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Resumo
Tratamos neste artigo de questões políticas de língua implantadas pelo Estado em
países de língua oficial portuguesa (separadamente e pelos estados em conjunto) e
que constituem objetos de investigação no Núcleo de Estudos Lusófonos da Univer-
sidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil. Língua, Interação, Cultura e Dis-
curso, Cultura e Ideologia são partes indissociáveis do pilar teórico que nos
conduzem a um entendimento mais amplo da questão cultural lusófona na contem-
poraneidade que envolve os espaços de oficialidade lusófona (compreendidos pela
CPLP — Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa: Angola, Brasil, Cabo
Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste).
Palavras-chave: políticas de língua; Cultura e Discurso, Cultura e Ideologia; CPLP.
Abstract
The aim of this article is to present major issues related to language policies estab-
lished by the Government in countries where Portuguese is the official language (inde-
pendently and communally). Object of investigation of Núcleo de Estudos Lusófonos,
da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil, Language, Interaction,
Culture and Discourse, and Culture and Ideology are essential theoretical elements
which lead our research to an extensive understanding concerning the Lusophone
Portuguese language and culture at the present time. It is included in the investiga-
tion the Community of Portuguese Speaking Countries (CPLP - Angola, Brasil, Cabo
Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste).
Keywords: language policies; Culture and Discourse; Culture and Ideology; CPLP.
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Núcleo de Estudos Lusófonos da Universidade Presbiteriana Mackenzie (NEL-UPM) e Instituto de Pesquisas Lin-
guísticas “Sedes Sapientiae” da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (IP-PUC/SP), Brasill - vera-
hanna@mackenzie.br; verahanna@uol.com.br
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Núcleo de Estudos Lusófonos da Universidade Presbiteriana Mackenzie (NEL-UPM) e Instituto de Pesquisas Lin-
guísticas “Sedes Sapientiae” da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (IP-PUC/SP), Brasil -
rhbrito@mackenzie.br
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Núcleo de Estudos Lusófonos da Universidade Presbiteriana Mackenzie (NEL-UPM) e Instituto de Pesquisas
Linguísticas “Sedes Sapientiae” da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (IP-PUC/SP), Brasil - nmbas-
tos@terra.com.br; bastos@mackenzie.br
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Erro de Português,
Oswald de Andrade
cepção do termo cultura como modo de vida — como prática social, como produção
cultural — entendida como sistema de significações, derivada da antropologia e da
etnografia, conduz nossa investigação. Como sistema de significações, cultura indica
as interrelações entre as práticas de representação que articulam e organizam a
vida social, reveladas no comportamento, nos hábitos e nas atitudes mais comuns,
que abrangem a totalidade dos costumes, crenças, arte, música, idéias, tradições,
instituições e diferentes produtos do trabalho e do pensamento humano caracterís-
ticos de determinado grupo de pessoas, em determinado momento.
Recorremos ao seminal Culture is Ordinary, de Raymond Williams, de 1958, para
repensarmos as dimensões simbólicas de nossas vidas. Ao observar que toda socie-
dade humana tem seus próprios traços, seus próprios desígnios, seus próprios sig-
nificados; reconhecer que formar uma sociedade é encontrar significados e direções
comuns; admitir que seu crescimento é fruto de “um debate ativo entre acertos que
se sucedem sob pressão da experiência, contatos e descobertas inscritos na própria
terra” (p.4), o teórico professa, igualmente, na frase “cultura comum” ou “cultura em
comum”, oposição à limitação ao uso de cultura, restrito à alta cultura, à arte, ao
eruditismo e à educação formal. Partindo dessas considerações, e de tantas outras
delas derivadas, entendemos que investigar a língua portuguesa no contexto da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e dos Países Africanos de Lín-
gua Oficial Portuguesa (PALOP) implica em apreender a língua a partir de, pelo
menos, dois aspectos: como língua do cotidiano e como discurso, em que a lusofonia
é compreendida como um espaço simbólico linguístico e, sobretudo, cultural.
