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Rogerio Bernardino da Silva Jeffersom Cordeiro Assoni
Dr. Jorge Guerra Villalobos
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Rogerio Bernardino da Silva Conselho Editorial
Drª. Maria das Graças Limas
Revisão Gráfica Drª. Maria Aparecida Cecílio
Cristiano Niero Ms. Kiyomi Hirose
Edson Barreiro Drº. Geovanio Rossato
Drº Elias Brandão
Organização Me. Fabio Angeoletto
Dr. Jorge Guerra Villalobos

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Dra. Myrna T. Rossi Rego Matheus Aparecido Godoy Ribeiro
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Feito no Brasil / Made in Brazil


2008 – 2ª Edição
Tradução de: Karin Schawabe Meneguetti e Jorge Guerra Villalobos

A INSTITUCIONALIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA DA GEOGRAFIA FRANCESA

Apesar da prematura criação, de uma cátedra de geografia na Universidade de


Paris, em 1809, e da fundação, em 1828, da primeira sociedade geográfica européia em
Paris, pode-se afirmar que, de fato, a institucionalização universitária e o
desenvolvimento da geografia moderna só se realizaram na França no último terço do
século XIX. A demanda de professores de geografia para a escola primária e secundária
será sentida muito lentamente, apesar da expansão das cifras de escolarização. Foi o
impacto produzido pela derrota de 1870 frente à Alemanha que constituiu o impulso
decisivo para a reforma do ensino, dando maior presença à geografia no nível primário e
secundário e ampliando, por sua vez, o ensino desta matéria na universidade.

DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E SABER GEOGRÁFICO

As reformas educativas e institucionais realizadas na época revolucionária e


napoleônica deram lugar a uma fase de intenso desenvolvimento científico durante os
três primeiros decênios do século XIX, no qual a geografia propriamente dita esteve
praticamente ausente. Para a regeneração do homem e a organização da nova
sociedade, os políticos da Revolução consideraram que a ciência e a educação eram
essenciais e que o estado tinha a responsabilidade de impulsioná-las. Assim, grandes
esforços foram realizados nesta direção e os cientistas e intelectuais foram chamados a
assumir importantes responsabilidades políticas. 301 A criação de instituições científicas
bem dotadas, como a Escola Politécnica, a Escola Normal Superior, o Conservatório de
Artes e Ofícios, ou o Museu de História Natural, permitiu que a atividade científica
pudesse se desenvolver por tempo integral e se convertesse em uma profissão, uma vez
que se implantavam normas impessoais de recrutamento através dos concursos. Foram
criados novas cátedras científicas e começaram a ser publicadas revistas especializadas
como os Anais de Química, os de Matemáticas ou os do Museu de História Natural.

301 CROSLAND, 1977; BEM DAVID (1971), Ed. 1974, págs. 113-126; LEON, 1977, cap. IV. Sobre as modalidades do desenvolvimento científico francês a partir de 1800, FOX, 1973.
A contrapartida de tudo isso foi a excessiva centralização da vida intelectual e
científica em Paris, o que se momentaneamente deu lugar a desenvolvimentos rápidos e
espetaculares, a longo prazo provocou a rigidez do sistema e o empobrecimento das
iniciativas provinciais. A universidade imperial criada por Napoleão reunia todos os
docentes superiores do Estado e teve sua sede em Paris como universidade central,
enquanto que nas províncias só foram criadas faculdades dependentes.
Neste desenvolvimento, a presença da geografia foi débil. Os levantamentos
cartográficos exigiam complexas operações astronômicas e geodésicas e haviam
passado a ser realizados por físicos ou matemáticos, que foram constituindo corporações
científicas diferenciadas. O fracasso da criação do Museu de Geografia de Paris,302
ainda que se tenha devido sobretudo a rivalidades entre as distintas armas, é também o
sintoma do fim de uma época na qual a cartografia se identificava com a geografia. Por
outro lado, nas Faculdades de Ciências, criadas em 1808, e nas instituições
especializadas adquiriam desenvolvimento as ciências da Terra, como a história natural,
que teria em Cuvier uma figura de destaque, e a geologia, cujo representante mais
destacado seria Léonce Élie de Beaumont (1798-1874). Na cátedra de geografia da
Universidade de Paris, ao contrário, a disciplina era de fato uma ciência auxiliar da
história, e os sucessivos catedráticos que a ocuparam (J. D. Barbié du Bocage entre
1809 e 1825; A. Barbié du Bocage, de 1825 a 1835; J. D. Guigniaut, de 1835 a 1862; e
A, Himly, de 1862 a 1899) eram, sobretudo, historiadores, e explicavam essencialmente
a geografia antiga para uso de historiadores. 303
Questões tão importantes como a disputa do evolucionismo entre realizava por
geólogos e biólogos, sem que seus ecos chegassem à geografia, e sem que os cientistas
considerassem esta ciência mais que uma "disciplina prática" que oferecia dados a
políticos, comerciantes ou o público em geral. Como ressaltou Numa Broc, nas
classificações da ciência realizadas no século XIX a geografia ou bem estava ausente,
ou bem se unia seja à geologia, seja à etnologia, ou bem se dividia entre geografia física
e política, mas "em nenhuma parte aparece a idéia que o objeto da geografia pudesse
ser justamente a colocação em paralelo de fatos físicos e fatos políticos".304
Se a tudo isso acrescentarmos que a Sociedade de Geografia de Paris, fundada em
1828, tinha, sobretudo, objetivos relacionados com a exploração e as viagens;305 que as
obras de Humboldt, ainda que em boa parte escritas em francês, tiveram um eco
imediato principalmente entre os físicos e naturalistas,306 e que a geografia física estava

302 BROC, 1974 (d).


303Outros testemunhos sobre a decadência da geografia na primeira metade do século XIX em CAPEL, 1977, n° 8, págs. 8-9.
304 BROC: Eugène Cortambert, 1976. Segundo este autor, o único que em meados do século XIX falou de ciências "físico-morais" foi precisamente Cortambert, em seu Place de la Géographie dans la classification des
connaissances humaines (1852).
305 Veja-se mais adiante, cap. VII.
306 O Cosmos foi traduzido para francês por "um dos astrônomos do Observatório de Paris", enquanto que Humboldt foi pouco ou nada citado pelos geógrafos, que tinham uma formação e uma preocupação histórica.
Como exemplo desta escassa utilização, pode-se citar a obra de M. L. LANTER, "Agregé de l'Université, Professeur d'Histoire et de Géographie au Licée Janson-de-Sailly et à l'École des Hautes études Commerciales", o
qual publicou uma obra sobre a América (L'Amérique. Choix de Lectures de Géographie, accompagnées de resumes, d'analyses, de notes explicatives et bibliographiques, Paris, Librairie Classique Eugène Belin, 5.ed.
Revue et corrigée, 1887, 656 págs.), na qual apesar do tema, não existe nenhuma leitura procedente de Humboldt sobre a América; Humboldt aparece citado no índice alfabético de nomes, mas isso se deve simplesmente a
sua citação por outros autores.

