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Selfies e a exposição na era das redes sociais


“A distinção entre vida privada e pública, empresa e indivíduo, intimidade e
sociabilidade não fazem mais sentido. Em especial, a diferença entre vida do
anônimo e vida da celebridade, desaparece”, diz doutor em filosofia

por Congresso em Foco | 08/02/2015 13:00


CATEGORIA(s): Fórum

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Bajonas Teixeira de Brito Junior *

Existe uma ansiedade natural de capturar o instante. Qualquer um na situação propícia,


munido de uma câmera, fotografa. A imagem capturada serve como souvenir, uma
lembrança, que é uma parcela da vida que se preserva a salvo do esquecimento.
Preservar a lembrança foi um dos imperativos do início do século XX com a
proliferação do cinema. O que mais espantava os contemporâneos era a possibilidade de
transcender a morte – de si, dos entes queridos, dos lugares (por exemplo, a fisionomia
de um bairro, que muda com o tempo) através de suas imagens registradas pelas
câmeras. No longo prazo, porém, a fotografia venceu o cinema como forma de
preservação da imagem, um sarcófago plano da memória.

O selfie tem por princípio a facilidade de capturar o momento ou a paisagem, e, além


disso, de capturar a própria pessoa que captura. Nesse sentido, serve aos fins do
souvenir. Contudo, como é cada vez mais frequente, as pessoas ao defrontarem uma
paisagem interessante, são logo tomadas pelo frenesi da captura da imagem. Antes de
se permitirem qualquer fruição diante do quadro natural, de um patrimônio
arquitetônico, da vista da paisagem, correm para registrar em foto, como se tudo aquilo
pudesse sumir tão rapidamente quanto um vídeo no You Tube que, para não ser
perdido, faz-se rapidamente o download. Busca-se resguardar e assegurar aquilo que,
ao que parece, não se precisaria ter. Por quê?

Não se pode dizer que o sujeito não tenha consciência da possibilidade de fruir a
situação, de se deixar levar pelo prazer do encontro com a paisagem ou o lugar. Na
verdade ele tem consciência disso. E tanta que busca primeiro assegurar o domínio da
situação, pelo selfie, como uma garantia de poder voltar a ela quantas vezes queira, ou
seja, de frui-la indefinidamente mais tarde. Assim, não se trata de gozar a paisagem
aqui e agora, mas em renunciar a esse gozo imediato (momentâneo) em nome de outro,
supostamente mais duradouro. Digamos, uma gozo sustentável.

Ao se incluir o sujeito dentro do instante fotografado (como um atestado de ter vivido,


“eu estava lá”, “eu participei disso”, etc.), a imagem aprisiona tanto um ambiente
quanto quem, pela fotografia, buscou retê-lo para a memória. Assim, no futuro, ao
invés de fruir somente tal ou qual momento instantâneo, a inclusão do sujeito permitiria
fruir também a sua própria presença in loco. Congelados na imagem, ambos (o
momento e a pessoa) poderiam ser consumidos, isto é, revividos, mais tarde (e sempre).
Uma vez apreendida, salva, partilhada, enviada para os amigos ou exposta no
Facebook, a
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imagem deveria servir à finalidade adiada da fruição. Ocorre que quem faz o selfie,
nessa altura, já não curte a imagem, mas sim o número de curtidas que sua imagem
alcançou.

A experiência puramente estética que poderia vir da contemplação de uma construção,


um monumento histórico, uma vista, é retorcida para abrigar também uma experiência
matemática, já que o número de curtidas pode ser contado. A intensidade do efeito que a
foto produziu sobre a massa de curtidores, é medida pelo número de curtidas e
comentários. A densidade da experiência compartilhada através do selfie pode então ser
mensurada pelo seu sucesso. Esse sucesso está registrado em números.

Mas nesse caso, toda possível experiência estética, intelectual ou o que seja, que
pudesse ter sido ganha in loco, antes de feito o selfie, entra numa metamorfose. Agora,
em que pode alcançar maior ou menor popularidade pelo número de curtidas, isto é,
pela resposta social, o que teria sido uma experiência estética sofre uma
transformação, torna-se uma experiência social refletida em números. (De alguma
forma sempre foi assim. No romance Bel-Ami, de Guy de Maupassant, um rico
proprietário de jornal compra um quadro muito valioso e o expõe em sua mansão.
Toda a Paris vai em romaria apreciar a obra. Mas é sobretudo o valor pago ― ou seja,
número, quantidade ―que atrai os visitantes. E é o número de visitante, o sucesso, que
confirma para o comprador o acerto de ter investido na obra.

