Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
3922
Heritage Assets: desafios para a sua
mensuração*
Abstract
This study aims to identify what are the main challenges
facing the accounting in the measurement process of these assets
* Recebido em: 15/03/2016. according to the theme of heritage assets (HA) researchers inter-
Aprovado em: 04/02/2017.
1
Mestre em Ciências Contábeis pela Universidade nationally. Therefore, we discuss issues related to the Theory of
do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS e Douto- Measurement and HA, presenting conceptual and financial as-
randa em Ciências Contábeis pela Universidade de pects related to this issue. Under the methodological perspective,
Brasília – UnB (Programa Multi-Institucional e In-
it is theoretical and exploratory research, qualitative, descriptive
ter-Regional de Pós-Graduação em Ciências Con-
tábeis da UnB/UFPB/UFRN). and bibliographic, supported by leading international authors. The
2
Mestre em Controladoria e Contabilidade pela Uni- main result of this study was the presence of the various methods
versidade de São Paulo (USP) e Doutorando em and models available for the measurement of HA with their limita-
Ciências Contábeis pela Universidade de Brasília –
UnB (Programa Multi-Institucional e Inter-Regional tions. It is known that these methods and models receive criticism,
de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da UnB/ mainly because of not being able to capture the specific attributes
UFPB/UFRN). of this type of asset. Thus, it is observed that the accountancy has a
3
Doutor em Controladoria e Contabilidade pela Uni-
versidade de São Paulo (USP) e Pós-Doutor pela Uni-
long way to go in the search for appropriate criteria to capture not
versity of Otago. only the financial attributes, but also social and cultural, environ-
4
Doutor em Ciências Políticas pelo Universidad Com- mental, hereditary and educational of heritage assets.
plutense de Madrid, Espanha (2001) e Pós-Doutor
Keywords: Heritage assets. accounting measurement. public as-
em Administração pela Faculdade de Economia, Ad-
ministração e Contabilidade da Universidade de São sets.
Paulo (USP).
Charline Barbosa Pires, Daniel Cerqueira Ribeiro, Jorge Katsumi Niyama, José Matias-Pereira
para esses ativos e a escolha de bases inadequadas pode 2.1 Teoria da Mensuração
prejudicar a qualidade da informação apresentada, que Na medida em que este estudo se propõe a discutir
deixa de ser útil e relevante para seus usuários. os desafios inerentes à mensuração de um grupo especí-
Nesse sentido, Biondi e Lapsley (2014) afirmam fico de ativos, denominado heritage assets, faz-se neces-
que os problemas relacionados ao reconhecimento e sária a abordagem da Teoria da Mensuração com foco na
mensuração dos heritage assets limitam o potencial da sua interação com a Contabilidade.
contabilidade em contribuir com a governança pública Mensuração pode ser entendida como uma lingua-
com base no fornecimento de informações para a toma- gem especial que representa um fenômeno do mundo real
da de decisão e responsabilização dos gestores de orga- por meio de números e relações entre números que são pre-
nizações com HA significativos. Para os autores, o ato de determinados dentro de um sistema numérico (IJIRI, 1967
mensurar esses ativos pode aparentar transparência, mas, apud REPORT OF THE COMMITTEE ON FOUNDA-
se as mensurações são subjetivas, as informações podem TIONS OF ACCOUNTING MEASUREMENT, 1971). No
aumentar a incerteza e dificultar a compreensão da situa- processo de mensuração, são atribuídos números a objetos
ção financeira da entidade. ou eventos de acordo com regras previamente estabelecidas
Nesse contexto, com o intuito de contribuir com a (STEVENS, 1964 apud REPORT OF THE COMMITTEE
temática, tem-se a seguinte questão de pesquisa: quais são ON FOUNDATIONS OF ACCOUNTING MEASURE-
64 os principais desafios enfrentados pela Contabilidade no MENT, 1971) e, em função disso, é possível representar as
Heritage Assets: desafios para a sua mensuração
propriedades de sistemas materiais que não são números Mautz (1981) foi um dos primeiros pesquisadores
(CAMPBELL, 1938 apud GODFREY et al., 2006). a contribuir com as discussões sobre heritage assets (EL-
Kerlinger (1986 apud VEHMANEN, 2013) escla- LWOOD; GREENWOOD, 2014). Inicialmente, o autor
rece que não se mensuram objetos, mas sim as suas pro- propôs a classificação desses bens como passivos, na me-
priedades, ou seja, o foco da mensuração são os atributos dida em que consumiam fluxos de caixa ao invés de gerá-
e características de determinados objetos. -los. Posteriormente, em função das críticas recebidas, o
No contexto contábil, a mensuração pode ser en- autor apresentou a definição de “facilidades”, ou facilities,
tendida como a atribuição de números aos fenômenos que podem ser entendidas como os bens necessários para
passados, presentes e futuros de uma entidade com base que as entidades sem finalidade lucrativa possam exercer
na observação e de acordo com determinadas regras (RE- suas atividades e que são adquiridos para facilitar a trans-
PORT OF THE COMMITTEE ON FOUNDATIONS OF ferência de recursos para membros externos a elas. Nesse
ACCOUNTING MEASUREMENT, 1971). A sua princi- sentido, não existe um passivo, mas tem-se um compro-
pal finalidade é a geração de informações quantitativas metimento da entidade em continuar aceitando a saída
(IJIRI, 1975 apud RELVAS, 2008). de fluxos de caixa (MAUTZ, 1988).