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cada vez mais associada à geologia e enfrentava, além disso, a competição incipiente de
uma nova ciência, a fisiografia,307 podemos chegar à conclusão de que não existiam
razões científicas de peso para a institucionalização universitária e o desenvolvimento da
antiga geografia, afetada gravemente em seu conteúdo pelo crescimento da
especialização científica.
Mas enquanto isto ocorria, a geografia era uma matéria popular em outros níveis
elementares, e seguramente ganhava adeptos. Revistas como o "Journal de Voyages"
criada por Malte Brun em 1808, "La Tour du Monde" ou "Lectures Géographiques"
forneciam ao grande público letrado informação sobre países exóticos, e sobre os
progressos da colonização européia. Obras monumentais de geografia universal, como a
do dinamarquês radicado na França, Malte-Brun, Précis de Geographie Universelle
(1810-1929), ou a do italiano Adriano Balbi representavam importantes esforços de
sistematização dos conhecimentos geográficos dos países da Terra. Mas inclusive
nestes casos o domínio geográfico não era indiscutível, já que a incorporação de dados
numéricos sobre produção ou comércio aproximava o estudo dos países à ciência da
estatística, motivo pelo qual Balbi sente-se obrigado a dedicar grande atenção à
distinção entre as duas ciências, e a analisar a obra estatística do Barão von Zeidtlitz
(1829).
De início, deve-se reconhecer que esta geografia descritiva de países não se
caracterizava pelo rigor de seu método, e que podia dar oportunidade a burlas e
menosprezo por parte de outros cientistas. Tomemos como exemplo o Précis de la
Géographie Universelle de Malte-Brun, tantas vezes editado na França e outros países.
A obra começa por um quadro histórico dos progressos da geografia, no qual insiste,
sobretudo, nos avanços da exploração da Terra e discute em seguida a teoria geral,
dividindo a geografia em matemática, física e política. Por último, se chega à parte
essencial da obra, a descrição dos continentes e países, o que exige do autor "grandes
meditações antes de encontrar e determinar o método que oferece maior solidez e
parece mais agradável". O problema é este:
"Uma ordem puramente geográfica parece que chegaria a eliminar as relações
políticas e morais dos diversos quadros que temos que apresentar; uma ordem
puramente política dificultaria a descrição de montanhas, mares, rios e climas. Como
conciliar de algum modo estes métodos? É necessário tentar mais de um caminho, variar
os meios de acordo com os obstáculos que nos propomos a vencer". 308
Nesse sentido, nada de um só método científico único, mas diversidade deles,
segundo convenha. O mesmo problema se coloca ao tratar concretamente a descrição
de cada país, já que "o emprego muito rigoroso destes métodos abstratos [da geografia
especial ou regional] é o que dá aos livros de geografia tanta rispidez", e com "essa vã

307 Eugène Cortambert escreveu uma Physiographie, Description générale de la Nature pour servir d'introducion aux sciences géographiques (1836), que constitui um compêndio de ciências físicas e naturais para uso de
geógrafos, de formação quase que exclusivamente histórica; Numa Broc o qualificou como uma mescla de noções de "astronomia, geologia, geografia, botânica e meteorologia", uma espécie de "Cosmos do pobre", BROC,
1976 a e b; e o artigo do mesmo autor em FREEMAN e PINCHEMEL, 1978, vol. II. Sobre a fisiografia, veja-se infra, cap. IV, págs. 142-143.
308 MALTE-BRUN, Ed. De Victor A. MALTE-BRUN, s. f., vol. I, pág. 12.

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aparência de ciência a geografia essa imagem viva do universo, parece apenas uma fria
e triste anatomia". Por isso a solução se impõe: "seguir os princípios gerais da arte de
escrever, e variando segundo a natureza dos objetos, não só o tom como também a
ordem da descrição", tenta-se criar "para a pintura de cada dia, um quadro particular que
convenha à magnitude relativa dos objetos".309 Logo se vê que se trata essencialmente
de problemas metodológicos relacionados com a apresentação ao grande público, e que
dificilmente esta discussão pode ser considerada científica no mesmo sentido que o era,
por exemplo, a astronomia de Laplace, ou a biologia de Cuvier.

A GEOGRAFIA NO ENSINO PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO

A geografia desfrutou naquele momento de um apoio importante: sua presença


tradicional no ensino básico. Como já foi dito, a França revolucionária valorizou
extraordinariamente o papel da educação e realizou, por isso, um esforço para difundir o
ensino elementar, que haveria de contribuir para criar o homem novo. Depois da
Restauração, a necessidade de atender as exigências da nova ordem industrial, assim
como de assegurar a ordem social estimulando nas classes populares um sentimento de
respeito, asseguraram também a sustentação da tendência à difusão do ensino,310 ao
mesmo tempo em que emergem os enfrentamentos entre leigos e religiosos por seu
controle. O ensino primário foi se implantando em todo o território. O número de
professores era, em 1837, de 60.000 (18 por 10.000 habitantes), e em 1863 havia
aumentado para 109.000 (29 por 10.000 habitantes), sendo a cifra mais elevada tanto
absoluta como relativa, da Europa de meados do século XIX.311 Situação semelhante
acontecia com a escolarização: o total aproximado de crianças que freqüentavam as
escolas elementares era de 2,9 milhões em 1840 e de 3,5 milhões em meados do século
XIX, números não alcançados por nenhum outro país europeu.312
Ao mesmo tempo o ensino secundário, que havia sido ministrado nas "escolas
centrais de ciências e letras" até 1802, foi organizado em seguida nos liceus e "colleges".
Junto a um ensino clássico baseado nas humanidades vão se instituindo também ciclos
com uma maior presença de disciplinas científicas, e desde 1865 incluíram-se cursos
especiais destinados a formação de "sub-oficiais da indústria".313 O número total de
alunos do ensino secundário era de 48.000 em 1850 e de 56.000 dez anos depois.314
Em todos estes níveis a geografia esteve sempre presente com maior ou menor
intensidade, ainda que ameaçada, algumas vezes, pela fisiografia. Autores como Eugène

309 MALTE-BRUN, idem, pág. 12. Convém advertir que nas diferentes edições que se realizaram existiram adaptações realizadas por seu filho Victor, e que podem modificar algumas das declarações teóricas. Veja, por
exemplo, MALTE-BRUN, Ed. esp., 1854 e 1875.
310 LEÓN (1969), Ed. 1977, cap. V; PROST, 1968; ANDERSON, 1975.
311 CIPOLLA (1969), Ed. 1970, pág. 27.
312 CIPOLLA (1969), Ed. 1970, pág. 111. Quadros comparativos em CAPEL, 1977, n° 8, pág. 16.
313 Cit. LÉON, 1977, cap. V.
314 MITCHELL, 1975, págs. 749-70. Quadros comparativos em CAPEL, 1977, n° 8, pág. 16.

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Cortambert (1805-1881) elaboraram grande número de textos escolares.315 Em meados
do século XIX são tomadas medidas destinadas a unificar os programas e a geografia é
incorporada no ensino elementar superior, considerando-se seu valor para despertar na
criança o sentido da observação.316 Em 1857, as normas do ministério da Instrução
Pública estabelecem que o ensino elementar da geografia deve basear-se na
observação do meio conhecido da criança e preconizam o "método intuitivo" que parte do
particular para o geral, da aldeia à província e à França.317 Depois de 1861, a demanda
por professores faz com que a geografia seja ensinada também na Escola Normal
Superior. Quanto aos Liceus, o ensino da geografia foi introduzido por Duruy em 1865,
ainda que pareça não ter tido uma presença muito destacada.318
A derrota da França de 1870, frente aos alemães, provocou uma profunda crise no
país e despertou um movimento de regeneração e reforma no qual a transformação dos
sistemas de ensino passou a ser uma aspiração geral. Considerava-se que a
superioridade científica e técnica da Alemanha se fundamentava na superioridade de
suas instituições docentes. Daí provém a idéia, muitas vezes repetida, de que a guerra
havia sido ganha pelos professores da escola alemã.319 Entre as medidas adotadas,
destacam-se as que procuravam organizar um ensino primário gratuito, obrigatório e
laico, através de uma série de leis promulgadas nos anos 1880. Também aumentou o
número de crianças escolarizadas, que chegou a 5 milhões em 1880, que logo se
estabilizou pouco acima de 5,5 milhões entre 1890 e 1910. O de mestres, por sua vez,
era de 110.000 em 1872 e de 143.000 em 1890, números que continuavam sendo os
mais altos da Europa, tanto em termos absolutos quanto relativos.320
Reformulou-se também o ensino secundário, configurando-se o bacharelado
unificado, e foram criados centros de ensino técnico. Neste nível secundário, o esforço
foi particularmente importante, já que de 74.000 alunos que existiam em 1875 se passou
a 86.000 em 1880, a 90.800 em 1890, a 99.000 em princípios do século XX, e a 126.000
em 1910.321 Por último, foram organizadas também as faculdades e foi concedida
novamente a autonomia às universidades das províncias.
Os precários conhecimentos em geografia e línguas vivas foi sentido naquele
momento como uma carência particularmente grave, e contribuiu para que, nas reformas
docentes, posteriores a 1870, a geografia fosse claramente favorecida. Todos
compreenderam que "o progresso da geografia era um dos elementos de renovação",
como dizia uma publicação da Société de Géographie de Paris.322 Um historiador
convertido à história econômica e social, Émile Levasseur, e outro que havia chegado a

315 Veja art. de BROC sobre este autor em FREEMAN-PINCHEMEL, 1978, vol. II.
316 CLAVAL (1969), Ed. 1974, pág. 38.
317 BROC, 1974 (c), págs. 546-547.
318 BROC, 1977, pág. 77.
319 MEYNIER, 1969, pág. 8.
320 LÉON, 1967, cap. VI; PROST, 1968; as cifras procedem de MITCHELL, 1975, págs. 749-770, e CIPOLLA (1969), ed. 1970; um quadro comparativo em CAPEL, 1977, n° 8, págs. 16-17.
321 Fonte: as mesmas da nota anterior.
322 SOCIÉTÉ DE GÉOGRAPHIE, 1921, pág. 10.

