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SUMÁRIO

PRIMEIRA PARTE Introdução aos Filósofos Clássicos.................... PÁGINAS 01 ATÉ 32

Idealismo de Platão.............................................................................................................. 01

Realismo Natural de Aristóteles.......................................................................................... 11

Racionalismo Cartesiano ..................................................................................................... 19

Empirismo de D.Hume ........................................................................................................ 30

SEGUNDA PARTE ............................................................................ PÁGINAS 05 ATÉ 55

O Problema da Filosofia da Ciência .................................................................................... 05

Positivismo Lógico-Verificacionismo................................................................................. 13

Falseacionismo .................................................................................................................... 24

Relativismo Pragmático....................................................................................................... 36

O Anarquismo Epistemológico de P. Feyerabend............................................................... 45

CONCLUSÃO..................................................................................................................... 56

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 58

ABREVIATURAS ............................................................................................................. 60
Idealismo de Platâo 1

IDEALISMO DE PLATÃO

O problema fundamental da teoria do conhecimento diz respeito ao como os


filósofos representam a realidade e quais os pressupostos que estes utilizam para
concretizar tal tarefa. Iniciaremos o nosso estudo analisando o idealismo de Platão. O
que iremos reparar é que diversos conceitos que estudamos e outros mais aparecerão na
medida que expormos a teoria do conhecimento de Platão.

A relação fundamental da teoria do conhecimento é a relação sujeito-objeto. Ora,


para Platão há dois mundos possíveis que ele denomina de mundo sensível e outro que
ele denomina de mundo inteligível. Assim explicar o sentido ou o significado de cada
um desses mundos e, consequentemente, explicar a interação desses dois mundos
possíveis tornar-se-a tarefa majoritária da teoria do conhecimento de Platão.

Mas o que tem que haver mundo sensível e mundo inteligível com o sujeito e com
o objeto? Muito simples, o mundo sensível é o mundo dos objetos. São objetos aqui
tudo aquilo que pertence a natureza física e humana. Platão irá dizer-nos que o mundo
sensível é o mundo físico, do movimento, da mudança, do dinamismo, da pluralidade,
das imagens, enfim, de tudo aquilo que é particular. Portanto, é o mundo dos sentidos
(audição, visão, paladar, tato e odor). A ciência não pertence a esse mundo, não
pertence ao mundo sensível. Ora, se a ciência não pertence ao mundo sensível o mesmo
não poder-se-ia dizer dos objetos, dos habitantes do mundo sensível. Estes objetos são
objetos da ciência mas que pertencem ao mundo sensível. Os objetos de estudo da
ciência são os habitantes do mundo sensível. Agora, quais são os objetos do mundo
sensível? São as imagens, as sombras, os reflexos; objetos materiais, sensíveis e visíveis
que são animais, plantas e coisas artificiais fabricadas. Esse também é o mundo da
opinião.

A alegoria da caverna. Ora, os homens que vivem no mundo sensível ou da


opinião são semelhantes a prisioneiros que nunca viram o sol e, que estão com os braços
e os pés acorrentados no fundo de uma caverna. Havia uma única entrada na caverna.
Dentro da caverna e nas costas destes prisioneiros ardia uma fogueira que estes não
podiam ver por que estavam de costas e assim permaneceriam até mesmo se quissessem
falar, não podendo nem mesmo virar a cabeça. Também havia uma parede que
interpunhasse entre a fogueira e os homens. Nessa parede passava outros homens
portadores de figuras de coisas e animais. Os homens prisioneiros somente poderiam
escutar suas vozes e contemplar as sombras que projetavam-se na parede do fundo da
caverna. Neste estado permaneceriam até que alguém os libertasse de suas cadeias e que
assim pudessem sair da caverna para contemplar a luz do sol e as coisas "reais".

Os homens enquanto possuem corpos, somente podem ver as coisas do mundo


sensível ou da opinião que não são nada mais do que imagens ou sombras das
verdadeiras realidades. Como poderão os homens libertarem-se dessa cadeia? É
jusstamente neste momento que surge o mundo inteligível em oposição ao mundo
sensível.

A partir da concepção de mundo inteligível podemos responder sobre a existência


Idealismo de Platâo 2

e sobre o que há no lado externo da caverna. Como os homens conseguiriam libertarem-


se e chegarem ao lado de fora da caverna? O lado exterior da caverna é o mundo
inteligível e alcança-mo-la pela filosofia e pela dialética, específicamente. O sol que
brilha no exterior, e que de princípio nos ofuscaria pelo fato de que no interior da
caverna era escuro, é a idéia de Bem.

Pois bem, se à ciência somente corresponde os objetos ou habitantes do mundo


sensível, para o mundo inteligível corresponderá a própria ciência, a ciência em si
mesma. E é aqui que a ciência assume uma importância maior do que a idéia de bem em
Platão ao nosso ver. Como explicar a relação entre os objetos da ciência, que assumem
um caráter particular e contingente e a ciência que orienta-se por princípios universais e
necessários? Isto seria o mesmo que perguntar: como o sujeito relaciona-se com o
objeto?

Aos objetos inteligíveis corresponde àqueles que a alma busca-os


obrigatóriamente valendo-se de imagens, dos objetos do mundo sensível por meio de
hipóteses para alcançar conclusões. Um outro nível de objetos inteligíveis que a alma
apreende, são aqueles que a alma não recorre ao sensível. Nesse caso, a alma passa de
uma idéia para outra idéia. É, portanto, a inteligência pura, a ciência perfeita que inicia
com uma hipótese para alcançar um princípio hipotético, ou seja, absoluto.

A ciência é " em si ciência do conhecimento ou do objeto a dar-lhe, seja qual for"


(República, 438c.) Podemos distinguir uma hierarquia do Saber, do conhecimento: 1º. O
ciclo elementar para todos: a ginática para o corpo e a música para a alma; 2º. O ciclo
superior para os guerreiros que compreende (a) logística - que é a ciência do cálculo; (b)
aritmética - que é a ciência dos números ; (c) geometria plana - que é o
desenvolvimento da linha que forma um plano; (d) estereometria - que é o
desenvolvimento de um plano que forma um sólido em movimento; (e) astronomia -
que é a ciência do sólido em movimento; (f) música - que, em um sentido superior, é
própria dos filósofos; 3º. O ciclo do cume da ciência: a Dialética que objetiva auxiliar
os filósofos governantes que alcançam o limite do inteligível.

O método da ciência é a dialética. A dialética pode ser compreendida em dois


sentidos: primeiro, lógico e, em segundo lugar, ontológico. Quanto ao sentido lógico, a
dialética significa a arte da discussão por meio do diálogo, no qual intervém pelo menos
um dos interlocutores. Dialética é saber interrogar e saber responder. "Uma vez fixado o
objeto de discussão", que é o primeiro passo, "examina-se ordenadamente em seus
vários aspectos por meio de perguntas e respostas" o objeto de estudo, "resolvendo as
dificuldades e avançando até chegar a uma conclusão." Aqui a influência de Sócrates é
notável. A dialética se propõe a ser um método pelo qual possamos passar do
contingente e particular para o universal e necessário, do sujeito para o objeto. É um
método racional e não de persuasão. Mas, como opera esse método com o objetivo de
explicar essa passagem? Como passamos do mundo sensível para o mundo inteligível?

A explicação racional do método dialético avança em redor de dois outros


aspectos - ainda no sentido lógico da dialética - a síntese e a análise. Na síntese,
eliminamos as diferenças por meio de reduções da confusa multiplicidade (e
indeterminada) para a unidade concreta (e determinada), expressada por um conceito
comum. Esse conceito espressa a essência das coisas. Mas, como ocorre essa redução
do múltiplo ao uno? Do indeterminado ao determinado? A síntese endossa nosso
Idealismo de Platâo 3

problema e não o resolve.

Na análise dividimos o conceito em partes. Decompomos o conceito de acordo


com a natureza deste e não aleatóriamente como faziam os sofistas, até chegar a unidade
indivisível. Mas, como decompor um conceito? Como decompor a unidade até atingir
todos os aspectos, ou seja, todas as divisões da multiplicidade?

Quanto ao sentido ontológico, revelasse igualmente uma insatisfação na solução


do problema em pauta. No sentido ontológico, o objeto são as entidades transcendentes
do mundo ideal. Platão esforça-se por definir o Ser como pertencente ao mundo
inteligível, e colocar simplesmente o não-Ser no mundo sensível. O Ser é universal e
necessário, o sujeito do conhecimento; e o não-Ser é particular e contingente, o objeto
do conhecimento. Dessa forma, é desnecessário postular a passagem do Ser para o não-
Ser? Em termos, por que a questão seria o não-Ser possuiria ou não um Ser (existência).
Ora, se a nossa resposta for afirmativa, haverá da mesma maneira o problema
própriamente dito. Mas, ainda há uma outra questão: os objetos da ciência, que a
própria ciência se ocupa, seriam caracterizados como não-Ser? Como responder a essa
questão. Portanto, o problema continua.

Como o não-Ser eleva-se, ou melhor ainda, supera-se e alcança o Ser?Alguns


filósofos acreditarão que o problema reside em definir o Ser e os Modos do Ser e
esquecer o não-Ser. Outros acreditarão que o problema está ainda em explicar essa
bipolaridade. Os primeiros concordarão com a metafísica tradicional ou até reconstruir a
metafísica com outro objeto de estudo: a ciência.

A ansiedade da filosofia contemporânea reside justamente neste aspecto. como


explicar a coexistência do múltiplo, da diverdade, do particular e do contingente,
representado pelos objetos físicos da natureza com o uno, imutável, universal e
necessário, representado pelos objetos ideais do Ser? Se a ciência é objeto ideal por
excelênciacomo explicar a sua natureza a partir de objetos físicos? "A ciência requer
objetos fixos, estáveis e permanentes acima de toda mutação. Por isso, os objetos da
ciência não podem ser conhecidos pelos sentidos, senão somente pelo entendimento."
(HF, Fraile,324).

Relação entre os Mundos Sensível e Inteligível. Platão sabe qual é o seu


problema, apesar que toda a tradição metafísica irá de algum modo negar. Propõe, neste
sentido, dois conceitos que deveriam unificar, explicar a coexistência entre os mundos
sensível e inteligível. O primeiro desses conceitos é o de Participação e o segundo
conceito é o de imitação. No "Banquete" e no "Fedón", Platão expressa a relação entre o
mundo sensível e intelegível pelo conceito de Participação. Somente no "Fedro" é que
Platão substitui o conceito de participação pelo de imitação.

O conceito de Participação no Fédon: A participação procura determinar "a


natureza das coisas,que, sem serem contrárias, não admitem a presença de seu
contrário" (FÉD. 104e). Assim, a idéia do três só participa da idéia do ímpar, tal como a
idéia do cinco que também participa da idéia de impar. Porém, a idéiado três jamais
participará da idéia de par. A idéia do quatro participa da idéia de par, assim como a
idéia do seis participa da idéia de par.

Para Platão, sempre que, "ao aproximar-se esse contrário, ou fogem ou cessam de
existir". Ao "aproximar-se o par, o ímpar e o três fogem depressa. E o mesmo
Idealismo de Platâo 4

poderíamos dizer a propósito do fogo, do calor e das demais coisas." (FÉD. 106c). Mas
o que significa "FUGIR DEPRESSA"? Ou, o que significa "CESSAR DE EXISTIR"?
Essa é a consequência quando queremos aproximar a idéia do três da idéia de par, ou, a
idéia do seis da idéia de ímpar. Se às idéias não compartilham uma e mesma natureza,
elas nao participam uma das outras.

No Fédon, Platão transfere essa hipótese para argumentar em favor da


imortalidade da alma. Aquilo que torna vivo o corpo é a alma. É a alma que traz vida ao
corpo. Ora, o contrário da vida é a MORTE. Mas, a alma que é vida jamais aceitará o
seu contrário a Morte. A morte não participa da mesma natureza do que a Vida. No
entanto, não têm sentido falar de alma sem saber-se o que é a morte. Sendo que, a alma
jamais aceitará a morte, ela deverá, naturalmente, SER IMORTAL. Ao aproximar a
alma (vida) da morte, elas se repelem. "Quando a morte sobrevém ao homem, a sua
parte mortal naturalmente morre - mas a parte imortal foge, rápida, subsistindo sem se
destruir, escapando a morte." (FÉD. 106). Portanto, a alma é indestrutível, além de ser
imortal.

Aplicando esse conceito de participação ao nosso problema, o que teríamos como


consequência? Bem, os objetos da ciência participam de uma única e mesma natureza.
Os objetos da ciência participam do Mundo Sensível. A ciência, por sua vez, participa
de uma única e mesma natureza. A ciência participa do Mundo Inteligível.

Assim como a idéia do três não participa da idéia de par, assim também, os
objetos da ciência não participam da ciência. O mundo sensível não participa do mundo
inteligível. Mas como compreender isso? Para Platão, os objetos da ciência fogem ou
cessam de existir quando colocados lado à lado a ciência. Os objetos da ciência são
contrários a própria ciência. A contingência e particularidade nunca participará da
Universalidade e necessidade.

O conceito de participação faz mais em separar os objetos da ciência do que em


separa o particular e contingente do Universal e necessário do que em explicar uma
possível relação. Parece que o paralelismo entre mundo sensível e inteligível é ainda
melhor interpretação que podemos obter de Platão e de sua filosofia.

O conceito de participação no Banquete:

A obra de Platão entitulada "O Banquete" trata sobre a temática do AMOR. Aí


também aparece, surge o conceito de PARTICIPAÇÃO. O Belo em Platão não está
ligado a Arte. O Belo está ligado ao Amor. No entanto, o amor em Platão não é nem o
Belo e nem o Bem; não é nem um homem e nem um Deus; não é nem mortal e nem
imortal."Que seria então o Amor? Perguntei-lhe. - um mortal? Absolutamente. - Mas o
quê, ao certo, ó Diótima?" "Como nos casos anteriores - disse-me ela - algo entre mortal
e imortal."(BANQ. 202 d,c).

Há diversos graus de amor: primeiro grau: é o amor físico, que é desejo de possuir
o corpo belo como objeto e engendrar, no belo, outro corpo; segundo grau: é dos
amantes fecundos, não no corpo, mas em almas. Portanto, portadores de uma semente
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que nasce e cresce na dimensão do espírito. Os amantes das almas se diversificam em


amantes das artes, amantes da justiça, amantes das leis, amantes das ciências puras; o
terceiro grau é o Amor que envolve a idéia de Belo em si mesma, do Absoluto.

A função mediadora do Amor determina o aparecimento do conceito de


participação no Banquete. O mortal participa da imortalidade pela geração: "Pois aqui,
segundo o mesmo argumento que lá, a natureza mortal procura, na medida do possível,
ser sempre e ficar imortal. E ela só pode assim, ATRAVÉS DA GERAÇÃO, porque
sempre deixa um outro ser novo em lugar do velho.(...) E não é que é só no corpo, mas
também na alma os modos, os costumes, as opiniões, desejos, prazeres, aflições,
temores, cada um desses afetos jamais permanece o mesmo em cada um de nós, mas uns
nascem, outros morrem."(BANQ. 207 d,e)

Por outro lado, o imortal participa da mortalidade pelo Amor. "É em virtude da
imortalidade que a todo ser esse zelo e esse amor acompanham." (BANQ. 208b)

O Amor, em sua natureza, unifica os contrários, torna-os uniformes, de modo que


tudo participa desta mesma idéia de Bem em si que é a idéia suprema em Platão entre
todas as idéias. O Amor (Belo) não é nem algo do mundo sensível e nem uma idéia
própriamente dita, pois esta é a idéia de Bem.

O mundo inteligível participa do mundo sensível pelo Amor. E o mundo sensível


participa do mundo inteligível pela geração. Mas como os objetos da ciência podem
gerar a ciência? Como o particular e contingente GERARÁ o Universal e necessário?

O conceito de imitação no Fedro:

Platão realiza mais uma tentativa de relacionar o mundo sensível com o mundo
inteligível em seu diálogo. Fedro ou sobre a Beleza. Desta vez Platão procura juntar o
mundo sensível e o mundo inteligível por meio do conceito de IMITAÇÃO. Como no
conceito de participação, Platão não apresenta uma justificação consistente para a
efetiva (a) substituição do conceito de participação pelo conceito de imitação; (b) para
que o conceito de imitação se firme como mediador e elemento de ligação entre o
mundo sensível e o mundo inteligivel.

A tese fundamental do FEDRO, em relação ao nosso problema, é a de que o


mundo sensível é uma CÓPIA ou IMITAÇÃO do mundo inteligível. Diz Platão: "Sem
dúvida, o recém iniciado, o que tem contemplado muito aquelas realidades, quando vê
um rosto divino, que IMITA bem a beleza verdadeira, ou um corpo igualmente formoso,
primeiro sente um estremecimento e invade parte de seus terrores desde então; depois,
dirigindo seus olhares para ele , venera como uma divindade e, se não temer passar por
um louco exaltado, ofereceria sacrifícios, como a uma imagem santa ou uma divindade,
a seu amado." (FEDR. 250-1c).

A imitação que o mundo sensível é do mundo inteligível pressupõe alguns


detalhes: em primeiro lugar, um MODELO que é o mundo inteligível; em segundo
lugar, uma CÓPIA ou IMITAÇÃO que é o mundo sensível; e, finalmente, um
Idealismo de Platâo 6

ARTÍFICE ou INTELECTO que copiou ou imitou o mundo das formas para fazer
nascer o mundo natural. Mas por que a cópia ou a imitação teria sido tão diferente, ou
melhor, imperfeita em relação ao modelo original? Essa mesma questão podemos retirar
do Timeu (ou da Natureza).

Platão, em verdade, no Fedro, coloca que a imitação é o conceito de ligação entre


o sensível e o inteligível, mas não entra no mérito da questão. Por que? Há uma enorme
diferença entre dizer apenas que o conceito de imitação liga os mundos sensível e
inteligível e, justificar (dizer o porquê) o conceito de imitação vincularia esses dois
mundos.

Em uma outra passagem do FEDRO Platão confessa a dificuldade que as virtudes


teriam ou têm em refletir-se nas coisas da natureza, nos objetos do mundo sensível. Diz
Platão: "Pois bem, a justiça, a temperança e todas as demais coisas preciosas para a
alma NÃO POSSUEM nenhum resplendor em suas IMAGENS deste mundo: somente
mediante órgãos imprecisos, e a duras penas, podem uns poucos, recorrendo às
imagens, contemplar o gênero REPRESENTADO nelas." (FEDR. 250.b). As perguntas
são inevitáveis: Por que só alguns conseguem relacionar às imagens do mundo sensível
com as formas do mundo inteligível? E, mais COMO conseguem relacionar às imagens
com as formas? Por que o Artífice construiria um mundo tão imperfeito? Em outras
palavras; parece que Platão deixa claro que, NEM O ARTÍFICE (o autor de todo o
mundo sensível) possui às formas do mundo inteligível. O que nos leva evidentemente a
questão: Qual é a origem do mundo inteligível, das formas Universais e necessárias?
Essa questão, aliás, aparece clara no Timeu.

Para nosso problema: todas as coisas do mundo sensível possuem uma natureza
particular e contingente porque são cópias ou imitações imperfeitas do mundo
inteligível que é por natureza Universal e necessário.

Uma outra consideração que podemos fazer do FEDRO é que o homem pode até
contemplar, PARTICIPAR momentâneamente do lugar hiperuranio, ou simplesmente,
mundo inteligível, mas quando procura COMUNICAR a outros a sua proeza, sua
aventura, não encontra palavras que possam cumprir esse objetivo. A sua IMITAÇÃO
do mundo inteligível é imperfeita. "Este lugar supraceleste (hiperuranio) jamais tem
sido contado dignamente pelos poetas daque de baixo. É, pois, assim (se tem que ter
com efeito, a ousadia de dizer a verdade e sobretudo quanto se fala a verdade): a
realidade que verdadeiramente é sem cor, serm forma, impalpável, que somente pode
ser contemplada pela inteligência, piloto da alma, que ocupa este lugar. Assim, pois,
como o pensamento da divindade se alimenta de inteligência e CIÊNCIA SEM
MESCLA, e o mesmo de toda a alma que se preocupa de receber o que lhe corresponda,
ao ver o transcurso do tempo, a realidade, a ama e contemplando a verdade se alimenta
e se sente feliz até que o movimento circular em sua revolução retoma ao mesmo lugar.
Durante esta circunevolução contempla a mesma justiça, contempla a temperança,
CONTEMPLA A CIÊNCIA, não aquela em que está vinculado o devir, nem aquela que
é imutável porque fala de coisas distintas, objetos distintos que chamamos entes, senão
daquela que é realmente ciência do objeto que é realmente ser. E depois de termos
contemplado do mesmo modo as demais entidades reais e de termos saciado delas,
submergimos outra vez no interior do céu e voltamos para casa". (FEDR. 247b)

Uma última consideração que podemos fazer ainda em relação a essa belíssima
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citação do FEDRO é sobre a NATUREZA DA CIÊNCIA: Qual é a verdadeira ciência?


Qual é a ciência do Universal e do necessário, portanto das formas? É a ciência que
versa sobre o que é realmente a realidade, diria Platão. E, nessa mesma citação, Platão
define o que ou quais seriam as ciências que são meramente IMITAÇÃO dessa
verdadeira ciência: a ciência como devir e a ciência como mutabilidade.

Agora, ninguém tem a posse dessa verdadeira ciência. Podemos ter contemplado
ou até vir a contemplá-la em um futuro, mas dificilmente poderemos COMUNICAR
toda sua beleza. Não há palavras, não há gestos, não há gestos, não há ação que possa
traduzir o verdadeiro sentido de ciência ou a ciência verdadeira. Muito antes pelo
contrário, a nossa noção de ciência é meramente uma CÓPIA ou IMITAÇÃO dessa
verdadeira ciência.

Na Filosofia Contemporânea a definição de ciência é a de CIÊNCIA COMO


APROXIMAÇÃO. A derivação, inevitavelmente, é de Platão. Diz Popper: "Temos
mesmo boas razões para pensar que, na maior parte, nossas teorias - mesmo nossas
melhores teorias - são, estritamente falando, FALSAS; pois supersimplificam ou
idealizam os fatos. Contudo, uma conjectura falsa pode estar mais perto ou menos perto
da verdade. Chegamos assim à idéia da proximidade da verdade, ou de uma
aproximação melhor ou pior da verdade; isto é verossimilitude."(CO, 292)

CRÍTICA AOS CONCEITOS DE PARTICIPAÇÃO E IMITAÇÃO EM


PARMÊNIDES:No diálogo entitulado "Parmênides" ou sobre as IDÉIAS, Platão faz
uma crítica ao conceito de participação que pode tranquilamente projetar-se no conceito
de imitação. Até o presente momento, em nossa análise o que fizemos foi procurar
explicar COMO as Formas - Universais e necessárias - do mundo inteligível podem ser
aplicadas à natureza - particular e contingente - do mundo sensível. Em Platão,
exclusivamente, essa tentativa concretiza-se por meio de dois conceitos: participação e
imitação. Essa tese também está presente no "Parmênides" 131d: participação do uno e
do múltiplo no mesmo objeto físico, ou melhor ainda, a participação do Universal e
necessário NO particular e contingente (objeto físico). Como ocorre isso, mesmo?
Parmênides critica essa tese da coexistência de contrários em uma única natureza.
Propõe, em contra-partida, um paralelismo entre o mundo sensível e o mundo
inteligível. "Portanto, se se dá em Deus a absoluta exatidão da soberania em si e da
ciência em si, isso não quer dizer que a soberania dessas realidades se exerça sobre nós,
nem que a ciência divina conheça a nós ou algo que tenha relação conosco. De igual
maneira, não é possível que nós exerçamos domínio sobre as realidades do alto, nem
que conheçamos nada de Deus por meio de nossa ciência, como tão pouco é possível
pela mesma razão que ditas realidades imponham-se a nós ou conheçam os assuntos
humanos, ainda em qualidade de essências divinas." (1346-135c). O Resultado desse
paralelismo o mundo inteligível só mantém RELAÇÕES CONSIGO MESMO, isto é,
RELAÇÕES EM SI. TAIS RELAÇÕES SÃO INCOGNOSCÍVEIS. Nós, homens,
operamos com Universais, pensamos com Universais, mas não podemos conhecê-los,
própriamente. Não podemos conhecer a natureza dos Universais apesar de pensar, no
dia-a-da, com eles. Mas uma questão irá impor-se: Como uma forma pode relacionar-se
com outra? A primeira tese em volta desta questão é a de que O UNO É porque
participa do SER. O Uno é Universal e necessário em sua natureza específica. Já o ser é
particular e contingente. Ora, o Universal só pode existir para nós, ser cognoscível, se
ele PARTICIPA daquilo que é particular e contingente, isto é, do SER. Mas se o Uno é,
por participar do Ser, então, ele não é Uno, é múltiplo: "Dizemos que o Uno participa
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no ser o que por isso mesmo ele é? Sim. Mas por isto mesmo o Uno se tem mostrado
como múltiplo. Assim é." (PARM. 143d).

A segunda tese gira em torno do seguinte: O Uno não É porque não participa do
SER. Ora, o Universal e necessário não existe porque não participa do particular e
contingente. Portanto, o Universal e necessário é INCOGNOSCÍVEL para nós. Apenas,
pensamos com eles, mas não o podemos conhecê-lo em sua natureza específica. As
formas somente mantém RELAÇÃO CONSIGO MESMAS. Essas relações são lógicas
e matemáticas. Diz Platão, enfim: "Em resumo, se dissermos que o UNO NÃO É, nada
é, não estaríamos falando como toda certeza? Completamente. Concluamos, pois, e
digamos que, segundo parece, do que o UNO seja ou não seja DEPENDE que o mesmo
e os outros sejam, inteiramente ou não, tanto em sua relação consigo mesmo, como em
sua relação mútua, e que, assim mesmo, pareçam ou não pareçam ser. É pura verdade."
(PARM. 166b-166c)

O conceito de imitação e participação no Sofista:

O diálogo sobre o Sofista ou Sobre o Ser procura restabelecer uma conciliação


entre os conceitos de participação e imitação. Foi possível isso? Como foi possível? E,
se não foi, por que? De princípio, Platão procura estabelecer uma definição para a
controvertida figura do Sofista. Alcança efetivamente seis definições do Sofista: a) O
Sofista como "um caçador interesseiro de jovens ricos"; b) "Um negociante, por
atacado, das ciências relativas à alma"; c) "um produtor e vendedor destas mesmas
ciências"; d) Um versado na "arte da luta, como um atleta do discurso, reservando, para
si, a erística" (arte da controvérsia); e) o sofista, também é aquele que "purifica as almas
das opiniões que são um obstáculo às ciências; f) Um varejista das ciências da alma.
Mas a pergunta fatal é esta: "como chegam esses homens a incutir na juventude que
somente eles, e a propósito de todos os assuntos, são mais sábios que todo o mundo?"
(Sof. 233b). Parece existir um CONSENSO apenas em considerar o sofista como
alguém que fala de falsas aparências da ciência Universal. Mas, como tais homens
chegaram a possuir tal poder de persuasão e convencimento? "O homem que se julgasse
capaz, por uma única arte, de tudo produzir. Como sabemos, não fabricaria, afinal,
SENÃO IMITAÇÕES, e homônimos das realidades." (Sof. 234b). Como consegue o
Sofista realizar essa façanha? Qual é a técnica que lhe se utiliza? O Sofista sabe
IMITAR as realidades e parece ter a ciência de todos os assuntos que ele é capaz de
contradizer, porém qual é a técnica por ele utilizada? É A MIMÉTICA, isto é, a arte de
produzir imagens da realidade. É a arte dos ilusionistas. Há, no entanto, duas formas de
MIMÉTICA: a primeira, é a arte de copiar. "Copia-se mais fielmente quando, para
melhorar a imitação, transportam-se do modelo as suas relações exatas de largura,
comprimento e profundidade, revestindo cada uma das partes das cores que lhe
convém."(Sof. 235 e); A segunda é a arte do simulacro, isto é, uma cópia ou reprodução
imperfeita ou grosseira da ciência Universal. É aquele que "parece copiar o belo para
espectadores desfavoravelmente colocados, e que, entretanto, poderia esta pretendida
fidelidade de cópia para os olhares capazes de alcançar plenamente proporções tão
vastas..." (Sof. 236b). A onde podemos enquadrar o Sofista? Quem é o Sofista, Afinal?
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Ora, podemos supor o não-ser como ser? Se o sofista é um ilusionista, portanto,


um não-ser ele deveria ser. Mas, para dizermos o que ele não é, nós estamos dando os
contornos de um Ser. Como podemos falar do não-ser sem estar caracterizando-o como
ser? Há um ser no não-ser? "Compreender então que não se poderia, legitimamente,
nem pronunciar, nem dizer, nem pensar o NÃO-SER em si mesmo; que, ao contrário,
ele é impensável, infalável, impronunciável e inexprimível?" (Sof. 238c). Como pode
Platão refutar o não-ser, se ao tentar refutar ele lhe dá as características de SER? A
contradição, o paradoxo, é inevitável. "o não-ser não deve PARTICIPAR nem da
Unidade nem da pluralidade, já ao afirmá-lo eu o disse Uno; pois disse "o não-ser".
Compreendes certamente. Sim" (Sof. 238 e) respondeu Teeteto.

A tese de Parmênides é a de que só existe o Ser e que o não-ser não existe. Platão,
na necessidade de esclarecer a natureza da figura do sofista como não-ser que seria,
recorre a seguinte tese - em contraposição a Parmênides: devemos mostrar "pela força
de nossos argumentos que, em certo sentido, o NÃO-SER É; e que, por sua vez, o SER,
de certa forma, NÃO-É. " (Sof. 241 e). Platão, opta por explicar a PARTICIPAÇÃO do
SER no NÃO-SER e pela participação do NÃO-SER no SER.

