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Literatura e Ensino


Tânia Regina Oliveira Ramos
Gizelle Kaminski Corso

Período

Florianópolis - 2010
Governo Federal
Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro de Educação: Fernando Haddad
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Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a Distância


Diretora Unidade de Ensino: Felício Wessling Margutti
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Tânia Regina Oliveira Ramos
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ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância.

Ficha Catalográfica
R175l Ramos, Tânia Regina Oliveira
Literatura e ensino / Tânia Regina Oliveira Ramos, Gizelle
Kaminski Corso. – Florianópolis : LLV/CCE/UFSC, 2010.
104 p.

ISBN 978-85-61482-27-5

1.Literatura – Estudo e ensino. 2. Literatura – Historiografia. 3. Litera-


tura moderna. I. Corso, Gizelle Kaminski. II. Título.
CDU: 82:37

Catalogação na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitária da


Universidade Federal de Santa Catarina.
Sumário
Apresentação . .................................................................................... 7

Unidade A - A literatura em questão........................................... 9


1  A literatura em sina......................................................................................11
2  As institucionalizações da literatura......................................................17

Unidade B - Professores, alunos e literatura...........................25


3  Relação literatura e ensino........................................................................27
4  A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a internet). ..33
5  Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de
(in)formação literária...................................................................................39

Unidade C - A leitura na escola....................................................47


6  A literatura infantojuvenil..........................................................................49
7  Ilustração: Palavras e imagens. ................................................................57
8  As adaptações de textos clássicos..........................................................63

Unidade D - A literatura na escola..............................................71


9  A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular. ......73
10  O texto literário na escola: apontando caminhos.............................91

Referências ........................................................................................99
Apresentação

N
ossa disciplina objetiva principalmente pensar a futura prática
como professoras e professores de Literatura. Por essa razão ela é
apresentada a partir da voz de uma professora. Sua inquietação e
seu questionamento motivaram a trajetória das nossas escolhas e dos tópicos a
serem aqui apresentados. Eis o que nos escreveu a professora Fabiana Cardoso
Fidelis: “Como sabem, pela primeira vez estou ministrando aulas para o ensino Fabiana Cardoso Fidélis é
professora de ensino mé-
médio. Tenho a disciplina de língua portuguesa (três períodos), na qual se inclui
dio no IFRS e é doutoran-
os conteúdos de literatura. O currículo estabelecido segue mais ou menos o que da do Programa de Pós-
Graduação em Literatura
está nos livros didáticos, conforme as séries, dividido em gramática e períodos
na UFSC, desenvolvendo
literários. O professor faz o plano e organiza sua metodologia em cima do currí- uma pesquisa sobre leitu-
ra e ensino.
culo (na prática, no ensino médio federal, conduz sua aula como acha melhor).
Assim sendo, no que se refere à literatura, tenho tentado trabalhar com a leitu-
ra de algumas obras ou trechos delas – numa perspectiva da tradição – e delas
tirar as características estéticas do período – quero que pelo menos os alunos
conheçam trechos das obras, se não a obra inteira. Bom, estamos reformulando
o currículo dos cursos técnicos na escola e fiquei me perguntando sobre o fato de
a literatura estar incluída na aula de língua portuguesa e o quanto a literatura
fica em segundo plano por isso. Sei que o ideal seria integrar as duas disciplinas, Criado em 1998 e que
de forma que se trabalhasse com análise de textos literários como algo que fizesse tem por objetivo avaliar o
desempenho do estudan-
parte da língua, com suas especificidades, mas na prática sabemos que não é te ao fim da escolaridade
bem isso que ocorre. O professor que tem sua formação voltada para a língua básica. Podem participar
do exame alunos que es-
portuguesa acaba trabalhando muito pouco a literatura ou nem trabalha. Vimos tão concluindo ou que já
isso na pesquisa que fizemos em escolas. Os alunos não conheciam nem tinham concluíram o ensino mé-
dio em anos anteriores. O
lido nenhuma obra literária. Então fiquei me perguntando se não seria melhor Enem também é utilizado
dedicar um período ao ensino de literatura. Acho que o ideal mesmo seriam dois como critério de seleção
para os estudantes que
e dois, ou seja, dois períodos (duas aulas) para o ensino de literatura e dois para pretendem concorrer a
o ensino de língua portuguesa – estrutura e funcionamento da língua, mas acho uma bolsa no Programa
Universidade para Todos
difícil que o aceitem, porque os pedagogos e professores de outras áreas têm a (ProUni). Atualmente,
ideia de que Português é importante, mas que a literatura tem muita “firula”. cerca de 500 universida-
des já usam o resultado
Parece-me que seria positivo para a disciplina de literatura ser novamente reco- do exame como critério
nhecida como disciplina separada; por outro lado, acho que a integração dentro de seleção para o ingresso
no ensino superior, seja
da mesma disciplina, com o mesmo professor, também tem suas vantagens. Os complementando ou
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais, o Enem- Exame Nacional do Ensino substituindo o vestibular.
Médio, tudo se encaminha para colocar a literatura dentro da área de códigos e
linguagens, apenas como mais um gênero literário, no mesmo status dos outros.
Em um dos simulados do Enem em 2009, por exemplo, o que há de literatura são
apenas duas questões sobre Manoel de Barros, e são questões interpretativas. O
que vocês, que trabalham na sala de aula ou com estágios, pensam a respeito?
Como é nas escolas em que trabalham?”

O desabafo individual foi interpretado por nós como uma angústia coletiva.
Quem de nós já não vivenciou essas questões como professor ou como aluno?
É possível se ensinar literatura? É possível aprender literatura? É possível con-
quistar um espaço disciplinar para a Literatura? Literatura se ensina?

Nossa disciplina procurará responder questões sobre a relação entre literatu-


ra e ensino que distribuímos em quatro unidades, as quais perfazem o total
de dez tópicos. Selecionamos o que nos pareceu mais importante. Ao final de
cada um dos tópicos colocamos reflexões para serem feitas entre si ou indi-
vidualmente, paralelas às atividades do ambiente virtual. Alimentamos tam-
bém nossa webteca com excelentes textos sobre o tema da nossa disciplina.
Cada tópico percorre um caminho de sugestões de leituras. Demos a elas uma
nomenclatura que metaforiza nossa trajetória cotidiana como estudantes uni-
versitários e como futuros professores: preparatório, pré-requisito..., troca de
experiências, na margem, intervalo, passando a limpo, primeiras leituras, pausa,
depois da aula e lições, todos sugerindo uma fala. Giorgio Agamben, fazendo
uma leitura sobre o conceito de experiência, chama à atenção para que hoje
AGAMBEN, Giorgio. Infân- não basta só o homem que sabe (homo sapiens), mas o homem que sabe e que
cia e história. Destruição pode falar (homo loquens). A fala de um professor vai depender, segundo ele,
da experiência e origem
da história. Belo Horizon- do homo sapiens, mas também do homo loquens. Assim, a nossa experiência,
te: Editora da UFMG, a nossa fala ou o nosso conhecimento facilitarão nosso trabalho como profes-
2005, p. 14.
sores de Literatura.

Tânia e Gizelle
Unidade A
A literatura em questão
A literatura em sina Capítulo 01
1 A literatura em sina

Mas a nós, que não somos nem cavaleiros da fé nem super-homens, só


resta, por assim dizer, trapacear com a língua, trapacear a língua. Essa tra-
paça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua
fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu
a chamo, quanto a mim: literatura.

(BARTHES, 1978, p. 16)

Por que a literatura em sina? A palavra “sina” pode tanto significar


“sorte” quanto “destino” e a literatura pode passar a fazer parte da nos-
sa história de vida por acaso (sorte?), ou estar predestinada a ingressar
nessa mesma vida por uma via determinada pelo processo de escolari-
zação ou por outra via, que possivelmente passa pela inserção familiar,
econômica, social (destino?). A literatura destinada. A literatura na sor-
te. A literatura em questão. A literatura em sina ou, de acordo com sua
sonoridade, a literatura “ensina”.

A literatura em sina ensina, ou seja, a literatura, enquanto destino


(ou sorte?), projetada como leitura, ficção, ingressa formalmente na vida
dos estudantes desde as séries iniciais do ensino fundamental como me-
canismo de imaginação, viagem, deleite, prazer, aprendizagem, e atinge
o ensino médio sustentada pela força disciplinar da leitura obrigatória
para o vestibular.

Por que a relação da literatura e da leitura na escola sofre tal meta-


morfose? Por que passa de um estágio a outro sendo vista como apenas
um conteúdo a mais a ser digerido? Onde foi parar a leitura enquan-
to prazer e deleite? A leitura que possibilitaria a construção de sujeitos
mais críticos e criativos?

Em Epistula ad Pisones [Carta aos Pisões], conhecida como Arte


Poética, o poeta lírico, satírico e filósofo latino Horácio (65 a.C. - 8 a.C.)
compreendia que um dos preceitos da arte era o de deleitar, mas o de,
também, ensinar (docere cum delectare – deleitar ensinando). Ao enfo-

11
Literatura e ensino

car a assertiva de Horácio, deleitar e ensinar, deparamo-nos com outra


pergunta: é possível mesmo ensinar literatura?

Será o seu objetivo, como questionou a pesquisadora e professora


da Universidade Federal Fluminense, Cyana Leahy-Dios (2000, p. 15),
Cyana Leahy-Dios é em Educação literária como metáfora social: desvios e rumos, o de “criar
escritora, pesquisadora,
professora, tradutora e consumidores, produtores de literatura, ou ambos?”. Complementa a
editora. Atua em várias pesquisadora, ao detectar duas grandes contradições entre os progra-
áreas de pesquisa, como
literatura e ensino, nar- mas de estudo de literatura:
rativas autobiográficas,
semiótica e sociedade, A primeira é a discrepância entre os objetivos declarados para a educa-
literatura comparada e ção literária, sempre situados ao redor do eixo de “satisfação pessoal,
teoria da tradução.
social e cultural”, e os conteúdos, baseados na descrição cronológica e
acrítica de fatos sociais, econômicos, políticos e geográficos que deve-
riam justificar a produção literária de um dado período, em dada região
do país, por dadas razões – frequentemente apenas históricas. (LEAHY-
DIOS, 2000, p. 190).

Lançamos aqui algumas perguntas que ainda fazem parte de certas


práticas de avaliação do contexto cultural. Por que estudar literatura na
escola? Para ser uma pessoa melhor; para ter conhecimento de textos
consagrados; para obter domínio da linguagem escrita; para ter uma
outra visão de fatos históricos, políticos e sociais, locais e universais;
para se expressar melhor; para poder fazer comentários de livros; para
conhecer o cânone literário - as obras consagradas pela tradição?

Numa época em que os textos considerados clássicos são substitu-


Cânone
ídos na maioria das vezes pelos produtos da indústria cultural, parece
“O termo grego kanon
(“espécie de vara de fazer sentido a preocupação e a necessidade do professor norte-ameri-
medir”) afirmou-se na cano Harold Bloom de resgatar escritores clássicos universais para leito-
cultura românica com
res de todas as idades, corroborando a ideia de uma formação precoce
sentido preciso de “nor-
ma” ou “lei”. Porque é do leitor voltada para uma literatura com bons textos, sem adjetivação
um processo de selec- excessiva, cortes e adaptações.
ção e exclusão, a forma-
ção de um cânone obe- Harold Bloom é extremamente adepto ao incentivo da leitura dos
dece inexoravelmente clássicos, e isso pode ser confirmado por intermédio de seus manifestos,
a uma afirmação de po-
How to read and why (2000) e The Western Canon (1994), traduzidos
der.” (CEIA, 2004, p. 121)
para a língua portuguesa respectivamente com os títulos Como e por que
ler e O cânone ocidental, nos quais apresenta uma espécie de clamor à

12
A literatura em sina Capítulo 01
leitura dos autores e livros clássicos, oferecendo, no primeiro, caminhos
William Shakespeare
de leitura para determinadas obras, afirmando que “Ler bem é um dos (1564-1616) – poeta e
grandes prazeres da solidão [...]. Ler nos conduz à alteridade, seja à nossa dramaturgo inglês; au-
própria ou à de nossos amigos, presentes ou futuros” (BLOOM, 2001a, tor das peças Romeu e
Julieta, Hamlet, Rei Lear,
p. 15). Já no segundo livro, estuda e interpreta 26 escritores, elegendo o entre inúmeras outras.
escritor inglês William Shakespeare como figura central do cânone uni-
versal e do cânone ocidental ao lado do poeta italiano Dante Alighieri.
Dante Alighieri (1265-
Os autores que compõem a lista de cânones foram escolhidos por Bloom
1321) – poeta, escritor
tanto pela sublimidade da temática quanto pela natureza representativa. e político italiano; autor
Para ele, sem o processo da influência literária, não pode haver literatu- da Divina Commedia.
ra forte, canônica, clássica. Um antigo teste para o reconhecimento da
literatura canônica, segundo Harold Bloom, continua sendo a questão e Miguel de Cervantes
a necessidade da releitura. Salienta, porém, que ler o cânone não torna o Saavedra (1547-1616)
ser humano melhor ou pior, um cidadão mais útil ou nocivo à socieda- – romancista, drama-
turgo e poeta espanhol;
de, a verdadeira utilidade de Shakespeare ou Cervantes, de Homero ou
autor de Don Quijote de
Dante, de Chaucer ou Rabelais, “é aumentar nosso próprio eu crescen- la Mancha.
te. [...] Tudo o que o Cânone Ocidental pode nos trazer é o uso correto
de nossa solidão, essa solidão cuja forma final é nosso confronto com
nossa mortalidade” (BLOOM, 2001a, p. 36-37). Homero (séc. VIII a.C.) -
poeta grego que se
Se o cânone, como afirma Bloom, não nos torna melhores nem pio- consagrou pelo gêne-
ro épico; embora haja
res, mais úteis ou nocivos, por que (a boa) literatura? Literatura para
inúmeras contestações
quê? Literatura para quem? a respeito de sua exis-
tência, é compreendido
O professor da USP e importante crítico literário Antonio Candi- como autor das epo-
do, em palestra proferida no curso organizado pela Comissão de Justiça peias Ilíada e Odisseia.
e Paz da Arquidiocese de São Paulo em 1988, intitulada “O direito à lite-
ratura”, palestra posteriormente publicada em livro, elabora uma síntese
Chaucer (1343-1400) -
didática a respeito da função da literatura. Ele afirma estar a literatu-
filósofo, escritor e diplo-
ra “ligada à complexidade de sua natureza” (CANDIDO, 1995, p. 244). mata inglês; autor de
Diante dessa complexidade, aponta três faces: (1) construção de objetos Os Contos da Cantuária
autônomos como estrutura e significado; (2) forma de expressão; ma- [The Canterbury Tales].

nifesta emoções e a visão de mundo dos indivíduos e dos grupos e (3)


forma de conhecimento. François Rabelais
(1483-1553) - padre,
A terceira face, de fato, é a aparentemente mais difundida – ao re- médico e escritor do
duzirmos o estudo da literatura a conhecimento –, no entanto, o efeito Renascimento; autor de
Gargântua e Pantagruel.
das produções literárias, corrobora Antonio Candido (1995, p. 245),

13
Literatura e ensino

é devido à atuação simultânea dos três aspectos, embora costumemos


pensar menos no primeiro, que corresponde à maneira pela qual a men-
sagem é construída; mas esta maneira é o aspecto, senão mais impor-
tante, com certeza crucial, porque é o que decide se uma comunicação
é literária ou não.

Seguindo com as reflexões de Antonio Candido, tendo em mente o


Antonio Candido, crítico literário título de seu texto, todo o ser humano tem direito à literatura; não há ser
estudioso da literatura brasileira e
estrangeira.
humano que consiga viver sem ela [a literatura], “sem a possibilidade
de entrar em contato com alguma espécie de fabulação” (CANDIDO,
1995, p. 242). Essa satisfação, via literatura, constitui-se direito e fator
indispensável de humanização.

Entre os limites com a filosofia e as ciências humanas, a literatura


é concebida como “pensamento e conhecimento do mundo psíquico e
social em que vivemos” (TODOROV, 2009, p. 77); faz viver experiências
singulares, solitárias, únicas, de condição humana, podendo “transfor-
mar a cada um de nós a partir de dentro” (TODOROV, 2009, p. 76).
Quem está em contato com ela [a literatura] não se torna um especialista
em análise literária, mas um conhecedor do ser humano. Seria, então:

A literatura como direito, não como dever.

A literatura que humaniza, verbaliza, realiza, dinamiza, pluraliza.

Sim, a literatura, seja ela em sina ou em cena, ensina.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus


colegas, tutores e professores:
1. O que você(s) entende(m) por literatura canôni-
ca? Que autores e obras seriam, por exemplo, re-
presentativos da literatura brasileira canônica?

2. O professor português Carlos Ceia, em A literatu-


ra ensina-se, lançou uma questão pertinente: “será

14
A literatura em sina Capítulo 01
que o cânone português consegue dar aos Portugueses o sentido exacto da
sua história nacional?” (CEIA, 2004, p. 32). E o cânone brasileiro, na sua opinião,
consegue dar aos Brasileiros o sentido exato de sua história nacional?

3. Até que ponto a literatura canônica responde as necessidades e os interes-


ses das novas gerações de leitores?

4. Você(s) acha(m) que na(s) sua(s) história(s) de vida você(s) teve(tiveram) di-
reito à literatura, como propôs Antonio Candido?

Leia mais!

Preparatório, pré-requisito...

Roland Barthes escreveu importantes textos sobre a questão do ensino e


da leitura. Sugerimos que este tópico seja complementado com estas refe-
rências:

BARTHES, Roland. “Escritores, intelectuais, professores”. In: O ru-


mor da língua. Tradução de Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense,
1988a, p. 313-332.
______. “Da leitura”. In: O rumor da língua. Tradução de Mário Laran- O tradutor Mário Laran-
jeira. São Paulo: Brasiliense, 1988b, p. 43-52. jeira manteve o título
original (em francês) deste
______. “Reflexões a respeito de um manual”. In: O rumor da língua. texto, mas inseriu a tradu-
ção em nota de rodapé,
Tradução de Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988c, p. 53-59. que significa: “No ou ao
______. “Au séminaire”. In: O rumor da língua. Tradução de Mário La- seminário” (1988, p. 333).
ranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988d. p. 333-342.

15
As institucionalizações da literatura Capítulo 02
2 As institucionalizações da
literatura
A enciclopédia de arte que meu pai me deu. Estupenda, fica comigo,
transferida da categoria de livro/leitura para a de totem. Dela não há quem
me separe. Idem para os outros livros de arte, os catálogos dos museus e os
das grandes exposições.

(COLASANTI, 2007, p. 160)

“Será que a literatura pode ser para nós algo que não uma lembran-
ça de infância?” (BARTHES, 1988c, p. 57), questionou Roland Barthes,
em 1969, em Conferência pronunciada no Colóquio O Ensino da Litera-
tura, intitulada “Reflexões a respeito de um manual”. Essa pergunta do
ensaísta francês vem em virtude de algumas observações que ele apre-
senta a respeito de um manual de história da literatura francesa. Em-
bora definidas pelo próprio autor como “improvisadas”, “simples” e até
“simplistas”, suas observações partem de um questionamento crucial: o
que persiste depois do colégio? Como sobrevive a literatura pós-ensino
médio, pós-vestibular?

Roland Barthes enumera duas possíveis lembranças de infância pelas


quais a literatura supostamente sobreviveria pós-colégio. A primeira
seria a lembrança do que ele denomina monemas da língua (lembran-
ças de nomes esparsos de autores, escolas, movimentos, gêneros e
séculos); a segunda, a de que a História da Literatura Francesa (e aqui
não poderíamos excluir a(s) da Literatura Brasileira – Sílvio Romero,
José Veríssimo, Alfredo Bosi, Afrânio Coutinho...), é feita de censuras
que seriam: a ausência de uma economia e de uma sociologia da lite-
ratura; sexualidade; literatura (jamais definida enquanto conceito) e
linguagem (classicocentrismo). Para apenas não apontar problemas
nesses manuais, compêndios, florilégios, bosquejos, Roland Barthes
apresenta pontos de acertos provisórios, o que valeria dizer, possíveis
soluções para o que deveria, ou melhor, como deveria ser feita a ideia
de uma história da literatura: inverter o classicocentrismo, ou seja, es-
tudar a história da literatura de frente para trás; substituir pelo texto o
autor, a escola, o movimento, e desenvolver a leitura polissêmica.

17
Literatura e ensino

Pensando-se nessas questões e soluções, podemos perceber que, por


meio dessas reflexões, Roland Barthes coloca em xeque, de certa forma,
a institucionalização da literatura. O que seriam os manuais/histórias da
literatura se não imposições de determinadas escolhas? O que deveria
ser apre(e)ndido? Estudado? Que autores e obras deveriam ser lidos?

Sabemos que, grosso modo, as Histórias da Literatura, vistas e revis-


Roland Barthes, escritor e crítico
tas no Brasil desde o século XIX, aliadas ao conceito de nacionalismo,
literário francês.
no sentido de abarcar toda a produção literária da nação, e identidade
literária, surgiram como uma espécie de resgate para que não se perdes-
sem as produções literárias efetuadas até então. Assim, essas histórias
são elaboradas de acordo com determinados olhares, que incluem sele-
ção e exclusão de autores e obras.

Em consonância com essa suposta instituição da literatura, via lis-


tagem de autores e obras que traduziriam (um)a identidade literária bra-
sileira – com caráter de legitimação -, há os movimentos academicistas
que aconteceram, no Brasil, no século XIX – agremiações que passaram
a ser vistas como oficialidades da intelectualidade. A Academia Imperial
de Belas Artes (1816) foi uma das precursoras desse tipo de agremiação,
mas foi com a criação da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1896,
Além da ABL, é impres- que se estabeleceu uma autêntica expressão literária academicista. Surgi-
cindível citar que outras da em um momento de indecisões estéticas, que incluía as vozes roucas
instituições, na passagem
do século XIX para o da estética naturalista disputando espaço com as inovações do simbolis-
XX, contribuíram para mo e o aparecimento lateral dos chamados pré-modernistas, no início do
a consolidação de um
cenário literário no Brasil: século XX, a Academia Brasileira de Letras instaurou-se como represen-
imprensa, livrarias, centros tante de um ideário estético. Segundo Mauricio Silva (2007, p. 71),
acadêmicos e entidades
culturais diversas.
a Academia tornou-se, na época de sua fundação, uma referência artísti-
ca incontestável. Foi objeto de desejo, ainda que não declarado, da maior
parte de nossos escritores, mesmo daqueles cuja obra estava, reconhe-
cidamente, distante dos cânones acadêmicos; deu prestígio aos eleitos
e causou despeito em muito autor cujos méritos iam além do reconhe-
cimento oficial. Do ponto de vista da expressão artística, mais do que de
uma perspectiva social, o movimento academicista foi segregacionista:
cooptou exclusivamente os autores que, de certo modo, enquadravam-
se em seus padrões de fruição estética, alijando de suas lides os demais.
Isso permite visualizar a Academia Brasileira de Letras, pelo menos du-
rante o que se pode considerar o período áureo – suas primeiras duas
décadas –, como uma agremiação esteticamente homogênea.