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ser catedrático de geografia da Sorbonne, Auguste Himly, foram os protagonistas da
reforma no que se refere à geografia.
A enquete realizada por Levasseur e Himly para conhecer a situação da geografia
na França, em 1872, mostrou que o regulamento de 1857 havia conseguido melhorar o
ensino da geografia na escola primária, e que o uso de mapas, do quadro negro e a
realização de observações, em substituição à simples lista decorativa começava a ser
amplamente difundida. Mesmo assim, era necessário continuar avançando rumo a um
ensino ativo, e a circular enviada em 1° de outubro de 1872 pelo Ministro da Instrução
Pública323 assinala a obrigatoriedade de realizar excursões geográficas (ou "passeios
topográficos"), estudando-se previamente os mapas, e fazendo croquis, estudos de
plantas e visitas históricas.
Em 1874, foram adotadas definitivamente, por iniciativa de Levasseur e Himly, os
novos programas de geografia no ensino secundário. Neles aparecia uma parte de
geografia física, "fundo essencial de todo estudo físico", de geografia política e de
geografia econômica.324 Do mesmo modo que Huxley fazia em Londres, tratava-se de
evidenciar "as relações dos fenômenos entre si e as relações de causa e efeito",
segundo escrevia Levasseur.325 Naquele momento, entre as autoridades acadêmicas, o
influente historiador Ernest Lavisse apoiou a geografia frente às reivindicações dos
historiadores.
A comissão nomeada pelo ministro da Instrução Pública Jules Simon redigiu um
programa de reforma do ensino secundário para nove cursos, o qual seria aplicado de
1872 a 1880. No que diz respeito à geografia, dever-se-ia ensinar: três cursos
elementares, com noções simples sobre a Terra, Europa e França; três cursos de
gramática (6°, 5° e 4°), com geografia física e política da Terra, Europa e França; e três
cursos de humanidades (3°, 2° e 1°) com geografia física, política, histórica e
econômica. Este último ensino estaria "dirigido a levar a atenção dos alunos novamente
à geografia física, base de todos os demais conhecimentos geográficos, a iniciá-los em
algumas das principais leis da física do globo, a ilustrar a geografia política com a história
e a completar o conhecimento das províncias com noções de geografia econômica
relativas à população, a agricultura, a indústria, as vias de comunicação e o
comércio".326 A "geografia econômica" passou a fazer parte então do programa oficial.
O programa de 1872 foi modificado em 1880, em 1885 e em 1890, no sentido de
dar maior importância ao estudo da Terra e reduzindo o da França, diminuindo ao
mesmo tempo a extensão da geografia econômica, com a oposição de Levasseur. À
geografia se dedicava uma hora e meia semanais nos três primeiros cursos, e uma hora
semanal nos três últimos.

323 Cit. por MEYNIER, 1969, pág. 9.


324 BROC, 1974 (c), pág. 548.
325 Cit. por BROC, 1974 (c), pág. 548.
326 TORRES CAMPOS, 1896, pág. 225.

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Em 1887, aprovou-se um novo plano de estudos para as escolas primárias,
dividindo o ensino em uma seção infantil, (5 a 7 anos), e em três cursos: elementar, (de 7
a 9 anos); médio (de 9 a 11 anos) e superior (de 11 a 13). A geografia era ensinada nos
três cursos de acordo com um programa derivado diretamente das idéias que Lavasseur
vinha mantendo desde a década anterior. A comunicação apresentada por esse autor, no
Congresso Geográfico de Londres de 1895, permite perceber seu pensamento a
respeito.327
Para Lavasseur, incentivador da reforma, a geografia que deveria ser ensinada era
ao mesmo tempo física e humana. Em seu informe à Academia de Ciências,
apresentando os novos programas Lavasseur afirmava que:
"a obra da natureza é uma das fases da geografia; a outra fase pertence ao homem.
O homem constrói moradias, traça caminhos, cultiva os campos, explora as minas, cria
suas fábricas, exerce o comércio e produz a riqueza. Esta riqueza está ligada por íntimas
relações com a natureza do solo e do clima [...]. O importante é fazer compreender estas
relações [...] e abrir assim o espírito dos jovens para o sentimento das leis naturais da
economia política".328
Os programas de geografia propostos para o ensino secundário levavam em
consideração as idéias de Lavasseur, no sentido de distinguir: 1) uma parte física (relevo,
regime das águas, o mar, costas, e clima); 2) uma geografia política "que se apóia na
história e estuda o homem no seu passado e em seu presente" e que compreendia a
geografia histórica e a geografia administrativa; e 3) uma geografia econômica, na qual
deveriam ser incluídos os estudos da população, da agricultura, da produção mineral, da
indústria e das vias de comunicação. A estas três partes da geografia poder-se-ia
acrescentar a geografia matemática, mas esta, segundo Levasseur, "forma uma ciência
particular constituída com independência".329
As reformas aplicadas nos anos posteriores à derrota de 1870, e também aos
sucessos revolucionários da comuna foram fortemente marcadas pela idéia da reforma
da sociedade, com o objetivo de afastar os perigos revolucionários. Nesta ação de
fortalecimento do controle social, a educação deveria desempenhar um papel essencial.
É o que expressava em 1887 uma pessoa tão influente como o filósofo E. Ravaisson, o
sucessor de Victor Cousin e presidente do Conselho da Associação de Filosofia: "o mal
que sofremos afirmava em 1887 não está tanto na desigualdade das condições, ainda
que algumas vezes seja excessiva, como nos sentimentos de ódio que se lhe
acrescentam"; e diagnosticava: "o remédio para este mal deve ser procurado
fundamentalmente numa reforma moral, que estabeleça a harmonia e a simpatia
recíproca entre as classes, reforma que é sobretudo objeto da educação".330 Este

327 Seguimos o resumo de sua comunicação efetuado por TORRES CAMPOS, 1896, págs. 214 e seguintes.
328 Cit. por TORRES CAMPOS, 1896, pág. 229.
329 Cit. por TORRES CAMPOS, 1896, pág. 231.
330 Cit. por BERGSON (1904), Ed. 1976, págs. 203-232. Em seguida acrescentava que "a sociedade deve repousar sobre a generosidade, ou seja, sobre a disposição para se considerar como uma grande raça, uma raça
heróica e até divina".

