USO DE DIPLOMA DE 2º GRAU. CURSO DE VIGILANTE. FISCALIZAÇÃO A CARGO DA POLÍCIA FEDERAL. COMPETÊNCIA. ALEGADA INEXIGIBILIDADE DO CERTIFICADO DE ENSINO MÉDIO PARA A CONDIÇÃO DE VIGILANTE. INVIABILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL NÃO CONFIGURADA. OFENSA REFLEXA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Preliminarmente, a repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF). Consectariamente, se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se pretender seja reconhecida “a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso” (art. 102, III, § 3º, da CF). 2. O uso de documento falso de instituição de ensino médio com o intuito de obter certificação em curso de vigilante por empresa fiscalizada pela Polícia Federal, configura delito cognoscível pela justiça federal. 3. O artigo 32 do Decreto 89.056/83 atribui à Polícia Federal a responsabilidade pela fiscalização das empresas especializadas nos cursos de formação de vigilantes. 4. In casu, a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento ao recurso de apelação, mediante os seguintes fundamentos: PENAL. PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304 C/C 297 DO CPB). INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO DEMONSTRADO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231 DO STJ. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. O delito foi praticado em detrimento de interesse da União, já que o documento falso foi enviado à DELESP, na Superintendência Regional da Polícia Federal no Amazonas, a fim de obter o registro e a homologação do certificado, de forma que a Justiça Federal é competente para o processo e julgamento desse crime. Precedente deste Tribunal. 2. Materialidade e autoria comprovadas. 3. O alegado estado de necessidade para configurar a excludente de ilicitude prevista no art. 24 do CPB deve ser extremo, de forma a comprometer a própria sobrevivência do réu e de sua família, o que não ficou demonstrado nos autos ao longo da instrução processual. Precedente deste Tribunal. 4. A pena base não pode ser reduzida aquém do mínimo legal, não obstante o réu ter confessado a prática do crime, de acordo com a Súmula 231 do STJ. 5. Apelação desprovida. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário interposto com
fundamento no artigo 102, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra o acórdão proferido pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim fundamentado: PENAL. PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304 C/C 297 DO CPB). INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO DEMONSTRADO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231 DO STJ. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. O delito foi praticado em detrimento de interesse da União, já que o documento falso foi enviado à DELESP, na Superintendência Regional da Polícia Federal no Amazonas, a fim de obter o registro e a homologação do certificado, de forma que a Justiça Federal é competente para o processo e julgamento desse crime. Precedente deste Tribunal. 2. Materialidade e autoria comprovadas. 3. O alegado estado de necessidade para configurar a excludente de ilicitude prevista no art. 24 do CPB deve ser extremo, de forma a comprometer a própria sobrevivência do réu e de sua família, o que não ficou demonstrado nos autos ao longo da instrução processual. Precedente deste Tribunal. 4. A pena base não pode ser reduzida aquém do mínimo legal, não obstante o réu ter confessado a prática do crime, de acordo com a Súmula 231 do STJ. 5. Apelação desprovida.
Nas razões do extraordinário, o réu alega ofensa ao artigo 109, inciso
IV, da Constituição Federal. Aponta preliminar de existência de repercussão geral. Articula, em síntese, a incompetência da Justiça Federal para o processamento da causa, uma vez que o documento supostamente falso seria diploma de ensino médio, e que não existiria interesse da União em debate, pois a lei reguladora dos cursos de vigilante – artigo 16, III, da Lei nº 7102/03 – exigiria apenas o ensino fundamental, e que a exigência do diploma do ensino médio era exclusiva da empresa de vigilância, sem respaldo legal. Em contrarrazões, o Parquet sustenta que o réu apresentou o documento falso ciente e consciente de que seria remetido à Superintendência da Polícia Federal, de maneira a envolver diretamente o interesse da União e atrair a competência da Justiça Federal. Na origem, o réu foi denunciado pela prática de falsificação de certificado de conclusão de ensino médio, e o consequente uso do documento para realização de curso de formação em vigilante. A competência da justiça federal foi apontada pelo Parquet na peça acusatória, sob o argumento de que as atividades relacionadas à formação de vigilantes é de responsabilidade do Ministério da Justiça, e cumprida pela Polícia Federal, nos termos do artigo 32 do Decreto 89056/83. Transcorrido o devido processo legal, sobreveio sentença penal condenatória de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa, substituídas por prestação de serviços à comunidade. Inconformado, o réu interpôs apelação, que foi desprovida pelo Tribunal a quo. Não foram opostos embargos de declaração. A Presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região proferiu juízo positivo de admissibilidade (fls. 203/204). O