucionária… Ao meu ver, o grande problema dos tradicionalistas é que eles são revolucionários. Por quê?
Porque a mente revolucionária esta convicta de como o mundo deveria ser e, caso o mundo não esteja de
acordo com este pensamento, o mundo está errado. Notem o simplismo!”
Explica a expressão dizendo que é revolucionário aquele que quer adaptar o mundo à suas idéias, e
não as suas idéias à realidade. Nisso tem razão o padre: o idealismo é uma das partes centrais da Revolução.
Mas – perdoe-me o leitor impaciente se me detenho um pouco – confesso que não compreendo muito bem
a “profunda visão” do Pe. Azevedo.
Ele acusa de revolucionário o esquerdista por escolher um dos sentidos opostos nos textos que ele
reconhece esquizofrênicos. Ele reconhece ainda que um dos sentidos do texto foi ditado pela corrente da
Teologia Liberal de Karl Rahner, a quem ele deu o belo título de “Patriarca de Heresias”, e que desembocou
na prática marxista dos nossos “padres de passeata”. E acusa de revolucionário também o tradicionalista,
porque, apesar de ver que no texto esquizofrênico há vários sentidos opostos, recusa-se em reconhecer
nesse modo de falar ambíguo a doce voz de sua Mãe, a Santa Igreja.
20 – O Pe. Azevedo escusa-se de afirmar a contradição na doutrina católica ao introduzir este advérbio. Mas, se parece querer salvar a contradição
real entre as verdades, termina afirmando uma verdadeira contradição lógica. E as expressões usadas por ele até o final da conferência sublinham de
modo drástico esta contradição, mas em nenhum momento as resolve. Simplesmente afirma que são complementarias. O leitor acredite nessa
complementariedade se quiser, pois não serão explicadas pelo Pe. Azevedo.
Desculpe-me o leitor a longa citação, mas como o exemplo apresentado é uma das raras incursões
doutrinárias do nosso autor, vale a pena responder com mais cuidado.
A apresentação da nossa objeção contra a Missa nova, apesar de não ser feita de modo irônico como
as “rendinhas das alvas” do capítulo interior, é igualmente caricaturesca. Talvez o Padre não tenha tido
tempo ou ocasião de estuda-la um pouco mais seriamente. Poderíamos aconselhar-lhe vários livros e
trabalhos muito bem escritos sobre o assunto.
Vamos por partes.
A primeira observação importante é que aqui tratamos dois problemas diferentes: o do ofertório
moderno e o da validade da Missa nova. Certamente estão conectados, mas não são a mesma coisa.
É certo que o rito do Ofertório teve modificações ao longo da história até a codificação de São Pio V.
Mas é falso que “durante muito tempo, o Ofertório praticamente não existia.” É certo também que uma
Missa celebrada por um sacerdote que diga simplesmente as palavras da Consagração (como no caso dos
padres nos cárceres soviéticos) é válida, mesmo sem a recitação do rito do Ofertório, pois na própria
Consagração está incluído necessariamente o Oferecimento do Sacrifício celebrado. Isso tudo é certo. No
que consiste, então, a objeção feita ao “ofertório” da Missa nova?
A Santa Igreja ensina que Nosso Senhor morreu na cruz por nós, para pagar pelos nossos pecados e
reparar a Majestade divina ofendida. Nós pecamos, e é Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e homem
verdadeiro, que expia nossas faltas. Como homem, podia sofrer; como Deus, seus atos tinham valor infinito.
Os teólogos chamam esta misteriosa substituição de “Redenção Vicária”. Nosso Senhor ofereceu-se como
Vítima expiatória para pagar o que os nossos pecados mereceram. Portanto, na sua morte na Cruz está o
oferecimento de sua vida como preço de nossa redenção.
21 – Não entendi a diferença entre os ”tradicionalistas brandos” que acham que “a Missa não tem validade”, e os “tradicionalistas radicais” que
acham que “a Missa seja inválida”.
“Para compreender todas as orações que se seguem é preciso ter sempre em mente o Sacrifício, apesar de ele
ainda não ter sido oferecido. Assim, nesta primeira oração fala da hóstia que se apresenta ao Pai eterno, se bem que
esta não seja a hóstia divina. Essa hóstia é sem mancha: immaculatam hostiam: aqui há uma alusão às vítimas do
Antigo Testamento, que não deviam ter mancha alguma, porque eram figura de Nosso Senhor, que um dia devia nos
aparecer immaculatus. Nesta oração, o pensamento do padre vai além do momento presente: Ele pensa na Hóstia que
estará no altar depois da consagração, hóstia que é única verdadeira. E por quem a oferece? Percebemos a vantagem
de se assistir à Missa, pois o padre oferece a hóstia por si mesmo, mas também por todos os assistentes: pro omnibus
22
circustantibus. Menciona sempre todos os presentes... ”
Entretanto, a Missa nova foi inventada para responder à nova teologia do Vaticano II, para agradar
ao mundo moderno, e deveria ter tal estrutura que não atrapalhasse as relações ecumênicas coma s outras
religiões, especialmente com os protestantes. Todos os dogmas, todas as verdades que fossem conflitivas,
tanto com o mundo moderno como com as outras religiões, deveriam ser “suavizadas”. O Pe. Azevedo, já o
vimos, chama essa suavização de “política de desconcentração das tensões”. E a principal verdade que choca
o mundo moderno e contradiz o pensamento protestante é a necessidade da Cruz redentora de Cristo. A
Missa nova quer, portanto, dissimular a Cruz de Nosso Senhor. Já não é mais a renovação incruenta do
Sacrifício redentor da Cruz, mas uma “ceia de confraternização” para “lembrar-nos do amor de Jesus”.
O Ofertório da Missa nova, portanto, difere essencialmente do da Missa Católica. Basta comparar os
dois ritos. Neste ele é um rito que torna explicito o aspecto do oferecimento do Sacrifício que Nosso Senhor
fez de Si mesmo em sua Paixão. Naquele ele é, como bem explica o Pe. Azevedo, "apenas uma preparação
das ofertas na qual era feita uma procissão, as ofertas eram levadas, etc.” Mons. Bugnini, o principal autor
da Missa nova, explica que o ofertório moderno foi tirado das orações judaicas para abençoar as refeições
diárias, em que se oferece a Deus “o fruto da terra e o trabalho do homem”. O Pe. Azevedo insiste que, se
no rito do Ofertório moderno não aparece a noção de sacrifício, em contraposição, as inumeráveis Orações
Eucarísticas da Missa Nova “mencionam o sacrifício do início ao fim”. Qual sacrifício? O das oferendas?
Lutero também falava de um “sacrifício de louvor”. A morte de Cristo pode até ser lembrada na Missa nova,
mas se afirma que a Missa seja o sacrifício redentor, seja a renovação da morte de Cristo. O Ofertório da
Missa nova é realmente de espírito protestante.
Quanto à validade da consagração na Missa nova mencionada pelo Pe. Azevedo, esse é outro
problema. Os teólogos católicos ensinam que há muitas causas de invalidade em qualquer Missa. Essas
causas podem ser por parte da matéria: se não é vinho de uva ou pão de trigo não se realiza a consagração;
por parte da forma: se o padre não diz corretamente as palavras da consagração; e por parte do celebrante:
para que se realize a consagração, o padre deve ser validamente ordenado sacerdote e deve aplicar a forma
à matéria conforme a intenção da Igreja.
Mas, curiosamente, todo o cuidado das rubricas da Missa católica, que insistem fortemente nessa
aplicação da forma à matéria, estamos também dissimuladas na Missa nova. Por quê? Ora, os protestantes
dizem que não há uma transubstanciação objetiva de pão em corpo e do vinho em Sangue de Nosso Senhor,
mas sim, um consenso realizado pela fé dos presentes. A Missa nova, portanto, feita para agradar a todos,
dissimula neste ponto a doutrina católica. É assustador como os teólogos católicos na Nouvelle Theologie
começam a falar de “transignificação”.
