Vous êtes sur la page 1sur 16

ONDE ESTÃO AS PROPEDÊUTICAS?

(PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA


COMPATIBILIZAR A FORMAÇÃO JURÍDICA COM O PAPEL SOCIAL DOS
OPERADORES DO DIREITO) *

WHERE ARE PROPAEDEUTICS? (PEDAGOGICAL PROPOSAL TO MATCH


JURIDICAL FORMATION WITH SOCIAL ROLE OF LAW OPERATORS)

José Bittencourt Filho


Eneá de Stutz e Almeida

RESUMO

No contexto neoliberal, os critérios de eficácia quantitativa e monetariamente avaliada


imperam no mercado. Tais critérios já mostraram que podem servir perfeitamente para
induzir a aquisição de status e até mesmo de fortunas, mas apresentam problemas
incontornáveis no tocante aos bens imateriais. Mostram-se também impróprios para o
campo da produção de conhecimento e as atividades de extensão. A princípio, situar de
modo adequado as disciplinas denominadas propedêuticas já se constitui num avanço
considerável no que diz respeito à formação dos discentes; posto que a formação
acadêmica deve estar pautada por uma perspectiva humanística. Para que haja o
exercício consciente do papel social dos operadores do direito, é preciso que estes
tenham toda a clareza quanto às conexões entre o Direito e os demais saberes. Isto
implica na geração de uma visão de totalidade onde haja uma consciência da
interdependência de ‘tudo com tudo’ e da interconexão dos vários estratos que
compõem uma visão sistêmica: o estrato do meio-ambiente, o demográfico-econômico e
o da tecnologia, bem como os estratos individual e coletivo, que representam os
processos sociais e mecanismos institucionais do ser humano na qualidade de ser social,
isto é, que decorrem de sua natureza biopsicológica. A reflexão sobre temáticas sociais
e educacionais, comumente reservada aos docentes das áreas de Sociologia, Filosofia,
Pedagogia e afins, deve ser parte integrante do contexto das demais áreas e disciplinas, a
fim de que as transformações presentes no universo do conhecimento não permaneçam
confinadas a alguns domínios acadêmicos, mas sejam manejadas pelo maior número
possível de docentes e protagonistas da educação.

PALAVRAS-CHAVES: ENSINO JURÍDICO; NEOLIBERALISMO; MERCADO;


PROPEDÊUTICAS; JUSTIÇA

ABSTRACT

In liberal context, money and amount efficiency criteria are imperative in the market.
These criteria had shown that can induce acquisition of status and even fortunes, but
show problems about immaterial goods. Also show themselves inappropriate to
knowledge production field and extension activities. In principle, to put in accurate

*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

6281
manner the propaedeutics disciplines is a considerable advance already to pupils; that is
because academical formation should be ruled by humanistic perspective. So, to
exercise the conscience social role of law operators, it is needed to these all clarity about
the connection between Law and other knowledge. This implies in a generation of a
vision of totality, where there is a conscience of interdependency of “everything with
everything”, and the interconnection of many layers that compose a systemical vision:
environmental layer, economical-demographic layer and technological layer, as so
individual and collective layers, which represents social processes and institutional
mechanisms of human being as a social being, which means, resulting from their
biopsychological nature. Consideration about social and educational themes, normally
reserved to professors in Sociology, Philosophy and Education fields, must be part of
the context of others areas and disciplines, so that transformation in knowledge universe
can be shared with larger and grower groups of professors and protagonists of superior
education.

KEYWORDS: LAW TEACHING; NEOLIBERALISM; MARKET;


PROPAEDEUTICS; JUSTICE

Prólogo

Dos tempos da assim chamada “democratização do ensino superior” auspiciada pelo


regime militar, até nossos dias, muitos desdobramentos se verificaram. A massificação
do ensino do “terceiro grau”, e a expansão desordenada de faculdades e universidades
privadas não contribuíram como se suspeitava para a melhoria da chamada “qualidade
de ensino”; até porque o mercado de trabalho nacional jamais reuniu condições de
absorver a mão-de-obra pretensamente especializada, que a cada ano se apresentava e se
apresenta em busca de colocações.

No contexto neoliberal, os critérios de eficácia quantitativa e monetariamente avaliada


imperam no mercado. Tais critérios já mostraram que podem servir perfeitamente para
induzir a aquisição de status e até mesmo de fortunas, mas apresentam problemas
incontornáveis no tocante aos bens imateriais, como o bem-estar e a auto-realização.
Mostram-se também impróprios para o campo da produção de conhecimento e as
atividades de extensão. A partir da década de 1990, com o recrudescimento da
concorrência em escala global e o estabelecimento de novas diretrizes de gestão
corporativa, os pólos de produção de conhecimento e instituições de pesquisa passaram
a ser pressionados no sentido de produzirem resultados no mais curto prazo possível.
Vale lembrar que os modelos de financiamento de pesquisa (a partir de fontes estatais
ou não) determinam em grande parte a estrutura e o funcionamento do campo científico.
A par disso, é oportuno considerar que se vive um momento de articulação
tecnoburocrática entre os interesses das empresas estatais e dos oligopólios nacionais e
internacionais, com reflexos diretos e indiretos sobre as estratégias de financiamento das
pesquisas. Para tanto, basta verificar a criteriologia embutida em legislação recente (Lei
10.973 de 2005, denominada Lei de Inovação Tecnológica), por meio da qual o
incremento de produção tecnológico privada pode incluir infraestrutura pública.

6282
A princípio, situar de modo adequado as disciplinas denominadas propedêuticas já se
constitui num avanço considerável no que diz respeito à formação dos discentes; posto
que a formação acadêmica deve estar pautada por uma perspectiva humanística, ou seja,
aquela que situa o ser humano numa instância qualitativamente superior e visa seu bem-
estar e sua plena realização. Portanto, uma ênfase humanística significa a afirmação da
dignidade humana como valor supremo, que deve ser preservada, favorecida e
defendida das ameaças dos poderes políticos, econômicos e simbólicos.

