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Ícone v. 15 n.

1 – agosto de 2013
Especial THEORIA/ ÍCONE: Futuro do passado: representação, memória e identidades na
fotografia.

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Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Universidade Federal de Pernambuco v. 15 n.1
ISSN 1516-6082 ago - 2013

Molduras da Caboquice: Sentidos Identitários nas Fotografias de Luiz


Braga

Alex Damasceno1

Julieth Paula2

Resumo
O artigo investiga os processos de significação da “caboquice” nas fotografias de
Luiz Braga. Por uma via antropológica, o sujeito caboclo é compreendido como uma
complexa designação da cultura amazônica, que supera uma categoria
preconceituosa de representação. Analisamos um conjunto de sete imagens, por
meio de uma abordagem desconstrutivista baseada nos movimentos metodológicos
propostos por Flusser e Kilpp. Ao desmontarmos as molduras (os territórios de
significação), concluímos que a identidade do caboclo é construída nas fotografias
na relação entre os corpos, os cenários, os instantes e as cores captadas pelo
fotógrafo. Todos esses elementos agenciam sentidos identitários e propõem novos
emolduramentos da caboquice no imaginário amazônico.

Palavras-chave: Luiz Braga; fotografia; moldura; caboclo; identidade.

Resumen
El artículo investiga los procesos del significado de "caboquice" en las fotografías de
Luiz Braga. Por la ruta antropológica, el sujeto “caboclo” se entiende como una
compleja designación de la cultura amazónica, que supera la categoría prejuiciosa
de representación. Se analizó un conjunto de siete imágenes, a través de un
enfoque desconstructivista basado en los movimientos metodológicos propuestos
por Flusser y Kilpp. Al desmontar las molduras (territorios de significado),
concluimos que la identidad “cabocla” está construida en las fotografías en la
relación entre los cuerpos, escenarios, momentos y colores captados por el
fotógrafo. Todos estos elementos proporcionan sentidos de identidad y proponen
nuevos marcos de “caboquice” en lo imaginario amazónico.

Palabras claves: Luiz Braga; fotografía; marco; caboclo; identidad.

Abstract
The article investigates the processes of signification of the "caboquice" in Luiz
Braga’s photographs. By a anthropological route, the “caboclo” subject is

1 Doutorando em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul


(UFRGS). Bolsista Capes. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (Unisinos). Membro dos Grupos de Pesquisa Gpesc. E-mail: damasceno-
alex@ig.com.br.
2 Graduanda em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo na Universidade Federal do
Pará (UFPA). E-mail: juhcorreajor@gmail.com.
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understood as a complex designation of amazonian culture, that overcomes a


prejudiced category of representation. We analyze a set of seven images, through
an desconstructivist approach based in the methodological movements proposed by
Flusser and Kilpp. After disassemble the frames (the territories of signification), we
conclude that the “caboclo” identity is built in the photographs in the relation
between bodies, scenarios, instants and colors captured by the photographer. All
these elements produces senses of identity and propose new frameworks of
caboquice in the amazonian imaginary
.
Key words: Luiz Braga; fotograph; frame; caboclo; identity.

1. Introdução

Neste artigo, analisamos parte da obra de Luiz Braga, renomado fotógrafo


paraense. Suas fotografias revelam um estilo heterogêneo, desde uma recorrente
opção pelo preto e branco até o uso expressivo das cores, além de uma série de
experimentações técnicas. Em relação à temática, focamos nas imagens que
traduzem a visualidade da Amazônia. Observamos os sujeitos fotografados em
diversos cenários (a periferia, a natureza, a casa). Nosso objetivo é compreender
como o trabalho de Braga produz os sentidos que autenticam uma categoria de
representação típica da cultura amazônica: o caboclo.
É o próprio Braga que articula este tema a sua obra. Em uma entrevista
3
concedida à revista Bravo , ele revela o seu interesse pelo que denomina de
“caboquice”:

Eu tinha 23 anos. Lembro que fiquei deprimido. Daí veio a grande


revelação ao descobrir uma cidade diferente no caminho para a
faculdade, que é numa região ribeirinha, à direita do Rio Guamá,
onde há muita caboquice. E, quando percebi, eu já estava
fotografando essa periferia e seus recortes de cores. Foi o início do
meu amadurecimento. [...] depois de muito tempo refletindo, eu
descobri que a caboquice que muita gente via como pejorativo é de
fato a personalidade (BRAGA, 2011, n.p.).