Uma diferença é que hoje esse efeito de atração não é mais monopólio dos muitos ricos,
mas foi de algum modo democratizado pelo selfie, embora se possa questionar o caráter
dessa democratização, e da “obra” em questão). No selfie, seu peso social aumenta com
o número (de curtidas, comentários, compartilhamentos, etc.) que registra a atenção por
ela recebida. A possibilidade de quantificar (os números) é muito significativa para a
mensuração do efeito de algumas coisas, como é o caso de uma informação que se quer
compartir. Mas se é uma experiência estética, um acaso, ou um prazer que se registra, é
possível medir seu significado pelo número de curtidas? E qual o significado de
“curtir”? Um mero gostar? Ou seria algo como: “eu concordo que essa foto é adequada
para figurar num perfil do Facebook”? O “curtir”, nesse caso, seria “gostar” ou
“assentir”? Seria um assentimento social ou um gosto pessoal o que qualifica o curtir?
Mas voltemos.

O certo é que, ao fim, o sujeito tem mais satisfação como seu selfie quando obtém maior
retorno social, isto é, quando pode ler esse efeito nos números. E os números, assim
como as cartas, não mentem. Nem as cartomantes. É isso talvez o que explica que o
selfie anda unido a um comportamento self philico, isto é, à selfilia, ao amor inveterado
de si próprio. O comportamento selfilítico, o novo mal do século, faz com que o sujeito
não possa se furtar a atuar como o paparazzi de si mesmo, que caça e persegue a si
mesmo continuamente, a todo momento, no trabalho, na rua, no banheiro. Onde quer
que ele busque refúgio, sempre ele consegue descobrir o esconderijo e surpreender a ele
mesmo que, desde então, como nanocelebridade, não tem paz. Mesmo que ele se
esconda embaixo da cama, ele vai surpreendê-lo ali. Ele invade toda intimidade dele
mesmo.

Desde que, como caçador de selfies, cada um pode se entregar ao ofício de perseguir a
sua própria celebridade como seu próprio paparazzi, nenhum abrigo é suficientemente
seguro. Ou melhor, nada é minimamente indevassável. Para começar, o próprio
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Facebook tem o nome do antigo portfólio das modelos, com que apresentavam sua
mercadoria às empresas. Um perfil do Facebook sem foto, na verdade, é a maior
contradição possível no mundo contemporâneo. A foto, imagem, mesmo um mísero
avatar, enfim, qualquer representamen, perfaz a essência do apresentação de si mesmo.
Se for uma empresa, a logomarca tem esse papel.

A distinção entre vida privada e pública, empresa e indivíduo, intimidade e


sociabilidade não fazem mais sentido. Em especial, a diferença entre vida do anônimo
e vida da celebridade, desaparece. O interesse doentio pela vida de figuras tão inócuas
quando as que vemos todos os dias nos portais, vidas inteiramente vazias e
insignificantes de modelos, atrizes, atores, cantores, etc., só se explica pelo fato de que
cada um, ao entrar no mundo do Facebook, se tornar o membro da comunidade das
celebridades. Criar um perfil é o preço do ingresso. Facebook é isso, a comunidade das
celebridades, mesmo daquelas que só o são para a família. Quando se aceita o papel de
nanocelebridade, celebra-se um pacto com a mídia do entretenimento, saiba-se ou não.
Nesse mundo, as coisas se tornam objetivas pelos números que as medem.

Isso é assim porque todos passam a viver dentro do mesmo sistema de medidas, que
começa lá embaixo, com aqueles membros mais desafortunados das redes sociais, quase
sem amigos (e sem curtidas), e vai subindo em direção aos superpopulares, aos
superpops. Todos, contudo, são iguais, salvo pela diferença que uns tem muita projeção
e outros pouca, ou nenhuma. Mas todos podem ser medidos e calculados. Nisso, na
essência, são iguais. Mas como uns tem maior influencia social, tem por isso um preço
maior.