Reportamo-nos neste recorte ao discurso cultural pós-colonial em que a distinção
entre cultura como ‘arte’ e cultura como ‘modo de vida’ é problematizada, além do
próprio conceito de cultura a ser discutido em seguida. Antes, no entanto, é opor-
tuno lembrar considerações de Ashcroft, Griffiths e Tiffin (2003: 209) relativas às cul-
turas afetadas pelo momento de colonização até o presente e pertinentes, em
especial, aos escritores, por revelarem a realidade cultural, comumente, para uma
audiência mundial (como observaremos adiante, em Pepetela), valendo a observação
para a apropriação de quaisquer língua colonial — seja ela inglesa, francesa, espa-
nhola ou portuguesa,
tivo primeiro. No livro Cultural Studies (2006), Jeff Lewis oferece-nos várias acep-
ções relativas à definição de cultura, à formação da ideologia cultural, discussões
sobre língua e cultura e levantamento de prós e contras de espaços pós-modernos,
identidades locais e globais, culturas das novas mídias e tecnologia. Ocupamo-nos de
algumas de suas inquirições por estarem em consonância com o pós-colonialismo
nos países lusófonos, assim como as complexas relações entre as diferentes nações
que compõem a herança econômica, política e cultural da conquista colonial euro-
péia. A declaração “as culturas são formadas a partir dos significados que as pessoas
constroem e compartilham” (p.3), dá início à busca desse entendimento.
O significado cultural da relação entre aqueles países, articulado a partir de um
contexto cultural dinâmico, é percebido como processo de ‘mediação’ em que a cul-
tura constitui o contexto dos significados existentes e a dinâmica que estimula a
produção e a disseminação de novos significados. Conseqüentemente, qualquer indi-
víduo só pode se relacionar ou conhecer o mundo no qual se insere por meio de
alguma forma de mediação, que passará a ter significado quando capturada pela
cultura. Entendida como um processo criador de significados no âmbito de deter-
minado grupo social, a cultura é formada e operada por intermédio de uma ampla
variedade de grupos e práticas sociais, tais como a família, a nação, determinado
grupo étnico, certa faixa etária, religião, grupo de trabalho, gosto musical, estilo de
se vestir, etc.
Aderindo a um sentido mais antropológico, buscamos compreender a cultura em
relação às vidas dos indivíduos, que nos remete, igualmente, a estudos voltados ao
domínio da etnografia. Essencial em nossa verificação é reconhecermos, na esteira
de Lewis, a cultura como uma categoria aberta e transitória, como um conjunto de
significados e práticas disponíveis ao nosso entendimento e investigação, exata-
mente por envolver todas as maneiras de ser, sentir, pensar e agir. Desse ponto de
vista, pautamos nossas reflexões sobre o modo de vida de determinado povo, no que
se refere às suas características de comportamento, hábitos e atitudes em relação um
ao outro, e, do mesmo modo, examinamos como suas crenças, seus valores morais,
suas instituições se dão a conhecer.
Concepções modernas da etnografia, a partir da década de 30 do século passado,
nos levam a perceber, ainda, os aspectos da existência humana como culturalmente
construídos, o que os torna particulares e localizados, sem possibilidades de gene-
ralização. O significado social de uma situação histórica é sempre relativo e tempo-
rário, o que obriga o pesquisador a entender de que maneira o momento histórico
universaliza a si próprio na vida dos indivíduos.
Deste modo, períodos de colonização, de luta revolucionária e de descolonização
são objetos de observação num universo de cerca de 245 milhões de indivíduos per-
tencentes aos oito espaços de oficialidade da língua portuguesa, espalhados por qua-
tro continentes, múltiplos, mas não estranhos entre si em termos geográficos,
históricos, étnicos, políticos, culturais:
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O projecto lusófono surgiu, afinal, pouco tempo depois daquilo que em Portugal se
chamou de descolonização. Detenho-me na palavra descolonização porque ela é um
exemplo claro de divergentes modos de ler o passado. O termo descolonização é
emblemático do que Bernard Shaw disse do inglês: podemos ter uma língua comum
para melhor nos desentendermos. Ainda hoje, para muitos portugueses o que acon-
teceu em África foi que Portugal, com o 25 de Abril, aceitou, enfim, descolonizar os
territórios africanos. Ora, parece-nos a nós, africanos, que é preciso acertar o sujeito
do verbo. Não foi Portugal que descolonizou os países africanos. A descolonização só
pode ser feita pelos próprios colonizados. E nós, todos nós, sem excepção, éramos
colonizados. Descolonizámo-nos uns aos outros, uns e outros. Parece um detalhe,
coisa de uma simples palavra. E as palavras traduzem modos de pensar. E esse pas-
sado que nos feriu a todos não pode ser superado apenas com apelos ao esqueci-
mento. Não é de esquecer o passado que necessitamos. Mas de o entender.
