Vous êtes sur la page 1sur 14

706 CASSEMIRO, F.A.S. & PADIAL, A.A.

TEORIA NEUTRA DA BIODIVERSIDADE E BIOGEOGRAFIA: ASPECTOS TEÓRICOS,


IMPACTOS NA LITERATURA E PERSPECTIVAS

Fernanda A.S. Cassemiro1,2 & André Andrian Padial2*


1
Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.
2
Laboratório de Ecologia Teórica e Síntese – Departamento de Biologia Geral, Universidade Federal de Goiás, Campus Samambaia, CEP: 74001-970.
Goiânia, GO – Brasil.
*
E-mail: aapadial@gmail.com

RESUMO
Nesse trabalho exploramos os aspectos teóricos da Teoria Neutra da Biodiversidade e Biogeografia (TNB)
proposta por Hubbell (2001), apresentando juntamente um estudo cienciométrico sobre o impacto dessa teoria
na comunidade científica, seus avanços, principais críticas e algumas perspectivas. A TNB pode facilitar o
desenvolvimento de hipóteses nulas testáveis principalmente em comunidades nas quais características
espaciais explícitas desempenham um papel marcante, representando uma importante ferramenta conceitual
e analítica. A premissa mais provocativa da TNB é que os organismos de todas as espécies têm propriedades
ecológicas idênticas. Isso choca com a visão clássica de organização das comunidades por nicho ecológico e
até mesmo com a teoria da evolução pela seleção natural. O livro no qual Hubbell apresentou a TNB teve (e
ainda tem) grande repercussão na literatura científica. Até os dias atuais, essa publicação foi citada por 1.128
artigos, em 239 periódicos científicos, classificados em 21 diferentes categorias de assuntos diferentes. Apesar
do impacto em diferentes áreas do conhecimento, Hubbell (2001) foi mais discutido entre ecólogos e biólogos
da conservação. As críticas contra a TNB são abundantes, principalmente acerca de seu principal axioma
(a equivalência ecológica das espécies). A despeito das críticas, e do fato de que TNB tenha sido refutada
em vários estudos, pesquisas recentes corroboram suas predições, apresentando avanços teóricos e novas
ferramentas analíticas. Ademais, até mesmo os críticos consideram a TNB uma teoria elegante, facilmente
testável e útil para o desenvolvimento teórico na ecologia.
Palavras-chave: Modelos Neutros, Metacomunidades, Dispersão, Especiação, Deriva Ecológica.

ABSTRACT
THE NEUTRAL THEORY OF BIODIVERSITY AND BIOGEOGRAPHY: THEORETICAL
ASPECTS, IMPACTS AND PROSPECTS. In this paper, we explore the theoretical aspects of Hubbel’s
Neutral Theory of Biodiversity and Biogeography (NTB), showing the results of a scientometric survey
about the impact of this theory on the scientific community, its developments, critiques and perspectives. The
NTB can contribute to developing null hypotheses and provides a strong conceptual and analytical tool in
ecology, especially for the understanding of communities in which some clear spatially-structured mechanisms
play an important role. The most provocative premise of NTB is that individuals from different species are
ecologically equivalent. This poses a contrary view to the classical niche theory to explain the structure of
biological communities, and refutes the theory of evolution by natural selection. The book in which Hubbell
presented the NTB has had up to date a high impact over scientific literature. Hubbell’s book was cited by
1,128 scientific articles belonging to 239 scientific journals over 21 different subject categories. NTB impacted
several scientific fields, but was debated mainly by ecologists and conservation biologists. Criticism against
NTB is frequent, mainly direct at its main axiom, the ecological equivalence of the species. In spite of that
and of the fact that NTB was refuted in many papers, there are papers giving support to its predictions, and
presenting theoretical advances and new analytical tools. Even the opposers of the NTB consider it an easily
testable elegant theory that was a major contribution to ecology.
Keywords: Neutral models, Metacommunities, Dispersion, Speciation, Ecological drift.

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


TEORIA NEUTRA DA BIODIVERSIDADE E BIOGEOGRAFIA 707

INTRODUÇÃO dialmente em processos em micro-escala espacial


que refletem as características adaptativas das espé-
Um dos objetivos da ecologia é entender as regras cies. Por outro lado, biogeógrafos se preocupam
de assembléias ecológicas de comunidades naturais em com processos em macro-escala espacial, no qual a
escalas local e global (Zhou & Zhang 2008). Ecólogos dispersão, área de distribuição, especiação e extinção
têm realizado significativos progressos em pequenas das espécies assumem um papel crucial e as carac-
escalas espaciais e temporais, principalmente usando terísticas adaptativas têm menos importância para
abordagens reducionistas (Hubbell 2001). Contudo, explicar tais padrões (Hubbell 2001). Tentando aliar
importantes questões teóricas e empíricas em grandes essas duas perspectivas, Hubbell (2001) propôs a
escalas espaciais ainda permanecem sem respostas. “Teoria Neutra da Biodiversidade e Biogeografia”
Por exemplo, a distribuição e a abundância entre (TNB), construída com base nos fundamentos da
espécies, a relação entre distribuição e abundância, a teoria de biogeografia de ilhas (MacArthur & Wilson
variação da diversidade entre ambientes e o aumento 1967) e nos conceitos estabelecidos sobre abun-
da diversidade com a área são objetos de constantes dância relativa das espécies (May 1975, Volkov et al.
pesquisas, porém ainda há muito que ser elucidado 2003). Segundo Hubbell (2001) a TNB é uma teoria
(Ricklefs & Schluter 1993). Todas essas relações geral da biodiversidade que tenta explicar padrões
partem do campo da macroecologia (Brown 1995), observados na natureza baseados principalmente em
a qual se preocupa em descrever e interpretar amplos restrições na dispersão de indivíduos. Nesse sentido,
padrões ecológicos e evolutivos. Esses padrões Hubbell (2001) acredita que processos probabilís-
geralmente são reflexos dos processos e mecanismos ticos na colonização e extinção dos indivíduos nos
subjacentes e inerentes a cada espécie. Nesse caso, habitats podem explicar as diferenças de composição
em um determinado contexto ambiental, algumas e abundância relativa das espécies. Para isso, a teoria
espécies são comuns e outras raras, ou algumas são neutra assume que não há nenhuma diferença entre
especialistas e outras generalistas (Bell 2001). Dessa indivíduos em termos de taxa de vida per capita ou
forma, a observação dos padrões ecológicos pode ser em suas respostas às forças básicas agindo na comu-
usada para inferir acerca da natureza de processos nidade (Hu et al. 2006; Zhou & Zhang 2008). Em
ecológicos, respeitando as características de alguns casos, a TNB pode ser considerada uma hipó-
abundância, distribuição e diversidade de espécies. tese nula (porém, veja a distinção entre neutro e nulo
Recentemente, predições com modelos neutros em Gotelli & Mcgill 2006, De Marco Jr 2006). Nesse
têm sido corroboradas com dados empíricos, nos quais sentido, uma das principais vantagens da TNB é faci-
todos os indivíduos têm propriedades demográficas litar o desenvolvimento de hipóteses nulas testáveis
idênticas (Hubbell 2001). O comportamento desses em ecologia de comunidades, biogeografia e biologia
modelos de comunidade neutra tem nos forçado a da conservação, principalmente em comunidades
revisar procedimentos de análises comparativas em nas quais características espaciais explícitas (i.e.
ecologia e reconsiderar uma grande parte da ecologia gradiente ambiental espacialmente estruturado) ou
clássica (Bell 2001). barreiras físicas desempenham um importante papel
Além disso, os processos que governam a geração (Maurer & McGill 2004).
e manutenção da diversidade biológica são complexos A macroecologia neutra fornece insights nos
e variados. Esses vão desde processos genéticos até processos ecológicos e evolutivos que controlam
processos geológicos em escalas globais. A vasta a assembléia e a dinâmica de metacomunidades e
quantidade de detalhes que seriam necessárias para comunidades locais, incluindo o papel da dispersão,
descrever toda essa complexidade pode ser imen- deriva (drift) ecológica e especiação. Na TNB,
surável e difícil de analisar. Como conseqüência, é a metacomunidade é uma unidade biogeográfica
necessário encontrar alguma maneira de sumarizar evolutiva na qual indivíduos se originam, vivem e
essa complexidade para facilitar nosso entendimento se extinguem. O modelo de Hubbell diferencia-se
da diversidade global (Maurer & McGill 2004). dos trabalhos prévios por tentar descrever um
Tradicionalmente, os ecólogos tentam explicar mecanismo específico de população e estendê-lo às
padrões observados na natureza baseados primor- escalas espaciais mais amplas para explicar como a