Seguindo por um viés antropológico, entendemos que a noção de “caboquice”,


referida por Braga, como um território marcado por tensos e complexos processos
de construção da identidade amazônica, no qual se constitui o sujeito caboclo.
Segundo Carmem Rodrigues (2006), o caboclo, pensado como sujeito, é uma forma
de representação ambivalente. De um lado, há uma categorização preconceituosa
que resulta no estigma de um individuo inferior; do outro lado, há uma valorização
do modo de vida da cultura da Amazônia. A partir dessa dualidade, podemos notar

3 Publicada na edição 172 da revista, em dezembro de 2011. Disponível em:


http://bravonline.abril.com.br/materia/o-pintor-preguicoso#image=especial-para-foto-2
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que “a identidade cabocla é sempre uma fronteira em movimento” (RODRIGUES,


2006. p.10). O importante é entender que, como coloca a autora, o caboclo não
deve ser pensando como uma autodesignação, e sim como uma atribuição que é
resultante da alteridade: “uma categoria que sempre fala de um outro”
(RODRIGUES, 2006, p. 122).
Nessa perspectiva, entendemos que as fotografias de Braga que exploram a
temática da caboquice traduzem um pensamento conceitual antropológico que
ultrapassa a caracterização histórica do sujeito, que configura um estereotipo social
negativo em oposição à representação da elite social. Diante dos aspectos que
envolvem a identidade, pensamos então que a caboquice é o conjunto de
qualidades do sujeito inserido na identidade amazônica, que constituem a cultura e
as formas de relação com o outro.
Com isso, a reflexão que propomos gira em torno da presença do sujeito
caboclo como personagem central das fotografias: a investigação busca o
entendimento do processo de agenciamento dos sentidos relacionados à caboquice.
Para isso, analisamos um corpus de sete fotografias, composto em função da
heterogeneidade estilística do fotógrafo: quatro pertencem ao ensaio “Narcisos
distraídos”, em preto e branco; as outras três são em cores e captam o cotidiano da
periferia da cidade de Belém.
Para analisar as imagens, operamos por um viés desconstrutivista, numa
articulação entre Villém Flusser (1985) e Suzana Kilpp (2003). Os aportes
metodológicos desses autores permitem desmontar as molduras (os territórios de
significação) e, assim, autenticar a oferta dos sentidos identitários da caboquice. No
tópico seguinte, aprofundamos essa discussão sobre o método. Os outros dois
tópicos são dedicados às análises. Ao final do artigo, apresentamos o panorama das
molduras e, enfim, tecemos considerações sobre como Braga constrói o sujeito
caboclo em suas fotografias.

