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ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Ação: Revisional de alimentos proposta pela agravante Ana Flávia Oliveira Soares,
representada por sua genitora Vanilza Aparecida de Oliveira Elebrok, contra o
agravado Wagner Soares da Silva, objetivando a majoração da pensão alimentícia devida
por seu genitor do valor de quarenta e seis por cento e vinte e três avos (46,23%) para
setenta e nove por cento e cinquenta e cinco avos (79,55%) do salário mínimo vigente no
país, considerando que a autora-recorrente desenvolveu uma série de problemas de
saúde - hipotireoidismo, vitiligo, diabetes, cranioestenose, alto grau de hipermetropia,
dificuldade de aprendizado -, necessitando de cuidados especiais, o que demanda muita
atenção de sua genitora, a qual não consegue se inserir no mercado de trabalho,
enquanto o recorrido é sócio da empresa 3P Transportes Ltda-ME, auferindo renda
mensal suficiente para contribuir com um valor maior no sustento da recorrente,
ostentando um ótimo padrão de vida, o que se comprova pelas fotos extraídas das redes
sociais (fls. 26-34).
Agravo de instrumento: interposto por Ana Flávia Oliveira Soares, representada por sua
genitora Vanilza Aparecida de Oliveira Elebrok, sustentando que o Juízo a quo deixou de
considerar as mudanças das necessidades da agravante, sobretudo no tocante ao fato de
ela ter desenvolvido problemas de saúde, sendo que, "havendo alteração no binômio
necessidade/possibilidade, ainda que somente em relação à necessidade de quem
recebe os alimentos, o que não é o caso, a legislação civil já autoriza a revisional de
alimentos, pelo que não se sustenta a decisão proferida pelo juízo a quo". Prequestiona
os dispositivos legais mencionados nas razões recursais.
Contrarrazões: ofertadas pelo recorrido Wagner Soares da Silva, pugnando pelo não
provimento do recurso (fls. 119-126).
VOTO
Alega a recorrente que "o juízo a quo não observou que os alimentos foram fixados em
favor da agravante no ano de 2009, isto é, há 8 (oito) anos" sendo que "depois do referido
acordo, a agravante desenvolveu diversos problemas de saúde, tais como
hipotireoidismo, vitiligo, dificuldades de aprendizado e problemas de visão, os quais foram
minuciosamente apontados na inicial e estão comprovados pelos documentos anexos" (fl.
05), ou seja, "tais enfermidades demandam elevados gastos com exames, consultas,
óculos, alimentação adequada e diversos medicamentos necessários ao tratamento de
saúde" (fl. 06).
Pelos documentos carreados nos autos não é possível afirmar que o requerido
tenha aumentado seu padrão de vida e de que teria condições de pagar um valor
maior do que vem pagando.
"Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado
útil do processo.
Insta salientar que o novel Código de Processo Civil, por cautela, preferiu falar em
"probabilidade" em vez de "plausibilidade" do direito. Acerca do tema, prelecionam Luiz
Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
Por outro lado, por perigo da demora tem-se "a existência de elementos que evidenciam o
perigo que a demora no oferecimento da prestação jurisdicional (periculum in mora)
representa para a efetividade da jurisdição e a eficaz realização do direito" (DIDIER Jr.,
Fredie; OLIVEIRA, Rafale Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Op. cit. p. 597).
Logo, para fins de exoneração, redução ou majoração dos alimentos deve-se estar atento
à proporção das necessidades de quem os recebe e das possibilidades de quem os paga,
binômio este que mantém a proporcionalidade do encargo, afastando a possibilidade de
haver o enriquecimento sem causa ou a penúria de quaisquer das partes.
Ademais, o caso enfocado guarda uma particularidade, qual seja, a menor recorrente,
desde à época da fixação dos alimentos (14.10.09 - fl. 41), teve uma série de problemas
de saúde diagnosticados até então (fls. 42-55 e 57-66), o que certamente reflete num
aumento de suas necessidades a ensejar o pleito de majoração da pensão.