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


708 CASSEMIRO, F.A.S. & PADIAL, A.A.

diversidade biológica muda no espaço e no tempo uma réplica independente das interações ecológicas
(Maurer & McGill 2004). envolvendo fatores bióticos e abióticos dentro de uma
Há um grande impacto da TNB na comunidade dinâmica de comunidades.
científica (veja Alonso et al. 2006, McGill et al. 2006, O segundo pressuposto crucial à teoria é que cada
Leigh 2007; Zhou & Zhang 2008), em que muitos comunidade local em uma paisagem está saturada e
trabalhos questionam os fundamentos da teoria e que não há mudanças no número de indivíduos dentro
outros a corroboram com evidências empíricas ao da comunidade com o tempo. As dinâmicas das
testar o modelo neutro, causando considerável debate populações são governadas pela seqüência temporal
no campo científico. Por exemplo, De Marco Jr dos deslocamentos dos indivíduos que morrem a cada
(2006) apresenta a TNB de uma maneira didática e período de tempo no processo (Figura 1). Já que todos
discute aspectos sobre a generalização de teorias para os indivíduos de todas as espécies são idênticos, não
explicar a diversidade biológica, além de discutir há vantagem que qualquer organismo de qualquer
como a neutralidade afeta as interpretações sobre espécie tenha acesso aos recursos deixados pelo
processos ecológicos, causando um choque na visão indivíduo morto na comunidade. Esses dois processos
clássica de organização das comunidades por nicho combinados levam o que Hubbell chama de “deriva
ecológico, e as suas implicações para a biologia da ecológica”, o equivalente matemático da “deriva
conservação. genética”.
Diante do exposto, é importante fazer um levan- Dessa forma, a teoria neutra considera que os indi-
tamento na literatura e uma síntese dos principais víduos em uma comunidade são simpátricos e trofica-
aspectos teóricos da TNB, analisando as caracterís- mente semelhantes, competindo potencialmente pelos
ticas que levam à divergência de opiniões a respeito mesmos ou recursos similares (Hubbell 2001). Ao
da TNB. Nessa perspectiva, pretendemos explorar, contrário do conceito de nicho multidimensional de
de forma mais aprofundada, os aspectos teóricos da Hutchison (1957), a TNB considera uma dimensio-
TNB, além de apresentar um estudo cienciométrico nalidade mínima possível que é requerida para carac-
sobre o impacto dessa teoria na comunidade cientí- terizar uma determinada comunidade ecológica a um
fica, explicitando seus avanços, as principais críticas desejado nível de realismo e precisão. A hipótese da
e algumas perspectivas. Além disso, fizemos um equivalência funcional é a principal característica da
levantamento dos artigos que corroboram e refutam TNB, pois ao considerar que as espécies são trofi-
as principais predições da TNB. camente semelhantes, há uma melhor aproximação
demográfica em nível per capita em relação às suas
ORIGEM E ASPECTOS TEÓRICOS DA TEO- taxas de nascimento, morte, dispersão e especiação.
RIA NEUTRA DA BIODIVERSIDADE E BIO- Desse modo, Hubbel costuma denominar espécies
GEOGRAFIA com essas características de simétricas, pois são equi-
valentes funcionais.
Em Hubbell (2001), o modelo neutro das dinâmicas Matematicamente, o processo de Hubbell modela
de biodiversidade usa a mesma estrutura matemática a abundância de uma única espécie ao longo do
da teoria neutra da genética de populações para tempo. Suponha que uma determinada comunidade
populações finitas (Kimura & Ohta 1971, Karlin & tenha recursos suficientes para suportar exatamente J
Nevo 1976, Ewens 1979), que postula que eventos indivíduos. Se Ni é a abundância de uma determinada
aleatórios afetam a freqüência de alelos em uma espécie, consideremos espécie i, assim as possíveis
população. Analogamente, a abundância das espécies posições são Ni=0, Ni =1, Ni =2, ..., Ni =J; na qual
de uma comunidade poderia também seguir um a posição é definida como o número de indivíduos
padrão puramente probabilístico. Dessa forma, o em um determinado ponto no tempo. Portanto, há J
processo de população postulado por Hubbell (2001) + 1 possíveis posições que a espécie pode ocupar. A
é baseado em dois pressupostos (Maurer & McGill abordagem de Hubbell define um conjunto inicial de
2004). O primeiro é que todos os organismos de todas condições que leva a um conjunto específico de equações
as espécies têm propriedades ecológicas idênticas. para as probabilidades de transições de uma posição à
Dessa forma, cada indivíduo pode ser considerado próxima. Depois de escrever essas probabilidades de