Parecer do MPF é pelo desprovimento do extraordinário, vez que existiria prejuízo concreto do serviço público federal no caso a atrair a competência da justiça federal. E o breve relatório. Decido. Ab initio, a repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF). Consectariamente, se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se pretender seja reconhecida “a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso” (art. 102, III, § 3º, da CF). A questão em debate cinge-se à verificação de ofensa direta a bem ou interesse da União para configurar a atração da competência da justiça comum federal para o processamento da ação penal, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal. De um lado, tem-se a falsificação do diploma de ensino médio, realizada para fins de uso do documento para inscrição em curso de formação de vigilantes. De outro, tem-se a atividade da Polícia Federal, em cumprimento ao artigo 32 do Decreto 89056/83, de fiscalizar as atividades de empresas que realizam os referidos cursos. Segundo a jurisprudência perfilhada por este Supremo Tribunal Federal, demonstrada a falsidade documental e o seu consequente uso, há que se perquirir a situação da vítima do delito, dessa maneira, atingindo pessoa jurídica de direito público federal, atrair-se-á a competência da Justiça Federal. Na espécie, está claro o prejuízo contra o serviço público federal. Explico. O Decreto nº 89056/83 e as legislações posteriores que o alteraram estabelecem regras básicas para as atividades e serviços de segurança privada, e sujeitam a fiscalização ao Ministério da Justiça, cujo órgão final de cumprimento é o Departamento de Polícia Federal. A questão principal é que a fiscalização é cumprida por órgão federal, notadamente a Polícia Federal, porquanto os destinatários finais dessas regras, os seguranças privados, os vigilantes, podem vir a conseguir autorização para posse e ou uso de arma de fogo, de acordo com a legislação. Destarte, a burla ao sistema de fiscalização, pela apresentação de certificado de conclusão de ensino médio, implica em burla ao controle finalístico da Polícia Federal sobre a segurança pública em sentido lato. Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo, em situações similares, aponta para competência da justiça federal. Veja-se os julgados:
Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. DIPLOMA E CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DE CURSO SUPERIOR EM INSTITUIÇÃO PRIVADA DE ENSINO FALSOS. APRESENTAÇÃO PARA FINS DE OBTENÇÃO DE REGISTRO PROFISSIONAL NO CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO – CRA. COMPETÊCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INFRAÇÕES PRATICADAS EM DETRIMENTO DE SERVIÇOS E INTERESSES DA UNIÃO (ART. 109, IV, DA CF). INSTITUIÇÕES PRIVADAS DE ENSINO SUPERIOR INTEGRANTES DO SISTEMA FEDERAL DE ENSINO (ARTS. 16, II, E 21, II, DA LEI N. 9.394/96). SUJEITAS, PORTANTO, À AUTORIZAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, SUPERVISÃO, CONTROLE E AVALIAÇÃO DO PODER PÚBLICO FEDERAL. ORDEM INDEFERIDA. 1. O uso de documento falso de instituição privada de ensino superior, com o fato de apresentá- lo ao órgão de fiscalização profissional federal, é delito cognoscível pela justiça federal, que ostenta, para o caso concreto, competência absoluta. 2. É que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96) explicita que a educação superior está inserida no gênero educação escolar, bem como prevê que as instituições de ensino superior criadas e mantidas pela iniciativa privada também integram o sistema federal de ensino, nos termos dos artigos 21, inciso II, e 16, inciso II, respectivamente. 3. Outrossim, o artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal determina que “Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral” (Sem grifos no original). 4. In casu: (i) discute-se a competência para processar e julgar delitos relacionados à falsificação de diploma e de certidão de conclusão de curso superior em instituição privada de ensino, para fins de obtenção de registro profissional perante o Conselho Regional de Administração (CRA), cuja natureza jurídica é de autarquia federal; (ii) o paciente foi denunciado, por esses fatos, perante a 3ª Vara Federal Criminal do Estado de São Paulo como incurso nas sanções dos artigos 297, 299 e 304 do Código Penal; (iii) a defesa opôs exceção de incompetência, pleiteando a remessa do autos à Justiça Estadual, sob o argumento de que, embora o documento dito falso tenha sido apresentado a autarquia federal, a credibilidade que teria sido abalada é a da instituição de ensino particular, pois seria ela quem estaria atestando a inexistente formatura do acusado, e não a seriedade do Conselho Regional de Administração. 5. Considerando que o diploma falsificado diz respeito a instituição de ensino superior, incluída no Sistema Federal de Ensino, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96), resta patente que o delito narrado na denúncia foi praticado em detrimento de interesse da União, a atrair a competência da Justiça Federal (art. 109, IV, CRFB), mesmo porque se operou o seu uso, sendo que consta que a referida autarquia teria descoberto a fraude e negado a emissão do registro. 6. Ordem indeferida. (HC 93938, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, Dje 23/11/11).