Dessa forma, para os usuários dos dados contá- Em contraponto ao conceito de facilities proposto
beis, a mensuração contábil é, apenas, um meio para um por Mautz (1988), Pallot (1990, p. 85) sugere o emprego
fim, que é a geração de informações úteis. Isso significa do termo ativos comunitários (community assets) com o
que os usuários estão interessados apenas nas medidas objetivo de “chamar a atenção para o aspecto social/de
que são úteis no seu processo de decisão (IJIRI; JAEDIC- propriedade dos ativos e diferenciar os direitos de pro-
KE, 1966). Nesse sentido, cabe destacar que, uma vez que priedade comunitários dos direitos das unidades gover-
a mensuração pressupõe algo a ser medido, a menos que namentais ou das entidades individuais”. A autora defen-
se saiba o que esse algo é, nenhuma mensuração pode ter de que tais bens sejam apresentados de forma segregada
significado (CAWS, 1959, apud LARSON, 1969). dos demais ativos operacionais da entidade e explica que
Assim, antes que as bases de mensuração sejam de- esses elementos apresentam as seguintes características:
finidas, faz-se necessário definir os atributos dos objetos (a) os ativos são mantidos sem o objetivo de geração de
a serem mensurados, bem como as características qualita- fluxos de caixas positivos, pois seus objetivos são sociais
tivas pretendidas da informação. Por essa razão, para que e não comerciais; (b) estão disponíveis para toda a comu-
seja possível o entendimento das dificuldades e desafios nidade; e (c) em função da inexistência de um mercado
envolvidos na sua mensuração, discutem-se as caracterís- para esse tipo de bem ou devido à necessidade de preser-
ticas dos heritage assets, pois, nas palavras de Landriani e vação dos interesses sociais, os ativos comunitários não
tribuem com uma pequena parte do valor necessário para heritage asset pode ser conceituado como “um ativo tan-
manutenção dessas facilities; (c) devido aos seus atribu- gível com qualidades históricas, artísticas, científicas, tec-
tos especiais, são mantidas em boas condições perpetua- nológicas, geofísicas e ambientais que são mantidos prin-
mente para que as gerações presentes e futuras possam cipalmente pela sua contribuição com o conhecimento e
usufruir delas; (d) não estão disponíveis para a venda; (e) a cultura”. O ASB requer, dessa forma, que um ativo que
os benefícios fluem para os seus usuários (público) e não se encaixa na categoria de heritage asset não tenha, ape-
para a entidade gestora; e (f) o público é encorajado a ser nas, um valor artístico ou cultural, mas, também, que seja
usuário por meio de materiais promocionais e do acesso usado em benefício do crescimento cultural dos interes-
livre ou de entradas a valores baixos. sados (LANDRIANI; POZZOLI, 2014).