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


TEORIA NEUTRA DA BIODIVERSIDADE E BIOGEOGRAFIA 709

Figura 1. Esquema (modificado de Hubbell 2001, p. 77) mostrando a dinâmica neutra de uma comunidade local J após um distúrbio D. A comunidade
local J antes do distúrbio é composta por 25 indivíduos da espécie “círculo preta” e 31 indivíduos da espécie “círculo branca”. Após o distúrbio (J-D),
alguns indivíduos de ambas as espécies morrem. Durante o preenchimento dos “espaços vazios”, a chance de re-colonização, segundo os pressupostos
da Teoria Neutra da Biodiversidade e Biogeografia, é a mesma para os indivíduos das duas espécies (dessa mesma localidade ou vindo de comunidades
vizinhas), podendo também haver colonização de uma terceira espécie (“círculo cinza”) oriunda de outra localidade.
Figure 1. Schematic representation (modified from Hubbell 2001, p. 77) illustrating the neutral dynamics in a local community (J) after some disturbance
D. Community J is composed of 25 individuals of the “black circle” species and 31 individuals of the “white circle” species. After the disturbance D,
individuals of both species die. During the occupation of the “vacant places”, the chance of re-colonization is the same to all individuals of both species
(belonging to this community or coming from adjacent localities) according with the Neutral Theory of Biodiversity and Biogeography assumption. Also
another species (be it “grey circle”) from another locality has also the chance to colonize.

transições em forma de matriz, Hubbell derivou os A fixação de uma única espécie na comunidade
autovetores associados com a matriz de transição. Os ocorre rapidamente em comunidades pequenas,
autovetores da matriz de transição dão probabilidades mas o tempo de fixação aumenta com o aumento
assintóticas de uma espécie ocupar uma possível do tamanho da comunidade local. Esse cenário é
posição, pois como cada espécie é idêntica à outra, claramente inadequado, já que prediz que todas as
o autovetor pode também representar a freqüência comunidades locais serão dominadas por uma única
da distribuição das abundâncias de todas as espécies espécie e que a espécie que venha dominar qualquer
dentro de uma assembléia. comunidade local é completamente arbitrária. Esse
Dessa forma, a comunidade local sempre terá o resultado é independente da distribuição original da
mesmo número de indivíduos ao longo do tempo, o abundância entre as espécies. Se uma espécie não
pressuposto da TNB chamado zero-sum assumption. tem probabilidades iguais de ser escolhida depois
Em outras palavras, para cada indivíduo removido que um indivíduo morre, então a distribuição da
da comunidade, um único indivíduo é escolhido, de freqüência do número de vezes que cada espécie é
uma distribuição uniforme entre todas as espécies, a única sobrevivente, convergirá na distribuição da
como substituto (veja também Figura 1 para uma abundância relativa entre espécies (Hubbell 2001).
clara definição conceitual da TNB para a dinâmica Como o processo fundamental da deriva ecológica
de comunidades locais). Esse simples cenário resulta é um processo de absorção, deve haver um processo
em um interessante processo, no qual uma única adicional que substitua as espécies que vão se
espécie sobrevive e todas as outras se extinguem extinguir, se a diversidade é para ser mantida dentro
(Hubbell 2001). Cada vez que o processo recomeça, da comunidade local. A maneira mais simples de fazer
a distribuição da freqüência do número de vezes isso é assumir que a comunidade local é aberta, então
em que cada espécie sobrevive converge em uma ocasionalmente, indivíduos de fora da comunidade
distribuição uniforme, a qual segue o pressuposto são introduzidos (veja também a Figura 1). Sobre
que todas as espécies são equivalentes ecológicos. esse cenário, quando um indivíduo é removido da

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


710 CASSEMIRO, F.A.S. & PADIAL, A.A.

comunidade, há uma pequena probabilidade de freqüências relativas das espécies nas comunidades
ele ser substituído por um imigrante. O imigrante locais. Para ajustar os dados a esse modelo, nem a taxa
pode ser um membro de qualquer espécie dentro de especiação nem o tamanho da metacomunidade
da comunidade regional. Os imigrantes vêm de precisa ser estimado. O modelo que é ajustado
uma metacomunidade em que todas as espécies são aos dados inclui somente a taxa de imigração e o
igualmente aptas a dispersar. A comunidade local número de biodiversidade. O que acontece em uma
produzida por esse processo retém mais do que uma comunidade local influencia o que acontece em
espécie indefinidamente. outras comunidades, pois essas comunidades não
O número de espécies presentes em uma posição são réplicas independentes do mesmo processo.
estável e suas abundâncias são relacionados à taxa Ou melhor, uma única réplica independente inclui
de imigração. Uma alta taxa de imigração resulta em todas as comunidades locais. Entretanto, o número
mais espécies na comunidade. As abundâncias das de biodiversidade fundamental θ também pode ser
espécies não são uniformes dentro da comunidade teoricamente relacionado com a taxa de especiação
local. Quando o cenário é replicado um grande (ν) e a área (AM) ocupada pela metacomunidade
número de vezes, cada réplica tem diferentes espécies (Equação 1), apesar de Hubbell (2001) afirmar que
que são dominantes (Engen & Lande 1996, Bell pouco se sabe sobre esses parâmetros:
2000). Isso significa que a espécie comum em alguma
comunidade local não será dominante em outro lugar (Equação 1)
e pode ser extinta em algumas comunidades.
Nesse contexto, as freqüências relativas das No qual ρ é a densidade média de indivíduos por
espécies na metacomunidade são derivadas das unidade de área.
freqüências acumulativas de cada espécie ao longo McGill et al. (2006) ressalta as dificuldades de
de toda a comunidade local (Bell 2001). Tal processo definir o tamanho de uma metacomunidade e de
eventualmente levará a um decréscimo na diversidade medir a taxa de especiação. Além disso, a taxa de
de espécies já que há uma probabilidade das espécies imigração, fundamental para a estimativa da taxa
se extinguirem globalmente. Nesse sentido, Hubell de especiação, pode não refletir o fluxo gênico real
(2001) reconhece que, em última instância, a origem de uma metacomunidade, o chamado paradoxo
de novas espécies é a responsável para a manutenção dispersão-fluxo gênico, observado frequentemente
a diversidade na metacomunidade. Nesse caso, a em metacomunidades aquáticas (De Meester et al.
especiação sob uma ótica neutra se dá por: (i) uma 2002). Dessa forma, ainda é difícil ajustar um modelo
mutação pontual (point mutation mode) que origina neutro elegante a dados empíricos.
uma nova espécie a partir de mutações genéticas A TNB também prediz que a mudança na
de outras espécies já presentes no pool regional ou composição das espécies, através da comunidade,
(ii) subdivisão de espécies alopátricas através de variará através do espaço principalmente devido à
vicariância (random fission mode). Nesse último caso, limitação da dispersão, esta, por sua vez, assegura
a área de distribuição de uma espécie é dividida devido que a composição das espécies e a estrutura das
a extinções locais que inibem a troca de indivíduos comunidades locais divergirão como conseqüência
entre comunidades espacialmente separadas. Dessa da deriva ecológica. Como a deriva ecológica é
forma, duas espécies diferentes são originadas com o contínua, diferentes espécies irão dominar diferentes
passar do tempo. Entretanto, Hubbell (2001) apenas comunidades locais em um determinado período.
assume que o tempo de especiação é extremamente Comunidades locais são preditas pela teoria para
lento nesses modelos. De fato, a especiação por deriva seguir um padrão único da dinâmica da comunidade
é uma das principais críticas à TNB (ver seção Críticas e decresce em similaridade com o passar do tempo.
à Teoria Neutra da Biodiversidade e Biogeografia). Por esta razão, a variação espacial na estrutura da
O produto do tamanho da metacomunidades e comunidade pode ser gerado na ausência de qualquer
da taxa de especiação é uma constante que Hubbell requerimento de hábitat único ou com diferenças
(2001) chamou de “número da biodiversidade ecológicas entre espécies.
fundamental” (θ), pois ele mostra em expressões as Como já mencionado acima, a questão fundamental