5 – A culpa é de quem? Este estranho apartado começa com uma espécie de resumo do anterior: a
necessidade de fazermos uma receptio do Concílio, sem prestar atenção nem para os padres conciliares que
o escreveram, nem para os frutos do Concílio, pois “1968 teria acontecido irremediavelmente”. Conclui
dizendo que o verdadeiro e único vilão em toda essa história é a “mentalidade da Teologia da Libertação”
com sua filosofia revolucionária comunista.
“Nesse contexto, os padres conciliares têm culpa?” Não entendemos o sentido da pergunta, já que
ele acaba de dizer que não devemos nos preocupar com intenções, nem olhar os frutos, mas unicamente o
texto – conselho que vem repetindo durante toda a conferência. Além disso, perguntamo-nos por que fala
de “culpa” quando vem tentando mostrar que o Vaticano II é um “acontecimento maravilhoso, um dom de
Deus”. Deixemos, porém, de lado a contradição e sigamos o curioso raciocínio.
Sim e não, Sim na medida em que selaram aliança com esse grupo (o de Karl Ranner), e não na
medida em que não podiam prever as consequências “24. Vamos ver se entendemos bem: os padres
conciliares para conseguir enfrentar e vencer (o padre tinha usado o verbo “desbancar”) os neotomistas da
Cúria uniram-se num esforço doutrinário com a ala da esquerda25, mesmo percebendo que se tratava de
hereges (ou “Fonte de Heresias”, como preferiu o conferencista), e “selaram aliança” na produção do
Vaticano II. Mas como o doutrinário é algo muito secundário, pois o que importa é a interpretação que
façamos do texto ambíguo, os padres conciliares não tiveram tanta culpa, pois não podiam prever que o
corvo que estavam criando depois lhes furaria os olhos. Faltou-lhes somente um pouco de astúcia e previsão
política.
“Os próprios Papas Paulo VI e João XXIII desempenharam um papel importante devido a um ‘bom-
mocismo’, que afirmava: ‘ Agora amamos todo o mundo, amamos os hereges e vamos beijá-los e abraçá-los,
pois quando perceberem que o queremos bem, irão se converter’. É de uma grande ingenuidade pensar que o
mundo irá nos aplaudir quando o abraçarmos.”
O Pe. Azevedo, para dissimular a culpa dos que fizeram essa “coisa maravilhosa” do Vaticano II, diz
que na verdade foram ingênuos. E no que consiste essa ingenuidade? Em querer fazer uma aliança com a
Teologia Liberal e a filosofia revolucionária (pois é disso que ele estava falando), principalmente os Papas
Paulo VI e João XXIII, que fundados na ingênua boa intenção apologética de que, se cedessem e dissessem
que a doutrina revolucionária e a atitude de rebelião das nações diante do Magistério e governo da Igreja
são uma coisa muito boa, muito natural, e que nós os amamos assim mesmo, eles ficariam tão comovidos
que terminariam por se converter.
Balthasar – “Todos os meus estudos durante os anos de formação na Ordem dos Jesuítas foram uma
luta enfurecida com a desolação da teologia... Escrevi o ‘Apocalipse’ com essa fúria que se propunha destruir
o mundo pela violência e reconstruí-lo a partir das fundações, custasse o que custasse.”28.
Que belo exemplo de “continuidade”! Ele mesmo conta que aprendeu com Henri De Lubac a opor a
Patrística a Escolástica, cuja linguagem rigorosa e precisa não permitia o jogo da interpretação subjetiva. A
definição que São Pio X faz dos modernistas na Pascendi parece cair-lhe como luvas:
Em Basiléia, Von Balthasar recebe uma decisiva influência da teologia do protestante Barth,
especialmente no tema da predestinação e no que ele chamou “o cristocentrismo radical de Barth”. Essa
teologia protestante foi organizada por Balthasar através da filosofia de Hegel, como ele mesmo explica.
Além da protestantização da sua teologia, Von Balthasar sofre uma influência do comunismo e do socialismo
através de Béguin, que ele batizará em 1940. Béguin será o sucessor do filocomunista Mounier na direção da
revista Esprit, uma das pontas de lança na preparação do modernismo no Vaticano II. A última e mais
profunda influência em Urs Von Balthasar é a sua união místico-amorosa com a “vidente” Adrienne von
Speyr. Ele abandou a Companhia de Jesus para “prestar obediência direta a Deus” indo morar na casa dela.
Será o pensamento de Adrienne que dará a Balthasar a unidade final, especialmente na “nova concepção da
Igreja Católica” e na sua “teologia da sexualidade”.
Joseph Ratzinger, o terceiro e mais importante exemplo apresentado pelo Pe. Azevedo como modelo
de teologia a ser seguida pelos católicos, foi também um dos centros da Nova Teologia. De fato, Ratzinger é
dentre eles, o que tem a teologia mais complexa, e que sofreu uma evolução entre o seu período anterior
ao Vaticano II e posterior. O Pe. Azevedo cita a sua obra fundamental: Introdução ao Cristianismo (Herder,
São Paulo, 1970). Ali Ratzinger, explica que Jesus não foi Deus que se fez homem, mas sim um homem que
se tornou Deus. Jesus é “esse – disse o teólogo – em que se manifesta a realidade definitiva de ser do
homem, e que nisto é simultaneamente Deus.”...
A resposta continua Ratzinger, é que a luta desenvolvida nos cinco primeiros séculos da Igreja em
torno dessas questões “chegou, nos Concílios ecumênicos da época, a uma resposta afirmativa às três
questões.”29
A noção de Magistério que vimos anteriormente foi deformada em essência pelo teólogo Ratzinger,
quando, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, apresentou um documento sobre a vocação do
teólogo: “Há decisões do Magistério que não podem ser uma palavra definitiva sobre o assunto enquanto tal,
mas são uma ancora substancial no problema e antes de tudo também uma expressão de prudência pastoral,
uma espécie de disposição provisória.”30
Todavia, dissemos que a sua teologia sofreu uma evolução. Com efeito, antes do Vaticano II, sua
posição avançada ensinava, por exemplo, que não há distinção entre o corpo e a alma – isso seria um
“dualismo platônico”. Mas vários anos depois, a reflexão o levou a reconhecer a “lógica interna da tradição
eclesiástica”, que fala da permanência da alma depois da morte, e mudou, então, de opinião, passando a
defender em seu tratado a existência da alma. 31
Permita-me o leitor citar o parágrafo do livro “A Nova Teologia, Os Que Pensam Que Venceram”,
livro que recomendamos vivamente para a melhor compreensão das grandes figuras do modernismo
teólogo atual:
“Ratzinger é sempre assim: aos excessos, de que guarda distância, ele não opõe jamais a verdade
católica, mas um erro aparentemente mais moderado, o qual, porém, na lógica do erro, conduz, às mesmas
conclusões ruinosas. Ratzinger qualifica-se a si próprio, no ‘Rapporto sulla Fede’ de ‘progressista equilibrado’.
Defende uma ‘evolução tranquila da doutrina’ sem ‘arrancadas solitárias avante’, mas também ‘sem
nostalgia por um ontem irremediavelmente passado’, isto é, pela Fé católica deixada tranquilamente para
trás. Se não gosta do progressismo de ponta, Ratzinger não gosta também da Tradição católica: ‘É só ao hoje
da Igreja – diz ele – que devemos ficar fiéis, não ao ontem nem ao amanhã ‘32”.
29 – Indroduction au Christianisme, ed. Mame e Cerf, 1985, pag 126 e 140. Citado pelo livro A Nova Teologia, Editora Permanência 2001, p.117e ss.
30 – Observatore Romano de 27 de junho de 1990,p.6
31 – Mi vida. Recuerdos (1927-1977), ed. Encuentro Madrid 1997, p.126.
32 – Op. Cit.,p.134.
33 – É bem verdade que no capítulo sobre os dois primeiros concílios o Pe. Azevedo afirmou claramente a doutrina sobre a Santíssima Trindade. Mas
alguns parágrafos adiante, para explicar a alegada fraqueza da fórmula de Nicéia, diz: “Posso adorá-lo e glorifica-lo sem que Ele seja exatamente Deus,
mas apenas divino” (sic). Com isso fica a salvo o espírito nestoriano, bem próprio do modernismo atual, que o Pe. Azevedo parece mostrar nessas
páginas sobre a Encarnação.
