0 évaluation0% ont trouvé ce document utile (0 vote)
32 vues1 page
Este documento analisa a natureza épico-lírica da poesia de "Mensagem" de Fernando Pessoa. A poesia combina elementos líricos e épicos ao interiorizar a matéria épica e reduzi-la a imagens simbólicas. Alguns poemas se destacam pela conjugação única de epopeia e lirismo, como "D. Dinis". A obra participa de vários gêneros poéticos e parece ultrapassá-los ao fundi-los.
Este documento analisa a natureza épico-lírica da poesia de "Mensagem" de Fernando Pessoa. A poesia combina elementos líricos e épicos ao interiorizar a matéria épica e reduzi-la a imagens simbólicas. Alguns poemas se destacam pela conjugação única de epopeia e lirismo, como "D. Dinis". A obra participa de vários gêneros poéticos e parece ultrapassá-los ao fundi-los.
Este documento analisa a natureza épico-lírica da poesia de "Mensagem" de Fernando Pessoa. A poesia combina elementos líricos e épicos ao interiorizar a matéria épica e reduzi-la a imagens simbólicas. Alguns poemas se destacam pela conjugação única de epopeia e lirismo, como "D. Dinis". A obra participa de vários gêneros poéticos e parece ultrapassá-los ao fundi-los.
Um certo pendor épico "foi uma das múltiplas e pertinazes facetas da vida espiritual de Fernando Pessoa". Ele próprio se definiu como "um nacionalista místico, um sebastianista racional". "A poesia da "Mensagem" é uma poesia épico-lírica, não só pela forma fragmentária como pela atitude introspetiva, de contemplação no espelho da alma, e pelo tom menor adequado. Só raras vezes o poeta se serve da "tuba canora" da épica tradicional ("O Mostrengo") ou lembra com humana comoção as dores reais da Histó- ria Trágico-Marítima ("Mar Português"). Dum modo geral, interioriza, mentaliza a matéria épica, integrando-a na corrente subjetiva, reduzindo essa matéria a imagens simbólicas pelas quais o poeta liricamente se exprime. Há, assim, na "Mensagem", uma dupla face de tédio e ansiedade, de cética lucidez e intuição divinatória. Glosando a ideia de predestinação nacional (Deus age pelo braço dos heróis), Pessoa impregna de idealismo platónico a sua visão do acontecer histórico: não é tanto o Império terreno que ele canta, mas sim a Ideia condutora, o que não existe no mundo sensível, a quimera, o mito, a fome do impossível, a "loucura": Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria? Aliás, já em 1912 escrevera: E a nossa grande Raça partirá em busca de uma índia nova, que não exis- te no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos. E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal antearremedo, realizar-se-á divinamente. A "Mensagem" encerra trechos, ou versos, que andam nas antologias e na memória dos Portugueses cultos, uns pela feliz aliança do sentido poético e da linguagem metafórica e musical ("Com fixos olhos rasos de ânsia / Fitando a proibida azul distância"), outros pelo achado duma expressão aforística nova, particular- mente sugestiva ("Valeu a pena? Tudo vale a pena /Se a alma não é pequena", ou "Que o mar com fim será grego ou romano; / O mar sem fim é português"). "A Segunda Parte (Mar Português) é a mais marcadamente épica, no sentido tradicional, em consonân- cia com a celebração do mar que se cumpriu, e a Terceira Parte (O Encoberto) é aquela onde o lirismo mais se faz notar, de acordo, aliás, com a matéria versada: a inquietação, a espera ou, como diz Robert Bréchon "uma sequência de meditações sobre o sentido anagógico da história e da lenda dourada dos heróis portugueses". Na relação epopeia-lirismo, destacamos três poemas pela sua singularidade. O primeiro é o poema "Screvo meu livro à beira-mágoa", que constitui o terceiro dos Avisos, onde o «nós» textual se apaga, deixan- do a descoberto o «eu» lírico que exprime, no seu interrogar-se inquietante, aquela "ânsia distante (que) perto chora", bem característica da Terceira Parte. O segundo é "O Mostrengo", marcadamente épico, como se viu, onde é visível não só a sua estrutura claramente narrativa, como também um forte pendor dramático. Não é por acaso que este é um dos poemas mais recitados da Mensagem. Finalmente, o poema "D. Dinis", pela forma modelar como nele se conjugam epopeia e lirismo. Disto mesmo nos dá conta, com agudeza crítica, António Machado Pires: "D. Dinis" é, a nosso ver, um dos mais belos poemas da "Mensagem", quer pelo aproveitamento de sentido, quer ainda pela exploração sugestiva dos significantes (as vogais labiovelares fechadas em "u", em "murmuro", "rumor", "ondulam", "marulho obscuro", "futuro"; ou ainda as sibilantes, em "silêncio", "consigo", "sem", "se", "oceano", "ansiando"). Estamos perante um conjunto harmónico de versos que, numa condensa- ção verbal lapidar, combinam as potencialidades de significado e significante. D. Dinis é poeta, é o criador das condições para as navegações, e surge num contexto verbal que enquadra esses sentidos: consubstanciando matéria lírica, jogando com o tempo histórico de futuro adivinhado". O próprio Fernando Pessoa se refere, a propósito da Mensagem, à mistura de géneros, mas vai mais longe, na sua tentativa de fundir lírica, épica e dramática "em algo para além de todas elas", uma forma poé- tica que as englobaria e superaria. A Mensagem parece, com efeito, participar ao mesmo tempo da poesia lírica, épica e dramática. São disso exemplo poemas como "O Mostrengo", "Mar Português" ou "D. Sebastião, Rei de Portugal", que, além das características épicas e líricas atrás referidas, apresentam traços de carácter dramático: o dis- curso de primeira pessoa da personagem (D. Sebastião), o conflito (entre o Mostrengo e o "homem do leme ", por exemplo), as apóstrofes e o tom oratório ("Mar Português").