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


TEORIA NEUTRA DA BIODIVERSIDADE E BIOGEOGRAFIA 711

da teoria neutra é a equivalência ecológica das espécies do nicho. Portanto, há uma grande repercussão dessa
na comunidade (Hubbell 2005). A variação espacial teoria na literatura científica, na qual avanços teóricos
na estrutura da comunidade é uma conseqüência de têm sido propostos e críticas têm sido feitas. Discu-
chances de eventos que acumulam ao longo do tempo timos esses pontos nos tópicos a seguir.
e espaço, ao invés de um resultado da heterogeneidade
ambiental acoplado com adaptações ecológicas únicas IMPACTOS NA LITERATURA CIENTÍFICA
de diferentes espécies. Isso levanta uma interessante
questão a respeito da escala espacial na qual a teoria A TNB trouxe uma nova perspectiva acerca da
neutra é aplicável. dinâmica de comunidades naturais, sendo considerada
A suposição inicial é que a teoria neutra deva ser um paradigma na ecologia de comunidades por
aplicada às escalas espaciais relativamente pequenas alguns autores (por exemplo, Vanpeteghem et al.,
(Maurer & McGill 2004). Contudo, a teoria requer 2008). A repercussão na comunidade científica dessa
eventos de especiação para manter a diversidade da teoria foi gigantesca (Alonso et al. 2006). Como já
comunidade local em face à deriva ecológica e, na dito no tópico anterior, a TNB usa mesma estrutura
maioria das comunidades, a especiação deve ocorrer matemática da teoria neutra da genética de populações
através de grandes regiões do espaço geográfico para populações finitas (Kimura & Ohta 1971). Ao
(considerando, portanto, grandes metacomunidades) contrário desta teoria, a TNB teve uma repercussão
e em longos períodos do tempo ecológico. Dessa muito maior na literatura científica, tornando o livro
forma, a teoria neutra faz duas importantes predições. no qual o Hubbell apresentou formalmente a TNB
Primeiro, ela prediz que haverá um declínio na diver- (Hubbell 2001) um best seller na ecologia (Leigh
sidade de espécie ao longo do tempo. A taxa desse 2007). De fato, uma busca no portal virtual Scopus
decréscimo depende da taxa de dispersão dos indiví- revelou que Hubbell (2001) já foi citado 1.128 vezes
duos de fora da comunidade e, raramente, da taxa na desde 1999 (quando alguns autores já o citavam
qual novas espécies se originam dentro da comuni- como “no prelo”) até 03 de junho de 2008, segundo
dade local. Segundo, a teoria neutra prediz que haverá o site de busca Scopus (http://www.scopus.com).
um declínio (quantitativamente estimável) na simila- Esse número é altamente expressivo em ecologia. O
ridade da comunidade ao longo do espaço. A similari- artigo de George Evelin Hucthinson sobre o nicho
dade da comunidade em amostras em dois diferentes multidimensional, publicado em 1959 (42 anos antes
tempos decai com o tempo entre o aumento das amos- da publicação do livro do Hubbell), por exemplo, foi
tras, pois espécies se extinguirão e ocasionalmente citado 1.293 vezes.
serão substituídas por imigrantes de outras espécies. Segundo Garfield (1992), um hot paper é um
Mais importante, a teoria neutra pode ser usada para trabalho científico que se destaca em relação a
fazer predições quantitativas a respeito da taxa na qual outros publicados no mesmo periódico científico.
a diversidade de espécies e a similaridade da comuni- Apesar da TNB ter sido apresentada em um livro,
dade decai no espaço e no tempo (Chave 2004), além (portanto, o conceito de hot paper não se aplica a
de fornecer uma base para estimar a diversidade beta, esse tipo de publicação), o livro do Hubbell apresenta
considerando as taxas de extinção e especiação numa características de uma publicação que atraiu muita
comunidade (Munoz et al. 2008). atenção. Primeiro, o número de citações cresceu de
Como o estudo da biodiversidade tem se tornado forma conspícua entre 1999 até 2007 (Figura 2), não
cada vez mais central na ecologia e também tem apresentando nenhuma estabilização que poderia ser
chamado muita atenção para questões práticas como, interpretada como meia-vida das citações (Moed et
por exemplo, escolhas de áreas prioritárias para al. 1998). Isso sugere que essa publicação ainda está
conservação, a TNB pode representar uma importante repercutindo no meio científico.
ferramenta conceitual e analítica. A teoria ao buscar Em segundo lugar, quando comparado com as
entender padrões de biodiversidade, gera muitas citações de todos os artigos dos últimos 30 anos nos
predições com desdobramentos no contexto de conser- periódicos com maior expressão em ecologia (22
vação, além disso, suas bases chocam propostas ante- periódicos classificados nas categorias de assunto
riormente muito sedimentadas, como a importância “ecology” e “biodiversity conservation” do banco

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


712 CASSEMIRO, F.A.S. & PADIAL, A.A.

de dados do Thompson-ISI (http://www.scientific. características intrínsecas que afetam a citação dessas


thomson.com) com fator de impacto maior do que nove publicações: (i) esses artigos são mais antigos
três, calculado pelo JCR-2006, Tabela I), o livro do (Tabela II) e; (ii) trabalhos metodológicos (cinco
Hubbell, mesmo que publicado somente em 2001, está desses nove, ver Tabela II) devem ser mais citados
entre os trabalhos mais citados (Figura 3). Nesse caso, do que trabalhos conceituais, pois apresentam uma
somente nove artigos foram mais citados (Tabela II). maior aplicação em diferentes campos de pesquisa.
Além da qualidade e inovação desses artigos, o maior Essa comparação não é totalmente adequada
número de citações deve estar relacionado com duas devido ao fato de que um livro deve ter padrão de

Figura 2. Número de trabalhos que citaram Hubbell (2001) desde 1999 até 2007.
Figure 2. Number of articles citing Hubbell (2001) from 1999 to 2007.

Tabela I. Os 22 periódicos classificados nas categorias de assunto “ecology” e “biodiversity and conservation” do banco de dados do Thompson-ISI,
http://www.scientific.thomson.com, com fator de impacto maior do que três, segundo o JCR-2006.
Table I. The 22 journals included in the “ecology” and “biodiversity and conservation” subject categories of the Thompson-ISI database, http://www.
scientific.thomson.com, presenting impact factors higher than 3 (JCR-2006).