2. Imagem técnica e sentidos identitários

Vilém Flusser (1985), ao longo de sua obra, demonstrou uma preocupação


em relação à decifração das imagens técnicas, resultantes de aparelhos, como
podemos notar no seu pensamento filosófico que parte da discussão da fotografia.
Segundo o autor, ainda lemos as imagens como janelas, e não propriamente como
imagens. Devido o seu poder de analogia com o mundo, as imagens técnicas não
se apresentam como algo composto por códigos, e nós não tomamos a atitude
necessária para decifrá-las: apenas apreendemos os seus conteúdos. Para Flusser,
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isso ocorre principalmente pelo fato de não conhecermos a caixa preta dos
aparelhos, os textos científicos que resultam em superfícies: “Toda crítica da
imagem técnica deve visar o branqueamento dessa caixa. Dada a dificuldade de tal
tarefa, somos por enquanto analfabetos em relação às imagens técnicas. Não
sabemos como decifrá-las” (FLUSSER, 1985, p.11).
Dessa maneira, Flusser revela a urgência de uma inversão nos estudos da
fotografia, que ultrapasse a mera discussão dos conteúdos. Esse ato de inversão
nos remete, do mesmo modo, a uma postura desconstrutivista – uma inspiração no
pensamento de Jacques Derrida (1973) –, que não se deixa cegar pela aparência
discreta do texto finalizado, e sim adentra em sua escritura. Nesse sentido, a
leitura não pode se limitar à identificação de códigos que são visíveis nas imagens
fotográficas: também deve desnudar aquilo que elas dissimulam.
Fundados na matriz epistemológica da desconstrução, em prol da decifração
das imagens técnicas, utilizamos o método de investigação proposto por Suzana
Kilpp (2003). A investigação da construção do caboclo nas fotografias de Braga
passa, assim, pelos três eixos conceituais que compõem o pensamento da autora:
ethicidades, molduras e imaginários.
O conceito de ethicidade remete à noção de construção identitária. Kilpp o
formula a partir da noção de ethos, que na antropologia social refere-se a um
conjunto de práticas (costumes e hábitos) que são próprios de uma coletividade,
época ou região. Em seus estudos sobre televisão, por exemplo, a autora pensa em
um ethos inserido no domínio da TV, em que se formam práticas de enunciação
tipicamente televisivas. Pensamos, assim, o caboclo como uma ethicidade
fotográfica. Isso implica em investigar como a fotografia constrói, por meio de seus
processos específicos de significação, os sentidos da caboquice.
Os sentidos de uma ethicidade são agenciados por molduras e moldurações. O
conceito de moldura pode ser definido como territórios de significação presentes em
quadros de experiência. Com isso, Kilpp refere-se tanto às bordas que dão limite a
um quadro (ou resultantes de montagens internas a ele), ou seja, como confins de
uma imagem, mas também como tudo o que as recobre e que participa no
agenciamento dos sentidos. Assim, moldura é basicamente tudo aquilo que
encaminha o olhar. Já as moldurações, como se pode vislumbrar pelo termo, é um
conceito que remete a ação de moldurar: as molduras não surgem do nada, mas
sim são resultados de procedimentos técnicos e estéticos. É a partir das
sobreposições de molduras e suas respectivas moldurações que os sentidos
identitários são ofertados. Porém, é importante frisar que uma moldura não têm
sentido em si. Killp destaca que o processo de agenciamento depende de outra
moldura que não está na imagem: o corpo do espectador. É nessa interação entre
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as molduras da fotografia e o corpo-moldura que o ocorre o processo de


significação. Tal relação Kilpp denomina de emolduramento.
Para avançar na discussão do emolduramento é preciso entrar no eixo do dos
imaginários. Kilpp (2003, p. 49) conceitua imaginário como “o conjunto de marcas
de enunciação das culturas (identidades coletivas)”. Dessa forma, o corpo-moldura
do espectador, ao ser inserido na sociedade e na cultura, “detém um repertório
singular de imagens e molduras” (KILPP, 2003, p. 52). Seguindo esse pensamento,
podemos dizer que existem imaginários fotográficos, formados a partir das práticas
de enunciação típicas do aparelho. É nesse sentido que as fotografias de Braga
formam um objeto capaz de refletir a cultura da Amazônia e a identidade do sujeito
caboclo.
Ao considerar as interações com diversos imaginários, o método de Kilpp não
resulta em identificar sentidos. Desconstruir aqui é, na verdade, tornar autêntica a
oferta de um determinado sentido, que pode ou não ser agenciado, que pode
permanecer dissimulado, dependendo do imaginário do receptor. Tem-se, com isso,
uma ideia geral do processo de significação, que, além da imagem, engloba um
polo receptor (uma diversidade de imaginários) e a circulação social dos sentidos.
Esses três eixos conceituais nos encaminham aos seguintes procedimentos
metodológicos para a decifração das fotografias de Braga: desmontamos as
molduras e moldurações, de modo a revelar suas técnicas e estéticas;
autenticamos os sentidos identitários, para entendermos como os sujeitos são
construídos; produzimos o emolduramento, relacionando os sentidos produzidos
com o imaginário amazônico em torno da categoria da caboquice. Esses
movimentos nos permitem adentrar, assim, nos territórios de significação das
imagens técnicas.

