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Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande1

O povo zande2, estudado por Evans-Pritchard entre 1926 e 1932, possui em seu
sistema social algo muito impressionante, à primeira vista: a noção de bruxaria permeando,
constantemente, os vários campos de sua vida social. Durante a obra, o autor se esforça por
demonstrar que crenças aos nossos olhos completamente absurdas, seja sua cosmologia e os
rituais que promovem, são, dentro da estrutura construída por este povo, não apenas
coerentes, mas organizadoras de todo um conjunto de regras de comportamento, moral e até
mesmo etiqueta, que permite a reprodução da vida zande.
Os bruxos, segundo a concepção zande, são pessoas capazes de interferir na vida
alheia, causando vários tipos de males às pessoas que “embruxam”. Esse poder se deve à
presença, no corpo do bruxo, da “substância-bruxaria”, uma protuberância localizada no
ventre (que pode ser observada após a morte do suposto bruxo, em uma autópsia, de acordo
com eles) e seria transmitida geneticamente, pelo genitor do mesmo sexo. Entretanto, não
são todas as pessoas portadoras da substância-bruxaria que são bruxas: a substância pode
permanecer inativa, e, além disso, a despeito de sua existência física no corpo do bruxo, a
ação da bruxaria é psíquica, não requerendo a presença real do bruxo para se efetuar:
haveria um descolamento de sua alma de seu corpo, e a primeira sairia só, em busca de sua
vítima.
A bruxaria é algo mal-visto entre os Azande: ninguém admite ser bruxo. Na maior
parte das vezes, acredita-se que o bruxo possui a intenção de prejudicar sua vítima, seja por
inveja, por intrigas ou por simples maldade. Isso explica por que os Azande procuram os
bruxos entre os seus inimigos, apresentando o nome de seus desafetos aos oráculos. Não se
consulta os oráculos por qualquer motivo, nem na tentativa de saber se alguém é ou não
bruxo, mas para saber se alguém está ou não lhe fazendo mal naquele momento. Depois
deste procedimento, e contando com o fato de que a ação da bruxaria ocorre aos poucos, é

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Resenha de livro homônimo do antropólogo inglês Edward Evans-Pritchard. Realizada por Gisele Fernanda
Alves Lopes como forma de avaliação para a disciplina “Antropologia Social e Cultural” no primeiro
semestre de 2008.
2
Azande: substantivo. Zande: adjetivo. Tribo da região centro-norte da África, distribuída entre a República
Centro-Africana, a República Democrática do Congo e o Sudão (foi neste último país que Evans-Pritchard
realizou sua pesquisa).

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possível à vítima solicitar ao bruxo – algo que é feito em tom amigável, com regras de
etiquetas definidas para ambas as partes – que interrompa a bruxaria.
Dentro desse jogo de acusações que a bruxaria também engendra, percebe-se,
nitidamente, como as diferenças de gênero e classe se acomodam à doutrina: um homem
pode ser alvo de bruxaria por pessoas de ambos os sexos, mas uma mulher, apenas por
outras mulheres. Isso ocorre porque se pressupõe que as pessoas envolvidas em uma
questão de bruxaria devam ter mantido contato minimamente próximo para se chegar a um
desentendimento. Sendo assim, um homem pode ser embruxado por outros como ele e por
suas esposas; uma mulher, por sua vez, apenas por outras, já que ser embruxada por seu
marido é uma hipótese que não se considera (pressupõe-se que um homem queira bem às
suas esposas), e ser embruxada por qualquer outro homem levantaria dúvidas quanto à
integridade moral da mulher em questão.
Quanto à questão de classe, os membros da classe aristocrática, pessoas poderosas e
influentes jamais são acusadas de bruxaria. Além do distanciamento em relação aos
plebeus, o status social não pode ser manchado pela acusação da prática de algo tão vil,
principalmente se esta acusação partir de um plebeu. Este, por sua vez, se vê
impossibilitado de acusar – ou mesmo suspeitar publicamente – de alguém situado em
posição superior à sua, temendo futuras represálias.
O vocabulário e imaginário popular do povo zande estão completamente permeados
pelas noções de bruxaria. Em diversas situações da vida cotidiana, este é o conceito que
lhes permite atribuir causas para as suas adversidades, até mesmo as mais banais. Vale
notar, entretanto, que apesar do peso das noções de bruxaria na vida dos azande, não há
uma sistematização lógica no que diz respeito ao conhecimento teórico e elaborações
intelectuais acerca do assunto. O que realmente importa, para eles, são os procedimentos a
adotar quando a bruxaria se faz presente: as elaborações teóricas existentes tais como
estavam no momento retratado por Evans-Pritchard na obra (que foi publicada inicialmente
em 1937) pareciam suficientes como justificativas.
É justamente aí, na explicação dos infortúnios, que a bruxaria tem papel
fundamental. Praticamente qualquer evento pode ser atribuído à bruxaria, exceto em
determinadas situações em que há quebras das regras morais e de tabus, ou quando algo se
dá por descuido ou erro humano claro, no caso de pequenos incidentes. O exemplo do