18
As institucionalizações da literatura Capítulo 02
Esse movimento artístico foi, também, responsável por fortalecer
determinadas tendências artísticas em detrimento de outras. Erigindo-
se como ponto de referência cultural, a Academia Brasileira de Letras
passou a ser, por duas décadas, um dos representantes oficiais da lite-
ratura brasileira. De acordo com as eleições da Academia, e das compi-
lações das diversas histórias da literatura efetuadas durante anos, foi se
configurando o ensino da literatura, que passou a ser institucionalizado
também pela Escola e pela Universidade.

A Universidade, conjunto de faculdades ou escolas para a especiali-


zação profissional e científica que tem por objetivo promover e divulgar
conhecimentos, institucionaliza, escolhe, exclui e, de certa forma, impõe
o que é importante ser estudado/apre(e)ndido em matéria de literatura.
Além disso, é considerada um dos recintos e abrigo dos intelectuais-pro-
fessores (ou professores-intelectuais), que fazem suas escolhas (autores,
obras, teorias) de acordo com seus anseios, pesquisas, inquietações, os
quais são tornados públicos por meio de livros, artigos, periódicos, confe-
rências, discussões públicas, ensino universitário; obviamente sujeitas ao
mercado e a questões políticas. A Universidade - mais especificamente os
seus cursos de Letras - é uma das instituições responsáveis pela institu-
cionalização da literatura, especialmente a canônica, que existe e resiste
devido à sua dependência dos departamentos que o exigem. Cânones
universitários, segundo o professor e pesquisador português Carlos Ceia
(2004, p. 118), “são muito mais liberais e variáveis de disciplina para dis-
ciplina, de professor para professor, de instituição para instituição.” Por
outro lado, o processo de canonização é sempre uma revolução crítica,

o poder central deve acreditar que existe a possibilidade de constituir


um grupo de canonizadores com competência científica publicamente
reconhecida para levar a cabo a tarefa da constituição ou revisão de um
documento por existir ou já existente. Para além da questão da com-
petência jurídica e científica dos formadores de cânones, acrescem as
questões (quase sobrepostas) dos critérios de selecção e de abertura, da
resistência ao cânone e da própria fundamentação filosófica do cânone.
(CEIA, 2004, p. 117).

A consolidação do cânone na Universidade, efetuada por profis-


sionais reconhecidamente críticos e competentes, não resolve completa-
mente a problemática de ensino. Pelo contrário, gera constantes desen-

19
Literatura e ensino

contros entre o cânone dos cursos universitários e o cânone do ensino


fundamental e médio nas escolas.

A Escola, por outro lado, cujo nascimento foi tão precário quanto
o da imprensa, segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1996), foi (e
ainda é) uma das instituições responsáveis por fazer com que os estudan-
tes tenham acesso ao livro e, consequentemente, cheguem à literatura. É
nela que vão atuar os professores, formados/instruídos pela Universidade,
e que se deparam com uma realidade distinta do ambiente acadêmico. Ali
[na escola], são recebidos de braços abertos pelo livro didático e o ado-
tam como fiel companheiro de carreira. Diante dessa situação, indefesos,
os não mais acadêmicos, mas agora professores, entram em constantes
choques de o que/como trazer para a sala de aula o que aprenderam na
universidade. Um desses embates está justamente na proposição de Car-
los Ceia:

Uns defendem que a universidade deve ensinar aquilo que depois os


futuros professores terão que ensinar; outros contra-argumentam que
a universidade não é uma fábrica de programação de professores, pelo
que tal comunidade é sustentável. (CEIA, 2004, p. 118)

Entre os moldes aprendidos nos Cursos de Letras e os conteúdos pro-


gramados pelo livro didático, o ensino da literatura na escola por muito
tempo tem sido enfatizado pela história da literatura e sua divisão em
escolas literárias – modelo que pouco contribui para a formação dos lei-
tores que acabam decorando características soltas (e muitas vezes impró-
Currículos e programas prias) de determinadas escolas, títulos de obras e autores, datas, sem ter
de literatura não fazem
referência (até 1994/1995, lido livro algum. Herdamos a historiografia e, durante anos, fizemos dela
período da pesquisa de nossa maior aliada para que o ensino da literatura fosse levado adiante.
Cyana Leahy-Dios) a ques-
tões de gênero, raça ou Segundo a professora Cyana Leahy-Dios, a contribuição oficial da educa-
classe social. ção literária no Brasil foi a de fornecer uma combinação de compreensão
e produção textual e documentação histórica, afirmando que “os progra-
mas de literatura propostos para o ingresso na maioria das universidades
públicas estão fundamentados na história da literatura brasileira e, apenas
em circunstâncias excepcionais inclui-se o estudo de textos escritos por
mulheres, ou de literatura local.” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 71-72).

Seguindo as reflexões efetuadas partindo de sua pesquisa, Cyana


Leahy-Dios afirma haver apenas um autor negro a ser estudado: Cruz e

20
As institucionalizações da literatura Capítulo 02
Sousa, e fortalece suas indignações dizendo que:
Conforme Redação dada
há apenas um autor negro a ser estudado: Cruz e Sousa. Nem há tam- pela Lei nº 11.645, de
2008: “§ 2o Os conteúdos
pouco, na seletividade do cânone de educação literária, autores não- referentes à história e cul-
brancos que tratem da questão racial. O número elevado de escritores tura afro-brasileira e dos
contemporâneos de prosa e poesia não encontra espaço na educação povos indígenas brasilei-
ros serão ministrados no
literária, que igualmente ignora textos literários que tratem da ditadura âmbito de todo o currícu-
militar dos anos 60 a 80, com os contrastes e características multicultu- lo escolar, em especial nas
rais do país, entre gêneros, classes sociais, etnias e suas culturas. (LEAHY- áreas de educação artísti-
ca e de literatura e história
DIOS, 2000, p. 194) brasileiras.”. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.
Apesar de essa afirmação ter sido feita há mais de 10 anos, o es- br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2008/Lei/L11645.
tudo da literatura feita por mulheres, da literatura local e da literatura
htm#art1>. Acesso em: 12
africana, recentemente conclamada a fazer parte dos currículos obriga- jan. 2010.
tórios, está ainda bastante incipiente no meio escolar. Durante anos o
Lei 5.692, de 1971, integra-
ensino da literatura tem sido incluído na disciplina de língua portuguesa, ção das escolas primária
e média, consolidando a
que deveria abarcar questões de “comunicação e expressão”, incluindo
escolaridade em 8 anos,
ensino da gramática, produção de textos e literatura. Embora seja vista ou seja, até os 14 anos de
idade. Essa lei, também,
em grande parte como pretexto para o ensino da gramática, a literatura,
agrupou línguas e literatu-
por estar incluída no currículo escolar, transforma-se em disciplina e, ra em um núcleo chamado
“comunicação e expres-
com sua inclusão no vestibular, garantindo-lhe nova institucionaliza-
são”. (LEAHY-DIOS, 2000)
ção, passa a ser vista como um conteúdo a mais a ser absorvido pelos
alunos.
Professora do Colégio de
Com o intuito de melhorar a qualidade da leitura e escrita dos alu- Aplicação da UFSC. De sua
tese de Doutoramento,
nos que ingressavam no Ensino Superior, segundo Claudete Amália defendida em 2001, resul-
Segalin de Andrade (2003), o professor de grego da Faculdade de Filoso- tou o livro Dez livros e uma
vaga: a leitura de literatura
fia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Henrique Murachco, no vestibular, publicado
sugeriu que a Fundação Universitária para o Vestibular (FUVEST) lan- em 2003.
çasse, em 1989, a primeira lista de indicações de leitura para ser aplicada
em 1990. Na Universidade Federal de Santa Catarina, a cobrança da lei-
As listas do vestibular
tura de literatura para as provas do vestibular entrou em vigor em 1992 da UFSC passaram a ter
e, de lá para cá, pode-se dizer que a leitura de literatura conquistou um destaque não apenas por
incluírem títulos contem-
lugar próprio nas provas dos vestibulares, deixando de ficar obscureci- porâneos, mas também
da na disciplina de língua portuguesa. Essas listas, além de garantirem por inserirem a literatura
catarinense. Essa questão
uma institucionalização a mais para a literatura, também reforçam sua é aprofundada no tópico
sobrevivência entre os conteúdos do ensino médio. “A literatura no vestibular”.

Nesse processo de institucionalização da literatura, não se pode

21
Literatura e ensino

perder de vista a Imprensa, com publicações de resenhas críticas, co-


mentários de livros, entrevistas, em jornais e revistas, a crítica especia-
lizada, e os meios de comunicação digital e eletrônica (em suas mais
diversas formas) que consagram a experiência literária e possibilitam
sua chegada ao público.

Tantas questões que aqui estamos colocando procuram fazer enten-


der a afirmação do filósofo búlgaro, radicado em Paris, Tzvetan Todorov,
de que a literatura é uma disciplina sem disciplina que se encontra em
perigo. Em seu recente e instigante livro A literatura em perigo (2009),
Todorov explicita o perigo que corre a literatura: nos confins entre o
ensino, a crítica e a sua concepção, a disciplina pauta-se muito mais por
seu estudo do que propriamente pelo do objeto, o que vale dizer que “na
escola, não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que
falam os críticos” (TODOROV, 2009, p. 27). É esse o perigo que o texto
de Todorov aponta: o perigo de a literatura ficar alicerçada a teorias.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e


professores:
1. O Prêmio Nobel de Literatura é um prêmio concedido anualmente a um
autor, de qualquer nacionalidade, que tenha produzido uma obra universal-
mente magnífica ou representativa. O Best-Seller, por outro lado, é um livro ex-
tremamente popular, incluído na listagem dos mais vendidos. Você(s) acha(m)
que essas são formas de promover/divulgar a literatura? Justifique(m).

2. Tzvetan Todorov, em A literatura em perigo (2009), afirma que a literatura pode

22
As institucionalizações da literatura Capítulo 02
ter uma concepção redutora não apenas em salas de aula e cursos universitá-
rios, mas quando é apresentada por jornalistas que resenham livros, e mesmo
entre escritores. O que você(s) pensa(m) disso? Você(s) concorda(m) com ele?

Leia mais!
Troca de experiências

É importante complementarmos as reflexões anteriores com leituras críticas


a respeito do ensino da literatura na Universidade, mais especificamente
nos Cursos de Letras. Os textos a seguir apresentam algumas ideias sobre a
Teoria, a Crítica e a Historiografia.

JOBIM, José Luís. “Os estudos literários e a identidade da literatura”.


In: JOBIM, José Luís (Org.). Literatura e identidades. Rio de Janeiro:
Editora da UERJ, 1999, p. 191-206.
______. “A Crítica da teoria: uma análise institucional”. In: A Poética do
Fundamento. Niterói, RJ: EDUFF, 1992a, p. 55-66.
______. “História da Literatura”. In: A Poética do Fundamento. Nite-
rói, RJ: EDUFF, 1992b. p. 67-100.

23
Unidade B
Professores, alunos e literatura
Relação literatura e ensino Capítulo 03
3 Relação literatura e ensino
Ensinar e aprender literatura é um processo permanentemente à beira de
mudanças radicais. (LEAHY-DIOS, 2000, p. 283)

O filósofo grego Aristóteles afirmou que a condição do conheci-


mento (em filosofia) é produzida pelos “assombros”. É no sobressalto,
no assomo ou mesmo no solavanco, não importa qual seja o termo, que
o conhecimento é adquirido. Embora haja constantes inovações na arte,
na tecnologia, na ciência, questionamos: o que poderia assombrar os
nossos alunos em sala de aula? Como ensinar literatura (a arte da pa-
lavra...?!) tendo em vista os avanços tecnológicos? Como lidar com a
produção de conhecimentos múltiplos? Conhecimentos que são produ-
zidos por todo o tipo de telas, a todo o momento e em todos os lugares
(im)possíveis?

Antes mesmo de pensarmos propriamente na questão de ensino,


precisamos ter em mente que ensinar literatura neste século não se resu-
me a apenas trabalhar com livros, levando em conta sua materialidade.
Professor em sala de aula não pode ignorar que cada um dos leitores é
um pouco espectador e um pouco internauta. Como define Néstor Can-
clini - importante crítico da cultura, residente no México - no seu livro
Leitores, espectadores e internautas (2008), a noção de espectador é a de
que possui definida sua relação com campos específicos: o de cinema, de
recitais de música, de teatro. Cada um formado em uma lógica diferen-
te. A noção de internauta, por outro lado, alude a um agente multimídia,
que combina materiais diversos (da leitura e dos espetáculos), lê e ouve.
“Essa integração de ações e linguagens redefiniu o lugar onde se apren-
diam as principais habilidades – a escola – e a autonomia do campo
educacional.” (CANCLINI, 2008, p. 22).

Significa, então, que a construção de conhecimentos não se dá mais


entre quatro paredes, formatos originais da sala de aula, mas em um am-
biente virtual; sem fronteiras, sem limites, sem (de)limitações. O saber
não se constrói mais apenas em um ambiente específico e físico – escola,
universidade, biblioteca -, mas em qualquer tipo de campo, seja ele físi-

27
Literatura e ensino

co ou virtual. E um exemplo claro disso é a possibilidade/realidade do


Ensino a Distância; do apre(e)nder conhecimentos sem sair de casa.

Com o turbilhão tecnológico, as telas passaram a combinar conheci-


mento e entretenimento; o livro (em sua materialidade) não é mais
o único detentor e ordenador dos saberes e é nesse contexto que
surge o que se poderia chamar, segundo Néstor Canclini, de “leito-
res-espectadores-internautas”. Essa nova configuração dos leitores
preocupa professores, pois, já que não podemos ignorar as tecno-
logias (termo empregado em sentido amplo), como passar das co-
nectividades (informações) ao pensamento crítico? Como discernir
o joio do trigo no universo virtual? Como estabelecer critérios de
avaliação\julgamento?

Para quem está em sala de aula, não se pode negar: a condição do


ensino mudou. Não há palmatórias, muito menos a necessidade de co-
locar os alunos de joelhos sobre grãos, ou a de batidas com régua nas
mãos, puxões de orelha, beliscões, como formas de castigo e punição
física (um dos temas bastante discutidos no século XXI é a necessidade
– ou não – de uma maior hierarquização institucional, sem violência).
Esses procedimentos inadequados fortaleciam a ideia da figura do pro-
fessor como um ditador em sala de aula e pouco contribuíam para que
os alunos se tornassem mais interessados nos conteúdos trabalhados.
A maneira de ler mudou e, consequentemente, a de pensar a literatu-
Nos Parâmetros Curricu- ra na escola também. Textos, imagens e sua digitalização não são mais
lares Nacionais (PCNs) a ilhas isoladas, pois leitura e espetáculo combinam-se no internauta que,
literatura é tratada como
se fosse subárea da Língua a qualquer dúvida, sente-se apto para consultar o famoso oráculo do
Portuguesa, ao dar segui- Google, ou como afirma Néstor Canclini (2008, p. 52), para Googlear.
mento no ensino sobre a
linguagem.
Pelo meio – Escola – em que está inserida, a literatura passa a ter
caráter pedagógico, de ensino, disciplinar, mas que lugar ocupa nesse
ambiente? Componente curricular? Prática relaxante? Exercício para
melhorar a escrita? Formação de leitores competentes?

No ensino fundamental, a literatura é trabalhada na língua portu-


guesa, sem restrições de normas, condutas, conteúdos, não sendo vista

28
Relação literatura e ensino Capítulo 03
ainda como disciplina à parte; por outro lado, sua presença é marcante
nas aulas de leitura, ponto em que a literatura entra em cena. Em con-
trapartida, no ensino médio, a literatura possui alguma autonomia de
disciplina. Neste momento de pensar o caráter da literatura (ou a leitura)
enquanto disciplina curricular é importante registrarmos a proposta do
Ministério da Educação (MEC) de 2009, que pretende acabar com a divi-
são por disciplinas presente no atual currículo do ensino médio, o antigo
colegial – considerado pelo governo como a etapa mais problemática do
sistema educacional. A intenção é criar quatro grupos mais amplos (lín-
guas; matemática; humanas; e exatas e biológicas). De acordo com a pro-
posta, as escolas terão liberdade para organizar seus currículos e poderão
decidir a forma de distribuição dos conteúdos das disciplinas nos grupos
e também o foco do programa (trabalho, ciência, tecnologia ou cultura)
desde que sigam as diretrizes federais e uma base comum.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) discutiu a proposta e


pretendia que em 2010 algumas redes adotassem o programa, de for-
ma experimental. No médio prazo, o Conselho espera que o programa Segundo consta na Lei
de Diretrizes e Bases da
esteja implementado no país todo. A mudança ocorreria por meio de
Educação Nacional, Lei nº
incentivo financeiro e técnico do MEC aos Estados (responsáveis pela 9.394, de 20 de dezem-
bro de 1996, Artigo 32,
etapa), pois a União não poderia impor o sistema. Segundo o MEC,
o ensino fundamental
o currículo atual, fragmentado e sem aplicabilidade, reduz o interesse obrigatório, com duração
de 9 (nove) anos, gratuito
do jovem pela escola e a qualidade do ensino. Está previsto também o
na escola pública, inician-
aumento da carga horária (de 2.400 horas para 3.000 horas, acréscimo do-se aos 6 (seis) anos de
idade, terá por objetivo
de 25%). A proposta não avançou, mas optamos pelo seu registro, pois
a formação básica do ci-
para nós é importante a Literatura ter seu espaço institucional e não ser dadão, mediante redação
dada pela Lei nº 11.274,
diluída nos demais conteúdos programáticos. Acreditamos no processo
de 2006. Disponível em
institucional como elemento de constituição do sujeito-leitor. <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/LEIS/l9394.
A formação do leitor no ensino fundamental (a partir de 2006 com htm>. Acesso em: 20 jan.
2010.
duração de 9 anos), nas séries iniciais, fica a encargo de profissionais
graduados em Pedagogia. A partir do sexto ano, assumem esse papel os
profissionais de Letras, que acompanham os alunos até o ensino médio.
Quando da duração do
Nos anos iniciais, do primeiro ao quinto (1ª a 4ª séries), a literatura exis- ensino fundamental de 8
anos, equivalia à 5ª série.
te, porque é inerente ao processo de aprendizagem da leitura, mas ainda
não é conceituada na sua especificidade literária. É apenas classificada:
literatura infantil, literatura juvenil, literatura infantojuvenil, literatura
para crianças, literatura para jovens; é apresentada enquanto leitura,

29
Literatura e ensino

deleite, prazer, imaginação, aventura, mistério. Quando os alunos in-


gressam no sexto ano parece lugar comum os professores declararem
que o interesse pela leitura diminui, exatamente porque aí ela começa a
ser vista como cobrança, geralmente acompanhada pelas ultrapassadas
fichas (sim, elas ainda existem!) de leitura e/ou solicitação de resumos -
para que o professor tenha a comprovação, confirmação de que o aluno
leu. Nos dois anos seguintes, a literatura ainda vem acoplada à ideia de
leitura de livros, e o seu conceito começa a fazer parte da vida dos estu-
dantes. Conforme a formação escolar avança para o ingresso no ensino
médio, a leitura vai sendo vista como “tortura, chatice e aborrecimento”
- como posteriormente demonstraremos no tópico em que centraremos
nossa abordagem na literatura para o vestibular - e a literatura passa a
ter caráter de mero exercício escolar, portanto, uma matéria obrigatória
para ser cobrada.

Mesmo acreditando na importância de a literatura ter seu espaço


disciplinar, esta não deve apenas cumprir o ensino de alguns conte-
údos, de acordo com determinada etapa da escolarização, não im-
portando a realidade sócio-econômico-cultural dos alunos. Devido
ao pouco tempo para as aulas, os professores acabam trabalhando
apenas o que está pronto como necessário/importante no livro di-
dático – geralmente elaborado no eixo Rio-São Paulo. Nesse caso, a
cor local, as literaturas regionais – como a literatura catarinense, pa-
ranaense, mineira ou a literatura produzida, por exemplo, em Santa
Catarina, Paraná e Minas Gerais – desaparecem, por ser importante,
no pouco espaço dado para o ensino da literatura na escola, apenas
o conhecimento de autores consagrados ou canônicos como vimos
no início de nosso livro-texto. Se os autores contemporâneos apare-
cem, são mencionados, na maioria, os que moram ou produzem no
eixo referido.

Qual é a relação entre a literatura e o seu ensino? – continuamos


perguntando. Seria uma antinomia, como afirmou Barthes (1988c), a
literatura como ensino e a literatura como prática? O que se ensina, na
prática, são as formas de como o professor conseguiu elaborar determi-

30
Relação literatura e ensino Capítulo 03
nados conjuntos de significantes e significados no texto. Não se ensina
Machado de Assis, Camões, Cruz e Sousa, mas as condições pelas quais
nos é possível estudá-los, compreendê-los, lê-los. Como afirma Carlos
Ceia (2004, p. 54), “ensinamos literatura essencialmente porque inves-
timos o nosso olhar naquilo que faz essa literatura e não naquilo que a
define aprioristicamente”. Isso significa dizer que o ensino da literatura
é guiado pela visão do professor em sala de aula e de acordo com sua vi-
são a respeito dela [da literatura]. Para que o aprendizado das condições
de compreender, estudar, ler literatura ocorra de maneira proveitosa e
eficiente, é importante que o professor esteja aberto para ouvir seus alu-
nos; faça uma pesquisa sobre suas preferências, mas também leve textos
novos, não se colocando em uma torre de marfim e lá permanecendo
distante e alheio a tudo e a todos. É imprescindível que o professor não
pense que sua função seja apenas a de ensinar, mas compreenda a im-
portância de também aprender com os alunos em sala de aula.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e


professores:
1. Se há leitores de sermões, poesia, discursos políticos, periódicos lidos em voz
alta, livros, revistas, anedotas, histórias em quadrinhos, anúncios luminosos e
publicitários, bulas de remédios, cartas enviadas pelo correio, manuais, infor-
mações da Internet, blogs, e-mails, faxes, mensagens no celular, como você(s)
responderia(m) a esta pergunta de Néstor Canclini (2008, p. 56): “por que as
campanhas de incentivo à leitura são feitas só com livros e tantas bibliotecas
incluem somente impressos em papel?”