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esforço educativo deveria atingir as classes trabalhadoras, organizando ensino prático e
cursos técnicos.
Em 1863, haviam sido criados por Victor Duruy os cursos de ensino secundário
especial com uma finalidade mais prática que a clássica (preparatório para os negócios,
agricultura e comércio). Neles também se levou em conta a geografia, já que dos quatro
anos que o constituía, a presença desta matéria era importante nos dois últimos. A partir
de 1866, nos programas de ensino secundário especial, estudava-se geografia agrícola,
industrial, comercial e administrativa; geografia da França e estudo de outros países de
forma sumária. Uma reforma deste ensino em 1891, realizada por Léon Bourgeois,
ampliou os estudos e os tornou mais semelhantes ao bacharelado clássico, diminuindo
também a importância da geografia econômica.
Também se ensinava geografia nas escolas primárias superiores, continuação do
ensino primário "aberto às crianças das classes trabalhadoras que terão necessidade de
dedicar-se, na maior parte dos casos, ao trabalho manual", como se afirmava na
introdução aos programas de 1893. De acordo com estes objetivos, considerava-se que
esta escola primária superior "deveria orientar seus alunos desde o primeiro até o último
dia para as necessidades da vida prática que os esperava", e isto explica que para a
realização dos programas se elegesse "na história, o que pode formar o espírito cívico;
na geografia, o que deve interessar ao futuro comerciante".331
Por último, ensinava-se também geografia comercial em muitas escolas técnicas
subordinadas ao Ministério do Comércio e Indústria. Nas escolas da Indústria, a
geografia ocupava uma hora e meia no 1° e 2° ano; e na escola do Comércio, uma hora
e meia no 1° ano e três horas nos 2° e 3° anos. A geografia também tinha grande
importância nas escolas superiores de Comércio, particularmente a geografia comercial.
Todas estas reformas de educação básica e secundária provocaram uma demanda
de professores de geografia (ou de geografia e história), estimulando, por sua vez, a
institucionalização e a expansão da geografia na universidade.

GEÓGRAFOS UNIVERSITÁRIOS FRENTE A GEÓLOGOS E HISTORIADORES

No ensino superior francês, o período posterior a 1830 conheceu um estancamento


científico, depois de algumas decádas nas quais as reformas da época revolucionária e
napoleônica haviam dado à ciência deste país a primazia indiscutível na Europa. A
ciência perdeu atrativos ante a existência de outras oportunidades na política, na
indústria, nos negócios, na filosofia social ou na literatura. A burocratização e
centralização da docência e das instituições científicas e, como conseqüência disso, a

331 Cit. por TORRES CAMPOS, 1896, pág. 226.

92
inflexibilidade, frearam as possibilidades de adaptação às novas necessidades da
tecnologia naqueles anos.332
Depois do impacto da derrota que acabou com o Segundo Império, as reformas
empreendidas tenderam a imitar o modelo alemão de ensino superior. Por iniciativa do
diretor da Educação Superior, Alfred Dumont (de 1879 a 1884), uma comissão presidida
pelo historiador Ernest Lavisse e pelo químico Berthelot, iniciaram um conjunto de
reformas da universidade francesa, as quais em seguida seriam continuadas pelo
sucessor de Dumont, Louis Liard, entre 1884 e 1902. As universidades recuperaram sua
autonomia, foram criados novos cursos e ampliado o número de cargos para professores
universitários, que passaram de 503 em 1884 a 1.048 em 1902, ao mesmo tempo em
que suas funções de docência completavam-se com as de pesquisa. O número de
estudantes universitários chegou a 30.000 no princípio do século XX.333
A criação de novas cátedras teve notável influência no desenvolvimento das
disciplinas científicas afetadas. Este é um fato que se repete no século XIX, já que a
especialização repercute no crescimento da ciência.334 Entre as cátedras que então
foram criadas encontra-se a geografia, que naquele momento conheceu uma fase de
desenvolvimento espetacular.
É nesse momento que se produzem as "conversões" e a chegada de universitários
procedentes de outras disciplinas à geografia. Paul Claval escreveu que até a década de
1870 "os geógrafos estiveram quase sempre isolados: a geração que tomou posse das
cátedras recentemente criadas na Alemanha e na França não recebeu necessariamente
uma formação geográfica. Compreende um grande número de indivíduos que chegaram
por acaso à geografia".335
Ainda que não esteja de acordo com a expressão "por acaso", já que dificilmente se
pode aceitá-la na base de um movimento social como é o caso do aparecimento de uma
comunidade científica, é evidente que estas palavras dão conta do tardio e
surpreendente desenvolvimento da comunidade científica dos geógrafos e suscitam a
necessidade de se discutir os fatores que influem em sua constituição.
De uma maneira geral, pode-se dizer que na França a geografia se desenvolveu
primeiramente através de historiadores e a partir da História, consolidando-se de forma
crescente seu caráter "científico" ou "moderno" com o desenvolvimento da geografia
física. Historiadores de profissão, e a maior parte com teses sobre história antiga, foram
os homens que iniciaram ou arcaram com a reforma posterior a 1870: Auguste Himly
(1823-1906), catedrático de Geografia da Sorbonne desde 1862; Émile Levasseur (1828-
1911), o responsável por levar adiante as reformas;336 L. Drapeyron (1839-1901).
Historiadores foram também muitos dos primeiros professores que ascenderam ao
332 BEN DAVID (1971), ed. 1974, págs. 127-129. Veja-se também uma análise do sistema de patronato francês e dos efeitos negativos do sistema de "fazer carreira" sobre a qualidade do trabalho científico em FRANKEL,
1978.
333 BEN DAVID (1971), ed. 1974, págs. 133-134 e GERBORD, 1965.
334 CROSLAND, 1977, PÁG. 104.
335 CLAVAL, 1974, pág. 35, cursivas acrescentadas.
336 Veja-se sobre ele, CLAVAL-NARDY, 1968; CLAVAL, 1974; e o art. de Jean Pierre NARDY, em FREEMAN-PINCHEMEL, 1978, vol. II.

93
ensino superior: Paul Vidal de La Blache (1845-1918); Bertrand Auerbach (1856-1942),
catedrático de geografia da Universidade de Nancy desde 1892;337 Étienne Émile
Berlioux (1828-1910), professor de Lyon desde 1874.338
Todos estes historiadores chegaram à geografia através da oportunidade
profissional que se lhes ofertava, e do ponto de vista intelectual, atraídos pela idéia da
relação dos fatos históricos com o contexto geográfico no qual se desenvolviam. Mas
todos eles tentaram promover uma ciência moderna, aprofundando primeiro na
topografia e no estudo dos mapas, e em seguida, cada vez mais, em uma geografia
física que era considerada "o ramo essencial" da disciplina.
Isto supunha uma mudança importante em relação ao passado imediato. Até as
reformas dos anos 1870, os professores universitários de geografia – em particular os
da Sorbonne – possuíam, sobretudo, uma formação e uma preocupação histórica. Eram
cursos de geografia histórica o que ministravam, e isso os obrigava a olhar o passado
para reconstruí-lo e explicar a história antiga, ou para realizar estudos sobre a história
dos descobrimentos geográficos.
Provavelmente, este interesse pela história facilitou a recepção das idéias de Ritter.
Sua geografia geral comparada havia sido traduzida parcialmente para o francês em
1836, e conhecida também, sem dúvida, em sua versão alemã.339 Em todo o caso, foi
nas idéias de Ritter que Himly se apoiou depois de sua conversão à geografia em
1858,340 o que certamente era facilitado por seu conhecimento do alemão pois era de
Strassbourg e por seus estudos em Berlim. Tal como foi demonstrado por Vincent
Berdoulay, são sobretudo as idéias do geógrafo alemão que se refletem em seus cursos
da Sorbonne.341
Himly adotou de Ritter, sobretudo, o método comparativo. Também procede dele
sua idéia de que a geografia era uma ciência que "deveria estudar cientificamente as
relações entre a Terra e o homem". Apesar de aceitar que o estudo geográfico deveria
começar com a Terra em si mesma, Himly não realizou estudos de geografia física,
interessando-se somente pelos aspectos históricos da geografia.
No entanto, nos anos de 1870-1880, a geografia física adquire uma importância
crescente. Certamente pela associação que vinha-se consolidando ao longo do século
XIX entre a geografia física e as ciências da natureza, esse ramo passou a ser
considerado por muitos como "a verdadeira geografia".342 Particularmente entre 1880 e
1890 a geografia física era a essência da geografia. Isto sem dúvida, facilitou a
incorporação dos naturalistas e geólogos atraídos à docência da geografia pelas

337 Veja-se sobre ele BROC, 1974.


338 BROC, 1975.
339 É necessário não esquecer que um geógrafo como Reclus houvesse assistido pessoalmente os cursos de Ritter em Berlim.
340 Foi por razões de oportunidade profissional que Auguste Himly chegou à geografia. Após uma formação em história medieval, influenciado por Ranke, e depois de trabalhar como paleógrafo na Escola de Chartes, foi
nomeado responsável pelo curso de história na Sorbonne, em 1858. Sua dedicação à geografia se ocorreu, segundo V. Berdoulay, "somente devido a uma contingência de sua carreira, quando substituiu Guigniant na
Sorbonne, em 1858", com a idade de 35 anos. Foi somente então que ingressou na Sociedade de Geografia de Paris, ainda que nunca tenha ocultado que preferia a história à geografia, sendo, ao que parece, praticamente
inexistentes suas relações de amizade com os geógrafos. (Veja-se sobre isto BERDOULAY, em FREEMAN, OUGHTON e PINCHEMEL, 1977, vol. i, pág. 43.)
341 BERDOULAY, em sua tese de doutorado, e em sua biografia de Himly, cit. na nota anterior. Veja-se também o discurso de VIDAL DE LA BLACHE, 1899.
342 Por exemplo, DRAPEYRON em 1881, cit. por BROC, 1974 (c), pág. 557.