No jargão acadêmico, a designação Humanidades, se refere à necessidade da presença


da cultura clássica na formação universitária, a fim de induzir o estudante a ser o artífice
de sua própria humanização. Nessa linha, o conhecimento seria apenas a expressão de
um projeto de humanização, com os recursos fornecidos pelo próprio espírito humano, e
elaborado a partir da experiência histórica. Nesta altura vale ponderar sobre uma
advertência: o que uma sociedade exclui do âmbito do saber, não é menos significativo
do que aquilo que ela integra; assim, torna-se essencial determinar, para uma dada
época, o que ela retém do seu passado remoto e recente. Nenhuma sociedade cessa
efetivamente de reinterpretar e reescrever a sua história.

Para que haja o exercício consciente do papel social dos operadores do direito, é preciso
que estes tenham toda a clareza quanto às conexões entre o Direito e os demais saberes.
Isto implica na geração de uma visão de totalidade onde haja uma consciência da
interdependência de ‘tudo com tudo’ e da interconexão dos vários estratos que
compõem uma visão sistêmica: o estrato do meio-ambiente, o demográfico-econômico e
o da tecnologia, bem como os estratos individual e coletivo, que representam os
processos sociais e mecanismos institucionais do ser humano na qualidade de ser social,
isto é, que decorrem de sua natureza biopsicológica.

A reflexão sobre temáticas sociais e educacionais, comumente reservada aos docentes


das áreas de Sociologia, Filosofia, Pedagogia e afins, deve ser parte integrante do
contexto das demais áreas e disciplinas, a fim de que as transformações presentes no
universo do conhecimento não permaneçam confinadas a alguns domínios acadêmicos,
mas sejam manejadas pelo maior número possível de docentes e protagonistas da
educação. As condições para que tal intento possa ser levado a efeito, devem ser
construídas e implantadas por meio de um processo de produção de consenso
democrático nas IES, passando pelo compromisso ético-político com a informação
qualificada com respeito às questões de relevo na formação dos discentes e no
compromisso institucional com a contemporaneidade e a honestidade intelectual.

Faz-se necessário considerar desde logo, persiste a pergunta a respeito da relação entre a
assim chamada sociedade da informação e do conhecimento com o capitalismo atual e
como se encontra articulado ao neoliberalismo. No Brasil, ainda se carece de forma
acentuada de uma discussão sistematizada sobre essa problemática. Advertem os
pensadores para o fato de que tal articulação está colocando as universidades como
instância secundária no que tange à produção de conhecimento. Ademais, no caso
brasileiro, pelo que tudo indica o interesse das empresas em parcerias com as
universidades é muito reduzido. Em outros países teria sido uma importante alavanca
para o avanço da qualidade do ensino superior no âmbito tecnológico. A par disso,
começa a se questionar qual o papel e o lugar das ciências humanas e sociais no ensino
universitário na atual configuração do capitalismo. No caso brasileiro, mesmo nas
universidades públicas, a situação começa a emitir sinais alarmantes.

6283
A presente reflexão tenta traduzir o esforço de se atender uma demanda do ensino
jurídico em geral, na promoção de uma efetiva integração entre a Ciência Normativa do
Direito e as ciências afins, no intuito de ampliar e aprofundar a formação dos discentes e
docentes, nos aspectos epistemológicos, metodológicos, políticos e éticos; por
intermédio de um diálogo fecundo e sistemático entre os vários domínios que compõem
as ciências humanas e sociais. A nomenclatura Núcleo de Humanidades tenta expandir
o âmbito da produção de conhecimento daí resultante, para que tal produção não se
limite apenas aos padrões técnicos e ao inventário conceitual das disciplinas inseridas na
grade curricular, mas possa atender a pretensões mais ousadas e criativas.

Sinais de alerta

Não se pretende retomar o já antigo debate filosófico acerca dos “saberes do espírito” e
o conhecimento científico. De certo modo, tal debate tornou-se secundário no pós-
guerra em decorrência do predomínio da razão instrumental no ensino superior, quer em
virtude da vitória dos aliados capitalistas quer dos imperativos da Guerra Fria. Após a
ascensão do neoliberalismo, a situação viu-se agravada pela mundialização cultural e
pela hegemonia dos mass media na arquitetura do imaginário coletivo. Assim, a
indústria cultural atingia seu ápice. Por seu turno, a tecnoburocracia universitária tem
dado conta de plasmar um modelo do ensino superior voltado, em primeira e última
instância na produção de resultados e nas relações de consumo, reconfigurando dessa
maneira o decantado processo ensino-aprendizagem.

Qualquer projeto político-pedagógico detentor de um mínimo de seriedade, por meio de


suas diretrizes, busca traduzir um posicionamento político; uma determinada postura
pedagógica correspondente; e um modelo institucional respectivo. Desde logo, deve-se
dar por assentado que a desigual distribuição da riqueza, do prestígio, e do poder na
sociedade que se evidenciam nos sistemas de classes e de status, a par do imperativo da
socialização, e a necessidade de reposição de mão-de-obra, incidem decisivamente na
estrutura e no funcionamento das instituições e organizações educacionais. Ademais, ao
separar o trabalho intelectual do trabalho manual, ao distinguir entre aqueles que
pensam e aqueles que fazem, o capitalismo industrial acentuou as contradições entre as
classes sociais, e conferiu uma dinâmica específica às relações sociais.

Numa perspectiva crítica, sabe-se que os fins dos atos humanos, embora nasçam da
vontade das pessoas, na maioria das vezes, têm resultados que não acompanham nem a
vontade nem as intenções dos agentes. Por sinal, mesmo quando os resultados estão de
acordo com os fins originalmente preconizados, as conseqüências estarão em desacordo
com esses fins. E isto porque os seres humanos são responsáveis pela feitura da história,
contudo, ela não é realizada segundo suas vontades, nem tampouco sob circunstâncias
por eles estabelecidas, mas sim, em grande parte, segundo circunstâncias herdadas,
estruturais e conjunturais.

