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A construção da cidade
portuguesa na América. Rio de Janeiro: PoD, 2011.
recebido já estavam cansadas e cheias de formigueiros, e outras eram 56Determinada pelo Alvará de 23 de
capoeiras. Não tinham diretor, mas apenas um escrivão com a obri- novembro de 1700.
gação de ensinar os meninos a ler e escrever. E concluía: “a estes 57ANNAES, v. 32, p. 290-291.
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incumbi por ora algumas advertências do Directorio do Maranhão, de que vão dando boa conta,
dei plantas para a formalidade das Villas e hum d’estes dias vou dispôr o mais que me parecer
mais conforme as ordens de Sua Magestade e bem d’estas duas povoações”58. Nesse mesmo ano
Couceiro de Abreu notificava que ia fazendo construir as casas e “huma e outra escóla, a que não
hia rapaz alguns, traz agora 90 e tantos divididos por ambas”59. Se não aproveitassem os ensinos
da escola, pelo menos ouviam e praticavam a língua portuguesa, como se viu, obrigatória a partir
de então.
Alguns anos depois, em 1771, dizia Machado Monteiro: “ha eschola em que aprendem ler e
escrever 80 meninos e por acazo não ha mestre ou official de officio mecanico, que deixe de ter
algum aprendiz e dos maiores os mais rusticos á soldada”. O produto desses pagamentos dos
rapazes devia ser aplicado no vestuário e o resto na compra de gado, ou de ferramentas para a
lavoura, telha e feitio de suas casas.
Porém, a conquista do índio era um obstáculo que os ouvidores transpunham com dificulda-
de. O próprio Couceiro de Abreu, em 1764, tentou fixar os índios da nação Menhãa na região do
Rio Doce. Prometeu-lhes um clérigo e os cargos da Câmara, quando a vila fosse instalada, “e para
que logo entrassem a fundar a sua habitação com a formalidade de Villa, mandei ir para aquelle
sitio hum homem de bom proposito e já conhecido d’elles, com huma fórma de planta, para que
por ella fosse regulado as cazas, que os ditos índios deviam de edificar; e que a cada um delles
desse terreno ao menos com seis quartos, hum que lhes servisse de sallinha, outro para os pais
dormirem, outro para os filhos, o 4º para as filhas, o 5º para cozinha e o 6º para terem os seus
effeitos”. Em outro documento continuava:...”lhes assignei a seu contento, sitio para estabelece-
rem huma regular povoação, por haver fallecido o homem, que para esse fim e para os dirigir
havia mandado para o dito Rio, deixando-lhes recomendado que entrassem logo a fazer a casa
para o clerigo, que para lá havia de ir e depois della as suas, em que havião de viver com esta e
aquella formalidade que lhes deixei em um risco”. Executaram a casa do clérigo e mais cinco, mas
fugiram, no dia de São José, rio acima60. A maioria dos diretores, muitos deles escrivães, foi
sempre acusada de incompetentes, abusados, corruptos, defensores de seus próprios interesses e
outras coisas.
A falta de povoadores foi um dos grandes problemas. Em 1773 Monteiro dizia que “impossivel
será o chegar a erigir as 3 que já referi” e já citadas anteriormente, e se lastimava que...”se erigi-
las me he facil, o povoa-las me he muito dificil61. Queixava-se da constante fuga de índios e
degredados para a Comarca de Ilhéus e de suas inúteis “requisitorias para a prizão e retrocesso
delles”62, não contando com a colaboração do Ouvidor daquela Comarca, Miguel Aires Lobo de
Carvalho. Essas povoações deveriam ser elevadas à vila, sendo indispensavelmente precisas para
a estrada, “que nas minhas Instrucções se me adverte faça abrir para comunicação, e comercio
dessa Capitania com a do Espirito Santo”, dizia Machado Monteiro. Aí já tinha sido instalada uma
dúzia ou dúzia e meia de casais, mas a falta de gente impossibilitou a realização de suas implanta-
ções. Essa estrada era recomendada para ligar essas regiões ao Rio de Janeiro.
58
IDEM, p. 39.
Além da falta de gente e de ferramentas, não havia mão de obra
especializada. Assim, era o povo, em especial os índios, que constru-
59
IDEM, p. 52.
íram as vilas. Já o Ouvidor Couceiro de Abreu dava notícias dessa
60
IDEM. atividade: “não me tenho descuidado da melhor forma da creação
61
IDEM, p. 371. das duas vilas novas de Trancoso e Villaverde, cujos Índios vão
62
IDEM, p. 272, 277, 293, 324-325. fabricando as suas cazas com a formalidade que lhes dei”. Só em
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1772, na Vila de Porto Seguro, e locais mais próximos, se empregava mão de obra especializada e
o ouvidor delegava o “risco” a outrém. As vilas menores, ou recém-criadas, continuavam, no
entanto, a ser construídas pelos próprios habitantes. Ao se referir à edificação das matrizes de
Belmonte e Portalegre, o Ouvidor Monteiro dizia textualmente que os “artifices foram os seus
mesmos povoadores, cada qual conforme a sua habilitação, por não terem pela sua muita pobreza
com que pagar os outros”. E, no ano seguinte, continuava a notificar que “por todas as villas se
augmentão á proporção das possibilidades dos habitantes, e para o que por falta de artífices as vão
fabricando por mãos de curiozos”. E ainda: “não achei em toda a Capitania mais que 2 pedreiros,
que com outros 2, que acariciei de fóra e mais 4 degradados já chegão ao número de 8, mas taes
que eu fui o mestre da obra das cazas da Camara (de Porto Seguro) porque os da Bahia me
pedem por ella exorbitantissimo presso, com que querem compensar o virem para cá de tão
longe”63.
Pelos documentos do período, e por algumas passagens já referidas, verifica-se que, na região
de Porto Seguro, os próprios ouvidores foram os urbanistas, arquitetos e mestres de obra, e o
povo, na ausência de oficiais mecânicos especializados, o construtor. Coube a eles a organização
espacial dos núcleos urbanos programados e a expansão da rede urbana. Sendo essas regiões
extremamente pobres, e sem importância administrativa, dificilmente puderam contar com a
presença de engenheiros militares em suas obras públicas, e particulares. Esses engenheiros só
estiveram nas regiões mais importantes na época, como São José do Rio Negro, Belém, Salvador,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, por exemplo.
Segundo o que se ordenava, os edifícios se inseriram num espaço determinado, onde devia
predominar a uniformidade teórica, em nome da “boa perspectiva”. Deve-se ressaltar vários
tipos de plantas: um que aproveitou o traçado jesuítico preexistente, da grande praça ou terreiro
- civil e religiosa - de onde partiam as ruas perpendicularmente e a de plano ortogonal, rascunhada
expressamente para a implantação das vilas, como Prado, Portalegre, 63
Viçosa, Alcobaça, na Capitania de Porto Seguro. Uma terceira possi- IDEM, p. 52, 267, 273, 277.
bilidade mostra a reurbanização de um núcleo irregular preexistente, A retificação de ruas foi feita mes-
64
511-527.
SOLÓRZANO PEREIRA, J. Loc.
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cit., t. 1, p. XXIV.
VON SPIX, J.B. e VON MARTIUS,
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