2. O ensaísta francês Roland Barthes, em sua aula inaugural no Collège de Fran-


ce, estabeleceu a seguinte definição para a literatura: “Entendo por literatura
não um corpo ou uma sequência de obras, nem mesmo um setor de comércio
ou de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática: a prática de
escrever” (BARTHES, 1978, p. 16-7). Você(s) concorda(m)? Debata(m) essa afir-
mação tendo em mente relações entre literatura e ensino.

3. Ao dizer que incluiria em suas aulas de literatura o estudo da carta, nada


fictícia, que Germaine Tillion escreveu na prisão de Fresnes, endereçada ao Tri-
bunal Militar Alemão, em 3 de janeiro de 1943, Todorov (2009, p. 92) assevera:

31
Literatura e ensino

“Não “assassinamos a literatura” (retomando o título de um panfleto recente)


quando também estudamos na escola textos “não-literários”, mas quando fa-
zemos das obras simples ilustrações de uma visão formalista, ou niilista, ou
solipsista da literatura”. Como distinguir um texto literário de um não-literá-
rio? Procure(m) responder, mas essa questão ficará ainda mais clara quando
estudar(em) o conceito de “literariedade” na disciplina de Teoria Literária.

4. Tendo por base a assertiva de Todorov (2009, p. 27), “na escola, não aprende-
mos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos”, você(s)
acredita(m) que o ensino da literatura está apenas alicerçado a teorias?

Leia mais!

Na margem

Sobre a questão da inclusão de textos marginalizados por uma espécie de


censura, alguns professores fazem propostas bastante corajosas sobre a lei-
tura das diferenças e da alteridade. O texto a seguir faz esta proposta.

SANTOS, Rick. “Subvertendo o cânone: literatura gay e lésbica no cur-


rículo”. Revista Gragoatá. Número monográfico sobre O ensino da lín-
gua e da literatura. 1o semestre, n. 2, Niterói, RJ: UFF, 1997, p. 181-
189.

32
A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet) Capítulo 04
4 A literatura na sala de aula
(o poema, a narrativa e a
Internet)

A linguagem na superfície estrelada de letras, sabe lá o que ela quer dizer?


(Carlos Drummond de Andrade. Aula de Português).

Chata, difícil, complicada, aborrecedora, detestável, são apenas al-


guns dos adjetivos que muitos dos jovens leitores atribuem à literatura Os anos 60 foram assinala-
enquanto disciplina. Quem atura a literatura? Como fazer para que a dos pelo desenvolvimento
da Estética da Recepção,
literatura deixe de ser uma tortura? surgida num contexto
marcado pelo questiona-
O que trazer para a sala de aula? mento do estruturalismo
e pelo fim de uma her-
Os objetivos de se trabalhar literatura em sala, muitas vezes, acabam menêutica ingênua da
análise literária; o interes-
se restringindo à leitura e posterior produção textual para que os alunos
se pela intenção impul-
melhorem a escrita e testem a capacidade de objetivamente interpreta- sionou o interesse pela
recepção. Por intermédio
rem textos. Qual seria o entendimento de literatura para o aluno neste
de uma história das obras,
caso? O que compreenderia por literatura, quando esta fica subordinada intentava-se apresentar a
ideia de individualidade
a resolver questões práticas da língua portuguesa?
nacional a caminho de si
mesma. A diferença entre
Se somos herdeiros do ensino pautado pelas informações da his- a Estética da Recepção, de
toriografia literária que, embora importante, não contribui por si para Jauss, e a Teoria do Efeito,
de Wolfgang Iser, dá-se
a formação dos leitores, e se esse modelo continua em vigor na escola, em virtude de a primei-
pode-se dizer que a educação literária em seu atual formato escolar ra operar com métodos
histórico-sociológicos, e
se mostra marcada mais profundamente por elementos didáticos do a segunda, com métodos
que propriamente literários. Com o surgimento da Estética da Recep- teorético-textuais.
ção, cujo fortalecimento aconteceu por volta dos anos 70, um novo
elemento passou a ter destaque no cenário literário: o leitor. E, diante
dessa assertiva, compreendemos que o ensino da literatura atualmente
(e já há algum tempo) vem sendo feito por esse caminho. A leitura do
leitor. O texto para o leitor. A leitura efetuada tendo em vista o ho-
rizonte de expectativas. As lacunas, os vazios, os espaços em branco
preenchidos pelo leitor.

33
Literatura e ensino

Pesquisador da ordem dos livros e da escrita, o historiador francês


Roger Chartier não perdeu de vista a relação entre o texto e o leitor na
era da informática, especialmente em seu livro, Os desafios da escrita
(2002), traduzido para a língua portuguesa em 2002. Chartier, em “Mor-
te ou transfiguração do leitor?” atenta para a possível mutação que pode
ocorrer na substituição do códex impresso pelo livro eletrônico. Nessa
esteira, põe em questão a noção de livro e afirma que, “ao ler na tela o
leitor contemporâneo reencontra algo da postura do leitor da Antigui-
Roger Chartier. dade, mas – e a diferença não é pequena – ele lê um rolo que em geral se
desenrola verticalmente e que é dotado de todos os pontos de referências
próprios da forma do livro” (CHARTIER, 2002, p. 114). Esses pontos
de referência que o historiador francês menciona seriam a paginação, o
índice, as tabelas. Os leitores possuem novos anseios e não estão aves-
sos às evoluções; daí que vale à pena ter
em mente todas as formas e formatos
Importante é mencionar o projeto de dissertação de Mes-
de produção de literatura atualmente.
trado em Literatura, na UFSC, da Professora Bianca Cristina
Embora estudar literatura signifique
Buse, intitulado A literatura no Ensino Médio: há lugar para a
ler romances (o que seria voltar-se para
crônica?, sob orientação da Professora Dra. Tânia Regina Oli-
a narrativa, variada com leves toques
veira Ramos. Procurando efetuar uma ponte entre o jovem
de novelas, contos), por que não trazer
e a leitura da literatura, Bianca Buse sugere o trabalho com
para a sala de aula outras evidências
o gênero textual crônica – como eixo de motivação para
narrativas tais como crônicas, diários
inserção dos alunos no universo da literatura, e justifica:
(sem esquecer os blogs), memórias, car-
tas (romances epistolares), biografias
A opção do gênero crônica, como sustentáculo de
desenvolvimento do processo de leitura, não foi por e fábulas – estas principalmente por
mero acaso. Com o estudo do gênero é possível trazerem desdobramentos estruturais,
averiguar que muitas de suas características atraem linguísticos e conteudísticos, na tríade
o leitor (e também o jovem aluno) por apresenta- formada, por exemplo, por La Fontai-
rem brevidade, temas relacionados ao cotidiano, ne-Monteiro Lobato-Millôr Fernandes?
efemeridade, simplicidade, despretensão entre ou-
Ou, ainda, se quisermos, por que não
tras. Entretanto, o que o leitor pode não perceber é
retornar às origens gregas com Esopo?
que, ao mesmo tempo em que a crônica se mostra
E por que não a poesia, tão pouco lida
como um texto de leitura mais fácil, ela pressupõe
um leitor de competências de leitura mais apuradas, em sala de aula?
detentor de um vasto conhecimento de mundo, tal
A ausência do poema em sala é tão evi-
qual o autor, capaz de manusear, com propriedade,
dente que o Professor Hélder Pinheiro,
temas diversos. (BUSE, 2009, p. 3).
da Universidade Federal de Campina

34
A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet) Capítulo 04
Grande, na Paraíba, resolveu levar essa questão adiante, elaborando, de
suas experiências de poemas com alunos, o livro intitulado A poesia na
sala de aula (2007). Se, segundo o professor, existe receptividade dos alu-
nos para o poema, por que ele não está muito presente em sala de aula?

De todos os gêneros literários trabalhados na escola, a poesia é o me-


nos prestigiado. Some(m) às perguntas anteriores mais esta: quem con-
clui o ensino médio levando na bagagem a leitura de livros de poesia?

Por que entre indicações de professores dificilmente entram no rol


os poemas? O problema é que muitas vezes professores das séries iniciais
dizem não ser capazes de trabalhar poesia e aí ficam presos às amarras
do livro didático, que traz em seu bojo as famosas interpretações de
texto. O que acontece, nesse caso, é um processo-dominó: o aluno não
lê poemas nas séries iniciais, nas séries seguintes menos ainda, e, muitas
vezes, lê o primeiro livro de poemas no ensino médio, isso se o livro
constar na lista do vestibular. Se o aluno não pretende prestar as provas
do vestibular, a leitura de poesia, quando houver, terá pouca apreciação
e esclarecimento. A respeito de trabalhar poesia na sala de aula, afirma
Hélder Pinheiro (2007, p. 20):

É evidente que vale a pena trabalhar a poesia na sala de aula. Mas não
qualquer poesia, nem de qualquer modo. Carecemos de critérios estéti-
cos na escolha das obras ou na confecção de antologias. Não podemos
cair no didatismo emburrecedor e no moralismo que sobrepõe à qua-
lidade estética, determinados valores. É necessário muito cuidado com
o material que chega ao aluno através do livro didático. Com relação a
livros de primeiro grau menor, há uma tendência de privilegiar o jogo
pelo jogo, deixando de lado o sentido. O jogo muitas vezes cai no pueril,
na pseudocriatividade. Cremos que o jogo sonoro deva ter um suporte
significativo – como vemos em excelentes poemas de Sidónio Muralha,
Cecília Meireles, entre outros. [...] Assonâncias, aliterações, ecos, para-
nomásias, paralelismos são recursos sonoros/semânticos que povoam
muitos poemas infantis. Estar atento ao uso do recurso, pois a simples
recorrência não garante “literariedade”.

Hélder Pinheiro enumera algumas condições (in)dispensáveis para


o trabalho com poesia, que poderiam ser estendidas para o trabalho
com literatura em geral. Portanto, é (in)dispensável que:

35
Literatura e ensino

1ª) o professor seja realmente um leitor, que tenha experiência sig-


nificativa de leitura. Trata-se de leitura proveitosa;

2ª) haja sempre uma pesquisa sobre os interesses de nossos alunos,


que não dispensa levar textos novos; mas que não se fique apenas
preso às preferências dos alunos;

3ª) se crie o ambiente em que se vai trabalhar a poesia. “Ir ao pá-


tio da escola para ler uma pequena antologia, pôr uma música de
fundo enquanto se lê, são procedimentos que ajudam na conquista
do leitor.” (PINHEIRO, 2007, p. 28). Abrir espaço para a poesia com
painéis, murais dentro e fora da sala de aula;

4ª) se use a biblioteca. Escolha livre do livro que quiser ler, descobrir
autores... “Se faz indispensável que a biblioteca seja um lugar agra-
dável, ventilada, espaçosa.” (PINHEIRO, 2007, p. 29).

Essas condições não se criam de um dia para outro. Precisam ser


elaboradas, renovadas, questionadas. Criar condições de leitura não de-
pende apenas da boa vontade dos professores. É preciso uma força-tare-
fa maior que envolva alunos, pais, bibliotecários, pedagogos, diretoria.
Uma sugestão para trabalhar a poesia em sala de aula é pensar na pro-
posta, sugerida por Hélder Pinheiro, de núcleos temáticos. Seleciona-
se como eixo central um assunto (núcleo) que pode ser: solidão, amor,
guerra, violência, medo, amizade, corpo, velhice, juventude, infância,
morte..., e se traz para a sala poemas que tratem dessas temáticas. Em-
bora seja profícua e interessante, é importante que o professor não insis-
ta apenas nessa proposta. Toda a repetição, quando excessiva, torna-se
cansativa e nefasta. “Há um lugar na experiência literária mensurável.
Portanto, querer dirigir e amarrar demais as atividades pode ser fator
de distanciamento do texto literário. E é aqui que entra o procedimento
didático que deveria ser sempre privilegiado: o debate.” (PINHEIRO,
2007, p. 78). O debate é uma forma democrática e crucial que permite
discussões para levantar prós e contras, não apenas do texto literário,
mas de como este pode ser trabalhado, explorado, vivenciado.

36
A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet) Capítulo 04
Se a educação (literária) for vista de forma ampla, o professor reco-
nhecerá em outro gênero fonte importante a ser explorada: o dramático,
por meio do qual o aluno pode ter livre expressão, além de, possivel-
mente, desenvolver espírito de observação, de equipe, imaginação, equi-
líbrio, e serem trabalhados aspectos como desinibição e desembaraço.
Por outro lado, afirma Raul Henriques Maimoni, então professor de Te-
oria da Literatura da UNESP/Assis, em “O teatro e a escola”, publicado
no segundo número do tabloide Proleitura:

se a educação escolar for entendida como sendo unicamente um sis- Jornal de publicação bi-
tema de transmissão de conhecimentos, o teatro com certeza terá um mestral do Departamento
de Literatura da Faculdade
espaço mínimo no contexto da escola: será somente um componente de Ciências e Letras de As-
conteudístico nas aulas de literatura do segundo grau [atualmente ensi- sis/UNESP, Grupo Acadê-
no médio], ou atividade específica para algumas comemorações cívicas mico “Leitura e Literatura
na Escola”. Em circulação
e festas escolares. (MAIMONI, 1992, p. 6). de junho de 1992 a feve-
reiro de 2000.
Para utilizar atividades teatrais no processo de aprendizagem, não
é necessário que o professor seja um especialista em dramaturgia e di-
reção teatral. Os conhecimentos sobre o gênero dramático – que todo
licenciado em Letras possui – e experiências de vida são suficientes para
um bom começo de conversa e ação.

Cyana Leahy-Dios compreende que o estudo da literatura na escola


deveria ultrapassar a visão da disciplina como expressão de arte contem-
plativa e distante, mas ser situada “em uma interseção interdisciplinar, se
apoiar em um triângulo multidisciplinar, lidando com formas, meios e
objetos variados” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 41). Mas é preciso ter cuidado
com essa questão. A respeito da interdisciplinaridade, envolvendo a litera-
tura na escola, alerta a professora Eliane Andrea Bender (2007, p. 33-34):

Interdisciplinaridade e trabalhos com projetos são práticas pedagógicas


importantes nas escolas, desde que não privem nenhum componente
de trabalhar com os alunos seus conteúdos específicos. Se em uma de-
terminada escola o tema gerador é algo relacionado com a água, não há
nada mais desanimador para um professor de Literatura do que ouvir de
um coordenador pedagógico: “Com que obra você vai trabalhar que fale
sobre a água?” ou, pior, “Li um poema que fala sobre água, mas não tinha
nexo, vamos procurar alguns que tragam uma mensagem de conscien-
tização”. É necessário cautela para não cair nessas armadilhas, reduzindo
as obras literárias a temas de projetos. (BENDER, 2007, p. 33-34)

37
Literatura e ensino

Talvez o desafio resida justamente neste ponto: como trabalhar a


literatura envolvendo interdisciplinaridade?

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e


professores:
1. Você(s) acredita(m) que a crise dos estudos literários esteja pautada pela
ideia de utilitarismo e vínculo a conhecimentos que requerem resultados téc-
nicos e práticos?

2. Discuta(m) e troque(m) ideias a respeito da seguinte afirmação do profes-


sor português Carlos Ceia: “A rigor, não se ensina literatura enquanto arte, mas
antes os factos objetivos que instituem e disciplinam essa arte. Enquanto ex-
pressão artística, a literatura é uma abstracção conceptual, ao passo que os
factos que nos permitem identificar objectivamente tal expressão e indiciá-
la como fenómeno artístico é que constituem o lado ensinável da literatura.”
(CEIA, 2004, p. 53-54).

3. Qual foi a sua experiência – ou suas experiências – de leitura de poesia na


escola?

Leia mais!

Intervalo
Neste tópico levantamos algumas questões bem contemporâneas. Estes dois
textos são importantes como leituras complementares, seja para se pensar a
literatura em si, seja para se pensar na atuação desta em sala de aula.

BARBOSA, João Alexandre. “Leituras: o intervalo da literatura”. Revista


Linha d´água, n. 5. Ensino de Língua e Literatura em Debate. São Pau-
lo: USP, Revista da APLL, julho de 1988, p. 22-32.
MELO, Cristina. “Ensino de Literatura: perspectivas atuais”. In: RÖ-
SING, Tânia Marisa (Org.). Formando uma sociedade leitora. Passo
Fundo: EDIUPF, 1999, p. 273-281.

38
Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária Capítulo 05
5 Os livros didáticos -
fragmentos e retalhos de
(in)formação literária
Só no quarto ano trocamos os livros ilustrados por um volume mais gros-
so, sem enfeites: era a antologia de Olavo Bilac e Manuel Bonfim.
(Paulo Mendes Campos. Primeiras Leituras).

O livro didático é, segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman


(1996), uma das modalidades mais antigas sobre expressão escrita para
o funcionamento da escola. Supostamente antecedido pela Poética, de
Aristóteles, e pela Institutio oratoria, de Marcus Fabius Quintiliano, o
livro didático fez história, sobrevivendo por muitos anos como parceiro
fiel de grande parte dos professores.

Desde 1930 o livro didático vem passando por decretos e medidas,


com as primeiras iniciativas desenvolvidas pelo Estado Novo, em 1937, Ano de mudança política,
que consistiram em distribuição e divulgação de obras de interesse edu- que traz de volta a ideia
de tratar da instrução
cacional. Em 1968, foi criada a Fundação Nacional do Material Escolar através de uma agência
(FENAME), com o Programa Nacional do Livro Didático, alterado em específica, o Ministério
da Educação, na ocasião
1976 e, em 1985, a criação do Plano Nacional do Livro Didático, regu- acoplado ao da Saúde,
lamentado pelo decreto n° 91 54/85 que implementou o Programa Na- de onde vieram novas
medidas. A vida escolar se
cional do Livro Didático, o qual, em seu artigo 2º, estabelece a avaliação organizou e o livro didáti-
rotineira dos materiais. co, precisando responder
a novas questões, deu
Antes de continuarmos nossas reflexões sobre o livro didático, gos- outra forma ao ensino,
sobretudo da leitura e da
taríamos de trazer algumas questões pertinentes a respeito da realidade literatura.
brasileira com a qual professores se deparam: salas de aulas lotadas, falta
de recursos e (des)interesse dos alunos. Além disso, não podemos deixar
de mencionar que professores do ensino fundamental e médio, em sua
significativa maioria, não possuem estímulos salariais (baixa remunera-
ção), e, para sobreviver, têm cargas horárias que podem atingir os três
turnos de trabalho, o que os impede de ter tempo livre para preparar au-
las, adquirir livros (especialmente exemplares de literatura contempo-
rânea, textos críticos e teóricos) e de participar de eventos, seminários,
congressos, onde são discutidas questões teórico-práticas.

39
Literatura e ensino

Diante dessas circunstâncias, os livros didáticos tornam-se fortes


aliados dos professores por serem facilitadores da rotina docente, cujos
conteúdos, organizados em unidades menores, ajudam a controlar o
horário e evitar desperdício de conhecimento a ser dominado. Assim,
professores precisam aliar o tempo para o aprendizado na escola aos
extensos programas de ensino. Além disso, os livros didáticos, em seu
formato como os conhecemos, permitem que os alunos tenham sem-
pre todo o conteúdo organizado. Extremamente visuais, trazem seleção
de textos, exercícios prontos, que otimizam a vida dos professores, por
disporem de pouco tempo para preparar suas aulas, e a dos alunos, que
não precisam copiar os conteúdos do quadro. O livro didático mostra
o caminho a ser percorrido. Com ele, os professores (e alunos) sabem
perfeitamente onde vão chegar.

A preocupação com a leitura na escola, não apenas a leitura literária,


é sempre primordial, mas os métodos/meios utilizados por profes-
sores estão longe de desenvolver a leitura propriamente dita quan-
do se detêm somente em fragmentos, trechos, pedaços de textos,
o que distancia a possibilidade de fazer com que os alunos leiam
textos integrais. O conhecimento de literatura constrói-se por meio
de fragmentos e retalhos de informação literária.

É possível formar leitores com fragmentos literários? É mais profí-


cua a leitura de fragmentos de um número x de livros ou a leitura inte-
gral e contextualizada de menos da metade deles?

Propondo-se facilitar o trabalho do professor, o livro didático limita sua


criatividade e o domínio do conhecimento teórico, embora diminua a
dependência discente da palavra do professor para obter sucesso aca-
dêmico. Entretanto, como fonte única de informação factual e de saber
literário, enfraquece os interesses e os limites investigativos, bloqueando
a curiosidade intelectual. Apesar de nem sempre os alunos observados
terem sido silenciados por estratégias autoritárias explícitas, foi possível
perceber a pressão apassivadora causada pelos limites de tempo, pelo
programa positivista, pela forte expectativa sociocultural de passar nos
exames. (LEAHY-DIOS, 2000, p. 106)

40
Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária Capítulo 05
Bom ou ruim, adequado ou inadequado, o livro didático é ainda
um dos contribuintes e patrocinadores (ou um dos responsáveis) pela
formação do leitor brasileiro no ensino fundamental e médio.

Em livro recentemente organizado e publicado sob a responsabili-


dade da professora Maria da Graça Costa Val, intitulado Alfabetização
e Língua Portuguesa: Livros didáticos e práticas pedagógicas (2009), os
professores Delaine Cafieiro e Hércules Tolêdo Correa, em seu texto
“Abordagem de textos literários em livros didáticos de língua portugue-
sa de 5ª a 8ª séries”, elaboram considera-
ções importantes sobre a presença da li- A título de curiosidade, citamos critérios da ficha de ava-
teratura nos livros didáticos. A literatura, liação do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), de
segundo consta nesse texto, até meados 2008, mencionados por Delaine Cafieiro e Hércules To-
dos anos 70, tinha status privilegiado na lêdo Correa (2009, p. 159).
escola porque os textos que circulavam
nos livros didáticos, bem como os sele- Inclui-se uma seção específica sobre a abordagem do
cionados por professores, eram os de ca- texto literário, com 7 questões:
ráter literário. Todavia, a necessidade da
a) Formação do leitor de literatura;
presença de gêneros diversos na escola –
e aqui nos referimos aos gêneros do dis- b) Observação das convenções e dos modos constituti-
curso –, aclamada pela chegada dos Parâ- vos do jogo literário na leitura desses textos;
metros Curriculares Nacionais, tirou um
pouco do espaço da literatura na sala de c) Situação do texto em relação à obra da qual faz parte;
aula. Sérios problemas começaram a se
d) Estímulo à leitura da obra completa e/ou de outras
instaurar: “livros didáticos e professores,
obras relacionadas ao texto;
passando a se dedicar mais a outros gê-
neros, acabaram por dar um tratamento e) Presença de atividades que possibilitem ao aluno
uniforme aos textos provenientes de di- apreender a singularidade discursiva, linguística e cultu-
ferentes esferas sociais, como a jornalís- ral dos textos literários selecionados;
tica, a publicitária, a política e, também,
a literária.” (CAFIEIRO; TOLÊDO, 2009, f) Presença de atividades que levem o aluno a observar
p. 157). Daí que a questão reside justa- a organização particular do texto e a sua relevância para

mente em saber lidar com essas esferas a construção dos sentidos possíveis;

diferentes porque textos jornalísticos,


g) Presença de atividades que favoreçam a aproxima-
publicitários, políticos e literários, por
ção adequada do aluno ao padrão linguístico do texto
exemplo, não podem ser lidos da mesma
(quando necessário).
forma. É preciso conhecê-los e aprender

41
Literatura e ensino

a lidar – ler – com cada um deles, respeitando as peculiaridades de cada


um. A literatura tem um modo particular de produção e leitura e, por-
tanto, necessita de tratamento e envolvimento à parte.