Número de artigos entre Fator de Impacto


Periódicos
1978 e 2008 (JCR-2006)
American Naturalist 3.202 4,66
Annual Review of Ecology and Systematics 291 9,78
Behavioral Ecology 1.675 3,06
Conservation Biology 3.073 3,76
Ecography 1.100 3,34
Ecology Letters 1.153 7,61
Ecological Monographs 513 7,10
Ecological Applications 2.188 3,47
Ecology 6.344 4,78
Evolution 4.077 4,29
Functional Ecology 2.099 3,42
Global Ecology and Biogeography 521 3,31
Global Change Biology 1.561 4,34
Journal of Animal Ecology 2.292 3,39
Journal of Applied Ecology 2.481 4,53
Journal of Ecology 2.225 4,24
Journal of Paleolimnology 1.140 3,02
Limnology and Oceanography 3.006 3,29
Molecular Ecology 3.786 4,83
Oecologia 8.914 3,33
Oikos 4.909 3,38
Trends Ecology and Evolution 2.399 14,13

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


TEORIA NEUTRA DA BIODIVERSIDADE E BIOGEOGRAFIA 713

Figura 3. Histograma mostrando a distribuição de citações de 56.709 artigos publicados nos periódicos com maior expressão em ecologia (22 periódicos
com fator de impacto maior do que 3, Tabela I) nos últimos 30 anos. Cada barra representa classes de citação de tamanho 20 (1° classe: 0-20 citações;
2° classe: 21-40 citações, assim por diante). As setas mostram o número de citações do artigo mais citado (Weir & Cockerham 1984, ver Tabela II) e de
alguns livros que apresentaram novos conceitos na Ecologia (ver Tabela III).
Figure 3. Histogram of the frequency distribution of citations to 56,709 articles that were published in highly-visible ecological journals (with impact
factor higher than 3, see Table I) over the last 30 years. Vertical bars represent citation classes with 20 citations (1st class: 0-20 citations; 2nd class:
21-40 citations, and so on). Arrows indicate citations to the most cited articles (Weir & Cockerham 1984, see Table II) and to books presenting new
concepts in Ecology (see Table III).

Tabela II. Os nove trabalhos publicados nos principais periódicos de ecologia (22 periódicos com fator de impacto maior do que três, ver Tabela 1) nos
últimos 30 anos que foram mais citados do que Hubbell (2001).
Table II. Nine published articles of leading ecological journals (with impact factor higher than 3, see Table I) over the last 30 years that were cited
more times than Hubbell (2001).

Ano de Número de
Título do trabalho Autores Periódico Tipo de trabalho
publicação citações
Estimating F-statistics for the B.S. Weir & C.C.
1984 Evolution 4.031 Metodológico
analysis of population structure Cockerham
Phylogenies and the comparative American
J. Felsenstein 1985 2.120 Metodológico
method Naturalist
Canonical correspondence
analysis: a new eigenvector
C.J.F. ter Braack 1986 Ecology 1.528 Metodológico
technique for multivariate direct
gradient analysis
The problem of pattern and scale
S.A. Levin 1992 Ecology 1.522 Conceitual
in ecology
Sources, sinks and population American
H.R. Pulliam 1988 1.439 Conceitual
regulation Naturalist
M. Clement, D.
TCS: A computer program to Molecular
Posada & K. A. 2000 1.251 Metodológico
estimate gene genealogies Ecology
Crandall
Modeling survival and testing
J.D. Lebreton, K.P.
biological hypotheses using Ecological
Burnham, J.C. & 1992 1.235 Metodológico
marked animals: a unified Monographs
D.R. Anderson
approach with case studies
Biological consequences of D.A. Saunders ,
Conservation
ecosystem fragmentation: a R.J. Hobbs & C.R. 1991 1.179 Conceitual
Biology
review Margules
Functional
Spatial scaling in ecology J.A. Wiens 1989 1.132 Conceitual
Ecology

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


714 CASSEMIRO, F.A.S. & PADIAL, A.A.

citações diferente do que artigos. Dessa forma, Além disso, esses 15 periódicos apresentam alto
para efeito de comparação, os números de citações fator de impacto (apenas um apresenta um fator de
de alguns livros (Tabela III) que tiveram grande impacto menor do que três, ver Figura 4). Esses
repercussão na comunidade científica e que também são bem maiores do que a mediana dos fatores de
apresentam novos conceitos estão mostrados na impacto dos periódicos indexados no banco de dados
Figura 3. Obviamente, quanto mais antigo o livro, Thompson-ISI classificados nas categorias de assunto
maior o número de citações. Isso pode explicar “ecology” e “biodiversity conservation”, segundo o
parte do alto número de citação nos livros “The JCR-2006 (mediana = 1,67).
ecological implications of body size” (Peters 1983), Esses resultados demonstram inequivocamente o
“The Theory of Island Biogeography” (MacArthur grande impacto da TNB na comunidade científica,
& Wilson 1967) e “Species Diversity in Space and principalmente na ecologia. De acordo com Leigh
Time” (Rosenzweig 1995), em relação ao livro sobre (2007), a ecologia ainda busca uma teoria sintética
TNB. Entretanto, apesar de ser mais recente, Hubbell para explicar os padrões de diversidade em ambientes
(2001) apresenta mais citações do que os livros naturais. A exclusão competitiva mediada pela
“Macroecology” (Brown 1995) e “Metapopulation seleção natural não é tão boa para explicar os
Biology: Ecology, Genetics, and Evolution” (Hanski padrões ecológicos quanto é para explicar os padrões
1999) (Figura 3, Tabela III). Isso reforça a suposição evolutivos (Leigh 2007). Nesse sentido a TNB seria
que o livro do Hubbell apresentou (e ainda apresenta) uma alternativa e razoavelmente plausível para
alta repercussão entre os ecólogos. explicar alguns padrões em ecologia e, por isso, teria
Uma outra forma de avaliar o impacto da se tornado tão popular entre os ecólogos. Além disso,
TNB é analisar as características dos artigos que apesar dos axiomas da TNB terem sido pouco aceitos
citaram o livro do Hubbell (1.128 artigos até 03 de pelos ecólogos, os adeptos dessa teoria simplesmente
junho de 2008, segundo o site Scopus, http://www. tentam, na maioria das vezes, explicar os padrões sem
scopus.com). Esses artigos foram publicados em a pretensão de identificar os processos que o geraram.
239 diferentes periódicos científicos, classificados Além disso, Leigh (2007) também ressalta que a TNB
em 21 categorias de assuntos diferentes, segundo constitui, muitas vezes, uma hipótese nula altamente
classificação do site Scopus. Isso sugere que a TNB útil para identificar os processos importantes na
teve impacto não somente na ecologia, mas em outros manutenção da diversidade nos ecossistemas.
campos da ciência. Obviamente, seu maior impacto A despeito disso, poucos esforços empíricos para
foi entre os ecólogos e conservacionistas, como validar a TNB foram realizados. Em uma meta-
mostrado na Figura 4. Essa figura revela que 11 dos análise, avaliando os resultados dos 1.018 trabalhos
15 periódicos nos quais mais artigos citaram Hubbell que citaram Hubbell (2001) desde sua criação até
(2001) têm um enfoque exclusivo para ecologia ou 2007 segundo a base de dados Scopus (http://www.
conservação da biodiversidade. Os outros quatro scopus.com), observamos que 18 trabalhos refutam e
periódicos apresentam um enfoque multidisciplinar. 35 corroboram TNB em estudos empíricos formais.