Barton (2004), também, apresenta o conceito de Segundo o item 15 do Statement of Federal Fi-
public heritage assets (PHA) e explica que tais elementos nancial Accounting Standards 29: Heritage Assets and
são únicos e, por essa razão, o governo dispensa a eles um Stewardship Land emitido pelo Federal Accounting Stan-
tratamento especial, garantindo o acesso indiscrimina- dards Advisory Board (FASAB), HA podem ser definidos
do do público, seja a partir da cobrança de determinada como “propriedades, plantas e equipamentos (PP&E) que
quantia ou gratuitamente. Via de regra, não são as taxas são únicos por uma ou mais das seguintes razões: signi-
cobradas da população que financiam a existência desses ficância histórica ou natural; importância cultural, edu-
bens, pois, na medida em que são mantidos com propósi- cacional, ou artística (ou seja, estética); ou características
tos sociais e não para a geração de receita, o governo opta arquitetônicas significativas”. O SFFAS 29 explica que os
por financiá-los, principalmente, a partir da cobrança de heritage assets podem ser colecionáveis, que são aqueles
tributos. mantidos para exibição (coleções de museus, coleções
As condições que diferenciam os public heritage de arte e acervos de biblioteca) e não colecionáveis, tais
assets dos bens privados estão relacionadas ao fato de como parques, memoriais, monumentos e construções.
que possuem consumo não rival e não excludente. Não Já no âmbito das normas internacionais, a defi-
rival porque, ainda que pessoas visitem os museus, gale- nição de heritage assets está prevista no IPSAS 17- Pro-
rias de arte etc., o volume de serviços disponíveis para os perty, Plant and Equipment emitido pelo International
outros usuários potenciais não sofre alternações. Não ex- Public Sector Accounting Standard (IPSAS). O IPSAS
cludentes, pois todos os cidadãos possuem direitos iguais 17 define, em seu item 9, que alguns ativos são classifica-
de acesso aos benefícios gerados por um bem e nenhum dos como heritage assets em função da sua significância
cidadão tem a capacidade de impedir o acesso de outro, cultural, ambiental e histórica. Tais ativos possuem as se-
uma vez que não tem o direito de propriedade sobre o guintes características: (a) o seu valor em termos cultu-
Universitas Gestão e TI, Brasília, v. 7, n. 1-2, p. 63-73, jan./dez. 2017
lacionados aos HA, realiza-se, a seguir, uma revisão das devem ser reconhecidos no resultado do período em que
normas que abordam o tratamento contábil desses ele- ocorreram. Além disso, ativos recebidos em doação, com
mentos, tratando-se, especificamente, das questões que exceção dos de múltiplo-uso, não devem ser reconheci-
envolvem a sua mensuração. dos no custo dos ativos e, finalmente, os HA recebidos
em transferência de outras entidades federais não devem
2.3 Tratamento Contábil dos Heritage Assets afetar o custo líquido das operações ou a posição líquida
Na sequência, apresentam-se as orientações do da entidade.
Accounting Standards Board (ASB), do Federal Accoun- O IPSAS 17, por sua vez, prevê que a entidade
ting Standards Advisory Board (FASAB) e do Internatio- pode, mas não é obrigada, a seguir os critérios de men-
nal Public Sector Accounting Standard (IPSAS) a respeito suração definidos pelo Pronunciamento. De qualquer
da mensuração dos heritage assets. forma, se a entidade optar por reconhecer os seus HA,
A partir do Financial Reporting Standard 30, o deverá realizar a sua mensuração inicial pelo custo e, para
ASB prevê que a entidade deve utilizar os critérios esta- os ativos obtidos em operações que não envolvem trocas,
belecidos na FRS 15, norma contábil que trata dos “Ativos como uma doação, deve-se adotar o fair value na data de
Tangíveis Fixos” e define que, se informações sobre o cus- aquisição. Após o reconhecimento inicial, é possível apli-
to ou valor do heritage asset estiverem disponíveis, deve- car o modelo de custo ou de reavaliação. Nesse último
-se observar o seguinte: (a) apresentar os HA no balanço caso, faz-se necessário que a entidade determine o fair
patrimonial, segregando-os dos demais ativos fixos; (b) value do ativo periodicamente (LANDRIANI; POZZOLI,
identificar, no balanço patrimonial ou em notas explica- 2014).
tivas, as classes de HA que estão sendo evidenciadas ao Ainda no que diz respeito à mensuração dos HA,
custo ou pelo valor de avaliação; (c) mudanças no valor o IPSAS 17 reconhece, em seu item 10, que alguns HA
avaliado devem ser reconhecidos na demonstração de ga- podem ter potencial de serviço, ou seja, outra finalidade
nhos e perdes, com exceção das perdas por impairment. que não seu valor de herança (ex.: uma construção histó-
O FRS 30 emitido pelo ASB define que, quando rica sendo utilizada como acomodação). Nesses casos, a
os ativos foram registrados ou comprados recentemente, existência de outros potenciais de serviços podem afetar
informações sobre o seu custo ou valor de avaliação esta- a base de mensuração a ser escolhida.