O valor do merchandising, por exemplo, é cotado pelo número de seguidores nas redes
sociais, especialmente no twitter. Quem tem 500 mil seguidores, em princípio, vale
menos do que quem tem o triplo disso. Tirando que uns ganham muito, e outros nada,
somos todos iguais. Mas a maioria das pessoas ‘lucra” com as redes sócias pela mera
multiplicação dos meios que obtém através de seu perfil para sua vida prática. Amigos,
contatos, participação em comunidades, vida digital ativa, tudo isso multiplica as
oportunidades de acessos e realizações vitais. Mas aqui também uma pessoa vale
quanto pesa. Tal como a res extensa de Descartes, que inaugura a filosofia moderna,
pelo Facebook todos os relacionamentos sociais tornam-se quantificáveis. (É
interessante notar que as informações qualitativas dos perfis, as “Informações básicas e
contato”, “Detalhes sobre”, quase sempre não são preenchidas) A máquina dos números
funciona por si só. Mede-se o número de curtidas, de amigos, de seguidores, de
compartilhamentos, etc. Cada perfil deve ser administrado, e essa administração pode
render maior visibilidade, se for mais competente. Ou seja, cada um é um empresário de
si mesmo, e um contador do profite do seu profile, digamos assim. Lucra-se consigo
mesmo, como as celebridades dos antigos circos de horrores, que se exibiam para o
deleite do público. Mas agora todos estão expostos nas vitrines e todos avaliam as
demais vitrines. O público se exibe para o público. Quanto maior o homem, maior o seu
valor nessa arena. Até alcançar as dimensões do homem elefante, e seu valor de
exibição.

Essa mesma mensuração, calculabilidade, peso determinado pelos números, se encontra


nas diversas redes de exposição desse sistema de celebrização. Assim, não é a
futilidade, imbecilidade ou o que seja da celebridade X que a faz diferente do cientista
Y, ambos donos de um perfil no Facebook. De modo algum. Os dois são inteiramente
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iguais pelo estofo social e midiático que assumem. A diferença é que a celebridade X
tem 10 mil vezes mais seguidores que a nanocelebridade conhecida como cientista Y. E
em 99% dos casos acontece assim porque a celebridade é mais interessante e
inteligente que o cientista, e por isso tem um público maior. Raros são os cientista que
evoluíram além do vocabulário emplumado dos papagaios. E isso os torna muito
chatos. Mas o que interessa é mostrar que não existe mais traçado qualitativo que isole
categorias sociais entre si.

O característico do mundo social, como Hannah Arendt enfatizou, sempre foi promover
a diferenciação, as distinções, entre as categorias. Sempre foi assim. As sociedades dão
nomes (pai, mãe, filho, irmão, tio, chefe, etc.) e posições de dignidade aos seus
membros. Distribui as posições de hierarquias (reis, sacerdotes, escravos, etc.), de
superioridade e inferioridade, de valor ou desvalor, de respeito ou desonra, etc. Tudo
isso são qualidades. (Na verdade, há uma diferença, mas é impossível expô-la aqui)

Hoje, com o predomínio das redes sociais, as diferenças qualitativas, vão se


desfazendo na exclusiva diferença quantitativa, matemática. O que faz com que
alguém tenha mais valor é o ter mais seguidores que outros. Não é pior nem melhor
que antes, só bastante diferente em certos aspectos. Seja na China antiga, no Egito dos
faraós, na Grécia dos filósofos, na idade média europeia, em todas as épocas, os
poderosos quiseram ter o máximo possível. E os pobres os seguiram querendo também.
A diferença hoje é que a rede social é uma máquina que expõe e processa de imediato
para todos quanto cada um possui. Ou seja, cria a ficção de objetividade total. A
loucura atual por devassar a intimidade alheia vem disso, do ímpeto de dar
objetividade visível a tudo. O filme Free Rainer (Alemanha, 2007), trata bem dessa
hipertrofia da visão.

As quantidades foram inicialmente qualidades hierárquicas, como mostrei em outro


lugar. No título de Frederico II, o Grande, por exemplo, “grande” não significava
enorme ou gigantesco, mas superior hierarquicamente aos demais reis da Prússia.
Desde o início da sociedade humana, ‘grande’ significou superior. E diversos
outros termos tiveram a mesma origem, o que não é o caso de apresentar aqui.

Hoje, toda “grandeza” é numérica. Assim, o que qualifica a posição do sujeito e sua
distinção na sociedade é a sua quantidade. A sua qualidade é a sua quantidade. Todos
os sujeitos sociais estão integrados num contínuo que vai desde os menos curtidos até
os mais seguidos. Quando no início de 1945, Churchill propôs a Stalin na conferência
de Ialta fazer do Papa um aliado, ouviu a seguinte resposta: “Tudo bem. As guerras são
travadas com soldados, canhões e tanques. Quantas divisões tem o Papa?”