Quando se estabelece apenas uma nova grade curricular que agrega e faz convergir
matérias antes distribuídas segundo uma lógica “hierárquica”, e com a mesma carga
horária, necessariamente se perdem conteúdos fundamentais cuja finalidade não era

6284
propriamente instruir numa escala evolutiva (do menos para o mais complexo), mas
sim, introduzir o corpo discente no raciocínio, na perspectiva, ou ainda na imaginação
dos conteúdos que fundamentam os estudos no âmbito das ciências humanas e sociais.
Talvez, a interpretação errônea do papel e da função das assim chamadas disciplinas
propedêuticas esteja na raiz dos muitos preconceitos verificáveis contra tais disciplinas
na esfera do ensino jurídico.

Contudo, quando alocadas nos primeiros períodos dos cursos de Direito, não se trata de
oferecer conteúdos pretensamente menos complexos, mas sim, familiarizar o estudante
com o aporte da realidade conforme é efetuado pela Sociologia, pela Ciência Política,
pela Economia, pela Filosofia, e pela própria Ciência Normativa do Direito. Portanto,
trata-se da aquisição de um raciocínio, de uma perspectiva, e não da acumulação de
informações elementares, como uma espécie de “preparação” para os estudos mais
completos e complexos. Uma vez adquiridas tais modalidades de raciocínio (incluindo o
jurídico), o discente terá condições de aplicá-los tanto no discernimento da realidade em
geral, quanto nas questões técnicas inerentes à atividade profissional.

Ademais, a ética na sociedade pós-tradicional globalizada como a que se vive na


atualidade, implica no reconhecimento da sacralidade da vida e da dignidade humanas e
no direito universal à qualidade de vida e à auto-realização (como a mais alta expressão
da liberdade), vinculados ao dever de se promover a democracia participativa. Longe de
se ver o desaparecimento dos valores universais, há quem considere que pela vez
primeira na história humana, tais valores estejam encontrando uma demanda massiva e
estejam ampliando seu espaço social geometricamente.

A observação sociológica da (pós) modernidade tem identificado, a par das


tecnoburocracias dirigentes, a emergência de uma espécie de sensibilidade global,
sensibilidade esta diretamente vinculada aos efeitos modernizadores dos mass media. E
isso a despeito dos mecanismos de estetização, generalização e banalização do
cotidiano. Com efeito, em vários espaços sociais, expandem-se ideologias
comunitaristas, ecológicas, místicas, e congêneres. Está sendo esboçado um novo ethos
que, ao mesmo tempo em que interfere nas formas tradicionais da sociedade, suscita a
reafirmação de valores essencialmente éticos. Tudo isso sem olvidar que o controle do
imaginário coletivo é a arma mais poderosa na manutenção de interesses dominantes,
que podem ser e serão satisfeitos mediante a violação sistemática dos direitos humanos
fundamentais.

Por outro lado, no plano estritamente pedagógico, o problema mais grave estaria
localizado na fragmentação do conhecimento, um subproduto da chamada
mundialização cultural. O mais interessante é que a única saída possível para essa
situação dramática, vinculada diretamente com a produção do imaginário social e dos
universos simbólicos, consistiria justamente na integração entre conhecimento
tecnoinstrumental e conhecimento humanístico, ou seja, uma ampliação dos horizontes
da formação e da instrução superior. Com vistas à produção de conhecimento novo,
crítico e de excelência, faz-se mister uma nova perspectiva pedagógica, didática e
política voltada para docentes e discentes. No entanto, vale ponderar, tal
empreendimento esbarra, de saída, com as crônicas deficiências dos ensinos básico e
fundamental.

6285
A globalização se constitui num projeto abrangente que influencia diretamente a
educação. Os efeitos da mercantilização do ensino formal produzem práticas
homogêneas de estrutura, funcionamento e avaliação para todas as IES; e isto em nome
de uma suposta sustentabilidade econômica, social e ambiental. No entanto, pelo que
tudo indica, o ensino jurídico permanece comprometido com a reprodução de um
sistema que investe na camuflagem e no ocultamento de seus paradoxos, contradições e
antinomias. Assim, a proposta de um ensino jurídico crítico e reflexivo, para além do
tecnicismo e da mera legalidade.

Atualmente, quer estejamos analisando laboratórios de empresas públicas voltadas para


a inovação, quer estejamos examinando o funcionamento dos convênios entre empresas
privadas com agências de fomento por meio de universidades, verifica-se a
convergência da lógica produtivista que formata as corporações privadas regulando o
trabalho científico. Isso se traduz na aceleração dos prazos, no estabelecimento de
determinadas metas, e da flexibilidade compulsória do trabalho intelectual. Isso sem
falar na pressão quase exercida sobre pesquisadores para obter patentes sobre novos
produtos e/ou processos, ou ainda publicar numerosos artigos em revistas (devidamente
indexadas). Com efeito, o pesquisador fica submetido a um elenco consagrado de
rotinas a serem cumpridas no menor tempo possível.

Em contrapartida, é prudente considerar que as funções descritivas e interpretativas


atávicas às ciências humanas e sociais no esforço de construção de seus respectivos
objetos, que comportam tanto o leque de possibilidades das escolhas individuais quanto
os incontornáveis imperativos das estruturas sociais, induzem necessariamente
determinadas escolhas e condutas específicas no tocante não só a uma visão
antropológica peculiar, bem como na modalidade das ações sociais, passando pela
natureza e qualidade da intervenção nos processos sociais relevantes.