Tabela III. Alguns livros que apresentaram conceitos novos na Ecologia, juntamente com seus números de citações e anos de publicação.
Table III. Some books presenting new concepts in Ecology along with their current number of citations and publication years.

Ano de Número de
Título do Livro Autores
publicação citações
The Unified Neutral Theory of Biodiversity and
S.P. Hubbell 2001 1.128
Biogeography
The ecological implications of body size R.H. Peters 1983 1.575
The Theory of Island Biogeography R.H. MacArthur & E.O. Wilson 1988 3.013
Species Diversity in Space and Time M.L. Rosenzweig 1995 2.006
Macroecology J.H. Brown 1995 1.062
Metapopulation Biology, Ecology, Genetics, and
I. Hanski & M. Gilpin 1999 1.095
Evolution

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


TEORIA NEUTRA DA BIODIVERSIDADE E BIOGEOGRAFIA 715

Figura 4. Os 15 periódicos que publicaram artigos que mais citaram Hubbell (2001). Os números acima das barras indicam os fatores de impacto dos
periódicos. * indica quais periódicos têm enfoque para ecologia ou conservação da biodiversidade. Os outros periódicos têm enfoque multidisciplinar.
Ecol Lett = Ecology Letters; Amer Nat = American Naturalist; J Ecol = Journal of Ecology; PNAS = Proceedings of the National Academy of Sciences
of the United States of America; J Biogeo = Journal of Biogeography; J Veg Sci = Journal of Vegetation Science; PRSBS = Proceedings of the Royal
Society B: Biological Sciences; Glo Eco = Global Ecology; J Anim Eco = Journal of Animal Ecology.
Figure 4. Fifteen journals that published articles citing Hubbell (2001) many times. Numbers above the vertical bars indicate the impact factor of the
journals. Asterisks indicate journals focused on ecology and conservation of biodiversity. Other journals are multidisciplinary. Ecol Lett = Ecology
Letters; Amer Nat = American Naturalist; J Ecol = Journal of Ecology; PNAS = Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States
of America; J Biogeo = Journal of Biogeography; J Veg Sci = Journal of Vegetation Science; PRSBS = Proceedings of the Royal Society B: Biological
Sciences; Glo Eco = Global Ecology; J Anim Eco = Journal of Animal Ecology.

Também é possível observar um crescimento dos et al. 2003, Etienne 2005), ou seja, modelos que
estudos que concordam com a TNB, enquanto que os consideram o espaço, mas não utilizam a localização
que refutam não apresentam padrão temporal claro das populações ou comunidades locais. Nesse caso,
(Figura 5). Isso pode indicar que os pesquisadores as populações ou comunidades locais teriam o mesmo
estão encontrando predições condizentes com a TNB tamanho e seriam eqüidistantes. Nesse contexto,
na maioria dos estudos. Entretanto, outros estudos uma nova fórmula de amostragem com limitação de
devem ser realizados para esclarecer em quais dispersão, proposta por Etienne (2005) é um grande
condições a TNB é válida para explicar os padrões avanço à TNB (Alonso et al. 2006). Essa fórmula
de biodiversidade. Por exemplo, Gravel et al. (2006) estima a distribuição espécie-abundância para avaliar
defende que na verdade a teoria de nicho e a teoria o pool regional de espécies. Ela apresenta avanços
neutra não são mutuamente exclusivas. visto que é mais simples e rápida do que a fórmula de
Ewens (1972). Além disso, essa nova fórmula pode
AVANÇOS DA TEORIA NEUTRA DA BIODI- ser usada em métodos de máxima verossimilhança
VERSIDADE E BIOGEOGRAFIA para estimação de parâmetros, usando a informação
dos dados e para comparações entre modelos. Isso
Alonso et al. (2006) ressalta que a TNB tem muitos serviria para avaliar se o pool regional de espécies
méritos e é altamente relevante, pois significa uma é determinado por extinção e especiação, como
tentativa de aproximação à realidade. A TNB é uma proposto pela TNB.
teoria básica que tem as ferramentas necessárias para Poucos trabalhos também utilizam modelos espa-
o desenvolvimento de pressupostos mais complexos cialmente explícitos (que consideram as distâncias
(Alonso et al. 2006). Por exemplo, os trabalhos entre populações ou comunidades) na avaliação da
avaliando a TNB comumente utilizam modelos TNB (por exemplo, Chave & Leigh, 2002). A utili-
espacialmente implícitos (por exemplo, Volkov zação em si desses modelos já pode ser considerada

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


716 CASSEMIRO, F.A.S. & PADIAL, A.A.

Figura 5. Número de artigos que refutam e corroboram a TNB em testes empíricos desde a publicação do livro de Hubbell (Hubbell 2001) até 2007.
Figure 5. Number of articles attacking and supporting NTB based on experimental results since the publication of the book by Hubbell (2001).

um avanço à TNB. Por exemplo, com modelos espa- espécies do mesmo nível trófico não deve ser questio-
cialmente explícitos, o papel de processos estocás- nada (Hubbell 2005). A despeito disso, alguns autores
ticos explicando padrões macroecológicos da riqueza questionam o impacto desse pressuposto falho para as
de espécies pode ser testado (Rangel & Diniz-Filho predições da TNB (Chave 2004). Talvez, a questão
2005). Utilizando modelos espacialmente explícitos central proposta por Hubbell seja, na verdade, se o
em florestas tropicais úmidas, Condit et al. (2002) nicho determina a estrutura das comunidades ou se
não obteve nenhum resultado conclusivo acerca essas são determinadas principalmente por dispersão e
das predições da TNB. Em contrapartida, Alonso et probabilidade de chegada ao local. Apesar do pressu-
al. (2006) concluiu que as comunidades ecológicas posto falho, essa questão tem um enfoque puramente
se comportam de uma maneira neutra apenas em instrumentalista, visto que Hubbell observou que a
algumas escalas espaciais. estrutura de muitas comunidades pode ser explicada
simplesmente pela probabilidade de chegada relacio-
CRÍTICAS À TEORIA NEUTRA DA BIODI- nada a limitações na dispersão das espécies. Nesse
VERSIDADE E BIOGEOGRAFIA sentido, as espécies “funcionariam” como equivalentes
em relação as suas restrições ambientais, ou seja, seus
Apesar de apresentar vários avanços, essa teoria nichos ecológicos (Hubbell 2005).
tem sido duramente criticada por muitos autores. Além A despeito disso, as predições da TNB não têm
disso, algumas evidências empíricas refutam a TNB sido corroboradas em vários estudos. Por exemplo,
(por exemplo, McGill et al. 2006, Dornelas et al. 2006). McGill et al. (2006) afirma que as duas predições
A principal crítica à TNB é em relação ao seu principal centrais da TNB são pouco corroboradas em testes
axioma: as espécies são adaptativamente equivalentes, empíricos. Entretanto, encontramos mais trabalhos que
contrariando o conceito de divergência adaptativa dos corroboram a TNB (ver Figura 1). McGill et al. (2006)
caracteres de Darwin (Leigh 2007). As diferentes espé- mostraram que a distribuição das abundâncias é mais
cies de fato respondem diferentemente as mudanças robustamente modelada pela estratégia tradicional,
ambientais (Condit et al. 1996) e, portanto, são adap- através de uma curva log-normal, do que a predição
tadas a diferentes habitats (Fine et al. 2004). Essas da TNB, chamada de zero sum assumption. Da mesma
diferenças representam inequivocamente divergências forma, a predição que a composição de comunidades
adaptativas entre as espécies. Isso é consenso na comu- muda ao longo do tempo de acordo com limitações
nidade científica (Leigh 2007), e até mesmo Hubbell na dispersão, gerando uma autocorrelação espacial
concorda que a existência de nichos ecológicos entre na composição de espécies (segundo pressuposto da