94
oportunidades que se lhes ofereciam, assim como a relação com os geólogos que
ministravam a disciplina de "geografia física" nas faculdades de ciências. Geólogos como
Albert Lapparent (1839-1908), Emmanuel de Margerie (1862-1953) ou Charles Velain
realizaram naqueles anos contribuições importantes neste ramo da disciplina.
A institucionalização e o desenvolvimento da geografia teve um de seus primeiros
apoios na difusão do ensino de Topografia. Dele se afirmava no Congresso de Geografia
de Paris de 1875 que era "a alma da Geografia", e como escrevia F. Hennequin, "o
prefácio da Geografia".
Desde inícios dos anos 1870 existia já ensino de topografia em várias cidades.
Assim Frédéric Hennequin era professor de topografia na cidade de Paris, e no
congresso de Paris de 1875, adotou como a primeira de suas conclusões que "o estudo
da geografia em todos os níveis deve começar pela topografia, e não pela cosmografia",
acrescentando de forma categórica: "o professor utilizará o mapa do Estado Maior e o
estudo do terreno".343
Propagador desta linha pedagógica foi também, (além do citado Hennequin),
Ludovic Drapeyron, que depois do congresso de Paris se converteu em incansável
propagandista do método topográfico e da criação de museus geográficos. Nessa linha,
em 1876 foi criada a "Sociedade de Topografia de Paris", da qual Drapeyron será seu
secretário geral até sua morte em 1901, e cujo objetivo declarado era "a reconstituição
progressiva da geografia por meio da topografia".
A Sociedade organizou-se em seis seções que se referiam tanto às ciências
naturais como às humanas: 1) Topografia propriamente dita; 2) Geografia; 3) Geografia
aplicada ao estudo da história; 4) Geografia industrial e comercial; 5) Estatística; e 6)
Geologia botânica e zoologia. Chegou a ter 900 membros em 1881, certamente atraídos
tanto pela geografia quanto pelos enfoques positivistas que propunham.
Estudando esta iniciativa, Numa Broc assinalou que "como obra de patriotismo
prático a Sociedade de Topografia é inseparável do clima revanchista dos anos de 1880,
e perderá sua razão de ser depois de 1900, quando o ensino da geografia havia
adquirido certa consistência".344
Desde o final da década de 70, a pressão para a institucionalização da geografia
nos centros de ensino superior era muito forte. A necessidade de formar os professores
que as reformas pedagógicas dos níveis primários e secundários exigiam era, sem
dúvida, o fator decisivo para a gênese e a consolidação deste processo.
A criação das cátedras de geografia foi sentida como uma ameaça por outros
cientistas universitários em particular historiadores e geólogos. Por isso o
desenvolvimento do processo institucionalizado teve de se realizar com a oposição, mais
ou menos aberta, destes grupos acadêmicos.

343 Cit. por BROC, 1974 (c), pág. 554.


344 BROC, 1974 (c), pág. 556.

95
Dentro desta luta de interesses profissionais, uma batalha importante foi a que tinha
como objetivo conseguir que se desse maior atenção à dos conteúdos de geografia nos
concursos em "História e Geografia". A estratégia dos geógrafos consistiu em destacar a
necessidade de possuir uma formação ampla de caráter "científico" e em particular de
topografia, cartografia, leitura de mapas e geografia física e ciências naturais. Nesta linha
também, em 1885, Vidal de La Blache conseguiu a introdução de teses de geografia no
concurso e em 1886, com a iniciativa de Drapeyron, o Congresso Nacional de Sociétés
Savantes concorda em apoiar o projeto. Mas este, inesperadamente, encontrou a
oposição de Himly, que apoiou os historiadores, considerando desnecessária a criação
de um curso de geografia, porque segundo dizia, "o homem é mais interessante que os
pedregulhos".345 Himly declarou também explicitamente que "se exagera a importância
[da geografia] ao se englobar nela todo tipo de ciências físicas e naturais" e considerava
que o ensino da história era "muito mais importante na educação".346 Por estas razões
apoiou, em troca, a criação de cátedras de geografia física nas universidades.347
Desde 1886, a atividade de Himly e de grande número de historiadores, entre os
quais Lavisse, parece dirigir o ministério à criação de cátedras de geografia física,
dividindo a geografia em um ramo humano e outro natural. Insiste-se que a geografia
física das faculdades de Letras é uma espécie de introdução à geografia histórica e
política, e que, realmente, a verdadeira geografia física deveria ser estudada nas
faculdades de Ciências. Em 1886-87 iniciam-se por esta razão, cursos de geografia física
em Paris, Nancy e Lille.348 O perigo de uma ruptura e ainda do desaparecimento da
geografia era evidente, tanto mais porque nas faculdades de Letras a geografia era
ministrada geralmente por professores com formação em História, e como contexto para
explicar a evolução dos fatos históricos (geografia da Grécia antiga, do Império romano e
do Oriente Próximo). Corria, assim, o perigo de consolidar-se como uma disciplina
puramente auxiliar da história.
Ante a ofensiva dos historiadores, os geógrafos negaram-se a aceitar a divisão da
geografia e trataram de manter o controle de seu desenvolvimento, obstaculizando as
tentativas de criação de ensinos independentes nas Faculdades de Ciências. Sua
estratégia dirigia-se à conversão das disciplinas científicas em ciências "auxiliares", de
forma que a síntese sempre fosse realizada pela corporação dos geógrafos. As palavras
de um observador estrangeiro participante do Congresso de Geografia de Paris de 1889
(o espanhol Torres Campos), são um bom testemunho das estratégias de uns e outros.
Frente à proposta de alguns participantes, (especificamente o alemão Laubert, a
quem se uniu Torres Campos), que dizia: "para que a geografia seja devidamente
cultivada sob seu duplo aspecto natural e humano não são suficientes as cátedras da

345 BROC, 1974 (c), pág. 562.


346 Cit. por BROC, 1975 (c), pág. 57.
347 Sobre esta questão veja-se BROC, A. G., 1974 (c). A reforma do Bacharelado de 1895 dividiu o concurso em duas séries de provas, a primeira das quais, consistindo em defender uma tese, explicar um texto e ministrar
uma aula, ocorria ante os professores da universidade em que houvesse estudado.
348 BROC, 1974 (c), págs. 562-563.