Em vista disso, surge um grande desafio educacional: propiciar um processo contínuo


de transformação, valorização e humanização. Assim, trata-se de assegurar uma
educação transformadora, que garanta aos educandos o desenvolvimento de
competências e habilidades para que possam criar suas próprias oportunidades, resolver
problemas, empreender projetos, enfim, traçar seu próprio percurso existencial, que
comporta as dimensões econômica, política, cultural e pessoal, e isto com uma profunda
consciência da relevância da intervenção social que deles se espera, tanto por meio do
exercício profissional quanto do exercício da cidadania ativa. É oportuna a lição de
Warat:

(...) Não serve para nada desabafar contra a corrupção ou de nada adiantam as formas
elegantes com que o poder dos Estados nacionais realiza suas práticas mafiosas
(incluindo as das escolas). O importante é centrar nossas energias na detecção dos
obstáculos e dificuldades para a construção do novo. Mais do que chorar as máfias é
preciso determo-nos a analisar as possibilidades e as dificuldades de implementação das
práticas de uma cultura da mediação como novas formas jurídicas, sociais e políticas,
como novas formas de cidadania e também como novas formas das relações de ajuda na
aprendizagem. Em tempos de interferência política e de interferência na convivência, a
aprendizagem institucional nas escolas deve ir perdendo importância com relação ao
aprender na e da própria experiência dialógica (WARAT: 2004, 64).

6286
A propósito, por meio de indagações didáticas, adverte-nos E. Bittar,

O contexto no qual se fala de educação demanda esclarecimentos. A educação pode ser


especialmente desafiada por certas condições contextuais; certas conjunturas
contextuais demandam reações especiais por parte da educação que não se confundem
com aquelas reações necessárias para outros períodos. Por isso, pensar na pós-
modernidade é extremamente desafiador, na medida em que demanda a consciência
deste tempo de cuja identidade ainda se tem pouca clareza. O tempo presente é sempre
menos bem analisado do que o tempo passado, por isso uma sociologia da subjetividade
e do presente é extremamente fundamental para efeitos da análise das condições de
pensamento.

E qual sociedade se está a investigar, senão a sociedade pós-moderna, cujos arquétipos e


modelos herdados da modernidade estão em franca revisão, em diversos níveis e
desdobramentos? E qual a sua principal marca, senão a de uma sociedade que nos
convida à anestesia reflexiva sobre ela mesma, à apatia política sobre os desafios futuros
comuns, à inércia expectadora e à aceitação do status quo e, enfim ao consumo
compensador? (BITTAR: 2006, 18).

Notas conjunturais

A queda das torres gêmeas transformou-se num marco simbólico que teria dado início a
uma nova era política e cultural, na qual a conquista dos “corações e mentes” constitui-
se como um imperativo na implantação dessa nova era. Os preceitos contidos no USA
Patriot Act; as prisões secretas da CIA; as condições carcerárias dos insurgentes do
Iraque e do Afeganistão se configuram como alguns exemplos grandiloqüentes desse
novo panorama que se pretende “naturalizar”. Nele, pretende-se a implantação de uma
hegemonia econômica, mas também a subordinação de culturas, estilos de vida e
mundividências, numa escala jamais dantes experimentada. Como já advertia Z.
Bauman, ponderando a partir do conceito de espaço social:

Visto que nunca se pode estar seguro de que a responsabilidade moral foi extinta de
uma vez por todas e não pode ser ressuscitada, o mais a que pode visar o espaçamento
social baseado cognitivamente é confinar a responsabilidade moral, se ele se torna de
novo vivo, dentro de fronteiras que correspondem grosseiramente à distinção entre a
intimidade da proximidade social e a estranheza da distância social: esculpir, por meio à
sua disposição, o permissível “universo das obrigações sociais” além das quais a
responsabilidade moral não alcançaria e assim não interferiria com as decisões
administrativas dos encarregados do especo social. Isso seria equivalente a isentar certas
categorias de humanos, marcados para banimento do espaço social (sejam criminosos,

6287
“inimigos do povo”, inimigos da nação, partido ou qualquer outra causa, ou “raças
estranhas” – e hostis) da classe de objetos potenciais de responsabilidade moral; em
outras palavras, equivaleria à desumanização dessas categorias de pessoas. (BAUMAN:
2007, 191).

Existem esferas ligadas à segurança e à inteligência que chegam mesmo a


considerar definitivamente encerrada a era dos direitos humanos. Estes teriam perdido
sua importância em função da ameaça terrorista no plano mundial, e assim, mesmo os
países autodenominados democráticos incluem “medidas emergenciais” em nome da
segurança nacional e da segurança pública, e com isso multiplicam-se perigosamente as
concessões contra os direitos humanos e fundamentais. A par disso, se expande uma
espécie de pacto de silêncio entre os Estados acerca dos abusos sistematicamente
cometidos, sobretudo no tocante à mobilização e às missões dos seus respectivos
serviços secretos e das chamadas comunidades de inteligência internacionais. A
violência ilegal vem sendo usada por essas organizações numa proporção alarmante e
crescente. Em nome do combate ao terrorismo, vive-se um decurso de terrorismo
oficial.

Considerando-se a implantação dessa nova ordem econômica internacional desde as


últimas décadas do século XX, cujo traço principal é a globalização financeira e o
empenho na mudança das funções clássicas dos Estados nacionais, vale indagar se não
se estaria inaugurando uma segunda etapa na arquitetura dessa nova ordem, qual seja, a
do implemento de uma nova ordem jurídica internacional. Em outras palavras: estariam
em decadência as conquistas da Modernidade no que tange às liberdades públicas e aos
direitos fundamentais, o que ensejaria um novo e abrangente modelo de dominação?

