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Neste trecho do livro “Re ections of a Russian Statesman” de 1898, o escritor, jurista,
lósofo político e Procurador-chefe do Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa
Russa, Konstantin Pobedonostsev, re ete sobre a teoria do Parlamentarismo em uma
análise capaz de explicar não apenas dilemas comuns a este Sistema de Governo, mas a
todos os Sistemas de Governos democráticos em geral, de modo a continuar
perfeitamente atual.
Aquilo que está fundado na falsidade não pode estar certo. Instituições fundadas em
princípios falsos não podem ser senão falsas. Essa verdade foi demonstrada pela
amarga experiência das eras e gerações.
Essa é a teoria. Olhemos, agora, para a prática. Mesmo nos países clássicos do
Parlamentarismo ele não satisfaria nenhuma das condições enumeradas. As eleições de
modo algum expressam a vontade dos eleitores. Os representantes populares não são
de nenhum modo restringidos pelas opiniões de seus constituintes, e sim guiados por
suas próprias opiniões e considerações, que se modi cam pelas táticas de seus
oponentes. Na realidade, ministros são autocratas e governam, em vez de serem
governados pelo Parlamento. Eles alcançam o poder e perdem o poder, não por força
da vontade do povo, mas por uma imensa in uência pessoal, ou in uência de um
partido forte que os coloca no poder ou os afasta dele. Dispõem à vontade da força e
dos recursos da nação, concedem imunidades e favores, mantêm uma multidão de
ociosos às custas do povo e não temem nenhuma censura enquanto desfrutam do
ociosos às custas do povo e não temem nenhuma censura enquanto desfrutam do
apoio no Parlamento de uma maioria que preservam através da distribuição das
recompensas das ricas mesas que o Estado colocou à sua disposição. Na realidade, os
ministros são tão irresponsáveis quanto os representantes do povo. Erros, abuso de
poder e atos arbitrários ocorrem diariamente, mas com que frequência ouvimos falar
da responsabilização de um ministro? Talvez uma vez em cinquenta anos um ministro
seja julgado por seus crimes, com um resultado insigni cante quando comparado com a
fama alcançada através da atuação solene.
No frontão deste edifício está inscrito: “Todos pelo Bem Público”. Isto não é mais que
uma fórmula mentirosa: o Parlamentarismo é o triunfo do egoísmo – sua expressão
máxima. Tudo aqui é calculado para o serviço do ego. Na cção parlamentar, o
representante, como tal, renuncia à sua personalidade e serve como a encarnação da
vontade e das opiniões de seus eleitores; mas na realidade, os eleitores, no próprio ato
da eleição, dispõem de todos os seus direitos em favor de seu representante. Em seus
discursos e comícios, o candidato à eleição dá ênfase constante a essa cção; ele reitera
suas frases de efeito sobre o bem-estar público; não é nada senão um servo do povo;
ele se esquecerá de si mesmo e de seus interesses por sua causa. Mas essas são
palavras, palavras, palavras apenas – degraus temporários da escada pela qual ele sobe
até a altura que aspira, e que descarta quando dela não precisa mais. Então, longe de
começar a trabalhar para a sociedade, a sociedade torna-se o instrumento de seus
objetivos. Para ele, seus eleitores são um rebanho, um agregado de votos, e ele, como
seu possuidor, assemelha-se aos ricos nômades cujos rebanhos constituem todo o seu
capital – a base de seu poder e eminência na sociedade. Assim se desenvolve com
perfeição a arte de jogar com os instintos e paixões da massa, a m de atingir os
objetivos pessoais de ambição e poder. O povo perde toda a importância para o seu
objetivos pessoais de ambição e poder. O povo perde toda a importância para o seu
representante, até que chegue o momento de jogar novamente; quando então, frases
falsas, lisonjeiras e mentirosas são tão profusas quanto antes; alguns são subornados,
outros, oprimidos por ameaças – a longa cadeia de manobras rejeita o que forma um
fator invariável do Parlamentarismo. Ainda assim, essa farsa eleitoral se estabelece para
enganar a humanidade e para ser considerada uma instituição que é a cúpula do
edifício do Estado. Pobre humanidade! Na verdade, pode-se dizer: mundus vult decipi,
decipiatur.¹
As eleições parlamentares são uma questão de arte, tendo, como a arte militar, suas
estratégias e táticas. O candidato não é posto em relações diretas com seus eleitores.
