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Primeiramente, Fora Temer e bom dia.

Essa fala se intitula “Maria Gabriela


Llansol: por uma poética da clorofila”. Eu optei por escrever um texto a muitas mãos, sem
no entanto me preocupar na formalização desses sujeitos que falam comigo nessa escrita. Pra
ser fiel e simultaneamente infiel à Llansol, trata-se de uma tentativa humilda de jogar com a
sua técnica de sobreimpressão, mas só pra situar os meus plágios, esse texto é feito numa
bricolagem de textos da própria Llansol, do artigo “Natureza e textualidade em MGL”, da
Lígia Bernardino, fragmentos dispersos de Derrida, Agamben, Nietzsche, Espinoza, Augusto
Joaquim, e do dicionário do google, e também da minha experiência de escrita nesses
atravessamentos. Eu espero que não fique claro.

Ser vivo no meio no vivo. Conviver é a palavra-chave. O prefixo “CON” nos diz:
companhia, concomitância. Companhia: presença (de um ou mais indivíduos animais ou
coisas) junto de outros. Companhia: quem ou o que acompanha. Companhia: convivência,
trato íntimo. Companhia: associação de pessoas, grupo organizado reunido em torno de um
fim comum. Convivência: fato de algo se produzir ou se apresentar ao mesmo tempo que
outra coisa. Convivência: coexistência indivisa ou evolução simultânea de duas ou mais
coisas.
O humano nasce na companhia da natureza, em convivência com essa, mas já há
muito homem e natureza estão cindidos. Llansol nos propõe a imersão no jardim - espaço
revelador que celebra uma construção simultaneamente humana e natural: “vejo-me respirar,
dar as minhas mãos e força às plantas e à terra, e, no fim, não me distingo do dia que passa”.
Llansol propõe a textualidade em lugar da narratividade, como uma operação para que o
romance não morra, para “descentra-lo do humano consumidor de social e de poder”. A
escrita em Llansol é um vivo. Criar vida através da escrita, outras formas de vida, num mundo
des-hierarquizado pelo amor e pelo mútuo, criar um espaço textual onde o não-humano não
é menos digno, onde animais, plantas, pedras, fragmentos, rebeldes, poetas, vagabundos,
possam conviver na casa da hospitalidade infinita da escrita, mas não só – mais: que possam
todos conviver sem escravidão na proximidade absoluta do real, na presença do divino sive
natura (não o Deus que nos foi dado a crer; este outro, com Espinoza, a que não daremos
nome, ou podemos dizer: Presença). Aqui, a reverso de Platão, nenhum ser será expulso da
república: está a república expulsa de todos os seres, essa dá lugar a paisagem suspensa do
fragmento, ao terceiro sexo que copula com o homem em ritmos de sístole e diástole, como
o pulso cárdico pondo fim à cisão; e os seres dessa comunidade, que há de vir,
definitivamente não anseiam serem aceitos nessa pólis em que amar é temer, em que o
planalto capital treme às palavras desviadas dos nossos líderes, em que a política que ergue
e rompe a lei kafkiana está muito longe da convivência: é antes uma conveniência (para
alguns poucos). Que fique dito: submeter a natureza aos ditames dos homens é apenas uma
forma de poder autoritário, semelhante a discriminações sociais, de raça ou de gênero.
A tarefa de cuidar do jardim tem o valor da partilha (de Derrida, não partir, dividir,
separar, mas no equívoco da palavra, em prefixo de companhia, “compartilhar”), e assim se
abrir à dor/dádiva “vagabunda de nascer cão e árvore e bosque e mar e falésia e deus e eu”,
essas formas infinitas de sentir o real. Llansol escreve numa interligação osmótica com os
processos naturais, ato criativo, palavra que nomeia e faz existir no gesto de nomear.
Relativiza o antropocentrismo e sugere novos modos de se relacionar com as outras formas
vivas. Não mais a impostura da língua que manipula as leis e os homens e as paisagens, não
mais essa língua impostora, mas a busca pelo novo, a palavra nomeadora, ritmo, espaço e
voz - vibrações fluentes como a própria natureza – num encontro em que o humano se
dissolve: “O ‘poema sem-eu’ será a consequência de um sujeito tornado receptor atento de
uma voz que se impõe, e esta circula indiscriminadamente, sem fonte que a identifique, ou
sujeito que a produza”; “realizar o caminho inverso da luz e pousar no ramo mais alto da
árvore e aprender com esta a produção de clorofila – a primeira matéria do poema”. A escrita
já não é do humano, ainda que se dê em palavra por suas mãos. A escrita, como aqui se
propõe, é uma semente que germina e dá vida a tudo que podemos saber pelo corpo e pela
consciência, e também ao que não podemos saber, mas apenas sentir nessa presença invisível
que nos ronda e preenche. Há uma unidade intrínseca nas coisas, ainda que composta pelos
mais díspares fragmentos. Com Agamben direi, diremos, nessa voz múltipla que textualizo
agora: “onde acaba a linguagem, começa, não o indizível, mas a matéria da palavra”, liberta
de representações, sem metáfora – na clorofila não há metáfora. Na indizibilidade fulgurante
da clorofila é que o texto se disponibiliza ao diverso.