Platão retorna a sua tese de explicar como as formas - Universais e necessárias


aplicam-se as coisas naturais - particulares e contingentes. Como explica essa
aplicação? Platão faz mediante o conceito de ALTERIDADE. Essa alteridade ocorre
entre o mesmo e o outro. "Quando afirmamos que ele é o mesmo é porque em si
mesmo, ele participa do mesmo, e quando dizemos que ele não é o mesmo, é em
consequência de sua comunidade com "o outro", a comunidade esta que o separa do
"mesmo" e o torna não-mesmo e sim outro; de sorte que, neste caso, temos o direito de
chamá-lo "não-o-mesmo". (Sof. 256 b).

O que fica claro aqui é que ALTERIDADE é comunidade entre o mesmo em si e


o outro. O mesmo em si é o SER e o outro é o não-ser. Platão quer com isso mostrar que
SER e não-ser podem formar uma comunidade unida. O Ser, o mesmo, é Universal e
necessário, que participa do Não-ser, o outro, particular e contingente. O que é então, o
não-ser? "Quando falamos no não-ser isso não significa, ao que parece, qualquer coisa
contrária ao Ser, mas apenas OUTRA coisa qualquer que não o ser." (Sof. 257b).
Assim, não há uma oposição entre racional (O Ser) e irracional (não-Ser). O Não-Ser é,
em verdade, o não-racional.

A Fórmula não-x encerra em si uma multiplicidade de nomes que podem ser


atribuidas ao Ser. Assim começamos a entender "como pode acontecer que designemos
uma única e mesma coisa por uma pluralidade de nomes." (Sof. 251a). Quando dizemos
que o belo é o Ser em si mesmo, o não-belo e o outro que abriga em si vários nomes.
Assim, o belo tem seus múltiplos nomes. "Ao que parece, quando uma parte da natureza
do outro e uma parte da natureza do ser se opõem mutuamente, esta oposição não é, se
assim podemos dizer, menos ser que o próprio ser; pois não é o contrário do ser o que
ele exprime; e sim, simplesmente, algo dele diferente." (Sof. 258 b)

Platão procura aplicar essa solução brilhante na ciência. A ciência enquanto tal é
Una, mas pode dividir-se. A ciência possui um Ser, isto é, uma forma do mundo
inteligível. A ciência, assim é o mesmo, enquanto que as suas partes; divisões, e sub-
divisões são o outro, o não-ser, A NÃO-CIÊNCIA. A não-ciência são todos os nomes
que damos à ciência, são seus múltiplos. Pois tudo o que chamamos de não-ciência é
Idealismo de Platâo 10

outro que a ciência, exclusivamente. "Também a ciência é una, não é? Mas cada parte
que dela se separa, para aplicar-se a um determinado objeto, tem um nome que lhe é
próprio: é por isso que se fala de uma pluralidade de artes e ciências." (Sof. 257 d).

Com essa definição de não-ser, da natureza do não-ser, como sendo "alteridade" -


algo diferente do ser - e não necessáriamene oposição ao ser, Platão derruba, ou seja,
refuta a tese de Parmênides que dizia "Jamais obrigarás os não-seres a ser." É assim que
o não-ser participa do Ser.

Como poderíamos aplicar ao problema em pauta? Como dissemos, o mundo


inteligível ou das formas universais e necessárias é o MESMO (SER) e o mundo
sensível ou das coisas naturais particulares e contingentes é o OUTRO (Não-Ser). Ora,
dissemos que há uma comunidade entre o Ser e o não-ser. Não há oposição entre um e
outro. Do mesmo modo ocorre com o mundo inteligível e com o mundo sensível. Não
há uma relação de oposição, mas sim, o mundo sensível é em verdade o NÃO-
INTELIGÍVEL. Portanto, haveria o mundo inteligível e o mundo NÃO-INTELIGÍVEL
(do sensível). Esse mundo se constitui das diversas maneiras que podemos denominar o
mundo inteligível. O mundo inteligível é único, mas pode ser dito de múltiplas
maneiras, pode ser expresso de várias maneiras - e é aqui que obtemos o mundo
sensível - ou o mundo não-inteligível. Enfim, a participação ocorre justamente quando
procuramos expressar, comunicar esse mundo inteligível de diversas maneiras.
Aristóteles, no entanto, dirá que TODAS as maneiras de expressar ou comunicar o ser
como Uno não serão suficientes para justificar essa participação. Ainda haverá a
incompreensão. Portanto, como pode o Ser ser Uno e ser dito de muitas maneiras?
Todas as maneiras de traduzir sua unidade são insatisfatórias. Se não há oposição entre
o Ser e o não-Ser como poderemos entender o Ser? Como entender, perceber, o branco
sem o preto? É nesse momento que começa o pensamento de Aristóteles.

Por último, perguntaríamos; Quem é o sofista? É o Ser? Não. É a oposição do


Ser? Não. O Sofista é o não-ser. Não o mesmo, mas o outro. Não o imoral em oposição
ao moral, mas o não-moral. Não o irracional em oposição ao racional, mas o não-
racional. Diz Platão: "Sábio, exatamente, é, impossível, pois já afirmamos que ele não
sabe nada. Mas, porque imita o sábio, ele terá um nome que se aproxime deste, e já
estou quase convencido de que é a seu propósito que devemos dizer: eis,
verdadeiramente, nosso famoso sofista." (Sof. 268 c)
Realismo natural de Aristóteles 11

REALISMO NATURAL DE ARISTÓTELES

Nasceu em Estagira. Platão foi seu mestre e estimava-o muito chamando-o de "o
leitor" e "a mente da escola". No entanto, havia diferenças sensíveis entre o
pensamento de Platão e o de Aristóteles. Vamos apenas citar três dessas diferenças: a) o
pensamento platônico ainda possui raízes nas legiões órficas. Assim, o elemento
místico-religioso-escatológico está presente. No pensamento Aristotélico há um
abandono total, completo desses elementos. A razão disso certamente é o discurso
lógico, isto é, o discurso amparado em regras lógicas. Isso evidentemente deu uma
consistência bem maior ao logos (razão); b) em segundo lugar, o pensamento platônico
preocupa-se especialmente com as ciências formais, em particular pela matemática
(Geometria). O pensamento Aristotélico envolve-se muito mais pelas ciências
empíricas, em particular pela biologia; c) em terceiro lugar, o pensamento platônico
caracterizou-se fortemente pela ironia e maiêutica socrática, dando dessa forma uma
abertura ao discurso e uma busca sem interrupção da resposta ao seu problema central; a
conciliação entre o mundo sensível e o mundo inteligível. O pensamento Aristotélico,
ao contrário, procura uma sistematização aos problemas. Cada problema possui uma
determinada natureza, e, exige a aplicação de um determinado método racional. Assim,
temos em Aristóteles, os problemas de natureza metafísica, psicológica, física, ética,
política, estética e lógica. O "CORPUS ARISTOTELICUM" está articulado da seguinte
maneira: a) obras de lógica: organon - que se compõe: (a.1) Categorias ao
predicamentos; (a.2) Interpretação ou sobre os juízos; (a.3) Primeiros analíticos ou
sobre o silogismo; (a.4) Segundos analíticos ou Analíticos posteriores ou sobre a
demonstração silogística; (a.5) Tópicos ou sobre a demonstração silogística que conduz
a uma conclusão provável; (a.6) Refutações sofísticas, incluídos nos tópicos, sobre os
silogismos que conduzem ao erro; b.Filosofia Primeira: Metafísica. c. Física; ( c.1 )
Físicos; ( c.2 ) Do céu ou sobre a astronomia; ( c.3 ) Da geração ou da corrupção; ( c.4 )
Meterologia; d. BIOLOGIA; I) TRATADOS MAIORES: De anima ou sobre o vivente
em geral; História dos Animais entre outros. II) Tratados menores: Da memória e da
reminiscência; Do sono e da vigília; Da respiração; Da vida e da morte; entre outros. e.
Ética : Ética de Nicômaco, entre outros.f. Política: Política; Constituição de Atenas; g.
Arte: Retórica; Poética; Poesias.

Nessa introdução é importante colocarmos algumas considerações sobre a


evolução do pensamento Aristotélico: Em Aristóteles podemos falr de três períodos
pertencentes à filosofia primeira: um período que Aristóteles compactua com o
DUALISMO PLATÔNICO: ai a filosofia primeira é a ciência que tem por objeto de
estudos às substâncias transcendentes e suprasensíveis separadas. Diametralmente
oposta está a física que possui como objeto de estudo as substâncias do mundo sensível.
Aqui podemos incluir: Metafísica livros XIII 9-10 e XIV. Sobre a filosofia, do céu I - II
e Física I - II; Em um segundo período podemos observar em Aristóteles um
DUALISMO MITIGADO, isto é, um período de transição. A Filosofia primeira é a
ciência dos primeiros princípios e das causas supremas e últimas do Ser em sua
totalidade, tanto sensível como suprasensível. Temos como referência o LIVRO I da
Metafísica e III, XI 1-2; O terceiro período constitui-se na SUPERAÇÃO DO
DUALISMO PLATÔNICO, isto é, o Aristotelismo própriamente dito. A Filosofia
Realismo natural de Aristóteles 12

primeira define o seu objeto de estudo: o ser enquanto ser, isto é, o estudo dos
princípios da razão e do ser. Pertencem à Filosofia primeira à física e à todas as
ciências particulares, que estudam propriedades concretas e específicas. Podemos
subdividir este período em quatro momentos: (a) Metafísica VI 1 - XI 7; VI 2-4 - XI 8;
XI 9-12 (resumo da física); (b) metafísica VII, VIII, XIII 1-9 (sobre a substância); (c)
IX 1-9 ( sobre o ato e a potência) ; (d) Metafísica livro XII (sobre a substância como
ato puro - Ser transcendente).

De uma maneira geral, a evolução do pensamento aristotélico segue três períodos


- segundo F. Nuyens:

1º Período: Dualismo radical entre alma e corpo conforme EUDEMO h 354;


Protréptico e Sobre a Filosofia; Física do Céu ( Com exceção do Cap. VIII ); Da
geração e Corrupção; Categorias e Tópicos; Meteorologia; 2º Período: Instrumentismo
vitalista ou mecanicista: pertencem a esse período obras de biologia e moral, metafísica
XIV, XII 1-9, VI 1; Ética a Nicômaco com exceção dos cap V, VII; Política II, III, VII,
VIII. 3º Período: Enteleguismo: pertencem a esse período "De anima", Metafísica VII,
VIII, XII, IX; Política Iv, V, VI, I.

O problema em Aristóteles

Aristóteles atacou o "Monismo" de Parmênides de que, o que existe é o Ser e que


o não-ser não existe; Atacou o "mobilismo" de Heráclito e também o pluralismo
idealismo de Platão. Contra Parmênides: "O Ser é uno e se diz de muitas maneiras;
contra Heráclito: Os particulares movimentam-se, mas as essências são imutáveis e
permanecem através de todas as mudanças e mutações; contra Platão: Não existe uma
realidade ontológica para os universais, mas somente uma realidade lógica para os
universais. Poderíamos indagar: Como pode que o Ser seja uno e seja dito de muitas
maneiras? Como pode ser que as essências permaneçam sem cessar o movimento?
Como podemos sustentar a Universalidade apenas pela lógica? É a filosofia primeira de
Aristóteles que responde.

A composição hierarquica do Universo, em Aristóteles, passa por três níveis: 1º


NÍVEL: O Mundo físico terrestre: Todos os elementos que possuem a matéria primeira
e os quatro elementos. São móveis, geráveis, corruptíveis, compostos de matéria e
forma (potência e ato). Estão em uma escala hierárquica de organização em ordem de
perfeição, levando-se em conta a sua forma. Os elementos materiais são eternos, porém
eles SÃO CONTINGENTES (enquanto individuais). Assim temos:

Não-viventes

Princípios (Matéria-Forma)

Elementos (Água-Ar-Fogo-Terra)
Realismo natural de Aristóteles 13

Mistos (em número indefinido)

Viventes

Vegetais (forma vegetativa, nutritiva)

Animais ( forma sensitiva )

Homem (forma racional)

O 2º NÍVEL é o Mundo físico celeste. Composto das esferas, Astros que são
móveis, eternos, não são geráveis, incorruptíveis, compostos de matéria (éter - o 5º
elemento), dotadas de formas viventes, inteligentes e perfeitíssimas. São 54 esferas que
rodeiam a terra em círculo e não possuem contrários. A última esfera é movimentada
pelo motor primeiro imóvel; O 3º NÍVEL é o da SUBSTÂNCIA DIVINA
SUPRACELESTE que está fora do Universo. É simples, eterna, imóvel, incorruptível,
forma pura sem matéria, ato puro sem potência. É Deus. Não criou o mundo, pois o
mundo é eterno. Não organizou o mundo. A Única ação de Deus no mundo é ser a causa
do movimento por atração e por amor.

A partir dessa descrição da composição hierárquica do Universo, passamos a


concepção de ciência em Aristóteles, onde o problema maior se centralizará. Aristóteles
mantém o mesmo conceito de ciência que os pré-socráticos e que Platão adotaram. A
ciência é um conhecimento fixo, estável e correto. Mas Aristóteles acaba com a
existência de um mundo transcendente de Idéias que o seu mestre havia imaginado. O
que há, segundo Aristóteles, são substâncias particulares e individuais que estão
distribuidas em três planos: a) o terrestre; b) o celeste; c) e o divino. Ainda mais,
Aristóteles termina com os conceitos de imitação e participação de Platão. Toda
substância, segundo Aristóteles, possui o seu Ser, que norteia-se por quatro causas: a)
material; b) formal; c) suficiente; d) teleológica ou final, que são comuns a todos os
fenômenos naturais, que os explicam.

Aristóteles distingue dois tipos de conhecimento: O conhecimento SENSITIVO a


qual pertence as coisas particulares e contingentes , sujeitas a mudança. Esse
conhecimento é VERDADEIRO, mas não é científico; O segundo tipo de conhecimento
é o INTELECTIVO a qual pertence o universal e necessário que é fixo, imutável
(portanto, não muda) e o estável. Esse é o conhecimento CIENTÍFICO capaz de
produzir conceitos universais. As características centrais para Aristóteles daquilo que é
A ciência devem preocupar-se em responder a pergunta O QUE É? E expressar
definições das essências das coisas. Sendo assim, a ciência é um conhecimento das
coisas por suas causas; um conhecimento necessário; é um conhecimento Universal.
Mas, a questão é: Como obtemos, segundo Aristóteles, um conhecimento com essas
características? Como pode dar-se um conhecimento científico (Intelectivo), necessário,
universal e certo VERSANDO SOBRE objetos essencialmente contingentes, instáveis e
mutáveis (sensitivo)?

Aristóteles tem presente o problema da compatibilidade entre necessidade e


Realismo natural de Aristóteles 14

Universalidade da ciência e contingência e particularidade dos objetos da ciência. A


maneira de proceder perante este problema herdado de seu mestre, não será a mesma de
seu mestre. Platão considerou que o problema deveria ser combatido a nível ontológico.
Aristóteles acredita que o mesmo problema deva ser considerado a nível LÓGICO.

De um ponto de vista lógico, o problema é tratado na medida que se propõe a


descrição do procedimento de formação ou obtenção dos conceitos universais e, a sua
posterior aplicação na natureza. Ora, para Aristóteles a investigação científica ocorre
em uma progressão das observações até os princípios gerais e daí retorna as
observações. Assim, devemos induzir princípios universais dos próprios fenômenos
contingentes a serem explicados, e logo após deduzir afirmações sobre os fenômenos
contingentes a partir de premissas que incluem esses princípios universais.

O início do processo INDUTIVO, isto é, o processo pelo qual é responsável em


apontar as razões que explicam a passagem do particular-contingente ao universal-
necessário, - ocorre a partir da percepção sensível. A Sensação, a primeira etapa do
processo indutivo, define-se como a percepção dos objetos particulares-contingentes.
Nada é inato. Tudo provém dos sentidos que são afetados pelos objetos naturais. O
Efeito dessa "afetação" (afetar) é o PRAZER e, também, já muito mais abstrato, a maior
quantidade e variedade de conhecimentos.

Uma vez que nossos sentidos foram afetados e que nós percebemos, essa sensação
perpetua-se na MEMÓRIA. A memória, segunda etapa do processo indutivo, é a
persistência e a conservação das impressões sensitivas. É o armazenamento daquilo que
mais significativamente nos afetou.

A terceira é a EXPERIÊNCIA. A experiência provém da repetição e confrontação


de várias sensações repetidas, procedentes de objetos semelhantes, conservadas na
memória e unidas na observação consciente e atenta.

A quarta etapa: O conceito Universal. O conceito Universal é produto da redução


de muitas experiências. Reduzimos o múltiplo, característico do particular-contingente,
ao conceito. E se produz o universal-necessário. É aqui que os problemas acumulam-se:
Como reduzimos o múltiplo a uma unidade? Como passamos de experiências repetidas
e diversas para o conceito de universal? Ao que parece há uma distância muito grande
entre a experiência e o conceito universal. Quem conhece o Universal conhece, em
certo sentido, tudo o que pertence ao modo das coisas particulares que CONVÉM a ele
(o universal). A formação do conceito universal-necessário passa pela unificação da
pluralidade na unidade; passa pela estabilização reduzindo o mutável ao imutável; e
passa pela desmaterialização prescindindo da matéria e considerando-a em geral.
Podemos perceber o universal nos indivíduos. Percebemos o Universal homem e
brancura, em um indivíduo: Sócrates branco. Assim, o conceito universal é o
fundamento da arte como ação e produção, e da ciência como aplicação desse universal
ao particular. Porém,aquele que somente conhece o universal cometerá erros ao aplicar
aos casos particulares. Aquele que só conhece o particular não saberá aplicá-los ao
universal.

Todas as coisas fenomênicas, particulares e contingentes, possuem matéria e


forma. A matéria torna-o particular em um indivíduo único. E a forma é o que torna o
particular em membro de uma classe de coisas semelhantes. Estabelecer a forma de um
Realismo natural de Aristóteles 15

particular é especificar as propriedades que ele compartilha com outros particulares.

De acordo com Aristóteles, podemos falar de dois tipos de indução: Indução por
simples enumeração e a Indução intuitiva que é uma questão de visão interior. A
indução por simples enumeração parte da premisssa de que - o que se observa em vários
indivíduos - pode-se generalizar para a conclusão de que - é o que se presume
verdadeiro para a espécie que pertencem os indivíduos. Continuando o processo de
generalização por indução simples: Da premissa que diz: o que se observa para várias
espécies - generalizamos para a conclusão de que: o que se presume verdadeiro para o
genêro ao qual pertence as espécies. Assim temos: um esquema de indução por simples
enumeração.

GENERALIZAÇÃO

INDIVÍDUOS ______________________ » ESPÉCIE

GENERALIZAÇÃO

ESPÉCIES ________________________ » GÊNERO

A forma de uma argumento típico por enumeração simples será o seguinte:

a1 tem a propriedade P

a2 tem a propriedade P

a3 tem a propriedade P

_________________________________

. . todos os a ' s têm a propriedade P

A indução intuitiva é uma instituição direta dos princípios gerais exemplificados


pelos fenômenos. É saber olhar, o que se deve olhar. É ter visão do que se deve dar
importância na indução.

Dedução: É o segundo estágio da investigação cietífica. No que consiste este


estágio? A dedução define-se pelas generalizações alcançadas pela indução que são
utilizadas como premissas para a dedução de declaração sobre as observações iniciais.
As declarações dedutivas INCLUEM OU EXCLUEM EM uma classe. Assim, segundo
Realismo natural de Aristóteles 16

Aristóteles temos:

A Todos os S são P onde S é completamente incluído em P

E Nenhum S é P onde S é completamente excluído de P

I Alguns S são P onde S é parcialmente incluído em P

O Alguns S não são P onde S é parcialmente excluído de P

A mais importante destas declarações é a "A" porque reproduz exatamente a


estrutura destas relações. A figura e o modo do Silogismo seguirá específicamente este
tipo de declaração: o modo mais perfeito é o de primeira figura em que as demais
figuras devam ser reduzidas. O modo mais perfeito da primeira figura é o BAR-BA-RA.
O Silogismo mais importante para a explicação e investigação científica:

Todos os M são P

Todos os S são M

logo, Todos os S são P

O Silogismo, como o argumento dedutivo mais importante para Aristóteles,


consiste na interposição de termos médios. A premissa inicial se obtém pela indução; a
segunda premissa e a conclusão são deduções. O termo médio é escolhido. Portanto,
não há aparentemente uma justificação racional para sua escolha. Vamos ao exemplo:

Todos os corpos próximos à terra são corpos que brilham continuamente

Ora, todos os planetas são corpos próximos da terra

logo, todos os planetas são corpos que brilham continuamente

o que corresponderia respectivamente a :

M T Premissa maior ou Premissa inicial

t M Premissa menor

t T Conclusão ou generalização científica

Requisitos para a explicação científica


Realismo natural de Aristóteles 17

Há segundo Aristóteles quatro requisitos extra-lógicos:

(1) Todo silogismo dedutivo satisfatório deverá ter as premissas verdadeiras e a


conclusão verdadeira;

(2) As premissas são indemonstráveis;

(3) As premissas devem ser melhor conhecidas do que a conclusão;

(4) As premissas devem ser as causas da atribuição feita na conclusão.

(Conferir Analítica Posterior - Aristóteles 71b 20-72a 5).

Quanto a segunda condição, há leis gerais da ciência, segundo Aristóteles, que são
indemonstráveis para podermos evitar o regresso infinito nas explicações. Quanto a
quarta condição, Aristóteles constata que há silogismos em que há uma conexão causal
entre as premissas e a conclusão, mas há outros silogismos em que essa conexão não há,
isto é, são correlações causais acidentais, enquanto que, no primeiro caso, as correlações
causais são essenciais. Mas qual seria o critério para diferenciar relações causais
essenciais de acidentais? Disse Aristóteles que os critérios são os seguintes: (a) o
predicado ou atributo é verdadeiro para todos os casos em que aparece o sujeito; (b) o
predicado ou atributo é verdadeiro específicamente para o sujeito, e não por ele ser
parte de um todo maior; (c) o predicado ou atributo é essencial ao sujeito. Com esse
último ítem Aristóteles retorna ao mesmo problema: " Na verdade, ele sugeriu que
"animal" é um predicado essencial do "homem", enquanto "musical" não o é, e que
cortar o pescoço de um animal é essencialmente relacionado com a sua morte, enquanto
que dar um passeio não é essencialmente realcionado com aocorrência de raios. Mas dar
exemplos de predicação essencial é uma coisa, e estipular um critério geral para
distingui-los é outra." (HFC,21).

Apesar da falha, da limitação, Aristóteles insistiu no fato de que a ciência têm


sujeitos distintos e predicados próprios. Assim, " a ciência individual é um grupo
dedutivamente organizado de declarações. No mais alto nível de generalidade acham-se
os primeiros princípios de TODA a demonstração - os princípios da identidade , não-
contradição e do médio-excluído. Tais princípios são aplicáveis a todos os argumentos
dedutivos. No segundo nível de generalidade estão os princípios primeiros e às
definições da ciência particular em questão." ( IHFC, 22)

Um outro requisito para as interpretações científicas são as quatro causas que


estão presentes em toda interpretação ou explicação de um fenômeno. Segundo
Aristóteles, temos: (a) causa formal, que define o objeto, distinguindo-o dos demais;
(b) causa material, aquilo de que uma coisa é feita; (c) causa eficiente, oisto é, o sujeito
que faz o objeto (coisa); (d) causa final, isto é, a idéia da coisa, existente na mente do
sujeito.

" Um processo suscetível deste tipo de análise é a mudança de cor da pele do


camaleão à medida que ele se desloca de uma folha verde a um ramo cinzento. A cusa
formal é a forma do processo. Descrever a causa formal é especificar uma generalização
sobre as condições sob as quais tem lugar a mudança de cor. A causa material é a
substância contida na pele, que sofre a mudança de cor. A causa eficiente é a transição
da folha para o ramo, transição esta acompanhada por uma mudança de luz refletida e
Realismo natural de Aristóteles 18

uma variação química correspondente na pele do camaleão. A causa final do processo é


que o camaleão deveria escapar à detecção pelos seus predadores." (IHFC, 22).

O problema das causas dos fenômenos encontra-se restringida a causa final: ora,
se a causa final pressupõem que um futuro estado de coisas determina o desenrolar de
um estado presente, então, significa que o futuro está determinado pelo presente, pois o
estado futuro "puxa consigo" a sucessão de estados que leva a ele.

A última questão a rspeito da ciência é a demarcação entre o científico e o não-


científico que Aristóteles atribui: ora, demarcar é assunto próprio de cada ciência mas se
quisermos distinguir entre ciência empírica e matemática pura, diríamos, no entender de
Aristóteles, que a ciência empírica trata do que é variável e a matemática pura do
invariável.
Racionalismo Cartesiano 19

RACIONALISMO CARTESIANO

O ceticismo do Renascimento, representado aqui por nós na figura de M.


Montaigne, fundamentou e deixou claro a decadência da razão. Aliás, na história da
filosofia são sucessivos os momentos de ascenção, apogeu e consequentemente
decadência da razão. A filosofia é por excelência, um estudo dos movimentos de
ascenção, apogeu e decadência da razão humana.

A razão aparece como a faculdade mais precisa do homem. Sua origem, sua
evolução e seu destino enfim, sua sobrevivência estão ligados íntimamente a ela. Esse
zelo pela razão será a pedra de toque do racionalismo que iniciou seu programa com a
figura de Descartes.

No renascimento a razão era descrita como sendo responsável ou melhor, como a


faculdade humana responsável pela descoberta e manifestação da ordem divina do
mundo. Para Descartes, entretanto, como sendo um dos primeiros racionalistas a
apresentar o seu programa, a razão era responsável pela produção e estabelecimento da
ordem dos conhecimentos e das ações dos homens. Portanto, em Descartes, a razão é
uma faculdade humana e não divina. Deus não interfere na razão, pois esta, em grande
parte, depende exclusivamente, de REGRAS.

Ai está pois, a diferença principal entre Descartes e o pensamento renascentista.


Veremos, no entanto, que as sequêlas da filosofia renascentista aparecem vivamente na
filosofia racionalista de Descartes. Essa parte de nosso estudo constará de duas etapas.
A primeira enfocará a concepção cientiífica de Descartes; a segunda objetivará
explicitar a concepção metafisica de Descartes.

1.1.1 Descartes e a ciência

O conceito dominante não só no racionalismo mas também em Descartes é o


conceito de SUBSTÂNCIA. Mas por que o conceito de substância advindo de
Aristóteles colocou-se como o centro do programa racionalista do séc XVI? Ora, assim
como Aristóteles distingue em sua lógica o Sujeito do Predicado, o mesmo ele efetua
em sua metafísica diferenciando Substância de Atributo.

Neste sentido, quando pronunciamos a seguinte sentença: "Pedro é um homem",


temos que "Pedro" será o sujeito da sentença e, o restante "um homem" será o
predicado. Ora, enfocando esta mesma sentença teremos que o termo "Pedro" é a
Substância, a essência, e o complemento "um homem" é o seu atributo. Sendo assim, a
substância possui e é uma essência, e os seus atributos são acidentes, isto é,
propriedades com relação às quais a substância pode mudar sem deixar de existir. A
essência é justamente a parte da substância que não muda e não deixa de existir. Em
uma palavra a substância em essência é o que permanece.
Racionalismo Cartesiano 20

Este conceito de Substância assume importância vital porque essa contém em si a


explicação total ou completa da natureza. A dificuldade residirá em que a IDÉIA DE
MATÉRIA dificilmente se enquadrará na estrutura conceitual de SUBSTÂNCIA, em
Aristóteles. Estabelecer essa relação entre a idéia de MATÉRIA e o conceito de
substância, se é possível ou não, será o centro de polêmicas no racionalismo moderno e,
principalmente em Descartes.

Diz Descartes: "Pois, com efeito, aquelas que me representam SUBSTÂNCIAS


são, sem dúvida, algo mais e contém em si (por assim falar) mais realidade objetiva, isto
é, participam, por representação, num maior número de graus de ser ou de perfeição do
que aquelas que representam apenas modos ou acidentes" (Meditações, 103)

Como Descartes opera para estabelecer ou restabelecer a relação entre a IDÉIA de


MATÉRIA e a de Substância? Descartes estabelece uma diferença entre Substância
pensante e Substância extensa:

"Pois, quando penso que a pedra é uma substância, ou uma coisa que é por si
capaz de existir, e em seguida que sou uma substância, embora eu conceba de fato que
sou UMA COISA PENSANTE E NÃO EXTENSA, e que a pedra, ao contrário, é UMA
COISA EXTENSA E NÃO PENSANTE, e que assim, entre essas duas concepções há
uma notável diferença, elas parecem, todavia, concordar na medida em que representam
substâncias." (Meditações, 107)

Ora, enquanto que a substância pensante aqui em nosso estudo será melhor
explicitada na segunda parte que trata da METAFÍSICA, a substância extensa será
tratada neste momento. A razão disso é que a extensão é a categoria fundamental, em
Descartes, para entender-se a concepção de UNIVERSO.