Por sua vez, no tocante às possibilidades do agravante, há nos autos indícios de que ele
melhorou sua situação econômica, já que constituiu sociedade em uma empresa em
29.12.2014, fato por ele mesmo confirmado nas contrarrazões (fls. 119-126).
Observe que, ao contrário do que alega o recorrido nas contrarrazões, não se vislumbra
que ele "ostenta um ótimo padrão de vida" (fl. 121), tanto que a pensão está sendo
majorada apenas de 46,23% para 79,55% do salário mínimo, mas sim que houve uma
melhora na sua condição financeira.
Diante do exposto e com o parecer, conheço o agravo de instrumento interposto por Ana
Flávia Oliveira Soares e dou-lhe provimento para o fim de conceder a tutela antecipada
requerida na exordial, majorando a pensão alimentícia devida pelo recorrido à recorrente
para a quantia de setenta e nove por cento e cinquenta e cinco avos (79,55%) do valor do
salário mínimo vigente.
DECISÃO
Por unanimidade, deram provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, com o
parecer.
Fernanda Tartuce
Doutora e Mestre em Direito Processual pela Universidade de
São Paulo; Professora do Programa de Mestrado e Doutorado da
Faculdade Autônoma de Direito (FADISP); Professora e
Coordenadora em Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu
em Direito Civil e Processual Civil na Escola Paulista de
Direito (EPD); Membro do IBDFAM, do IASP, do IBDP e
do CEAPRO; Advogada; Mediadora; Autora de
publicações jurídicas.
O tema é relevante porque a concessão de medidas liminares não costuma ser fácil em
demandas familiares.
Na prática, contudo, percebe-se haver certa tendência de juízes de família em manter o status
quo até dispor de elementos probatórios adicionais reputados suficientes para promover a
alteração pleiteada. Assim, não costuma ser tão frequente (quanto apreciariam os advogados e
as partes) a concessão de medidas de urgência; alterar o que se reputa equivocadamente
configurado é uma árdua missão 2.
Esse modo de atuar (no sentido de negar a medida de urgência por exigir maior dilação
probatória) foi percebida no caso em exame na apreciação em primeiro grau.
Segundo consta na petição inicial, por necessitar de cuidados especiais, a menor demanda
muita atenção da genitora e esta não consegue se inserir no mercado de trabalho. O pai
demandado, por seu turno, seria sócio de uma empresa de transportes, auferindo "renda
mensal suficiente para contribuir com um valor maior no sustento da recorrente" e "ostentando
um ótimo padrão de vida" (demonstrado a partir de fotos extraídas de redes sociais).
O juiz de primeiro grau, não se convencendo das razões da autora, negou o pedido nos
seguintes termos:
"Verifica-se que não estão caracterizados os requisitos para deferimento da tutela antecipada
pleiteada, sobretudo porque a demora e/ou irreversibilidade do dano milita em favor do
requerido.
Pelos documentos carreados nos autos não é possível afirmar que o requerido tenha
aumentado seu padrão de vida e de que teria condições de pagar um valor maior do que vem
pagando.
Chama a atenção o fato de que, ao invés de tratar da situação concreta da autora - que
apresentou diversos recibos de gastos por conta dos problemas de saúde -, o juiz de grau
preferiu enfocar a situação do réu que ainda nem havia se manifestado, pressupondo que a
majoração da pensão agravaria indevidamente sua situação.
Para piorar, ao afirmar que "pelos documentos carreados nos autos não é possível afirmar que
o requerido tenha aumentado seu padrão de vida e de que teria condições de pagar um valor
maior do que vem pagando", o magistrado acaba exigindo da menor impúbere uma prova
árdua de conseguir: a comprovação documental da evolução de ganhos financeiros do
demandado.