Não, não! Como o Pe. Azevedo se esqueceu de definir catolicamente a Fé como virtude infusa, pode
agora falar de fé incompleta. Quando escolhemos o que queremos crer estamos mudando a razão formal do
ato de Fé. Um católico crê por que Deus revelou e a Santa Igreja ensina. A razão pela qual se crê é a
autoridade divina e a da Igreja. Quando um herege escolhe uma das verdade e despreza a outra perde a Fé.
De nada lhe serve crer neste ou naquele dogma, pois deste modo crê em si mesmo e não em Deus. Já não
tem Fé nenhuma, pois não existe meia-Fé. Podemos dizer que o objeto da Fé esta materialmente incompleto
nele, mas perde completamente, no seu ato de rebeldia, a virtude teologal que tinha sido infundida por
Deus.
O Pe. Azevedo fala da contradição aparente das verdades da Fé. Ele tem toda a razão quando diz,
fazendo menção de Chesterton, que um católico ao dar se conta que não entende como é possível conciliar
aspectos conflitantes das Verdades reveladas, sabe que o problema está na sua “cabeça incapaz de
entender”. Sabe que não há contradição, nem pode haver. Mas a sua confiança vem precisamente de saber
que os dogmas ensinados pela Igreja são revelados por Deus, tendo autoridade e credibilidade divina.
“Voltemos à pergunta que motivou estas considerações: o que é a teologia? É a tentativa humana de
harmonizar a aparente contradição entre as verdades de fé.” E se não encontrarmos nenhuma “aparente
contradição”, a teologia desaparece? Perde o seu sentido? Será preciso sempre a dialética hegeliana para
poder “fazer teologia”? Parece que o próprio Pe. Azevedo nos dá um claro exemplo em que fica com parte
da Revelação e recusa outra. A Igreja ensinou de modo definitivo34 o que é a teologia. O Concílio Vaticano I,
na sua Constituição Dogmática sobre a Fé35, condenando o racionalismo de Hermes e Frohschamer, explica a
natureza da teologia: “Certamente a razão iluminada pela Fé, quando busca cuidadosa, pia e sobriamente,
alcança por dom de Deus alguma inteligência e muito frutuosa, dos mistérios, já seja por analogia do que
conhece naturalmente, já pela conexão dos mistérios entre si e com o fim último do homem...”. A teologia é
uma ciência alcançada pela razão, mas que tem como fundamento e raiz a fé infusa e sobrenatural. Os
principais ofícios da (verdadeira) Teologia são:
1)recolher as verdades reveladas. Essas verdades o teólogo recebe do Magistério, regra próxima da
Fé. Dizia Santo Agostinho: “Eu não creria se a autoridade da Igreja Católica não me movesse a isso”. É
portanto, o Magistério que determina onde e como se encontra o dado revelado: Nas suas próprias
definições, nas Sagradas Escrituras, na Tradição (Santos Padres, Liturgia, etc.) O teólogo se aproxima dessas
fontes mostrando também como o ensinamento do Magistério encontra-se implícita ou implicitamente na
Sagrada Escritura ou na Tradição36;
2) Refletir sobre estas verdades, por meio da analogia da Fé e do ser. É a isso que se refere o Concílio
Vaticano I;
3) Propor aos fiéis as verdades reveladas de modo mais acessível, contemplando os mistérios e
ensinando aos outros, como São Domingos de Gusmão dizia: “Contemplata aliis tradere”;
34 – Dz. 1635 Encíclica Qui pluribus; Dz. 1649 ss. Decreto contra Agostinho Bonetty; Dz. 1795 ss. Conc. Vat. I Constituição Dogmática sobre a fé
católica. Recomendamos também a leitura das Encíclicas Pascendi de São Pio X e Humani Generis de Pio XII, pois não só explicam claramente a
relação da fé e da razão, a natureza da teologia, mas também condenam explicitamente todos os erros dos “teólogos modernos”.
35 – Cap. 4,Dz. 1796.
36 – Por isso a dialética que o Pe. Azevedo fez entre a teologia da Cúria romana e a teólogo que volta às fontes é falsa.
Confesso que não consigo ver, embora tenha me esforçado, a grande contradição, tão terrível, capaz
de causar dúvidas de fé em “várias pessoas”, e que vem ocupando o Pe. Azevedo em várias páginas. A
solução do teólogo Ratzinger, com o mesmo sabor de nestorianismo das paginas do Pe. Azevedo, conclui
num voluntarismo divino parecido com o que teria dito Duns Scott Ockham ou Lutero.
Nosso Senhor Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, se fez homem no seio puríssimo
da Virgem Maria, tomando dela a natureza humana. A formação dessa natureza não combina que tivesse
concurso da geração normal de todos os homens, tanto em razão do mistério da Encarnação como por parte
da divindade da sua Mãe Santíssima. Em razão da Encarnação, Nosso Senhor não é um simples homem, mas
é Deus e homem, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O concurso de um pai humano poderia induzir-nos
ao erro de achar que Nosso Senhor é simplesmente um homem a quem Deus assumiu, tendo não só duas
naturezas, mas também duas Pessoas. Também foi conveniente que a concepção de Nosso Senhor se desse
de modo milagroso, pela dignidade de Nossa Senhora, pois – apesar do que diz o Pe. Azevedo – o sexo está
profundamente marcado pela desordem da concupiscência, a tal ponto que os sinais do uso do sexo são
chamados pela S. Escritura de “corrupção”. Nosso Senhor quis honrar sua Mãe não só com a isenção de todo
pecado em sua concepção, mas também a preservou de qualquer sombra do pecado ou qualquer
movimento desordenado das paixões, e quis que essa pureza singular fosse evidente mantendo sua
virgindade antes, durante e depois do parto.
“O revolucionário por outro lado quer encerrar Deus na sua lógica, obrigá-Lo a seguir o roteiro que
ele traçou. Analisemos um caso concreto”. Outro “caso concreto”? Paciência estimado leitor este é o último
capítulo.
6 – O que é a heresia? Esse último capítulo é bastante confuso. Temos a impressão que o Pe. Azevedo,
querendo armar uma conclusão para a conferência, termina por precipitar-se. Propõe o tema da heresia no
aspecto das objeções contra a Fé, dando dois exemplos de objeção: o espanhol Torres Queiruga e o filósofo
Voltaire. A mesma objeção é confusa, pois começa apontando a possibilidade de uma intervenção milagrosa
de Deus, e desliza para o problema do mal em si, que se transforma na permissão de Deus ao mal. Sem
responder à objeção, propõe resolver a contradição por uma submissão a Deus: “Como age o católico? Crê
nos três atributos divinos: ‘Senhor eu não Vos compreendo, mas eu Vos adoro, porque Vós sois infinitamente
bom e justo, Vós não cabeis na minha cabeça’”. Estamos de acordo com o Pe. Azevedo na atitude de
humilde submissão a Deus, mas a suposta contradição apresentada pode facilmente ser explicada e
respondida. Um teólogo, pode, sem muito esforço, mostrar a contradição nos termos, mostrar a falácia da
objeção e como os atributos divinos não estão, em absoluto, em contradição.
“A teologia, portanto, consiste no esforço humano que se utiliza dos recursos da inteligência para
solucionar as contradições da fé.” Não era a heresia que estávamos querendo definir? Voltamos À teologia?
Voltamos às contradições da fé?
37 – Se bem que – para rigor dos termos – apóstata é o que abandonou publicamente a religião, sem necessariamente significar que tenha perdido a
Fé. É possível um apóstata que tenha abandonado a Religião por não querer se submeter a uma lei, ou prescrição moral, sem ter negado a Fé.
38 – Fala de uma solução da razão, mas a solução é apresentada é sempre voluntarista.
Ao longo da conferência, mesmo que não tenham sido explicitadas, aparecem várias teses nas quais
o autor fundamenta o seu raciocínio. Queremos aqui enuncia-las e compará-las coma Doutrina da Igreja
ensinada pelo Magistério infalível.