A filosofia de Descartes se compõem, básicamente, de três momentos: 1º O da


dúvida metódica (que corresponderia a 1ª e 2ª MEDITAÇÃOES); 2º O da inserção do
cógito (que corresponderia a 2ª e 3ª MEDITAÇÕES); e 3º O da saída do cógito (que
corresponde a 3ª,4ª,5ª e 6ª MEDITAÇÕES). Portanto, o cerne da filosofia cartesiana é a
dificuldade que há em sair-se do cógito para admitir que existe algo fora dele, isto é, se
há uma realidade exterior ao cógito.

Descrever a concepção de Universo (ou de ciência) em Descartes é justamente


deter-se neste terceiro momento, que pode ser sintetizado neste esquema:

IDÉIA »»»»»»»»»»»»»»»»» OBJETO

Isto é, como ocorre a passagem de uma idéia localizada no interior do cógito para um
objeto localizado fora do cógito? Em termos Cartesianos:

SUBSTÂNCIA PENSANTE »»»»»»»»»»»»»»»» SUBSTÂNCIA EXTENSA


Racionalismo Cartesiano 21

Isto é, como ocorre a passagem de substância pensante para a substância extensa? Como
Descartes reconhece a existência do mundo exterior? Vejamos em Descartes:

"Tomemos, por exemplo, este PEDAÇO DE CERA que acaba de ser tirado da
colmeia (...) todas as coisas que podem distintamente fazer conhecer um corpo
encontram-se neste (...) Mas eis que, enquanto falo, é aproximado do fogo (...) A
mesma cera permanece após essa modificação? Cumpre confessar que permanece : e
ninguém o pode negar, (...) Consideramo-lo atentamente e, afastando todas as coisas
que não pertencem à cera, vejamos O QUE RESTA. Certamente, nada permanece
SENÃO ALGO DE EXTENSO, flexível e mutável (...) E agora, que é essa extensão?
(...)" (Meditações, 96)

Ora, chegamos a idéia de extensão por intuição da mente. Mas, o que significa
extensão? Extensão, em Descartes, significa "SER CHEIO DE MATÉRIA". Portanto, é
uma contradição sustentar a extensão como algo desprovido de toda matéria. A matéria
possui extensão e movimento. E a razão concebe a extensão pelo método geométrico.

Aqui que começa-se a explicar a passagem que vai do interior do cógito para o
seu exterior. Isso ocorre graças ao método geométrico de Descartes. Ora, se eu me
constituo como uma substância finita, como posso ter a idéia de um ser infinito em
mim? Logo, esse ser infinito está fora de mim. Diz neste sentido Descartes:

"Portanto, resta tão somente a idéia de Deus, na qual é preciso considerar se há


algo que não possa ter provindo de mim mesmo? Pelo nome de Deus entendo uma
substância infinita, eterna, imutável (...)

(...) ainda que a idéia de substância esteja em mim, pelo próprio fato de ser eu uma
substância, EU NÃO TERIA, todavia, a IDÉIA DE UMA SUBSTÂNCIA INFINITA,
EU QUE SOU UM SER FINITO, se ela não tivesse sido colocada em mimpor alguma
substância que fosse verdadeiramente infinita" (Meditações,107-8)

O infinito não pode estar contido no finito, mas o finito (homem) pode estar
contido no infinito (Deus). Logo, o infinito está fora do finito, existe fora do finito.
Deve haver uma realidade exterior ao cógito.

O Universo físico será um mecanismo criado por Deus, que pode ser reduzido ao
cálculo. O Universo é um relógio preciso. A precisão desse relógio se explica pelo
movimento das partes extensas. Esse princípio, e assim acreditou Descartes, explica
todos os fenômenos da natureza. Deus é a causa primeira desse mecanismo e as leis da
física dele são deduzidas.

Neste sentido, temos em Descartes a primeira lei da natureza: O PRINCÍPIO DE


INÉRCIA. O que significa este princípio? Todas as coisas, que compõem a realidade
exterior do cógito, enquanto simples e indivisas preservam-se sempre no mesmo estado
e não se alteram, não mudam a não ser que uma causa externa os ponha em movimento.
A segunda lei: todas as coisas tendem a movimentar-se em linha reta. E a terceira lei,
conhecida como a lei ou o princípio da conservação do movimento, diz que no choque
de dois corpos entre si, o movimento não se perde, mantendo-se a sua quantidade
constante.
Racionalismo Cartesiano 22

Destas leis é que Descartes deduz toda estrutura do Universo e aponta para o fato
de que todos os fenômenos desse Universo, dessa natureza possam, por essas leis, serem
REDUZIDOS.

Neste sentido, o Universo atual, a ordem atual do mundo se formou a partir do


caos. "A matéria primitiva era composta de particulas iguais em grandeza e em
movimento; estas particulas moviam-se quer, em torno do próprio centro quer uma em
relação as outras, de modo a formarem turbilhões fluidos que, compondo-se de modos
vários entre si, deram origem ao sistema e depois à terra". (HF,59-60)

Esse Universo mecânico, esse Universo máquina transfere esssasua característica


aos seus componentes. Dessa forma, Descartes, fala de um mecanismo não só para o
Universo mas também para aquilo que nele está contido: Homens, Plantas e Animais. A
comprovação de Descartes que o homem é uma máquina dentro da grande mecânica do
Universo, está no circulação do sangue. Mas a descrição de Descartes a respeito da
circulação do sangue não parece concordar muito com a de Harvey - descobridor do
trajeto da corrente sanguinea. Enquanto que Descartes atribui à circulação sanguinea,
em causa, a maior quantidade de calor que existe no coração, Harvey (1628) indicava
como sua causa a contração e distenção do músculo cardíaco.

Cabe por último salientar que, toda matéria existente no Universo, na concepção
Cartesiana, foi posta em movimento uma vez por todas, ao mesmo tempo e, o papel de
Deus é que esse movimento seja perpétuamente conservado.

Em conclusão, dir-se-ia que Descartes "queria alcançar uma concepção de mundo


que fosse, num sentido totalmente específico, objetiva, isto é, quera mostrar que,
independentemente de seus pensamentos e percepções, existe um mundo que poderia, a
qualquer momento, diferir do que parece ser para ele, do qual ele fosse apenas uma
parte finita e falível e cuja verdadeira natureza ele só pudesse descobrir mediante
laboriosa investigação" (IFM, 39).

1.1.2 Descartes e a Metafísica

Anteriormente tentamos esclarecer a concepção de substância extensa em


Descartes como sendo a pedra de toque para a sua concepção cosmológica da ciência.
Vimos que todo universo composto de matéria possui sua autêntica natureza em Deus e
dele se deduz as leis da física de maneira geométrica, sendo que todas idéias daí
derivadas são por assim dizer, para Descartes, claras e distintas.

Agora partiremos para o estabelecimento da substância pensante que, por sua vez,
é a pedra de toque da metafísica de Descartes.

Descartes inicia todo seu filosofar pela dúvida, pela dúvida orientada ou
direcionada pelo método, enfim, pela DUVIDA METÓDICA. Diz Descartes que o seu
propósito é:

"(...) desfazer-me de todas opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo
Racionalismo Cartesiano 23

novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante


nas ciências (...).

Ora, não será necessário, para alcançar esse desígnio, provar que todas elas são
falsas, o que talvez nunca levasse a cabo (...) o menor motivo de dúvida que eu nelas
encontrar bastará para me levar a rejeitar todas." (Meditações, 85)

A atitude de Descartes tinha sua razão de ser. O Renascimento deixará para a


filosofia uma situação bastante incômoda: todo nosso conhecimento não possui
nenhuma estrutura segura. Tudo que afirmamos, mais cedo ou mais tarde, aparecem
contrários à nossa razão. A atitude de Descartes, em princípio, é a de um cético que
suspende todos os seus juízos e coloca-os em cheque. Porém, sua meta é bastante
racional: estabelecer princípios seguros e absolutos para a razão. Esses princípios
seriam norteadores de todo o conhecimento objetivo. A objetividade da razão é em
Descartes algo determinado e determinador, reflexo da certeza e da segurança que todo
conhecimento que se diga científico, deveria ter. As idéias claras e distintas advém
deste conceito de objetividade.

Desta atitude cartesiana perante a razão, provém o problema fundamental da


teoria do conhecimento: como posso EU conhecer ou ter certeza das coisas que afirmo
conhecer? Se trata aqui de se estabelecer o conhecimento humano como uma árvore
que, tem a física como tronco e a metafísica como raiz.

Ora, apartir deste problema do conhecimento, faz com que Descartes, de sua
dúvida metódica se volte para dentro de si mesmo. Mas todo este procedimento é
coordenado pela razão. Portanto, haverá, por assim dizer, um método de valor universal
para que tudo se desenrole do jeito que está se desenrolando. É sobre este método que
queremos dizer alguma coisa a partir de agora.

O método de Descartes justifica, sobretudo, a sua atitude de interiorização, de


recolhimento em si mesmo e, por conseguinte, sua abertura para a realidade exterior.
Sendo assim, Descartes define como Método o conjunto de

"regras certas e fáceis que, por quem quer que sejam exatamente observadas, lhe
tornam impossível tomar o falso pelo verdadeiro e, sem nenhum esforço mental inútil,
antes aumentando sempre gradualmente a ciência, o conduzirão ao conhecimento de
tudo o que ele será capaz de conhecer" (Discurso do Método). Esse aumento gradual de
que fala Descartes em sua definição de Método, espelha sua atitude de contela e
desconfiança para, por fim, alcançar a certeza incontestável.

Pois bem, quatro são as regras de direção do espírito metódico: a) a regra da


evidência

b) a regra da análise

c) a regra da síntese

d) a regra da
enumeração

Vejamos pois, cada uma: pela regra da evidência Descartes procura estabelecer que
Racionalismo Cartesiano 24

jamais podemos aceitar algo como verdadeiro se não pudessemos reconhecê-lo como
evidente. Reconhecer como evidente é reconhecer segundo a luz natural da razão, é
reconhecê-lo pela INTUIÇÃO, chave de toda boa razão. Oposta a noção de evidência é
a de conjectura, que é em Descartes, aquilo que não nos dá a verdade de modo
IMEDIATO ao espírito, mas tal verdade é MEDIADA por outras circunstâncias para
alcançar o espírito. Daí se deduz que a evidência é aquilo que se dá imediatamente ao
espírito, sem a interferência de outros fatores. O conceito, por assim dizer, se torna
cristalino, transparente para a razão. Daí se deriva a CLAREZA enquanto tal. A
DISTINÇÃO é um outro momento que consiste na separação do conceito
imediatamente captado de outros conceitos adjacentes. A distinção é um processo de
discernimento de conceitos ou idéias e a clareza é propriamente dita como a
apresentação da idéia para a mente. Diz Descartes a respeito desta primeira regra:

"O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não
conhecesse EVIDENTEMENTE como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a
precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse
tão clara e distintamente a meu espírito, que não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em
dúvida." (DM,37)

Em segundo lugar, pela regra da análise temos um processo que consiste em


dividir cada uma de nossas dificuldades, segmentando nosso problema central no maior
número possível e necessário de partes para poder chegar a uma conclusão.

"A análise designa aqui o método que consiste em supor conhecida a linha
desconhecida, em estabelecer as relações que a ligam a grandezas conhecidas, até que
se possa constituí-la a partir destas relações." (DM, nota 20)

Segundo Descartes a etapa da análise pode ser definida como "... o de dividir (no
sentido de decompor até os elementos mais simples cuja combinação engendrará a
solução) cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas PARCELAS quantas
possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las" (DM, 37-8)

Em terceiro lugar, temos o momento da síntese que envolve um reagrupamento


das idéias analisadas em uma nova ordem . Descartes assim fala sobre essa terceira
etapa do seu método geométrico:

"O terceiro, o de conduzir por ORDEM os meus pensamentos, começando pelos


objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por
degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre
os que não se precedem naturalmente uns aos outros." (DM, 38)

Em quarto lugar, temos a etapa da enumeração, que, segundo Descartes, pode ser
assim definida:

"E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão
gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir".(DM,38)

Em conclusão: com este método geométrico Descartes racionaliza a sua dúvida


metódica, diferente dos céticos que a sua dúvida e encerteza é motivo de suspensão do
juízo, pois constatam que a razão lhe escapa.
Racionalismo Cartesiano 25

A dúvida metódica faz com que Descartes se recolha em si mesmo. É o momento


do "cógito, ergo sum". A segurança e a certeza não está fora de mim, portanto, devo
procurar em meu interior. Está na hora de definir, em oposição a RÉS EXTENSA, A
RÉS CÓGITA, isto é, a substância pensante, como centro da metafísica de Descartes.

Pois bem, por substância, como já sabemos, entendemos aquilo que existe
independentemente de qualquer outra coisa. Ora, a substância pensante se impõem na
medida em que, uma vez efetuada a dúvida metódica, ocorre a constatação: se estou
duvidando de tudo, uma coisa porém não posso duvidar, a de que estou PENSANDO,
porque para duvidar eu tenho que pensar. Por acaso poderia existir alguém que
duvidasse de tudo e até mesmo que estivesse a pensar? Seria contraditório. Se cumpre
em Descartes o princípio da lógica que diz: posso pensar em tudo quizer, desde que, não
entre em contradição comigo mesmo.

Dessa forma, Descartes introduz na teoria do conhecimento o sujeito pensante: a


epistemologia do sujeito cognoscente.

"A teoria do conhecimento subjetivo é muito antiga: mas torna-se explícita com
Descartes: "Conhecer" é uma atividade e pressupõe A EXISTÊNCIA DE UM SUJEITO
CONHECEDOR. É o ser subjetivo quem conhece." (CO,77)

Vimos que a proposição Penso, logo existo (ou até mesmo, Duvido de tudo, logo
existo) é a única proposição absolutamente VERDADEIRA porque a própria dúvida a
confirma. Ora, devemos distinguir aqui, na filosofia cartesiana, as verdades necessárias
das verdades contingentes. A verdade necessária é aquela que pode ser conhecida pela
luz natural da razão, pela evidência, pela intuição. A verdade necessária, portanto,
nunca será falsa. Ao contrário, a verdade contingente pode (possibilidade) ser falsa.
Portanto, não é que necessariamente seja FALSA. Porém, somente as verdades
necessárias estarão vinculadas ao cógito, a substância pensante, enquanto que as
verdades contingentes estão representadas pela realidade exterior ao cógito. O que leva
Descartes de dentro do cógito para a realidade exterior, é a noção de Deus. Temos
assim,

Mas se as verdades do cógito


Racionalismo Cartesiano 26

são necessárias por que Descartes tinha que voltar-se para fora do cógito? Descartes
precisa abandonar o solipcismo e demonstrar geométricamente a existência da realidade
exterior. Já tivemos alguma idéia de como ele o faz, mas vejamos:

O ponto central da obra de Descartes é a sua explicação da passagem do cógito


(substância pensante) para a realidade exterior (substância extensa). Essa passagem
ocorre pelo fato de que EXISTE DEUS. Mas como Descartes prova a existência de
Deus? Aqui Descartes é pouco original. Descartes se volta para os Escolásticos.
Especificamente falando, é em Santo Anselmo de Aosta que Descartes encontrará a
prova ontológica da existência de Deus. Qual é esse argumento ontológico da existência
de Deus?

Ora, segundo Anselmo, não é possível conceber um triângulo que não tenha
ângulos internos iguais a dois retos, logo, também não é possível conceber Deus como
não existente. Essa é exatamente a lógica de Descartes! Como pode ser que o ser
soberanamente perfeito possa ser privado daquela perfeição que é a EXISTÊNCIA? A
existência está para Deus assim como a propriedade do triângulo está para o triângulo.

Perante essa situação dirá Pascal, o Deus de Descartes não tem nada a ver com o
Deus de Abraão, de Isaac, de Jacob, com o Deus Cristão; é, simplesmente autor de
verdades geométricas e da ordem do mundo. (Pensamento, 556) Pascal acha isso
lastimável. Descartes dizia é bom que seja assim!

Garantida a existência de Deus, Descartes pode provar agora a existência da


realidade exterior ao cógito. E, isso ele o faz, como vimos, aplicando novamente o seu
método geométrico.

"Ainda que a idéia de substância esteja em mim, pelo fato mesmo de que sou
substância, não poderia ter a idéia de uma substância infinita, posto que sou finito, se
ela não procedesse de outra substância, realmente infinita." (MED.III)

O método geométrico é importantíssimo neste momento porque senão poder-se-ia


simplesmente dizer que Deus é produto direto do Cógito (da substância pensante). O
resultado seria que Descartes não conseguiria sair do Cógito. Morreria no solipcismo!

Portanto, assim como não é possível que algo infinito esteja contido no que é
finito, assim também EU (substância pensante) e finito não posso conter Deus em mim,
pois ele é infinito.

Mas se Deus estabelece o vículo entre EU e o mundo exterior, como poderia eu


saber que ele não está me enganando? Diz Descartes:

"Pois, primeiramente, reconheço que é impossível que ele me engane jamais,


posto que em toda fraude e embuste se encontra algum modo de imperfeição . E,
conquanto pareça que poder enganar seja um sinal de sutileza ou de poder, todavia
querer enganar testemunha indubitavelmente fraqueza ou malícia. E, portanto, isso não
se pode encontrar em Deus." (MED. IV, 115)

Ora, se por um lado, Deus não me engana porque ele é perfeito e, seria uma
imperfeição dele querer enganar-me, por outro lado, não estaria EU me enganando em
relação a Deus?
Racionalismo Cartesiano 27

Se devo reconhecer que eu sou sujeito ao erro e, que, o erro é um juízo falso com
conhecimento, mais do que isso, o erro é "uma privação de algum conhecimento que
parece que eu deveria possuir" (MED. IV, 116). Uma privação que significa não ter
acesso ao conhecimento, não estaria EU me enganando em relação a Deus?

Eu erro porque a minha VONTADE é infinita e minha razão finita. Portanto,


sempre terei uma tendência a generalizar demasiadamente os meus juizos. Evitarei o
erro quando "todas as vezes em que retenho minha vontade nos limites de meu
conhecimento, que ela não julga senão das coisas que lhe são clara e distintamente
representadas pelo entendimento, não é possível enganar-me." O Erro é produto do fato
de que Deus não me deu o poder infinito de discernir o verdadeiro do falso. Parece que
Descartes não consegue responder a questão acima... Se Deus aparece como uma figura
que me arranca o cógito e me transporta para a realidade externa, não poderia EU estar
enganado em relação a Deus? Ele não me engana, mas eu posso estar enganado em
relação a ele. Ora, como preciso dele para sair do cógito e admitir a realidade exterior,
logo, preciso ter clara e distintamente certo a idéia de que eu não esteja me enganando
quanto a sua natureza. Isso não fica "Claro e distinto" em Descartes. O fato de desculpar
Deus do mal existente em mim, não responde a problemática exposta.

Toda essa problemática gera em torno de explicar a vinculação substância


pensante e substância extensa. O problema alcança dimensões extremadas quando
Descartes precisa responder sobre a INTERAÇÃO entre corpo e alma. Em primeiro
lugar é preciso separar que o corpo é distinto da alma por duas razões que se encontram
nos parágrafos 17 e 18 da MEDITAÇÃO VI .

A primeira razão da distinção entre corpo e alma se encontra no fato de que EU


sou uma substância pensante e inextensa e que todo corpo é uma substância extensa e
não pensante, e que a minha alma PODE existir sem o meu corpo. Em segundo lugar,
as faculdades como as de imaginar e sentir são próprias da ALMA, não podem ser
concebidas sem EU, não estão situadas portanto, no corpo.

Nos paragrafos de 21 a 29 da MEDITAÇÃO VI Descartes procura, sem descanso,


justificar aquilo que se chamaria uma inter-relação entre corpo e alma. É aqui que reside
o problema:

"Mas a resposta cartesiana levanta o enorme problema de como explicar a inter-


relação destas entidades diversas. Se cada uma existe em independência absoluta com
relação à outra, como os movimentos das coisas dotadas de extensão produzem
sensações distituídas de extensão e como ocorre que as concepções claras ou as
categorias da mente distituídas de extensão sejam válidas perante a RES EXTENSA?"
(BMCM, 96) Mais enfaticamente:

"Como é que o que não tem extensão pode conhecer um universo dotado de
extensão e, conhecendo-o alcançar propósitos nele?" (BMCM, 96)

Descartes se vê em dificuldades de responder a essa questão porque o seu


interesse não é mais TELEOLÓGICO (procura o porquê das coisas), mas o seu
interesse é o de responder COMO ocorre que a matéria extensa está em relação com o
pensamento ou a mente não-extensa. Deus que será o elo de ligação entre a mente e
corpo, aparece não como uma resposta final, mas como uma resposta presente, do
momento. Deus não é o porquê,mas sim o COMO da ligação entre substância pensante
Racionalismo Cartesiano 28

e substância extensa, entre corpo e alma. Essa é a diferença entre Descartes e o


pensamento escolástico.

Mas, Deus existe? Descartes tenta mostrar que sim. Há duas provas distintas: uma
ontológica e outra cosmológica. O argumento cosmológico é o seguinte: Se sou um ser
IMPERFEITO porque eu erro, então, como posso ter a idéia de um SER PERFEITO em
mim? Não é possível que a PERFEIÇÃO esteja contida na imperfeição. Portanto, a
perfeição só pode ter sido causada, colocada em mim pelo próprio ser perfeito. Deus
existe.

A prova ontológica é a seguinte: Se podemos enumerar todas as perfeições do ser


perfeito - isto é, apontar sua essência - logo, todas essas perfeições indicarão a
existência desse ser perfeito. Deus existe. A existência está contida na essência.

Em conclusão: a resposta de Descartes é insuficiente. "A concepção cartesiana do


espírito tem-se afigurado óbvia e irresistível aos filósofos ao longo dos séculos.
Caricaturada por G. Ryle em THE CONCEPT OF MIND (1949) como a concepção do
"FANTASMA DA MÁQUINA", ela representa uma ilusão profunda, produzida pela
quase totalidade do pensamento epistemológico." (IFM, 44) Essa visão é derivada da
oposição que Hobbes fez a Descartes.

Hobbes se opõe duramente ao dualismo cartesiano, encarando-o como


injustificável. Como Hobbes se opõe a Descartes? Ora, para Hobbes toda atividade e
todo movimento constitui-se em MOVIMENTO. O pensamento é uma atividade em
todas suas formas (dedutivo ou indutivo) e, o pensamento é um movimento em um
organismo animal. Neste sentido, não há diferença entre substância extensa e substância
pensante. E o método geométrico é, para Hobbes, a "ciência do movimento simples", a
própria geometria é uma mecânica.

Quanto ao vínculo entre substância extensa e substância pensante que em


Descartes é Deus, responde Hobbes: uma idéia é sempre uma imagem. Uma imagem faz
sempre referência a corpos. Ora, Deus não é um corpo. Portanto, não fazemos imagem
nenhuma dele. Não temos idéia alguma do que seja Deus. Queremos muitas vezes
conceber o inconcebível. Deus é produto de uma pesquisa racional efetuada pelo
homem. Esse objeto Deus é apenas uma explicação da causa primeira das coisas. Deus é
um NOME que damos para aquelas coisas que carecem de explicação empírica, assim
como um triângulo é um NOME dado a uma determinada forma observada na natureza.
Os nomes existem em função dos objetos. Processos mentais são atividades e,
atividades são movimentos. Movimentos só ocorrem em corpos. Logo, não existem
"substâncias extensas", como queria Descartes. Esse raciocínio é justamente assumido
por materialistas como G.Ryle.
Empirismo de D.Hume 30

EMPIRISMO DE D. HUME

A filosofia de Hume, tal como as demais filosofias empiristas e racionalistas, se


acomoda perfeitamente a problemática até aqui discutida. A problemática gira em torno
da relação entre a realidade interna (mente) e a realidade externa (natureza). Com
Hume, essa problemática desloca-se para o ceticismo. Vejamos como isso ocorre.

Tal como Locke que nos fala de uma realidade interna (reflexão) e da realidade
externa (sensação), Hume atribui à realidade interna a indicação própria de "relação
entre idéias" e, para a realidade externa a de "questões de fato". Portanto, em Hume, se
envolver com a problemática acima descrita é perguntar pelas questões de fato.

Senão vejamos, segundo Hume, todas as percepções da mente pertencem a dois


patamares distintos: às idéias e às impressões. As percepções se distinguem pela
VIVACIDADE que possuem. As impressões são as percepções mais vivazes. As idéias
são menos vivazes devido ao fato de que idéias são cópias de impressões. As cópias são
sempre imperfeitas. As cópias das cópias, além de serem imperfeitas, são obscuras e
confusas. As cópias das cópias seriam as idéias abstratas de Locke que Berkeley já tinha
criticado e, que Hume também não aceita. Diz David Hume em sua INVESTIGAÇÃO
(1748).

"E as impressões distinguem-se das idéias, que são as impressões menos vivazes
das quais temos consciência quando refletimos sobre qualquer dessas sensações ou
movimentos acima mencionados." (IEH, paragrafo 12)

Os movimentos que Hume fala são de sentir, amar, odiar, desejar ou querer que
em si mesmos são percepções mais vivazes, mas que, no entanto, se refletirmos sobre
tais movimentos obteremos idéias ou cópias dessas impressões.

Agora podemos distinguir os dois momentos fundamentais da filosofia


humeniana: em primeiro lugar, a realidade externa. A passagem da impressão para a
idéia. Em segundo lugar, a realidade interna. A passagem da idéia para outra idéia.
Teremos assim:

1º Momento: Realidade Externa (Questões de Fato)

Impressão X »»»»»»»»» Idéia Y

2º Momento: Realidade Interna (Relação de Idéias)

Idéia X »»»»»»»»»»» Idéia Y

Segundo Hume, "todas as nossas idéias ou percepções mais fracas são cópias de
Empirismo de D.Hume 31

nossas impressões, ou percepções mais vivas." (IEH, paragrafo 13) Portanto, toda idéia
deve necessariamente ter seu correlato em uma impressão. A questão essencial sobre a
realidade externa (questões de fato) será a seguinte: DE QUE IMPRESSÃO DERIVA
TAL IDÉIA?

Questão mais simples, mas que mantém estreita relação com o que foi acima
exposto, é a relação entre idéias (realidade interior). Para Hume, passamos de uma idéia
para outra mediante a ASSOCIAÇÃO, isto é, pela associação de idéias Hume enumera
três princípios de associação de idéias: (a) semelhança; (b) contiguidade de tempo e
espaço; (c) causa e efeito.

O problema de Hume é a natureza das questões de fato. Ora, se as questões de fato


se fundamentam na relação de causa e efeito, na medida em que "... supomos
constantemente que existe uma conexão entre o fato presente e o que dele inferimos"
(IEH, paragrafo 22), transportamos a questão para a natureza de nossas relações de
causa e efeito. Como chegamos ao conhecimento dessa relação de causa e efeito?
Segundo Hume, alcançamos a relação, de causa e efeito pela experiência. Portanto, em
última instância, a realidade exterior deriva-se da experiência. As questões de fato
derivam da experiência. Mas Hume vai adiante em sua INVESTIGAÇÃO e pergunta-
se: qual é o fundamento de nossa experiência? Os empiristas até aqui, não tinham, em
momento algum, se perguntado sobre aquilo que fundamentava a realidade exterior. Até
aqui tinham descrito processos de como atingimos o conhecimento das coisas que estão
fora de nós. Isso é claro em Locke, por exemplo. O que era DADO para o empirismo, o
que era "percepção imediata", agora é questionado.

Até aqui Hume é sistemático e racional. Seu irracionalismo é marcado pela


seguinte passagem: "Digo, pois, que, mesmo depois de termos experiência das
operações de causa e efeito, as conclusões que tiramos dessa experiência NÃO são
fundadas no raciocínio ou em qualquer processo do entendimento. Devemos agora
esforçar-nos por explicar e defender essa resposta." (IEH, paragrafo 28). A natureza
somente mostra sua face superficial, a face superficial dos objetos, quando avançamos e
perguntamos pelos princípios que permitem nós conhecermos os objetos, a natureza se
fecha em si mesma. Oculta-nos tudo.

Há uma uniformidade na natureza, mas qual é o princípio responsável por essa


uniformidade? É o princípio de causalidade (causa e efeito). Mas qual é o fundamento
do princípio da causalidade? A experiência. Qual é a natureza da experiência? Não há
maneira racional de explicar essa natureza.

Os objetos da natureza estão dispostos de tal maneira que constatamos neles uma
uniformidade : de um evento segue-se outro evento. Mas como justificar essa
uniformidade, se a natureza oculta a sua VERDADEIRA face? Diz Hume:

"Mas, apesar dessa ignorância dos poderes e princípios naturais, ao ver qualidades
sensíveis semelhantes sempre presumimos que elas possuam poderes secretos
semelhantes e esperamos que daí decorram efeitos análogos aos que já
experimentamos." (IEH, paragrafo 29)

Essa uniformidade da natureza, isto é, a conjunção constante de eventos


observada por nós, implica necessariamente na experiência. Dessa implicação resulta
Empirismo de D.Hume 32

outro problema mais grave: o problema da indução. A experiência, segundo Hume, nos
dá informações diretas e certas sobre a natureza EM UM PERÍODO PRECISO DE
TEMPO. Ora, se as coisas, os objetos da natureza, existem em tempos diferentes, logo,
eles deveriam ser distinguiveis. As experiências deveriam ser distintas. Mas nós
supomos uma identidade que atravessa todos os segmentos de tempo. Se assim não
fizessemos, a OBJETIVIDADE estaria ameaçada. Está colocado o ceticismo. Diz
Hume:

"Quanto à experiência passada, pode-se admitir que fornece informações


DIRETAS e CERTAS apenas sobre aqueles objetos precisos e aquele período preciso
de tempo de que teve conhecimento: mas por estender essa experiência aos tempos
futuros e a outros objetos que, tanto quanto nos é dado saber, podem ser semelhantes
apenas na aparência? Essa é a questão fundamental em que desejo insistir." (IEH,
paragrafo 29)

Portanto, qual é a impressão que corresponde a idéia de causalidade


(uniformidade da natureza)? Segundo Hume, é pelo COSTUME ou HÁBITO que
somos levados a esperar que a natureza nos forneça experiências semelhantes. A
natureza (fundamento) da experiência é o hábito ou o costume que se sedimenta em nós
pela REPETIÇÃO. Repetidas vezes observamos determinado evento ou objeto da
natureza. Constatamos uma uniformidade que extendemos para tempos futuros. Aquilo
que observamos em um determinado período de tempo, generalizamos para todos
períodos de tempo, sem percebermos que se há tempos diferentes, os eventos ou objetos
da natureza deveriam se manifestar de maneira diferente.
O problema da filosofia da ciência

O PROBLEMA DA FILOSOFIA DA CIÊNCIA

1) Progresso e Racionalidade na Ciência

A pergunta primeira é: a Ciência progride? Em primeiro momento não há dúvida


sobre o progresso em ciência. A razão desse progresso está na utilização de técnicas
cada vez mais apuradas na investigação de forma que o resultado é o acúmulo cada vez
maior e a expansão, diversificação de fatos bem confirmados. As leis sintetizam os
fatos. As leis são explicadas pelas teorias.