96
Faculdade de Letras, é indispensável que esta seja ministrada nas de Ciências", a
reação foi que:
"por razões circunstanciais, a maioria francesa, crendo ver ameaçada a Geografia
humana ou histórica [...] se negou a admitir uma conclusão radical neste ponto; porém
reconhecida a exatidão do princípio, ficou acertado um padrão ao declarar que se devem
fazer todos os esforços possíveis para facilitar, nas Faculdades, as relações orgânicas
entre o ensino de Geografia e o das Ciências que podem servir-lhe de auxiliares".349

UMA DISCIPLINA AINDA MAL DEFINIDA NO FINAL DO SÉCULO XIX

No final do século XIX, a batalha não estava ainda decidida, e a ofensiva dos
historiadores contra a geografia continuava. A geografia era uma ciência aceita com
reticências por naturalistas e cientistas sociais, uma disciplina que tinha essencialmente
o caráter de matéria auxiliar para a história, e que pelo lado das ciências humanas não ia
demorar em receber também o ataque dos sociólogos. Se, apesar de tudo, a geografia
resistiu, foi mais por razões pedagógicas e ideológicas que por razões estritamente
científicas. A demonstração disto se encontra facilmente nos textos dos geógrafos da
época, se estes são lidos de modo imparcial e no seu contexto. Vejamos, como exemplo
o discurso pronunciado por Marcel Dubois na aula de abertura do curso de Geografia
Colonial na Universidade de Paris, em dezembro de 1893.
Dubois, que se dirige a um público da faculdade de Letras na qual dominam os
historiadores, afirma, de início o caráter de encruzilhada da geografia, e também a
utilidade de sua relação com a história.
Ele considerava que "não é necessário ser um grande filósofo para compreender
até que ponto a disciplina dos estudos históricos se aplica à geografia, feita de ciências
físicas e naturais, mas também de ciências morais e políticas". Advertia também aos
presentes sobre o fato de que a geografia era um conhecimento científico, e não uma
simples descrição: "tem sua filosofia, e melhor dito, é uma filosofia". As ambições eram
grandes porque, afirmava Dubois, somente quando a geografia se elevar "ao papel de
filosofia das ciências" poderá "contribuir para os benefícios que a sociedade espera
dela".350
Através das palavras de Dubois se comprova que a cátedra de geografia colonial,
cujas aulas se inauguravam, não havia sido bem recebida. Porém, as reticências vinham
de uma direção inesperada. Na realidade, de fato criticava-se “uma malvada tendência à
abstração, um viés filosófico que, segundo parece, não seria adequado no domínio da
geografia". Muitos teriam preferido, em seu lugar, uma "Geografia das colônias
francesas", pois essa denominação implicaria numa limitação mais rígida e na obrigação

349 TORRES CAMPOS, 1890, Pág. 40.


350 DUBOIS, 1894, págs. 123 e 124.

97
constante de localizar e descrever. Dubois mostra que nisto havia mais que uma mera
questão de palavras, era "o próprio método das ciências geográficas o que estava em
jogo", e para além disto:
"Nesta oportunidade trata-se, uma vez mais, de saber se a geografia estará
condenada a não ser nada mais que uma arte de descrever superfícies mais ou menos
extensas, se continuará sendo a humilde auxiliar encarregada de preparar para a história
o quadro e a localização exata de seus relatos, ou se lhe será permitido elevar-se até o
estudo sistemático e coerente das relações da Terra com o homem, (como desejou Karl
Ritter), e até conclusões gerais capazes de guiar a atividade das sociedades
humanas".351
Depois de afirmar que "descrever por descrever não é uma tarefa digna de ocupar
toda a atividade de um professor", refere-se ao de prestígio que a geografia desfruta
desde os anos de 1870 na opinião pública, e ao fato de que o desenvolvimento desta
ciência a estava conduzindo gradualmente "à altura dos ensinamentos dos quais ontem
era uma humilde auxiliar". Para destacar a utilidade da geografia, pergunta-se
retoricamente que razão, se não a consciência dessa utilidade, teria levado os
estadistas, que têm o encargo da organização das colônias, a considerar a geografia
uma ciência capaz de colaborar em uma tarefa tão importante, criando a cátedra de
geografia colonial.
Porém, as palavras que seguem mostram que nem todos viam da mesma maneira
esta utilidade da geografia. Dubois fala em seguida "dos espíritos mesquinhos" que
parecem ver no crescimento rápido das pesquisas até pouco tempo descuidadas “um
perigo para os estudos dos que estão encarregados”. Sem dúvida está se referindo,
sobretudo, aos historiadores, com os quais os geógrafos tinham que estar
necessariamente associados já que a ciência geográfica era "uma emula de suas
superioras, a filosofia e a história, na obra da educação nacional" que se havia iniciado
depois da derrota de 1870. Mas sua colaboração nesta tarefa podia ser conseguida "com
a ajuda dos progressos das ciências físicas e naturais".
De fato, a geografia tinha que conseguir ainda em 1894 o respeito de outros
cientistas, e isso no pensamento dos geógrafos só poderia ser obtido fortalecendo-se
unidade da disciplina frente aos inimigos exteriores. Nesse sentido afirma Dubois: "é do
progresso natural e normal da coesão dos estudos geográficos, é da afirmação gradual
da sua disciplina que devemos esperar para ela o respeito e a consideração que ainda
se mede às vezes com uma prudência próxima da parcimônia".352
E, em seguida palavras muito significativas mostram que no desenvolvimento da
geografia francesa primeiro ocorreu a institucionalização e a propaganda da nova
ciência, e somente mais tarde a reflexão sobre os métodos e a teoria; se, muitos
geógrafos parecem estar satisfeitos "pela popularidade que adquiriram através de uma

351 DUBOIS, 1894, pág. 124.


352 DUBOIS, 1894, pág. 126.

98
propaganda que tornou fácil e frutífera a lembrança das desgraças da França e a
evocação de um novo futuro de glória e de riqueza", a tarefa que agora, em 1894, se
impõe é outra:
"Depois de haver louvado a magnitude dos benefícios que podem ser esperados de
um bom conhecimento da geografia, temos o dever de mostrar claramente com que
método se adquire melhor este conhecimento e que procedimentos de educação
asseguram melhor tais benefícios. Não há aplicação útil dos estudos ao interesse social
sem a respeito de uma rigorosa disciplina; a preocupação perpétua com o interesse é o
que justamente conduz os sábios inquietos a não prestar nenhum serviço; e a verdade
que se encontra não é benéfica mais que aos espíritos que a buscaram por si
mesma".353
Esta declaração sobre o valor da ciência pura não supõe negar que a geografia
havia de ter também uma vertente aplicada. Mas esta é essencialmente pedagógica e
ideológica e consiste em que a:
"França saberá dar aos povos jovens, cuja educação lhe está encomendada, mais
que uma técnica de felicidade material e um guia de bem-estar; em minha alma e
consciência eu creio que está obrigada a projetar, a dar plenamente aos filhos das novas
Franças o patrimônio de nossa educação, de nossos sentimentos, de nossos desfrutes
intelectuais, em resumo, de nossa vida nacional sem reserva e em toda sua
grandeza".354
A geografia não poderia chegar a esta tarefa somente com descrições, mas teria
que realizar "um esforço de comparação, de generalização, que permita concluir"; e,
(conclui Dubois), já que os políticos e os professores haviam estimado "que a ciência
geográfica podia guiar a atividade colonial de nosso país, iluminar seus pioneiros,
dominar e inspirar a organização de nosso domínio de ultramar, temos que procurar
provas, e chegar a conclusões de alcance filosófico e prático".
Mas nesta apaixonada declaração de objetivos, há um perigo claro: a competição
dos historiadores. Por isso era necessário declarar que "a geografia colonial não se
confunde com a história da colonização francesa". Muitos elementos as distinguiam e,
sobretudo, "um contraste de métodos as separa". Os historiadores haviam conseguido
"incluir nos programas de história contemporânea o exame das questões econômicas e
sociais". A estratégia dos geógrafos consiste em afirmar a necessidade de sua presença
nestes conteúdos: "o historiador não pode se tornar dono do complexo conhecimento do
estado material das regiões e dos povos, que são o patrimônio próprio do geógrafo, da
mesma forma que o geógrafo não pode conhecer na mesma profundidade que o
historiador os testemunhos e documentos escritos de todo tipo, discuti-los e analisá-los".
Disto resultava "uma divisão do trabalho", na qual uns, "se situavam mais próximos da
natureza, e outros mais próximos do homem". E daí também "uma diferença de direção

353 DUBOIS, 1894, pág. 126.


354 DUBOIS, 1894, pág. 126.

99
nas investigações", uma "diferença de inspiração". Facilmente se vê que esta discussão
sobre a divisão intelectual do trabalho é realizada unicamente por motivos corporativos,
para mostrar que "nenhuma das duas ciências é inferior à outra", porque de outro modo
dificilmente se compreenderia que não se refira em nenhum momento a economistas e
sociólogos, que poderiam também aspirar a colaborar nos conteúdos das questões
econômicas e sociais de que se estava falando.
A tarefa que um professor universitário como Dubois atribui à geografia é
essencialmente a de mostrar toda a ordem de diferenças que separam os países
europeus entre si e estes dos territórios coloniais. Mas "para conhecer estas distinções é
necessário ter estudado em detalhe a geografia física de cada país, haver apreendido as
harmonias que unem os fenômenos de geologia, relevo, clima, vegetação, com fatos de
civilização material, a agricultura, o comércio, as rotas". É nisso precisamente, conclui
Dubois, "que consiste o ofício de geógrafo, ofício delicado e difícil, porque sua disciplina
ainda está mal definida".355