3. Narcisos distraídos

“Narcisos distraídos” é um dos ensaios fotográficos mais representativos da


estética fotográfica de Luiz Braga. A seguir, apresentamos quatro fotografias que
fazem parte do ensaio.
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Figura 1: Fotografia “Bebendo”

Figura 2: Fotografia “Bebendo água”

Figura 3: Fotografia “Descansando sobre sacos”


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Figura 4: Fotografia “Simone e a balança”

Um recurso bastante recorrente na obra de Braga, o preto e branco torna-se


uma importante moldura desse conjunto de fotografias. Em relação à caboquice,
entendemos que essa moldura encaminha a dois territórios de significação
correlatos. Primeiramente, ela é capaz de conferir às imagens um caráter estético:
o caboclo torna-se belo. Essa intenção já estava explicitada no título do ensaio. Em
segundo lugar, acompanhando a reflexão de Flusser (1985. p. 60) que conclui que
“as fotografias em preto e branco são a magia do pensamento teórico, conceitual, e
é precisamente nisto que reside seu fascínio”, o preto e branco é utilizado para
ressaltar a necessidade de problematização acerca desses sujeitos. Desse modo, a
sobreposição desses dois territórios afasta o estereótipo negativo referente ao
caboclo: a moldura do preto e branco, ao produzir uma combinação esteticamente
bela, propõe um novo pensamento sobre a caboquice.
Esse pensamento começa a ser desenvolvido por meio da moldura do corpo.
Nas fotografias “Bebendo” (figura 1) e “Simone e a balança” (figura 4), a luz reflete
diretamente no rosto dos sujeitos, potencializando, assim, seus traços indígenas.
Nesse sentido, a exploração fotográfica do corpo visa agenciar as marcas físicas
distintivas da identidade cabocla. Mas o corpo também moldura uma dimensão
social. A exposição dos homens caboclos, fotografados sem camisa, agencia a ideia
de que são de trabalhadores braçais. Suas vestimentas molduram um modo de vida
simples. A moldura-corpo produz o emolduramento no imaginário amazônico: a
caboquice como uma designação étnica e social.
Segundo Mariano Klautau (2011, n.p), curador do ensaio, o que guiou Braga
nessa produção foi a tentativa de fotografar os sujeitos “em estado contemplativo,
em que o corpo aparece quase relaxado, em momento de ausência que mistura a
distração e conexão com o mundo, com a paisagem, com as coisas ao redor”.
Klautau, desse modo, chama a atenção para o fato de que a moldura-corpo está
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inserida no interior de outra moldura: o espaço. Os enquadramentos revelam o