Com relação à presença de textos integrais nas recentes publicações


de livros didáticos, afirmam os professores-autores que aqueles ainda são
raros, prejudicando o contato do aluno com o texto e sua circulação na so-
ciedade. Experiências de leitura limitadas à dinâmica do fragmento podem
acarretar “a falsa concepção de que texto de escola, texto de aula de portu-
guês, é sempre “pedaço” de texto” (CAFIEIRO; TOLÊDO, 2009, p. 164).

Encontrado em todas as etapas da escolarização de um indivíduo,


o livro didático “é cartilha, quando da alfabetização; seleta, quando da
aprendizagem da tradição literária; manual, quando do conhecimento
das ciências ou da profissionalização adulta, na universidade” (LAJO-
LO; ZILBERMAN, 1996, p. 121).

É imprescindível, também, citar que os livros didáticos são ainda os


mais vendidos e disseminados entre professores, que os utilizam, geral-
mente, como única referência de ensino.

Apesar do berço ilustre, contudo, o livro didático é o primo-pobre da


literatura, texto para ler e botar fora, descartável porque anacrônico: ou
ele fica superado dados os progressos da ciência a que se refere ou o
estudante o abandona, por avançar em sua educação. Sua história é das
mais esquecidas e minimizadas, talvez porque os livros didáticos não
são conservados, suplantado seu “prazo de validade”. (LAJOLO; ZILBER-
MAN, 1996, p. 120).

No entanto, o livro didático é o primo-rico das editoras porque sua


vendabilidade é certa; conta com o apoio do sistema de ensino e o abrigo
do Estado, e é aceito por pais e educadores. Apenas a literatura infantil
oferece-lhe concorrência: mercado cativo e sempre crescente.

Por outro lado, professores geralmente alegam que alunos não gos-
tam de ler, mas, na maioria das vezes, aqueles acabam lendo menos do
que os próprios alunos. Como formar leitores sem ser um leitor? Muitas
vezes, os professores, por falta de tempo, detêm-se apenas nos resumos
de obras para terem uma ideia do seu “conteúdo”. Se a literatura depende
do modo como é ensinada/transmitida pelos professores, e a leitura lite-

42
Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária Capítulo 05
rária é geralmente trabalhada em fragmentos, trechos, pedaços de textos,
como formar leitores de literatura sem ser via dinâmica do fragmento?

Os fragmentos (ou retalhos) possuem sua carga de relevância tex-


tual, mas não podem ser levados em conta como única saída de ensino.
Disso podem resultar atividades descontextualizadas, dispersas e frag-
mentadas que dificilmente chamam a atenção ou despertam interesse
dos alunos.

Assim, próprios para instruir, os livros didáticos deveriam ser vis-


tos como uma alternativa a mais na vida de qualquer professor de cada
disciplina, e não como única fonte de pesquisa e ensino. O professor
português Carlos Ceia, em A literatura ensina-se? (2004), expõe a situa-
ção em que se encontram os professores do ensino básico em Portugal
(correspondente ao ensino fundamental no Brasil):

No ensino básico, os estudos literários estão nas mãos de professores


que não se sentiram preparados para essa função pelas instituições que
os formaram, pelo que gradualmente adoptam um modus faciendi cada
vez mais padronizado, consistindo na repetição de exercícios de receitu-
ário publicados de forma a normalizar todas as leituras possíveis de um
texto literário constante do programa oficial; a rigor, não há qualquer
descoberta da escrita e da leitura criativas; neste nível, o profissional de
literatura é um profissional que não faz literatura, que está convencido
que é incapaz de fazer crítica literária pelas suas próprias mãos e cabeça
e, pior do que tudo isto, defende com fervor que não tem a obrigação
de ir mais além das sugestões de leitura dos manuais, ou seja, a função
do profissional de literatura passar a ser unicamente a de assegurar que
um dado manual e um dado conjunto de leituras programadas não se-
jam desvirtuados. (CEIA, 2004, p. 27)

A afirmação de Carlos Ceia acima faz referência ao profissional das


Letras que sai da Universidade sentindo-se despreparado para atuar em
sala de aula e incapaz de produzir literatura e crítica literária. É claro
que isso não pode ser visto de maneira generalizada, mas é algo evi-
dente. É muito mais cômodo ler uma análise de outrem de alguma obra
(ou mesmo a do livro didático), apropriar-se de determinados pontos,
disseminá-los em sala de aula, do que produzir uma leitura crítica. Isso
ocorre especialmente com textos contemporâneos, cuja produção de lei-

43
Literatura e ensino

turas críticas é bastante incipiente. Na dúvida de saber se sua leitura está


correta (se é que isso realmente existe), muitos professores acabam dei-
xando de lado obras que ainda não possuem uma considerável fortuna
crítica por receio de caírem em armadilhas, por medo de desvendarem o
novo e por se sentirem inseguros para efetuar uma possível leitura.

Em entrevista concedida a Rony Farto Pereira no já mencionado


jornal Proleitura, Egon de Oliveira Rangel, professor e coordenador em
processos de Avaliação do Livro Didático por vários anos, fez a seguinte
afirmação a respeito do que seria a qualidade de um livro didático (LD):
“a qualidade de um LD é definida, sempre, por referência a um corpo
de princípios, valores e critérios, explícitos ou não, que sintetizam o que
uma determinada época pensa e espera do ensino de língua materna”
(RANGEL, 1998, p. 1). E aqui vale acrescentar: o livro didático é defini-
do de acordo com o que determinados elaboradores, dos quais boa par-
cela não atua na escola, concebem o como e o que deve ser apre(e)ndido
pelos estudantes. Por outro lado, o LD é utilizado pelos alunos, mas,
de fato, dirige-se ao professor, que nem sempre acaba sendo um bom
mediador.

Se muitos livros didáticos nem sempre são completamente adequa-


dos para o ensino em sala de aula, por trazerem conceitos e informações
equivocadas, deficiência metodológica e insuficiência teórica, a melhor
saída seria, então, dispensá-los das aulas?

Para dispensar o LD é preciso ter coisa melhor a oferecer. Se o LD de


má qualidade for o parâmetro, é muito mais fácil, para um grupo de
educadores reunidos numa escola minimamente decente, selecionar
e mesmo elaborar, com vantagens, materiais alternativos. Mas acredito
que, mesmo no caso de boa parte dos livros que o Guia classifica como
recomendados com ressalvas, não é fácil dispor de coisa melhor. Se a
alternativa é selecionar outros materiais didáticos, o universo não será
muito diferente do que se apresenta no LD. (RANGEL, 1998, p. 4)

Em meio a constantes controvérsias, Ceia (2004, p. 52) arrisca uma


proposta do que seria o melhor manual aos alunos de literatura:

44
Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária Capítulo 05
O melhor manual que se pode recomendar aos alunos de literatura é o
pior manual que se pode dar ao professor de hoje: um manual sem textos
de apoio, sem notas, sem linhas de leitura, sem propostas de actividades,
isto é, apenas com os textos literários em estado puro e sem a presença
de críticas ou propostas redutoras. (CEIA, 2004, p. 52, grifo nosso).

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e


professores:
1. “Não quero aqui culpar o livro didático pela dominação e dependência cul-
tural e intelectiva dos professores; na verdade, eles apenas representam o es-
tado de pobreza intelectual dos professores e, consequentemente, dos alunos
de literatura” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 206). O que você(s) pensa(m) a respeito
dessa afirmação da professora Cyana Leahy-Dios? Seriam os livros didáticos a
representação do estado de pobreza intelectual dos professores e dos alunos
de literatura?

2. Separação de língua e literatura, uso exclusivo do livro didático, falta de pro-


fessores leitores e metodologia de ensino sistematizada, seriam esses fatores
pertinentes do fracasso do ensino de literatura na escola?

3. Alguns pesquisadores afirmam que muitos livros didáticos limitam-se a


cobrar o que não ensinam. Você(s) concorda(m)? Faça(m) uma pesquisa em
diferentes livros didáticos, converse(m) com professores, tutores, colegas, e
justifique(m) sua(s) resposta(s).

4. Traga(m) para seus pólos livros didáticos que usou(usaram) no seu ensino fun-
damental ou ensino médio ou, se professores estejam usando com seus alunos.
Procure(m) pensar sobre a seguinte questão: Embora haja preocupação de algu-
mas editoras e coleções em explorar o texto literário no livro didático, em sua(s)
pesquisa(s), você(s) encontrou(encontraram) maior tratamento aos textos literá-
rios ou aos não literários? Há uma maior presença de que tipo de texto?

45
Literatura e ensino

Leia mais!

Passando a limpo
Dois livros são aqui sugeridos como boas reflexões sobre a leitura e a litera-
tura e suas relações com a educação literária. Fica aqui a sugestão. Leia(m)
os livros, mesmo que a leitura seja feita após a nossa disciplina, para ver(em)
como eles se sustentam em uma consistente pesquisa de campo com pro-
fessores e alunos.

LEHAY-DIOS, Cyana. Educação literária como metáfora social. Des-


vios e Rumos. Niterói: EDUFF, 2000.
MORAIS LEITE, Lígia Chiappini. Invasão da catedral. Literatura e en-
sino em debate. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.

46
Unidade C
A leitura na escola
A literatura infantojuvenil Capítulo 06
6 A literatura infantojuvenil
Os leitores-crianças não são assim tão diferentes dos adultos embora sua
sintonia seja outra, em função de uma emocionalidade mais intensa e espontâ-
nea; de um registro de vida, ao mesmo tempo, absoluto e fugaz.

(MARTINS, 1988, p. 87)

A literatura infantojuvenil, tal qual a literatura feita por mulheres, a


africana, a popular (oral e de cordel), foi por muito tempo compreendi-
da como um gênero literário marginal, menor, cujos produtos eram de
categoria inferior, desinteressantes, sendo a qualidade e a especifidade
postas em questão pela crítica. Em relação à literatura infantojuvenil há
quem compreenda não haver limitações, e muito menos obras especí-
ficas para determinados leitores. É o caso do já citado professor norte-
americano Harold Bloom, em sua introdução ao volume 1 da antologia
Contos e poemas para crianças extremamente inteligentes de todas as ida-
des (2003), em que discorda do fato de a literatura infantil ser vista como
uma categoria isolada, de existir uma literatura própria para crianças e
uma para adultos, asseverando que,

Harold Bloom
Qualquer pessoa, de qualquer idade, ao ler esta seleção, perceberá logo
que não concordo com a categoria “literatura para criança”, ou “literatura
infantil”, que teve alguma utilidade e algum mérito no século passado,
mas que agora é, muitas vezes, a máscara de um emburrecimento que
está destruindo nossa cultura literária. A maior parte do que se oferece
nas livrarias como literatura para criança seria um cardápio inadequado
para qualquer leitor de qualquer idade em qualquer época. (BLOOM,
2003, p. 12).

Para Bloom, o leitor é capaz de descobrir sozinho o que lhe é apro-


priado à leitura, não havendo um poema ou história especial para de-
terminada idade. Isso significa dizer que textos infantis também podem
ser lidos por adultos, sem restrições, da mesma forma que textos exten-
sos, não propriamente voltados ao público juvenil, podem ser lidos por
crianças e adolescentes.

49
Literatura e ensino

Embora na atualidade ainda se observem questionamentos e crí-


Embora Charles Perrault ticas que consideram a literatura infantojuvenil um gênero “marginal”,
seja visto como o grande houve diversas transformações históricas para se chegar a uma literatu-
iniciador da chamada
“literatura infantojuvenil” ra que se voltasse para os leitores mais jovens. Na Idade Média, a criança
mundial, não se pode era considerada um adulto em escala reduzida, não se distinguia deste,
perder de vista a exis-
tência prévia do italiano participando ativamente de sua vida social, e, consequentemente, da sua
Giambattista Basile (1566- literatura.
1632), cuja obra Lo cunto
de li cunti ou Il Pentame- O predomínio da burguesia, no século XVIII, alterou um pouco esse
rone serviu de fonte para
o escritor francês. Basile, quadro, transformando as relações sociais ao separar a infância da ida-
naturalmente, para com- de adulta. A aprendizagem institucionalizou-se, emergindo, assim, um
por a obra mencionada,
baseou-se em Giovanni novo mercado de consumo e uma literatura específica para a criança.
Boccaccio (1313-1375),
mais precisamente, em Segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (2004), o francês Char-
Decamerone.
les Perrault, no século XVII, compilou contos de fadas adaptando nar-
rativas populares, revestindo-as de valores da burguesia. Mais tarde, no
século XVIII, acentuou-se a função didática e moralizante dos contos de
fadas, e na Alemanha, no século XIX, os famosos irmãos Grimm (Jacob
e Wilhelm), com a finalidade de valorizar o folclore
Um dos primeiros livros a tratar de uma alemão, adaptaram os contos populares alemães. No
História da Literatura Infantil é o escrito por mesmo século, na Dinamarca, Hans Christian An-
Nazira Salem, cuja primeira edição data a dersen surgiu com um diferencial, sendo o primeiro
publicação de 1959 sob o título Literatu- a compor contos de fadas sem se basear diretamente
ra Infantil. É apenas na segunda edição da na oralidade.
obra, publicada 11 anos mais tarde (1970), Esses contos apresentavam, em sua estrutura te-
ampliada e reformulada, que o livro passa mática, narrativas em sua maioria maniqueístas (bem
a intitular-se História da Literatura Infantil. e mal, belo e feio, verdade e mentira, certo e errado),
O livro preencheu um vazio bibliográfico, a fim de serem tomadas como exemplos para a mora-
o que valeria dizer, abriu as portas para as lidade, o bom comportamento e a demonstração do
discussões acerca de tal temática. O com- castigo, da pena a ser cumprida, quando da desobe-
pêndio é dividido em 5 partes das quais diência. Assim, as narrativas infantis (hoje clássicas)
Nazira Salem dedica dois capítulos às adap- tiveram a fonte popular e o folclore como elemen-
tações literárias intitulados: “Livros Célebres tos importantes para sua constituição. No entanto,
adaptados à infância” e “Clássicos Universais o mesmo não aconteceu no Brasil, por não haver a
adaptados à infância”, ou seja, a autora dá tradição de um repertório popular.
considerável enfoque (40% da obra) à ex-
ploração das adaptações literárias.
O início da literatura infantojuvenil brasileira é
marcado por inúmeras traduções e adaptações dos

50
A literatura infantojuvenil Capítulo 06
contos de Perrault, Grimm e Andersen. Figueiredo Pimentel e Carlos
Jansen são vistos como os primeiros tradutores/adaptadores de obras
clássicas europeias. São do primeiro os Contos da Carochinha (1886), os
quais apontavam para a moralidade e o sentido educativo, e do segundo
as adaptações de As viagens de Gulliver (1888), Robinson Crusoe (1885),
D. Quixote de la Mancha (1901), entre outras. Outros tradutores que se
destacaram foram Caetano Lopes de Moura, Justiniano José da Rocha,
Francisco de Paula Brito e, inclusive, o poeta parnasiano Olavo Bilac, o
qual traduziu para a Editora Laemmert inúmeras obras sob o pseudôni-
mo de Fantásio. De um lado, essas traduções-adaptações eram uma ma-
neira de estar em contato com o texto clássico, mesmo que traduzido; por
outro lado, por serem baseadas em obras europeias, portanto, em cultu-
ras alheias, distavam grandemente da realidade das crianças brasileiras.

Na primeira década do século XX, sucederam às traduções-adapta-


ções obras nacionais de Olavo Bilac, em parceria ora com Coelho Neto,
ora com Manoel Bonfim. Júlia Lopes de Almeida e Tales de Andrade
também compuseram obras ao leitor jovem, mas ainda inspiradas em
textos europeus. Havia preocupação moralista, exaltação do trabalho,
disciplina, obediência e a intencionalidade de cantar as belezas da nação.

Tratada apenas como literatura dos bancos escolares, intimamen-


te ligada à pedagogia, com o transcorrer do tempo, a literatura infantil
foi adquirindo outros afinamentos. Ao tentar se desligar da influência
do texto estrangeiro, principalmente do manancial europeu, as décadas
de 20 e 30 foram muito marcadas pelo Modernismo e sua preocupa-
ção com a nacionalidade. Os manifestos Pau-Brasil e Antropófago, de
Oswald de Andrade, tentaram uma interpretação de um atraso cultural
do Brasil. A antropofagia foi utilizada como resposta à cultura europeia Oswald de Andrade (1890-1954),
poeta, romancista e dramaturgo
dominante dos anos de 1920. Essa viravolta operada no Modernismo brasileiro, um dos principais no-
foi profunda, Oswald propunha uma nova postura cultural, na qual não mes do movimento modernista
brasileiro e organizador da Sema-
havia sentimento de inferioridade, por meio do ato de deglutir o outro. na de Arte Moderna de 1922.
A cópia era aceita, mas deveria ser regeneradora.

Apesar de ser considerado antimodernista, por criticar Anita Mal-


fatti em “Paranóia ou Mistificação” (1917), o escritor e editor Monteiro
Lobato inseriu o pensamento modernista em textos para crianças. O
tom coloquial, o uso de onomatopeias e os neologismos ocuparam o

51
Literatura e ensino

“espaço” do caráter didático e moralizante, instituindo-se, assim, uma


produção mais autêntica. Sua criação mais famosa é o Sítio do Pica-pau
Amarelo, que teve seu início com A Menina do Nariz Arrebitado (1921)
e só depois, com o acréscimo de outros episódios, denominou-se Reina-
ções de Narizinho (1931). As Caçadas de Pedrinho (1933) também não
nasceu com esse nome; foi primeiramente A Caçada da Onça, narrativa
publicada em 1924. Mais tarde é que Lobato acrescentou histórias e o
livro aumentou de tamanho e mudou de título. Seu último livro escrito
é Os Doze Trabalhos de Hércules (1944).

Monteiro Lobato também inovou ao mesclar realidade e ficção,


introduzindo questões de guerra, problemas ecológicos, sociais, mer-
Monteiro Lobato (1882 – 1948), editor,
gulhando no folclore e no imaginário, até então não mencionados na
tradutor e escritor brasileiro, um dos literatura infantil. Deu atenção tanto ao regional quanto ao particular,
maiores nomes da literatura infantoju-
venil nacional. fazendo exercícios de intertextualidade com outros textos (contos de
fadas, principalmente) e personagens (Cinderela, Branca de Neve, O
Pequeno Polegar, O Gato de Botas, Chapeuzinho Vermelho e outros),
misturados a personagens mitológicos, heróis maravilhosos, figuras ex-
traídas do cinema, que surgiam das histórias em quadrinhos, do cená-
rio político.

Lobato criou em seus livros um universo para as crianças, sem a


dicotomia bem versus mal, bom versus mau, tão característica desse tipo
de literatura, substituindo e, ao mesmo tempo, desmistificando a moral
tradicional pela verdade individual.

A partir dele, no Brasil, a Literatura Infantil perde uma de suas principais


características, a de ser um instrumento de dominação do adulto e de
uma classe, modelo de estruturas que devem ser reproduzidas. Passa a
ser fonte de reflexão, questionamento e crítica. (SANDRONI, 1987, p. 60).

Para Lobato, as crianças, até um dado momento, haviam sido sub-


metidas a apenas “traduções galegais” de textos clássicos, e, na tentativa
de libertá-las de tal “mal”, adaptou obras clássicas como Dom Quixote
para crianças, Aventuras de Hans Staden, Peter Pan, Pinóquio, Robinson
Crusoe, Alice no País das Maravilhas, entre tantos outros títulos, na ten-
tativa de aproximar ainda mais o leitor infantojuvenil desses textos, por
meio de linguagem mais simples que a do original.

52
A literatura infantojuvenil Capítulo 06
Monteiro Lobato foi o grande responsável no “empreendimento” da
literatura infantojuvenil e um dos seus maiores divulgadores, desenvol-
vendo a viabilização da circulação do livro no país e a expansão editorial.
Menotti del Picchia (João Peralta, 1933), José Lins do Rego (Histórias
da Velha Totônia, 1936), Érico Veríssimo (Aventuras de Tibicuera, 1937),
Viriato Correa (Cazuza, 1938), Graciliano Ramos (A terra dos meninos
pelados, 1939 e Histórias de Alexandre, 1944), entre outros, também se
dedicaram à produção infantil, mas não seguiram a linha de Lobato.

Já em fins dos anos 60, a literatura destinada a esse público come-


çou a desenvolver-se com mais afinco, surgindo, em 1966, a Fundação
do Livro Escolar e, em 1968, a Fundação Nacional do Livro Infantil e
Juvenil (FNLIJ). Mas foi apenas na década de 70 que se deu o chamado
boom na literatura infantil, quando a produção para esse público teve
uma explosão de criatividade, enfatizada por criações originais (uma Embora as adaptações te-
realidade em processo até hoje). Em 1973, surgiu o centro de Estudo da nham caído em descrédito
por volta dos anos 1970
Literatura Infantil e Juvenil e, em 1979, foi fundada a Academia Brasi- em virtude de exigências
leira de Literatura Infantil e Juvenil. Também, nessa década, o Instituto de inovações na literatura
infantojuvenil, as edito-
Nacional do Livro (fundado em 1937) começou a coeditar várias obras ras não as perderam de
infantis e juvenis. vista. Um exemplo desse
período é a publicação
da “Coleção Calouro”,
Convém aqui mencionar que a prosa infantil dos anos 70 e 80, no um projeto editorial da
Brasil, foi marcada por narrativas de intriga fantástica e estilo onírico, de Ediouro (no momento as-
sinando como Tecnoprint)
reportagem e autobiográficas. Com o passar do tempo, temas até então que começa a circular na
não tratados como morte, separação dos pais, adolescência e sexualidade década de 1970, seguida
pela “Coleção Elefante” e
passaram a constar nos livros, descristalizando a suposta “ingenuida- pela atualização gráfica
de” da criança ao se voltarem para temas mais polêmicos e relativos ao das duas séries anteriores
intitulada: “Clássicos para
cotidiano. Desse período, merecem destaque: Ziraldo (Flicts, 1969 e O o jovem leitor”, realizada
Menino Maluquinho, 1980), Clarice Lispector (A vida íntima de Laura, pela mesma editora, a
partir da década de 1990.
1974), Lygia Bojunga Nunes (Angélica, 1975 e A bolsa amarela, 1976), Em 1984, a Scipione in-
Ana Maria Machado (História meio ao contrário, 1978), Ruth Rocha (O gressaria na elaboração e
venda de adaptações, mas
Reizinho Mandão, 1978), Werner Zotz (Apenas um Curumim, 1979) e até a década de 1990, a
Pedro Bandeira (O fantástico mistério de feiurinha, 1985). E na poesia, liderança nesse mercado,
nos quesitos profissiona-
Henriqueta Lisboa (O menino poeta, 1929), Cecília Meireles (Ou isto ou lismo e qualidade, perten-
aquilo, 1964), Roseana Murray (Fardo de carinho, 1986), José Paulo Paes ceria ainda à Tecnoprint/
Ediouro.
(Poemas para brincar, 1990, Lê com crê, 1993), Sérgio Capparelli (Poesia
Visual, 2000), e tantos outros.