vam disponíveis. Contudo, se não estiverem e não pude- Biondi e Lapsley (2014) afirmam que, ainda que
rem ser obtidas a um custo que não exceda os benefícios em nível internacional o órgão regulador esteja conscien-
gerados pela disponibilização da informação ao usuário, te da necessidade de se desenvolver orientações sobre he-
tais ativos não devem ser reconhecidos no balanço, sendo ritage assets, até esse momento, o IPSASB não fez emen-
Com relação ao Brasil, segundo Martins et al. métodos disponíveis e que a mensuração de heritage as-
(2014), a norma NBC T 16.10 trata da avaliação e mensu- sets é possível. Para esses autores, a representação fiel da
ração de ativos e passivos em entidades do setor público, situação da entidade requer que os heritage assets, como
porém, não são estabelecidos procedimentos contábeis ativos, sejam mensurados e incluídos nas demonstrações
para o reconhecimento e mensuração dos heritage assets, contábeis.
especificamente. Segundo Ellwood e Greenwood (2014), definir o
Hooper, Kearins e Green (2005) explicam que a valor financeiro de um heritage asset às vezes pode ser fá-
variedade de opiniões sobre se os heritage assets podem cil (especialistas em feiras de antiguidades podem forne-
ou não ser contabilizados, se devem ser contabilizados e cer o valor imediatamente), em outras ocasiões pode ser
como devem ser contabilizados, faz com que muitos paí- difícil (Coluna de Nelson localizada na Trafalgar Square)
ses, ainda, não tenham adotado padrões que requerem a e, em certos casos, pode ser impossível (Rosetta Stone).
sua contabilização. Porém, não há, na literatura consulta- Carnegie e Wolnizer (1995) defendem que cole-
da, menção de que este é o caso brasileiro. ções de itens culturais, hereditários e científicos não po-
dem ser mensuradas em termos financeiros. Na opinião
3 Metodologia dos autores, esses elementos sequer satisfazem os crité-
rios para serem reconhecidos como ativos. Ao citarem
Para classificação da pesquisa, segue-se a estrutu- Adam (1937), afirmam que concordam com o seu ponto
ra posposta por Matias-Pereira (2012). Sendo assim, tra- de vista de que os esforços de se representar as coleções
ta-se de uma pesquisa teórico-exploratória e qualitativa em termos financeiros para que possam ser contabiliza-
quanto à forma de abordagem do problema. Do ponto das são vulgares e não passam de uma ficção contábil.
de vista dos seus objetivos, o estudo pode ser classificado Para Glazer e Jaenicke (1991), as diversas formas
como descritivo e, com relação aos procedimentos téc- com que os itens de uma coleção são adquiridos e a difi-
nicos empregados, pode ser definido como bibliográfico. culdade de se estimar o seu fair value tornam necessário
Para consecução do objetivo estabelecido, fo- o reconhecimento, e a mensuração de um conjunto de
ram realizadas pesquisas em publicações internacionais atributos com graus de confiança que variam, o que pode
recentes e clássicas com a finalidade de se identificar e prejudicar a qualidade da informação disponibilizada.
descrever o posicionamento dos diversos estudiosos a Dada essa dificuldade, a partir da revisão da lite-
respeito dos desafios enfrentados pela Contabilidade no ratura, é possível identificar que são diversas as opções
processo de reconhecimento dos diferentes atributos dos para mensuração de heritage assets discutidas e criticadas
HA e a sua adequada mensuração. pelos autores.