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS
CORPUS. PROCESSUAL PENAL. COAÇÃO ILEGAL. CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. NULIDADE DO JULGAMENTO: NÃO- OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA: IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. É da competência da Justiça Federal o processamento e julgamento da ação penal pelos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso (arts. 299 e 304 c/c art. 69 do Código Penal) praticados pelo Paciente. 2. A alegação de que o Tribunal Regional Federal não teria enfrentado todas as teses defensivas quando julgou a apelação do Paciente foi afastada no voto condutor do acórdão recorrido. 3. Na tímida via do habeas corpus, não se permite a verificação da veracidade dos fatos descritos na denúncia por demandar análise do conjunto fático- probatório, em evidente substituição ao processo de conhecimento. Precedentes. 4. Recurso desprovido. (RHC 87436, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje 21/06/07)
Quanto à alegação de estado de necessidade, questão que foge da
alçada do recurso extraordinário, por se tratar de debate de natureza fático-probatório, vedado pela Súmula 279/STF, in verbis: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário” Por oportuno, vale destacar preciosa lição de Roberto Rosas acerca da Súmula 279 do STF:
“Chiovenda nos dá os limites da distinção entre questão
de fato e questão de direito. A questão de fato consiste em verificar se existem as circunstâncias com base nas quais deve o juiz, de acordo com a lei, considerar existentes determinados fatos concretos. A questão de direito consiste na focalização, primeiro, se a norma, a que o autor se refere, existe, como norma abstrata (Instituições de Direito Processual, 2a ed., v. I/175). Não é estranha a qualificação jurídica dos fatos dados como provados ( RT 275/884 e 226/583). Já se refere a matéria de fato quando a decisão assenta no processo de livre convencimento do julgador (RE 64.051, Rel. Min. Djaci Falcão, RTJ 47/276); não cabe o recurso extraordinário quando o acórdão recorrido deu determinada qualificação jurídica a fatos delituosos e se pretende atribuir aos mesmos fatos outra configuração, quando essa pretensão exige reexame de provas (ERE 58.714, Relator para o acórdão o Min. Amaral Santos, RTJ 46/821). No processo penal, a verificação entre a qualificação de motivo fútil ou estado de embriaguez para a apenação importa matéria de fato, insuscetível de reexame no recurso extraordinário (RE 63.226, Rel. Min. Eloy da Rocha, RTJ 46/666). A Súmula 279 é peremptória: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. Não se vislumbraria a existência da questão federal motivadora do recurso extraordinário. O juiz dá a valoração mais conveniente aos elementos probatórios, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes. Não se confunda com o critério legal da valorização da prova (RTJ 37/480, 56/65) (Pestana de Aguiar, Comentários ao Código de Processo Civil, 2a ed., v. VI/40, Ed. RT; Castro Nunes, Teoria e Prática do Poder Judiciário, 1943, p. 383). V. Súmula 7 do STJ”. (in, Direito Sumular, 14ª ed. São Paulo, Malheiros).
Ademais, a violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal
decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional torna inadmissível o recurso extraordinário. Precedentes: RE 596.682, Rel. Min. Carlos Britto, Dje de 21/10/10, e o AI 808.361, Rel. Min. Marco Aurélio, Dje de 08/09/10. Por fim, é importante destacar que o Parquet, enquanto dominus litis no processo penal, desde o início da persecução vem orientando a linha de investigação quanto ao aspecto federal da conduta criminosa. Esses elementos tornam legítima a pretensão recursal. Ex positis, DESPROVEJO o recurso extraordinário, com fundamento no artigo 21, § 1º, do RISTF. Publique-se. Int.. Brasília, 17 de abril de 2013. Ministro LUIZ FUX Relator Documento assinado digitalmente