igarapé, a casa de madeira, o bar e o pequeno comércio, recortes dos espaços que
caracterizam o caboclo como um sujeito que habita o ambiente rural. Da mesma
forma, a composição dos quadros destaca outros elementos que também agem
como molduras: a faca, a bebida, o cigarro, a balança, os sacos. É na sobreposição
da moldura-corpo e da moldura-espaço que os sentidos são produzidos na imagem:
podemos autenticar que Simone, apesar de jovem, trabalha em um comércio
(figura 4); que o sujeito em repouso sobre os sacos é um carregador e está em um
momento de descanso (figura 3); que o homem que bebe água no igarapé é um
sujeito integrado à natureza (figura 2). Os sentidos identitários do caboclo, dessa
forma, são construídos na relação entre corpo e espaço: um sujeito do interior, da
natureza, do meio rural, distante, assim, da realidade urbana.
A relação entre corpo e espaço (sujeito e cenário) participa também do
agenciamento de uma ação. Por isso, essas imagens, ao serem traduzidas para a
linguagem escrita, exigem o uso de verbos: o caboclo bebe, descansa. Mas essa
ação interior ao quadro é agenciada principalmente por uma moldura-tempo, que
encaminha o momento de captura dos instantes. Seguindo o pensamento de
Jacques Aumont (2002, p. 233), podemos pensar a composição da ação nas
fotografias a partir da oposição entre os conceitos de instante qualquer e instante
pregnante. Por um lado, as fotografias de Braga buscam capturar momentos
autênticos de distração dos caboclos, a partir da extração de um instante qualquer
dos seus acontecimentos reais. Não se trata, portanto, de uma fotografia encenada.
Por outro lado, a captura busca o momento mais favorável para significar uma
determinada ação e formar um instante pregnante, que requer do fotógrafo a
habilidade de “enquadrar e disparar com segurança” (AUMONT, 2002, p. 234). Na
fotografia “Bebendo”, por exemplo, o instante capta o momento em que o caboclo
efetua a ação de beber. Essa exatidão de captura do tempo está refletida nos
próprios títulos das fotografias, que não apenas utilizam os verbos referentes às
ações, mas que também os conjugam no gerúndio. Como coloca Aumont (2002, p.
234), essa relação dialética entre esses dois valores estéticos do tempo permite aos
fotógrafos produzir significações ambíguas. Os caboclos são pensados neste ensaio
de Braga justamente na ambiguidade em significar a distração por meio da ação.

4. Recortes em cores da periferia

Para analisar a caboquice como uma ethicidade fotográfica heterogênea,


avancemos a desmontagem das molduras para outro conjunto de imagens. O
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movimento que Braga busca nessas fotografias é produzir recortes em cores da


periferia, como ele mesmo nomeia no trecho supracitado. Os territórios de
significação da caboquice autenticados na análise do ensaio anterior se repetem
aqui e, por isso, podem ser entendidos já como marcas autorais: a forma como
Braga utiliza as molduras do corpo, do tempo e do espaço (por mais que haja a
transferência do campo para a cidade, ao centrar-se na periferia, o autor segue
privilegiando ambientes que não se caracterizam pela urbanidade). Contudo, há
uma substituição do preto e branco pelo uso de cores, o que implica em diferentes
molduras, moldurações e sentidos.

Figura 5: Fotografia “A banhista”

Figura 6: Fotografia “O carregador do ver-o-peso”


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Figura 7: Fotografia “A preferida”

Entendemos que a moldura-cor é resultante da combinação visual da


iluminação e do enquadramento de um espaço feito pelo fotógrafo. Segundo Michel
Langford (1991), essas possíveis combinações de cores organizadas na técnica
fotográfica estimulam diferentes reações psicológicas. Na fotografia “A banhista”
(figura 5), a presença da luz do dia resulta em uma imagem com tons mais claros:
a luz do sol destaca diretamente o sujeito colocado em primeiro plano, produzindo
um contraste entre o azul frio do biquíni e do céu ao fundo e a luz quente do sol,
que sugere uma sensação harmônica entre o calor e a refrescância. Desse modo, a
composição visual das cores expressa também uma dimensão sensorial, nesse caso
referente ao clima tropical da Amazônia.
Já as figuras 6 e 7 foram produzidas durante a noite. Esse caso possibilita
outras moldurações referentes à luz e às cores. Do ponto de vista técnico, é
necessário maior cuidado para obtenção de imagens nítidas. A fotografia “O
carregador do ver-o-peso” (figura 6) apresenta justamente um embaçamento
visual, resultante da redução da velocidade do obturador em um ambiente com
baixa intensidade de luz. Essa molduração é utilizada intencionalmente para
destacar o corpo do caboclo centralizado na imagem, ao invés de integrá-lo ao
ambiente de forma natural. A cor, enquanto moldura dessa fotografia, demarca,
assim, não apenas a combinação visual dos ambientes, mas também o próprio
sujeito fotografado. Com isso, a moldura-cor (e suas respectivas moldurações) se
sobrepõe à moldura-corpo e agencia, inclusive, sentidos identitários, como, por
exemplo, ao destacar a cor parda como traço corporal distintivo do caboclo.
Na fotografia “A preferida” (figura 7), vemos um efeito contrário. Ao invés de
destacar o sujeito, Braga opta por uma saturação. Em primeiro lugar, combina no
enquadramento cores frias (o azul) e quentes (vermelho e amarelo), chamando a
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atenção para o contraste do ambiente. É preciso apontar que o uso das cores
quentes valoriza a visualidade da periferia e afasta o imaginário que a caracteriza
como um espaço marginalizado. Por segundo, vemos que a fotografia não está
centrada na presença de um caboclo individualizado, e sim captura um grupo de
pessoas, sendo que algumas se deslocam e só é possível ver seus rastros. Ao
destacar o ambiente com o contraste de várias cores e ao não individualizar o
caboclo, é autêntico pensar que Braga reflete acerca da caboquice não apenas na
construção de um sujeito, como nos casos que analisamos anteriormente. A
caboquice aqui corresponde a uma forma de sociabilidade, uma ambiência que
coloca os caboclos a se relacionarem uns com os outros. Dessa maneira, é na
sobreposição da moldura-corpo, da moldura-espaço e da moldura-cor que a
caboquice é agenciada como uma cultura da periferia amazônica.