Vale lembrar que, nos termos do CPC/2015, não se considera fundamentada qualquer decisão
judicial que: a) invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; e b) não
enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador (art. 489, § 1º, III e IV).
A decisão de primeiro grau, quando afirma que a concessão de tutela de urgência milita em
desfavor do demandado, configura decisão genérica apta a fundamentar toda e qualquer
decisão sobre um pleito de urgência.
Ao invés de apreciar os elementos que constavam nos autos, o magistrado preferiu cogitar
sobre a dificuldade hipoteticamente experimentada pelo demandado se a decisão concessiva
da liminar fosse eventualmente reputada errônea em um futuro incerto.
A autora, ao interpor o recurso de agravo de instrumento, pleiteou tutela antecipada para ver
deferida imediatamente a majoração da pensão. Reconhecida a admissibilidade do recurso,
assim decidiu o Relator:
"Em uma análise superficial inerente a esta espécie de tutela provisória, verifica-se a
relevância da fundamentação articulada nas razões recursais (fumus boni iuris), pois a
menor recorrente, desde à época da fixação dos alimentos (14.10.09 - fl. 41),
demonstrou uma série de problemas de saúde diagnosticados até então (fls. 42-55 e
57-66), o que certamente reflete num aumento de suas necessidades. Ademais, para
compor o binômio necessidade-possibilidade (art. 1.694 do Código Civil), conclui-se,
mesmo que em um juízo de cognição sumária, que houve uma melhora na situação
econômica do seu genitor, o qual, inclusive, constituiu sociedade em uma empresa em
29.12.2014 (fls. 85-89). Por sua vez, o risco de lesão grave e de difícil reparação
(periculum in mora) é evidente, por se tratar de verba alimentar, agravado pela
circunstância de a recorrente padecer de sérios problemas de saúde, necessitando de
acompanhamento especial inclusive para o processo de aprendizagem (fls. 46/65).
Assim, visando resguardar os interesses da criança, até que sobrevenha decisão
definitiva neste recurso, afigura-se razoável se majorar a pensão alimentícia para
setenta e nove por cento e cinquenta e cinco avos (79,55%) do valor do salário mínimo
vigente."
A decisão merece aplausos logo no início por reconhecer algo que, embora soe obvio, na
prática não costuma ser bem compreendido: em sede de tutela provisória, a cognição
engendrada pelo magistrado é superficial e sumária. Exigir provas cabais é conduta
desajustada em relação ao grau de apreciação inerente a tutelas provisórias.
Ademais, o caso enfocado guarda uma particularidade, qual seja, a menor recorrente, desde à
época da fixação dos alimentos (14.10.09 - fl. 41), teve uma série de problemas de saúde
diagnosticados até então (fls. 42-55 e 57-66), o que certamente reflete num aumento de suas
necessidades a ensejar o pleito de majoração da pensão."
"Por sua vez, no tocante às possibilidades do agravante, há nos autos indícios de que ele
melhorou sua situação econômica, já que constituiu sociedade em uma empresa em
29.12.2014, fato por ele mesmo confirmado nas contrarrazões (fls. 119-126).
Observe que, ao contrário do que alega o recorrido nas contrarrazões, não se vislumbra que
ele ‘ostenta um ótimo padrão de vida’ (fl. 121), tanto que a pensão está sendo majorada
apenas de 46,23% para 79,55% do salário mínimo, mas sim que houve uma melhora na sua
condição financeira.
Como se nota, a decisão de segundo grau contempla uma apreciação mais completa da causa
de pedir ao aduzir especificamente os argumentos deduzidos pela autora na petição inicial e
expor, na motivação, sua pertinência. É esse tipo de conduta decisória que se espera dos
magistrados no sistema atual em que a fundamentação das decisões figura como garantia
constitucional. A relevância da motivação, aliás, tem sido potencializada nos últimos tempos -
notadamente pelo grande valor atribuído aos precedentes judiciais na atual configuração
processual civil.