53
Literatura e ensino

Grandes resultados começaram a florescer na literatura infantoju-


venil brasileira, e diversos escritores foram reconhecidos, tais como Ruth
Rocha e Ziraldo, premiados por seus talentos. Em 1981, Ana Maria Ma-
chado recebeu, por sua obra De olho nas penas (1981), o prêmio “Casa
de las Américas” (Cuba) e, em 1982, Lygia Bojunga Nunes, a “Medalha
Hans Christian Andersen”, concedida pelo International Board on Books
for Young People (IBBY), pela primeira vez, a um autor da América do
Sul. Em 2000, o mesmo prêmio, ao “melhor” autor do mundo da litera-
tura infantil, foi concedido a outra brasileira, Ana Maria Machado.

A partir dos anos 90, e aí reside um dos desafios desse texto - o de


procurar definir alguns traços e características dessas duas décadas de
Ana Maria Machado, jornalista e escri-
produção contemporânea para o público jovem, a literatura infantoju-
tora brasileira ganhadora do Prêmio
Hans Christian Andersen, o mais venil continuou com seu enfoque dado à diversidade de temas, com re-
importante da literatura infantil.
visitação de estilos anteriores (por meio da paródia e do pastiche), mas
com destaque para a homossexualidade, questões raciais, voz ao índio, e
boas evidências da cultura oriental. Diante disso, estabeleceram-se no-
vas relações sociais entre personagens, leitor e leitura. A poesia teve con-
siderável fortalecimento e a ilustração ganhou qualidade via múltiplas
tendências, conferindo um novo status à literatura.

Autores como Ana Maria Machado, Roseana Murray, Ruth Rocha,


Ziraldo, Angela-Lago, entre outros, continuaram suas produções, e aqui
valeria um destaque para Ana Maria Machado que, recentemente pu-
blicou um livro de poemas, o primeiro de sua carreira, intitulado Sinais
do Mar (2009). Mas por que não pensar nos novos autores, nas novas
roupagens, nas novas ideias de produzir literatura para leitores jovens?
Dentre inúmeros bons textos, autores e ilustradores (considerando que
há ilustradores-autores e vice-versa) nessa vasta produção literária in-
fantojuvenil brasileira contemporânea, precisamos lançar alguns nomes:
Ruth Rocha, escritora brasileira de
O menino que brincava de ser (1999) de Georgina Martins, ilustrações de
livros infantis e membro da Academia Victor Tavares; Bichos que existem e bichos que não existem (2002) de Ar-
Brasileira de Letras.
thur Nestrovski, ilustrações de Maria Eugênia; Planeta Caiqueria (2003)
de Hermes Bernardi Jr., ilustrações de André Neves; A Caligrafia da Dona
Sofia (2006), de André Neves; Beatriz em Trânsito (2005), de Eloí Elisa-
bete Bocheco; Lampião e Lancelote (2006), de Fernando Vilela; O guarda-
chuva do vovô (2007), de Carolina Moreyra, ilustrações de Odilon Mo-

54
A literatura infantojuvenil Capítulo 06
raes; Cacoete (2005) e Felpo Filva (2006), de Eva Furnari; Transpoemas
(2008), de Ricardo Silvestrin; ilustrações de Apo Fousek. Bili com limão
verde na mão (2008), de Décio Pignatari, ilustrações de Daniel Bueno;
Galo Barnabé vai ao balé (2009), de Jonas Ribeiro, ilustrações de Ana
Terra; Histórias de bobos, bocós, burraldos e paspalhões (2001) e O sábio
ao contrário: a história do homem que estudava puns (2009), de Ricardo
Azevedo; A primeira máscara (2009) de Maté, entre inúmeros outros.

Como é possível notar no parágrafo acima, citamos autores con-


temporâneos de livros infantojuvenis, tornando evidente quem são os
ilustradores dos livros para mostrar e demonstrar que a ilustração tam-
bém tem sua parcela (muito relevante, por sinal) tanto de contribuição
quanto de autonomia nos livros para esse público. Se, conforme mencio-
namos, a ilustração dos textos infantojuvenis ganhou força e vigor nes-
tas duas últimas décadas, no tópico seguinte serão discutidas e expostas
algumas considerações a respeito.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e


professores:
1. Escritora de livros infantis e juvenis há muitos anos, tradutora e ensaísta, Ana
Maria Machado, em palestra proferida no seminário “O Trânsito da Memória”,
na Universidade de Maryland, EUA, em 1998, posteriormente incluída no livro
Contracorrente (1999), dispensa o uso do adjetivo “infantojuvenil” para categori-
zar a literatura para leitores jovens e afirma o seguinte:

Começo então falando do que normalmente se chama de literatura


infantil e é, em geral, onde me situam, já que muitos dos meus livros
podem ser lidos também por crianças. Para mim, não importa. O que
interessa é o substantivo, não o adjetivo. A literatura. E como os colegas
que escrevem para adultos e velhos exclusivamente (se é que isso exis-
te) não costumam se preocupar com a idade dos leitores nem rotulam o
que fazem de literatura madura ou senil, esta explicação, de tão eviden-
te, deveria ser desnecessária. (MACHADO, 1999, p. 12).

Você(s) concorda(m) com a escritora e ensaísta Ana Maria Machado? Você(s)


acredita(m) que se trata de uma Literatura sem a necessidade do adjetivo in-
fantojuvenil? O que isso implica?

55
Literatura e ensino

2. Crítica literária, professora e ensaísta, Nelly Novaes Coelho, em Literatura in-


fantil: teoria, análise, didática (1993), elabora as seguintes classificações para o
leitor: o “pré-leitor” (15 meses aos 5 anos); o “leitor iniciante” (6/7 anos); o “leitor
em processo” (8/9 anos); o “leitor fluente” (10/11 anos); o “leitor crítico” (12/13
anos) – divisões que são adotadas também por diversas editoras. Na sua opi-
nião, essas categorizações devem ser levadas à risca? Como lidar com essas
classificações na escola? Conteste(m).

3. Por que é importante, ao profissional de Letras, estudar, ler e conhecer a


literatura infantojuvenil?

4. Qual(is) o(s) livro(s) que marcou (marcaram) sua infância e juventude?


Comente(m) e justifique(m) o porquê.

5. Na sua opinião, como vai a literatura infantojuvenil brasileira? O que os lei-


tores e leitoras da sua comunidade estão lendo na escola? Quais são os livros
mais lidos, disputados e comentados por eles?

Leia mais!

Primeiras leituras
Formulamos uma série de questões para serem debatidas, pensadas, co-
mentadas. O maior número de questões se deve ao importante tema re-
lacionado à literatura para o público leitor formado por crianças e jovens.
Sugerimos para os futuros professores e professoras estes três ensaios que
aprofundam as questões:

LAJOLO, Marisa. “Leitura-literatura: mais do que uma rima, menos do


que uma solução”. In: ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Teodoro.
Leitura. Perspectivas Interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1999, p. 87-
99.
LANNA FIGUEIREDO, Maria do Carmo. “Um percurso pedagógico
no espaço literário”. In: “O ensino da Língua e da Literatura”. Revista
Gragoatá, 1º semestre, n. 2. Niterói, RJ: UFF, 1997, p. 199-208.
SILVA, Ezequiel Teodoro da. “Uma leitura da leitura crítica”. In: Critici-
dade e leitura. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p. 19-63.

56
Ilustração: Palavras e imagens Capítulo 07
7 Ilustração: Palavras e imagens
Palavra e imagem ressoam entre si em uma trepidação: para cada leitor
essa fusão é particular, instante único, mas provocada, por exemplo, tanto
pela realização do escritor como do ilustrador, aqui devemos destacar que a
ilustração também fala, também agita.

(RIBEIRO, 2009, p. 126).

Considerando que os livros infantojuvenis são evidenciados tam-


bém pelo seu caráter de livros ilustrados – algo que não pode ser igno-
rado – e, elaborados, portanto, com ilustradores, trazemos aqui breves
apontamentos sobre a ilustração, técnicas e características, que venham
a contribuir para o trabalho com a leitura/literatura na escola, sem per-
der de vista que, nos livros para esse público – infantojuvenil –, imagem
e texto dialogam, completam-se, questionam-se constantemente. Ciça
Fittipaldi, em “O que é uma imagem narrativa?”, aborda essas relações
entre texto escrito e imagem, e afirma que:

Toda imagem tem alguma história para contar. Essa é a natureza narrati-
va da imagem. Suas figurações e até mesmo formas abstratas abrem es-
paço para o pensamento elaborar, fabular e fantasiar. A menor presença
formal num determinado espaço já é capaz de produzir fabulação e,
portanto, narração. (FITTIPALDI, 2009, p. 103).

Segundo a ilustradora, a imagens visuais não impedem a fabricação


de imagens mentais, muito menos restringem o imaginário do leitor,
mas “detêm uma enorme capacidade de abrir espaços no imaginário,
de criar experiências sensíveis, formais, afetivas e intelectuais que ali-
mentam o imaginário” (FITTIPALDI, 2009, p. 107). Apesar de também
ser compreendida como uma imagem que acompanha um texto escrito,
dando-lhe sustentação – muitas vezes maldosamente confundida com
ornamento, adereço, enfeite às palavras, a ilustração é um tipo de texto
que pode atuar por si só, dispensando completamente o texto escrito,
construindo outro texto apenas por meio da visualização. A esse tipo de
texto dá-se o nome de livro-imagem. A ideia que se tem de ilustração é
muito variada. Segundo o ilustrador Luís Camargo (1998, p. 30),

57
Literatura e ensino

Pensamos que um mapa explica, melhor do que um texto, o percurso de


um rio; pensamos que desenhos tornam um livro mais atraente, princi-
palmente aos olhos infantis. Daí a idéia de que o papel da ilustração seja
informar e enfeitar. Mas serão apenas essas as funções da ilustração?

Não. As funções da ilustração, segundo Camargo, não são apenas


essas, e ele corrobora sua negação apresentando oito funções para a ilus-
tração: 1. [de] Pontuação (a ilustração pontua o texto, destacando as-
pectos e demarcando início e término); 2. Descritiva (descreve objetos,
animais, personagens, cenários...); 3. Narrativa (mostra uma ação, conta
uma história); 4. Simbólica (representa uma ideia, um símbolo); 5. Ex-
pressiva/ética (expressa emoções através da postura, gestos dos perso-
nagens e dos elementos plásticos, como cor, espaço, linha..., pode conter
valores pessoais e morais do ilustrador); 6. Estética (a linguagem visual
chama à atenção); 7. Lúdica (na imagem representada e na maneira de
representá-la); 8. Metalinguística (linguagem que fala sobre a própria
linguagem).

Além de possuírem essas funções, as ilustrações são elaboradas por


meio de diferentes técnicas, das quais é importante que o professor te-
nha um prévio conhecimento, a citar algumas: aquarela, apropriação,
fotografia, colagem, montagem, lápis de cor, giz-de-cera, gravura, gua-
che, xilogravura, iluminuras, pinturas a óleo, a carvão, e entre tantas ou-
tras possíveis. Não se exige que o professor seja um perito na análise de
imagens, mas que tenha, pelo menos, uma ideia dos aspectos utilizados
nas imagens que dialogam (ou não) com o texto escrito. Em texto publi-
cado no livro organizado por Ieda Oliveira, intitulado O que é qualidade
em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador (2009),
a ilustradora Cristina Biazetto apresenta tópicos interessantes em “As
cores na ilustração do livro infantil e juvenil”. Segundo Biazetto (2009),
perceber é sinônimo de compreender, mas, para que isso aconteça, é
imprescindível ter conhecimento de atributos intrínsecos e extrínsecos
a uma imagem:

58
Ilustração: Palavras e imagens Capítulo 07
Atributos intrínsecos a Atributos extrínsecos a
Elementos visuais
uma imagem uma imagem

- Intensidade; - Linha – indicadora da direção que o nos-


so olhar deve seguir. Pode ser um simples
- Tamanho; contorno, dar ideia de volume e representar
- Atenção; sombra;
- Contraste; - Expectativa; - Superfície – altura e largura;
- Volume – perspectiva, cores, luz e sombra;
- Novidade; - Experiência;
- Luz – contraste claro-escuro;
- Memória.
- Repetição; - Cor – elemento visual com o maior grau de
sensualidade e emoção do processo visual.
- Movimento.

FONTE: adaptado de Biazetto (2009, p. 75-91)

Com relação às cores, a ilustradora Cristina Biazetto, com proprieda-


de e conhecimento de causa, faz os seguintes apontamentos (2009, p. 90):

ǿǿ C
ores quentes: vermelhos, amarelos, laranjas. (Ideia de fogo e
calor, densidade);

ǿǿ C
ores frias: azuis e verdes azulados; mais azul que amarelo na
composição. (Ideia de água, gelo, céu e vidros, sensação de le-
veza e distanciamento);

ǿǿ C
ores complementares: azul complementar é o laranja (amare-
lo + vermelho); vermelho complementar é o verde (azul + ama-
relo) e amarelo complementar é o violeta (azul + vermelho);

ǿǿ C
ores dessaturadas: baixa a intensidade da cor, misturando
cinza, branco ou preto;

ǿǿ C
ores saturadas: cores puras, sem adição de cinza, branco ou
preto;

ǿǿ C
ores primárias: vermelho, azul e amarelo (artes plásticas);
magenta, ciano e amarelo (artes gráficas);

ǿǿ C
ores secundárias: mistura das primárias, verde, laranja e vio-
leta.

59
Literatura e ensino

As crianças tendem a aprender com a cor, e é na cor que elas con-


templam a liberdade. Walter Benjamin, em seu ensaio “Livros infantis
Walter Benjamin antigos e esquecidos”, publicado no livro Magia e Técnica, Arte e Política
Walter Benjamin (1892
- 1940) foi um ensaísta,
(1994), partindo suas reflexões da coleção de livros infantis de Karl Ho-
crítico literário, tradu- brecker, divulgada ao público em 1924, faz considerações importantes
tor, filósofo e sociólogo sobre as ilustrações nos livros infantis sem perder de vista o seu caráter
judeu alemão.
histórico. As imagens, segundo Benjamin, estimulam nas crianças a pa-
lavra pelo ato de decifrar, de ler, de criar um sentido para o que veem/
decrifram/leem dentro de si. “A imagem colorida faz a fantasia infantil
mergulhar, sonhadoramente, em si mesma. A gravura em branco e pre-
to, a reprodução sóbria e prosaica, levam-na a sair de si.” (BENJAMIN,
1994, p. 241).

A ausência do colorido nos livros, ou seja, uso exclusivo do preto e


branco nas ilustrações, pressupõe maturidade do leitor. Diante disso, dei-
xaria o leitor de sonhar, segundo afirma Walter Benjamin (1994, p. 242),
ao dizer que “no reino das imagens incolores, a criança acorda; no reino
das imagens coloridas, ela sonha seus sonhos até o fim”? A questão reside
no fato de fazer com que o leitor-criança aprenda a absorver as imagens,
seja por meio de cores, traços, contornos etc., para que se torne um adul-
to sensível e sensato não apenas à dimensão das palavras, que projetam
imagens, mas à projeção das imagens, que dimensionam palavras.

Os apontamentos citados em parágrafos acima, mas explicados com rigor


por quem faz ilustração, quis propor a seguinte reflexão: Agora que você(s)
viu(viram) alguns dos atributos das imagens, que tal retomar(em) alguns li-
vros infantojuvenis para ler e observar atentamente as ilustrações, as capas?
Procure(m), como futuro(s) professor(es), a partir de nossa disciplina, identificar
DUARTE, Rafael Soares.
técnicas, cores e tons utilizados, bem como que tipo de relações estabelecem
Watchmen: quadrinhos,
vazios e poesia visual. as ilustrações com o texto escrito.
Dissertação (Mestrado em
Literatura, Programa de
Pós-Graduação em Litera- Convém, também, aqui registrar a importância de se pensar cada vez
tura. Florianópolis: UFSC, mais – e sempre – a importância das histórias em quadrinhos e tirinhas,
dez. 2009. Orientadora:
Profa. Dra. Tânia Regina tão marginalizados. O professor Rafael Soares Duarte, em sua dissertação
Oliveira Ramos. de mestrado Watchmen: vazios, tragédia e poesia visual moderna, expôs
com muita clareza a importância das Histórias em Quadrinhos (HQs):

60
Ilustração: Palavras e imagens Capítulo 07
A relação da história em quadrinhos (também chamadas de HQ) com
a sociedade é perpassada por polarizações antagônicas. É reconhecida
como diversão popular de alcance imenso e, ao mesmo tempo, exe-
crada como infantilidade. É vista como meio artístico válido e meio de
consumo descartável. Deixando-se de lado o campo do senso comum,
é possível verificar um posicionamento relativamente diferente entre
as instâncias que possibilitam a legitimação de uma forma artística. Se
um certo reconhecimento intelectual já pode ser verificado há algum
tempo, com uma obra entrando para a lista de “Cem melhores livros do
século XX” da Time Magazine, através de prêmios como Hugo e Pulit-
zer, ou de livros que analisam sua estrutura formal, um outro lugar de
legitimação, a produção acadêmica acerca das histórias em quadrinhos, Os dois primeiros casos
são relativos à obra Watch-
merece um olhar mais atento. (DUARTE, 2009, p. 14) men. O Pulitzer de 1992 foi
vencido pela obra Maus
de Art Spiegelman.
As palavras do professor e pesquisador de histórias em quadrinhos
tornam evidente que as HQs conquistaram seu espaço como arte, co-
municação e, principalmente, literatura, embora tenham ficado à mar-
gem por muitos anos, vistas como diversão popular e consumo descar-
tável. As produções em quadrinhos, sejam elas adaptações de clássicos,
sejam clássicos dos quadrinhos (Superman, Watchmen, Tarzan, Popeye,
Questão a ser tratada no
X-men, Dick Tracy, Capitão Marvel, Capitão América etc.) ou mesmo os tópico seguinte: As adap-
mais contemporâneos (Mafalda, Charlie Brown, Pato Donald, Zé Cario- tações de textos clássicos.
ca, Turma da Mônica etc.), não podem ser excluídas do meio escolar,
pois [nelas] é onde, também, as imagens estabelecem relações com o
texto escrito. Embora a leitura dos quadrinhos seja limitada à ordem
dos balões, legendas e imagens, os significados, os sentidos que o leitor
pode extrair dessa leitura não o são.

Seja pelas ilustrações dos livros, pelas HQs, não podemos esquecer
do poder sedutor das imagens. Muitas vezes são elas, as ilustrações, as
cores, as capas que conquistam leitores antes que eles passem a conviver,
como disse o pequeno leitor, apenas “com livros só de palavras”.

61
Literatura e ensino

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus


colegas, tutores e professores:
1. Em “A linguagem visual no livro sem texto”, Ma-
rilda Castanha alegou que, corforme a criança é
alfabetizada, os livros de imagens vão ficando em
segundo plano. Diante de situações como esta,
elaborou a seguinte conclusão: “é como se, aos
poucos, durante a trajetória de uma pessoa na
vida escolar, ela se “desalfabetizasse” das imagens. Não é por acaso que mui-
tos adultos não se sentem estimulados a visitar museus, galerias de arte ou
bienais” (CASTANHA, 2009, p. 145). O que você(s) pensa(m) a respeito dessa
afirmação?

2. A ilustradora Márcia Széliga, em depoimento, disse que “Ilustrar é despertar


um questionamento, é instigar a curiosidade para desvendar os mistérios in-
crustados nas entrelinhas das palavras, na ambientação das formas e cores que
acionam os sentidos do leitor, para que ele possa se sentir, em seu íntimo, um
co-autor silencioso” (SZÉLIGA, 2009, p. 181). Na sua opinião, qual é o papel (ou
quais são os papéis) da ilustração no livro infantojuvenil?

Leia mais!

Pausa
Sugerimos agora, pensada a questão dos livros e suas ilustrações, a leitura
de dois textos importantes para se aprofundar cada vez mais a leitura literá-
ria e a história dos livros dedicados a jovens e crianças.

BENJAMIN, Walter. “Livros infantis antigos e esquecidos”. In: Magia


e Técnica. Arte e Política. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 235-243.
ZILBERMAN, Regina. “Leitura literária e outras leituras”. Revista Gra-
goatá. Curso de Pós-Graduação em Letras. Número monográfico sobre
O ensino da Língua e da Literatura. 1º semestre, n. 2. Niterói: UFF,
1997, p. 143-157.

62
As adaptações de textos clássicos Capítulo 08
8 As adaptações de textos
clássicos
Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. Não
ler e jogar fora, mas, sim, morar, assim como morei no Robinson [Crusoe]...

(Monteiro Lobato. Correspondência).

As palavras de Monteiro Lobato, que compõem a epígrafe deste tex-


to, enfatizam o poder de sedução, envolvimento, experiência, vivência,
quando da “boa” literatura – especialmente ao fazer referência a um tex-
to clássico da literatura universal, Robinson Crusoe, de Daniel Defoe.
Por meio da leitura de bons livros é que as crianças podem passar a mo- O professor Diógenes
rar neles, vivenciar experiências únicas, fazer uso correto de suas solidões, Buenos Aires de Carvalho
(2006) ressalta, em levan-
como já demonstramos na afirmação do norte-americano Harold Bloom tamento feito de obras
no início de nosso livro. adaptadas entre 1882 e
2004, que os títulos mais
adaptados no Brasil são
Mas, como fazer com que os leitores tenham alguma forma de aces- Robinson Crusoe, de Daniel
so à “boa” literatura enquanto jovens? Indicar sem pestanejar, para um Defoe, com 39 (trinta e
nove) publicações, e As
leitor mirim, um texto integral do acervo literário ou optar por outras viagens de Gulliver, de
possibilidades quando o alvo de leitura é justamente um texto clássico? Jonathan Swift, com 36
(trinta e seis).
Que possibilidades seriam essas?