5. Considerações finais: molduras da caboquice

Na desconstrução das imagens técnicas de Braga, percebemos que a


caboquice é uma ethicidade fotográfica agenciada na sobreposição de diversos
territórios de significação, o que supera, assim, a categorização preconceituosa da
linguagem comum. Como conclusão, sistematizamos esse complexo processo de
construção da identidade cabocla em quatro territórios:

1) A moldura-cor: o uso do preto e branco produz um embelezamento das


imagens que propõe um novo pensamento sobre a caboquice. O
contraste entre as cores, por sua vez, expressa uma sensorialidade típica
da região amazônica. Além disso, a cor se sobrepõe ao corpo e ao
espaço, fortalecendo as marcas corporais e a ambiência típica da cultura
local;
2) A moldura-corpo: destaca os traços físicos e sociais próprios da
identidade cabocla, agenciada, portanto, como uma designação étnica e
um modo de vida simples;
3) A moldura-espaço: compõe, através do enquadramento, os cenários
habitados e os seus respectivos objetos. O caboclo é pensado como um
sujeito integrado às práticas dos ambientes rurais (relativas à natureza),
assim como das periferias da cidade.
4) A moldura-tempo: construída na dialética entre instante qualquer e
instante pregnante, ela agencia as ações desempenhadas pelos sujeitos.
Assim, os caboclos são construídos a partir de um fragmento de seus
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acontecimentos reais, mas também pelos momentos mais favoráveis


para significar suas ações típicas.

É importante reiterar que essas molduras não agem separadamente no


agenciamento dos sentidos, e sim se articulam para formar as enunciações
fotográficas presentes no trabalho de Braga. Desse modo, a caboquice (ou o sujeito
caboclo) é emoldurada no imaginário como uma categoria complexa da cultura
amazônica, não estereotipada por uma determina definição pré-existente, mas
construída na relação entre os corpos, os lugares, os objetos, as ações e as cores
captadas pelas lentes do fotógrafo.

Referências bibliográficas

AUMONT, Jacques. “A imagem”. Campinas: Papirus, 2002.

BRAGA, Luiz. “O Pintor Preguiçoso”. Revista Bravo. São Paulo, n. 147, n.p., 2011.

DERRIDA, Jacques. “Gramatologia”. São Paulo: Perspectiva, 1973.

FLUSSER, Vilém. “Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da
fotografia”. São Paulo: Editora Hucitec, 1985.

KILPP, Suzana. “Ethicidades televisivas: sentidos identitários na TV – moldurações


homológicas e tensionamentos”. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003.

KLAUTAU, Mariano. “Narcisos distraídos”. Revista Concinnitas. Rio de Janeiro, vol.


2, n. 19, n.p., 2011.

LANGFORD, Michel. “Guia Prático: Fotografia”. Civilização, Porto. 1993.

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