As novas diretrizes econômicas com base no chamado “ajuste estrutural”, já na segunda


metade da década de 1980, havia aumentado a distância entre ricos e pobres,
demonstrando assim tratar-se de um modelo altamente concentrador e excludente. Toda
a legislação social de vários países, destinada a uma distribuição mais igualitária da
riqueza produzida, não conseguiu resistir à nova tendência. No plano econômico, pode-
se afirmar que muitos Estados recuaram para o século XIX, sobretudo no tocante à
participação na seguridade social, nas relações de trabalho, e na privatização do
patrimônio publico. Com efeito, assistiu-se ao reaparecimento do famigerado exército
industrial de reserva, ainda mais gravado pela lógica férrea do desemprego estrutural.

A instituição do Estado que, segundo alguns analistas, teve seu auge entre 1945 e 1975,
vai experimentando o declínio dos seus aparelhos, tais como as empresas públicas, os
sistemas de seguridade social, o Judiciário, as Forças Armadas, a Polícia, e o ensino
público. Na proporção em que outras instituições assumem funções antes atribuídas ao
Estado, torna-se imprescindível um ajuste jurídico, em virtude das novas feições
adquiridas pelas sociedades, pelas nações, e pelos poderes que as comandam.

Entrementes, em comum com as demais ciências, o Direito vive uma crise de


identidade, a exigir uma consciência e uma visão interdisciplinar, que supere a
simplificação dogmática e siga ao encontro da complexidade da vida. Manifesta-se a
necessidade urgente de se superar a propalada objetividade da epistemologia
contemporânea, porquanto a cientificidade, na maioria dos casos, é prenhe de construtos

6288
metafóricos, rica de motivações subjetivas, portanto, dotada de altas doses de não-
cientificidade. O operador jurídico deverá despertar para essa questão, porquanto a não-
cientificidade, que atinge também o Direito, requer cuidados ainda maiores, a fim de
que os problemas humanos possam ser mais bem analisados e devidamente traduzidos
para o sistema jurídico.

Vale sublinhar que o fenômeno jurídico não se apresenta para o mundo como algo
acabado, sujeito a apenas uma interpretação/abordagem. Trata-se de um fenômeno
complexo, passível de diversas aproximações, dependendo dos pressupostos utilizados e
dos fins almejados. Desse modo, as variações existentes entre as disciplinas do
conhecimento jurídico não se devem a uma suposta diferença entre seus objetos. Estes
podem ser os mesmos, sendo que as verdadeiras distinções se devem, antes, aos
variados enfoques existentes para abordar tais objetos. Para os fins da presente reflexão
recorrer-se-á à reconhecida terminologia elaborada por Tércio Sampaio Ferraz Júnior
(2003, 41) que, partindo de Viehweg, divide em duas as possibilidades de se proceder a
um estudo genérico do Direito (fenômeno jurídico): os enfoques dogmático e zetético.

Nesta altura é oportuna a exposição de alguns fundamentos. A palavra dogmática


origina-se de dokein, que significa doutrinar, ensinar; também nos remete a dogma, o
ponto fundamental de qualquer teoria ou sistema. Este é um enfoque se operacionaliza
pela conformação de respostas e modelos a partir de premissas pré-definidas e
estabelecidas como inquestionáveis. As questões dogmáticas têm função diretiva e são
finitas, preocupando-se em possibilitar uma decisão e orientar a ação (FERRAZ JR:
2003, 40).

Por outro lado, a zetética vem de zetein, que significa perquerir, investigar. O enfoque
zetético prioriza a problematização e não necessariamente a busca por respostas.
Diferentemente da dogmática, não existem premissas prévias que orientem seu
raciocínio, e mesmo as premissas, na qualidade de evidências comprováveis e
verificáveis, podem ser colocadas em jogo e até mesmo abandonadas, caso as respostas
não sejam satisfatórias. Assim, não se busca conformar os problemas às premissas, mas
sim as premissas aos problemas. [1]

Dessa maneira, o fenômeno jurídico pode (e deve) ser abordado por ambos os enfoques.
No primeiro caso teremos o âmbito da dogmática jurídica composta de disciplinas
como Direito Civil, Direito Penal, Direito Tributário, e outras. No segundo, a zetética
jurídica, podem ser encontradas disciplinas como a Sociologia do Direito, Filosofia do
Direito, Teoria Geral do Direito, História do Direito, Criminologia, dentre outras.

Assim sendo, pode-se perceber que, apesar do primeiro enfoque privilegiar disciplinas
especificamente jurídicas, no segundo caso permanece sendo abordado o fenômeno
jurídico. Por essa razão, não há que se falar, como depreende o senso comum, em uma
“hierarquia de juridicidade”: nem as disciplinas dogmáticas, nem as zetéticas são mais
ou menos jurídicas, elas apenas representam estruturas metodológicas diferenciadas.

Todavia, nas últimas décadas, em virtude de um processo de “formalização” do estudo


do Direito, as disciplinas dogmáticas foram privilegiadas, ao passo que as zetéticas
perderam espaço como se não fossem propriamente jurídicas – tendo sido este um dos
maiores motivos pelos quais, nos currículos e nos projetos político-pedagógicos

6289
tradicionais dos cursos de Direito, as disciplinas chamadas “propedêuticas” passaram a
suscitar dúvidas quanto à sua relevância e pertinência.

Diante disso, o problema que surge é que, ao longo dos anos, o ensino do Direito ficou
atado a um enfoque do fenômeno jurídico que costuma, por suas próprias limitações
metodológicas, não problematizar seus conteúdos e pressupostos. Como foi dito,
partindo de premissas estabelecidas e impostas, se constrói todo um arcabouço para
orientar as ações sem a preocupação com os limites de seus próprios dogmas.[2]

É prudente ressaltar que o enfoque dogmático do fenômeno jurídico, parte de uma dupla
abstração: as normas – ou dogmas de ação – e as regras sociais de interpretação – ou
dogmas que dizem como devem ser entendidas as normas (FERRAZ JR: 2003, 49). O
estudo dogmático do Direito Penal, por exemplo, de um lado parte invariavelmente do
Código Penal e da legislação penal extravagante, de outro, dos princípios básicos de
interpretação contidos principalmente nos primeiros artigos do próprio Código.