Essa é a questão agora. Cada um deve responder pela sua identidade dando os seus
números: “Quantas curtidas vocês tem?”. Claro que poucas vezes as pessoas têm
consciência disso. Mas intuitivamente todo mundo sabe, e não é raro ver os chamados
mendigos de curtidas implorando migalhas aos amigos: “Me curte! Me curte! Me
curte!”. A curtida é o tostão do mendigo digital. Acontece também, por exemplo, de às
vezes vazar um vídeo íntimo protagonizado por conhecidos e, nesse caso, as levas de
pedintes vociferam ensandecidas: “O vídeo! O vídeo! O vídeo! Queremos o vídeo!”
Aqui a paixão do ver (vídeos, tubes, etc.) se junta com o vício do selfie, ou seja, as
sublimes perversões do ver (escopofilia) e do ser visto (selfilia). E essa pulsão de ver
tudo não é, ela mesma, vista pelos agentes porque o “selfie” é uma espécie de pronome
irreflexivo.
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E com isso voltamos ao selfie. Afinal, essa curtida implorada é a do selfie. É


interessante que nessa primazia do selfie sobre as demais experiências, ou melhor, sobre
a própria experiência, o que sumiu foi o Self, isto é, o Si mesmo ou o Próprio, termos
pelos quais se traduz a palavra inglesa. A tendência, crescente, é a de que não sejamos
mais Eus, porque há uma igualização de todos, nem tenhamos mais nada próprio, já que
nos adaptamos a similitude imposta pela tecnologia (por exemplo, a mesma estrutura
para todos os perfis de cada rede social). A ruptura de qualquer preservação ou
isolamento da privacidade cresce com a exposição da intimidade (as viagens, festas,
encontros com amigos, etc.) o tempo todo. São as armas mais eficientes da
popularidade nas redes, já que responde a uma compulsão coletiva de acesso à
intimidade dos demais (como ocorre no Big Brother). A tecnologia das redes é uma
tecnologia de exposição.

Nesse sentido, a selfie não é uma exposição do Eu mas de um desempenho, uma pose,
uma ação, um estado, um momento, realizado através da autoimagem de um
personagem que é sempre mutante. Ele expõe e registra essas mutações. Mas e o “eu”,
onde ele está? Ele está se diluindo cada vez mais. Esse processo já é antigo. Faz parte
da própria sociedade de massas, isto é, uma sociedade em que o indivíduo dotado de
uma personalidade sólida, exclusiva, típico do século XIX, é substituído pelas massas
do século XX, muito mais maleáveis, manipuláveis e mutantes pelas técnicas da moda,
da mídia, da propaganda, dos governos, etc. As redes, em especial o Facebook,
promovem a extrema massificação. Reflita-se, por exemplo, sobre o Facebook com 2
bilhões de perfis, idênticos, dotados das mesmas ferramentas, instalados dentro das
mesmas caixas cinzas com limitadas possibilidades de edição. O que é isso? É como
uma cidade planejada, um conjunto habitacional de dimensões monstruosas, que se faz
possível devido à sua extrema simplicidade e padronização.

Essa cidade é, ao mesmo tempo, um mercado, o maior do mundo. Nele se produz


riqueza através de anúncios. Cada vez que abrimos o nosso perfil, que é uma das
paredes sobre as quais os anúncios são postos, estamos produzindo riqueza, trabalhando
para o Facebook. Mas também para nós mesmos, já que ampliar o número de relações,
significa aumentar as chances de formação, de informação, de emprego, etc.

A imagem, a exposição da imagem (especialmente a das empresas, a das celebridades, a


das corporações) é a via de implementação do valor e da riqueza na presente fase do
capitalismo. A do capital imaterial. Quanto mais seguidores e mais consumidores,
maior o valor das empresas na bolsa. Assim, como se sabe, o valor no Facebook nas
bolsas explodiu com o crescimento dos seus usuários. Da sua “comunidade”.