Não se vê, de facto; como tu, jovem visitante, não pressentes


a que ponto estou rodeada de silêncio onde vibram vozes de gritos indistintos,
e sinto que um outro eu (meu)
se forma na nostalgia infinita que eu trazia para este lugar;
sentei-me, a teu lado, com um rosto grave de tradutora,
nesta sala das aparências onde o mundo persiste em se fechar;
porque as tuas perguntas o mantêm fechado,
e não ouve cantos murmurados em voz baixa.

São muitos os gritos indistintos que vibram no silêncio. Ao lado das palavras, tantas
outras formas comunicantes atravessam o vivo, há um rumor que não cessa, um murmúrio
infinito que diz das coisas mais importantes, mas estamos tão apegados à impostura das
palavras, ainda que elas nos conduzam determinantemente a zonas em que “me faltam as
palavras”, ou em que “eu não sei como dizer isso”, ou ainda quando “foi uma falha de
comunicação”. Llansol se senta junto ao silêncio, em sua companhia, em trato íntimo,
disposta em atenção, e penetra, ao risco de perder sua identidade, no texto trans-dito dos
excluídos, dos exilados, dos loucos, dos estrangeiros, entra no texto dos seres sem qualquer
escrita que nos seja compreensível, mas não sem escrita, pois há um desenho da luz que
atravessa todas as plantas, bichos e minerais, que se metamorfoseia clorofila e que faz o vivo,
e a isso também se chama escrita. Ao lado do silêncio, a palavra, que treme, se transmuta nas
mãos da tradutora numa escuta-escrita que poderá chegar ao humano, e quanto ao texto,

“o que ele afirma é que qualquer vivo que se forme em qualquer dos sexos de ler,
é responsável por todo o vivo,
a partir dos modos particulares de existir desse sexo _____________ o Jade é
responsável, o pinheiro Letra é responsável, Prunus Triloba é responsável;
eu, Maria Gabriela Llansol, sou responsável pelo texto que dou a ler;
ser-se humano é evolutivamente um progresso de leitura mas não é um privilégio,
nem uma superioridade, nem um dado adquirido,
é um lado
mais legível do que os outros para dar continuidade
e orientação à emergência do vivo no seio do universo”
Somos responsáveis: por um Rio morto que já nunca será doce; pela lama tóxica que
sufoca repentinamente os peixes, as cobras, a água, a erva, os homens; somos responsáveis
pela castanheira amazônica em extinção, pela andiroba, pelo mico leão-dourado, pelos índios
em extinção, em luta desumana com outros humanos incapazes de conhecer seu avatar;
somos responsáveis pela panela que nos damos a bater, ou não, pela camisa, verde, amarela,
vermelha que vos damos a vestir e a representar na infidelidade da lei; por uma política que
só nos dá a temer, e que golpeia tudo pelo que nos responsabilizamos.
A liberdade já foi fundada como princípio, mas é preciso alargar o seu âmbito. Mas
há ainda intolerância e descriminação que afundam fraturas entre os seres humanos e entre
esses e a natureza. O texto, como o que Llansol se dá a escrever, quer mostrar ao homem que
somos também natureza – não uma homogeneidade, um fundo harmônico em que a vida
humana se desenrola, não um texto ecologista que não reconhece a problemática da
existência, mas a natureza como terceiro sexo, integração do homem no meio que lhe confere
vida. Direi com Lígia: “Mais do que uma urgência que acomete quem escreve, há um texto
tão antigo quanto uma árvore, como se plantas e palavras se entrelaçassem. A mensagem
profética confunde-se com a árvore e com o homem. Texto e árvore (ou jardim) pertencem
juntos à natureza, que, sendo responsável pela mensagem profética, se converte na entidade
criadora e revitalizadora de Oikos.” – ambiente habitado, casa, família. A lei é apenas a da
pura metamorfose, como o é o estado permanente da natureza, permanentemente
metamórfica, permanentemente outra em si mesma, no paradoxo de seu ciclo eterno de
retorno, sempre um pouco diferente, vê-se em Llansol o mútuo como conversação espiritual
que se dá em relação textual, física, não como acidente ou repetição arbitrária, mas como “o
lugar catastrófico de toda metamorfose”. Neste texto, somente “o pulsar do vivo interessa,
sem descriminação de espécie”, o sujeito dilui-se na escrita (sem metáfora, a única meta aqui
é a da metamorfose) e a linguagem se difunde por todas as espécies, “convertidas numa única
acolhedora de todas as diferenças, de todos os processos de mutação.

“―não tenha medo.


Senta-te, como todas as noites, na cama em que dormes, antes da última bebida da
Noite,
e faz viver as coisas inertes, simplesmente afirmando, por ser real, que elas têm vida.
Apenas sentir, ao nosso lado, dentro e fora de nós, perto e longe, uma realidade
inconfundível, incomunicável, incompreensível e inimaginável mas que é, como nós,
à sua imagem, unicamente presença____________ que nunca poderão falar, e que
entre si trocarão um texto sem fim, feito de sinais, gatafunhos, que escrevem,
mutuamente, que as nossas presenças não nos fazem mal, nem medo.”

Que neste encontro, em que se propõe a construção de uma planta, o traçado, o


desenho de uma escrita em convívio, planta esta, que de antes, já nos constrói, possa-se
edificar uma morada para o pensamento livre, e grassar seu âmbito, como nos diz Llansol,
entre todas as espécies, entre todos os homens.

Façamos de nós vivos no meio do vivo.

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