Uma construção como essa, por exemplo, ensinará que a prática de homicídio ou de
roubo implica numa determinada pena, mas em momento algum irá discutir os critérios
sociais de criminalização, os quais redundam no fato de que apenas determinados
grupos sociais sejam mais frequentemente alcançados pela programação penal.

Assim, a dogmática jurídica corre o risco freqüente de cair na armadilha que ela mesma
constrói ao se basear no princípio da inegabilidade de seus dogmas, ou seja, o grave
risco de distanciar-se cada vez mais da realidade social. Afinal, ao se basear
fundamentalmente em abstrações, sejam elas normas jurídicas ou regras de
interpretação, os resultados depreendidos logicamente (segundo uma lógica formal) só
podem ser igualmente abstratos.

No entanto, isso não significa que é necessário se proceder a uma escolha entre o
modelo de pensamento limitador e acrítico, e um modelo aberto e crítico. Pelo contrário,
tendo consciência das diferentes abordagens possíveis para o fenômeno jurídico, é dever
de quem trabalha com esse objeto reconhecer os limites e as vantagens de cada enfoque
e, sobretudo, o modo de relacioná-los.

Ao mesmo tempo em que o estudo e a prática do Direito não podem abandonar as


normas jurídicas e as regras de interpretação, uma análise crítica implica muitas vezes
ter de se colocar ambas em xeque, redefinindo assim alguns pressupostos fundamentais.
Assim, de acordo com Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a opção pela visão dogmática,
típica das disciplinas profissionalizantes, não implica, em si, a opção por uma visão
acrítica. Como ele mesmo afirma ao tratar da disciplina de Introdução ao Estudo do
Direito:

Ao contrário, privilegiando o enfoque dogmático, o interesse é fazê-lo dentro de um


âmbito crítico. Ou seja, o objeto de nossa reflexão será o direito no pensamento
dogmático, mas nossa análise, ela própria, não será dogmática, mas zetética. Uma
introdução ao estudo do direito é uma análise zetética de como a dogmática jurídica
conhece, interpreta e aplica o direito, mostrando-lhe as limitações (FERRAZ JR: 2003,
51). [grifos do autor]

6290
Essa construção direciona para um aspecto axial da presente discussão: a fim de tornar
possível a superação do modelo tradicional de ensino jurídico que ao longo dos anos
deu ao enfoque dogmático uma suposta posição de superioridade, faz-se necessário
conduzir novamente ao mesmo nível hierárquico o enfoque zetético; pois somente dessa
maneira será possível, conforme a recomendação acima, efetuar-se uma análise zetética
de como a dogmática jurídica conhece, interpreta e aplica o direito, mostrando-lhe as
limitações.

Como foi dito, mudar o enfoque não é mudar o objeto, mas sim, modificar a
metodologia de abordagem do objeto. É com esta possibilidade que as disciplinas do
eixo humanístico podem efetivamente contribuir com as profissionalizantes. Ademais,
somente a partir desta estratégia inovadora as IES reunirão condições para formar
profissionais com visão global, capazes de captar a amplitude do conhecimento e do
patrimônio cultural humanos; bem como agir localmente, por meio de uma inserção
comunitária, a partir do campo jurídico, com vistas a uma intervenção consistente e
conseqüente. E, por fim, profissionais com sólido compromisso com a ética não apenas
na perspectiva de seu grupo ou categoria, mas da sociedade em geral.

O desafio deve ser possibilitar a transformação do olhar das disciplinas


profissionalizantes acerca da realidade, por meio da integração delas com as
metodologias pelas quais as disciplinas humanísticas abordam seus objetos respectivos.
Desta forma, deve ser buscada uma efetiva integração dos enfoques dogmático e
zetético. Ao mesmo tempo, disseminar neste percurso integrado das disciplinas, o
enfoque humanístico e interdisciplinar no intuito de se obter uma formação que se
consolide assim e propicie uma visão global da realidade histórico-política. E isso ao
romper com o ensino fragmentado e tecnicista, criando eixos substantivos de
significado a partir do enfoque zetético do fenômeno jurídico. Como estratégia
colateral, consolidar a integração entre ensino e pesquisa por meio da articulação
metodológica das pesquisas científicas e trabalhos de conclusão de curso.

Faz-se mister ainda, uma produção de conhecimento específico, por intermédio de


material didático, reflexões pedagógicas, textos específicos e material multimídia, na
qualidade de instrumentos de socialização, consolidação, e avaliação das experiências
integradoras.

Dos princípios

Com base no pressuposto de que é imperativo trazer o olhar diferenciado das disciplinas
humanísticas (zetéticas) para as disciplinas profissionalizantes (dogmáticas) e a fim de
tornar possível a realização dos objetivos pedagógico-políticos eticamente direcionados,
é importante explicitar a operacionalização de um Núcleo de Humanidades. Para tanto,
parte-se da própria distinção proposta por Tércio Sampaio Ferraz Júnior acerca dos
limites zetéticos, a saber:

6291
como [...] em toda investigação zetética, alguns pressupostos admitidos como
verdadeiros passam a orientar os quadros da pesquisa, é possível distinguir limites
zetéticos. Assim, uma investigação pode ser realizada no nível empírico, isto é, nos
limites da experiência, ou de modo que ultrapasse esses limites, no nível formal da
lógica ou da teoria do conhecimento ou da metafísica, por exemplo. Além disso, a
investigação pode ter um sentido puramente especulativo, ou pode produzir resultados
que venham a ser tomados como base para uma eventual aplicação técnica è realidade
(FERRAZ JR: 2003, 44). [grifos do autor].