Universitas Gestão e TI, Brasília, v. 7, n. 1-2, p. 63-73, jan./dez. 2017
comprovem os preços pagos por itens individuais adqui- para a comunidade como um todo e não para os seus
ridos, nenhuma agregação dos preços será significativa mantenedores.
uma vez que os preços de compras são determinados para Para Porter (2004), a falta de um fluxo de caixa e
cada unidade e em períodos diferentes. Além disso, mui- de vendas para o HA elimina o valor recuperável como
tos itens em uma coleção podem ter sido presenteados, um método adequado para sua a mensuração. O autor,
descobertos ou podem ter se desenvolvido. também, critica o uso do valor realizável líquido. Os pro-
Por outro lado, Micallef e Peirson (1997) defen- blemas ligados à adoção desse método estão relacionados
dem que o custo histórico (de aquisição) de diversos com o fato de que, raramente, existem mercados para os
itens classificados como heritage assets pode ser mensu- ativos e é difícil determinar, antecipadamente, os proce-
rado com segurança. Além disso, afirmam que quando dimentos para a venda. Uma alternativa seria a utilização
as informações com base no custo histórico não forem de um ativo similar, porém, como os heritage assets são
relevantes e informações baseadas em custos correntes únicos, raramente, existem ativos que podem ser utiliza-
não estiverem disponíveis, será melhor ter informações dos para fins de comparação.
baseadas no custo histórico do que não tê-las. Os autores, Gibson (1996 apud PORTER, 2004) reconhece
também, observam que, para itens adquiridos recente- que o valor presente líquido é capaz de fornecer a base de
mente, o custo tende a se aproximar do valor corrente. cálculo para o valor ativo, contudo, a subjetividade envol-
Para Porter (2004), a avaliação de heritage assets vida na escolha de uma taxa de desconto, tendo em vista
com base no custo histórico traz duas preocupações a longa vida útil do ativo e a incerteza de se identificar os
principais: (a) pode não existir um custo associado a sua fluxos de caixa futuros, faz com que essa metodologia não
“compra” ou um registro da operação; e (b) consideran- seja apropriada para mensuração de HA.
do-se que a maioria dos HA possui vida útil muito longa O fair value, outra opção mencionada na litera-
ou até mesmo indefinida, os benefícios a serem contabi- tura, também está sujeito a críticas. Para Barton (2004),
lizados não estão refletidos adequadamente no custo do em função da natureza social dos seus benefícios, do fato
ativo. O autor afirma que a falta de um custo identificável de serem bens de consumo não rival e não excludentes
e relevante indica que esse método não é adequado para e das restrições à venda, não existe um mercado ativo e,
a mensuração de HA. portanto, não é possível determinar o fair value para he-
Assim como o custo histórico, o valor em uso, ritage assets. Além disso, segundo o autor, ainda que fosse
também, é uma alternativa proposta para a mensuração possível determinar o preço de mercado para o ativo, tal
dos heritage assets. Carnegie e Wolnizer (1995) explicam valor não seria útil, pois não contemplaria os seus bene-
que o valor em uso é um valor subjetivo, que representa fícios sociais, já que, na medida em que a transação está
troca (valor de mercado) de uma propriedade ou direito cializados para a mensuração de heritage assets. Porém, os
legal é a quantia de dinheiro pela qual ele poderia ser troca- autores chamam atenção para o fato de que nesses casos é
do no mercado. Consequentemente, o valor de mercado é preciso limitar a excessiva discricionariedade de opiniões
objetivo e pode ser verificado por qualquer pessoa interes- pessoais. Em função de preferências pessoais, o avaliador
sada e com conhecimento de mercado. Ainda que o valor pode atribuir valores mais altos a determinado bem.
de troca de um ativo como, por exemplo, de uma coleção, Carnegie e Wolnizer (1995) entendem que avalia-
mensurado pelo seu preço de venda corrente seja útil para ções realizadas por especialistas, tais como curadores de
avaliar a posição financeira de uma entidade que o possui, museus, são impróprias para mensuração do valor dos
os gestores das instituições públicas não estão livres para itens. Primeiramente, porque curadores são empregados
utilizá-lo nas suas operações. Tais coleções são dedicadas de instituição de arte e podem não ter a independência
ao uso público. Consequentemente, até que esse item seja necessária. Além disso, podem examinar os objetos a
declarado como “disponível no mercado”, o valor em troca partir de uma perspectiva artística ou científica própria
de uma coleção não tem qualquer consequência, ou seja, é que não está, necessariamente, alinhada com a realida-
discutível e, para os autores, irrelevante. de. Como solução, Landriani e Pozzoli (2014) sugerem a
A noção de valor de perda, também, é mencio- mensuração a partir da busca de consenso entre diversos
nada na literatura, sendo explicada por Bonbright (1937 especialistas.