Magistério interpretável;
Colegialidade, Conciliarismo e Democratismo;
Teologia das Fontes: livre interpretação da Regras remotas da Fé;
Distinção entre “Jesus histórico” e “Jesus da Fé”;
Noção de Tradição viva (vitalismo);
Tomismo opcional e “liberdade de opinião teológica”.
Começaremos pela formulação da tese do Pe. Azevedo, o que tentaremos fazer do modo mais
conciso possível, esperando ser fiel ao pensamento do conferencista e tentando guardar, na medida do
possível, os termos e palavras do autor.
Ato seguido, confrontaremos essas teses com os textos do Magistério que ensinaram sobre o tema.
MAGISTÉRIO INTERPRETÁVEL
A ideia central do opúsculo é a de interpretar o Vaticano II de modo conservador, sem cair nos
extremos da Teologia da Libertação, nem recusá-lo como fazem os tradicionalistas. Essa obra supõe um
esforço de interpretação que ainda não foi concluído, e que é nosso dever aplicar-nos a ele seriamente. O
fundamento primeiro do que foi chamado de receptio é, portanto, a possibilidade de interpretação pessoal e
subjetiva do Magistério. Contra a ideia da necessária adaptabilidade da doutrina católica para que possa ser
interpretada, afirma o Magistério:
“E, com efeito, a doutrina da Fé que Deus revelou, não foi proposta como um achado filosófico que deva ser
aperfeiçoado pelo engenho humano, mas sim entregue à Esposa de Cristo como um deposito divino, para
ser fielmente guardada e infalivelmente declarada. Do qual se segue que também se deve manter
perpetuamente aquele sentido dos sagrados dogmas que uma vez declarou a santa Madre Igreja e jamais
deve-se afastar desse sentido sob pretexto e nome de uma mais alta inteligência. ‘Cresça, pois e muito e
poderosamente se adiante em quilates, a inteligência, ciência e sabedoria de todos e de cada um, já seja do
homem partícula, já seja de toda a Igreja universal, das idades e dos séculos; mas somente no seu próprio
gênero, ou seja, no mesmo dogma, no mesmo sentido, e na mesma sentença’.”39
“Se alguém disser que pode acontecer que, conforme o progresso da ciência, seja necessário atribuir alguma
vez aos dogmas propostos pela Igreja um sentido diferente do que entendeu e entende a mesma Igreja seja
anátema.”40
“Que o dogma não só pode, mas que deve evolucionar e mudar, não só o afirmam sem subterfúgios os
modernistas, mas é também consequência que se segue evidentemente dos seus princípios. Porque entre os
pontos principais da sua doutrina têm eles um que deduzem do princípio da imanência vital e é que as
fórmulas religiosas, para que sejam realmente religiosas e não puras elucubrações da inteligência, devem ser
vitais e viver a mesma vida do sentimento religioso.” 41
39 – Conc. Vat. I Const. Dogmática sobre a Fé Católica. Dz. 1797. Para citação do Comonitório vide
40 – Idem, Dz. 1818, f
41 – Enc. Pascendi de São Pio X. Dz. 2080.
“Porque o que [os modernistas] pensam sobre a potestade doutrinal e dogmática é muito pior e mais
pernicioso. Sobre o magistério da Igreja fantasiam deste modo. Uma associação religiosa não pode de modo
algum ter unidade, se não há uma só consciência e uma fórmula única da qual se sirvam. Agora bem, uma e
outra unidade exige uma espécie de inteligência comum, a qual corresponde encontrar e determinar a
fórmula que mais exatamente responda a consciência comum e essa inteligência de ter suficiente
autoridade para impor à comunidade a fórmula que tivesse estabelecido. Pois bem, nesta conjunção e como
que fusão, tanto da inteligência que escolhe a fórmula quanto à potestade que a prescreve, põem os
modernistas a noção do magistério eclesiástico. Assim, pois, como em definitivo o magistério nasce das
consciências individuais e tem encomendado o seu dever público para a comodidade das mesmas
consciências, segue-se necessariamente que depende dessas consciências e deve submeter-se às formas
populares. Portanto, proibir às consciências dos indivíduos que professem pública e abertamente os
impulsos que sentem42, assim como fechar-lhes o caminho da critica pra que empurrem o dogma na direção
de uma necessária evolução, não é uso, mas sim abuso de uma potestade que lhe foi encomendada para a
utilidade. De modo semelhante deve guardar-se temperança no mesmo uso da autoridade. Censurar e
proibir um livro qualquer sem conhecimento do autor, sem admitir explicação nem discussão alguma, é
certamente coisa que está próxima da tirania. Pelo qual aqui deve achar-se um caminho intermediário, afim
de que fiquem intactos os diretos tanto da autoridade como da liberdade. Entretanto, o católico deve atuar
de modo que publicamente se mostre obedientíssimo à autoridade, mas não por isso deixa de seguir o seu
próprio gênio. Enquanto à Igreja em geral prescreve assim: Dado que o fim da potestade eclesiástica se
dirige unicamente ao espiritual, deve retirar-se todo o aparato externo com que a contemplam. No qual
restringem unicamente às almas, em que a honra que se tributa à sua potestade recai sobre Cristo, seu
fundador”.43
Querendo definir qual é a autoridade de um Concílio dentro da Igreja, o Pe. Azevedo começa por
perguntar-se qual é a autoridade suprema da Igreja, e responde dizendo que é o Colégio dos Bispos unidos
ao papa como cabeça. O Concílio, reunião solene e extraordinária do Colégio episcopal com o papa,
estabelece-se, então, como a mais alta instância doutrinária eclesiástica.
O Papa Alexandre VIII condenou como herética a seguinte sentença:
“’Também nas questões de fé pertence a parte principal o Sumo Pontífice e seus decretos alcançam a todas
e cada uma das Igrejas, sem que seja, no entanto irreformável o seu juízo, a não ser que se lhe apresente o
consentimento da Igreja.44
A proposição que estabelece: ‘que foi dada por Deus à Igreja a potestade para ser comunicada aos pastores
que são seus ministros, para a salvação das almas’; entendida no sentido de que da comunidade dos fiéis se
deriva aos pastores a potestade do ministério e regime eclesiástico, é herética.”45
Além do que, a que estabelece ‘ que o Romano Pontífice é a cabeça ministerial’; explicada no sentido de que
o Romano Pontífice não recebe de Cristo na pessoa do bem-aventurado Pedro, mas sim da Igreja, a
potestade do ministério. Pela qual tem poder em toda a Igreja como sucessor de Pedro e vicário de Cristo e
cabeça de a igreja é herética.46
42 – Como quando Pio XII “perseguiu, marginalizou e amordaçou” o teólogo modernista De Lubac.
43 – Pascendi ,Dz 2093
44 – Contra o clero Galicano, Dz 1325.
45 – Const. Auctorem Fidei, condenando os erros de Pistóia. Dz 1502.
46 – Ibidem, Dz 1503
“Em verdade, tendo Deus posto, como adverte Agostinho, na cátedra da unidade a doutrina da verdade,
esse escritor funesto, pelo contrário, não deixa pedra por mover para atacar e combater por todos os modos
esta Sede de Pedro... [O papa é] aquele a quem nenhum bispo pode igualar; de quem os bispos mesmos
recebem sua autoridade, d modo como ele mesmo recebeu de Deus sua suprema potestade... 47’’ “Contra os
hereges e cismáticos. Ensinamos, pois, e declaramos que, conforme o testemunho dos Evangelhos, o
primado de jurisdição sobre a Igreja universal de Deus foi prometida e conferido imediatamente e
diretamente ao bem-aventurado Pedro por Cristo Nosso Senhor.(...)”
A esta tão magnifica doutrina das Sagradas Escrituras, como foi sempre entendida pela Igreja Católica, se
opõem abertamente as torcidas sentenças dos que, deformando a forma de regime instituída por Cristo
Senhor para a sua Igreja, negam que só Pedro fosse provido por Cristo do primado de jurisdição verdadeiro e
próprio, sobre os outros Apóstolos, já considerados separadamente, já reunidos todos em Colégio.