Considerando tais limites, entende-se que o melhor caminho para a operacionalização


da integração entre as disciplinas humanísticas e as profissionalizantes deve ser
pavimentado em dois momentos, a saber: 1) a integração no plano epistemológico e, 2)
a integração no plano da experiência. Essa composição não implica somente um
reordenamento das disciplinas já existentes, mas a introdução de atividades e novas
metodologias para o tratamento do conteúdo programático das matérias que compõem a
matriz curricular, num trabalho direcionado para o desenvolvimento de competências.

Integração no plano epistemológico

A dogmática jurídica, como já foi dito, parte de determinados pressupostos


fundamentais para a construção de suas análises da realidade. Neste sentido, ela possui
alguns aspectos que lhes são próprios e que direcionam seu raciocínio e suas respostas.
Portanto, a integração neste nível serve para problematizar os próprios pressupostos das
disciplinas profissionalizantes e sua relação com a realidade jurídica.

Alguns exemplos poderiam ser: discussão dos elementos norteadores do direito


penal, como a pressuposição de que os crimes serão igualmente investigados e
processados, por meio da criminologia crítica; discussão dos pressupostos liberais do
direito civil incluídos em sua programação legislativa, como a liberdade para contratar,
tendo como referência a teoria crítica; discussão do sistema de execução penal a partir
dos debates sobre o poder disciplinar; discussão do modelo brasileiro de controle de
constitucionalidade a partir do debate sobre o guardião da constituição.

Por outro lado, as disciplinas profissionalizantes comportam uma preocupação que lhes
é muito cara – a orientação para a ação e a decisão judicial. A integração serviria para
introduzir novos elementos no sentido de que as dogmáticas possam realizar a sua tarefa
de construir peças processuais, pareceres e decisões judiciais. Seria exemplo: análise
dos conteúdos das decisões judiciais, em seu marco social, a partir da sociologia e da
antropologia jurídica. Acresce a inclusão de temas de teoria da argumentação, lógica e
hermenêutica nas disciplinas de prática jurídica simulada.

6292
Todas essas seriam formulações destinadas a banir ou amenizar os efeitos causados pela
ideologização do ensino jurídico formal. Dito de outro modo, e a partir de uma
discussão antiga acerca da “sociedade sem escolas”, Warat nos brinda com a seguinte
reflexão:

Os obstáculos pedagógicos e epistemológicos, os vícios da relação ensino-


aprendizagem, presentes nas formas da educação moderna e do modelo educativo do
Império contemporâneo, em poucas palavras, a escolarização levou muitos pedagogos a
sustentar a necessidade de desinstalar as escolas, apostando numa nova formação
humanista, baseada numa sociedade sem escolas, na desescolarização da sociedade (...).
Sem a intenção de radicalizar esta proposta de numa sociedade sem escolas, direi que o
mais importante dos processos de aprendizagem passa aquém e por fora das escolas.
Isto nos obriga, pelo menos, a afirmar o potencial educativo da contestação como nova
fórmula do processo ensino-aprendizagem; como dispositivo da realização daquilo que
eu chamo, (...) de “pedagogia do novo”, uma proposta pedagógica dentro do paradigma
do humanismo da alteridade.

De minha parte, penso que é possível efetuar um processo de desescolarização da


sociedade sem suprimir as instituições escolares, suprimir a função ideológica da
escolarização no interior das próprias escolas. É muito factível desescolarizar as escolas
sem suprimi-las (WARAT: 2004, 427ss).

Observações finais e proposta

Nesta altura, faz-se mais que oportuna a síntese magistral de Deisy Ventura:

Num mundo degradado e degradante, onde as coisas parecem sempre externas – a


mediocridade passa por meio de falsas evidências do estilo “eu gostaria que fosse
diferente, mas nada posso fazer” -, embarcar no trem do pensamento e escolher um
destino ousado é também uma forma de resgatar a ambição que o homem depositou
historicamente no saber. No caso dos cursos de Direito, em particular, mais do que uma
ambição acadêmica ou profissional, viajar com os olhos abertos gera uma possibilidade
para a ambição de justiça, que talvez devesse ser, por vocação, nosso melhor caminho e
única meta (VENTURA: ...).

Para a consecução dos objetivos estabelecidos para um NH, visando a integração por
meio do diálogo sistemático e permanente entre as disciplinas humanísticas
(denominadas propedêuticas) e as dogmáticas (denominadas profissionalizantes), faz-se
necessária uma estratégia, que aqui expomos a título apenas de sugestão, que viria a

6293
contemplar, numa etapa inicial, as seguintes atividades, devidamente planejadas e
detalhadas por intermédio de subprojetos:

Seminários de Integração – institucionalizados pela IES, destinados ao corpo docente.


A intenção seria produzir consenso em torno das atribuições do Núcleo, bem como
estabelecer conjuntamente entre os docentes os chamados pontos de contato entre as
disciplinas (os vínculos far-se-ão entre teorias partilhadas acerca de objetos de
interesse).

Laboratórios – análise conjunta de decisões judiciais (troca de material entre


professores das disciplinas zetéticas e os docentes da área selecionada para a
integração), de casos, de fatos, ou de produtos culturais, no intuito de que se estabeleça
uma rotina didática de aulas e atividades integradas.

Metodologia – vinculação dos projetos de Monografia e projetos de pesquisa dos


alunos da Graduação, cabendo ao Núcleo a orientação metodológica, de forma integrada
com os docentes orientadores, responsáveis pelos conteúdos.

Nesta altura é oportuno explicitar que, segundo a perspectiva da presente


reflexão, no funcionamento de um NH estariam alocados os seguintes conteúdos: Teoria
Geral do Direito; Filosofia Geral e do Direito; Sociologia Geral e do Direito;
Antropologia Geral e do Direito; Hermenêutica Jurídica; Lógica e Argumentação
Jurídica; Ciência Política; Teoria Geral do Estado; Economia Política; e História do
Direito. Acresce que a implantação de um modelo de integração, tendo como base
funcional um Núcleo de Humanidades, voltado para a manutenção do diálogo e de
atividades pluri e interdisciplinares, assim como para a melhoria da qualidade
metodológica das pesquisas em nível de graduação e pós.