apud CARNEGIE; WOLNIZER, 1995, p. 40) da seguinte Finalmente, a adoção de um valor nocional para
forma: “o valor de uma propriedade para seu proprietá- a mensuração de HA é mencionada por Landriani e Po-
rio é idêntico em quantidade com o valor negativo da sua zzoli (2014). Segundo os autores, esse conceito surge da
perda total, direta e indireta, que o proprietário pode es- ideia de que, para os propósitos da administração, “[...] é
perar sofrer se ele for privado de sua propriedade”. referível que o balanço apresente um valor por mais ques-
Conforme Porter (2004), o valor de perda requer tionável que seja do que nenhum valor”. Honestamente,
o uso da menor quantia entre o custo de reposição e o é questionável se eles fornecem alguma informação útil
valor recuperável. Considerando-se que é improvável que (AUSTRALIAN GOVERNMENT, 2008 apud LAN-
o valor do custo de reposição, tomando-se como base o DRIANI; POZZOLI, 2014, p. 2759).
valor presente líquido ou o valor realizável líquido, seja Resumem-se, no Quadro 1, as principais limita-
positivo e que a menor quantia deve ser usada, o valor ções apresentadas pelos autores na literatura consultada.
resultaria em zero. Em função disso, esse método não é
Quadro 1 – Limitações dos Critérios de Avaliação
indicado para uma apropriada mensuração dos HA.
Critério de Mensu-
Entre os métodos de mensuração avaliados por Autores Principais Limitações
Universitas Gestão e TI, Brasília, v. 7, n. 1-2, p. 63-73, jan./dez. 2017
ração
Porter (2004), tem-se, ainda, o custo de viagem, que é um Possibilidade de viés nas
Avaliação Contingente Porter (2004)
substituto da abordagem de mercado baseado no custo respostas.
atual e não no custo hipotético, que é uma proxy para a Dadas as suas características
peculiares, os HA não podem
taxa de entrada (visitantes). Como desvantagem, o autor Custo de Reposição Barton (2004)
ser substituídos sem que
aponta que esse método não mensura os benefícios do percam o valor original.
na geração de informações financeiras é inadequada para BARTON, Allan. The conceptual arguments concerning
gerar informações úteis para satisfazer as necessidades accounting for public heritage assets: a note. Accounting,
informacionais dos stakeholders, sendo necessário que Auditing & Accountability Journal, v. 18, n. 3, p. 434-440,
informações adicionais sejam fornecidas. 2005.
Barker (2006) reflete sobre o fato de que a men-
suração dos heritage assets parece ser um dos casos em BIONDI, Lucia; LAPSLEY, Irvine. Accounting, transpa-
que a Contabilidade precisa reconhecer que algumas coi- rency and governance: the heritage assets problem. Qua-
sas podem ter valores que são melhores representados de litative Research in Accounting & Management, v. 11, n. 2,
forma não-financeira. p. 146-164, 2014.
De qualquer forma, seja visando à geração de
CARNEGIE, Garry D.; WOLNIZER, Peter W. Enabling
informações financeiras ou de informações não finan-
accountability in museums. Accounting, Auditing & Ac-
ceiras, verifica-se que são diversos os desafios a serem
countability Journal, v. 9, n. 5, p. 84-99, 1996.
enfrentados pela Contabilidade na busca pelos critérios
adequados para capturar não apenas os atributos finan- CARNEGIE, Garry D.; WOLNIZER, Peter W. The finan-
ceiros, mas também sociais e de importância cultural, cial value of cultural, heritage and scientific collections:
ambiental, hereditária e educacional dos heritage assets. an accounting fiction. Australian Accounting Review, v. 5,
Esse caminho poderia começar a ser trilhado pelos or- n. 1, 1995.
ganismos contábeis, principalmente pelo IPSASB, órgão
internacional responsável pela emissão das normas con- ELLWOOD, Sheila; GREENWOOD, Margaret. Account-
tábeis que, até o presente momento, não emitiu orienta- ing for heritage assets: does measuring economic value
ções específicas para a contabilização desse tipo de ativo. kill the cat? In: EUROPEAN ACCOUNTING ASSO-
Em âmbito nacional, também se faz necessária a reflexão CIATION, 37., 2014, Estonia. Anais eletrônicos. Estonia:
sobre a necessidade de se estabelecer procedimentos es- European Accounting Association, 2014. Disponível em:
pecíficos para o tratamento contábil desses bens. <http://www.eaa2014.org/userfiles/file/08%20EAA%20
-%20PS.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2014.