Essa concepção momentânea reforça a concepção tradicional que explica o


progresso na ciência. Essa concepção tradicional reza que quanto maior o número de
fatos explicados pela ciência, maior será a verdade acerca da natureza. Outra
característica: a ciência é acumulativa, isto é, os novos dados são somados a outros
tantos dados já descobertos no passado, em vez de serem SUBSTITUÍDOS.

Essa concepção como veremos foi retocada em vários aspectos. O que se


manteve é que a ciência progride em direção à verdade. Isso ocorre não de maneira
regular, mas de forma irregular. Não de forma linear e contínua, mas de forma sinuosa,
isto é, avançando e recuando, e descontínua. A ciência sempre progredirá? Talvez, mas
o resultado seja um nível abstrato de explicação que poucos poderão entendê-la, ou seja,
ter capacidade de continuar a explicá-la. Esse resultado é bastante pessimista. O
resultado otimista é que a história e a história da ciência demonstram que de uma
geração para outra há uma superação de problemas abstratos. O que era muito abstrato
para uma geração se tornará mas acessível para a próxima geração.

O próximo passo é perguntarmos: Se efetivamente a ciência progride, ela o faz


(sempre) de maneira RACIONAL?

Em primeiro lugar, é importante certificar-se que a ciência se preocupa em


utilizar métodos racionais de investigação; à Filosofia da Ciência cabe perguntar-se pela
racionalidade CIENTÍFICA, isto é, como a ciência se utiliza dos métodos racionais de
investigação; por fim, ao filósofo haverá o encargo de inquirir sobre a racionalidade e
uma maneira genérica. Constatar principalmente a existência de não só uma
racionalidade, mas de várias racionalidades. O filósofo se pergunta pela fundamentação
da racionalidade.

Mas em que consiste a racionalidade científica? Há diversas posições a este


respeito. Enumeraremos algumas: (1) há aqueles que querem que as teorias impliquem
logicamente teorias precedentes; (2) há aqueles que querem que os cientistas inventem
teorias audaciosas, especulativas e as testem implacavelmente; (3) há aqueles que
querem que os cientistas elaborem as implicações de uma só teoria e desvendem todos
os fatos que esta teoria pode prever; (4) há aqueles que querem que haja competição
entre programas de pesquisa, para se ver qual dos programas pode prever com êxito o
maior número de fatos; (5) há aqueles que querem que os cientistas proponham e testem
o maior número possível de teorias especialmente aquelas que contradizem teorias
estabelecidas; (6) há aqueles que querem que a ciência busque teorias que não só sejam
mais bem sucedidas, do ponto de vista empírico, do que as suas predecessoras, como
O problema da filosofia da ciência

também, representem mais simples, coerente e esteticamente a ordem da natureza.


Em síntese a pergunta permanece: a ciência em seu empreendimento progressivo
é racional?

2) Competição

O que faz o homem sobreviver como espécie, desenvolver tecnologia, sem


sombra de dúvida, foi sua inclinação natural, própria de sua Natureza, para a
COMPETIÇÃO.

Sempre estivemos, como homens, muito preocupados em salientar, do ponto de


vista social, o aspecto negativo da COMPETIÇÃO quase sempre representou a vitória
esmagadora do mais forte sobre o mais fraco. O mais forte era ou ainda é definido por
aquele que possui poder econômico, e, derivado daí, todos os recursos materiais e
humanos para vencer a luta contra o seu adversário. O mais fraco era e ainda é definido
como aquele que para sobreviver (portanto, não VIVER) tem que trabalhar, se
submeter às condições impostas pelo mais forte.

Ora, se perguntássemos a razão dessa diferença ou desigualdade social,


encontrávamos a seguinte explicação: a população do planeta aumentou
desordenadamente, sendo que, os alimentos não cresceram na mesma proporção. A
disputa pelo espaço ou lugar para morar e a obtenção de alimento a cada dia, tornou-se
acirrada. O resultado foi a COMPETIÇÃO desleal, onde aquele que pode mais é o que
tem mais, e o que tem mais é o que pode mais.

Não no sentido acima descrito, podemos falar de COMPETIÇÃO dentro da


ciência. Competição não de recursos para viver, mas competição de TEORIAS. Pois
bem, se observarmos a natureza veremos aí tudo aquilo que pertence ao reino mineral,
vegetal e animal disputando um lugar (espaço) para colocarem-se como seres
VIVENTES. Portanto, há competição na natureza, há competição entre os homens e, o
que aqui nos interessa, há competição de TEORIAS, dentro da ciência.

Antes de falarmos sobre teorias, nos deteremos um pouco mais no significado de


termo COMPETIÇÃO. No parágrafo anterior distinguimos a competição entre os
homens e a competição entre TEORIAS. Nos preocupemos com as duas primeiras, a
competição que ocorre na natureza e a competição que ocorre entre os homens: Há
diferença?

Antes de falarmos dessa diferença, que existe efetivamente, é importante


salientarmos que a NATUREZA de que fizemos referência é aquela que é composta de
fenômenos naturais, ou seja, físicos, encadeados por causa-e-efeito (causalidade). Dessa
forma, cada objeto físico está encadeado com outro, formando uma cadeia causal onde
cada fenômeno é efeito de um e causa de outro. Não entraremos em questionamentos
mais profundos a respeito deste detalhe importante, sem dúvida, mas que no presente
momento nos desviaria de nosso objetivo.

O que impressiona, em vista do que dissemos é que o homem é parte dessa


natureza física ou fenomênica. Portanto, ele está e faz parte dessa cadeia causal. Uma
O problema da filosofia da ciência

cadeia causal, também pode ser explicada, como sendo uma grande rede onde um
cordão se CRUZA com o OUTRO, e dele depende. Assim, o rompimento de um desses
laços, de um desses nós, acarretaria dificuldades de sustentação para outros tantos
fenômenos. Representaríamos assim:

<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>

Portanto, a competição que ocorre na natureza envolve, contém em si, a


competição dos homens entre si mesmos. Essa constatação é uma decorrência do fato de
que o homem é um fenômeno como qualquer outro da natureza. Mas, qual é a diferença
existente entre a competição que ocorre na natureza e a competição que envolve os
homens no seu dia-a-dia? Aquilo que aproxima uma e outra são basicamente aspectos
relacionados à sobrevivência, à luta pela sobrevivência e também o fato de que o
homem pertence, inegavelmente, a natureza fenomênica. Mas há uma diferença
decisiva: a ÉTICA.

Na competição entre os homens o que ocorre é a presença de regras de


procedimento, de conduta; fala-se de lisura na competição e, tenta-se orientar por esse
parâmetro. O homem se vê muito preocupado em cumprir imperativo do tipo: “Age
apenas segundo uma máxima tal que as pessoas ao mesmo tempo querem que ela se
torne lei universal.” (FMC, 223)

Na competição que ocorre na natureza não há a preocupação de proceder de


acordo com regras morais ou imperativos éticos. A natureza não é moral. Ora, significa
isso que a natureza seja IMORAL? Também não.

Durante muito tempo o homem se preocupou com problemas quase que


insignificantes. Um desses problemas dizia respeito a bondade infinita de Deus. Havia
uma doutrina aceita aprioristicamente que dizia o seguinte: a benevolência divina tinha
de estar oculta em alguma parte, detrás de todas aquelas aparentes histórias de horror.
Que histórias de horror são essas patrocinadas pela “mãe natureza”? Stephen J. Gould,
em seu livro, “Quando as galinhas tiverem dentes” de l983, seleciona diversos
exemplos. Em conclusão: a natureza não é moral (nem imoral). A natureza é AMORAL.

“Se a natureza é amoral, então a evolução não pode oferecer-nos nenhuma teoria
ética. A suposição de que seria capaz de fazê-lo esteve na origem de toda uma panóplia
de males sociais que os ideólogos impõem ilegitimamente à natureza a partir das suas
próprias crenças - sendo os mais gritantes o eugenismo e quilo que designamos
incorrectamente de darwinismo social.” (QGD, 47)

Portanto, não podemos retirar nenhuma ética da natureza e, impor sobre as


pessoas, pelo simples fato de que a natureza não oferece ética alguma ao homem.

Ora, daí decorre que a COMPETIÇÃO na natureza ocorre sem ética alguma e
que, somente entre os homens que a COMPETIÇÃO deva estar relacionada a uma ética.
Para resolvermos esse impasse seria interessante considerarmos o SUJEITO da
competição. Enquanto que na natureza os SUJEITOS dessa competição são os animais e
o resultado é uma luta violenta e sangrenta pela sobrevivência, na competição entre os
homens, os sujeitos dessa competição não são os homens propriamente ditos mas, as
O problema da filosofia da ciência

suas teorias. Isso muda sensivelmente a perspectiva do problema: agora não são mais os
homens que têm que competir de uma maneira violenta e sangrenta pela sua
sobrevivência, mas, são as TEORIAS que devem morrer em nosso lugar.
Na competição entre TEORIAS, o problema será enfocado de maneira diversa:
Como sabemos qual é a melhor teoria? Como decidir em prol de uma teoria A em
relação a teoria B? Em outras palavras: precisamos mostrar como a ciência progride
pela competição de teorias.

O problema da filosofia da ciência será, portanto: “O problema central da


Epistemologia sempre foi e continua a ser o problema do aumento do saber. O aumento
do saber pode ser mais bem analisado se analisarmos o aumento do conhecimento
científico.” (LPC, 536)

3) Leis

Se trata, no presente instante, de estabelecer como a ciência progride, ou ainda,


como passamos de uma teoria x para uma teoria y, efetivamente, constatando um
progresso, uma evolução dentro da ciência.

O Positivismo Lógico tentou explicar esse progresso da ciência em termos de


LEIS que seriam responsáveis pelo progresso científico. Assim, teríamos LEIS da
ciências naturais, isto é, LEIS da própria natureza; teríamos LEIS do desenvolvimento
histórico; leis econômicas, etc... De onde seriam retiradas tais leis? Da natureza.

Portanto, as leis das ciências físicas projetadas sobre as diversas disciplinas


(ciências humanas: ciências sociais - economia, história, sociologia, etc). O método
utilizado pela física (verificação) deveria ser o mesmo método utilizado pelas ciências
humanas. Assim, tudo que era verdadeiro em matéria de ciência física (leis, métodos,
linguagem, etc...), deveria necessariamente ser verdadeiro nas ciências humanas.

Mais claramente, a tese positivista era a seguinte: “A tarefa mais importante da


ciência social é a descoberta dessas leis. Portanto, deveria seguir os passos da ciência
natural.” (MCS, 208). Tal tese se fundamenta em que, para o positivismo, “o princípio
de causalidade é válido tanto para eventos psíquicos e sociais como o é para eventos
físicos; em segundo lugar, desaparece a diferença entre os fenômenos sociais, que como
sendo históricos não se repetem, e os fenômenos físicos, que como sendo experimentais
se repetem indefinidamente, se considerarmos (como o fazem os positivistas) que as
LEIS das ciências naturais podem ser perfeitamente aplicáveis às ciências sociais.
Portanto, assim como há LEIS que regem a natureza (dos objetos físicos), há também as
que regem as ações humanas. Não é que as leis da natureza sejam as mesmas que as leis
sociais, mas são LEIS que são determinadas a partir das leis da natureza, já que o
homem é um fenômeno dessa própria natureza. As LEIS das ciências sociais não
poderiam contradizer as leis das ciências (físicas) naturais.

Determinar o progresso na ciência, ou seja, responder ao problema de como a


ciência progride, como diz Felix Kaufmann, é responder as seguintes questões
adjacentes: “(a) sob que condições a aceitação de uma lei teórica é fundamentada? (b)
Como são afetadas as leis teóricas pela invalidação ou falsificação de leis empíricas
O problema da filosofia da ciência

correlatas?” (MCS, 111)

Portanto, haviam várias maneiras de direcionar o problema do progresso da


ciência. Em primeiro lugar, segundo o positivismo, teríamos que determinar como as
ciências naturais progridem, em segundo lugar, projetar nas ciências sociais esses
resultados.

O Positivismo Lógico representa o desenvolvimento “inicial”, uma primeira


etapa de discussão, e uma tentativa de orientação e solução do problema central da
filosofia da ciência. Não é a única. E por detrás dele há toda uma tradição d estudos de
filosofia e ciência.

Neste sentido, diríamos que o programa mínimo de filosofia da ciência deve


abranger: (1) Positivismo Lógico; (2) Falseacionismo; (3) Pragmatismo; (4)
Anarquismo Metodológico. O primeiro e o segundo posicionamento abarcam o
problema da filosofia da ciência a partir de uma LÓGICA INTERNA, imanente a
própria ciência. Os posicionamentos três e quatro generalizam o problema da filosofia
da ciência no sentido em que o interesse primordial gira em torno de uma LÓGICA
EXTERNA, transcendente a própria ciência.

4) Problemas

A filosofia da ciência possui como problema central a determinação de um


critério de progresso inerente a própria ciência. Especificamente falando, o que se quer
saber é como o cientista EVOLUI de uma teoria (T1) para uma teoria (T2). A maneira
de como isso se opera é objeto de estudo da filosofia da ciência. A descrição desse
processo é a possibilidade de determinar critérios de progresso; tudo isso envolve, é a
matéria, o conteúdo de estudo da filosofia da ciência.

Podemos considerar problemas adjacentes que servirão para o entendimento do


problema central da filosofia da ciência. O principal destes é o problema da
REALIDADE EXTERIOR. Vamos tentar descrevê-lo. Ao nosso redor, se observarmos
bem, encontram-se diversos materiais. Sua existência é comprovada pela resistência que
estes nos opõem quando atravessamos em seu caminho. Porém, para tenhamos feito
essa constatação é porque há alguém que o fez. Há um sujeito. Dessa forma, falamos de
REALIDADE INTERNA como sendo aquela que diz respeito ao OBJETO. A relação
entre sujeito e objeto reside no fato de que o SUJEITO REPRESENTA O OBJETO.
Traduzindo para a filosofia da ciência: o sujeito é o cientista; o objeto é a natureza,
campo de observação do cientista; e, a representação é a TEORIA que o cientista
formula a respeito de algum componente da natureza.

Em resumo: nossas TEORIAS são representações do mundo, da natureza, que


está aí, que se apresenta para nós. O problema será o seguinte: até que ponto podemos
dizer que uma TEORIA descreve a realidade tal como ela é? Como sabemos que a
TEORIA (T2) representa melhor a realidade do que a TEORIA (T1)?
O problema da filosofia da ciência

REPRESENTAÇÃO

Um segundo problema que queríamos fixar se expressa na diferença ou


semelhança entre as ciências ditas humanas (psicologia, sociologia, economia, etc...) e
as ciências naturais (física, química, biologia, etc...) Fizemos alguma alusão acima deste
problema. Tal problema pode ser colocado com a seguinte pergunta: o método utilizado
pelas ciências naturais pode e deve ser o mesmo método utilizado pelas ciências
humanas ou devemos enfatizar uma diferença de métodos?

Se pudéssemos traduzir as conseqüências deste problema para o nosso problema


central - o do progresso da ciência diríamos que as ciências humanas se preocupariam
tanto quanto as ciências naturais em elaborar teorias, em ter critérios de decisão de qual
seria a melhor, e de ter, portanto, no mínimo um progresso semelhante aos das ciências
naturais. Caso não se aceitasse que houvesse semelhança entre as ciências naturais e as
ciências humanas, o problema seria outro. O problema das ciências humanas seria pela
busca de uma FUNDAMENTAÇÃO, por um método e objeto distinto das ciências
naturais.

Os defensores de uma LÓGICA INTERNA da ciência como determinadora de


uma possível filosofia da ciência (Positivismo Lógico e Falseacionismo) optam pela
aproximação, pela semelhança entre ciência natural e ciência humana mas com várias
divergências. Os defensores de uma LÓGICA EXTERNA da ciência como
determinadora de uma possível filosofia da ciência (Pragmatismo e Anarquismo
Metodológico) optam pela diferenciação completa entre ciência natural e ciência
humana quanto há métodos a serem seguidos. Há também aqui, divergências que
deveremos mais adiante salientar.

5) Ciência

Toda ciência parte do Senso-Comum. Gostaria de retratar um exemplo de senso-


comum para entendermos do que estamos falando. Cito para tanto Newton Freire Maia
(1991); diz ele: “Um eminente cientista contou que, certa vez, em conversa com um
asiático que vivia ao nível de cultura tribal muito atrasada, ouviu deste a informação de
que, à noite, o sol voltava ao seu lugar de origem (o nascente), para reproduzir, no dia
seguinte, o seu percurso normal em direção ao poente:
- E por que não o vemos voltar?
- É porque está escuro.
Em suma, o sol seria visto de dia porque está claro; obviamente, não poderia ser
visto na escuridão da noite.” (CPD, 21-2)

Quais são as características do senso comum que surgem neste exemplo? Em


primeiro lugar, o senso comum julga-se dono de VERDADES ETERNAS. Não há
como refutar concepções que obedecem determinado estilo. Em contra partida, toda
teoria científica que a contradiga não é aceita. Em segundo lugar, o senso comum
afirma-se na proposição de que diferentes pessoas que vêem o mesmo fenômeno, vêem
sempre a mesma coisa. Isto é, terão a mesma interpretação e tirarão as mesmas
O problema da filosofia da ciência

conclusões. Mas ainda, essa posição de senso comum é supor que todas pessoas
apreendem o objeto IN NATURA, ou seja, o objeto bruto tal com ele é, e, que por isso
mesmo compreenderia o mundo da mesma maneira, sem diferença alguma.

E a ciência? Qual é a posição da ciência perante o senso comum? Temos duas


posições da ciência para apresentar: Em primeiro lugar, a posição, descontinuista que
diz que há um rompimento, um “corte epistemológico”, entre ciência e senso-comum,
uma coisa é ciência outra é senso comum. Diz Newton Freire-Maia:

“Há um limite preciso entre ciência (tal como praticada pelos cientistas) e senso
comum (que as pessoas sem formação científica usam em suas observações do dia-a-
dia). É o que Gaston Bachelar (1884-1962) chamou de “corte epistemológico”. Graças a
este, trata-se de esferas cognitivas diferentes, embora possam referir à mesma realidade
.” (CPD, 20)

Em segundo lugar, temos a posição continuista que diz que há uma continuidade
entre ciência e senso comum. A ciência é uma extensão do senso comum, sendo que a
diferença residiria em que a primeira é mais sofisticada. Sofisticada significa que a
ciência se utiliza de crítica para progredir e o senso-comum é acrítico, não admite
progresso (estático)

“Toda ciência e toda filosofia são senso comum esclarecido”. (CO, 42)

A característica principal da ciência, e que aqui nos interessa, é a de que os


cientistas formulam, quase sempre, teorias diferentes diante da mesma realidade, ao
contrário procede o senso comum.

Por que ocorre isso? Isso ocorre porque as teorias são apenas representações da
realidade e não a própria realidade. Uma teoria (T1) pode no presente momento
representar muito bem a realidade. No entanto, em um futuro mais distante ser superada
por outra teoria. O que significa “ representar muito bem a realidade”? Significa que
uma determinada teoria responde a problemas ou quebra-cabeças cruciais para o
momento. Agora, como podemos falar com tanta segurança em progresso de teorias ou
evolução de teorias? Esse é o problema.

Enfim, há duas maneiras de considerar a ciência: em primeiro lugar, é pensando


que a ciência pode a tudo explicar e que estas explicações sempre serão verdadeiras.
Essa concepção é expressa pelo senso comum; em segundo lugar, é pensando que a
ciência e os cientistas formulam idéias diferentes diante dos mesmos fatos ou dados.

6) Filosofia da Ciência

A filosofia da ciência exige do filósofo ou até mesmo do cientista que quer fazer
filosofia, uma atitude de que ele não deve esperar que a natureza revele seus segredos,
mas que ele deva interrogar-se incessantemente, ativamente, perante essa mesma
natureza.
O problema da filosofia da ciência

Mas por que precisava um cientista saber filosofia da ciência? Diz a esse
respeito Newton Freire-Maia: “Se o cientista pretende ser um intelectual de alto
gabarito, deve ir mais além. Metido na estreiteza de sua ESPECIALIDADE, corre o
risco de não ter consciência plena dos pressupostos filosóficos que tacitamente aceita e
nem dos procedimentos gerais que sua mente elabora ao longo da investigação. É a
filosofia da ciência que poderá armá-lo com esses conhecimentos, Sem eles, o cientista
nem mesmo saberá descrever as regras necessárias e suficientes para desenvolver um
bom trabalho científico - isto é, nem mesmo saberá contar, com precisão, como é que
realiza todos os processos de seu trabalho.” (CPD, 33)

Portanto, quando o cientista e o filósofo perguntam pelo progresso da ciência


eles rompem com a dimensão do imediato, eles rompem com a ciência que visa apenas
resultados. Eles avançam e não ficam em uma visão meramente pragmática. O cientista
e o filósofo passam a perguntar-se pela razão de suas escolhas e decisões. Como poderá
fazê-las? O que influi nessas escolhas e decisões? Apenas um processo interno da
ciência ou também algo que ocorre fora da ciência? Essas questões é que serão
abordadas pela filosofia da ciência.

Na verdade, são três andares de uma pirâmide: no primeiro andar estão os fatos;
no segundo andar, a ciência que estuda os fatos; e no terceiro andar, a filosofia da
ciência que estuda a ciência. Temos assim:

FILOSOFIA
DA
CIÊNCIA

CIÊNCIA

FATOS

Diz Newton Freire-Maia, neste sentido: “Se a ciência é a busca da Verossimilhança


através da interpretação dos fatos, a filosofia da ciência procura saber COMO os
cientistas atingem sua pretendida meta (se é que a atingem), isto é, como se faz ciência.
Em outros termos, é uma reflexão sobre os pressupostos fundamentais e os
procedimentos gerais da pesquisa científica.” (CPD, 32)
Positivismo lógico - verificacionismo

POSITIVISMO LÓGICO - VERIFICACIONISMO

1) Características do Positivismo Lógico:

a) história: Foi por volta de 1923 em Viena - Áustria que um grupo de filósofos
se reuniu em torno de seu fundador e organizador M.Schilick para objetivar o
desenvolvimento de um nova filosofia da ciência em um espírito de rigor e excluindo
toda a consideração metafísica.

A junção de dois outros círculos de estudos é que deu origem ao Círculo de


Viena. O primeiro deles foi o Círculo de Berlim, cujo objetivo era promover uma
filosofia científica ou um método filosófico que, pela análise e crítica dos resultados
técnicos da ciência, conduza a resolver e a colocar problema filosóficos. Para tal
método o Círculo se opõe a toda pretensão de afirmar um direito próprio da razão e a
estabelecer proposições válidas a priori, subtraídas de controle da crítica da ciência.
(Conferir ERKENNTNIS nº 1)

O segundo Círculo era chamado de Círculo de Varsóvia-Lwow liderado por


A.TARSKI, enquanto que o Círculo de Berlim era liderado por H.Reichenbach. O
objetivo primordial do Círculo polonês de Tarski era o retorno ao trabalho analítico
sobre a fundamentação da matemática e da lógica de onde B. Russell parou. Essa
interpretação nominalista e pragmatista de Tarski e Lesnievski é reintroduzida no
mundo anglo-saxão onde se encontram W.O.Quine e N.Goodman. O destino deste
Círculo é sucumbir mediante a segunda interpretação de Wittgenstein (Investigações
Filosóficas). A influência é praticamente nula e, historicamente se une ao marxismo,
isto é, observou-se algumas tentativas de cruzar o marxismo com a filosofia analítica,
nesta altura. Porém, na Polônia, como sabemos historicamente, o Círculo desaparece e
predomina o marxismo.

Portanto o Círculo de Viena surge como sendo um síntese dos objetivos do


Círculo de Berlim e do Círculo de Varsóvia-Lwow. Os antecedentes históricos do
Círculo de Viena se encontram nas filosofias de E. Mach, H.Poincaré, G. Frege, B.
Russell e L.Wittgenstein.

O destino de Círculo de Viena não é muito feliz. Durante a II Guerra Mundial, o


nazismo de Hitler obriga os integrantes do grupo Vienense a emigrarem, uma vez que a
maioria era de origem judaica. R. Carnap vai para Praga e depois para Chicago (EUA);
Neurath e F. Weismann para a Inglaterra. Também Ziesel, Kaufmann, Menger, Gödel,
Hempel e Feigl vão para os EUA. Em 1938 o Círculo de Viena não existe mais. Tentam
os membros se comunicarem, mas pela grande disparidade de idéias e posicionamentos
entre os seus membros não foi possível reunir este notável grupo de estudiosos.

Os integrantes do Círculo que estavam nos EUA são influenciados e dão


continuidade a uma filosofia pragmatista que já teria tido suas raízes em C.Morris
(1938) e por sua vez, os que estavam na Inglaterra se sustentam na filosofia analítica
(Escola de Cambridge e Escola de Oxford). A filosofia pragmatista é definida como
sendo uma ciência universal da utilização, da ocorrência, do uso de um signo. Por outro
lado, a filosofia analítica se define como sendo o desenvolvimento de análises de
Positivismo lógico - verificacionismo

linguagem (Formalizadas ou Cotidianas) sobre os problemas tradicionais da filosofia.


b) programa: O Programa Positivista queria se caracterizar e entrar para a
história da filosofia como uma tentativa de “virar a filosofia” (Schilick), isto é, uma
concepção científica do mundo.

Neste sentido, três eram os princípios que dominavam os interesses do Programa


de Pesquisa do Positivismo: (1) A unificação da linguagem científica e dos fatos que a
fundamentam; (2) A verdade científica está reduzida a uma elucidação das proposições
científicas, referindo-se direta e indiretamente à experiência, e que a ciência teria o
empenho de VERIFICÁ-LAS; (3) A eliminação da metafísica. Assim, as questões
tradicionais da filosofia como metafísica se referirão apenas a palavras cujo sentido não
teriam sido suficientemente esclarecido e que tais proposições não teriam possibilidade
de serem VERIFICADAS.

Destes três princípios podemos deduzir uma séria de características do


Positivismo Lógico: (a) em primeiro lugar, a recusa de todo e qualquer tipo de
metafísica. Vejamos. A metafísica tradicional sempre pretendeu estabelecer-se como
uma doutrina apriorística em que se faz afirmações a respeito da realidade ou que se
estabelece normas.

O positivismo segue, neste momento, o dito do filósofo escocês, D. Hume:


“Quando percorremos as bibliotecas, persuadidos destes princípios, que destruição
deveríamos fazer? Se examinarmos, por exemplo, um volume de teologia ou de
metafísica escolástica e indagarmos: CONTÉM ALGUM RACIOCÍNIO ABSTRATO
ACERCA DA QUANTIDADE OU DO NÚMERO? Não. CONTÉM ALGUM
RACIOCÍNIO EXPERIMENTAL A RESPEITO AS QUESTÕES DE FATO E DE
EXISTÊNCIA? Não. Portanto, lançai-o ao fogo, não contém senão sofismas e ilusões.”
(IEH, 149)

Enfim, se as proposições da filosofia não dizerem nada a respeito de quantidade


e experiência, não terão sentido algum, A filosofia que é filosofia deveria se sustentar
nas ciências formais e empíricas. Mesmo as ciências humanas deveriam ser a elas
reduzidas. Essa é a tarefa do Positivismo Lógico.

Questões da metafísica tradicional como as que dizem respeito a liberdade, ao


Ser e sua natureza (Objeto de estudo da Metafísica tradicional desde Parmênides), ao
Sentido da vida, etc... passam por uma depuração lingüística, isto é, seus termos são
avaliados rigorosamente por métodos lingüísticos e experimentais.

(b) Outra característica do Positivismo Lógico reside na seguinte tese: “É


impossível conhecer a constituição e as leis do mundo real através da pura reflexão e
sem qualquer controle empírico (pela observação). (FC, 274)

(c) Que todas as proposições sejam intersubjetivamente verificáveis,


demarcando assim a diferença entre proposições científicas que são e proposições
metafísicas que não são verificáveis. Portanto, quando os problemas filosóficos não
admitem respostas que sejam verificáveis, eles serão pseudo-problemas filosóficos.