Igualmente se opõem os que afirmam que este primado não foi outorgado imediata e diretamente ao
mesmo bem-aventurado Pedro, mas sim à Igreja, e por meio dela a ele, como ministro da mesma Igreja.”
(Canon)”Se alguém disser que o bem-aventurado Pedro Apóstolo não foi constituído por Cristo Senhor, príncipe de
todos os Apóstolos e cabeça visível da Igreja militante, o que recebeu direta e imediatamente do mesmo Senhor Nosso
48
Jesus Cristo somente primado de honra, mas não verdadeira e própria jurisdição, seja anátema.”
Essa doutrina sobre a autoridade papal está explicada em várias partes do Magistério infalível. Leão XIII a
desenvolveu na sua encíclica Satis Cognitum, e Pio XII na sua encíclica Mystici Corporis. Por outro lado, os
mesmos Concílios têm sua própria autoridade da aprovação que recebem do Papa, e sem ela não têm
nenhum valor de magistério, mesmo que reunisse todos os bispos do mundo. 49
“Além do que se contêm nos Decretais de Gelásio, aqui depois do Concílio de Éfeso, acrescente-se também o primeiro
de Constantinopla; e logo acrescente-se: E se alguns outros concílios foram até agora celebrados pelos Santos Padres,
50
decretamos que sejam guardados e recebidos depois da autoridade destes quatro.”
“Se o Papa com grande parte da Igreja sentisse deste ou de outro modo, e mesmo que não errasse; no entanto não
seria pecado ou heresia sentir o contrário, especialmente em matéria não necessária para a salvação, até que por um
Concílio universal fosse aprovada uma coisa ou reprovada outra.” Além do Colegialismo, o Pe. Azevedo afirma que,
para que um documento eclesiástico seja realmente um ato do Magistério é necessário que a Igreja – entendendo o
termo como conjunto dos fiéis – receba e assimile este ensinamento. Só então pode ser considerado verdadeiro
Magistério.
Contra isso a doutrina católica afirma a clara divisão da Igreja docente e da Igreja discente:
“Entre os membros que compõem a Igreja há distinção muito importante, porque há uns que mandam, outros que
obedecem, uns que ensinam, outros que são ensinados. A parte da Igreja que ensina chama-se ‘docente’ ou ‘ensinante’.
A parte da Igreja que é ensinada chama-se ‘discente’. Esta distinção na Igreja estabeleceu-a o próprio Jesus Cristo. A
Igreja docente e a Igreja discente são duas partes distintas de uma só e mesma Igreja, como no corpo humano a cabeça
é distinta de outros membros e, não obstante, forma com eles um corpo só.”
47 – Super Soliditate, Da potestade do Romano Pontífice [contra Fêbronio] do Papa Pio VI.
48 – Conc. Vaticano I, Dz 1822,1823
49 – Cfr. Carta do Papa São Gelásio I, em que decreta sobre a autoridade dos Concílios e Padres, Dz 163.
50-Cânon sobre o Primado, os Concílios e os apócrifos, de São Felix III[526-530], Dz.173
“O exercício destes poderes compete unicamente ao corpo hierárquico, isto é, ao Papa e aos Bispos a ele
subordinados.”51
O Pe. Azevedo propõe como modelo de teologia a dos teólogos do movimento chamado Nouvelle
Theologie, que tem como característica um acesso direto (sem intervenção do Magistério) às Sagradas
Escrituras, aos Santos Padres e a Liturgia, e que, a partir dessas “fontes” deve desenvolver o seu esforço de
conciliação das aparentes contradições da Fé.
Essa nova visão da teologia é uma conclusão necessária da inversão de papéis no exercício do
Magistério. Para a teologia católica o Magistério autêntico52 é a regra próxima da Fé, que nos dá o sentido
católico das regras remotas da Fé, a Sagrada Escritura e a Tradição. Para a nova teologia, o princípio de
ortodoxia passa a ser a união do “teólogo”, pelo diálogo com o que eles chamam de “Comunhão
eclesiástica”. Esta seria, de agora por diante, a que conserva o Depósito Revelado, que já não é mais uma
doutrina, mas sim “experiência, vida, presença”.
“Além disso, para reprimir os espíritos petulantes, (o sacrossanto Concílio de Trento) decreta que ninguém,
apoiado em sua prudência, tenha a ousadia de interpretar a Escritura Sagrada, em matérias de fé e costumes, que
pertencem à edificação da doutrina cristã, retorcendo a mesma Sagrada Escritura conforme o próprio sentido, contra
aquele sentido que sustentou e sustenta a santa madre Igreja, a quem corresponde julgar sobre o verdadeiro sentido e
53
interpretação das Escrituras Santas...
Apesar desta tese não ser um dos fundamentos da tese central da conferência, merece nossa
atenção pelo fato de sido afirmada de modo claro e categórico, mesmo que em passant.54 O Pe. Azevedo
explica que as palavras que aparecem escritas no Evangelho como tendo sido proferidas pro Nosso Senhor
não o foram de fato, mas são considerações, meditações, elaborações feitas a posteriori pelos Apóstolos.
Esta doutrina foi condenada pela Igreja várias vezes de modo solene. S. Pio X em sua encíclica
Pascendi, diz:
“Alguns modernistas que se dedicam a escrever a história parecem demonstrar cuidado extremo para que não os
considerem filósofos, mas pelo contrário proclamam ser ignorantes de toda filosofia. Astúcia suma, para que ninguém
pense que estão imbuídos de preconceitos filosóficos e que não são, portanto, como dizem, absolutamente objetivos. A
55
verdade é que, pelo contrário, a sua história ou sua crítica respira pura filosofia ... Portanto Deus, o mesmo que
qualquer intervenção divina no humano, devem relegar-se à fé, como uma coisa que só a ela pertence. Portanto, se se
apresenta algo que consta de um duplo elemento, divino e humano, como são Cristo e a Igreja, os sacramentos e
muitas outras coisas semelhantes, é preciso parti-lo e dividi-lo de modo que o humano seja dado à história e o divino à
fé. Daí a distinção corrente entre os modernistas do Cristo histórico e o Cristo da fé, a Igreja da história e a Igreja da fé,
56
os sacramentos da história e os sacramentos da fé, e outras coisas semelhantes a cada passo .
51 – Catecismo Maior de São Pio X, Editado por Dom Antônio de Castro Mayer, bispo de Campos, em 1976, pg 43 ss. Este Catecismo é um resumo
feito por São Pio X do Catecismo Romano do Concílio de Trento. Foi reeditado recentemente pela Editora Permanência.
52-Chama-se “autêntico” o Magistério exercido pela Autoridade hierárquica da Igreja.
53-Dz 786
54- Aula I, Cap. 3 A Igreja nasceu católica, pg.9.
55- Recomendamos a leitura de todo este capítulo da Pascendi onde o Papa explica os três grandes princípios desse racionalismo modernista.
56 – Pascendi de São Pio X, DZ.2096.
“14. Em muitas narrações, os evangelistas não tanto referiram o que é verdade, mas o que eles creram fosse mais
proveitoso para os leitores, mesmo que fosse falso.
15. Os evangelhos foram aumentados com adições e correções contínuas até chegar a um cânon definitivo e
constituído; nos quais, portanto, não ficou senão um tênue e incerto vestígio da doutrina de Cristo.” 16. As narrações
de João não são propriamente história, mas sim uma contemplação mística do Evangelho, os discursos (de Cristo)
57
contidos no seu Evangelho são meditações teológicas sobre o mistério da salvação, destituídas de verdade histórica.”
A Sagrada Comissão Bíblica, cujos decretos têm autoridade de Magistério, conferida pelo Papa São
Pio X, respondeu no dia 29 de maio de 1907 a várias dúvidas, entre ela:
“Dúvida III: Se apesar da prática que esteve constantissimamente em vigor desde os primeiros tempos da Igreja
universal de argumentar pelo quarto Evangelho como por documento propriamente histórico; considerando, no
entanto, a índole peculiar do mesmo Evangelho e a intenção manifesta do autor de ilustrar e defender a divindade de
Cristo pelos mesmos fatos e discursos do Senhor, pode dizer-se que os fatos narrados no quarto Evangelho estão
totalmente ou parcialmente inventados com o fim de que sejam alegorias ou símbolos doutrinais, e os discursos do
Senhor não são própria e verdadeiramente discursos do Senhor mesmo, mas sim composições teológicas do escritor,
mesmo que postas na boca do Senhor.