AS CÁTEDRAS UNIVERSITÁRIAS E A FORMAÇÃO DE DOCENTES DE GEOGRAFIA

Apesar da oposição de outros cientistas, as cátedras se mantiveram, e o


crescimento do número de geógrafos de Letras, e a chegada a cargos docentes de
pessoas ligadas a Vidal de La Blache (como Auerbach, Gallois e Camena d'Almeida)
consolida esta comunidade científica e a identifica cada vez mais com a faculdade de
Letras.356
Em 1895 se podia afirmar que "a geografia se professa nas faculdades de
Letras".357 Existiam classes desta disciplina nas faculdades de letras das universidades
de Bourdaux, Lille, Lyon e Nancy; um curso em Caen; um curso complementar em Aix-
en-Provence e Grenoble; um mestre de conferências em Montpellier e Toulouse;uma
cátedra de história e de geografia dos tempos modernos em Besançon, e uma de história
e geografia da antiguidade e da Idade Média em Clermont Ferrand; um curso de
geografia da África em Argel e cursos nas escolas preparatórias de Nantes e de Rouen.
Quanto à Universidade de Paris, possuía uma cátedra de geografia, fundada em 1809, e
uma cátedra de geografia comercial, fundada em 1892. Dela dependia um seminário ou
laboratório fundado em 1890 e reservado aos estudantes da faculdade que iriam se
dedicar à geografia, e um centro de estudos coloniais dependentes da cátedra
correspondente e criado em 1895.

355 DUBOIS, 1894, pág. 129.


356 Mais adiante os geógrafos chocariam com a escola de sociologia de Durkheim, não só por razões científicas como também profissionais: como assinalou CLARK (1973), Durkheim procurava situar a sociologia como
elemento central na formação de professores do ensino secundário, apresentando-a como um método aplicável a um grande número de disciplinas, o que daria a seus discípulos a possibilidade de obter cátedras não
sociológicas (WEISZ, 1977, pág. 155). Naturalmente a geografia humana era das mais afetadas, o que explica a violência da polêmica entre lablachianos e durkheimianos. Sobre desta polêmica pode-se ver BERDOULAY,
1978.
357 TORRES CAMPOS, 1896, pág. 240. Desta fonte – que por sua vez acompanha uma comunicação de Levasseur – procede a informação que se dá em seguida sobre as cátedras existentes na tal data. Sobre 1890 veja-
se BROC, 1974 (c), pág. 568.

100
Por seu lado, nas faculdades de ciências existiam cursos de geografia física nas
universidades de Paris, Lyon e Nancy, ministrados pelo professor de geologia da
faculdade. Na faculdade livre de Paris o geólogo A. Lapparent ministrava também um
curso de geografia física.
Também existia ensino da geografia no Colégio da França, onde se contavam
desde 1865 duas cátedras dedicadas parcialmente a esta ciência: a de geografia, história
e estatística econômica, ocupada por Levasseur, e que se ocupou em 1894-95 com
desenvolvimento econômico dos Estados Unidos, e a de geografia histórica da França,
ocupada por Longon, o qual havia ministrado no mesmo ano um curso sobre a descrição
das duas Aquitânias e da Novempopulania na decadência do Império romano; os alunos
eram ouvintes que participavam livremente e não deviam prestar nenhum exame. Na
Escola Prática de Altos Estudos, o próprio Longon ensinava também geografia histórica
da França, e no Museu de geologia, muitos cursos, "sem estar dedicados à geografia,
tratam de matérias que são conexas com esta ciência, e as aulas entram algumas vezes
com grande proveito no terreno da geografia".358 Por último, ensinava-se geografia
também na Escola Normal Superior.
Nos últimos anos do século XIX, e em particular depois da transferência de Vidal de
La Blache para Paris, configura-se o principal grupo intelectual da geografia francesa em
torno da figura deste geógrafo. Vidal conseguiu organizar uma ampla rede de patronato e
influência através de seu poder sobre as carreiras profissionais de seus discípulos.
Depois do grupo estruturado em meados do século XX ao redor de Victor Cousin, e ao
lado dos que se constituíram no século XX em torno de Durkheim ou de Henri Berr, o de
Vidal foi certamente um dos grupos ("clusters") mais representativos da ciência social
universitária francesa.359
A preparação do bacharelado era a tarefa mais importante dos geógrafos das
faculdades de letras, dada a saída praticamente exclusiva que o ensino representava
para os discípulos. Para isso foram criados cursos especiais, destinados àqueles alunos
que mostravam sua vocação geográfica. Assim, por exemplo, na Universidade de Paris,
os estudantes que se preparavam para o bacharelado de geografia deviam, "se não
pelos regulamentos, pela tradição que os mestres estabeleceram, quatro anos pelo
menos de cursos e de conferências a seguir: dois para a licenciatura histórico-geográfica
e dois para a agregação".360 Por sua vez, em Nancy, Auerbach havia estabelecido a
norma de que os que se preparavam para a agregação frequentava, além das aulas
especiais que ele ministrava, quatro cursos de geografia física na faculdade de
Ciências.361
Outros fatores que poderiam haver contribuído para à institucionalização da
geografia nos centros superiores, têm uma importância secundária frente à já citada

358 TORRES CAMPOS, 1896, pág. 241.


359 O conceito de "cluster" foi firmado por CLARK, 1973. Veja-se também WEISZ, 1976 e 1977.
360 TORRES CAMPOS, 1896, pág. 240.
361 TORRES CAMPOS, 1896, pág. 241.

101
necessidade de formar professores para o ensino primário e secundário. A prova disso é
o projeto de uma Escola Nacional de Geografia, proposto por Drapeyron em 1876 e
formulado mais amplamente por J. B. Paquier em 1884. Tal escola deveria conduzir à
criação de um certo número de cátedras e de um diploma especializado. As seções que
se previam eram: uma de ensino para formar professores de ensino secundário e
superior; outra de ciências políticas para o pessoal diplomático, cônsules e agentes
franceses no estrangeiro; uma terceira seção econômica e de colonização, para formar
exploradores, negociantes e funcionários coloniais; e uma última seção técnica e
científica para geodesistas, cartógrafos, topógrafos, gravadores, geólogos e
oceanógrafos.362 Tratava-se, como se vê, de se integrar em um só centro os ensinos
científicos, teóricos e práticos, que em épocas passadas haviam feito parte da ciência
geográfica, mas que desde o século XVIII foram se constituindo em corporações
científico-profissionais diferenciadas. Como era de se esperar, a oposição a este projeto
foi forte, e isso o tornou inviável, ainda que, talvez tenha contribuído para afirmar a
existência da disciplina, fortalecendo, como compensação a tendência à criação de
cátedras universitárias nas faculdades de Letras.