Conforme exposto em tópico anterior, o início da literatura in-


fantojuvenil brasileira é marcado por traduções e adaptações de textos
clássicos. Desde o final do século XIX, no Brasil, havia preocupação de
Sempre que mencionado,
se fazer com que os leitores tivessem acesso e, possivelmente, maior en- o termo ‘adaptação’ refere-
tusiasmo com a leitura desses textos. Além disso, era possível perceber se às releituras de obras
clássicas para o leitor
que o Brasil carecia de uma literatura própria para leitores ainda em fase infantojuvenil.
de escolarização, pois até então circulavam aqui apenas traduções de
livros europeus. Era, então, necessário repensar essa questão e procurar
alguma alternativa para fazer com que esses leitores ingressassem na
leitura de clássicos por outra via que não apenas a da tradução do tex-
to integral; daí uma das razões para que se viabilizasse o aparecimento Daniel Defoe
das adaptações. Embora apelativas à moralidade, galegais, desliteratu- (1660-1731) – escritor e
jornalista inglês.
rizadas, como afirmava Lobato, as primeiras adaptações-traduções de
Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel foram o pontapé inicial para que os

63
Literatura e ensino

leitores jovens brasileiros do final do século XIX começassem a desfru-


tar da leitura desse tipo de textos.

Monteiro Lobato foi um obstinado partidário das adaptações; pro-


curou recriar e reescrever uma série de textos que marcaram sua in-
fância – Dom Quixote, Peter Pan, Pinóquio, Robinson Crusoe, Alice no
País das Maravilhas, para citar alguns –, pois considerava o conheci-
mento deles [dos textos] essencial para as novas gerações. Era preciso
que a leitura fluísse, que os códigos estéticos fossem renovados e que as
narrativas fossem desprovidas de enfeites literários. As adaptações, para
Lobato, deveriam ser diferentes, sem termos do “tempo da onça”, como
demonstra em um trecho do livro Reinações de Narizinho – Volume 2,
relatando ao leitor a maneira de Dona Benta ler (recontar) as histórias
para os netos:

A moda de Dona Benta ler era boa. Lia “diferente” dos livros. Como qua-
se todos os livros para crianças que há no Brasil são muito sem graça,
cheios de termos do tempo da onça ou só usados em Portugal, a boa
velha lia traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil
de hoje. Onde estava, por exemplo, “lume”, lia “fogo”; onde estava “larei-
ra” lia “varanda”. E sempre que dava com um “botou-o” ou “comeu-o”, lia
“botou ele”, “comeu ele” – e ficava o dobro mais interessante. (LOBATO,
2007, p.36)

Dona Benta, a vovó do Sítio do Pica-Pau Amarelo, é uma exemplar


mediadora dos textos clássicos para os netos. Além de atuar como uma
assídua contadora de histórias, a avó de Pedrinho e Narizinho (Lúcia),
desempenha um papel de adaptador hic et nunc, que reescreve e recria
as histórias no momento em que são narradas à plateia do sítio, que
é geralmente composta pelos netos, boneca Emília, sabugo Visconde e
preta Nastácia. Segundo Regina Zilberman (2003, p. 86), “Dona Benta é
a narradora adulta que, após a leitura do livro, refaz à sua moda os prin-
cipais episódios do original”. E é refazendo à sua moda os episódios que
dona Benta parece desafiar a gramática, ignorando, como exemplifica o
narrador, regra de uso dos pronomes. É claro que a boa senhora conhe-
ce o uso e as devidas normas, mas os corrompe para imprimir tom de
oralidade quando de suas narrações, ou seja, para que a narrativa fique
“em língua do Brasil de hoje”.

64
As adaptações de textos clássicos Capítulo 08
Se, para Italo Calvino (2001), o primeiro encontro com os clás-
sicos durante a juventude, muitas vezes, não é tão prazeroso devido à
impaciência e distração de leitura, bem como inexperiência de vida, as
adaptações de textos clássicos podem ser uma maneira de aproximar
o leitor das obras consagradas e tentar uma democratização e uma re-
cepção mais adequada ao leitor infantojuvenil. Há excelentes adapta-
ções circulando no mercado; segundo Mário Feijó Borges Monteiro, em
dissertação de Mestrado intitulada Adaptações de clássicos brasileiros:
paráfrases para o jovem leitor (2002), a boa adaptação tenta aumentar
ao máximo o número de leitores de determinada obra e, por tais fun-
ções, compreende-as como paráfrases ou metáfrases, por serem narra-
tivas que recontam textos clássicos por meio das próprias palavras dos
adaptadores. Monteiro assevera que essas paráfrases ou metáfrases – as
adaptações –, quando bem realizadas, apresentam fidelidade ao enredo,
possível encantamento ao leitor e emprego de linguagem apropriada.
A maioria das adaptações de textos clássicos para a literatura infanto-
juvenil é transformada em narrativa, o que de antemão já pressupõe,
também, a alteração do gênero literário.

As adaptações de textos clássicos são boa opção para o leitor inte-


ressar-se pelo texto-fonte? Escritor e autor de diversas adaptações que
circulam no mercado, o experiente escritor Carlos Heitor Cony (2006),
em “As adaptações dos clássicos e a voz do Senhor”, é otimista em rela-
ção às adaptações, afirmando não ser uma prática condenável, e muito
menos plagiosa e/ou pasticheira, mas, muitas vezes, de caráter honesto,
funcionando como um caminho para que se conheça o original, espe-
cialmente para aqueles que não têm vontade e muito menos tempo de
se arriscar na leitura dos famosos “tijolões”. Cony, historiando o assunto,
menciona que os irmãos Lamb fizeram adaptações em prosa das peças
de William Shakespeare, que servem como primeiro contato para os
estudantes de fala inglesa com os textos do escritor inglês. Essas adap-
Carlos Heitor Cony, escritor e jornalista
tações em prosa, como ressalta Cony, em nada prejudicaram os origi- brasileiro, membro da Academia Brasi-
leira de Letras.
nais, mas sim, valorizaram-nos ainda mais, além de familiarizarem o
estudante desde cedo ao conhecimento de obras importantes. Também
aponta a importância de Monteiro Lobato, o precursor das adaptações
no Brasil, cujos textos são reeditados ainda hoje.

65
Literatura e ensino

Adepta da recriação de textos clássicos (inclusive os de literatura


brasileira), é, também, a professora, escritora e ensaísta Nelly Novaes
Coelho, em texto publicado no Jornal do alfabetizador, em 1996, inti-
tulado “O processo de adaptação literária como forma de produção de
literatura infantil”. Segundo Coelho (1996, p. 11), “a adaptação é ainda
um bom filão a ser redescoberto e explorado pelos novos escritores” e
acrescenta que, além dos mitos gregos (e latinos), indígenas, feitos his-
tóricos, romances geniais, “por que não certos textos ou livros de lite-
ratura brasileira contemporânea?” E como resposta exemplifica com a
obra de Guimarães Rosa que, em dis-
curso narrativo inovador, apresenta
Relevante mencionar aqui o projeto Latim na Escola, da
situações, aventuras ou experiências
Universidade Federal de Santa Catarina, elaborado em co-
humanas que podem ser de grande
autoria da Profa. Dra. Zilma Gesser Nunes e do Prof. Dr. José
interesse para os leitores. Apesar de
Ernesto de Vargas. Esse projeto, em andamento desde ja-
entusiasmada com as adaptações, a
neiro de 2000, visa o resgate da Língua Latina, à recupera-
professora ressalta que esse processo
ção da sua história e cultura, ao desenvolvimento do racio-
deve ser desenvolvido com rigor, o que
cínio lógico, bem como contribuir para o processo ensino/
exige do adaptador um trabalho vi-
aprendizagem da língua portuguesa. Dentre seus objetivos
goroso em três níveis, a citar: nível da
está, também, a elaboração de material didático e lúdico
composição, da estrutura narrativa; ní-
e de adaptações de textos clássicos latinos de autores
vel da personagem e nível do discurso.
como Virgílio, Ovídio, Fedro, Plauto, que são efetuadas
Abarcando esses três níveis, o processo
pelos alunos do curso de graduação em Letras-Portu-
de adaptação atingirá uma recriação
guês. (grifo nosso). Disponível em: <http://www.sepex.ufsc.
simplificadora da linguagem narrativa,
br/anais_6/trabalhos/1235.html>. Acesso em: 25 jan. 2010.
suscetível de agradar ou estimular os
jovens leitores.

Embora defendida pelo escritor Carlos Heitor Cony e pela profes-


sora e ensaísta Nelly Novaes Coelho, a adaptação de textos brasileiros
do século XIX e XX é uma prática ainda bastante questionável, pois os
leitores, na maioria das vezes, preferem o texto adaptado e dispensam o
original, escrito em sua língua materna, por ser uma leitura facilitada e
o texto ser reduzido. Nesse sentido, o texto original, aquele escrito por
Machado de Assis, José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, por
exemplo, é substituído pela adaptação do romance brasileiro. Não se

66
As adaptações de textos clássicos Capítulo 08
nega a eficiência dessas adaptações, mas os séculos XIX e XX não estão
muito distantes da realidade dos estudantes juvenis brasileiros para que
se viabilize sempre a preferência pela adaptação. Os leitores juvenis po-
dem ler as adaptações, mas sem deixar de lado o conhecimento e a leitu-
A editora Scipione investe
ra das obras originais. Além disso, há obras brasileiras que são acessíveis em adaptações de textos
à leitura e, portanto, “dispensam” o recurso da adaptação. clássicos desde 1984,
cujos títulos continuam
Por outro lado, já se tornaram corriqueiras, pode-se dizer há al- em circulação até hoje,
e já possui em seu catá-
gum tempo, adaptações de textos clássicos para os quadrinhos, aliando logo inúmeros títulos de
texto e imagem de maneira bastante interessante. Tendo em vista que clássicos das literaturas
brasileira e portuguesa
são reconhecidas como forma de arte e comunicação e, possivelmente, na Série Reencontro. Mas
atraem maior número de leitores jovens, as adaptações de clássicos em não para por aí: de outra
coleção, Série Reencontro
quadrinhos são uma boa alternativa para efetuar trabalhos em sala de Infantil, indicada a partir
aula, mas sem perder de vista o texto original. As editoras acresceram dos 9 anos, que também
consiste em adaptações
um item a mais no seu catálogo: os quadrinhos, e estão investindo cada de textos clássicos, locali-
vez mais nesse “formato”. A título de ilustração, citamos quatro adapta- zamos dois títulos de tex-
tos nacionais adaptados
ções (opções) do conto brasileiro O Alienista, de Machado de Assis: para crianças: O Guarani,
de José de Alencar, adap-
tação de Edy Lima, e Triste
ǿǿ O Alienista, adaptação, roteiro e desenho de Lailson de Holan- fim de Policarpo Quaresma,
de Lima Barreto, adapta-
da Cavalcanti (Companhia Editora Nacional, 2008); ção de José Louzeiro. Dis-
ponível em: <http://www.
ǿǿ Alienista, adaptação de Luiz Antonio Aguiar e ilustrações de scipione.com.br/lista_pa-
Cesar Lobo (Ed. Ática, 2008); radidatico.asp?pagina=5&i
nicial=5&nivel=&bt=2&id_
ǿǿ O Alienista, adaptação de Fábio Moon e Gabriel Bá (Ed. Agir, olecao=12&avancada=1>.
Acesso em: 20 jan. 2010.
2007);

ǿǿ O Alienista, adaptação, roteiro e desenhos de Francisco S. Vi-


lachã; cores de Fernando A. A. Rodrigues (Ed. Escala Educa-
cional, 2006).

O que se pode perceber é que em um intervalo de três anos, qua-


tro editoras diferentes abraçaram a ideia da adaptação em quadrinhos
do conto de Machado de Assis. Se fizermos um levantamento de todos
os títulos clássicos de romances, contos, biografias, peças, poemas etc.
(não necessariamente literatura brasileira, mas incluindo-se a literatura
estrangeira) adaptados para os quadrinhos, a lista será imensa.

67
Literatura e ensino

Embora a noção de adaptação possa ter compreensões depreciati-


vas, sendo associada aos conceitos de condensação, facilitação, em-
pobrecimento e prejuízos em relação ao original, é preciso avaliar
seu alcance. Esse recurso não deve sofrer generalizações pejorati-
vas, pois não é o “adaptar” em si que pode comprometer a recepção
de uma obra, mas a “forma” pela qual esse processo é elaborado – e
aqui entraria novamente a questão do rigor quando da composi-
ção de uma adaptação nos três níveis elaborados por Nelly Novaes
Coelho. É nesse momento que o professor deve entrar em cena, o
que vale dizer, deve procurar ter conhecimento de algumas adap-
tações para fazer questionamentos críticos e contrapontos com os
originais. Há inúmeras adaptações de um mesmo texto, conforme
demonstramos acima através de O Alienista, de Machado de Assis, e
cabe aos professores auxiliarem seus alunos nas escolhas e orientá-
los para que percebam tratar-se de uma releitura da obra em ques-
tão, ou seja, há um mediador – o adaptador. (Sim, o professor deve
ser um constante e obstinado leitor...)

Com esse texto, pretendemos enfatizar que as adaptações, quando


elaboradas com rigor e seriedade, são importantes e necessárias no pro-
cesso de formação da leitura. Importantes por colocarem em circula-
ção obras clássicas distanciadas dos leitores tanto em matéria de tempo
quanto de convenções linguísticas e estéticas. Necessárias por contribuí-
rem na formação de leitores também de textos clássicos. Importantes por
defenderem/promoverem a circulação desses textos e, assim, manterem/
preservarem certas referências culturais. Necessárias por servirem como
um convite a uma leitura/mergulho do/no original – que muitas vezes
pode ser a tradução. Importantes, principalmente, por tornarem a leitu-
ra diferente, menos densa, mais prazerosa, e, retomando as ideias de Lo-
bato expressadas no início desse texto, sem “termos do tempo da onça” e
“português de defunto”, mas uma leitura o dobro mais interessante.

68
As adaptações de textos clássicos Capítulo 08
Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e
professores:
1. Ana Maria Machado, escritora e ensaísta já mencionada, em seu livro Como e
por que ler os clássicos universais desde cedo (2002), afirmou, “a tradição clássica
está desaparecendo a uma velocidade galopante — e todos nós vamos nos
empobrecendo com isso” (MACHADO, 2002, p. 142). Por que essa tradição clás-
sica está desaparecendo? De que forma empobreceremos – o que deixaremos
de conhecer, de ler, de apre(e)nder – se a tradição clássica desaparecer?

2. Em que medida as adaptações proporcionam o contato de leitores e leitoras


jovens com a literatura clássica? Responda(m) essa questão tendo em mente
essas palavras de Ana Maria Machado: “como o contato das crianças com os
contos populares hoje em dia se faz basicamente pelos desenhos animados e
toda a parafernália Disney deles derivadas, as histórias que não foram adapta-
das por esse canal ficam em segundo plano” (MACHADO, 2002, p. 143).

3. Qual a importância de ler textos clássicos desde cedo? Por quê?

Leia mais!

Depois da aula
Ao falar de adaptações estamos sempre pensando na adaptação dos clás-
sicos. Como futuros professores de literatura, as indicações a seguir deverão
fazer parte de seus repertórios de leituras. Estes três livros devem fazer parte
da(s) sua(s) bibliotecas ou de sua(s) escola(s):

BLOOM, Harold. “Prólogo” e “Prefácio”. Como e Por Que Ler. Tradu-


ção José Roberto O´Shea. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 15-25.
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos? Tradução de Nilson Moulin.
São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais
desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

69
Unidade D
A literatura na escola
A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular Capítulo 09
9 A literatura no ensino médio
ou A literatura para vestibular

Se, por não sei que excesso do socialismo ou de barbárie, todas as nossas
disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária
que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literá-
rio. (Barthes, 1978, p. 18)

Ao enfatizarmos as questões anteriores para estabelecer a complexa


Este ensaio está inte-
relação Literatura e Ensino, passamos agora a escutar a voz dos alunos
gralmente publicado
do ensino médio, através de uma pesquisa sobre a leitura obrigatória de no livro “Experiência
textos canônicos e Prática de Redação”,
publicado pela EDUFSC
em 2008, e teve a
coautoria de Tânia Re-
O professor da UNESP (Campus de Assis), Benedito Antunes, em gina Oliveira Ramos e
“Para ler os clássicos” (2004), levanta alguns títulos que são comu- Cristina de Souza Prim.
mente compreendidos como clássicos da literatura brasileira: Optamos por incluí-lo
no livro destinado à
Hit parade nacional. Tomando-se de forma aleatória algumas das disciplina porque ele
é resultado de uma
enquetes que se fazem para eleger os livros fundamentais da litera- pesquisa de campo e
tura brasileira, é possível imaginar uma lista de obras que são fre- nos permite pensar na
quentemente citadas. Inicialmente, se destacariam os romances de leitura dos cânones
da literatura brasileira
Machado de Assis, especialmente Dom Casmurro, Quincas Borba
por alunos do ensino
e Memórias Póstumas de Brás Cubas. É muito lembrado também o médio.
romance Grande sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, vindo em se-
guida Macunaíma, de Mário de Andrade, e Os sertões, de Euclides
da Cunha. Completariam a lista das mais lembradas, Vidas secas, de
Graciliano Ramos, Fogo morto, de José Lins do Rego, Iracema, de
José de Alencar e Memórias de um sargento de milícias, de Manuel
Antônio de Almeida. Da produção poética, costuma-se citar como
fundamentais Primeiros cantos, de Gonçalves Dias, Libertinagem,
de Manuel Bandeira, e A rosa do povo, de Carlos Drummond de An-
drade (ANTUNES, 2004, p. 79).

73
Literatura e ensino

Como pensar a literatura com(o) disciplina? Alfredo Bosi, em “O


Tempo e os Tempos”, um dos ensaios da coletânea Tempo e História,
BOSI, Alfredo. “O Tempo e afirma que datas são pontas de icebergs, ou seja, funcionariam como pi-
os Tempos”. In: NOVAES,
Adauto (Org.). Tempo e náculos flutuantes, como demarcações de massas congeladas em blocos
História. São Paulo: Com- de formatos imprevisíveis e erráticos, passíveis de dissolução. Ao falar
panhia das Letras, 1993,
p. 19. sobre o ensino da literatura no século XXI, desejamos mostrar que, além
da superfície visível, há nas datas uma dimensão outra que as sustenta.
Assim, obras e autores, discursos críticos, iniciativas contemporâneas,
como os periódicos especializados e as múltiplas antologias e coletâneas
de ensaios, que vêm sendo bastante publicadas, quando observados sob
o ângulo de sua inserção na vida literária de certo período ou institui-
ção, também podem ser vistos como pontas de icebergs, especialmente
porque são feitos de muitos nomes e outras falas, de figuras ainda não
Referimo-nos aqui ao
expressivas no contexto de uma relação canônica de uma determina-
ensaio de Tânia Regina
Oliveira Ramos, “Dentro da literatura. Este universo contemporâneo é mais errante, mais frágil,
deste (a)pós: muito abalo,
mais abstrato do que certos caminhos já percorridos. Para compreender
novos nomes, outras falas.
Cadernos do Centro de Pes- essa certa condição de isolamento necessitamos de alguns mergulhos
quisas Literárias da PUCRS.
que nos mostrem a grande massa sedimentar que pode sustentar estas
Porto Alegre, 2000. v. 6, n.
1, p. 73-79. leituras. Comecemos, por exemplo, por ver o ensino de literatura como
um instrumento de legitimação, quer dizer, de afirmação do lugar a par-
tir de onde o texto fala. E “este entendimento se dá pela aceitação de que
a professora ou o professor de literatura é aquele capaz de organizar,
classificar, delimitar e apontar junto a seus alunos procedimentos de lei-
tura.” (FOUCAULT, 1996).

Entramos no século XXI, com manifestações evidentes, até mesmo


claras, de uma necessidade de se retirar da História e da Literatura a
pecha de anacronismo. Mesmo não se podendo, em princípio, elaborar
sistematicamente uma outra história da literatura, estamos debruçados
sobre tantas textualidades contemporâneas, e convencidas da importân-
cia da reavaliação da tradição e da utilização de fontes bibliográficas
literárias, e os seus espaços nos cursos de graduação, de pós-graduação,
nas instituições de ensino superior do país, nas escolas de ensino mé-
dio. Há outros caminhos que possam ser traçados para além da relação
Literatura e História, Literatura e Memória Cultural, Literatura e Vida
Literária, Literatura e Contexto?

74
A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular Capítulo 09
Reconhecida a importância das revisões e revitalizações de estudos
historiográficos para o ensino de literatura, a leitura de uma produção
crítica, mais ensaística, publicada nos últimos trinta anos, leva-nos a
adiantar que um número significativo destes textos críticos volta-se para
a contemporaneidade. Assim, ao lado dos estudos mais sistematizados e
localizados na historiografia literária, conforme um levantamento pre-
liminar de nossos programas de ensino, há por força das circunstân-
cias uma tentativa de pensar a literatura e sua relação com o ensino que
persiste ainda dentro de uma tradição. Qual seria a razão de se desejar
novos rumos para os estudos literários? A imagem que para nós melhor
explica esta imediaticidade é a crítica literária, que prolifera nas temáti-
cas dos eventos nacionais e internacionais e a leitura de textos teóricos,
poéticos e narrativos, dispersos em livros e antologias. A literatura pare-
ce sempre conclamar à atualização. Assim será antes preciso perguntar o
que é que significa e o que é que nos instiga a não abandonar os cânones
mesmo lançando um outro olhar sobre a criação literária contemporâ-
nea, sobre outras formas de manifestações culturais (cinema, perfor-
mance, telenovelas, revistas, sites, saraus...)?

Poderíamos dizer que a crítica literária ajuda a intervir entre a obra


e o leitor, para dar algumas informações sobre o livro na contempora-
neidade dele, compromissado com o acúmulo crítico que o antecede.
O professor precisaria sempre amparar suas leituras em uma fortuna
crítica institucionalizada. Quantos e quem, entre os pesquisadores da
área, estão dispostos e preparados para assumir a tarefa de se voltar mais
e mais para a releitura de obras ou textos do passado, que guardariam
atualidade?

Embora o caráter provisório que possa ter tudo o que está sendo
dito, podemos assegurar que a maioria das leituras ensaísticas, sobre as
quais nos debruçamos cotidianamente para nos manter atualizadas, es-
tão agregadas a práticas teóricas contemporâneas. As discussões a pro-
pósito da contemporaneidade começaram com a questão da existência
ou não de uma ruptura com a historiografia e um repertório de textos
canônicos consagrados pela crítica.