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Resposta – Negativamente.”
Diz a Pascendi:
“Assim também, dizem eles (os apologistas modernistas), há nos Livros Sagrados muitíssimas coisas viciadas de erro em
matéria histórica e científica... Além do que – acrescentam – como os Livros Sagrados são por sua natureza religiosos,
vivem necessariamente da vida; agora bem, a vida tem também sua verdade e sua lógica, distinta certamente da
verdade e da lógica racional e até de uma ordem totalmente distinta, ou seja, a verdade da adaptação e proporção, já
seja ao meio, como eles dizem, em que se vive, já seja ao fim para o qual se vive. Em fim, chega, ao extremo de afirmar
sem atenuante algum, que o que se desenvolve por meio da vida é tudo verdadeiro e legítimo. Nós, Veneráveis Irmãos,
para quem a verdade é uma e única e que os Livros Sagrados julgamos que, escritos por inspiração do Espírito Santo,
têm a Deus por autor; afirmamos que isso equivale a atribuir a Deus mesmo uma mentira oficiosa ou de utilidade, e
com palavras de Agostinho dizemos: ’Uma vez admitida em cimo tão alo de autoridade uma mentira oficiosa, não ficará
nem se quer a menor parte daqueles livros que, se alguém lhe parece ou difícil para os costumes ou incríveis para a fé,
não se refira por essa mesma perniciosíssima regra, ao propósito e condescendência do autor que mente’. De onde
resultará o que acrescenta o mesmo santo doutor: ’Nelas (ou seja, nas Sagradas Escrituras) cada um crerá o que quiser
59
e não crerá no que não quiser’.” .
Ao contrário do ponto anterior sobre a autenticidade das palavras de Nosso Senhor que, apesar de
não ser elemento essencial no raciocínio da conferência, aparece de modo explícito, esta tese não aparece
afirmada de modo explícito, mas está no centro de toda a lógica da conferência. Vemos, portanto,
referências a ela constantemente.
Para os modernistas – explica a encíclica Pascendi - a Revelação não é propriamente uma doutrina
clara e explícita, mas sim uma presença de Deus. O homem que tem de pode experimentar essa presença de
um modo vital. Só posteriormente poderá tentar elaborar uma doutrina que dê alguma razão – sempre
palidamente – dessa experiência vital, que é necessariamente subjetiva. Mas para não cair o subjetivismo
protestante, os modernistas acrescentaram que essas experiências pessoais se unificam na Igreja por meio
do culto, e que a hierarquia deve procurar fórmulas que possam abranger essas experiências vitais. A isso
eles chamam dogma. Assim parecem conciliar um subjetivismo moderado com aparência de obediência aos
dogmas da Igreja. Mas no fundo, se prestarmos atenção, são dogmas que devem prestar obediência a essa
curiosa “vida” da Igreja. A Tradição, para eles é a transmissão e conservação dessa vida.
57 – Dz. 2015 e ss.
58 – Dz. 2112.
59 - Pascendi de São Pio X, DZ. 2103.
O Pe. Azevedo identifica a posição tradicionalista que ele chamou “da Cúria Romana” com o
tomismo, ou “neo-tomismo”, ou ainda “tomismo leonino”, como disse. Segundo ele, essa opção teológica
surgiu como efeito da encíclica Aeterni Patris de Leão XIII, mas muito deformada devido ao apego exagerado
à letra de Santo Tomás, e termina por dizer que esta estreiteza não pode sequer ser chamada de teologia60.
Propõe. portanto, uma posição intermédia: “nem um retorno a Santo Tomás nem um avanço na
direção de autores modernos como Kant e Heidegger, mas um retorno às fontes”.61
Essa posição supõe necessariamente todos os erros anteriores e fundamenta-se em uma noção não
católica do que é a teologia, a Revelação e o Magistério. Aqui nos limitaremos a apresentar a lista das
referências dos papas durante sete séculos falando de Santo Tomás de Aquino e do seu papel na teologia
católica. O Pe. Azevedo parece afirmar três coisas: a) que o tomismo é algo tardio na história da Igreja,
lamentável consequência da encíclica de Leão XIII; b) que de fato Santo Tomás não chegou a formar corpo
de doutrina (“Santo Tomás não era tomista”);e c) que não há nenhuma obrigação em seguir seus
ensinamentos (que parecem ultrapassados), e que não é católico dedicar-se conhecer com exatidão esses
ensinamentos. Como veremos, a Santa Igreja tem um pensamento muito diferente do nosso conferencista.62
Alexandre IV, estando Santo Tomás vivo lhe chama de “varão ilustre pela honestidade dos costumes,
que conseguiu, por graça de Deus o tesouro da ciência e das letras.”63
João XXII disse aos cardeais na preparação para a canonização de Santo Tomás que “ele iluminou a
Igreja mais que todos os outros Doutores, e se aprende mais nos seus livros num ano do que durante toda a
vida nos livros dos demais.” Nas vésperas da canonização fez uma alocução diante de toda a Cúria Romana
dizendo que na Suma teológica “cada artigo é um milagre.”
Canonizou a Santo Tomás em 18 de julho de 1323, fazendo extremado elogio das suas virtudes e de
sua “doutrina segura (...) que ele submeteu, como dissemos, toda a sua doutrina, oral e escrita, à regra da fé
da própria Igreja, propalada pela boca de Pedro, cuja estabilidade sabia que nunca se abalaria com os ventos
das agitações humanas.”;
Clemente VI, por sua vez, não se cansou de recomendar o estudo de Santo Tomás. E mandou ao
Capítulo Geral dos dominicanos , em 1346, que a Ordem impusesse a obrigação estrita a todos os seus
religiosos de seguir a doutrina de Santo Tomás.
O Beato Urbano V, que ordenou a transladação do corpo do santo Doutor de Fossanova para
Toulouse, chama-o de “Doutor Egrégio” e diz à Universidade de Toulouse: “Queremos que se funde na
doutrina sólida e consistente daquele santo(...). Queremos também, e pela presente vos mandamos que se
sigais a doutrina do referido bem-aventurado Santo Tomás como verdadeira e católica, e que esforceis em
aplica-la com todas as vossas forças.”
Os Papas Nicolau V, Alexandre VI e Pio IV fazem gradíssimos elogios à doutrina do Doutor Angélico
que por falta de espaço não incluímos aqui.
60 – Diz o Pe, Azevedo, pg 34. “Os tomistas leoninos não liam mais as Sagradas Escrituras, apenas Santo Tomás, como se fosse o alfa e o ômega da
teologia. Chegou-se a um ponto em que a única discussão presente nas faculdades de teologia era a respeito das diferentes correntes exegéticas de
Santo Tomás, o que não é teologia plenamente católica. Não tenho nada contra Santo Tomás, pois graças a Deus, Santo Tomás não era tomista.”
61 – Op. Cit. Pg.32
62 – Permita-me o leitor citar aqui as palavras de Santo Alberto Magno sobre o seu discípulo predileto. “A flor e a honra do mundo (...), o homem
mais sábio desde o seu tempo até o fim do mundo, sem temor a ser superado por ninguém, cujos escritos brilham sobe todos os outros pela sua
pureza e sua verdade.” E falando dos teólogos da Universidade de Paris e de Oxford, que atacavam a Santo Tomás por sua adesão a Aristóteles, dizia
também Santo Alberto Magno: “Blasfemam como brutos animais das coisas que ignoram”. Citado por Fr. Ramirez OP, na introdução da Suma
Teológica, em espanhol da editora BAC. Recomendamos vivamente a leitura de todo este capítulo sobre a autoridade do Doutor Angélico. Ali ele faz
uma longa lista de comentários de santos e homens eminentes sobre Santo Tomás, antes de entrar nos comentários dos papas. Na lista que
apresentamos resumimos o que o dominicano espanhol traz na sua Introdução.