(d) O Positivismo Lógico sempre foi preocupado em contrastar o progresso


das ciências particulares e o desenvolvimento da filosofia. As ciências particulares
Positivismo lógico - verificacionismo

progridem em virtude de poderem oferecer teorias que efetivamente representassem a


realidade tal como ela é. Nas ciências particulares as teorias se estruturavam de modo a
representar a realidade exterior. Aí estava o progresso científico. O seu segredo é o
método. Na filosofia, ao contrário, não se podia falar do mesmo modo. As teorias
estavam muito distantes de uma realidade exterior. Isso era devido, muitas vezes, pela
linguagem que o filósofo usava. O progresso estava distante. A linguagem era obscura.
O método não existia. Não havia intersubjetividade (comunicação). O sinal evidente do
progresso das ciências formais e empíricas era e ainda é a aplicação tecnológica das
teorias. Nas ciências humanas, e não só na filosofia, mas também na economia, história,
sociologia, não havia e não há resultados práticos destas teorias. Onde estaria o nó desta
dificuldade? No fato de que em ciência empírico-formal possa se fazer e se ter um
consenso, enquanto que nas ciências humanas não? Ou, na determinação de um método,
de leis de desenvolvimento?

O controle científico das proposições parece ser a grande diferença entre as


ciências empírico formais e as proposições das ciências humanas. Na matemática, por
exemplo, o que garante, segundo o Positivismo Lógico, o controle científico, é a
aplicação de processos LÓGICOS. Na física, biologia, química, o que garante o
controle científico é a observação e a experiência.

E nas ciências humanas, qual é o controle científico que estão estas ciências
submetidas? Ora, se não há controle científico não pode haver progresso. Como todo
controle científico se faz pelo método, é o método que determinará o progresso na
ciência. Mas, podem ser as proposições das ciências humanas (economia, direito,
sociologia, história) controláveis cientificamente? Qual seria o método? Diz o
Positivista: se não pudermos responder a essas duas questões, não podemos falar em
progresso nas ciências humanas.

O Positivismo Lógico chama atenção para o seguinte detalhe: as ciências


humanas não se satisfazem com critérios lógico-formais porque estes não abarcam toda
a extensão (lógica) das proposições e, dessa forma, não pode haver a determinação do
valor-verdade de tais proposições.

Em resumo, as ciências humanas não se encaixam em uma lógica binária


(Verdadeiro/Falso). Em contraposição, as lógicas contemporâneas procuram estabelecer
lógicas de três valores, como é o caso da lógica desenvolvida por JAN LUKASIEWICZ
(Lógica trivalente, onde além de serem as proposições, verdadeiras ou falsas, elas
podem assumir o valor-verdade da possibilidade).

Em segundo lugar, dizem bem os positivistas lógicos, que as ciências humanas


não são capazes de deduzir PREVISÕES, de forma que, nem os critérios e métodos
empíricos servem para tais ciências. O que espanta em tudo isso é a conclusão de que se
nem as ciências formais, em seus critérios e métodos, e nem as ciências empíricas se
conformam às ciências humanas, então, como pode o economista, por exemplo,
distinguir entre a fantasia e o verdadeiro conhecimento?

(e) Para o Positivismo Lógico as proposições devem ser justificadas ou


logicamente, ou empiricamente. No primeiro caso, teríamos os enunciados (ou
proposições) analíticos que Kant faz referência; no segundo caso, teríamos os
enunciados empíricos, ou seja, sintéticos como nos diz Kant. Portanto, “todas as
Positivismo lógico - verificacionismo

sentenças cientificamente aceitáveis devem ser enunciados analíticos ou enunciados


sintéticos a posteriori (enunciados analíticos ou empíricos)” (FC, 280).
Porém, Kant faz referência a um terceiro agrupamento de enunciados:
enunciados SINTÉTICOS A PRIORI. Os enunciados sintéticos a priori seriam aqueles
que podemos constatar sua verdade em definitivo. Mas COMO SÃO POSSÍVEIS OS
ENUNCIADOS SINTÉTICOS A PRIORI? Essa, aliás, é a pergunta fundamental de
Kant. A resposta se encontra em sua obra monumental de no mínimo 700 páginas,
intitulada: “Crítica da Razão Pura”.

No entender de Kant, se há um mundo independente (realidade exterior) da


consciência e, se não houvesse uma consciência (realidade interior), seria impossível
falar a respeito de um conhecimento independente (uma realidade exterior)
fundamentado na experiência. Em outras palavras: para comunicarmos
(intersubjetividade) a existência de uma realidade exterior, é porque há uma
consciência. Se há uma consciência, há uma realidade interior (o sujeito).

Os enunciados sintéticos a priori deveriam ser aqueles enunciados utilizados


pelas ciências humanas, especialmente pela filosofia. O Positivismo Lógico NEGA A
EXISTÊNCIA DE ENUNCIADOS SINTÉTICOS A PRIORI. Segundo estes, nem as
ciências empíricas e nem as ciências formais utilizam tais conceitos, digamos,
enunciados. Nem a matemática e nem a física são compostas de enunciados sintéticos a
priori, como Kant queria. Assim temos:

COMBINAÇÃO EPISTEMOLOGIA
LÓGICA A PRIORI A POSTERIORI
Analítico Matemática
Sintético Filosofia Física

Ciências Enunciados
Empíricas Sintéticos a posteriori
Formais Analíticos a priori
Humanas Sintéticos a priori

Para o Positivismo Lógico: “tendo em vista que não há sentença sintética a


priori, a pergunta central da crítica kantiana da razão pura, sobre se tais sentenças
existiriam e qual seria o fundamento da sua validade, carece de sentido; em virtude
disso não tem sentido, em particular, elaborar uma teoria segundo o modelo de Kant,
que tenta responder à pergunta acerca da validade.” (FC, 282)

(f) Segundo o Positivismo Lógico, a metafísica é um fracasso e deve ser


Positivismo lógico - verificacionismo

eliminada (tese a) não só porque seus enunciados não são verificáveis, mas porque eles
não podem ser COMUNICADOS. As expressões metafísicas são incomunicáveis. Não
há uma intersubjetividade inteligível. É nisto que reside a objetividade da ciência: Em
poder ser comunicada, discutida racionalmente. Como bem colocou Hume: se uma idéia
não possui uma impressão correspondente, não pode ser inteligível.

O problema da comunicação (intersubjetividade). Já tinha sido colocado pelos


sofistas e céticos (Górgias) na época grega. “Não há ciência onde alguém tão somente
elabora pensamentos sobre algo, privadamente; ela surge na medida em que esses
pensamentos se tornam comunicáveis, de modo a possibilitar uma viva discussão”. (FC,
282)

Por outro lado, afirmará o Positivista, parafraseando os sofistas e céticos: “só há


ciência onde a discussão é possível, e só pode haver discussão entre mim e outra pessoa
na medida em que eu estou em condições de esclarecer, com suficiente exatidão, o
significado das expressões que Uso o meu interlocutor possa, também, explicar-me o
significado das palavras por ele empregadas”. (FC, 283)

2) Como entende o Positivismo Lógico que a ciência progrida?

O Positivismo Lógico defendia uma concepção mais tradicional de progresso na


ciência. Para estes a ciência progredia pelo acúmulo de dados ou fatos e de forma linear.
Mas como poderíamos saber que a ciência estaria a progredir? É pelo MÉTODO que
adotamos que podemos medir esse progresso. A ciência é indutiva, isto é, o seu método
é indutivo. Essa indução é probabilística. Para o empirismo lógico, portanto, a ciência
indutiva É racional porque, pelo menos em princípio, pode indicar ao cientista até que
ponto as suas teorias têm probabilidade de serem verdadeiras e, por conseguinte, em
que medida podemos confiar nelas.” (CAH, 57)

Na concepção dos Positivistas ou Empiristas Lógicos não há competição de


teorias porque quando T1 e T2 explicam os fatos, mesmo que T2 explique melhor, a
atitude é RETER AMBAS TEORIAS (acumular) em vez de substituir uma pela outra. A
ciência progride na medida que SOMAMOS novas leis e observações. Essas leis e
observações quando convertidas em conseqüências lógicas das novas teorias mais
abrangentes, definem o progresso da ciência como um processo REDUCIONISTA.

“Na concepção dos empiristas lógicos, novas teorias científicas são geralmente
propostas para explicar as antigas, isto é, para mostrar que estas últimas valem para uma
faixa limitada de fenômenos e estão logicamente implícitas em teorias que são mais
abrangentes.” (CAH, 58)

A teorias mais nova não substitui e nem refuta as teorias mais antigas, mas
apenas FIXA OS SEUS LIMITES DE ATUAÇÃO. E, a teoria mais nova é deduzida da
mais antiga.
A principal crítica que se faz a essa concepção positivista e que estes
pressupõem, talvez até ingenuamente, que a teoria mais nova NUNCA ENTRE EM
CONFLITO com a teoria mais antiga. Na construção do edifício da ciência NENHUM
tijolo é rejeitado. Em segundo lugar, os Positivistas Lógicos tinham como interesse
Positivismo lógico - verificacionismo

primordial determinar a estrutura do conhecimento científico. Não se interessavam em


estabelecer e explicar o como, ou o processo pelo qual, o conhecimento científico sofre
mudanças. Assim, qualquer filósofo interessado pela mudança do conhecimento
científico facilmente descartava o positivismo de sua agenda.

Fizemos referência anteriormente ao fato de que a ciência progride em virtude


da escolha do Método. Qual é o método que permite definir explicitamente o progresso
na ciência, apregoado pelos Positivistas Lógicos? O Método da ciência é o indutivo.
Mas o que é um método indutivo? O método indutivo é aquele que considera como
parte do conhecimento a EXPERIÊNCIA, não desprezando contudo a razão, mas que,
no entanto, não a considera como causa suficiente, de origem, do conhecimento.

A Indução aumenta o conteúdo factual das proposições que possibilitam o


argumento. A indução é ampliativa. O predicado acrescenta algo ao sujeito da sentença.
Mais ainda: podemos descobrir alguma informação que não estava contida nas
premissas do argumento. O risco ou o perigo da indução, do raciocínio indutivo é que
há sempre uma certa margem de que a generalização esteja incorreta. Mas não poderia a
ciência abrir mão da generalização? Não. O poder preditivo da ciência está estritamente
vinculado a generalização, isto é, a tendência de universalizar as teorias. Este é o
SALTO INDUTIVO.

3) POSITIVISMO E REALISMO : UMA ANÁLISE

O nosso problema central é o do progresso na ciência: como a ciência evolui?


Responder a essa questão implica em responder a uma outra questão não menos
importante: como decidir entre duas teorias em competição? Já sabemos, até agora, que
o Positivismo Lógico afirma que a ciência evolui por acumulação de dados. E que, por
outro lado, as teorias não rivalizam umas com as outras, uma não substitui a outra no
processo de evolução. O que há é uma redução de uma teoria a outra. O avanço da
ciência é linear. Nunca regride.

Ora, mas para haver um progresso efetivo na ciência, segundo o positivismo, a


eliminação da metafísica da ciência, é tarefa primordial. A metafísica se caracteriza pelo
uso indiscriminado de termos, juízos e argumentos obscuros. Essa infecção não só está a
destruir a filosofia e as ciências humanas em geral, como também, alcançou a ciência.
As ciências naturais estão infladas de expressões deste tipo. Se trata de limpar o
caminho para traçar explicitamente o progresso da ciência. Se trata de dar uma
roupagem nova aos velhos problemas da metafísica.

Mas, como ocorrerá a eliminação da metafísica, segundo os positivistas?


Ocorrerá pela ANÁLISE LÓGICO-LINGÜÍSTICA. Sendo assim a tarefa da filosofia é
efetuar essa limpeza, essa análise. Em Moritz Schilick temos um exemplo de Como essa
análise poderia ser efetuada com um certo êxito.

Até a constituição do Círculo de Viena, a tese dominante da filosofia e


responsável pela proliferação indiscriminada de termos SEM-SENTIDO nas ciências
humanas e nas ciências naturais, era a do IDEALISMO METAFÍSICO, que nas
palavras do próprio Schilick se expressava assim:
Positivismo lógico - verificacionismo

“...se de algum modo pudermos distinguir entre o interior e exterior; esta


distinção aparecerá ao considerar no dado, como um conteúdo de consciência, como
pertencente a um (ou a vários) sujeitos a quem é dado. Assim, ao dado imediato teria
que atribuir-lhe alguma espécie de caráter mental, ou caráter de uma representação ou
de uma idéia e a proposição afirmaria, então, que este caráter pertence a toda realidade:
e não estar fora da consciência.” (PR, 91)

O que está em jogo é o seguinte: Schilick toma um problema da filosofia


tradicional (Metafísica). Esse problema é o da realidade do mundo exterior. Para
podermos falar dessa realidade só poderíamos, se e somente se, admitíssemos a
realidade de um mundo interior, isto é, do sujeito. Não há realidade exterior (natureza,
objeto) sem realidade interior (mente, sujeito). Pois bem, Schilick faz uma análise
lógico-lingüística deste problema tradicional da filosofia porque acredita que ele obstrui
e obscurece o progresso da ciência. A ciência progride independentemente de um
sujeito, de uma realidade interior, de uma vontade. Neste sentido, Schilick irá
descaracterizar tal problema, dando-lhe o rótulo de pseudo-problema. Vejamos como
ele faz isso.

O Positivismo é incompatível com o idealismo metafísico. O dado é um


conteúdo da consciência. Outras duas posições deverão ser consideradas: uma é a tese
do REALISMO que crê não na realidade interior (idealismo metafísico), mas na
realidade do MUNDO EXTERIOR. É a posição do POSITIVISTA que não crê na
realidade do mundo exterior e nem mesmo na realidade do mundo interior. Temos assim
o seguinte quadro:

1. Idealismo Metafísico: crê na realidade interior


nega a realidade exterior

2. Realismo: crê na realidade exterior


nega a realidade interior

3. Positivismo: “nega” a realidade exterior


“nega” a realidade interior

Para o Positivista tanto o enunciado “Há uma realidade transcendente”


(Idealismo Metafísico) como “Não há uma realidade transcendente” (Realismo)
implicam em Metafísica pelo fato que precisam, ambas, serem justificadas. O
Positivista opta pela dissolubilidade do problema. O “Dado” não é físico e nem mental,
não pertence a uma realidade exterior e nem a uma realidade interior. O “Dado” não
está situado em alguém ou em algum objeto. O Metafísico encontra “Metafísica do
dado”: há alguém que dê (o dado): a realidade transcendente; há a quem se dê (o dado),
que recebe: a consciência conhecedora (ao sujeito conhecedor); há o que se dê, isto é,
O CONTEÚDO da consciência. É tudo isso que o positivista irá descaracterizar em
relação ao problema em pauta.

Schilick começa a aplicar o critério de significatividade e verificabilidade sobre


o problema da realidade exterior. Segundo o critério de significatividade os enunciados
ou têm SENTIDO ou eles NÃO TÊM SENTIDO. Mas quando sabemos que um
enunciado tem sentido?
Positivismo lógico - verificacionismo

“quando estivermos em condição de indicar de maneira inteiramente exata as


circunstâncias em que a questão deveria ser respondida afirmativamente -
respectivamente, as circunstâncias nas quais a questão deveria ser respondida
negativamente. É através dessas indicações - e somente através delas - que se define o
sentido da questão.” (PR, 49)

Tais circunstâncias ou condições devem ser retiradas do próprio dado. A


diversidade de condições significa diversidade existente NO DADO. O SENTIDO é
expresso portanto, no dado.

Um enunciado que tem SENTIDO e, somente este, poderá ser Verdadeiro ou


Falso. A Verdade ou Falsidade do enunciado será alcançada pela VERIFICAÇÃO
EMPÍRICA. Por outro lado, um enunciado que não tem sentido, SEM-SENTIDO,
nunca poderá ser verdadeiro ou falso porque ele não é verificável pela experiência.
Ocorre uma terceira relação ainda: o enunciado que é empiricamente falso poderá ser
verdadeiro. Por exemplo, no enunciado: “existe uma montanha de três mil metros de
altura do outro lado da lua.” Esse enunciado tem sentido, mas é falso. Poderá vir a ser
verdadeiro? Sim, é só termos condições de VERIFICAR a outra face da lua. Isso é
perfeitamente possível. Isso de fato já ocorreu! O homem já conseguiu fotografar a
outra face da lua. Em resumo: há a possibilidade lógica de verificação do enunciado,
apesar que no tempo de Schilick havia uma impossibilidade empírica de verificação.

Schilick também nos dá um exemplo de um enunciado SEM SENTIDO (Nem


Verdadeiro/Nem Falso). O enunciado: “No interior de cada elétron existe um núcleo”, é
impossível sua verificação lógica, e isso torna impossível, absolutamente, sua
verificação empírica. O que poderia SIGNIFICAR um enunciado deste tipo? Diz
Schilick com grande presença de espírito:

“Neste caso, a impossibilidade de verificação não é real, mas LÓGICA, pois


pela afirmação da ausência total de efeitos externos no referido núcleo exclui-se EM
PRINCÍPIO a possibilidade ou capacidade de decidir-se afirmativamente ou
negativamente com base em diferenças existentes no próprio dado. (PR, 52)

Mas, assim como um enunciado que tem sentido é falso, poderá tornar-se
verdadeiro, também poderíamos dizer que um enunciado que é SEM SENTIDO poderá
algum dia ter SENTIDO? Creio que Schilick não responde a questão, se um enunciado
que hoje é verdadeiro poderá vir a ser falso em um futuro.

Um quadro que coloca todas essas relações “a limpo” se encontra a seguir:


Positivismo lógico - verificacionismo

QUADRO DE
RELAÇÕES CRITÉRIO DE VERIFICAÇÃO
NEM
ENUNCIADO VERDADEIRO FALSO VERDADEIRO/
NEM FALSO
CRITÉRIO DE
SENTIDO * * -
SIGNIFICATIVIDADE SEM SENTIDO - - +

CIÊNCIA METAFÍSICA

Na parte 3 de seu artigo Schilick aplica estes critérios sobre um problema


metafísico, o problema da realidade do mundo externo. A justificação desse
procedimento encontra respaldo no fato de que cientistas podem pensar que tal
problema é digno de crédito. Ora aceitar como pressuposto a tese deste problema,
segundo Schilick, determina no físico a aplicação do valor-verdade as suas próprias
teorias físicas. “Com efeito, “o Positivismo sempre terá razão em afirmar que não existe
nenhuma outra fonte de conhecimento fora das sensações dos sentidos”. Ora, se o físico
levar a sério o problema da realidade do mundo externo, ele estará alterando em maior
ou menor grau a interpretação das sensações dos sentidos, e conseqüentemente,
alterando o valor-verdade de enunciados físicos. Isso, em última instância, pode obstruir
o progresso da ciência. Schilick que justamente demonstra em que medida que isso
acontece.

Portanto, o físico aceitando ou negando o postulado, ou melhor, o pressuposto


de uma realidade do mundo exterior, ele estará orientando de uma ou outra maneira o
progresso da ciência. Assim o físico que aceita o enunciado: “Há uma realidade
transcendente” ou, o físico que aceita o enunciado: “Não há uma realidade
transcendente”, poderá determinar os rumos do progresso da ciência de maneira
totalmente diversa. Esse é, por assim dizer, o motivo principal dos Positivistas fazerem
análise lógico-lingüística. O pressuposto filosófico que os físicos assumem, determina,
orienta a interpretação do dado e, conseqüentemente, influenciará no crescimento do
conhecimento científico.

A análise lógico-lingüística de Schilick gira em torno de dois termos: a) o que


significa “REALIDADE”? b) o que significa “MUNDO EXTERNO”? Ora, o que
significa o termo “REALIDADE”? Se dizer que “X é uma realidade” equivale a dizer
que “X é real” e que, por sua vez, equivale a dizer que “X é real” e que, por sua vez,
equivale a dizer que “Existe X”, já aí há uma coisa a contestar. Quando sentenciamos:
“o dólar que está em meu bolso é redondo”, e que “o dólar que está em meu bolso é
real”, fazemos uma confusão entre EXISTÊNCIA E PREDICADO. Na segunda
afirmação, quando uso o sujeito (o dólar) já estou impondo a existência dele. Agora, se
considero como predicado que ele é “real”, existe, concluo daí que a sentença é
TAUTOLÓGICA, pois eu já pressupus a existência no sujeito e coloquei também a
existência no predicado. Disse simplesmente o seguinte: “Existe um X que tem a
propriedade F”, isto é, Existe um X que tem a propriedade de EXISTIR.”

Então, qual é o significado do termo “REALIDADE”? Falar de REALIDADE é


Positivismo lógico - verificacionismo

falar de algo que possa ser verificado na experiência e ser identificado. Com uma
descrição que deverá envolver as regularidades, as conexões segundo leis naturais do
objeto descrito. “REALIDADE significa sempre estar em uma determinada conexão
com o dado”. (PR, 62). Só podemos interpretar um enunciado sobre a realidade como
sendo uma “disposição em um contexto ou conjunto de percepções”. (PR, 62)

Em segundo lugar, Schilick pergunta-se: o que significa mesmo “mundo


externo”? Ele distingue o uso cotidiano do uso técnico que a filosofia faz. No sentido
corriqueiro usamos a expressão “mundo externo” para darmos destaque a objetos físicos
que existem independentemente de nós, como por exemplo, plantas, nuvens, carros,
animais e até outros homens.

“Se, portanto, tomarmos o termo “mundo externo” na acepção da vida diária, o


problema da sua existência tem simplesmente o sentido seguinte: existirão, além de
recordações, desejos, imaginações, também estrelas, nuvens, plantas e animais, e o meu
próprio corpo? Acabamos de constatar de novo que seria absurdo responder
negativamente.” (PR, 63)

Poderíamos, e um cientista também diria, que a mesma objetividade que há em


constatar os elementos acima como componentes de um “mundo externo”, pode-se
acrescentar a esse mundo os prótons, elétrons e energias (descargas elétricas), na
medida que podemos constatar seu efeito sobre a matéria.

Em sentido técnico, se fala em filosofia de “mundo transcendental”. Mas o que


significa o termo “mundo transcendental”? Há distinção entre mundo externo e mundo
metafísico?

“Nos sistemas filosóficos é ele pensado como estando de certa maneira atrás do
mundo empírico, sendo que com o termo “atrás” se quer indicar também que não é
RECONHECÍVEL no mesmo sentido que o mundo empírico, o qual se encontra para
além daquele limite que separa o acessível do inacessível.” (PR, 64)

A separação aqui é brutal: de um lado, a metafísica tradicional falando de uma


realidade incognoscível, de outro, as ciências naturais falando de uma realidade
cognoscível. Por que a metafísica teria tamanho privilégio? E com que autoridade
poderia ela falar de um mundo incognoscível? Como justificar o salto de um mundo
externo empírico para um mundo externo transcendente? Esse mundo externo
transcendente não faz parte nem da natureza e nem do sujeito. E, isso nos leva a
perguntar: onde está ancorado tal mundo? Para Schilik esse salto é ilegítimo. Não tem
justificativa: “Em outras palavras: que diferença constatável faz no mundo se um objeto
tem de ser transcendental ou não? (PR, 66)

É aqui que Schilick enfatiza, destaca e insiste para que nós atentemos: Essa
pergunta é crucial. Ela é o porquê, a razão de qualquer análise lingüística. É por assim
dizer o como a metafísica atinge a ciência impedindo o seu desenvolvimento e seu
progresso. Ele responde a questão acima apontando duas razões:

a) “... Um pesquisador que crê em um “mundo externo real”, terá


sentimentos muito diferentes e trabalhará muito diversamente de um outro que acredita
“descrever somente sensações”. (PR, 66)
Positivismo lógico - verificacionismo

b) “Consiste esta segunda resposta simplesmente em reconhecer que para a


experiência não faz diferença alguma admitir ou não a existência de algo a mais atrás do
mundo empírico e que, conseqüentemente, o Realismo metafísico na realidade não é
constatável, não é verificável.” (PR, 68) É somente quando pudéssemos verificar se
“existe o mundo transcendente” que algo mudaria na ciência.

4) Conclusão:

A oposição entre Positivismo - que não crê na existência de um mundo externo,


e o Realismo que crê na existência de um mundo externo (transcendente) é
DISSOLVIDA, diluída. Não há, não existe, um problema como o da realidade de um
mundo exterior transcendente.

Nas palavras de Schilick:

“A negação da existência de um mundo externo transcendente seria uma


proposição tão metafísica quanto a sua afirmação. Por conseguinte, o Empirismo
conseqüente não nega o transcendente, se não que afirma destituídas de sentido, na
mesma medida, tanto a negação como a afirmação de transcendente.” (PR, 69)
Falseacionismo
24

FALSEACIONISMO

1) Ciência e Metafísica

A primeira característica do Falseacionismo é a concepção de ciência e


metafísica. A maioria das característica do Falseacionismo se contrapõem ao
Positivismo Lógico como veremos. Ora, no Positivismo Lógico a preocupação era
separa, demarcar ciência de um lado e, metafísica de outro. Essa preocupação se refletia
na escolha do critério de progresso da ciência que o positivista assume. De um lado, o
critério lógico de significatividade da linguagem usada pelos cientistas e pelos filósofos
tradicionais. Por outro lado, o critério empírico de verificação pela experimentação.

Tal como o Positivismo Lógico, o Falseacionismo procurava demarcar os limites


da ciência e da metafísica. O problema inicial do falseacionista era, portanto, o da
demarcação entre ciência e não-ciência, entre o testável e o não testável. Ora, entre o
que é testável se enquadram as ciências naturais (ou empíricas) e, entre o que é não-
testável, e aqui a surpresa, se encaixa a matemática, lógica e a metafísica. Portanto,
matemática, lógica e metafísica estão no mesmo nível, não podem ser testáveis. Dessa
forma, quando o positivista lógico rejeita a metafísica como não sendo possível a
verificação de seus enunciados, esquece-se da matemática e da lógica que se compõem
de enunciados que não podem ser verificados.

O exagero do Positivismo Lógico está refletido no fato de que a sua demarcação


se sustenta na possibilidade de aniquilação da metafísica. O critério de progresso de
ciência positivista se sustenta pela eliminação da metafísica. Mas o que importa:
demarcar o que é científico para dizer como a ciência progride ou aniquilar a
metafísica? Como explicar que a ciência não precise de metafísica? Para o
falseacionista a metafísica não se faz só de enunciados vazios ou sem-sentido. HÁ
ENUNCIADOS METAFÍSICOS QUE POSSUEM SENTIDO.

Ora, se trataria então de procurar um OUTRO MODO de eliminar a metafísica


da ciência? Foi assim que os positivistas entenderam o critério de falseabilidade.
(iremos falar deste mais adiante!) O critério de falseabilidade se destinaria a
SUBSTITUIR o critério de significatividade. Ou melhor ainda, seria um outro critério
de significatividade melhorado.

A situação se encontrava da seguinte maneira em termos positivistas:

Mas esta seria a razão de nós preferirmos o critério de falseabilidade do que o


critério de significatividade? Poderia ser que sim. Porém, Popper como introdutor do
Falseacionismo, diz que aceitar o critério de falseabilidade como “critério” de progresso
das ciências naturais é uma questão de convenção. Diz Popper em sua LPC:

“Meu critério de demarcação deve, portanto, ser encarado como proposta para
que se consiga um acordo ou se estabeleça uma convenção. As opiniões podem variar
quanto à oportunidade de uma convenção deste gênero. Todavia, uma discussão
Falseacionismo
25
razoável dos temas em pauta só é viável se os interlocutores têm um objeto comum.

Mas se é uma questão de convenção porque então não encarar o critério


positivista como convenção tal como o critério de significatividade? Ora, se tudo se
passa como se fosse convenção e, se não temos um “critério de escolha entre
convenções; logo tanto faria optar por um ou por outro. Popper mesmo não entra no
mérito da questão quando afirma que:

“A determinação desse objeto é, em última análise, uma questão de tomada de


decisão, ultrapassando, por conseguinte, a discussão racional.” (LPC, 39)

Apesar de como essa situação se encaminha um falseacionista como Popper diz


que haveria algumas razões para nós optarmos pela FALSEABILIDADE: (1) em
primeiro lugar, o rigor lógico de tal critério; (2) a ausência de dogmatismo, já que tal
critério (como veremos !) trabalha não com a confirmação absoluta das hipóteses, mas
com o fato de que há mais hipóteses falsas do que verdadeiras. Nossa pergunta natural:
não há uma absolutização do erro? Não. A razão seria que a ciência seria uma atividade
inútil, se nós SÓ errássemos. A questão é, porém, que nós mais erramos do que
acertamos e, mesmo aquelas que são certas podem se tornar falsas com o tempo, devido
a mudança das situações. A restrição do campo de atuação de uma teoria é um exemplo
disso e, é aceita até mesmo pelo positivista. (3) Não se trata portanto, de procurar uma
JUSTIFICAÇÃO de nossa escolha. Tudo é questão de convenção; (4) a cobertura ou
sustentação dessa posição se encontra em um REALISMO METAFÍSICO assumido por
Popper. A metafísica em alguns momentos têm favorecido o avanço da ciência através
de sua história (conferir LPC, 40). Mas então, o que é metafísica para Popper? O que é
metafísica para um falseacionista?

A metafísica cumpre os seguintes objetivos, para o falseacionista: (a) indica a


direção da nossa busca: (b) e o tipo de explicação que nos poderia satisfazer; (c) faz
com que seja possível algo como a apreciação da PROFUNDIDADE de uma teoria; (d)
e, acima de tudo, são as teorias metafísicas que possibilitam uma DISCUSSÃO
RACIONAL E ABERTA para novas conquistas e resultados, para novas descobertas e
invenções.