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celeiro, utilizado com ênfase pelo autor, é ilustrativo a este respeito: um celeiro, prestes a
desabar, porque corroído, desaba em cima de pessoas que se abrigavam sob ele; isso ocorre,
de acordo com os azande, pela ação da bruxaria. Eles sabem que o motivo do desabamento
foi o desgaste físico da estrutura do celeiro – mas desabar justamente no momento em que
as pessoas ali se encontravam, isso sim, seria bruxaria.
A meu ver, esta tentativa de mostrar que o povo zande não é assim tão absurdo,
como tenderíamos a pensar em um primeiro momento, é muito bem-sucedida (um exemplo
da incansável tarefa do antropólogo de tentar traduzir o exótico em familiar). Além de
mostrar a coerência interna do sistema de crenças sobre a bruxaria como forma de
manutenção da estrutura social, o próprio autor se coloca “dentro da história” e afirma ter-
se percebido aplicando, automaticamente, os conceitos de bruxaria no seu cotidiano entre
os azande. Tenta convencer – e, de fato, consegue – que o sistema faz sentido entre aquele
povo, e que suas crenças, para nós risíveis, desempenham um significativo papel na sua
vida social.
Sem a oportunidade de verificar isso entre os próprios azande, eu mesma fiquei a
me perguntar se em nossa sociedade, atualmente, não há crenças que guardem similaridades
com essa doutrina da bruxaria. Não pude deixar de me lembrar – sempre tentando escapar
ao risco do anacronismo – de certa igreja pentecostal que atribui, para uma vasta gama de
desventuras de seus fiéis, a presença de um “encosto” em sua vida, providenciado por
algum desafeto seu. Vale ressaltar que a identificação deste ponto em comum não ignora as
diferenças na maneira pela qual a ação da bruxaria e do encosto se operam, seja no que diz
respeito às ações em si, aos rituais que envolvem, à parcela e ao modo que atingem as
pessoas, e vários outros aspectos. O que quis assinalar aqui é a similaridade da utilização
destes conceitos para explicar a ocorrências de infortúnios. E, além das crenças desta
religião em particular, é possível assinalar crenças populares que se assentam em premissas
parecidas: as simpatias para afastar males como “olho gordo” e “mau olhado”. Muitas
pessoas em nossa sociedade mantêm esse tipo de crença, e nem por isso nos parecem
demasiado exóticas.
Vemos, assim, como um conjunto de crenças nitidamente absurdo – para quem olha
de fora, desprovida do “olhar antropológico” – e apoiado em premissas falsas, possui um
significado expressivo dentro da estrutura social, pois busca promover a sua coesão. Além

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disso, para cada indivíduo em particular, funcionaria como uma tentativa de dar uma
explicação que soe mais reconfortante e conclusiva do que a simples alusão ao “acaso”, que
nem sempre se mostra uma resposta satisfatória.

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