É compreensível que sendo um reino de imagens, portanto, de imagens posadas,


editadas, manipuladas, mesmo quando pretensamente naturais, o Facebook se torne o
paraíso dos perfis falsos, dos bots, dos robôs e dos ciborgues. E que estes seres dotados
apenas de vida virtual, sejam mobilizados para criar perfis que são inchados com
legiões de seguidores inexistentes. Em parte, isso se deve ao fato de que as massas
digitais, cada vez mais reduzidas a zumbis, se aproximam em muito de uma falsa
existência, no sentido de uma existência alienada. Daí para que entidades artificiais
(bots, ciborgues, etc.) passem por humanos, não é nada difícil. E ainda que, embora não
existam, ocupam as redes também exibindo o seu selfie, isto é, as imagens da sua
intimidade fabricada pela clonagem.
Crescentemente ser é manifestar-se através da imagem. Por que? Porque ser é exercer
influência sobre os demais. A imagem disposta nas mídias e nas redes é a forma mais
visível desse poder. Nesse sentido, de influenciar (digital influence) ser é agir sobre os
demais. Em geral, todos podem ter sua imagem na forma da foto, e sua modalidade
mais pessoal, a selfie. Alguns dominam o vídeo, e essa imagem em movimento, tem
um alcance maior, como é o caso das celebridades do Youtube. Ao que parece, o ser se
transformou em um fluxo contínuo (a renovação permanente do perfil, expressando a
renovação sem fim que é exigida de cada um). Ou seja, a renovação das ações dirigidas
a influenciar os demais.

Curiosamente, nesse sentido, os bots e ciborgues, na medida em que são capazes de


produzir efeitos na opinião pública, exercem é claro uma forte influencia digital, ao
menos no conjunto de centenas e milhares deles devotados à mesma promoção. E se ser
é agir, exercer influencia sobre os demais, os bots e ciborgues, embora não existam, têm
ser e são agentes.

Enquanto na vida diária somos obrigados a cultuar o segredo (das senhas), a nos dividir
permanentemente entre o presencial e o virtual (o que irá se radicalizar com o “Uber
Humano”), entre a rotina e a imagem que postamos nas redes, entre os múltiplos
interesses que surgem na navegação (como a inúmeras janelas que abrimos em um
navegador), o selfie expressa apenas um ponto instável, que logo irá ser substituído,
sempre apontando para além de si mesmo, rapidamente tornando-se obsoleto, como que
uma ruína de uma imagem. Novas imagens, novos vídeos, novas lives, devem ser
providenciadas para substituir a morte precoce dos anteriores. O mundo digital reduz
rapidamente à escombros tudo que nele é exposto. Assim, como faz consigo mesmo:
espaços de armazenamentos, velocidades de conexão, etc., logo tornam-se reduzidas e
até desprezíveis diante das inovações.

Assim, a exposição da intimidade, mesmo o que antes era resguardado com tabus como
o mais íntimo, a vida sexual, já não é mais tão grave, uma vez que a intimidade perdeu
o seu peso (grave significa pesado). Além disso, no fluxo constante, toda exposição,
logo se torna ultrapassada e se converte em ruínas. E a curiosidade que ela desperta, só
se mantém se for insistentemente realimentada. Como faz o clã kardashian. Ou seja, ao
fim, para quem quer se valer dela, a exposição da intimidade reverte em forma de
produzir capital.

Esse assunto poderia continuar procurando-se entender a relação dele (em particular, da
exposição da intimidade) com a era dos reality shows, que vai envelhecendo, e como
nos dois casos, uma mesma ideia de gozar pela semi-delinqüencia de ultrapassar uma
linha divisória entre o acesso e a invasão, entre o que seria interdito e o que se poderia
ver, estão em ação. Tudo deve se tornar transparência, e o modelo de invasão ou do
atentado contra a intimidade (Pânico na TV, CQC, etc.) é uma forma de entretenimento
que é muito bem remunerado justo por oferecer ao seu público a perversa demolição da
privacidade. Uma privacidade já reduzida ao mínimo, rala e suspeita, já que aqueles que
se sentem feridos por essa invasão, que coloca centenas de milhares de olhos pelo
buraco da fechadura, é em geral aquela celebridade que, também ela, deve profanar sua
própria privacidade para obter visibilidade no mercado. O conceito dos programas
citados é só o de um surf parasitário da visibilidade instalada pelo número e a demolição
da intimidade. Ou seja, um surf sobre o selfie.

* Bajonas Teixeira de Brito Junior é doutor em Filosofia, autor do ensaio, traduzido


pelo filósofo francês Michael Soubbotnik, Aspects historiques et logiques de la
classification raciale au Brésil (Cf. na Internet), e do livro Lógica do disparate.

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