Apesar de tudo isso, a metafísica. NÃO É TESTÁVEL. Só os enunciados e


teorias científicas são TESTÁVEIS. E, tanto os enunciados e teorias científicas
possuem sentido como também, os enunciados e teorias METAFÍSICAS. Os
enunciados metafísicos são PROPOSIÇÕES EXISTENCIAL-UNIVERSAIS, porque
elas afirmam a EXISTÊNCIA de algum X que se caracteriza pela sua relação com
qualquer Y de um certo gênero. Um exemplo. “Todos os acontecimentos têm uma
causa”. Como podemos caracterizar como metafísica essa proposição e com sentido?
Da seguinte maneira: “Para qualquer acontecimento X, existem um Y e um Z tais que
Y é uma regularidade que se pode descrever através de uma lei universal (verdadeira)
U, e Z é um acontecimento ( um conjunto de condições iniciais) que antecede X, e X é
previsível (deduzível) a partir de Z em presença de Y (ou de U).” (Conferir ROC - PE -
LDC, 211)

Ora, o que ocorre em tudo isso? Podemos até mesmo ter dificuldade de entender
a tradução acima citada, porém o que deve ficar claro é que tais enunciados são
metafísicos - que para os positivistas lógicos não teria sentido, ou seja, seriam vazios, -
Falseacionismo
26
possuem A MESMA FORMA LÓGICA que enunciados científicos. Isto é, há
enunciados científicos que possuem a mesma forma lógica que os enunciados
metafísicos puramente existenciais. Esses enunciados não podem ser Esses enunciados
não podem ser testados ou verificados porque o seu caráter existencial o protege. No
entanto, eles têm sentido porque todos podem ser descritos em termos que possuem
significado.

O programa positivista falhou porque estes não puderam e nem conseguiram


definir todos termos, proposições e argumentos das ciências naturais de maneira
empírica, ou seja, pela experiência imediata.

Popper aponta três vantagens do seu critério de demarcação - a Falseabilidade -


em relação ao critério positivista de progresso da ciência: (1) em primeiro lugar, a
falseabilidade ISOLA as teorias que podem ser discutidas em termos de experiência; (2)
em segundo lugar, alerta ao CIENTISTA para o fato que HÁ OUTRAS TEORIAS que
não podem ser discutidas a partir desse mesmo referencial. O fato de alertar ao cientista
deste detalhe, não significa dizer que tais teorias não tenham sentido, mas que tais
teorias apenas não podem ser discutidas da mesma maneira. Discutir teorias científicas
e discutir teorias metafísicas pressupõe, desde já, maneiras distintas de discutir.
Contudo, toda discussão É RACIONAL, seja a discussão de teorias científicas ou a
discussão de teorias metafísicas; (3) em terceiro lugar, estas teorias que são metafísicas,
portanto, não testáveis, devem ser examinadas por OUTROS MÉTODOS que não sejam
a da testabilidade. Aqui reside uma das principais diferenças entre o falseacionista e o
positivista.

Caberia, nesta momento, a seguinte pergunta: qual é o vínculo entre a


falseabilidade científica e os OUTROS métodos adotados pela metafísica para discussão
de teorias? É justamente a função que a metafísica cumpre de ELUCIDAÇÃO e
ESTIMULADORA de idéias. A criatividade do cientista é a metafísica.

2) Atitude Dogmática e Atitude Crítica:

Qual deveria ser nossa (a do cientista) atitude perante a ciência? Popper, como
falseacionista, está ciente de que conforme a atitude do cientista perante a ciência, a
história da ciência e a filosofia da ciência poderemos determinar, ainda que não
totalmente, a direção, o progresso na ciência.

O modo de COMO Popper encara a atitude dogmática e a atitude crítica faz


parte do seu REALISMO METAFÍSICO. Popper não exclui totalmente a posição
dogmática da ciência, no entanto, condena aqueles, como os positivistas, que são
APENAS DOGMÁTICOS. Popper, por outro lado, não aceita deliberadamente a
posição crítica, pois a crítica sem direção é tão vazia, tão oca, tão vaga, quanto a atitude
dogmática aceita de forma radical. Aqui vale a dito de Kant: “A Intuição sem Conceito
é cega, e o Conceito sem Intuição é vazio”. (conferir CRP).

Qual é a posição de Popper, enquanto filósofo, perante a ciência? É a posição de


um REALISTA METAFÍSICO: não devemos ser nem totalmente dogmáticos e nem
Falseacionismo
27
radicalmente críticos porque a ciência exige de certa maneira as duas atitudes. Sem o
dogmatismo inicial, a ciência não passaria de um empreendimento anárquico, caótico,
portanto, fora de controle. Estando fora de controle não cumpriria OS SEUS
OBJETIVOS. Sem a crítica, a ciência não passaria de um empreendimento autoritário,
ditatorial, portanto, controlador de TUDO e de TODOS.

A ciência é um processo de TENTATIVAS E DE ELIMINAÇÃO DE ERROS.


O momento dogmático: a tentativa. O cientista deve se agarrar a uma expectativa, a uma
regularidade comportamental. O momento crítico: a eliminação do erro. O cientista
começa a agir sobre a sua hipótese. Portanto, o cientista não deverá CONFIRMAR sua
hipótese, mas deverá FALSEAR, derrubá-la. Esse posicionamento é bastante
diferenciado do posicionamento positivista que procura apenas CONFIRMAR sua
teoria pela VERIFICAÇÃO. O positivista projeta, apesar de querer a eliminação da
metafísica, o caráter FUNDAMENTALISTA da metafísica na ciência. Isso torna a
ciência essencialmente um empreendimento dogmático. O falseacionista, por sua vez,
não elimina a metafísica, mas não aceita o seu caráter fundamentador. Isso torna a
ciência um empreendimento crítico.

Essa posição de REALISTA E METAFÍSICO que Popper assume se diferencia


não só do positivista como do idealista. Diz Popper que o Idealismo é FALSO, e o
REALISMO METAFÍSICO e VERDADEIRO porque, apesar dos dois serem
indemonstráveis e irrefutáveis, o realismo pode ser perfeitamente “PENSÁVEL” sem
contradição consigo mesmo, enquanto o idealismo é contraditório consigo mesmo,
portanto, nem sequer pode ser pensado. Para o realista metafísico a proposição 2+3=5 é
possível, para o idealista não. Não podemos conhecer empiricamente que 2+3=5, mas
podemos pensar sem contradição alguma que 2+3=5. O idealista quer dar um caráter
empírico ou verificável para enunciados deste tipo. Isso é possível. Ora, como a
estrutura do mundo é pensada e descrita desta forma, o resultado da adoção do
Idealismo é o Ceticismo em relação ao mundo. Toda realidade é um sonho para o
idealista. Se contrapondo ao mundo, a realidade, o idealismo se torna FALSO. O
problema do idealista é conceber de forma coerente as estruturas matemáticas e o
mundo dos fatos. O idealismo morre no solipsismo. O mundo não é um sonho meu.

Com isso pretendíamos colocar o andaime, sem justificação final alguma,


daquele que será por excelência o método que define o progresso na ciência. A
metafísica em Popper é a tomada de ATITUDE do cientista perante o seu
empreendimento, a ciência. Conforme sua atitude, estará de uma ou de outra maneira
traçando, ordenando, a evolução do empreendimento que, até hoje, é considerado o
empreendimento mais nobre do homem. É o produto de sua racionalidade, de uma
racionalidade de mais alto nível. Até hoje, não conseguimos SUBSTITUÍ-LA por nada
de melhor apesar de suas falhas e exageros.

3) Dedução e Indução:

A atitude dogmática do positivismo lógico tem raízes no problema tradicional da


Indução. O problema da Indução pode ser enunciado da seguinte maneira: há razões, ou
melhor ainda, justificativas lógicas para que aceitemos que “inferências levem a teorias,
Falseacionismo
28
iniciando-se de enunciados singulares verificados na experiência? Ora, isso seria dizer
que uma teoria fosse verificada completamente e, portanto, confirmada pela
experiência. Isso é problemático porque nós podemos, como bons positivistas, ter 1000
casos que confirmem nossa teoria, no entanto, bastaria 1 caso para desconfirmá-la.

Para o falseacionista, o problema lógico da indução se origina no choque entre


três teses: (T1) há inúmeras regularidades na natureza e leis universais. A primeira tem
importância eminentemente prática. A segunda importância teórica; (T2) qualquer
inferência indutiva ( Casos Simples e Observáveis → regularidade e leis ) é
INVÁLIDA; (T3) a justificação válida da crença em uma lei universal é derivada da
EXPERIÊNCIA.

Portanto, aceitando-se (T1) como verdadeiro, o problema lógico da indução será


o confronto entre (T2) e (T3). Para solucionar o problema, um falseacionista como
Popper, apela para uma tese complementar, que assim pode ser enunciada: (T4)
Aceitação ou não-aceitação de uma teoria científica deve depender do RACIOCÍNIO
CRÍTICO.

Essa solução da indução é viável se somos adeptos da dominância do método


dedutivo em ciência. Para Popper a “INDUÇÃO não EXISTE” (conferir LPC, 41 -
seção 6) para tanto, basta invertermos o raciocínio: a ciência não procede da
EXPERIÊNCIA → TEORIA, mas sim da TEORIA → EXPERIÊNCIA.

O positivismo lógico de Schilick descaracteriza o problema da indução de


Hume, como faz com todos os problemas filosóficos. “Não há problemas genuinamente
filosóficos” para o positivista. Assim como analisamos a descaracterização do problema
da REALIDADE EXTERIOR por Schilick, assim também, o problema da Indução de
Hume entra na lista dos problemas sem-sentido, ou como, “pseudo problema vazio”.
Popper cita a seguinte afirmação de Schilick:

“O problema da indução consiste em buscar uma justificação lógica do


ENUNCIADOS UNIVERSAIS acerca da realidade ... Reconhecemos, com Hume, que
essa justificação lógica não existe: não pode haver justificação alguma, simplesmente
porque os enunciados universais NÃO SÃO enunciados GENUÍNOS.” (conferir LPC,
37-8 seção 4 e também Schilick, NATURWISSENSCHAFTEN 1931, p. 156)

Há aí alguns equívocos: (1) Se os enunciados universais não são enunciados


genuínos, então, que tipo de enunciados são utilizados pela ciência para fazer
PREDIÇÕES? Como bem observou Popper, na ânsia de descaracterizar os problemas
metafísicos, o positivismo lógico, descaracterizou o empreendimento científico. Como
pode subsistir a ciência SEM ENUNCIADOS UNIVERSAIS? (2) formulamos uma
hipótese, e, somente aí a (3) testamos. Há duas alternativas a partir deste ponto (3): ou
nossa hipótese RESISTE AO TESTE (corroboração) aumentando o seu conteúdo
empírico e, validando sua estrutura lógica, ou nossa hipótese é FALSEADA POR UM
TESTE. No caso de resistir ao teste, ELA NÃO SERÁ CONFIRMADA
CONCLUSIVAMENTE, mas terá que se submeter cada vez mais, a testes mais
rigorosos. Se, em caso contrário, não resistir aos testes não será eliminada
completamente (o que seria um dogmatismo ridículo) (conferir para tanto LPC, 43
secção 6), mas terá sua área de atuação, seu campo de ação, LIMITADO. Assim
Falseacionismo
29
aconteceu, por exemplo, com a teoria de Newton em relação a teoria da relatividade de
EINSTEIN.

4) Falseabilidade como Critério:

Para entendermos a falseabilidade como o critério científico por excelência é


preciso referir a idéia de assimetria entre a verificação do positivista e a falseabilidade
do falseacionista. Essa assimetria, como nos afirma Popper, deriva da FORMA
LÓGICA dos enunciados universais.

Podemos definir a assimetria entre verificação e falseabilidade, nas seguintes


palavras de Popper: “Logo, a assimetria é a seguinte: um conjunto finito de enunciados
básico, SE FOR VERDADEIRO, pode falsificar uma lei universal, ao passo que EM
CONDIÇÃO ALGUMA poderia verificar uma lei universal: existe uma condição em
que podemos falsificar uma lei geral mas não existe condição alguma em que pudesse
verificar uma lei geral.” (ROC, PE-LDC, 201

Para Popper, o cientista assume um compromisso de sempre, toda vez, que sua
teoria for falseada por um teste, a sua estrutura lógica estará comprometida, e, ela
deverá ser rejeitada. Na assimetria entre falseabilidade e verificabilidade, fica claro que
a VERIFICAÇÃO não assume compromisso algum, pois, nenhuma teoria foi verificada
(de forma conclusiva). Como poderíamos então, saber se uma teoria é verdadeira ou
não?

Bem, podemos dizer que uma teoria é falseável em dois sentidos: (a) podemos
falar de falseamento de enunciados básicos, isto é, FALSIFICAÇÃO; e, (b) podemos
falar de falseamento de teorias, isto é, FALSEABILIDADE. A Falsificação se opera por
testes, a Falseabilidade obedece a estrutura do MODUS TOLLENS, que pode ser assim
representado:

T →p, ~p ∴ ~t

Mas como a falseabilidade em última instância é um compromisso do cientista,


isto é, a aplicabilidade do critério de demarcação (Falseabilidade) é garantido por regras
metodológicas que podem ser aceitas ou não pelo cientista, há aqui um perigo: TODA
TEORIA PODE SER IMUNIZADA, isto é, pode evitar o falseamento. Mas como uma
teoria pode ser imunizada? Por hipóteses que tenham o objetivo de desviá-la do
falseamento. Tais hipóteses são chamadas Ad hoc e destinam-se a SALVAR a teoria em
perigo de sobrevivência. Para as teorias serem eliminadas é preciso se submeter ao
falseamento. Como diz Popper:

“Segundo minha proposta, aquilo que caracteriza o método empírico é sua


maneira de expor à falsificação, de todos os modos concebíveis, o sistema a ser
submetido a prova. Seu objetivo não é o de salvar a vida de sistemas insustentáveis,
mas, pelo contrário, o de selecionar o que se revele, comparativamente, o melhor,
expondo-os todos à mais violenta luta pela sobrevivência.” (LPC, 44 secção 6)

Aqui todo o espírito que perpassa o falseacionista: A luta pela sobrevivência não
Falseacionismo
30
é a luta dos homens, mas é a luta de suas teorias. Mas falemos um pouco mais da
falseabilidade.

A falsificação de um enunciado do tipo “Todos os corvos são pretos” poderia se


concretizar no Jardim Zoológico de N. York se existisse uma família de corvos brancos.
Duas condições básicas foram obedecidas neste exemplo: (a) este enunciado Universal
possui enunciados básicos, pelo menos um, que o contradiga e; (b) que este enunciado
básico que contrasta com o enunciado universal seja ou possa REPETIR-SE para
reforçar a refutação do enunciado universal.

Dessa forma, todo enunciado básico ou singular descreve uma OCORRÊNCIA


enquanto que os enunciados universais são EVENTOS a cerca de uma ocorrência. As
ocorrências visam proibir os eventos. Uma representação ajudará a nós
compreendermos essa situação:

O círculo representa a totalidade de nossos enunciados básicos ou singulares


(ocorrências); os raios desta circunferência são enunciados universais (eventos); os
pontos são as teorias que contrastam com a totalidade da circunferência. Assim, diz
Popper:

“... pelo menos UM raio ... deve mostrar-se incompatível com a teoria e ser por
ela proibido.”

Quanto aos enunciados metafísicos, que são os enunciados puramente


existenciais, não excluem ou proíbem qualquer dos raios tal como as tautologias.
Enunciados puramente existenciais e tautologias (e outros tantos enunciados não-
falseáveis) não afirmam QUASE NADA dos enunciados básicos. Enunciados auto-
contraditórios AFIRMAM DEMAIS a respeito dos enunciados básicos ou singulares,
isto é, como diz Popper, “qualquer enunciado pode ser legitimamente deduzido de um
enunciado autocontraditório.” Em segundo lugar, um enunciados autocontraditório pode
ser falseado por quaisquer enunciados. Em terceiro lugar, um enunciado
autocontraditório ou um sistema destes enunciados não são informativos e nem
elucidativos. O exemplo mais interessante que temos de um sistema de enunciados
autocontraditórios é a dialética. Os enunciados básicos ou singulares tem a forma de
enunciados existenciais singulares. Por exemplo: “Por exemplo: “Não há uma pedra em
meu sapato “ ou “ Há uma pessoa dentro do meu quarto”.

5) Progresso na Ciência:

Temos agora condições de entender como e porque, segundo o falseacionista, a


ciência progride ou evolui. Para Popper o progresso na ciência envolve dois aspectos
bastante complexos: (a) em primeiro lugar, um aspecto biológico onde a teoria da
seleção natural ganha destaque; (b) o outro aspecto é o lógico, onde são definidos dois
Falseacionismo
31
critérios racionais de progresso científico. Tais critérios de certa maneira já estavam
contemplados dentro do CRITÉRIO DE DEMARCAÇÃO entre ciência e não-ciência,
isto é, o critério de falseabilidade das teorias científicas.

Quanto as aspecto biológico se constata que o conhecimento é condicionado, em


seu processo evolutivo pela teoria da evolução. Nas palavras de Popper: “De um ponto
de vista biológico, ou evolucionista, a ciência ou progresso em ciência pode ser visto
como forma usada pela espécie humana para adaptar-se ao ambiente: invadir novas
áreas do ambiente e até mesmo inventar novas áreas no ambiente”. (PRC, 92).

Assim o processo de conhecimento é derivado, retirado ou extraído do processo


biológico de evolução das espécies. O que queremos dizer é que, o conhecimento
EVOLUI, progride de maneira bastante semelhante que as espécies e, principalmente a
espécie humana.

No processo de conhecimento, que corresponde ao critério empírico de


FALSIFICAÇÃO, iniciamos com PROBLEMAS e, como diz Popper, terminamos com
problemas.

O surgimento de um problema ocorre devido a uma dificuldade de adequação ao


meio, ou melhor, de adaptação ao meio. O meio nos desafia. Somos chamados a ajustar-
mo-nos ao meio, mesmo que esse nos apresente problemas insolúveis.

Mas problemas não são identificados sem podermos ensaiar tentativas de


solução para ele. Diz Popper: “Chegamos, assim, a um resultado que têm conseqüências
de surpreendente interesse: as primeiras teorias - isto é, as primeiras soluções
exploratórias para os problemas - e os primeiros problemas devem, de alguma forma, ter
surgido ao mesmo tempo” (AI, 141).

Uma outra constatação é que, os problemas são passíveis de reformulação


conforme a sua situação histórica em que se apresentam. O que conta aqui é a adaptação
a realidade de uma melhor maneira. Assim, temos u meta-problema: como podemos
formar, da melhor maneira possível, um problema? Há uma engenharia que deve ser
respeitada na formulação de um problema que seja digno de crédito. Como problemas
devem ser vistos de acordo com suas tentativas-de-solução, portanto, a reformulação de
um problema deverá contemplar uma melhor solução que, por sua vez, estará ou deverá
estar, bem mais próximo de uma realidade.

A terceira etapa é a eliminação de erros. Essa etapa está de acordo com uma
realidade muito humana: todo empreendimento e, especialmente aqui a ciência, é
FALÍVEL. Nós erramos, e devemos estar sempre dispostos a identificar nossos erros e,
sobretudo, dispostos a CORRIGIR NOSSAS TEORIAS. Devemos saber trabalhar com
nossos erros. Tanto eu posso estar errado, como tu podes estar errado, ou até mesmo nós
dois estarmos errados. Esse é um processo crítico de avaliação. Devemos argumentar
logicamente, portanto, criticamente, para reconhecer não só no outro como em nós
mesmos o nosso erro e podermos corrigi-lo.

O resultado desse processo de eliminação de erros, se bem executado, é o


surgimento de um novo problema, de um novo desafio, mais fascinante e envolvente.
Esse problema dera início ao processo de análise do conhecimento novamente. Assim,
teremos o seguinte esquema representativo:
Falseacionismo
32

No processo evolutivo, que determina o processo do conhecimento, partimos de


uma estrutura herdade ou geneticamente, ou, pela tradição, como no caso do
conhecimento científico. Diz Popper: “Estruturas orgânicas e problemas aparecem ao
mesmo tempo. Ou, em outras palavras, estruturas orgânicas são estruturas que-
incorporam-teoria, bem como estruturas que-resolvem-problemas” (AI, 142).

Essas estruturas herdadas sofrem, passam por mutações. Mutações são


mudanças. Mudanças ocorrem a nível genético, isto é, alterações no código genético, ou
mesmo na tradição herdada pelos neófitos da comunidade científica através dos
membros mais experientes da mesma comunidade.

A terceira etapa é a mais importante, pois, assim como a eliminação de erros no


processo de conhecimento, faz com que o indivíduo passe a competir. A terceira etapa é
a SELEÇÃO. Assim como o meio seleciona os organismos que melhor respondem e
resistem as dificuldades de adaptação ao próprio meio, no conhecimento selecionamos
as teorias que melhor respondem aos problemas teóricos e práticos da ciência. Aqui se
refere, isto é, se efetiva o progresso. Pela SELEÇÃO BIOLÓGICA separa-se os mais
aptos e os mais fecundos e prolíferos, pela seleção do conhecimento separa-se as teorias
que melhor explicam e respondem a uma situação-problema. A seleção é o mecanismo
de explicação da evolução das espécies. A eliminação do erro é o mecanismo de
explicação do progresso na ciência. Os dois constituem-se em comum por serem meios
de ADAPTAÇÃO do homem ao meio objetivando a sua sobrevivência. Adaptação é
definida em termos de valor de sobrevivência. No entanto, a evolução do homem pode
ser direcionada (se houver possibilidade disso) de maneira distinta. Não queremos a
eliminação dos indivíduos humanos porque somos bastante racionais para perceber que
o que deve ser eliminado é tão somente as idéias dos indivíduos, as suas teorias.
Podemos fazer isso e de forma racional. Uma evolução meramente biológica objetiva
matar os indivíduos. Uma evolução fundada no conhecimento visa matar as teorias dos
indivíduos.

O resultado final do processo biológico é a morte do organismo, visto do ponto


de vista social como DARWINISMO SOCIAL. Porém, reconstituindo-o de maneira
diversa, poderá ser novas estruturas que serão herdadas. E o ciclo recomeça novamente.
Podemos representá-lo assim:

Estrutura Herdada → Mutação → Seleção → Novas Estruturas

Hereditariedade → Variação → Seleção Natural → Variabilidade

Na hereditariedade, o descendente reproduz os organismos-pais, de maneira


bastante fiel. Na variação, ocorrem mudanças produzidas por acidente: “mutações
acidentais” e hereditárias. Na Seleção Natural, o material hereditário é controlado por
eliminação. Assim, são evitadas grandes mutações e bem recebidas pequenas mutações,
pois definem a atitude crítica e progressiva, isto é, gradual. Por último, na variabilidade,
o resultado é o alcance de estruturas de interação ainda mais complexas, que retomarão
Falseacionismo
33
o ciclo evolutivo novamente.

A dificuldade do Darwinismo - evolutivo é traçada nas seguintes considerações


que a esta altura, coloca-se como uma questão fundamental, nas palavras de Popper:

“Por que os passos a esmo não parecem relevantes na árvore da evolução? A


indagação teria resposta se o darwinismo pudesse explicar o que por vezes, recebe o
nome de “tendências ontogenéticas”, ou seja, seqüências de alterações evolutivas que
processam numa mesma “direção” (passos não a esmo)” (AI, 182)

Se o problema da evolução é a sua ortogênese, o mesmo ocorre com a ciência.


Qual é a direção do progresso científico e evolutivo da humanidade? Mudanças a esmo,
sem justificativas, sem o porquê, não servem para direcionar o conhecimento e a
evolução e, devem ser eliminados.

Como conclusão dessa parte temos, no esquema de Luís Alberto Peloso: Pelo
processo evolucionário:

P1 → TT → EE →
_________________________

EVOLUÇÃO BIOLÓGICA

P1 = problema
TT = Ensaio de soluções
EE = Tentativa de eliminação do erro
X = toda espécie pode perecer, o fim do processo é um dúvida.

pelo processo do conhecimento:

P1 → T → EE →
_________________________

Evolução do Conhecimento

A única diferença, e fundamental, é que no final do processo o homem conseguiu


superar a violência da cadeia natural, mediante o uso de sua racionalidade. Como deve
fazer uso e quando deve fazer uso de sua racionalidade, é uma questão de ética, que não
vamos de momento abordar.

Quanto ao aspecto lógico. Popper enumera dois critérios lógicos que são
decorrência do seu critério de demarcação - a Falseabilidade.

Em primeiro lugar, deve haver o conflito, o contraste de teorias. As teorias


devem competir. Neste sentido, a ciência é um empreendimento revolucionário, isto é,
sua história é contada a partir das teorias dominantes. Diz Popper:

“Em primeiro lugar, o fim de uma teoria se transforme em descoberta ou em


passo a frente, é indispensável que esteja em CONFLITO COM TEORIA ANTERIOR -
em outras palavras, ela deve conduzir a alguns RESULTADOS CONFLITANTES. Isto,
Falseacionismo
34
porém, significa, de um ponto de vista lógico, CONTRADIÇÃO FACE Á TEORIA
ANTERIOR -que será suplantada.” (PRC, 102)

Em um segundo momento, Popper procura diferenciar sua noção de progresso


na ciência da noção positivista. Enquanto que para Popper o progresso na ciência é
REVOLUCIONÁRIO, para o positivista como M.Schilick, o progresso na ciência é
apenas CUMULATIVO, isto é, um somatório de teorias sem seleção alguma.

“...uma nova teoria, não importa quanto revolucionária, deve sempre estar em
condições de explicar completamente os êxitos da teoria precedente... Mas devem
existir casos em que a teoria nova conduza a resultados diferentes e melhores do que os
obtidos pela teoria precedente.” (PRC, 102-3)
O relativismo pragmático
36

RELATIVISMO PRAGMÁTICO:

T.S. Kuhn é físico e ainda hoje dedica-se a pensar a sua atividade, a saber, a
ciência. Sua posição pode ser mais facilmente estudada em contraposição, em contraste,
com o falseacionismo de K.R. Popper que é um filósofo por excelência.

Enquanto que estudamos tanto o positivismo lógico como o falseacionismo


como sendo escolas que pensam o problema da Filosofia da Ciência a partir de uma
lógica interna à própria ciência, colocando o maior peso do problema no MÉTODO e no
CRITÉRIO que deveria explicar o como a ciência progride, o Relativismo Pragmático
de T. S. Kuhn e assim chamamos por falta de um nome melhor - procura mostrar que o
peso maior do problema da Filosofia da Ciência não está em estabelecer um método ou
critério de progresso da ciência, mas todo o problema reside em descrever e
compreender o PROCESSO pelo qual ocorre o progresso da ciência. Kuhn não é
internalista só por este motivo também o é por outro. Kuhn acredita que para
descrevermos e compreendermos a atividade científica como processo é preciso não
restringir a questão a LÓGICA, mas ampliar esta explicação incluindo a HISTÓRIA e a
PSICOLOGIA para “atacar” o problema tal como ele merece ser tratado.

Para Kuhn, se queremos resolver o problema da filosofia da ciência devemos


saber como colocá-lo. A idéia de Kuhn é determinar o progresso da ciência a partir do
como a COMUNIDADE CIENTÍFICA trabalha, e não só como a ciência opera em si
mesma. A ciência, para Kuhn, se faz de homens carregados de crenças, ideologias,
preconceitos, etc... isto tudo define a rota do progresso da ciência de maneira totalmente
distinta do que até agora - positivistas e falseacionistas - tinham definido.

A ciência não é mais definida como um método mas como um PROCESSO.