Como intermediária está a comissão, uma instituição autoconstituída, cuja principal
arma é a imprudência. O candidato, se for desconhecido, começa reunindo vários
amigos e clientes. Então, todos juntos organizam uma caçada entre os aristocratas ricos
e mentes-frágeis da vizinhança, a quem convencem que é seu dever, sua prerrogativa e
e mentes-frágeis da vizinhança, a quem convencem que é seu dever, sua prerrogativa e
seu privilégio estar à frente como líderes da opinião pública. Há pouca di culdade em
encontrar pessoas estúpidas ou ociosas facilmente enganáveis por esse truque; e então,
sobre suas assinaturas, surgem manifestos nos jornais, nas paredes e pilares que
seduzem a massa, sempre ansiosa na busca por nome, títulos e riqueza. Assim se
formam os comitês que dirigem e controlam as eleições. Assemelham-se a muitas
empresas públicas. Sua composição é cuidadosamente elaborada: contém algumas
forças efetivas – homens enérgicos que perseguem a todo custo ns materiais;
enquanto ociosos simples e frívolos constituem o lastro. Os comitês organizam reuniões
onde são proferidos discursos, onde aquele que possui uma voz poderosa e é capaz de
reunir rápida e habilmente frases de efeito, produz sempre uma impressão de que é um
homem da massa, adquirindo notoriedade – desse modo, surge o candidato para
futuras eleições que, mediante condições favoráveis, pode até suplantar aquele a quem
veio ajudar. Frases de efeito e nada além de frases de efeito dominam essas reuniões. A
massa dirige-se apenas àquele que grita mais alto e que, com impudência e adulação,
adequa-se de maneira mais artística aos impulsos e tendências da multidão.
Na teoria, o candidato eleito deve ser o favorito da maioria; na prática, ele é o favorito
de uma minoria, às vezes muito pequena, mas representando uma força organizada,
enquanto a maioria, como a areia, não tem nenhuma coerência e, portanto, é incapaz
de resistir à panelinha e à facção. Na teoria, a eleição favorece os inteligentes e capazes;
na realidade, favorece o apelador e o insolente. Poderia pensar-se que a educação, a
experiência, a conscienciosidade no trabalho e a sabedoria nos assuntos públicos
seriam requisitos essenciais ao candidato; na realidade, independentemente de essas
qualidades existirem ou não, elas não são de modo algum necessárias na luta pela
eleição, onde as qualidades essenciais são a audácia, uma combinação de impudência e
oratória, e até mesmo alguma vulgaridade, que invariavelmente atua sobre as massas; a
modéstia, unida à sensibilidade de pensamento e sentimento, não vale nada.
Assim nasce o representante do povo, assim ele adquire o seu poder. Como ele o
emprega, como ele o transformará em vantagem? Se enérgico por natureza, tentará
formar um partido; se for de natureza comum, juntar-se-á a um outro partido. O líder
formar um partido; se for de natureza comum, juntar-se-á a um outro partido. O líder
de um partido requer, sobretudo, uma vontade resoluta. Esta é uma qualidade
orgânica, como a força física, e de maneira alguma acompanha necessariamente a
excelência moral. Com intelecto limitado, com egoísmo in nito e até perversidade, com
tendências vis e desonestas, um homem com um ímpeto forte pode se tornar um líder
no Parlamento, e pode controlar as decisões de um partido que contém homens
superiores em valor moral e intelectual. Tal pode ser o caráter de uma força dominante
no Parlamento. A isto deve-se juntar outra força decisiva – a eloqüência. Esta também é
uma faculdade natural, a qual não envolve nem caráter moral, nem alta cultura
intelectual. Um homem pode ser um pensador profundo, um poeta, um general
habilidoso, um jurista excelente, um legislador experiente e, ao mesmo tempo, não
possuir o dom da fala eloquente, ao passo que, ao contrário, alguém com capacidade
intelectual e conhecimento comuns pode possuir um dom especial de eloqüência. A
união deste dom a uma plenitude de poder intelectual é um fenômeno raro e
excepcional na vida parlamentar. As mais brilhantes improvisações que deram glória
aos oradores e determinaram decisões sérias, quando lidas, são tão incolores e
irrelevantes quanto as descrições de cenas interpretadas em tempos passados por
atores e cantores célebres. A experiência mostra que, nas grandes assembléias, a
decisão não pertence à razão, mas à ousadia e ao brilhantismo; que os argumentos
mais efetivos sobre a massa não são os mais simétricos, os mais verdadeiramente
retirados da natureza das coisas, mas aqueles expressos em palavras e frases eufônicas,
artisticamente selecionadas, constantemente reiteradas e calculadas sob o instinto de
baixeza dominante nas pessoas. As massas são facilmente atraídas por explosões de
declamações vazias, e sob tais in uências muitas vezes tomam decisões repentinas,
pelas quais lamentam quando consideram o caso a sangue-frio.
Portanto, quando o líder de um partido combina com uma vontade forte o dom da
eloquência, ele assume seu primeiro papel em um palco aberto diante do mundo
inteiro. Se ele não possui esse dom, posiciona-se como um diretor nos bastidores e
comanda todos os movimentos do espetáculo parlamentar, atribuindo papeis aos
outros, designando oradores para falar em seu lugar, empregando em sua obra todos
os intelectos ricos mas irresolutos do seu partido para pensarem por ele.
Notas:
[1] Do latim “O mundo quer ser enganado: portanto, que seja enganado!”
Tradução: Valéria Cutrim
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Rodolfo diz:
19 de outubro de 2018 às 18:54
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