Em verdade, trata-se de uma proposta na contramão da tendência circulante,


muito embora possa já ter sido estabelecido o consenso de que se trata de uma aspiração
arcaica e quimérica, no entanto trata-se em última instância de se aproximar Direito e
Justiça. Em outras palavras, insistir na qualidade da Justiça como referente ético:

O sentimento e a idéia do justo manifestam-se no inconformismo com as situações de


injustiça vividas na sociedade. Assim, a Justiça pode ser significada a partir de sua falta
– da injustiça. Daí poder-se afirmar que a Justiça é uma categoria da ordem do
existencial. Está enraizada no ser e no existir do homem. Não constitui uma abstração
conceitual, algo definido a priori e para sempre. É sim, uma vivência, uma práxis
social, da qual somente se pode aproximar empiricamente, descrever
fenomenologicamente e compreender, pela razão e sensibilidade, os sentidos
constitutivos do seu sentido. Sentido este que estará sempre em aberto, dado a seu
caráter de provisoriedade e incompletude.

[...]

6294
O Direito para ser efetivamente justo, democrático, ético, supõe uma atitude de
presença, de atenção, de cuidado com a vida (da natureza, do homem e da sociedade).
Necessita compreender os desafios próprios da vida cotidiana, perscrutando o
imaginário social para aí identificar as carências, sonhos, utopias, desejos, esperanças e
desesperanças que portam as pessoas, as comunidades e a sociedade como um todo
(DIAS: 2005, 185s).

Tal orientação descortina desde logo alguns avanços no processo ensino-aprendizagem,


a saber: a) qualificação do corpo docente; b) aumento de demanda para os Programas de
pós-graduação stricto sensu; c) contribuição efetiva para a qualidade do ensino jurídico
nacional na proporção em que equaciona e encaminha a questão da integração entre as
áreas zetética e dogmática e; d) produção de material didático na área das humanidades,
mais adequados aos alunos e aos cursos de graduação em Direito.

Na atualidade, experimenta-se o consumo como se fosse a expressão maior das


possibilidades hum horizonte democrático cada vez mais estreito. Neste quadro o
consumo teria como função precípua minimizar ou mesmo corrigir as desigualdades
sociais. Contudo, trata-se de uma impostura, justamente quando deixa absolutamente
intacta a questão das estruturas e dos poderes decisórios. Ao ignorar conteúdos sociais,
o sistema cria condições favoráveis para a sua própria sobrevivência e reprodução. Do
ponto de vista da prática política, a insistência no modelo de individualismo alienado e
voluntarista, inerente a essa ideologia, que assinala as mudanças pessoais em detrimento
das sociais, não deixa de ser um ”cheque em branco” para as instâncias detentoras do
poder.

Assim, torna-se estratégica a retomada do debate acerca da relevância do pensamento e


das disciplinas que gravitam em torno das questões humanas e sociais, uma vez que, o
contrário disso seria uma capitulação diante do fato de que prevalece apenas o medo de
se construir novos projetos sociais e novos valores, aptos a confrontar a tendência de um
projeto politicamente unidimensional, encoberto pelo relativismo e pela variedade
cultural. Para que a universidade brasileira reencontre o caminho de sua relevância, faz-
se mister a reconciliação com o conhecimento crítico, reflexivo e, por isso mesmo,
insubmisso aos interesses do mercado total. Caso contrário, estaremos condenados a
simplesmente reproduzir em nossas IES as desigualdades que historicamente marcaram
a história brasileira.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Ética pós-moderna. São Paulo: Paulus, 1997.

6295
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Estudos sobre ensino jurídico: pesquisa,
metodologia, diálogo e cidadania. 2ª. Edição, rev., modificada, atual. e ampl. São Paulo:
Atlas, 2006.

DIAS, Maria da Graça dos Santos. “Justiça: referente ético do direito”. In: XIV
Encontro nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,


dominação. 4ª Ed, rev e ampl. São Paulo: Atlas, 2003

VENTURA, Deisy de Lima. “Do direito ao método e do método ao direito”. In


CERQUEIRA, Daniel Torres e FRAGALE FILHO, Roberto. O ensino jurídico em
debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. Campinas, SP:
Millennium Editora, 2006.

WARAT, Luis Alberto. “Sobre a impossibilidade de ensinar direito”. In:


MEZZAROBA, Orides, DAL RI JR, Arno, ROVER, Aires José e MONTEIRO, Cláudia
Sevilha [Coords.]. Epistemologia e ensino do direito: o sonho acabou. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2004.

[1] Ibid., loc. cit. Insta, no entanto, ressaltar, com Tércio, que “Esse questionamento
aberto, que faz dos problemas zetéticos questões infinitas, não significa que não haja
absolutamente pontos de partida estabelecidos de investigação. Isto é, não se quer dizer
que algumas premissas não sejam ainda que provisória e precariamente, postas fora de
dúvida. Assim, por exemplo, a sociologia do direito (zetética) parte da premissa de que
o fenômeno jurídico é um fenômeno social. Isso, entretanto, não a confunde com uma
investigação dogmática” (FERRAZ JR: 2003, 42).

[2] “[...] é preciso reconhecer que, nos dias atuais, quando se fala em Ciência do Direito,
no sentido do estudo que se processa nas Faculdades de Direito, há uma tendência em
identificá-la com um tipo de produção técnica, destinada apenas a atender ás
necessidades do profissional (juiz, advogado, promotor) no desempenho imediato de
suas funções, Na verdade, nos últimos 100 anos, o jurista teórico, por sua formação
universitária, foi sendo conduzido a esse tipo de especialização, fechada e formalista”
(FERRAZ JR: 2003, 48).

6296

Vous aimerez peut-être aussi