Esse processo é cíclico e, parte de um conceito importante que é o de CIÊNCIA
NORMAL. A ciência normal é definida por Kuhn como sendo: “a pesquisa firmemente
baseada em uma ou mais realizações científicas passadas.” (ERC, 29) Kuhn faz toda
uma caracterização especial desse termo. Vamos considerar algumas dessas
características:

a) No período de ciência normal o cientista segue as tradições. Há um


paradigma dominante e inquestionável. Esse paradigma ajuda a responder problemas,
ou seja, solucionar quebra-cabeças. Neste momento diz Kuhn: “Homens cuja pesquisa
está baseada em paradigmas compartilhados estão comprometidos com as mesmas
regras e padrões para a prática científica. Esse comprometimento e o consenso aparente
que produz são pré-requisitos para a ciência normal, isto é, para a gênese e a
continuação de uma tradição de pesquisa determinada.” (ERC, 30-1). É preciso entender
que o caráter pragmático de Kuhn reside em sua preocupação com a prática científica.
Essa prática científica se traduz, se generaliza, em toda a comunidade científica;

b) No período de ciência normal, o cientista está preocupado sobretudo em


realizar OPERAÇÕES-LIMPEZA. Mas o que se quer dizer com isso? Ora, operação de
limpeza é forçar a natureza moldar-se, acomodar-se, “encaixar-se”, nos parâmetros e
medidas de um PARADIGMA. O trabalho do cientista, neste sentido, é dirigido pelo
paradigma dominante. Todos os fenômenos naturais e todas teorias estudadas pelo
O relativismo pragmático
37
cientista estão, ou, se referem ao paradigma que está sendo compartilhado pela
comunidade científica. Seu trabalho leva-o a aprofundar cada vez mais em detalhes
minúsculos, a se especializar.

c) No período de ciência normal a comunidade e o cientista estão


preocupados em resolver QUEBRA-CABEÇAS, isto é, “aquela categoria particular de
problemas que servem para testar nossa engenhosidade ou habilidade na resolução de
problemas.” (ERC, 59). O fracasso em responder aos problemas nunca será direcionado
a natureza, mas sim, ao cientista, especialmente a sua falta de habilidade profissional. A
comunidade cobrará o fracasso da resolução de problemas sempre do cientista. O
paradigma direciona, por sua vez, o cientista em sua escolha de soluções, aos seus
problemas. Quanto mais soluções, mais especialização, mais aprofundamento em um
determinado problema. Os problemas que se referirem especialmente ao paradigma
dominante, serão tratados como científicos. Por outro lado, os problemas que não
possuírem uma ligação direta com o paradigma dominante, serão rejeitados como
METAFÍSICOS, ou ainda, como fazendo parte de uma outra disciplina. Assim, por
exemplo, são tratados os problemas sociais durante esse período de ciência normal. por
outro lado, o cientista sabe que seu problema é um quebra-cabeça, na medida em que,
este possui soluções asseguradas pelo paradigma dominante. Diz Kuhn: “Para ser
classificado como quebra-cabeça, não basta a um problema possuir uma solução
assegurada. Deve obedecer a regras que limitam tanto a natureza das soluções aceitáveis
como os passos necessários para obtê-los.” (ERC, 61)

d) No período de ciência normal, todo os COMPROMISSOS assumidos


pelos cientistas e pela comunidade derivam do paradigma dominante. Os compromissos
dos cientistas e da comunidade científica estão condicionados pelas suas crenças e
valores (partidos políticos, religião, etc...). De forma mais genérica diríamos: tudo e
todos estão condicionados por preconceitos e resistência a mudanças. É assim que se
apresenta o cientista para a comunidade científica. E, não será assim que a comunidade
científica se apresentará par a Sociedade? Feyerabend é que se perguntará dessa
maneira sobre o empreendimento científico. A adesão dos cientistas a um paradigma
envolvido de compromissos é bastante definidor para um período de ciência normal.
Esses compromissos dos cientistas influem decididamente em sua metodologia
científica quando definem, também, o caráter METAFÍSICO do cientista na
comunidade científica. “No plano metafísico, indicava aos cientistas que espécies de
entidade o Universo continha ou não continha...” (ERC, 65). “Em um nível inferior, os
compromissos dos cientistas se referem a instrumentos preferidos e a maneira adequada
de utilizá-los.” (ERC, 64) para analisar leis e teorias existentes. Em resumo: “o cientista
deve preocupar-se em COMPREENDER O MUNDO e ampliar a precisão e o alcance
da ordem que lhe foi imposta.” (ERC, 65)

e) No período de ciência normal é que se define para Kuhn, o


PROGRESSO DA CIÊNCIA. Mas como é definido o progresso científico para Kuhn?
O alcance e a precisão de como um paradigma pode ser aplicado definem o progresso
em período de ciência normal. O período de ciência normal é um período
“ALTAMENTE CUMULATIVO”. Os resultados se somam, os problemas solucionados
se somam; o paradigma dominante ganha força. Neste sentido, diz Kuhn, na abertura do
capítulo 5 de sua ERC: “A ciência normal, atividade que consiste em solucionar quebra-
cabeças, é um empreendimento altamente cumulativo, extremamente bem sucedido no
que toca ao seu objetivo, a ampliação contínua do alcance e da precisão do
O relativismo pragmático
38
conhecimento científico.” (ERC, 77). O que é decisivo, também, para a definição de
progresso neste período de ciência normal são os preconceitos e resistência a mudanças
do cientista e da comunidade científica. Este aspecto pode bloquear o progresso da
ciência. Kuhn está preocupado, portanto, não só em dizer como a ciência progride, mas
em definir como aparecem e influenciam obstáculos ideológicos sobre o
empreendimento científico. O que precisamos entender, no pensamento de Kuhn, é que
o progresso na ciência NÃO É SÓ definido em períodos de ciência normal, mas, o
progresso na ciência aparecerá, também, em períodos revolucionários com outras
características, como veremos adiante.

O segundo estágio do PROCESSO de desenvolvimento científico em Kuhn, é o


de ANOMALIA. É o surgimento de anormalidades na maneira de se fazer ciência. A
Anomalia responde a questão: como surgem MUDANÇAS na comunidade científica? A
anomalia corresponde a quebra-cabeças não previstos no paradigma. O paradigma em
vista disso, afrouxa suas regras para poder conter os “CONTRA-EXEMPLOS” que
estão fora de seus limites. O resultado é o desgaste inevitável do paradigma que até
aquele momento dominava. Diz Kuhn a respeito das anomalias: “A descoberta começa
com a consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento de que, de alguma
maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas que governam a ciência
normal.” (ERC, 78). O cientista, neste período, não consegue entender por que os
resultados não “fecham”, por que a natureza transgride seus resultados, que antes
respondiam às questões mais delicadas. Na verdade, se antes o cientista podia impor o
seu intelecto sobre o caos ou sobre pântano dos sentidos, agora ele começa a reconhecer
que a natureza, de certa maneira, pode desobelecê-lo e, até certo ponto, se auto-gerar
independente da vontade de alguém. Em um outro momento de sua ERC, Kuhn define
anomalia como sendo: “ ... um fenômeno para o qual o paradigma não preparará o
investigador.” (ERC, 84) O cientista não se encontra preparado para explicar
descobertas de caráter acidental, como a do oxigênio (Priestley) e a dos Raios X
(Roetgen). O caráter acidental da descoberta leva o cientista a desconfiar que há algo de
errado com o paradigma. O paradigma teria que prever a possibilidade de tal-e-tal
ocorrência. É neste sentido que, o cientista perde o controle e não mais consegue impor
sua autoridade sobre a natureza. Como diz Kuhn: “...Os cientistas não haviam
reconhecido, nem controlado, uma variável importante”.(ERC, 85). Kuhn chama
atenção, para o fato de que, o cientista em vista do surgimento de ANOMALIAS,
procura resistir a mudança de paradigma. Sua atitude inicial é fazer com que o
paradigma, mediante hipóteses AD HOC, possa absorver a anomalia. Responde-la.

O que fica bem claro aqui é que há momentos em que o cientista impõe seu
controle, sua autoridade e exerce seu domínio sobre a natureza. Em períodos de
anomalia, a natureza mostra que este controle, esta autoridade e esse domínio é frágil.
Os conceitos precisam, mesmo que o cientista resista, serem reformulados.

O processo de assimilação da anomalia pelo cientista é discutido por Kuhn em


três etapas: (1) “inicialmente experimentamos somente o que é habitual e previsto”; (2)
é com um maior contato que começa a surgir a “... consciência de uma anomalia ou
permite relacionar o fato a algo que anteriormente não ocorreu conforme o previsto”;
(3) e, o resultado é que “as categorias conceituais são adaptadas até que o que
inicialmente era considerado anômalo se converta no previsto. Neste momento
completa-se a descoberta”. (ERC, 91)
O relativismo pragmático
39
Portanto, no período de ciência normal, a crença do cientista era de que o
paradigma podia a tudo PREVER. Com o surgimento do período de anomalia, a crença
do cientista oscila entre a ansiedade de que o paradigma possa ainda responder a essa
anomalia e o fato de que há necessidade de reformular o paradigma original. Com o
período de anomalia, o cientista descobre que há algo que o paradigma poderia não ter
previsto.

O terceiro estágio do PROCESSO de desenvolvimento científico em Kuhn, é a


CRISE da comunidade científica. A anomalia é como um vírus que contaminou um
organismo. O período de ciência normal era o tempo em que o organismo estava SÃO.
A resistência que os cientistas impõem sobre a anomalia, poderia ser descrita como o
ataque dos glóbulos brancos sobre o vírus. O resultado poderia ser: ou a destruição do
vírus no organismo que corresponderia a absorção da anomalia pelo paradigma
dominante, ou, o contágio generalizado pelo vírus, o que seria a instalação da anomalia
no seio da comunidade científica. Com essa instalação, diríamos que o organismo fica
doente, isto é, a comunidade científica entra em CRISE completa. Neste período, os
cientistas sentem toda uma insegurança profissional, pois a mudança de paradigma trará
alterações nos problemas, nas técnicas da ciência normal. E mais, o cientista sente que
seu projeto de pesquisa está ameaçado. Que não poderá mais receber verbas para
continuá-lo. Que poderá, enfim, perder seu emprego. Tudo isso impulsiona-o a tentar
desesperadamente uma resposta para a anomalia reinante.

Um exemplo de crise Kuhn descreve em sua ERC na página 97. Se trata da crise
na Astronomia quando Copérnico propôs seu modelo de Universo em substituição ao
modelo Ptolmaico. Aí, Kuhn descreve não só conseqüências internas da mudança, mas
as pressões sociais advindas de fatores externos, que apesar de não serem
determinantes, corroboraram para o “fracasso técnico” do paradigma até ali dominante.
Interessante é a conclusão de Kuhn: “A única antecipação completa é igualmente a mais
famosa: a de Copérnico por Aristarco, no século III a.c.. Afirma-se freqüentemente que
se a ciência grega tivesse sido menos dedutiva e menos dominada por dogmas, a
astronomia heliocêntrica poderia ter iniciado seu desenvolvimento dezoito séculos
antes.” (ERC, 103-4)

Podemos apontar algumas características do período de Crise na comunidade


científica. (1) No período de Crise, constata-se uma proliferação, uma multiplicação de
interpretações a respeito de uma teoria, a respeito do paradigma dominante até então;
(2) No período de Crise, constata-se também a multiplicação de escolas ou tendências
competidoras; (3) No período de Crise, constata-se como significativo a emergência de
renovar ou substituir os instrumentos que até ali, ajudaram a fazer ciência. Os
instrumentos que em período de ciência normal ajudavam a ciência progredir, evoluir,
em suas explicações, agora, em período de crise são insuficientes para responder a
anomalia e a respectiva crise que se instaurou; (4) No período de Crise, verifica-se um
total enfraquecimento das regras, utilizadas antes em período de ciência normal, para
resolução de quebra-cabeças; (5) No período de Crise, verifica-se uma inadequação
entre a teoria (paradigma) e a natureza. Na ciência normal ocorria o inverso. Em
período de ciência normal havia uma APROXIMAÇÃO entre a teoria (paradigma) e a
natureza (os fatos). Essa aproximação era corroborada cada vez que o paradigma
dominante respondia a quebra-cabeças (problemas) propostas pela própria comunidade;
(6) No período de Crise, a anomalia - que era apenas um incômodo - passa a ganhar
cada vez mais atenção dos cientistas. Os cientistas envolvem-se, pois não conseguem
O relativismo pragmático
40
mais esquivar-se dessa “aparente” anormalidade. Isto tudo ocorre a ponto de que essa
anormalidade passe a ser objeto de estudo da disciplina em questão; (7) É no período de
crise que os cientistas voltam-se esperançosos para a análise filosófica como querendo
resolver as charadas ou problemas fundamentais e comprometedores de sua área de
estudo. As regras e pressupostos que não são questionados em tempo de ciência normal,
passam ser alvo de análises estafantes em períodos de crise. Diz Kuhn: “Não é por
acaso que a emergência da física newtoniana no século XVII e da Relatividade e da
Mecânica Quântica no século XX foram precedidas e acompanhadas por análises
filosóficas fundamentais da tradição contemporânea.” (ERC, 120)

A crise encerra-se de três maneiras: (a) quando o paradigma dominante


consegue ser capaz de tratar do problema que causou a crise; (b) quando o problema
resiste até mesmo a abordagens radicais, então, o problema é rotulado e arquivado para
futuras gerações de cientistas, com NOVOS INSTRUMENTOS, poderem resolvê-lo;
(c) quando um NOVO PARADIGMA se apresenta como candidato para substituir o
paradigma dominante. Isto, no entanto, ocorre com uma forte resistência de aceitação
dos cientistas do novo paradigma.

O quarto estágio é conseqüência desta última maneira de solução à crise. O


quarto estágio é a MUDANÇA DE PARADIGMA. É aqui a pergunta fundamental:
como explicar a passagem do paradigma antigo para o novo paradigma? Ou, mais
especificamente, como a ciência progride em períodos revolucionários? Em ciência
normal a ciência progride por ACUMULAÇÃO como constatamos. Mas, aqui a ciência
revolucionária progride de outra maneira diversa. O problema é mais delicado. É o
cérebro do pensamento de Kuhn. Diz Kuhn:

“A tradição de um paradigma em crise para um novo, do qual pode surgir uma


nova tradição de ciência normal, ESTÁ LONGE DE SER UM PROCESSO
CUMULATIVO, obtido através de uma articulação do velho paradigma.” (ERC, 116).
Mas Kuhn continua sua explicação dizendo que: “É antes uma RECONSTRUÇÃO que
altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como
muito de seus métodos e aplicações.” (ERC, 116).

Mas, como ocorre essa “reconstrução”? Como a ciência chega a sua


“reorientação”? A mudança de paradigma em Kuhn, se explica, em última instância, por
uma “MUDANÇA DE FORMA PERCEPTIVA” ou simplesmente, MUDANÇA DE
GESTALT. Kuhn caracteriza claramente a natureza dessa mudança, quando diz que:
“No entanto, mais freqüentemente tal estrutura não é percebida conscientemente de
antemão. Ao invés disso, o novo paradigma, ou uma indicação suficiente para permitir
uma posterior articulação, EMERGE REPENTINAMENTE, algumas vezes no meio da
noite, na mente de um homem profundamente imerso na crise.” (ERC, 121)

Mas, isso basta para Kuhn mostrar o caráter revolucionário da ciência? Como
decidir entre dois paradigmas em COMPETIÇÃO neste período? O progresso é não-
cumulativo em período de ciência revolucionária. Em período de ciência normal o
progresso é cumulativo. Kuhn novamente apela para um argumento psicológico que diz
estar justificado na História da Ciência. Diz Kuhn, portanto: “Para descobrir como as
revoluções científicas são produzidas, teremos, portanto, que examinar não apenas o
impacto da natureza e da LÓGICA, mas igualmente as TÉCNICAS DE
ARGUMENTAÇÃO PERSUASIVA que são eficazes no interior dos grupos muito
O relativismo pragmático
41
especiais que constituem a comunidade dos cientistas.” (ERC, 128)

Para entendermos como um paradigma supera o outro na competição, é preciso


não só procurar razões lógicas, mas sobretudo encontrar em técnicas de argumentação
persuasiva de grupos de oposição no interior da comunidade científica, a
VERDADEIRA CAUSA do triunfo de um paradigma sobre outro.

Quando questionamos a competição entre paradigmas é preciso deixar claro que


isso só acontece em períodos de crise na comunidade científica. Em períodos de ciência
normal o paradigma não é questionado. Ora, a competição entre paradigmas se decide
pela testabilidade ou verificação, não só para os positivistas lógicos e falseacionistas,
mas também para Kuhn. Diz Kuhn a esse respeito:

“A verificação é como a seleção natural: escolhe a mais viável entre as


alternativas existentes em uma SITUAÇÃO HISTÓRICA determinada.” (ERC, 185)

Aqui há um elemento novo na análise de Kuhn. Como deixamos claro, a


mudança de paradigma é de caráter essencialmente psicológico. No entanto, Kuhn deixa
claro que há um caráter histórico a considerar-se. A escolha do melhor paradigma NÃO
É determinado LOGICAMENTE, mas é determinado pela situação histórica, pelo
momento histórico que a ciência e a comunidade científica enfrenta. Kuhn acredita que
com estes dois elementos, um de caráter psicológico (GESTALT) e outro de caráter
histórico (a situação do momento em que a comunidade científica e a ciência se
encontram) pode mudar o rumo das discussões sobre o problema da verificação. Diz
Kuhn: “A competição entre paradigmas não é o tipo de batalha que pode ser resolvida
por meio de PROVAS.” (ERC, 188)

O resultado do período de crise é a substituição, em muitos casos, do paradigma


dominante. Mas, qual é a resposta de Kuhn para Popper quanto a falseabilidade? Por
que Kuhn não aceita a falsificação de teorias? Diz Gunnar Andersson no livro
“Estrutura y desarollo de la ciencia” de 1984: “O principal argumento de Kuhn contra o
falseacionismo é que a falseação de nenhum modo desempenha no desenvolvimento da
ciência o papel que o falseacionismo tem defendido. Como questão de fato, a história da
ciência nos mostra que a maior parte das teorias estão falseadas, mas que apesar disso,
são aceitadas pela comunidade científica.” (EDC, 18)

Newton F. Maia, caracteriza a mudança de paradigma em Kuhn como sendo o


período de vida, de existência do paradigma em cinco etapas: (1) a ciência normal; (2)
surgimento de anomalias; (3) revolução científica; (4) imposição de um novo
paradigma; (5) novo período de ciência normal. Portanto, o final do processo é um novo
período de ciência normal. O ciclo se fecha. Esse é o ciclo de Kuhn. Expresso da
seguinte maneira por ele: “Tal circularidade pode ter incomodado pelo menos alguns
leitores. Na prática, isso não precisa ter ocorrido. Estamos a ponto de descobrir que uma
circularidade semelhante é característica das teorias científicas. Contudo, incômodo ou
não, essa circularidade já não está mais em caracterização.” (ERC, 122)

2) Natureza do Paradigma:
Ciências Naturais X Ciências Humanas
O relativismo pragmático
42

O que nos interessa agora é refletir sobre o significado de um termo que Kuhn
usa muito. Estamos falando do termo PARADIGMA. Todas as ciências possuem o seu
paradigma? Não. Nem todas as ciências possuem paradigma, o exemplo disso são as
ciências humanas. Diz bem Newton Freire Maia quando afirma que a partir de Kuhn;
“Quando examinarmos a sociologia, a economia, a história, a psicologia, etc., a situação
é outra. Nessas ciências pré-paradigmáticas, teorias fundamentais e opostas
permanecem em luta durante longos períodos sem que haja meios de se optar pelas que
devessem ser as mais corroboradas. Os adeptos de cada uma dessas teorias combatem
os adeptos das outras, cada grupo se julgando dono da verdade.” (CPD, 117)

Portanto, a situação de várias ciências humanas é o total desnudamento


paradigmático. O que há é apenas grupos opostos, com idéias opostas, e cada um com a
SUA verdade. Ora, essa é a situação verdadeira das ciências humanas ou a visão
pragmática e paradigmática falham na hora de explicar a situação dessas ciências? Por
que as ciências humanas não têm paradigma? Novamente há uma diferença muito
grande entre uma explicação que parte das ciências naturais-formais, e tenta
PROJETAR sobre as ciências humanas sua explicação. Até agora Positivistas,
Falseacionistas e Pragmatistas incidem no mesmo equívoco. Mas para nós entendermos
melhor porque que o pragmatismo de Kuhn funciona, apresenta resultados nas ciências
naturais e não nas ciências humanas, devemos compreender o significado do termo
PARADIGMA.

A Noção de Paradigma em Kuhn foi duramente criticada por Margaret


Masterman pela sua ambigüidade em todo contexto do livro ERC de 1962. Segundo
Masterman são vinte e uma definições de paradigma que se agrupam em três grupos: (a)
paradigma definido como Metafísico, isto é, “como um conjunto de imagens do mundo
e de crenças básicas sobre ele”; (b) paradigma definido como Sociológico, isto é, como
“um conjunto de proposições fundamentais, resultantes de uma realização científica de
reconhecimento Universal.” (c) paradigma definido como funcional, isto é, como “ um
conjunto de instrumentos que permitam a análise e a solução de problemas.” (CPD,
103-4).

Kuhn reconhece e absorve essa crítica. No posfácio de 1969 de seu livro ERC
(1962) reduz o significado de Paradigma a duas formas: em primeiro lugar, paradigma
para Kuhn é indicador da constelação de crenças, valores, técnicas, etc... partilhados,
repartidos, pelos componentes da comunidade científica. Em segundo lugar, paradigma
“denota apenas um elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-
cabeças que, empregados como modelos ou exemplos, podem substituir regras
explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da ciência normal.”
(ERC, 218)

O que fica claro é que Kuhn tem preferência por dissertar a respeito de ciências
que possuem, de uma maneira ou outra, o seu paradigma estabelecido. Mas como uma
ciência alcança o estágio de estabelecer o SEU paradigma como real? O que queremos
dizer é que há muita coisa a ser analisada ANTES DO SURGIMENTO DE UM
PARADIGMA. Já existe comunidade científica constituída antes do surgimento de um
paradigma? Ora, se para Kuhn uma comunidade científica só é comunidade se possui
paradigma, então, os “cientistas” das humanidades nem constituem comunidade. O
resultado é que o ciclo de Kuhn teria que ser ampliado.
O relativismo pragmático
43

Newton Freire Maia diz o seguinte a respeito dessa situação: “Elas enfrentam
um dilema epistemológico que não pode ser ignorado: ou se tornam cada vez mais
“rigorosas” e concomitantemente vão perdendo sua especificidade, ou preservam a
especificidade de seu objeto e perdem o rigor que se encontra nas ciências naturais e
principalmente na física, na química e na astronomia.” (CPD, 117)
Concordamos com Newton Freire Maia na medida em que: (1) as ciências
humanas carecem de uma estrutura epistemológica mais coerente; (2) por isso mesmo
tais ciências são imaturas, isto é, não possuem paradigma; (3) Não podemos falar de
progresso nas ciências humanas da mesma maneira que falamos para as ciências
naturais. No entanto, algo ocorre (um progresso?) até surgir um paradigma, e que
somente a partir desse momento é que poderíamos falar de comunidades. (4) Parece
evidente que o conceito de ciência deva ser ampliado. Ciência tem que ser mais do que
aquilo que físicos, químicos e biólogos fazem. Ciência deveria abarcar aquilo que
sociólogos, historiadores, economistas fazem. O problema é que o objeto de estudo é
totalmente diferenciado: nas ciências naturais, a natureza é o objeto de estudo: nas
ciências humanas, o homem é o objeto de estudo. A natureza possui um mecanismo que
implica leis processos e explicações causais. O homem está sujeito a natureza por
pertencer a natureza, mas em sua atividade, em seus empreendimentos TRANSCENDE
A PRÓPRIA NATUREZA. É a partir desse momento que se justifica o retorno a
metafísica.

A visão histórica:
História da Ciência X Filosofia da Ciência

Há seis maneiras de enfocar as relações entre História da Ciência (HC) e


Filosofia da Ciência (FC). A importância desses enfoques é que eles determinam até
que ponto a FC é ou não é uma disciplina histórica. Vejamos as seis posições: (1) a FC
e a HC são excludentes, isto é, a FC exclui as considerações históricas e a HC exclui as
considerações filosóficas. (2) FC e HC são dependentes. Em sentido forte, não pode
haver FC sem investigação histórica e, não pode haver investigação histórica sem FC.
Em sentido fraco, há pelo menos alguns aspectos da FC que necessitam da investigação
histórica e, há pelo menos alguns aspectos da investigação histórica que necessitam da
FC; (3) FC e HC são interdependentes, isto é, FC necessita da investigação histórica e
HC necessita da análise filosófica; (4) FC e HC são independentes, isto é, o máximo
que pode ocorrer é uma coincidência acidental; (5) FC é uma parte de HC, isto é, onde
se desenvolvem narrações que reconstrõem as práticas de evolução dos cientistas; (6)
HC é parte da FC, posição que é pouco aceita.

O falseacionismo de Popper assume a posição (6) justificada sobre o fato de que


devemos entender a lógica da ciência mediante o princípio de TRANSFERÊNCIA:
Tudo que é verdadeiro na lógica é verdadeiro no método científico. Tudo que é
verdadeiro em FC é verdadeiro na HC. Por outro lado, para o relativismo pragmático de
Kuhn HC e FC são disciplinas excludentes, isto é justificado pela GESTALT. Onde FC
vê um “pato”, no mesmo episódio, HC vê um “coelho”. É como se a HC usa-se óculos
azuis para olhar a realidade e a FC olhasse a realidade com óculos de lentes rosa. É
dessa posição que valeu o atributo de irracional para Kuhn. Como, nessa situação, o FC
e HC se entenderiam? Tudo depende das disposições mentais do FC e do HC. Em
O relativismo pragmático
44
síntese, podemos dizer que Kuhn assume a posição (1).

Feyerabend discorda de Kuhn. Para Feyerabend FC e HC fazem um


“matrimônio de conveniência”. A FC é irrelevante para a HC. A posição de Feyerabend
é a (4). O que é interessante é que negar a influência da FC sobre a HC é uma outra
maneira de negar a metafísica como sustentação da ciência. É retornar aos ditos
positivistas. Kuhn e Feyerabend não percebem esse equívoco. Eles são tão positivistas
quanto os positivistas que procuravam justificar a eliminação da metafísica da ciência.
Kuhn e Feyerabend não entendem a função da FC para a HC. Da Metafísica para a
Ciência. Como seria possível interpretar a HC sem a FC? Como seria possível
interpretar o progresso da ciência sem metafísica?

Uma análise histórica, segundo Kuhn, é um processo hermenêutico, isto é, de


compreensão. Esse processo poder-se-ía sintetizar em três etapas: (a) em primeiro lugar,
o autor da obra não pode, em sua obra, ter CONTRADIÇÃO INTERNA. Tudo deve ser
pensado sem contradição; (b) em segundo lugar, os seus termos estão condicionados a
CULTURA a que ele, o autor, pertence e na qual interage; (c) Portanto, se trata de
responder POR QUE determinadas crenças servem de apoio para a sua obra.

Em conclusão, poderíamos dizer que Kuhn faz uma tentativa de superar uma
visão logicista da ciência. Para estes a FC é uma disciplina em que leis e teorias
científicas se reformulam segundo padrões da lógica formal e, ainda mais, questões de
confirmação ou explicação abordam-se como problemas de lógica aplicada. (conferir
FCIH p.34). Para Kuhn há uma dimensão histórica e psicológica que influi
decisivamente na determinação do progresso ou evolução da ciência. Assim, progresso
na ciência para Kuhn ocorre em dois sentidos: primeiro, no período de ciência normal
sendo que a principal característica ai é a acumulação ou o somatório de informações
que reforçam o paradigma dominante e, num segundo período de ciência revolucionária
onde o progresso ocorre por uma mudança de GESTALT.

A principal questão de Kuhn é e continua sendo a seguinte: quando deveríamos


aceitar um paradigma? Se trata de enumerar as condições necessárias para a aceitação
do paradigma pela comunidade científica.
O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
45

O ANARQUISMO EPISTEMOLÓGICO DE P. FAYERABEND

P. Feyerabend pertence à gama daqueles filósofos que se denominam defensores


de uma “Nova Filosofia da Ciência”, junto com Kuhn e I. Lakatos. Em verdade, são os
filósofos da ciência externalistas, isto é, aqueles que acreditam que o problema central
da Filosofia da Ciência chegará a um resultado mais objetivo se considerarmos o
aspecto histórico e psicológico (Kuhn) e, até mesmo, muitos outros aspectos
(Feyerabend), como o estético, por exemplo.

Feyerabend não é nada sistemático. É irreverente e irônico em suas constatações


a respeito de seus adversários. No entanto, vamos tentar ser sistemáticos, obedecendo a
seguinte estrutura: (1) As teses principais do pensamento de Feyerabend; (2) A crítica
de Feyerabend ao Positivismo Lógico; (3) A crítica de Feyerabend a Popper; (4) A
crítica de Feyerabend a Kuhn.

1) As teses principais do pensamento de Feyerabend

(a) Em primeiro lugar, é bastante interessante definir o que devemos


entender por ANARQUISMO EPISTEMOLÓGICO. Segundo Feyerabend, o
anarquismo epistemológico é uma maneira de indicar a “direção” do progresso da
ciência. É, em verdade, uma alternativa em relação aqueles que pensam que para falar
do progresso na ciência precisamos fazer jus a ordem e a lei. Ora, para Feyerabend não
importa o controle, o estabelecimento da direção do progresso, mas, muito antes pelo
contrário, o que importa é o efetivo progresso. Para Feyerabend não importa a
VALIDADE do conhecimento que orientará o progresso, porém, o que importa é a
PRODUÇÃO do conhecimento científico. E o conhecimento científico pode ser
constatado como progressivo de diversas maneiras. Tudo colabora para o progresso da
ciência. Diz Feyerabend: “Não há por que temer que a decrescente preocupação com lei
e ordem na ciência e na sociedade - que é característica desse tipo de anarquismo -
venha conduzir ao caos. O sistema nervosa humano é demasiado bem organizado para
que isso venha a ocorrer.” (CM, 23) Mas, é claro que Feyerabend terá ainda que dizer
como o cientista pode constatar o seu avanço, a sua evolução na produção do
conhecimento científico. Em síntese: o anarquismo epistemológico se define pela
liberdade de produzir como se que o conhecimento científico, sem determinações
constrangedoras.