63 – Citado pelo R.P. Santiago Ramirez, OP, na Introdução geral da Suma Teológica publicada pela BAC.
“Por isso, já que as obras de tão grande doutor, mais brilhantes que o sol, escritas sem nenhum erro, com as quais
esclareceu a Igreja de Cristo com admirável erudição, podem recorrer-se com pé firme, Nós, que sempre seguimos com
particular piedade e veneração Doutor Angélico, ao exemplo dos nossos predecessores os romanos Pontífices, que
tiveram em grande honra a sua doutrina e lhe cumularam de merecidos louvores, unindo nossas palavras a esses
louvores aprovamos e confirmamos estes estatutos.”
As intervenções de Leão XIII por si só já bastam para formar enorme bulário tomista de considerável
proporção. Sua mais célebre encíclica sobre o Aquinatense é, sem dúvida, Aeterni Patris, publicada no dia 4
de agosto de 1879, convencido de que “nas doutrinas de Santo Tomás há um valor extraordinário e uma
força singular para libertar o nosso tempo dos graves males que padece.”
No ano seguinte, declara solenemente o Santo Doutor Padroeiro de todos os estudos católicos em
todos os seus níveis:
“Nós, para glória de Deus onipotente e honra do Doutor Angélico, para aumento das ciências e comum
utilidade de toda a sociedade humana, declaramos com nossa suprema autoridade o Doutor Angélico Padroeiro de
todas as Universidades, Estúdios, Academias, Liceus Escolas católicas, e queremos que como tal seja tido por todos,
venerado e seguido.”
O Papa Leão XIII, ainda, manda e subvenciona uma nova dição crítica de todas as suas obras, que se
chamará, portanto, leonina, dizendo que “nada há mais conveniente para rebater as perversas teorias de
nosso tempo e nada mais eficaz para conservar a verdade.”
São Pio X faz seus todos os louvores, recomendações e ordenanças sobre a doutrina tomista que
fizeram seus predecessores, especialmente Leão XIII, completando-as e mandando observá-las
religiosamente, o que significa que comete falta moral que não as cumpre. Ele diz: “Julgamos que é
totalmente necessário que o que o nosso ilustre predecessor prescreveu sobre o cultivo da filosofia e
doutrina tomista seja religiosamente observado.”
“Assim, pois, como não falaram os que creram que, como Nós dissemos [que Santo Tomás deve ser seguido]
‘principalmente’ e não ‘unicamente’ obedeciam ou, pelo menos não se opunham a nossa vontade seguindo a qualquer
autor eclesiástico, mesmo que os seus ensinamentos estivessem em pugna com os princípios de Santo Tomás. Mas
estes tais se enganaram completamente (...)” (O Papa explica que a Igreja exige o estudo de Santo Tomás tanto
em filosofia como em teologia).
“Portanto, os princípios básicos da filosofia de Santo Tomás não devem ser considerados como meramente opnáveis ou
discutíveis, mas como fundamentos do humano e do divino; Além do que, uma vez abandonados ou alterados de
qualquer modo esses princípios, acabarão finalmente os jovens estudantes eclesiásticos por não entender nem sequer
a terminologia usada na Igreja na proposição dos dogmas de nossa Fé. (...)”.
Além do que, se Nós ou alguns de nossos Predecessores, aprovamos e louvamos a doutrina de outro santo autor,
mesmo que esses louvores fossem acompanhados de recomendações e até de mandatos de divulga-la e defende-la, tal
doutrina deve entender-se aprovada e recomendada na medida em que esteja de acordo com os princípios do Angélico
o pelo menos, enquanto não se lhe oponha de nenhum modo (...).”
“Mas especialmente devem cumpri-la [a exigência de estudar e ensinar a doutrina de Santo Tomás] os professores de
filosofia e teologia, que devem ter bem presente que lhes foi concedida a faculdade de ensinar, não para que
exponham aos seus discípulos suas opiniões particulares, mas para que ensinem a doutrina aprovada pela Igreja, como
é a de Santo Tomás, o qual, depois do seu glorioso trânsito assistiu com ela a todos os Concílios Ecumênicos.”
Bento XV resumiu todas as exigências dos seus Predecessores, incluindo a seguinte lei no Código de
Direito Canônico: “Os professores devem expor a filosofia racional e a teologia e formar os seus alunos
nessas disciplinas, atendo-se por completo ao método, ao sistema e aos princípios do Doutor Angélico e
seguindo-os com toda a fidelidade.”64
Pio XI publicou a sua encíclica sobre SantoTomás Studiorum Ducem, no dia 9 de junho de 1923, onde
renova todas as recomendações e as exigências dos Papas nos seis séculos desde a sua canonização.
Pio XII tem também inúmeros documentos sobre o Doutor Angélico.
Fica, pois, patente, que erra o Pe. Azevedo quando pretende que o tomismo seja uma opção de
tradicionalistas a partir de Leão XIII.
64 – Can. 1366
Até agora seguimos os confusos passos do nosso conferencista, e vimos como se afasta gravemente
do pensamento da Igreja. A sua tentativa de “interpretação” do Vaticano II, curiosamente, parece mais uma
longa exortação do que uma verdadeira (e imparcial) análise. Não entrou no campo doutrinário, não desceu
até os textos (apesar das repetidas advertências do autor de que esta é a única atitude correta), mas
simplesmente quis nos fazer crer que o Vaticano II é o resultado é de uma deplorável pugna de forças
políticas, e que nós devemos optar pela “moderada”, sem saber muito bem o que significa isso
doutrinariamente.
No dia 25 de janeiro de 1983, o Papa João Paulo II, publicou a Constituição Apostólica promulgando
o Novo Código de Direito Canônico, na qual explica aos católicos perplexos de todo o mundo que “este Novo
Código pode ser entendido como um grande esforço para traduzir em linguagem canônica a doutrina
eclesiológica conciliar”. E o Papa explica que essa doutrina é profundamente nova e esta em ruptura com a
Tradição da Igreja. Ele enumera cinco principais elementos que serviam como as colunas do novo
pensamento. São eles: a Igreja como Povo de Deus, a autoridade eclesiástica como serviço, a Igreja como
comunhão, os membros do Povo de Deus participando cada qual com seu modo do triplo poder de Cristo:
sacerdotal, profético e real e a obra do ecumenismo.
Pouco tempo depois, a Comissão mista católico-luterana publicou um documento em que apresenta
sete pontos importantes “entre as ideias do Concílio, onde podemos ver uma aceitação das exigências de
Lutero65”. E o Papa, nessa mesma ocasião dos festejos promovidos pelas autoridades romanas ao 5º
centenário de Lutero, fez um discurso exaltando “a profunda religiosidade de Lutero”.
Diante destes fatos gravíssimos, Dom Marcel Lefebvre e Dom Antônio de Castro Mayer enviaram ao
Papa uma carta aberta denunciando os graves erros o Vaticano II e as reformas que lhes seguiram. Anexada
à carta foi enviada também uma breve síntese desses erros.
Propomos ao leitor, cansado de desatinos, esse texto como resumo e análise dos documentos
conciliares.
Depois de terem abalado a unidade da Fé, os modernistas de hoje empenham-se por sacudir a
unidade de governo e a estrutura hierárquica da Igreja. A doutrina, já sugerida pelo documento Lumen
Gentium do Concílio Vaticano II, será retomada explicitamente pelo novo Direito Canônico (C.336), doutrina
segundo a qual o colégio dos bispos juntamente com o papa goza igualmente do poder supremo na Igreja, e
isto de uma maneira habitual e constante.
Esta doutrina do duplo poder supremo é contrária ao ensinamento e à pratica do Magistério da
Igreja, especialmente no Concílio Vaticano I (DS3055) e na Encíclica de Leão XIII Satis Cognitum. Somente o
papa tem este poder supremo que ele comunica, na medida em que ele o julgar oportuno e em
circunstâncias extraordinárias.
A este grave erro está ligada a orientação democrática da Igreja, com os poderes inerentes no “povo
de Deus”, como se define no novo Direito. Este erro jansenista foi condenado pela Bula Auctorem Fidei de
Pio VI (DS2592).