Assim, motivadas agora, depois de várias reflexões relevantes nos


tópicos anteriores que acabamos de expor, lançamos agora nosso olhar

75
Literatura e ensino

sobre a Literatura como “disciplina”, seja no sentido curricular, discipli-


Atualmente, a UFSC pos- nar mesmo, seja no sentido mais metafórico, no momento em que se
sui campi nas cidades de pensa a obrigatoriedade disciplinar da leitura.
Araranguá, Curitibanos e
Joinville, além de ter Polos
em vários estados do Bra-
Vamos dar a este tópico uma sustentação de pesquisa de campo
sil na modalidade Ensino a feita com professores e alunos do ensino médio em cinco grandes co-
Distância
légios de Florianópolis, onde se situa a UFSC. Escolhemos os colégios
que revelavam uma demanda maior para o vestibular da UFSC. Foram
Este primeiro momento
da pesquisa foi coordena- eles: Instituto Estadual de Educação, Escola Deyse Werner Sales, Escola
do pelas Professoras do Getúlio Vargas, Colégio Catarinense e Colégio Energia. Talvez o avanço
Colégio de Aplicação da
UFSC, Claudete Segalin maior tenha sido o de dar voz aos leitores, que se manifestaram durante
de Andrade e Ana Maria a pesquisa. Neste somatório de questões, veremos se a literatura é, como
Sabino, com a importante
participação da bolsista diria Roland Barthes, tudo que se ensina, ou como estamos vendo: lite-
de Iniciação Científica ratura com(o) disciplina.
Rosilei Girardello.
Convém retomar nesta primeira parte da pesquisa a comparação
das respostas dadas pelos vestibulandos no que se refere ao seu uni-
verso de leituras, com as sugeridas pelos professores como lista ideal.
Os professores sugeriram à COPERVE, em 2004, depois de uma con-
sulta, 360 títulos. Este número é explicado porque alguns professores
Esta lista faz parte dos
arquivos desta pesquisa sugeriram de 3 a 10 títulos. Só para ilustrar: enquanto os alunos diziam
que podem ser solicitados que desejavam ler “livros atuais, livros interessantes, com enredos varia-
ao nuLIME, CCE, UFSC.
dos, que traziam curiosidades e novos autores”, “leituras menos difíceis
e complexas”, “autores do século XIX e XX que ainda não conheço”, os
professores sugerem, por questão de gosto ou de segurança, os mesmos
livros já canonizados pela crítica e pela historiografia. A título de exem-
plificação, 18 professores sugeriram O Cortiço, e 10 O Guarani. Mesmo
reconhecendo o mérito dos textos canônicos, e a necessidade de sua
leitura, surpreende-nos que uma produção mais contemporânea, espe-
cialmente a da segunda metade do século XX, não seja contemplada na
lista dos professores. Seria o professor um (não) leitor? Fizemos uma
tabulação dessas leituras, apontamos equívocos nas próprias indicações,
no que se refere, por exemplo, ao nome do autor, títulos, autorias etc.
Para ilustrar, o desejo de incluir um livro que marcaria diferença levou
uma professora a sugerir O quarto de desejo, de Carolina Maria de Jesus,
quando o certo seria Quarto de despejo. Ou o professor que sugere Luiz
de Camões - Poesia Lírica, de autoria de Benjamin Abdala Júnior.

76
A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular Capítulo 09
Não se pode perder de vista que a leitura é uma parte da disciplina
de Língua Portuguesa (mesmo que algumas escolas reservem algu-
mas aulas especificamente para conteúdos de Literatura, diversifi-
cando em alguns casos o próprio professor) que vive sempre uma
situação problemática particularmente no ensino médio. Seguindo
uma orientação historicista, em que mais se lia sobre literatura que
as próprias obras, a atuação da escola mais afastava que aproximava
o aluno da leitura. Em consequência, formava-se um leitor de refe-
rencial de leitura limitado.

Preocupadas com o pequeno referencial de leitura dos universitá-


rios, as universidades brasileiras introduziram como condição de in-
gresso à Universidade a leitura de obras representativas da produção
literária brasileira (no caso da UFSC, que é o nosso alvo, de oito a dez
títulos anuais), numa tentativa de que as questões propostas sobre e/ou
a partir de textos literários pudessem contribuir para a superação de
dificuldades relativas à formação de leitores e ao consumo de leitura e,
principalmente, à produção escrita. No tópico As institucionalizações
da literatura fizemos referência à pesquisa da professora do Colégio de
Aplicação da UFSC, Claudete Segalin de Andrade. E é sobre a relação
do aluno desse nível de ensino com a leitura que esta pesquisa se vol-
tou, ou seja, pretendemos verificar como as indicações de leituras para
o vestibular são recebidas e consumidas pelo aluno; se esse tipo de obri-
gatoriedade interveio (ou não) na promoção da leitura, na formação do
próprio leitor e na qualidade do próprio texto escrito.

Passada esta fase das sugestões dos professores, continuamos a pes-


quisa de opinião com os alunos, porém por um caminho que parecia
atingi-los mais de perto. Não mais os questionários e as entrevistas for-
mais do primeiro momento, mas através de espaços on-line destinados
a trocas de mensagens e formação de comunidades (Messenger, e-mail e
Orkut). Uma pesquisa informal levou-nos a uma comunidade chamada
“eu odeio os livros do vestibular”, a uma com poucos membros chama-
da “Eu terminei Os Sertões” e a uma outra chamada “eu li os livros da
UFSC”. Foi uma etapa bastante interessante na pesquisa. Descobrimos
outras comunidades, inclusive onde alunos declaravam que não tinham

77
Literatura e ensino

lido os livros, que não gostavam de ler etc. Encontramos, ainda, tópi-
cos relacionados ao vestibular. Na comunidade “Eu odeio os livros que
caem no vestiba”, os alunos discutiam sobre a “chatice” de ler dessa for-
ma condicionada e ainda procuravam conjuntamente uma solução para
isso. A solução a que chegavam é a de que tendo “um ótimo professor
de literatura em sala de aula, não se faz necessária a leitura dos livros”
(as explicações deles nos bastam...). De que forma então um ótimo pro-
fessor de literatura ajudaria os alunos a melhorarem suas redações se a
leitura a partir da indicação de livros do vestibular poderia ser um dos
motivadores da prática da leitura? Caberia ao professor alertar sobre
essa importância aos alunos. Citamos Marisa Lajolo, lida por Claudete
LAJOLO, Marisa [1993],
apud ANDRADE, Claude- Segalin de Andrade:
te Segalin de. Dez livros
e uma vaga: a leitura da O ato de ler foi de tal forma se afastando da prática individual que a
literatura no vestibular. tarefa que hoje se solicita de profissionais da leitura, como professores,
Florianópolis: Editora da bibliotecários e animadores culturais, é exorcizarem o risco da alienação,
UFSC, 2003.
muito embora eles possam acabar constituindo elo a mais na longa e
agora inevitável cadeia de mediadores que se interpõem entre o leitor e
o significado do texto.(LAJOLO, [1993], apud ANDRADE, 2003).

Alguns depoimentos encontrados nas comunidades virtuais mere-


cem aqui ser citados como formas de ilustração. Optamos por normati-
zar a forma, já que aqui nos interessa a ideia:

(Michel, 20 anos) 17/6/2005 19:04 (data de postagem).


Comunidade: EU ODEIO
OS LIVROS DO VESTIBA. Hehehe...Lhe garanto que com um ótimo professor de literatura, NÃO
Descrição da Comunidade:
Comunidade para as pes- precisa ler livro... porque sabendo a história... e todos os tópicos e tais...
soas q odeiam ler akeles é isso o que importa... olha só: sem ler nada disso mandei muito bee-
livros chatus q pedem no emmmm em literatura..... hehehe
vestibular, principalmen-
te akelas poesias q c lê ODEIO LIVRO QUE CAI EM VESTIBA (Comunidade)
mil vezes e não entende
nada!!!Tudo bem q tem
Descrição da comunidade: Se você é uma pessoa normal que está pre-
q ler, mas cada um inter-
preta de uma forma neh tendendo prestar um vestibular para entrar em uma boa faculdade, po-
não?! Rsrs rém se sente rebaixado por ter de ler livros de décadas atrás quando você
ainda nem era um espermatozóide e nem teus avós eram ainda..... Você
odeia aquela linguagem épica, aquele assunto ultrapassado que às ve-
zes chega a ser fútil.... Você fica se perguntando o que levou uma pessoa
NORMAL a ler aquele livro sem necessidade nenhuma.... E se você acha
que já está mais que ultrapassado as universidades obrigarem que seus
vestibulandos leiam essas obras insuportáveis da literatura , em vez de

78
A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular Capítulo 09
ler alguma coisa atual, pois nós vivemos o hoje não há 100 anos atrás.....
Se você concorda com tudo isso essa comunidade foi feita pra você.......
Citem as obras mais torturantes da suas vidas.....

Já em outras comunidades, como uma em que homenageia a es-


critora “Clarice Lispector”, os alunos comentam a aparição de “Legião
Estrangeira” na lista dos livros do vestibular 2007 da UFSC: “Creio que
obrigar o aluno a enxergar em uma obra aquilo que o professor ou exa-
minador quer que ele enxergue faz muita gente detestar literatura. Au-
tores como a Clarice penetram em nossa alma com seus escritos e cada
alma recebe isso de forma distinta.”

Estes comentários são irreverentes, mas corajosos e demonstram


um significativo movimento de manifestações espontâneas relacionadas
à leitura obrigatória no espaço virtual. Existe ainda uma comunidade Disponível em: <www.
portaldoleitor.com.br>.
virtual chamada “O Portal do Leitor”: O objetivo deste sítio é fornecer Acesso em: 27 out. 2007.
informações sobre todos os livros catalogados no Brasil, além de permi-
tir a interação entre os próprios leitores através de outras comunidades
de leitura. Em 2006 havia 11 milhões de leitores no país com acesso à
internet e sete milhões de internautas que se diziam não leitores. De cer- Dados colhidos em 16 de
agosto de 2006.
ta forma, a internet está fazendo com que as pessoas leiam e escrevam,
mesmo que algumas vezes usem uma escrita própria deste meio de co-
municação como ilustram algumas notas deste texto.

Estamos querendo demonstrar que a lista de autores e livros consa-


grados, sugerida para o processo de seleção nas universidades, têm
sido motivo de controvérsia. Não vamos entrar neste mérito, embo-
ra ele seja um motivador para uma ampla discussão, mas queremos
ressaltar é que o ideal é que se pudesse realizar nestas listas o desejo
de contemplar diferentes gêneros literários, de incluir textos e auto-
res representativos da diversidade de gênero, raça, etnia e regiões
da cultura de língua portuguesa e atender, dentro do possível, ao
horizonte de expectativa dos vestibulandos, o que significa permitir,
dentro do universo temático de interesse dos jovens, uma reflexão
diversificada sobre a experiência humana, visando pensar o ensino
de leitura, e não só o de literatura, como um exercício indissociável
do quadro de relações que constituem a realidade.

79
Literatura e ensino

Nossa pesquisa, a partir das reflexões acima, passa a ser mais con-
clusiva, no momento em que a COPERVE dá voz a muitos vestibulan-
dos no Vestibular 2006, através desta proposta:

Considerando a lista das obras literárias indicadas para este ves-


tibular, qual ou quais dos livros desta relação você indicaria para
leitura e qual ou quais você não aconselharia? Por quê?

Escreva uma redação expondo argumentos que justifiquem sua es-


colha.

As três propostas foram as descritas abaixo e a segunda delas tam-


bém levava à reflexão das leituras feitas, seja pelo livro de Franklin Cas-
caes, seja pelo livro de Alcântara Machado, indicados na lista do Vesti-
bular 2006.

PROPOSTA 1

Considerando a lista das obras literárias indicadas para este vesti-


bular, qual ou quais dos livros desta relação você indicaria para leitura e
qual ou quais você não aconselharia? Por quê?

Escreva uma redação expondo argumentos que justifiquem sua es-


colha.

PROPOSTA 2

Em um percurso literário, sondando os quatro cantos da Ilha de


Santa Catarina, descobri algo mais que bruxas e andando pelos bairros
do Brás, Bexiga e Barra Funda, conheci a São Paulo que trocou a socie-
dade cafeeira pela industrial.

Escreva uma redação baseando-se nas ideias sugeridas pelo pará-


grafo acima.

PROPOSTA 3

A partir da leitura dos trechos de poemas transcritos abaixo, o


que você escreveria ao presidente da Organização das Nações Unidas
(ONU)?

80
A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular Capítulo 09
POEMA A:
“[...]
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.”
(MORAES, Vinícius de. A Rosa de Hiroxima. In: Nova Antologia Poética.
São Paulo: Companhia das Letras, 2004).

POEMA B:
“Nós merecemos a morte,
porque somos humanos,
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pela nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.”
(MEIRELLES, Cecília. Lamento do Oficial por seu Cavalo Morto. In: Obra
Poética. 1 ed. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958).

POEMA C:
“Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
[...]
O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
promete ajudar

81
Literatura e ensino

a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.”
(DRUMMOND DE ANDRADE, C. Nosso Tempo. In: A Rosa do Povo. Rio de
Janeiro: Record, 2004).

O nuLIME é um núcleo Solicitamos à COPERVE e em agosto de 2006 o núcleo Literatura


de pesquisa do Depar-
e Memória (nuLIME) recebeu todas as redações do vestibular de 2006,
tamento de Língua e
Literatura Vernáculas das quais selecionamos as que centravam a sua abordagem em torno da
da UFSC e se localiza na proposta 1. Para nós foi fundamental sair do plano das entrevistas que
Sala 505, do prédio B, fizemos na primeira etapa da pesquisa para esta leitura de um texto mais
no Centro de Comuni-
cação e Expressão. Ele articulado em situação de “prova”. Os vestibulandos podiam se posicio-
congrega professores- nar, mas ao mesmo tempo estavam fazendo um texto para “agradar” aos
pesquisadores, mes- professores-avaliadores.
trandos, doutorandos
e alunos de Iniciação Que juízos os alunos emitiram nas redações do vestibular? Há evi-
Científica em torno dos
dente apreensão da leitura nos textos? Como os alunos se posicionaram
seguintes temas: a his-
tória da literatura e a diante de livros sugeridos como Os Sertões, de Euclides da Cunha, Poe-
construção de cânones, mas Escolhidos, de Jorge de Lima, O Fantástico na Ilha de Santa Catari-
a preservação de parte na, de Franklin Cascaes, Apenas um Curumim, de Werner Zotz, Amigo
do acervo literário do
Velho, de Guido Wilmar Sassi, 200 crônicas escolhidas, de Rubem Braga,
intelectual catarinense
Harry Laus, a interven- Império Caboclo, de Donaldo Schüller, Brás, Bexiga e Barra Funda de
ção das narrativas de Alcântara Machado, A Rosa do povo, de Carlos Drummmond de An-
si na (des)construção
drade e Resumo de Ana, de Modesto Carone?
da história literária, a
investigação em torno A leitura de alguns textos teóricos básicos para a pesquisa foi fun-
das teorias feministas e
dos estudos de gênero,
damental para o entendimento de vários dados que as redações nos ofe-
a produção feminina do receram. Entre alguns desses suportes teóricos, contidos em nossa bi-
século XIX e do século bliografia, está o livro Educação Literária como Metáfora Social. Desvios
XX e a relação literatu-
e Rumos, publicado pela Editora da Universidade Federal Fluminense
ra e ensino, através de
memórias e registros em 2000 e de autoria da professora Cyana Leahy-Dios. Este livro analisa
de leitura. os dilemas e as perplexidades encontrados pela pesquisadora na relação
de alunos de ensino médio com a leitura. Interessante observar que a
professora entrevistou alunos e professores na Inglaterra e no Brasil e
encontrou aproximações e distanciamentos na proposta pedagógica dos
dois países. Considerou que no Brasil ainda há uma perspectiva positi-
vista e histórica na abordagem literária, enquanto que na Inglaterra há

82
A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular Capítulo 09
uma ênfase na leitura de obras canônicas ou em determinados autores
consagrados. Um aluno do ensino médio pode passar um semestre len-
do os poemas de T. S. Elliot ou uma obra de Shakespeare. No Brasil há
sempre uma perspectiva mais panorâmica.

Depois da leitura desse livro de Cyana Leahy-Dios, concluímos que


a leitura de livros sugeridos pela COPERVE permite que haja hoje, por
parte das aulas de Literatura, uma mudança de uma perspectiva basea-
da na historiografia para um modelo de leitura mais criativa, que pode
ver as aulas de literatura como “educação literária”. O que queremos de-
monstrar é que o exercício de ler os livros sugeridos pode também criar
uma outra sensibilidade em relação à leitura. Um conceito que queremos
usar é o de valor conforme usado pelo teórico francês Antoine Com-
pagnon, em seu livro O Demônio da Teoria: Literatura e Senso Comum,
publicado pela Editora da UFMG, em 2001. Neste ensaio, o teórico diz
que os leitores sempre esperam que alguém autorizado lhes diga quais
são os bons e os maus livros, mas que justifiquem suas preferências. É
este o papel do professor, mas deve ser muito mais, no caso de nossa
pesquisa, este o papel daqueles que fazem as listas do vestibular. Ainda
que implicitamente, os vestibulandos e os futuros universitários devem
entender por que aquele livro entrou na lista de leitura obrigatória. No
Antoine Compagnon
ensaio O Prazer do Texto (1996), Barthes afirma que nenhuma leitura
poderia ser idêntica a outra nem para o mesmo leitor. O prazer do texto
não estaria em tentar reter o significante ou conter os signos no mo-
mento em que se faz a leitura, mas fazer com que os leitores se animem
através da fuga. Dessa forma, como entrariam as perguntas feitas nas
provas do vestibular? De que forma estaríamos incentivando a forma-
ção de novos leitores com perguntas que podem ser respondidas pelas
falas dos professores de literatura, como os próprios alunos concluíram?
A proposta da crítica, semelhante a do vestibular, não nos leva a habitar
no texto, mas a nos aprisionarmos aos signos. E Roland Barthes defende
a ideia de que habitar o texto é justamente perder o controle dos signos.
(BARTHES, 1988).

Apoiando-nos nestas leituras e no ensaio de Antonio Candido “O


Direito à Literatura”, fizemos pesquisa por amostragem de 500 redações.
Calculamos que a Proposta 1 de redação foi escolhida por cerca de 30%
dos alunos que prestaram vestibular em 2006.

83
Literatura e ensino

Até que ponto os livros indicados para o vestibular da UFSC for-


mam um novo leitor ou solidificam uma outra prática de leitura? Algu-
mas redações mostraram que nem todos sabem (mas parecem querer
saber) do porquê de certas inserções ou indicações, como a de livros vo-
lumosos com linguagens complicadas ou mesmo questionando a inclusão
de livros ficcionais. Vamos a alguns exemplos:
Optamos por numerar
as redações e assim nos Redação 33: “O mais chato – nome designado por alguns vestibu-
referimos a elas (todos os
nomes ou qualquer refe- landos para definir Os Sertões – é o que eu não aconselho. São mais de
rência de autoria foram quinhentas páginas de puro sofrimento”, “no quesito veracidade históri-
retirados pela COPERVE).
ca, Império Caboclo deixa muito a desejar”.

Redação 48: “os livros de ficção não possuem informações úteis e


necessárias. Por ex: “O homem que sabia javanês” é interessante, porém
desnecessário”.

Redação 53: “não se tem muita idéia de como e porque de certos


livros serem escolhidos, mas tem a certeza que esses mesmos livros são
ótimas obras que foram muito discutidas já, e assim foram compor o
vestibular”.

Redação 117: “sempre tem um livro desconhecido que entra na


lista, como “Apenas um curumim”. Eu nunca tinha sequer ouvido esse
nome, mas tive que ler o livro, que por sinal gostei e me identifiquei com
alguns aspectos do livro”.

Redação 142: “São livros bem conceituados, de bons escritores,


mas que nem sempre agradam seus leitores. Às vezes pela dificuldade
da linguagem, do entendimento do livro, por razões de apresentar bas-
tantes palavras desconhecidas ou que foi escrito há tempos”.

Redação 200: “E Os Sertões? Não vai falar dos Sertões? Ah, Os Ser-
tões voltou para a estante que é de onde nunca deveria ter saído”.

Outros exemplos poderiam ser dados, mas o que pudemos perceber


foi que muitos alunos sabem o que querem ler e centram seu olhar sobre
o prazer de ler textos mais contemporâneos. Muitos dizem que não fa-
zem questão da leitura dos clássicos, de livros do século XIX e entendem
que ler sem satisfação acarreta num desinteresse, numa leitura com con-
tagem regressiva e num possível abandono permanente dos livros.

84
A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular Capítulo 09
Redação 52: “As leituras obrigatórias devem [...] ser cada vez mais
contemporâneas. O hábito de ler não realizado por prazer acarreta ao
desinteresse e ao possível abandono permanente dos livros.”

Redação 58: “Para mim os livros são bons quando prendem minha
atenção, me secam a boca ou quando não consigo parar de lerlos [sic]
até o fim.

Redação 80: “Algumas vezes, o papel da escolha dos livros a serem


lidos primeiro fica a cargo da instituição de ensino e não do estudante,
fazendo-o perder a disposição ou o interesse para a leitura de algumas
obras”.

Redação 139: “Falar de Os Sertões talvez já pareça chato, todos tem


horror ao livro, não querem saber de ler. [...] Talvez devêssemos deixar
de lado o fato de as leituras serem obrigatórias e pensar nas oportunida-
des de aprendizado que elas podem nos oferecer.”

É importante destacar na amostragem da pesquisa que, entre os


oito livros, houve mais recomendações do que críticas: 260 recomenda-
ções e 119 não-recomendações. Algumas outras colocações merecem
destaque, como a da redação 85, em que o vestibulando fala da forma-
ção de leitores por obrigação (e com contagem regressiva) nas escolas, o
que desestimula o leitor; ou a da redação 107, em que diz que tudo que
você lê, até mesmo o que geralmente é considerado inutilidade, contri-
bui no reconhecimento de suas preferências; ou a colocação da redação
69, em que fala do poder dos livros como produtor de ideias, ou ainda,
a 140, em que diz: “Resumo de Ana é um ótimo livro para os fãs de Ka-
fka”. Isso mostra um amadurecimento do leitor ou um palpite que deu
certo... Uma das redações termina com a seguinte frase: “E se lêssemos
tudo o que fosse de nosso agrado, qual seria nosso conhecimento hoje?”
Poderíamos arriscar a dizer que se começassem a ler o que lhes fosse do
agrado, nunca parariam de ler.