(b) No anarquismo epistemológico, o cientista não inibe o progresso da


ciência. Vale tudo. Como diz Feyerabend: “... as violações são necessárias para o
progresso.” (CM, 29). A metodologia dedutiva, pelo seu caráter antecipatório, é
prejudicial ao progresso da ciência. A argumentação lógica nos coloca dentro de limites.
Todas as suas conclusões estão contidas nas premissas que são manipuladas por regras
pré-estabelecidas. O progresso é direcionado. Mas o que fazer com descobertas
acidentais que fogem aos padrões lógicos, aos limites da argumentação? Eliminá-los?
Ignorá-los? “Partimos de uma firme convicção, contrária a razão e à experiência da
época.” (CM, 33) Aí está a atitude fundamental do anarquista. Cada cientista vê a
realidade como quer, a descreve como quer. Não há uma única maneira de ler a
O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
46
natureza. Não há uma uniformidade em descrever a natureza. O que é o progresso para
o positivista, poderá ser perfeitamente contrário para o falseacionista. Todas maneiras
de explicar o progresso na ciência são possíveis. Não há uma única maneira de explicá-
la. Diz Feyerabend: “Os que tomam do rico material da história, sem a preocupação de
empobrecê-lo para agradar a seus baixos instintos, a seu anseio de segurança intelectual
(que se manifesta como desejo de clareza, precisão, “objetividade”, “verdade”), esses
vêem claro que só há um princípio que pode ser defendido em TODAS as
circunstâncias e em TODOS os estágios do desenvolvimento humano. É o princípio:
TUDO VALE.” (CM, 34)

(c) A ciência progride contra-indutivamente. Ora, o que significa dizer que


TUDO VALE para a ciência progredir? Podemos propor a hipótese que quisermos para
estabelecer os contornos de nossa teoria. Na atitude anarquista de que tudo vale, iremos
preferir sempre as hipóteses que não se ajustam às nossas teorias que acreditamos serem
aceitas e confirmadas. Em segundo lugar, iremos preferir hipóteses que não se
acomodem aos fatos bem estabelecidos. Dessa maneira, iremos contemplar um oceano,
um mar de alternativas que estavam fora de nosso controle, de nosso alcance. Isso é,
especificamente, progredir contraindutivamente. O cientista deve “tornar forte, o
argumento fraco.” Só podemos ver as limitações das metodologias científicas operando
contra-indutivamente. Isso nos leva a tese seguinte.

(d) A PROLIFERAÇÃO de teorias indiscriminadamente ajuda no progresso


da ciência. Ora , o princípio da proliferação de teorias de Feyerabend diz que “inventar
e elaborar teorias que sejam inconsistentes com o ponto de vista aceito, ainda que se
diga no caso de que este último estiver altamente confirmado e geralmente aceito.” Este
é o princípio do pluralismo teórico de Feyerabend. A proliferação de teorias abre para o
cientista um mundo de alternativas e desenvolve uma variedade de opiniões. A atitude
do cientista é de compreender que, em maior ou menor grau, todas as opiniões
participam da evolução gradual da ciência, mesmo aquelas e, principalmente, aquelas
que tratamos ou que o cientista trata como NÃO-científicas. Feyerabend ressalta que
esta atitude anarquista é a que está mais de acordo com uma atitude humana, com a
natureza humana. A natureza humana se caracteriza, acima de tudo, por ser
imprevisível. E, Feyerabend está muito bem consciente disso. Diz Feyerabend:
“Qualquer idéia, embora antiga e absurda é capaz de aperfeiçoar nosso conhecimento. A
ciência ABSORVE TODA a história do pensamento e a utiliza para o aprimoramento de
cada teoria.” (CM, 65)

Um outro aspecto dessa mesma tese é que o pluralismo teórico procurará


comparar teorias e não comparar a teoria com experiências, dados ou fatos.

(e) A ciência é uma entre muitas FORMAS DE VIDA. Ora, este conceito
não é original. A sua derivação é do Wittgenstein das INVESTIGAÇÕES
FILOSÓFICAS (1953). Diz Wittgenstein “ o que tem que ser postulado, o que é dado,
poderíamos dizer, são as FORMAS DE VIDA” (IF, 238/601). Mas o que significa
FORMAS DE VIDA? Falar de formas de vida em epistemologia é estabelecer as
condições gerais em que é possível falar-se da compreensão da realidade, enquanto que
falar de formas de vida em filosofia é estabelecer as formas peculiares de que se
estrutura a compreensão em determinados contextos. Diz Peter Winch, interpretando
Wittgenstein: “enquanto as filosofias da ciência, da arte, da história, etc terão a tarefa de
elucidar as naturezas peculiares dessas formas de vida chamadas “ciências”, “arte”,
O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
47
etc..., a epistemologia tentará elucidar o que está envolvido na noção de forma de vida
com tal.” (ICS, 47-8). A contribuição de Wittgenstein para esta análise epistemológica
consistiu em dois pontos: (a) a análise do conceito de “seguir uma regra”; (b) e a
descrição da espécie peculiar de concordância interpessoal que isto envolve.

Para Feyerabend, a ciência é uma entre várias formas de vida e, não


necessariamente a melhor. Outras formas seriam, por exemplo, o mito e a poesia, a
estética, etc... Feyerabend alerta para o fato de que o racionalista crítico (Falseacionista)
desconsidera tais formas de vida, taxando-as como irracionais. Estão na verdade a
bloquear o progresso na ciência. A abertura para outras formas de vida se faz aceitando
um pluralismo teórico e um pluralismo de formas de vida. Constitui-se uma outra
racionalidade. Feyerabend só não consegue escapar da crítica de que dificilmente poder-
se-ía mostrar que umas formas de vida são melhores que outras. A conclusão é que
todas as formas de vida são boas, do ponto de vista teórico. O resultado é o ceticismo e
o relativismo. Como pode a ciência resolver e absorver toda classe de problemas e todas
formas de vida?

(f) A recusa da distinção entre contexto de descoberta e contexto de


justificação em Feyerabend.

Por contexto de descoberta devemos entender o modo como o pensador


descobre seu teorema, ou, melhor ainda, é a forma de como são subjetivamente
realizados os processos de pensamento. No máximo, disso resulta uma psicologia da
descoberta.

Por contexto de justificação deveremos entender uma reconstrução racional do


processo de aquisição do conhecimento científico expresso em uma linguagem
adequada, sua comunicação e, conseqüentemente, sua crítica, ratificação ou retificação
experimental, apreciação de sua estruturação lógica interna, etc... Em resumo: o
contexto de justificação diz respeito a forma de como os processos de pensamento são
comunicados a outras pessoas (intersubjetividade). Foi Hans Reichenbach em 1961 que
primeiro fez essa distinção.

Os defensores de uma lógica interna no empreendimento científico como os


positivistas e Popper, com algumas ressalvas, se encaixam no contexto da justificação,
enquanto que os defensores de uma lógica externa ao empreendimento científico como
Kuhn, Feyerabend e I. Lakatos apostam no contexto de descoberta.

Especificamente, a posição de Feyerabend é a recusa em aceitar o contexto de


justificação. Segundo Feyerabend, fatores extra-científicos influem e deve influir
decisivamente no empreendimento científico. O progresso da ciência não pode ser
determinado apenas por um contexto de justificação, mas o progresso na ciência deve
levar em conta contextos de descoberta com o objetivo de serem e apresentarem contra-
exemplos e contra-regras a teorias que querem dominar o âmbito de explicação da
ciência.

Feyerabend retrata seu repúdio ao contexto de justificação na seguinte passagem


do seu livro CM: “A separação entre a história de uma ciência, sua filosofia e a ciência
mesma desaparece no ar, o mesmo acontecendo com a separação entre ciência e não
ciência.” (CM, 68) Ora, se não precisa haver separação entre ciência e não-ciência
O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
48
esfumassa-se o contexto da justificação. A razão de não haver separação entre ciência e
não-ciência é o cérebro, o sistema nervoso da FC de Feyerabend. Acredita Feyerabend
que a ciência é uma forma de vida entre tantas. Apesar do suposto controle que
podemos exercer sobre os enunciados e teorias científicas podemos muito bem admitir a
contribuição significativa de outras formas de vida na determinação dos limites e
resultados de teorias científicas. Essa face até agora desconhecida e negada por
filósofos e cientistas pode muito bem fazer fluir o progresso na ciência. Vale tudo se
com isso se consegue o progresso, diz Feyerabend. Diz Peter Winch: “Segue-se que não
se pode aplicar critérios de lógica aos modos de vida social como tais. Por exemplo,
ciência é um modo de vida e religião um outro; cada um tem critérios de inteligibilidade
peculiares. Assim dentro da religião ou da ciência, as ações podem ser lógicas ou
ilógicas; em ciência, por exemplo, seria ilógico recusar submeter-se aos resultados de
um experimento levado a efeito adequadamente; e em religião seria ilógico supor-se que
alguém podia apostar a sua própria força contra a de Deus, e assim por diante. Mas não
podemos razoavelmente dizer que seja a prática da ciência ou da religião lógicas ou
ilógicas; ambas são não-lógicas.” (ICS, 97-8). É dessa mesma maneira que ocorre com
as diversas formas ou modos de vida. Dizer que um modo de vida é mais importante do
que outro, ou dizer que uma teoria é mais importante do que outra, é reduzir e restringir
drasticamente o progresso na ciência no entender de Feyerabend.

Feyerabend propõe um “culturalismo” em lugar de um “naturalismo” de tipo


positivista. Os aspectos subjetivos e principalmente estéticos podem contribuir para a
ciência, para o seu progresso. Toda teoria tem um risco de subjetividade. Portanto, toda
teoria nunca possuirá um apoio completo do ponto de vista experimental. Isso até um
falseacionista concorda e está no cerne de qualquer crítica contra o positivismo lógico.

2) A crítica de Feyerabend ao Positivismo Lógico

O anarquismo epistemológico de Feyerabend começou a se estruturar por meio


de uma crítica à METODOLOGIA positivista. Todo positivista lógico sempre se
preocupou com o contexto de justificação do empreendimento científico. Neste sentido,
para o positivista sempre houve grande importância o fato de que a ciência deveria
elucidar-se, mesmo o seu progresso, por uma explanação da lógica interna e isso sempre
poderia ser feito - esse controle - por uma manipulação simbólica, por um formalismo.
Assim, a ciência deveria ter a sua própria linguagem teórica e observacional de caráter
unificador e universal inerente a ela própria.

A concepção positivista de progresso na ciência é de caráter cumulativo, isto é,


sem conflitos entre T1 e T2 e sem revoluções. Feyerabend aponta corretamente que é
somente nestas circunstâncias que poder-se-ia “garantir” uma derivação lógica mediante
REDUÇÃO. Uma redução lógica da matemática, por exemplo, só seria possível - se
assim o fosse - com essa concepção de progresso. O outro aspecto de “garantia” à
redução lógica seria, para o positivista, a não mudança de significado dos termos de
uma teoria a outra. A mudança de contexto não implicaria necessariamente em mudança
de significado dos termos de uma teoria. Isso poderia “garantir” uma linguagem
unificada e universal para a ciência.

Ora, uma vez que as teorias estabelecem competição entre si, a concepção de
O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
49
progresso positivista fica ameaçada e o programa reducionista esfacela-se. Feyerabend
critica justamente em E. Nagel e em Karl Hempel esse reducionismo lógico. Diz Nagel
a respeito da Redução: “O objetivo da redução é mostrar que as leis, ou os princípios
gerais da ciência secundária são simplesmente CONSEQÜÊNCIAS LÓGICAS dos
supostos da ciência primária.” (ERE, 46) O segundo pressuposto é assim expresso por
Nagel: “os significados são invariantes a respeito do processo de redução”. (ERF, 47)
Diz Feyerabend que a prática científica desmente estes dois pressupostos aceitos pelos
positivistas.

K. Hempel, outro positivista, aponta para o detalhe de que a EXPLICAÇÃO é


uma conseqüência lógica e, que os significados não se alteram no processo de
explicação. Como resume bem Feyerabend: “A) A redução e a explicação são (ou
deveriam ser) por derivação; B) Os significados dos termos (observacionais) são
invariáveis tanto no que diz respeito a redução como na explicação.

3) Crítica de Feyerabend a Popper

Há dois aspectos que P. Feyerabend critica na filosofia popperiana


(falseacionismo): a) a rejeição dos aspectos subjetivos do empreendimento científico; b)
a rejeição da incomensurabilidade das teorias científicas.

(a) Feyerabend valoriza os aspectos subjetivos da atividade científica. Com


isso acredita, principalmente, em atacar o FORMALISMO dos positivistas lógicos,
projeta este rótulo sobre o falseacionismo com todo seu peso. Feyerabend argumenta de
modo a considerar Popper um positivista sofisticado. Mas qual a justificativa que
Feyerabend usa para introduzir a subjetividade na ciência? Feyerabend diz que teorias
de caráter universal sempre transcendem a observação, os dados observacionais de um
determinado momento. Dessa forma, a observação, nunca apoiará COMPLETAMENTE
uma teoria universal. As teorias científicas nascem, crescem e morrem em meio a um
OCEANO DE ANOMALIAS. Tal afirmação não é de Feyerabend, Kuhn e Lakatos já
teriam afirmado o mesmo.

A justificativa de Feyerabend em introduzir aspectos subjetivos à ciência utiliza-


se de um princípio aceito pelos próprios falseacionistas, a saber, uma teoria nunca pode
ser confirmada completamente. Uma teoria nunca terá um apoio experimental que lhe
possa revestir ou envolvê-la totalmente. Mas bastará essa concepção par introduzir-se a
subjetividade na ciência? Como poderá a ciência, dessa maneira, comunicar os seus
resultados? A intersubjetividade da ciência não estará ameaçada? A segunda
justificativa que Feyerabend usa para introduzir a subjetividade na ciência, parte
novamente de um aspecto do falseacionismo. O aspecto do falseacionismo que
Feyerabend parte para colocar a subjetividade como elemento de destaque na ciência é a
FALIBILIDADE que sempre está presente em todo empreendimento humano e,
também está na ciência. Isso o falseacionista não nega.

Em conclusão: “Feyerabend nos diz que estes dois aspectos juntos, implicam a
liberdade do teórico perante a experiência, liberdade que vem restringida pela tradição
(aspectos sociais e culturais), a idiossincrasia do indivíduo (aspectos subjetivos), pelos
formalismos e uso da linguagem (problema de terminologias e tecnicismos), conjunto
O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
50
de crenças metafísicas (Kuhn) e inclusive por motivos estéticos (Galileu perante
Kepler).

Em verdade, Feyerabend ataca mais o positivismo lógico do que o


falseacionismo quando pretende dar importância a subjetividade na ciência. A razão
disso é a de que tal idéia já está sendo, de alguma maneira, incorporada com todo
cuidado na concepção de ciência. O reducionismo eliminativo dos positivistas se sente
muito mais atingido por essa crítica.

(b) Feyerabend quer também valorizar a incomensurabilidade das teorias


científicas. Esse aspecto não é novo. Kuhn reclama, e com razão, a paternidade dessa
idéia. A incomensurabilidade das teorias serve, para Kuhn, com o fim de explicar o
historicismo da ciência e as revoluções científicas. Feyerabend apoia a
incomensurabilidade das teorias nas constantes mudanças de perspectiva que ocorre
dentro da ciência devido a fatores externos como os fatores históricos, sociológicos,
psicológicos e estéticos. Nada há de novo, portanto!

O falseacionismo com razão atribui a concepção feyerabendiana as


características seguintes: (a) irracionalismo; (b) historicismo; (c) relativismo. O fim de
tudo é que cada qual se fecha em sua posição. Há hoje o impasse!

A incomensurabilidade de teorias científicas é derivada de Wittgenstein. As


noções de JOGOS DE LINGUAGEM, e, REGRAS que os dirigem, estão na base da
incomensurabilidade das teorias científicas. Ora, podemos falar de jogos de linguagem
na medida em que entendemos a forma de usar os termos, isto é, as palavras. Assim
como um operário usa o martelo para martelar; assim como usa o serrote para serrar;
assim como o jogador usa a bola para jogar; assim também, nós todos - incluindo os
cientistas - usamos a linguagem, jogando com os termos. Dessa forma, não há uma
única função de uma expressão, de um termo de linguagem. A diversidade de usos e
funções dos termos ou expressões permite uma riqueza de jogos de linguagem, que nada
possuem de comum, a não ser um aparente ar de familiaridade. Estes termos se cruzam,
se permutam e se combinam quase que infinitamente, demonstrando assim toda uma
complexidade e diversidade. Os jogos de linguagem apenas podem entrar em
comparação se CONSEGUIRMOS detalhar os diversos usos e funções dos termos
contidos na complexidade de jogos existentes.

Bem, imaginemos a comunidade científica e os cientistas. Aí ocorre diversos e


complexos jogos de linguagem a cada momento. Para afirmar uma teoria científica o
cientista se utiliza desses jogos de linguagem. Jogar com as palavras é a maneira de
convencer as pessoas. E isso ocorre no meio da comunidade científica.

Mais ainda, todas teorias envolvem termos, palavras e expressões. Jogar com
estas palavras significa convencer nosso opositor, persuadi-lo e mudar sua perspectiva
da realidade (GESTALT). Conforme a linguagem que o cientista utiliza - o jogo de
linguagem escolhido - a sua teoria pode o não pode ganhar credibilidade. A lógica é um
entre tantos jogos de linguagem e, não necessariamente o mais convincente ou
persuasivo.

Em síntese: a mensurabilidade de teorias não se restringe somente a


instrumentos de medição, à lógica formal reducionista e eliminativa, mas há algo
O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
51
decisivo: o jogo da linguagem. É a escolha do jogo de linguagem que torna a teoria
científica incomensurável em sua escolha. Por que preferir T2 do que T1? A linguagem
torna a realidade diferente na medida em que apenas a representa, e a representa de
diversas maneiras que nem sempre podem ser ditas como “racionais”.

O resultado é o RELATIVISMO ABSOLUTO do pensamento de Feyerabend e


de Wittgenstein. Se “tudo vale”, então na arte vale a mentalidade comercial. “Tudo vale
(na arte) se há saída comercial.” Do dogmatismo absoluto do positivismo lógico
desaguamos no relativismo absoluto. O que responder a essa situação criada pela
própria FC de Feyerabend?

A noção de incomensurabilidade quer criticar a objetividade sem sujeito e a


história sem sujeito, mas para firmar-se precisa de parâmetros, ou seja, critérios alheios
ao sujeito. Daí o retorno a uma objetividade e a uma história da ciência desprovida de
sujeito cognoscente.

A crítica contra o falseacionismo está descrita no capítulo XV do livro CM de


Feyerabend. A crítica que agora nos referirmos vai além dos aspectos que abordamos.
Nós iremos referir ao ARGUMENTO DA ILUSÃO EPISTEMOLÓGICA de
Feyerabend contra Popper (falseacionismo).

Se considerarmos a T1 por T2 diremos que a absorção do conteúdo empírico de


T1 por T2 nunca é completa. Haverá uma parte que pertencerá a T1 e T2, mas haverá,
também, uma parte de T1 que SERÁ EXCLUÍDA. Assim:

“D” é o domínio comum de T1 que se adaptou a METODOLOGIA de T2. Portanto,


somente uma parte de T1 interessa a T2. O progresso determinado assim é insuficiente.
Diz Feyerabend que aqueles conteúdos empíricos de T1 que são comuns a T2”... foram
distorcidos de maneira a se acomodarem às novas linhas dominantes. “Essa ilusão é a
responsável por teimosamente persistir a exigência de conteúdo maior.” (CM, 277)

O que desgosta Feyerabend é que, tudo aquilo que não se adapte a


METODOLOGIA CIENTÍFICA DOMINANTE É EXCLUÍDO da participação do
progresso da ciência como anti-científico. No entender de Feyerabend se Popper tivesse
optado pela absorção total e completa de T1 por T2, isso seria uma ilusão ainda pior
que, na PRÁTICA CIENTÍFICA NÃO SE REALIZA. Assim temos:

Isso seria: T2 afirma tudo o que T1 possui, todo o seu conteúdo empírico e mais
um pouco, que T1 não teria afirmado. Sintetiza bem John Watkins em seu artigo “o
enfoque popperiano do conhecimento científico.” (conferir PRC, 31-48)

“Seja T a melhor teoria em seu campo em UM MOMENTO DETERMINADO.


O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
52
Que teria que fazer uma nova teoria T ’ para supor um CLARO AVANÇO (progresso) a
respeito de T? As condições PREVIAS de tal avanço são estas:
1. Que T ’ responda toda a questão empírica a que T pode responder e o faça, pelo
menos, com igual precisão.
2. Que T ’ responda algumas questões empíricas para as que T não tem resposta, ou a
tem em menor precisão.
3. Que T ’ tenha correções observacionalmente discerníveis de algumas das respostas
dadas por T, e não somente nas áreas onde T tem tropeçado com dificuldades empíricas,
senão também nas áreas em que T tem sido, até então, bem corroborada. Em resumo, T
’ DEVERIA IR MAIS ALÉM que T e DEVERIA CORRIGI-LÁ em nível empírico.”
(PRC, 40-1)

Assim uma T2 ou T ’ possui três partes: (a) uma região de conteúdo empírico
que vai além de T1 ou T; (b) uma região de conteúdo empírico que é comum tanto a T2
com a T1; (c) e uma região de conteúdo empírico que é usado para revisar o conteúdo
empírico de T1. Por sua vez T1 ou T possui duas partes; (a) a região de conteúdo
empírico que é comum a T2; (b) e a região de conteúdo empírico que foi REVISADA
por T2.

No entender de Feyerabend essa região de conteúdo empírico revisada por T2 é


excluída por não se adaptar a metodologia de T2, que T2 impõe sobre T1. Ora, mas
como é por que ocorreu essa mudança de orientação metodológica? A metodologia de
T1 que antes era científica, passou a ser anti-científica; e a metodologia de T2 passou a
ser científica.

Para Feyerabend os cientistas forçam uma adaptação de T2 para deixar


estabelecido que houve progresso. mas se também contrastassemos essa região de
conteúdo empírico anti-científico com T2, haveria um progresso muito mais
significativo.

Vejamos o diagrama de J. Watkins:

T'E
α parte de T ' E que vai além de TE

TE γ δ parte comum a T ' E e TE

β parte de T ' E que REVISA TE

parte de TE que é
revisada por T ’E (β)

A ilusão epistemológica reside especificamente, segundo Feyerabend, em que


consideramos como falseacionistas que α nos dá um conteúdo empírico além de TE.
Isso pode ser desmentido se contrastarmos a região γ que foi excluída pela metodologia
de T ’ E com a região α de T ’ E. Certamente, o AVANÇO, o progresso significativo
que estaria em α não seria tão notório.
O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
53
Em conclusão: para Feyerabend toda metodologia científica objetiva diferenciar
a ciência como empreendimento humano de outros empreendimentos como arte,
religião, mito, cabala, etc... Ora, se a metodologia científica falseacionista pudesse
determinar como a ciência progride, de um ponto de vista lógico, a diferença ficaria
evidente. A demarcação teria seu caráter de necessidade justificado.O fato de que o
falseacionista encontre na ciência um empreendimento que objetiva resolver problemas
cruciais para a sobrevivência humana é que deveria distinguir a ciência de outras
pseudo ciências como a astrologia, e de outras atividades “inferiores” como a arte,
religião, etc...

4) Crítica de Feyerabend a T. S. Kuhn

Feyerabend não acredita que Kuhn tenha se diferenciado de Popper quanto a


seguir uma metodologia e de impô-la sobre a comunidade científica. “Todas as vezes
que leio Kuhn, perturba-me a seguinte pergunta: estamos aqui diante de
PRESCRIÇÕES METODOLÓGICAS que dizem respeito ao cientista como há de
proceder; ou diante de uma DESCRIÇÃO, isenta de qualquer elemento avaliativo das
atividades geralmente rotuladas de “científicas”? (CDC, 245)

Supondo que Kuhn queria DESCREVER o processo de avanço da ciência, isto


é, que Kuhn tenha se dedicado a descrição de acontecimentos históricos e instituições
influentes. Isto foi principalmente realizado pelo esboço de sua idéia de ciência normal.
Feyerabend entra aqui com sua crítica. Segundo Feyerabend, não há diferença entre um
cientista que faz ciência normal e um componente do crime organizado. O papel do
cientista individual pode ser projetado identicamente sobre o papel executado pelo
arrombador de cofres individual. O arrombador de cofres, tal qual como o cientista
normal, se detém em conhecer somente o cofre que está querendo abrir. Ele conhece
todas as particularidades DESTE cofre. Assim é o cientista normal que só conhece um
tipo de teoria nessa época (um paradigma) e julga por meio deste todas as demais
teorias. O arrombador de cofres sabe quais instrumentos e ferramentas que deverá usar
para abrir o cofre. O cientista normal sabe que os instrumentos científicos que servem
para testar teorias; se caso o arrombador de cofres não concretizar sua tarefa, a culpa
recairá sobre ele. É o arrombador de cofres que não terá competência de exercer sua
profissão. Por outro lado, se o cientista normal não consegue responder às questões
colocadas (quebra-cabeças) pela natureza, o fracasso é do cientista e não do paradigma
que não sabe respondê-las, nem mesmo dos instrumentos científicos. Diz Feyerabend:
Segundo Kuhn, o malogro da consecução reflete-se, por certo, “na competência do
(arrombador de cofres) aos olhos dos colegas de profissão” de modo que “é o indivíduo
(o arrombador de cofres) e não a teoria vigente (do eletromagnetismo, por exemplo) que
está sendo posto à prova”, “só o profissional é censurado, não os seus instrumentos” - e
assim podemos continuar passo a passo, até o derradeiro item da lista de Kuhn.” (CDC,
248)

Onde falhou Kuhn? No entender de Feyerabend Kuhn não discutiu a


FINALIDADE DA CIÊNCIA. Todo arrombador de cofres tem uma finalidade: ganhar
dinheiro. Qual é a finalidade do cientista em fazer ciência?

Supondo que para Kuhn a finalidade da ciência seja a mudança de paradigma -


O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
54
GESTALT, portanto. Como ocorre essa Gestalt? Pela aceitação do princípio de
proliferação em que é introduzido e expresso alternativas a teoria dominante, o que seria
uma METODOLOGIA RACIONAL que é imposta sobre a ciência e os cientistas, OU a
mudança de Gestalt ocorre quando os cientistas estão estafados, entediados e frustrados
com o paradigma dominante ( do período de ciência normal ) que não responde aos seus
anseios? Kuhn não se pronuncia quanto a estas questões.

Por outro lado, Feyerabend enumera três problemas metodológicos em Kuhn:

(1) Em Kuhn com a mudança de gestalt - que caracteriza o período de


Revolução Científica - dificilmente poderia seguir-se algo de MELHOR. Não há
garantia de que algo de MELHOR poderia seguir-se após a GESTALT porque os
paradigmas são incomensuráveis. O que significa “seguir-se algo de MELHOR?
Entendido no contexto, Feyerabend quer dizer que da mudança de Gestalt dificilmente
decorreria um PROGRESSO, uma evolução da ciência. Mesmo que supuséssemos tal
avanço não poderíamos constatá-lo porque os paradigmas envolvidos no momento de
Gestalt são incomensuráveis, isto é, não podem ser medidos.

(2) Em segundo lugar, Kuhn não responde a questão: como procedem os


cientistas? Em vez disso se preocupa em responder o como (ele) deseja que o cientista
devesse proceder. Ora, para Kuhn um cientista abandona o ataque a um paradigma por
não possuir argumentos contra ele. Segundo Feyerabend, não é por falta de argumentos
que o cientista abandona o paradigma. Para Feyerabend, outros aspectos, como por
exemplo, a frustração ou até mesmo a morte dos representantes de um paradigma,
seriam maneiras de justificar o abandono dos cientistas de um determinado paradigma.
E isso, segundo Feyerabend, está mais de acordo com a prática científica.

O que fica claro é que, Kuhn não explica o que ocorre e como procedem os
cientistas na troca de um período de ciência normal para um período de Revoluções
Científicas. “Que é o que acontece no fim de um período normal?” (CDC, 254) e, ainda
mais importante: “Se a ciência normal é de FACTO tão monolítica quanto o quer Kuhn,
DE ONDE VÊM AS TEORIAS CONCORRENTES?” (CDC, 255) Da mudança do
estilo argumentativo do cientista? Se é assim, para Feyerabend isso é um amor
exagerado pela METODOLOGIA. Kuhn “Disse, portanto, que os cientistas criam
revoluções de acordo com o nosso modelozinho metodológico e NÃO seguindo
inexoravelmente um paradigma e abandonando-o de repente quando os problemas se
agigantam.” (CDC, 256)

(3) O terceiro problema metodológico de Kuhn, que atesta que Kuhn estava mais
interessado em fornecer uma metodologia à ciência do que libertá-la dessas
metodologias, é que a ciência normal de Kuhn não é um FATO HISTÓRICO. A razão
dessa tese é que, como o próprio Kuhn afirmou, anomalias ocorrem em qualquer
momento da história de um paradigma e, até mesmo em períodos de ciência normal.
Sendo assim, as anomalias já em período de ciência normal dão início ao surgimento de
teorias alternativas ao paradigma dominante. Isso mostra-nos que a ciência normal não
existe. Vivemos em um grande oceano de anomalias.
Em síntese, diríamos que os argumentos de Feyerabend contra Kuhn são os
seguintes: (a) falta da precisão em definir a finalidade da ciência; (b) o abandono do
paradigma dominante pelo cientista é algo LÓGICO ou não-lógico? (c) É difícil
precisar se ALGO DE MELHOR se seguirá de uma mudança de paradigma - Gestalt;
O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
55
(d) A ciência normal não existe na história da ciência.

Conclusão: Se ainda não ficou claro, a noção de progresso na ciência para


Feyerabend está expressa no seu dito Tudo vale. Como deveremos compreender esse
dito? É sobre dois princípios: o de proliferação de teorias, que significa que “não há
necessidade de suprimir nem o mais estranho produto do cérebro humano” (CDC, 260).
Portanto, se tratam de teorias alternativas que são verdadeiras anomalias ao paradigma
dominante pelas suas estranhas e bizarras predições e explicações. O segundo princípio:
tenacidade, que significa o cientista seguir as suas inclinações e desenvolvê-las. No
entanto, surge a pergunta: aceitar essa noção de progresso, fundamentada em princípios,
não é aceitar ou submeter-se a uma regra? Não é aceitar uma metodologia? Todo
anarquismo é, de certa forma, auto-refutador porque a regra é Tudo vale, e devemos
jogar com ela e a partir dela.
O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend
56
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