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


TEORIA NEUTRA DA BIODIVERSIDADE E BIOGEOGRAFIA 717

TNB) também não tem sido comprovada na maioria hipóteses alternativas e nulas são confrontadas, e não
dos estudos (McGill et al. 2006). no sentido amplo, no qual a hipótese nula se refere aos
Além disso, Ricklefs (2006) argumenta que as processos mecanicistas baseados em estocasticidade.
predições da TNB sobre a substituição de espécies Nesse sentido, um grande avanço na ecologia é
entre locais (beta-diversidade) e sobre a distribuição a utilização de inferências a partir de comparação
das abundâncias de espécies só são válidas quando entre modelos, ao invés da utilização de hipóteses
a taxa de especiação é estimada independentemente nulas. Platt (1964) afirma que esse processo leva a
(ao contrário da TNB, que não considera essa taxa). uma inferência robusta quando comparada aos testes
Esse autor, em um esforço empírico, observou clássicos de hipóteses alternativas e nulas de Fisher.
que a substituição de espécies em pools regionais Nesse caso, modelos baseados na teoria neutra seriam
acontece muito rapidamente para ser explicada diretamente comparados a modelos baseados no nicho,
somente por processos mecanicistas estocásticos e os no intuito de avaliar qual é o melhor para explicar um
indivíduos são demasiadamente numerosos para que conjunto de dados. Para tal, ferramentas baseadas na
as populações desapareçam somente por deriva em teoria da informação (Burnham & Anderson 2004,
um tempo conveniente. Considerando tanto o modelo Johnson and Omland 2004, Stephens et al. 2007) e
de especiação por mutação (point mutation mode) em estatística Bayesiana (Ellison 1996, 2004) estão
quanto o de especiação por subdivisão de espécies disponíveis aos ecólogos. Essas permitem testar
alopátricas através de vicariância (random fission simultaneamente múltiplas hipóteses (Johnson and
mode), Ricklefs (2006) refuta a TNB. Omland 2004), o que poderia revelar se o modelo
Finalmente, McGill et al. (2006) questiona neutro é mais adequado que modelos baseados em
Hubbell (2001) acerca do fato que esse autor nicho para explicar os padrões na natureza. Até o
considera a TNB como uma “teoria unificada da momento, poucos estudos utilizaram essa abordagem
biodiversidade e biogeografia”, ou seja, uma teoria (McGill et al. 2006) e esse ainda é um caminho longo
aplicável a todos os organismos e em todas as escalas. a ser trilhado.
Segundo McGill et al. (2006), o caráter universal da Adicionalmente, testes empíricos podem ser
TNB não é adequado e é possível que essa teoria valiosos para identificar quais organismos mostram
seja apenas aplicável em alguns grupos taxonômicos neutralidade, e em quais escalas espaciais (McGill et
e em escalas espaciais intermediárias (em pequenas al. 2006). De fato, uma teoria neutra espacialmente
escalas certos indivíduos de uma espécie respondem a explícita, elegante e geral, pode proporcionar uma base
fatores ambientais, e em macro-escala, características essencial para testes empíricos e desenvolvimento
climáticas definem biomas). Além disso, o tamanho teórico na ecologia, assim como um melhor
populacional também pode afetar a validade da TNB, entendimento da conservação das dinâmicas espacial
refutando ainda mais sua “universalidade”. e temporal da biodiversidade.

O FUTURO DA TEORIA NEUTRA DA BIODI- AGRADECIMENTOS: Agradecemos as valiosas sugestões do Dr.


J.A.F. Diniz-Filho e de dois revisores anônimos durante as primeiras
VERSIDADE E BIOGEOGRAFIA versões desse manuscrito. F.A.S. Cassemiro e A.A. Padial recebem bolsas
de doutorado da CAPES e são gratos a essa agência.
Segundo Leigh (2007), TNB pode ser considerada
uma pedra fundamental para uma teoria sintética mais REFERÊNCIAS
realista na ecologia. A teoria neutra pode facilitar
o desenvolvimento de hipóteses nulas testáveis na ALONSO, D.; ETIENNE R.S. & McKANE A.J. 2006. The
ecologia de comunidades, biogeografia e biologia da merits of neutral theory. Trends in Ecology and Evolution,
conservação, particularmente em comunidades nas 21: 451-457.
quais as características espaciais explícitas ou barreiras BELL, G. 2000. The distribution of abundance in neutral
geográficas desempenham um papel importante (Hu communities. American Naturalist, 155: 606-617.
et al. 2006). É importante ressaltar que a teoria neutra BELL, G. 2001. Neutral macroecology. Science, 293: 2413-2418.
funciona como uma hipótese nula somente quando BROWN, J.H. 1995. Macroecology. University of Chicago Press,
nos referimos as inferências estatísticas nas quais Chicago. 284p.