OS GEÓGRAFOS FRANCESES E O MODELO ALEMÃO

Como o estímulo para todo o processo de reforma do ensino superior havia sido o
abrupto descobrimento da potência da ciência alemã, é lógico que esse modelo,
essencialmente, fosse levado em conta para a organização da nova universidade
francesa.
Como não podia deixar de ocorrer, também em geografia a influência do modelo
alemão foi determinante. Numa Broc, que dedicou um interessante artigo ao tema,363
mostrou até que ponto o que ele denomina de "viagens de iniciação" às universidades
alemãs foram rigorosamente seguidas pelos professores com ambições intelectuais, e
até que ponto influenciaram na organização dos departamentos universitários franceses.
Quando os convertidos à geografia ocuparam os cargos de professor, foi essencialmente
em direção à geografia alemã que se dirigiram na procura dos critérios que lhes
permitiriam definir sua ciência e os métodos a seguir. Desta maneira Philippson, Supan,
Penck e Richthofen, em geografia física, e Ratzel em geografia humana, além da figura
já considerada clássica de Ritter, foram as fontes de onde vieram as primeiras idéias
sobre as quais havia de se edificar a geografia francesa.
Segundo Broc, os grandes intermediários entre a ciência alemã e a francesa, os
indivíduos através dos quais chegaram idéias novas à França, foram E. de Margerie,
desde 1885, difundindo sobretudo grande número de idéias provenientes da geografia

362 Cit. por BROC, 1974 (c), pág. 559.


363 BROC, 1977.

102
física alemã (as obras de Richthofen, de Penck e Supan, e a obra sobre a face da Terra
de Suess); e Bertrand Auerbach, em sua posição privilegiada na Universidade de Nancy,
difundindo os trabalhos alemães de hidrogeografia e geografia da população, mais os
trabalhos de Hettner. A eles é necessário adicionar L. Raveneau, que foi, talvez, o
primeiro que conheceu e difundiu a obra de Ratzel, assim como Vidal de La Blache e
Jean Brunhes, leitores atentos da geografia humana do geógrafo alemão.
A geografia francesa foi consolidando sua própria personalidade na última década
do século XIX e primeiras do seguinte. Frente a geólogos e historiadores afirmou-se ao
mesmo tempo a dimensão humana e física da disciplina, definindo-se como uma ciência
integradora de fenômenos de diferentes tipos, e pondo cada vez mais a ênfase na
síntese e na combinação regional. Apesar das dificuldades intelectuais que este projeto
científico deveria enfrentar no caminho até uma autêntica integração, a geografia
encontrou um ambiente político favorável para isso, por parte do poder. Naqueles anos
aos professores universitários "se solicitava que oferecessem à Terceira República um
sistema objetivo de princípios morais e políticos que pudessem substituir a religião
tradicional como uma força social unificadora", o qual exigia a unificação dos saberes
existentes e a cooperação entre campos distintos.364 Nesta busca da unidade ideológica
social, a geografia podia contribuir muito com seu método integrador aplicado à realidade
do próprio país e apoiando o nacionalismo revanchista da Terceira República.365 Isto
contribui também para explicar o êxito que obteve na luta pela sobrevivência e pela
expansão.
O desenvolvimento de uma comunidade científica de geógrafos deu lugar à
necessidade de novos órgãos regulares de comunicação intelectual. As revistas
publicadas pelas Sociedades de Geografia de Paris (como o Boletim da Sociedade de
Geografia de Paris, e o da Sociedade de Geografia Comercial da mesma cidade), ou de
províncias, assim como as revistas comerciais ou coloniais (La Moniteur Officiel du
Commerce, Revue Maritime et Coloniale) e as de divulgação geográfica popular (Lê Tour
du Monde, Le Journal des Voyages) não atendiam as exigências da nova geografia. Por
isso foram criadas outras novas como a Revue de Topographie (1876), a Revue
Géographique Internationale (1876-1903) e a Revue de Géographie. Esta última,
fundada por L. Drapeyron em 1877, pretendia incluir nela artigos de geógrafos e de
especialistas de ciências naturais e humanas, e havia adotado como lema uma das
idéias do Congresso Internacional de Geografia de Paris: "A geografia bem entendida
centralizará em benefício das Ciências Políticas todos os conhecimentos humanos". Mas
a grande revista científica da nova geografia acadêmica francesa foram os Annales de
Géographie, fundada por Marcel Dubois e Paul Vidal de La Blache em 1891, apoiando-se
na Société de Géographie de Paris.

364 WEISZ, 1977, pág. 154.


365 Veja-se BROC, 1970.

103
No primeiro número da nova revista os diretores reconheciam que já era elevado o
número de publicações que se dedicavam à geografia. Isso era resultado de uma
situação que não trazia somente aspectos positivos. Afirmava-se no editorial que "a
divisão, diríamos, o desmembramento, da ciência geográfica em uma multiplicidade de
estudos especiais, cuja autonomia é freqüentemente discutível, contribuiu em primeiro
lugar para multiplicar os periódicos de todas as dimensões".
Mas o objetivo dos Annales de Géographie eram distintos dos das revistas
existentes, e tomavam como modelo declarado os Petermann Mitteilungen, e os
Proceedings da Royal Geographical Society de Londres. Tratava-se de "acompanhar
sistematicamente os progressos das ciências geográficas em toda sua amplitude". Mais
que uma multiplicidade de notícias, interessava "uma disciplina, um método, tanto nas
informações como nos estudos". Para Vidal de La Blache e Marcel Dubois a geografia é
"a ciência que toma seus dados do maior número de outras ciências" e tem a obrigação
de fundir os materiais, aparentemente heterogêneos, numa disciplina rigorosa: "muitas
informações úteis à geografia perdem-se porque estão espalhadas em recopilações
especiais, ora de meteorologia, ora de história natural, entre outras; trata-se agora de
trazê-los à geografia, de aclimatá-los à geografia". Neste esforço de aclimatação dos
trabalhos dos naturalistas, os Annales realizaram um importante trabalho, contribuindo
para assegurar a relação com estes cientistas, e para coordenar e elevar a pesquisa
geográfica na França. O objetivo era ao mesmo tempo científico e pedagógico. Desde o
editorial do primeiro número se faz referência à utilidade que a revista teria para o ensino
e se manifesta uma clara vontade de "contribuir para fundar o espírito clássico deste
ensino".366
A reforma do ensino primário e secundário e a institucionalização posterior da
geografia na universidade, coincidindo com o aumento do número de estudantes,
provocaram uma demanda importante de livros texto, e deram lugar à aparição de um
grande número de manuais e de material auxiliar (mapas murais, Atlas, mapas
mudos).367
É necessário levar em consideração que entre 1880 e 1900 o número de estudantes
nas escolas primárias e maternais, públicas e privadas, passou de 5.300.000 para
6.300.000 e que o de estudantes secundários havia alcançado na primeira dessas datas
os 150.000.368
Alguns conhecidos autores de manuais de grande difusão antes de 1871
adaptaram-se rapidamente ao novo contexto modificando ou corrigindo suas obras "para
colocá-las em harmonia com os novos programas".369 Entre eles é de se destacar o caso
de Contambert, que transformou rapidamente sua fisiografia em uma geografia. A eles se
uniram outros novos, como O. Reclus, Lemonnier, Schrader e o próprio divulgador das

366 As citações são a de "Annales de Géographie", n° 1, 1891, págs. II-III.


367 Dados sobre isto em BROC, 1977, págs. 78-79.
368 LÉON (1967), ed. 1977, págs. 93 e 100.
369 TORRES CAMPOS, 1896, pág. 235.

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reformas, E. Levasseur, que publicou numerosos manuais, e atlas para os diversos
cursos do ensino secundário (editados pela editora Delagrave), entre os quais cabe
destacar, segundo o próprio Levasseur, sua obra La France et sés colonies
(Géographique et statistiques).
Evidentemente,os professores universitários não estiveram ausentes, e o próprio
Vidal de La Blache deu bom exemplo dedicando à preparação de obras e material
didático uma parte de sua atividade intelectual. Desde 1883, após um longo período de
reflexão, Vidal volta a sua produção escrita contando já, sem dúvida, com um projeto
bem estruturado no qual os aspectos educativos tinham um lugar essencial.370 Realizou,
então, diversas obras para seu uso no ensino tanto em nível médio como superior, entre
elas seu famoso Atlas general, historique et géographique (Paris, 1894).
As editoras Hachette, sobretudo, e Delagrave, que editou obras de Levasseur e
Vidal de La Blache, Belin, Colin e Masson foram as que mais amplamente publicaram
manuais desse tipo para ensino secundário, enquanto que a editora Berger-Levrault
editou obras destinadas ao ensino de geografia comercial. Desta forma a geografia
escolar francesa pode dispor desde princípios do século XX de um material pedagógico
de grande qualidade, e contar com docentes que foram sendo formados sob o paradigma
regional dominante na universidade.

370 NICOLAS-OBADIA: "Geo-Crítica", n° 35, 1981.

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