De qualquer modo, para Moçambique, o projecto da lusofonia surgiu pouco depois
da ruptura colonial. Era natural que houvessem dúvidas. E parecia óbvio que os
países africanos não se podiam reclamar da lusofonia do mesmo modo dos portu-
gueses e brasileiros. A maior parte dos africanos amam as suas outras línguas
maternas e esperavam (e ainda esperam) que esses idiomas não sejam votados ao
esquecimento ou arrumados naquilo que se chama o património tradicional.
Portanto, só os ciclos eram eternos. (Na prova oral de Aptidão à Faculdade de Letras,
em Lisboa, o examinador fez uma pergunta ao futuro escritor. Este respondeu hesi-
tantemente, iniciando com um portanto. De onde é o senhor? Perguntou o Professor,
ao que o escritor respondeu de Angola. Logo vi que não sabia falar português; então
desconhece que a palavra portanto só se utiliza como conclusão dum raciocínio?
Assim mesmo, para pôr o examinando à vontade. Daí a raiva do autor que jurou um
dia havia de escrever um livro iniciando por essa palavra. Promessa cumprida. E
depois deste parêntesis, revelador de saudável rancor de trinta anos, esconde-se
definitiva e prudentemente o autor.) (Pepetela, 1992: 11)
O texto escrito é uma situação social. Ou seja, tem sua existência em algo mais do
que simples marcas numa página, nomeadamente nas participações de seres sociais
a que chamamos de escritores e leitores e que estabelecem a escrita como comuni-
cação de determinado tipo, de uma ‘certa’ coisa. Quando esses participantes existem
em culturas diferentes, dois problemas rapidamente vêm à tona: será que é possí-
vel escrever em uma língua e evidenciar a realidade de uma cultura diferente? É
possível que um leitor entenda totalmente uma realidade cultural diferente que
está sendo comunicada num texto? (1995: 298)
As mesas estavam todas ocupadas, aos grupos de quatro. A maioria era de angolanos,
todos misturados, brancos, negros e mulatos, estes bem mais numerosos. Os cabover-
dianos, que se misturavam facilmente com os angolanos, eram quase exclusivamente
mulatos. Os guineenses e são-tomenses, mais raros, eram negros. Os moçambicanos
eram na quase exclusividade brancos. E tinham tendência de se juntar aos grupos,
mesa unicamente constituída por brancos, já se sabia, era de moçambicanos. A british
colony, como diziam ironicamente os angolanos. (Pepetela, 1992: 18).
Epílogo
Como é óbvio, não pode existir epílogo nem ponto final para uma
estória que começa por portanto. (Pepetela, 1992: 316)
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A língua tem parte com o Estado, e isto tanto na sua gênese como nos seus usos
sociais. Através da sua constituição, o Estado cria as condições da constituição de um
mercado lingüístico unificado e dominado pela língua oficial: obrigatória nas oca-
siões oficiais e nos espaços oficiais.
Desse modo, determinados pelo princípio “uma língua, uma nação”, que forta-
lece a sobrevivência do Estado, fundamo-nos na necessidade de aprendizagem e de
uso de uma língua oficial como obrigação para os cidadãos e na obrigatoriedade da
sistematização, isto é de gramatização. Entendemos, conforme Auroux (1992: 65), o
significado de gramatização como o processo que conduz a descrever e a instru-
mentar uma língua na base de duas tecnologias, ainda hoje pilares de nosso saber
metalinguístico: a gramática e o dicionário. Esse fenômeno foi generalizado no século
XVI quando houve a gramatização dos vernáculos europeus.
Segundo Zoppi-Fontana e Diniz (2008), a gramatização, sendo um processo estri-
tamente associado ao surgimento da escrita e da imprensa, vinculado ao aspecto
político-ideológico, pode ser referida na ligação com a gramatização das línguas
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Somos, pois, lusófonos. Somos, pois, falantes de língua portuguesa — língua que
na sua diversidade permite vivermos o fado; rezarmos o terço; dançarmos ao batu-
que dos negros; respeitarmos os orixás; banharmo-nos sempre, como os índios o
faziam nos rios; plantarmos aipim, macaxeira, mandioca-brava, mandioca-mansa,
maniva, tapioca... Mesma diversidade pulsante num país plural que autoriza can-
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POEMEU FEMÉRICO]
Millôr Fernandes
Viva o Brasil
Onde o ano inteiro
É primeiro de abril
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novos significados, novos textos, novas práticas e ideologias. Nossa pesquisa, tanto
quanto o próprio conceito de cultura, é um trabalho em progresso, uma categoria
aberta e transitória; igualmente, entende ideologias como sujeitas às forças culturais
dinâmicas, às modificações internas e externas, aos desafios e luta para a significa-
ção e ressignificação.
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