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


718 CASSEMIRO, F.A.S. & PADIAL, A.A.

BURNHAM, K.P & ANDERSON, D.R. 2004. Multimodel GRAVEL, D.; CANHAM, C.D.; BEAUDET, M. & MESSIER
inference: understanding AIC and BIC in model selection. C. 2006. Reconciling niche and neutrality: The continuum
Sociological Methods and Research, 33: 261-303. hypothesis. Ecology Letters, 9: 399-409.
COCKERHAM, C.C. & WEIR, B.S. 1984. Covariances of HANSKI, I.A. & GILPIN, M.E. 1997. Metapopulation biology,
relatives stemming from a population undergoing mixed self ecology genetics and evolution. Academic Press, San Diego.
and random mating. Biometrics, 40: 157-164. 512p.
CHAVE, J. & LEIGH, E.G. 2002. A spatially-explicit model HU, X.S.; HE, F.L & HUBBELL, S.P. 2006. Neutral theory in
of betadiversity in tropical forests. Theory in Population macroecology and population genetics. Oikos, 113: 548-556.
Biology, 62: 153-168. HUBBELL, S.P. 2005. The neutral theory of biodiversity and
CHAVE, J. 2004. Neutral theory and community ecology. biogeography and Stephen Jay Gould. Paleobiology, 31:
Ecology Letters, 7: 241-253. 122-132.
Condit, R.P.; Hubbell, S.P.; Lafrankie, J.V.; Sukumar, R.; HUBBELL, S.P. 2001. The unified neutral theory of biodiversity
Manokaran, N.; Foster, R.B. & Ashton, M. S. 1996. Species- and biogeography. Princeton University Press, New Jersey.
area and species-individual relationships for tropical trees: 396p.
A comparison of three 50-ha plots. Journal of Ecology, 84: HUTCHINSON, G.E. 1957. Population studies – animal ecology
549-562. and demography – concluding remarks. Cold Spring Harbor
CONDIT, R.P.; PITMAN, N.; LEIGH, E.G.; CHAVE, J.; Symposia on Quantitative Biology, 22: 415-427.
TERBORGH, J.; FOSTER, R.B.; NÚÑEZ, P.; AGUILAR, JOHNSON, J.P. & OMLAND, K.S. 2004. Model selection in
S.; VALENCIA, R.; VILLA, G.; MULLER-LANDAU, ecology and evolution. Trends in Ecology and Evolution 19:
H.C.; LOSOS, E. & HUBBELL, S.P. 2002. Beta diversity in 101-108.
tropical forest trees. Science, 295: 666-669. KARLIN, S. & NEVO, E. 1976. Population Genetics and
DE MARCO JR, P. 2006. Um longo caminho até uma teoria unifi- Ecology. Academic Press, New York. 832p.
cada para a Ecologia. Oecologia Brasiliensis, 10: 120-126. KIMURA, M. & OHTA, T. 1974. On Some Principles Governing
DORNELAS, M.; CONNOLLY, S.R. & HUGHES, T.P. 2006. Molecular Evolution. Proceedings of the National Academy
Coral reef diversity refutes the neutral theory of biodiversity. of Sciences of the United States of America, 71: 2848-2852.
Nature, 440: 80-82. LEIGH, E.G. 2007. Neutral theory: a historical perspective.
ELLISON, A.M. 1996. An introduction to Bayesian inference Journal of Evolutionary Biology, 20: 2075-2091.
for ecological research and environmental decision-making. LEVIN, S.A. 1992. The problem of pattern and scale in ecology.
Ecological Applications, 6: 1036-1046. Ecology, 73: 1943-1967.
ELLISON, A.M. 2004. Bayesian inference in ecology. Ecology MACARTHUR, R.R. & WILSON, E.O. 1967. The theory of
Letters, 7: 509-520. island biogeography. Princeton University Press, New Jersey.
ENGEN, S. & LANDE, R. 1996. Population dynamics models 224p.
generating species-abundance distributions of the gamma MAURER, B.A. & MCGILL, B.J. 2004. Neutral and non-neutral
type. Journal of Theoretical Biology, 178: 331-355. macroecology. Basic and Applied Ecology, 5: 413-422.
ETIENNE, R.S. 2005. A new sampling formula for neutral MAY, R.M. Patterns of species abundance and diversity. In
biodiversity. Ecology Letters, 8: 253-260. Cody, M.L & Diamond, J.M. Ecology and evolution of
EWENS, W. 1972. The sampling theory of selectively neutral communities. Belknap Press of Harvard University Press.
alleles. Theory in Population Biology, 3: 87-112. Cambrdge, Massachussets. 81-120p.
EWENS, W. 1979. Testing the generalized neutrality hypothesis. MCGILL, B.; MAURER, B.A & WEISER, M.D. 2006. Empirical
Theory in Population Biology, 15: 205-216. evaluation of neutral theory ecology. Ecology, 8: 1411-1423.
FINE, P.V.A.; MESONES, I. & COLEY, P.D. 2004. Herbivores MOED, H.F.; VAN LEEUWEN, T.N. & REEDIJK, J. 1998. A
promote habitat specialization by trees in amazonian forests. new classification system to describe the ageing of scientific
Science, 305: 663-665. journals and their impact factors. Journal of Documentologia,
GARFIELD, E. 1992. Contract research services at ISI – citation 54: 387-419.
analysis for governmental, industrial, and academic clients. MUNOZ, F.; COUTERON, P. & RAMESH, B.R. 2008. Beta
Essays for Informatic Sciences, 15: 75-83. Diversity in Spatially Implicit Neutral Models: A New Way
GOTELLI, N.J. & MCGILL, B.J. 2006. Null versus neutral to assess Species Migration. American Naturalist, 172:
models: What’s the difference? Ecography 29: 793-800. 116-127.

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008


TEORIA NEUTRA DA BIODIVERSIDADE E BIOGEOGRAFIA 719

PLATT, J.R. 1964. Strong inference. Science, 146: 347-353.


PETERS, R.H. 1983. The ecological implications of body size.
Cambridge University Press, New York. 329p.
RANGEL, T.F.L.V.B. & DINIZ-FILHO, J.A.F. 2005. Neutral
community dynamics, the mid-domain effect and spatial
patterns in species richness. Ecology Letters, 8: 783-790.
RICKLEFS, R.E. & SCHLUTER, D. 1993. Species diversity:
regional and historical influences. Pp 350-363. In: R.E.
Ricklefs & D. Schluter, (eds.), Species diversity in ecological
communities: historical and geographical perspectives.
University of Chicago Press, Chicago. 432p.
RICKLEFS, R.E. 2006. The unified neutral theory of biodiversity:
do the numbers add up? Ecology, 87: 1424-1431.
ROSENZWEIG, M.L. 1995. Species diversity in space and time.
Cambridge University Press. New York. 451p.
STEPHENS, P.A.; BUSKIRK, S.W.; HAYWARD, G.D. & DEL
RIO, C.M. 2007. A call for statistical pluralism answered.
Journal of Applied Ecology, 44: 461-463.
VANPETEGHEM, D.; ZEMB, O. & HAEGEMAN, B. 2008.
Dynamics of neutral biodiversity. Mathematical Biosciences,
212: 88-98.
VOLKOV, I.; BANAVAR, J.R.; HUBBELL, S.P. & MARITAN,
A. 2003. Neutral theory and relative species abundance in
ecology. Nature, 424: 1035-1037.
ZHOU, S. & ZHANG, D. 2008. Neutral theory in community
ecology. Frontiers of Biology in China, 3: 1-8.

Submetido em 20/08/2008.
Aceito em 17/11/2008.

Oecol. Bras., 12 (4): 706-719, 2008

Vous aimerez peut-être aussi