Esta tendência em fazer com que a “base” participe do exercício do poder encontra-se na instituição
dos Sínodos e Conferências Episcopais, nos Conselhos Presbiterais, pastorais na multiplicação de Comissões
Romanas, e de Comissões Nacionais, o que também é feito no interior das Congregações religiosas (ver a
propósito Concílio Vaticano I, DS3061 – Novo Código de Direito Canônico, C.447).
A degradação da autoridade na Igreja é a fonte da anarquia e da desordem que se nota n’Ela hoje
por toda parte.
Sem duvida, o poder do Papa na Igreja é um poder supremo, mas ele não pode ser absoluto e sem
limites, visto que está subordinado ao poder divino que se espreme na Tradição, na Sagrada Escritura e nas
definições já promulgadas pelo Magistério eclesiástico (DS.3116).
O poder do Papa é subordinado e limitado pelo fim que determinou a concessão desse poder. Esse
fim foi claramente definido pelo Papa Pio IX na Constituição Pastor Aeternus do Concílio Vaticano I (DS.3070).
Seria intolerável abuso de poder modificar a constituição da Igreja e pretender apelar para o direito humano
contra o direito divino, como na liberdade religiosa, como na hospitalidade autorizada pelo novo Direito,
como na afirmação de dois poderes supremos na Igreja.
É claro que nestes casos e em outros semelhantes, há uma dever para todo o clero e fiel católico de
resistir e recusar a obediência. A obediência cega é u contrassenso e ninguém está isento de
responsabilidade por ter obedecido aos homens antes que à Deus (DS.3115), e esta resistência deve ser
pública se o mal é público e é uma causa de escândalo para as almas (S.T. IIa-IIae, q.33, a. 4 ad2).
Aí estão os princípios elementares de moral, que regulamentam as relações dos súditos com todas
as autoridades legítimas.
E essa resistência, aliás, encontra uma confirmação o fato de que atualmente são punidos os que se
mantém firmemente vinculados à Tradição e à Fé católicas, ao passo que os que professam doutrinas
heterodoxas ou realizam verdadeiros sacrilégios não são inquietados de modo algum. É a lógica de abuso de
poder.
A nova concepção da Igreja, como a definiu o Papa João Paulo II, na Constituição que antecede o
novo Código de Direito Canônico, pede uma mudança profunda no ato principal da Igreja no Sacrifício da
Missa. A definição da nova eclesiologia dá exatamente a definição da nova Missa, a saber, um serviço, uma
comunhão colegial e ecumênica. Não se pode definir melhor a nova Missa, que como a ova igreja conciliar
está em ruptura profunda com a Tradição e o Magistério da Igreja.
É uma concepção mais protestante do que católica que explica tudo quanto foi indebitamente
exaltado e tudo o quanto foi diminuído.
Em posição aos ensinamentos do Concílio de Trento na sua Sessão XXII e em oposição à Encíclica
Mediator Dei de Pio XII, exagerou-se o papel dos fiéis na participação na Santa Missa e diminuiu-se o papel
do sacerdote transformado em simples presidente. Exagerou-se o papel da Liturgia da Palavra e diminuiu-se
o Sacrifício propiciatório. Exaltou-se a ceia comunitária e foi ela laicizada, à custa do respeito e da Fé na
Presença Real mediante a transubstanciação.
Ao suprimir a língua sagrada, pluralizaram-se ao infinito os ritos, profanando-os por achegas mundanas ou
pagãs e difundiram-se traduções falsas com prejuízo da verdadeira Fé e da verdadeira piedade dos fiéis.
E não obstante, os Concílios de Florença e de Trento tinham pronunciado anátemas todas estas
mudanças e afirmado que nossa Missa no seu Cânon remonta aos tempos apostólicos.
Os Papas São Pio V e Clemente VIII insistiram sobre a necessidade d evitar as modificações e as
mudanças conservando perpetuamente este Rito Romano consagrado pela Tradição.
A dessacralização da Missa, sua laicização levam à laicização do Sacerdócio, à maneira protestante.
A reforma litúrgica de estilo protestante é um dos grandes erros da Igreja conciliar e dos mais
ruinosos para a Fé e a graça.
A situação da Igreja, em atitude de busca, introduz na prática o livre exame protestante, resultado
da pluralidade de credos no interior da Igreja.
A supressão do Santo Ofício, do Índice, do juramento antimodernista provocou nos teólogos
modernos uma necessidade de novas teorias que desorientam os fiéis e os engajam para o carismatismo, o
pentecostalismo, as comunidades de base. É uma verdadeira revolução dirigida, em última análise, contra a
autoridade de Deus e da Igreja:
66 – Essa primeira forma foi chamada de “Missa Normativa” e foi recusada pelo Sínodo. Mais tarde o Novus Ordo Missae, o Rito da Missa Nova, que
era substancialmente a mesma reforma que já tinha sido recusada, foi imposta por Paulo VI sem nenhuma consulta.
“Mas, então, o que quiseram os católicos liberais durante um século e meio? O casamento da Igreja e da
revolução. O desposório da Igreja com a subversão. A união da Igreja com as forças destrutoras da sociedade, de
qualquer sociedade, da sociedade familiar e civil até a sociedade religiosa. E esta união está escrita no Concílio: tomem
o documento ‘Gaudium et Spes’ e o encontrareis ali: é necessário unir os princípios da Igreja com a Igreja com as
concepções do homem moderno. O que quer dizer isso? Quer dizer que a Igreja deve desposar, a Igreja Católica, a
Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, os princípios que lhe são contrários, que lhe atacam, que sempre estiveram contra
a Igreja. E é precisamente esta a união que foi promovida no Concílio pelos homens da Igreja. Mas não pela Igreja.
68
Porque Ela jamais admitiria uma coisa semelhante” .
Esta união com o pensamento liberal é reconhecida claramente por todos os que fizeram o Vaticano
II. Paulo VI di-lo explicitamente no discurso citado, mas simplesmente nega que isso seja uma deformação da
verdadeira Religião. “Tudo isto e tudo o mais que poderíamos ainda dizer a cerca do Concílio, terá por
ventura da Igreja em Concílio para a cultura atual que toda é antropocêntrica? Desviado, não; voltado, sim.”
O Concílio tem, então, que dirigir-se a dois campos opostos, que até então estavam travando uma luta de
morte: a Religião verdadeira de Nosso Senhor Jesus Cristo, e a religião do homem, que se chama Revolução.
Deus no início pôs inimizade perpétua entre a Descendência da Mulher e da Serpente. E Nosso Senhor com
toda a sua mansidão disse que não rezava pelo “mundo” nosso inimigo. Mas o bondoso Concílio quis que
esses inimigos fizessem as pazes.
“O humanismo laico e profano apareceu – diz o Papa do Concílio – finalmente, em toda sua terrível estatura, e
por assim dizer desafiou o Concílio para a luta. A religião, que é o culto de Deus que quis ser homem, e a religião –
porque o é – que é o culto do homem que quer ser Deus, encontraram-se. Que aconteceu? Combate, luta, anátema?
Tudo isto poderia ter se dado, mas de fato não se deu. (...) Com efeito, um imenso amor para com os homens penetrou
totalmente o Concílio. A descoberta e a consideração renovada das necessidades humanas – que são tanto mais
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molestas quanto mais se levanta o filho desta terra – absorveram toda a atenção deste Concílio.”
67 – O Catolicismo Liberal,pelo senador Prélot, escrito em 1969. Citado por Dom Lefebvre, no seu famoso sermão de Lille, no dia 29 de agosto de
1976.
68 - O sermão de Lille.
69 - Papa Paulo VI, Discurso de encerramento do Concílio, 1965.
“O problema dos anos 60 era o adquirir os melhores valores de dois séculos de cultura liberal. De fato esses
são valores que, apesar de terem nascido fora da Igreja, podem encontra o seu lugar, purificados e corrigidos, na visão
que a Igreja tem do mundo. Foi o que se realizou. É verdade que os resultados decepcionaram as esperanças talvez um
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pouco ingênuas. É por isso que será necessário encontrar um novo equilíbrio.”