Embora não tenha sido o nosso objetivo quantificar a análise op-


tamos por mostrar aos nossos leitores para pesquisas futuras o quadro
estatístico em relação às citações e indicações dos vestibulandos dos
livros indicados. Os números inferiores se referem àqueles livros que
foram indicados com exclusividade na redação (podendo haver não-

85
Literatura e ensino

recomendações). Os superiores, àqueles indicados juntamente a um ou


mais livros. A soma indica o total de recomendações.

Os motivos pelas indicações dos dois livros mais recorrentes são os


seguintes:
Recomendados

único em meio a outras indicações

45
40
35
30 30 28
25 29
20 23
15 29 21
10 15
14 15 10
5 11 5 4
7
1 2 2 4 0 2
0
Apenas um Império Amigo Os Sertões O 200 Resumo Brás, Bexiga Novos A Rosa do
Curumim Caboclo Velho Fantástico Crônicas de Ana e Barra Poemas Povo
na Ilha de Funda
SC

a) Os Sertões: sobre importante fato histórico, traz cultura e infor-


mações sobre história e geografia para os amantes da guerra e
da complexidade; para quem tem mais conhecimento da Lín-
gua Portuguesa, é uma leitura inteligente; indica, apesar da lin-
guagem, aprendizado gramatical; é um livro canônico; permite
adquirir vocabulário e leva à reflexão.

b) Apenas um curumim: pela mensagem ecológica que nos traz;


pela linguagem; pela cultura indígena; pela natureza descri-
ta; pelo ensinamento de respeitar a terra; pela descontração,
por ser dinâmico e reflexivo; pelo autor ser catarinense; por
ser emocionante e levar à conscientização; por fazer o leitor se
prender à história.

Em relação aos não-recomendados, a disparidade foi muito mais


acentuada, como podemos ver no gráfico a seguir.

86
A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular Capítulo 09
Não-recomendados

único em meio a outras indicações

45

40

35 17

30

25

20

15
27 4
10
10 1 3 5
5 3 10 3
5 5 0 2 5
0 3 0 3 2 2
Apenas um Império Amigo Os Sertões O 200 Resumo Brás, Bexiga Novos A Rosa do
Curumim Caboclo Velho Fantástico Crônicas de Ana e Barra Poemas Povo
na Ilha de Funda
SC

Os motivos para essa acentuada não-recomendação são os seguin-


tes: Os Sertões possui linguagem complicada,tem excesso de detalhes,
exige conhecimento prévio sobre o assunto, é denso, longo, violento, can- Motivo mais recorrente
sativo... Convém dar destaque de que Os Sertões de Euclides da Cunha dentre as redações que
fazem parte da amostra-
foi paradoxalmente dos mais indicados e dos menos indicados... gem.

O certo é que os vestibulandos que escolheram falar de livros foram


vestibulandos leitores. Não sabemos quantos destes entraram na UFSC.
Desejamos que muitos o tenham conseguido. Como profissionais da área
de Letras acreditamos que ao escutar a voz deles, que ao assumi-los como
críticos literários, estejamos conseguindo atingir os objetivos da pesqui-
sa e que estamos conseguindo, de certa forma, responder à pergunta de
Roland Barthes, em seu ensaio Reflexões a respeito de um manual:

Será que a literatura pode ser para nós algo que não seja uma lembrança
de infância? Quero dizer: o que é que continua, o que persiste, o que é que
fala da literatura depois do colégio? (BARTHES, 1988c, p. 53, grifo nosso).

87
Literatura e ensino

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus


colegas, tutores e professores:
1. Conforme mencionado no tópico “As institucio-
nalizações da literatura”, a leitura da literatura foi
inserida nas provas dos vestibulares, em 1989, com
o intuito de melhorar a qualidade da leitura e da
escrita dos alunos. Considerando que nem todos
os alunos e alunas, que concluem o ensino médio,
leem as indicações, você(s) acredita(m) que a leitura
da literatura no vestibular conquistou um lugar próprio? Por quê?

2. Maria Alice Faria, livre docente e titular em Literatura Brasileira pela UNESP,
em entrevista concedida a Benedito Antunes no jornal Proleitura, em abril de
1997, lançou uma provocação em uma de suas respostas a respeito de clássi-
cos literários. Afirmou a professora: “Depois que a Linguística excluiu a literatura
como modelo de língua padrão, considerar exclusivamente a literatura como
patrimônio é uma coisa que precisaria ser revista. No vestibular, por exemplo,
por que só há questões de literatura? Há perguntas de História, Geografia, mas
nunca sobre música, artes plásticas, arquitetura, cultura popular. Todo mundo
vive a cultura popular, que chega inclusive à classe média, à elite. Há uma mu-
mificação do conceito de clássico no vestibular.” (FARIA, 1997, p. 1). Tendo em
vista a proposta do MEC de 2009, que pretende acabar com a divisão por dis-
ciplinas, criando quatro grupos mais amplos (línguas; matemática; humanas; e
exatas e biológicas), conteste(m) a afirmação da professora Maria Alice Faria, em
consonância com a proposta do MEC, e exponha(m) seu(s) ponto(s) de vista.

3. Segundo a Professora Claudete Amália Segalin de Andrade (2003, p. 88), “a


presença de leitura no vestibular abre um hiato significativo entre o ensino de
literatura previsto nos programas de língua portuguesa do ensino médio e
aquele que se apresenta como necessário, em função das indicações”. Perce-
bendo atualmente que literatura no ensino médio é praticamente sinônimo
de literatura para o vestibular (ou vice-versa); como pensar a literatura nessa
etapa da escolarização para alunos e alunas que não pretendem prestar vesti-
bular? Como pensar a literatura no ensino médio fora do vestibular? Que pro-
postas podem ser feitas para promover a leitura?

88
A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular Capítulo 09
4. Que livro você(s) indicaria(m) para compor a lista do vestibular da UFSC?
Por quê?

Leia mais!

Lições
Na contemporaneidade muito se tem falado de crise da leitura e crise da li-
teratura. Por esse lado tem se falado na necessidade de se pensar a literatura
e suas crises. Sugerimos estas leituras como complemento da reflexão sobre
o ensino da literatura no ensino médio:

BASTOS, Hermenegildo. “Permanência da literatura. Direção da prática


literária na era do multiculturalismo e da indústria cultural”. In: LOBO,
Luiza (Org.). Fronteiras da Literatura. Rio de Janeiro: Relume Duma-
rá, 1999, p. 45-50.
OLINTO, Heidrun Krieger. “Disciplina sem disciplina. Observações so-
bre estudos literários e culturais”. In: LOBO, Luiza (Org.). Globalização
e Literatura. Discursos Transculturais. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
1999, p. 45-53.
PEREIRA, Helena B. C. “Literatura e Cultura hoje”. Educação e Lin-
guagem. Revista da Faculdade de Educação e Letras da Universidade
Metodista de São Paulo, 2000, p. 179-193.
RAMOS, Tânia Regina Oliveira Ramos. “Dentro deste (a)pós: muito
abalo, novos nomes, outras falas”. Cadernos do Centro de Pesquisas
Literárias da PUCRS, Porto Alegre, v. 6, n. 1, ago. 2000, p. 73-79.
SANTIAGO, Silviano.“A literatura e suas crises”. In: Vale quanto pesa.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 127-133.

89
O texto literário na escola: apontando caminhos Capítulo 10
10 O texto literário na escola:
apontando caminhos
Os que somos dominados pela paixão da leitura e nos esforçamos para
A partir do ensaio: RAMOS,
incutir essa paixão em outros – crianças, jovens, adultos – andamos sempre Tânia Regina Oliveira. “O texto literário
à procura de meios de “contaminação”: como transmitir o gosto e o prazer da e a escola”. In: Palavra amordaçada.
Passo Fundo, RS: Universidade de
leitura. Passo Fundo, 2001, p. 326-335.

(SOARES, 2007, p. 127)

Como profissionais da linguagem, alocados na área de Letras, sabe-


mos que o que se espera de nossos alunos, futuros professores do sexto
ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio, é uma prá-
5ª série.
tica de escrita e de leitura. O fracasso do sistema educacional, cuja causa
não é aqui objeto maior de nossa reflexão, resultou na chamada “crise
do ensino da língua portuguesa”, fazendo com que os professores não
encontrem condições necessárias para atualizar o seu saber, o que lhes
possibilitaria criar novos procedimentos metodológicos para o processo
ensino-aprendizagem. Assim, a cada concurso para o magistério, a cada
vestibular para o ingresso na universidade, a imprensa não poupa esfor-
ços em mostrar que os alunos, embora tenham frequentado uma escola
durante, no mínimo, onze anos, parecem saber, mas não sabem; pois o
professor parecia ter ensinado, mas não ensinou... E a crítica recai muito
mais sobre a formação profissional dos professores.

Particularmente, para nós, nesse livro e em nossa prática, interessa


o papel da literatura na escola e como isto pode se processar. Falamos
aqui da literatura canônica, aquela que inevitavelmente será cobrada nos
exames vestibulares, em concursos públicos, mas muito mais aquela que
permite ao estudante um contato direto com a linguagem escrita trans-
formada em texto comprometido com a literariedade, e não apenas com
a literalidade. Para isso temos que considerar o objetivo de nossas disci-
plinas de literatura nas faculdades de Letras e sempre fornecer pistas para
que os futuros professores tenham a competência pedagógica (o fazer) a
partir e além da própria metodologia e do próprio conteúdo de ensino
presente nos livros didáticos, sustentáculo do ensino em nosso país.

91
Literatura e ensino

Para ensinar literatura, o professor precisa saber o que é literatu-


ra, quais são os textos que representam a literatura brasileira em seus
mo(vi)mentos mais importantes, como ela pode ser introduzida paula-
tinamente na sala de aula e como os alunos vão se familiarizando com
textos, nomes e autores. A literatura, mais do que instruir ou dar respos-
tas exatas, busca mostrar que é um campo privilegiado de aprendizagem
expressiva, pelo que ela pode mostrar de significados, de possibilidades
interpretativas, a partir de infinitas combinações das poucas letras de
nosso alfabeto.

Neste texto e, particularmente, neste reencontro com o ensino fun-


damental e médio, através daqueles que se preparam para serem seus
futuros professores, é possível mostrar a todos que, quando uma garota
de 13 anos escreve em sua agenda, com cores e odores, meu desaniversá-
rio está mostrando que é uma leitora em potencial de Guimarães Rosa...
Que é possível construir caminhos para a formação do leitor desde o
primeiro livro de leitura; que escrever se aprende lendo de forma sis-
tematizada e disciplinada; que as melhores possibilidades de leitura se
dão na escola, desde que a escola defina o lugar que ocupa a literatura no
seu projeto pedagógico. Em uma crônica publicada em 1999, na Folha
de São Paulo, a jornalista Marilene Felinto chama-nos à atenção para os
apelos, em períodos de novas matrículas, das escolas particulares atra-
vés de outdoors ou pela mídia: na escola X seu filho aprenderá infor-
mática, caratê, inglês, balé... Ela pergunta: E os livros? Quantos livros
têm a biblioteca da escola de seu filho? Como se processará o incentivo
ao exercício da leitura? Os pais hoje levam em consideração esta oferta
para a escolha da escola de seus filhos? (FELINTO, 1999).

Diante dessas circunstâncias, poderíamos contentar-nos com a sempre


existente boa vontade dos professores de Português, mesmo diante
da falta de apoio da escola, e não deixar que a literatura desapareça.
Um dado importante nesta prática é sempre permitir que a literatura
ensinada possa muitas vezes ser avaliada sem nota, mas com elogios,
com incentivo, com debates, com trocas, com prêmios e recompensas
simbólicas. Não acreditamos na desescolarização da leitura (sobretu-
do da literatura, que é o nosso objeto específico). A escola é uma das

92
O texto literário na escola: apontando caminhos Capítulo 10
últimas oportunidades que tem a criança ou o jovem de entrar em
contato com a leitura e, mais especialmente, com a literatura.

Perguntamos como ponto de reflexão: pode-se impor a leitura de


determinados livros? Toda escola é escol(h)a, queiramos ou não... Mas
perguntamos também: impõe-se preferência por determinado esporte,
por um tipo específico de música, por um tipo de filme, por um determi-
nado pintor? A imposição deve se dar a partir de um exercício de apren-
dizagem, criado e desenvolvido paulatinamente, por isto o nosso papel
norteador capaz de indicar maneiras e momentos para mostrar alguns
textos como fonte de prazer, manancial de respostas, repertório de per-
guntas, potencial de encontros consigo mesmo. O ato da leitura é solitário
e solidário. Para se efetuar, precisa de reciprocidade, de cumplicidade.

Cabe a nós orientar nossos alunos, dar pistas, depois libertá-los.


Não há por que todos lerem o mesmo livro, mas também não há por que
orientar sem impor algumas direções. O primeiro passo é deixar que
tragam livros mesmo sem os ter lido. Comentar as capas, os autores, os
títulos, o número de páginas, o enredo e os personagens daqueles que
se conhece... Depois cada um poderia ler uma página, trocar, comen-
tar. Deve-se até, num primeiro momento, respeitar a indiferença ou o
alheamento da atividade por alguns deles. A partir deste contato, dar
algumas atividades sistematizadas ainda que sejam com alguns clássicos
da literatura infantil e juvenil. É importante não perdermos de vista que
contar histórias é uma história muito antiga, e a prosa se aprende aí.
Alguns romances devem, mesmo no ensino médio, ser contados pelos
professores antes de serem analisados.

Posteriormente, é possível se começar a pensar que todo texto não


é só construído pelo escritor, mas muito mais pelo leitor. É isto que per-
mite múltiplas leituras de uma mesma obra, condicionada à vivência,
à cultura e à história de cada personagem. A obra não é aquilo que foi
escrito e colocado na estante. Todo texto, todo livro pode ser singular-
mente interpretado. Deles provém o saber literário, que deve ir muito
além das cronologias, das biografias, dos estilos de época. Deve dialogar
com as outras disciplinas e outras áreas do conhecimento.

93
Literatura e ensino

Cientes dessas questões, é possível, por exemplo, a partir da crôni-


ca “Antigamente”, de Carlos Drummond de Andrade, apresentarmos
já nas primeiras séries do ensino fundamental uma leitura do final do
século XIX, lermos e reescrevermos o célebre “Apólogo” de Machado de
Assis, conhecermos a vida e a obra de Machado de Assis através de ví-
deo e de atividades complementares; representarmos algumas passagens
para, quando chegarmos ao ensino médio, termos a (a)ventura de fazer
uma leitura filosófica e cultural, enriquecida pelo lúdico de O Alienista,
complementada no ensino médio por alguns contos e pelos romances
mais significativos de nosso autor (por que não?) maior, Machado de
Assis. Estaremos a um passo dos próprios alunos sentirem a necessida-
de de ler com atenção os romances para analisá-los sem se satisfazerem
mais apenas com os resumos dos livros dados em fichas de leituras, em
páginas da Web, em cursos pré-vestibulares. Aliás, a cobrança da lite-
ratura no vestibular, como mostramos, pode ser bastante proveitosa e
deve estimular a ideia de que o texto literário é, antes de tudo, um per-
gaminho e deve ser tratado com o devido respeito e distanciamento.
Este exemplo da literatura no vestibular não é fortuito nem aleatório.
A inserção de questões relacionadas aos livros propostos em listas pelas
comissões de vestibular deve ser considerada na exata dimensão de suas
consequências para o conceito de literatura e para o tratamento que as
universidades, em última instância, conferem ao saber.

Estaremos, assim, apresentando despretensiosamente os cânones


de nossa literatura e para que, aventura maior ainda, no oitavo, nono
ano, possamos começar já lendo os prefácios de Tutaméia (Nós, os Te-
mulentos, por exemplo) e um conto como “Esses Lopes”, de Guimarães
Rosa e obras como Infância e Vidas secas, de Graciliano Ramos. Lendo
livros, vendo filmes, estabelecendo o diálogo entre as duas linguagens.
Uma prática como esta é que nos permite ler a textura do mundo e en-
tender como o simples pode se tornar complexo em textos como os de
Graciliano Ramos e de Clarice Lispector e como podemos ir adiante
das edições didáticas. Tão espinhosa quanto a produção de um discur-
so próprio, a aprendizagem do trabalho com o texto literário é como o
desafio de qualquer experiência. Os contos, por exemplo, têm formas
simples, mas exigem que sejam dados nos primeiros anos do ensino
fundamental até a universidade, para que os alunos reconheçam as suas

94
O texto literário na escola: apontando caminhos Capítulo 10
estruturas de significação. Por exemplo, no segundo ano do ensino mé-
dio é possível analisar a estrutura de um conto e reescrever um outro a
partir do primeiro; no ensino médio, a partir de um corpus ampliado,
podem-se fazer análises comparadas.

Esse texto abre brechas para a perspectiva dos estudos culturais,


centra-se naquilo que tem sido a tônica de muitas das nossas atividades,
a exclusão e a censura, e procura ter três momentos. No primeiro deles,
deseja-se apontar para algumas reflexões críticas e teóricas sobre o en-
sino da leitura e da literatura; em um segundo momento, demonstrar
como, através da inserção indireta de um autor como Machado de Assis
desde o sexto ano, será mais fácil o estudo de textos literários no ensino
médio, quando a literatura passa a ser disciplina. O mesmo pode se fa-
zer com alguns textos de Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Graciliano
Ramos, para nos determos nos autores mais clássicos e, posteriormen-
te, ir nos aproximando de tudo que se pode chamar de contemporâneo.
Assim, poderemos abrir espaço para as nossas inquietações e nossos
comentários do papel do ensino da literatura hoje e do que podemos
fazer para nos atualizar e inserir novos textos e novas ideias na nossa
prática pedagógica. Abrirmos, igualmente, um espaço para podermos
perguntar, por exemplo, qual o nosso papel quando temos que interferir
no desejo daquele aluno que deseja ler espontaneamente os livros de
Paulo Coelho e chamar Machado de Assis de Machato de Assis.

Embora tenhamos procurado dar algumas diretrizes, o que é impor-


tante é muitas vezes resistir à tentação de escolher e obrigar certas
leituras ou optarmos por tudo aquilo que é mais fácil ensinar, ou
apenas o que é de nosso gosto. Mas, sem obrigar, podemos conta-
giar pelo nosso entusiasmo. Mostrar que igualmente somos leitores
dos clássicos de nossa literatura e que eles podem nos ensinar muito,
não no sentido instrucional, pois a literatura não é instrumento in-
formativo. Por outro lado, nós não podemos parar de ler exatamen-
te no ponto em que estamos ou estávamos quando terminamos
nosso curso de graduação. É preciso que sejamos leitores e que nos
mantenhamos atualizados, frequentando livrarias, adquirindo li-
vros, lendo suplementos literários, consultando o ambiente virtual e

95
Literatura e ensino

mantendo contato com os professores da universidade, que no Cur-


so de Letras buscam transformar o conhecimento literário. Eles pre-
cisam ser reencontrados (e cobrados também) para que percebam
que (n)a prá tica é sempre outra coisa... Ler o contemporâneo é uma
boa forma de se entender como se processa a estética da recepção e
a própria dinâmica da história da literatura sem nos escravizarmos a
ela, como o fazem os manuais e a maioria dos livros didáticos.

É preciso também não esquecer que a literatura faz parte de uma


outra etapa da escola: não mais da informação (que secciona o saber),
mas da formação e da transformação. O bom leitor de literatura é aquele
que faz da leitura uma ação vertical capaz de ampliar as relações do tex-
to com a sociedade e com a cultura.

Interessa aqui mencionar as questões relacionadas com aquilo que


virá com o Enem e a preparação para o Enem. Do ponto de vista da
tradição escolar brasileira a leitura de romances, de crônicas, de contos
e de poesias foi fundamental nos currículos escolares no século XIX e
durante o século XX. As tentativas recentes de democratização do ensi-
no foram acompanhadas de novas propostas para o ensino médio. Mu-
daram os tempos como se reconhece até mesmo nos PCNs. A proposta
do Enem – correta, poderíamos dizer, em seu princípio – consiste em
apagar os limites estabelecidos entre as disciplinas. Textos literários po-
dem ser utilizados para testar conhecimentos de Geografia e História.
Embora exista uma preocupação em divisão por disciplinas nas provas
vestibulares, a proposta de não haver limites entre elas não está restrita
ao Enem. Nas provas do Vestibular 2010, da Universidade Federal de
Santa Catarina, é possível perceber certo apagamento das fronteiras es-
tabelecidas entre as disciplinas. Textos literários e conhecimentos que,
em uma primeira impressão, seriam dignos da Literatura são testados
em História e Geografia, por exemplo. Isso significa dizer que a univer-
sidade está em busca de um leitor plural, que consiga perceber as cone-
xões entre os diferentes tipos de textos e estabelecer inúmeras relações
desvinculando-os de disciplinas específicas.

96
O texto literário na escola: apontando caminhos Capítulo 10
Ao se pensar também a questão da leitura da literatura, no ensino
médio, ao se pensar os gêneros literários enquanto a concretude da obra
acessível aos alunos, ou em outras palavras, a literatura como compo-
nente curricular no ensino médio, constituindo ainda um conteúdo ca-
paz de conseguir o interesse pela leitura, não podemos perder de vista
a necessidade de levar os alunos, ou uma parcela deles, a experimentar
a experiência estética e a refletir criticamente sobre o real. Isso justifica-
ria a necessidade da continuidade da leitura de literatura e da literatura
com(o) disciplina no ensino médio, como um dos caminhos possíveis
para o não empobrecimento do espírito crítico e da criatividade.

E pode existir maior privilégio do que sermos responsáveis por ins-


trumentalizarmos nossos alunos para analisar textos literários na esco-
la? Instrumentalizá-los para este exercício significa proporcionar que
eles enxerguem o que os outros apenas vislumbram e que sejam capazes
de exercer sua capacidade de leitura em um nível no qual saibam traba-
lhar com a história, com a geografia, com a ciência, com a cultura, com a
sociedade, com o novo, com o diferente, na expressão mais democrática
e mais subversiva: a literatura enquanto prosa do mundo. Essa talvez
seja a resposta que se pode dar às inquietações da professora que deu
início ao nosso livro.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e


professores:

1. Após percorrermos uma trajetória de dez tópicos, que discutiram ques-


tões relacionadas à literatura e ao seu ensino, qual(quais) é(são) o(s) seu(s)
entendimento(s) da literatura com(o) disciplina na escola? Qual é a vantagem de
se estudar a literatura no século XXI? Há lugar e espaço para ela neste século?

2. Além dos gêneros literários levantados nos tópicos O texto literário na escola:
apontando caminhos e A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Inter-
net), que outros tipos de textos literários poderiam ser usados em sala de aula?
Que proposta de trabalho de literatura você(s) desenvolveria(m) na escola?

3. Qual é a sua experiência – ou as suas experiências – de apre(e)nder e/ou


ensinar literatura?

97
Referências

Referências

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