Referências
FINANCIAL ACCOUNTING STANDARDS ADVI-
ACCOUNTING STANDARD BOARD. Financial repor-
SORY BOARD. Statement of Federal Financial Accoun-
ting standard 30: heritage assets. London: ASB, 2009. Dis-
ting Standards 29: heritage assets and stewardship land.
ponível em: <http://frc.org.uk/Our-Work/Publications/
Washington: Fasab, 2008. Disponível em: <http://www.
Universitas Gestão e TI, Brasília, v. 7, n. 1-2, p. 63-73, jan./dez. 2017
ASB/FRS-30-Heritage-Assets-(June-2009)-File.pdf>.
fasab.gov/pdffiles/sffas_29.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2014.
Acesso em: 28 jun. 2014.
GLAZER, Alan S.; JAENICKE, Henry R. The conceptual
ADAM, Berit; MUSSARI, Riccardo; JONES, Rowan. The
framework, museum collections, and user-oriented finan-
diversity of accrual policies in local Government finan-
cial statements: Accounting Horizons, 1991.
cial reporting: an examination of infrastructure, art and
heritage assets in Germany, Italy and the UK. Financial GODFREY, Jayne et al. Accounting theory. 6. ed. Sydney:
Accountability & Management, v. 27, n. 2, 2011. John Wiley and Sons Australia, 2006.
BARKER, Patricia. Heritage Assets can accounting do HOOPER, Keith; KEARINS, Kate; GREEN, Ruth. Know-
better? Accountancy Ireland, v. 38, n. 4, 2006. ing The price of everything and the value of nothing: ac-
counting for heritage assets. Accounting, Auditing & Ac-
BARTON, Allan D. A trusteeship theory of accounting
countability Journal, v. 18, n. 3, p. 410-433, 2005.
for natural capital assets. ABACUS, v. 35, n. 2, 1999.
IJIRI, Yuji; JAEDICKE, Robert K. Reliability and objecti-
BARTON, Allan D. Accounting for public heritage facili-
vity of accounting measurements. Accounting Review, v.
ties: assets or liabilities of the government? Accounting, Au-
3, n. 41, p. 474-483, 1966.
diting & Accountability Journal, v. 13, n. 2, p. 219-235, 2000.
72
Heritage Assets: desafios para a sua mensuração
JUNE, Pallot. The nature of public asset: a response to OUDA, Hassan A. G. Towards a practical accounting
Mautz: Accounting Horizons, 1990. approach for heritage assets: an alternative reporting mo-
del for the NPM practices. Journal of Finance and Accou-
LANDRIANI, Loris; POZZOLI, Matteo. Management nting, v. 2, n. 2, p. 19-33, 2014.
and valuation of heritage asset: a comparative analysis be-
tween Italy and USA. London: Springer, 2014. PORTER, Stacey. An examination of measurement methods
for valuing heritage assets using a tourism perspective. Quali-
LARSON, Kermit D. Implications of measurement the- tative Research in Accounting & Management, v. 1, n. 2, 2004.
ory on accounting concept formulation. Accounting Re-
view, v. 1, n. 44, p. 38-47, 1969. RELVAS, T. R. S. Relação entre a mensuração contábil e
a mensuração científica. In: CONGRESSO BRASILEIRO
MARTINS, Orleans S.; ARAÚJO, Antônio M.; NIYAMA, DE CONTABILIDADE, 18., 2008, Gramado/RS. Anais...
Jorge K. Uma discussão conceitual e contemporânea so- Gramado, 2008.
bre a teoria da mensuração e sua relação com a contabili-
dade. Administração: Ensino e Pesquisa, Rio de Janeiro, v. REPORT of the Committee on Foundations of Accoun-
12, n. 3, p. 501-528, 2011. ting Measurement. Accounting Review, v. 46, n. 4, p. 1-48,
1971.
MARTINS, Orleans Silva et al. Uma discussão conceitual
sobre o tratamento contábil dos heritage assets. ConTexto, VEHMANEN P. Measurement of assets and the classical
v. 14, n. 26, p. 66-75, 2014. measurement theory. Liiketaloudellinen Aikakauskirja, v.
2, p. 130-161, 2013.
MATIAS-PEREIRA, José. Manual de metodologia de pes-
quisa científica. São Paulo: Atlas, 2012. WILD, Susan. Accounting for heritage, cultural and com-
munity assets – alternative metrics from a New Zealand
73