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Dados vol. 40 no.

1 Rio de Janeiro 1997

http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581997000100006

Uma Polêmica Esquecida: Costa Pinto, Guerreiro Ramos


e o Tema das Relações Raciais*

Marcos Chor Maio

INTRODUÇÃO

Os estudos que abordam a produção acadêmica sobre as relações raciais no Brasil


depois da Segunda Guerra Mundial têm como ponto de partida as pesquisas
patrocinadas pela UNESCO no início dos anos 50. Realizado em Pernambuco, Bahia,
São Paulo e Rio de Janeiro, o Projeto UNESCO de Relações Raciais atraiu uma
plêiade de cientistas sociais que se, por um lado, se encontravam em momentos
distintos de suas respectivas carreiras profissionais,1 por outro, eliminaram
consensualmente no âmbito das ciências sociais qualquer associação determinista
entre características físicas, comportamentos sociais e atributos morais, ainda em
voga na década de 30.

A contribuição desses pesquisadores para o entendimento do intercurso étnico no


Brasil e, em termos mais abrangentes, para o desenvolvimento das ciências sociais
no país, não se deu de modo uniforme. As investigações realizadas na Bahia e em
São Paulo alcançaram maior repercussão, até mesmo em termos internacionais, do
que aquelas levadas a efeito no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Imagens do
Brasil  como o suposto padrão-ótimo de relações raciais existentes na Bahia  ,
processos distintos de institucionalização das ciências sociais, a presença de
pesquisadores estrangeiros e as especificidades das regiões pesquisadas, podem
ser consideradas algumas das variáveis intervenientes na ressonância diferenciada
dos produtos finais.

O caso do Rio de Janeiro é, no mínimo, instigante e intrigante. O então Distrito


Federal, nas décadas de 40 e 50, foi sede de encontros do movimento negro e
morada de alguns dos mais importantes intelectuais que lidaram com a temática
negra, como Aydano Couto Ferraz, Édison Carneiro, Arthur Ramos e,
posteriormente, Luiz de Aguiar Costa Pinto e Alberto Guerreiro Ramos. Além disso,
foi o centro de atuação do Teatro Experimental do Negro, movimento político-
cultural criado no apagar das luzes do Estado Novo por Abdias Nascimento.

O objetivo deste artigo é resgatar as reflexões sobre o tema das relações raciais de
dois sociólogos baianos radicados no Rio de Janeiro, a partir de suas trajetórias
sociais e intelectuais. Trata-se de Luiz de Aguiar Costa Pinto e Alberto Guerreiro
Ramos. A escolha desses cientistas sociais, com destacada participação no campo
das ciências sociais no Brasil entre 1945 e 1964, se deve não só à importância de
suas respectivas obras, mas, também, à polêmica que se criou entre os mesmos
em torno da questão dos intercursos étnicos.
A face mais visível do confronto teve como fórum privilegiado a grande imprensa da
época. Em um primeiro momento, a controvérsia poderia ser confundida com uma
mera questão pessoal; no entanto, uma leitura mais cuidadosa das origens sociais
e raciais dos dois intelectuais, de suas trajetórias profissionais e abordagens sobre
o tema em questão, revela que seus respectivos enfoques sobre as relações raciais,
afora importantes implicações políticas, pertenciam a dois padrões distintos de
trabalho sociológico. Nesse sentido, é importante destacar que os dois sociólogos,
de modos variados, ao lidarem com os intercursos raciais, trataram também da
mudança social e do processo de desenvolvimento do país, questões obrigatórias à
época.

TRAJETÓRIAS CRUZADAS

Desde o século XIX, a Bahia começou a perder prestígio econômico e político


(Mattoso, 1992), tendo papel secundário no concerto oligárquico da República
Velha. De certo modo, esse cenário destoava da visibilidade adquirida por
intelectuais e políticos atuantes em Salvador.

No campo intelectual-científico, a Bahia da virada do século deixou como marcas


importantes dois programas de pesquisa voltados para a constituição de uma
medicina nacional. O primeiro deles, referente às investigações sobre as doenças
tropicais que assolavam o país, foi desenvolvido pela denominada Escola
Tropicalista Baiana, a partir de 1860, e absorvido nos anos 1880 pela Faculdade de
Medicina da Bahia (Peard, 1990). A segunda linha de trabalho, sob o invólucro da
medicina legal, foi liderada pelo médico e antropólogo maranhense, radicado em
Salvador, Raimundo Nina Rodrigues. Influenciado pela antropologia física da época,
de matriz racialista, Nina Rodrigues  cujos estudos etnográficos tiveram
importantes implicações políticas e culturais  atendeu à demanda de Sylvio
Romero de considerar o negro como objeto da ciência. No plano político,
estabeleceu intensa polêmica com os liberais em torno da necessidade de se
relativizar a responsabilidade penal conforme o grupo racial. Diante da suposta
superioridade dos brancos e da também suposta incapacidade relativa dos negros,
era necessário tratar diferenciadamente os desiguais. No âmbito da cultura, o
médico legista resgatou uma série de conhecimentos, que viriam a constituir
interesse crescente na década de 30: os cultos afro-brasileiros (Corrêa, 1982;
Ramos, 1940 [1934]; 1942; Maio, 1995).

Após a Revolução de 30, a derrotada elite política baiana não ofuscou a presença de
importantes intelectuais baianos, ou que viviam na Bahia, como Arthur Ramos,
Jorge Amado, Édison Carneiro, Aydano Couto Ferraz, Thales de Azevedo, e de
outros que iniciavam suas carreiras como Afrânio Coutinho, Rômulo de Almeida e
Alberto Guerreiro Ramos. Eles não ficaram imunes à radicalização política dos anos
30, optando ora pela vertente comunista, ora pela católica ou integralista (Oliveira,
1995a, p. 23). Alguns deles, como Arthur Ramos, Édison Carneiro e Aydano Couto
Ferraz organizaram o 2º Congresso Afro-Brasileiro, em 1937, que se pautaria pela
ênfase nos constructos raciais, especialmente a raça negra, destacando as
características intrínsecas às raças (físicas e psíquicas), as "sobrevivências"
culturais e religiosas, os processos de aculturação.

O 2º Congresso foi um indicador preciso da transformação da Bahia em um


laboratório de estudos étnicos, atraindo a atenção de diversos antropólogos
estrangeiros, como Roger Bastide, Pierre Verger, Melville Herskovits, Franklin
Frazier, Ruth Landes e Donald Pierson (Massi, 1989).
Costa Pinto chegou ao Rio de Janeiro em 1937 e Guerreiro Ramos em 1939. Os dois
encontraram-se na primeira turma de ciências sociais da recém-criada Faculdade
Nacional de Filosofia (1939), da Universidade do Brasil.

Luiz de Aguiar Costa Pinto, nascido em Salvador em 6 de fevereiro de 1920, era


filho de família abastada, proprietária de engenhos no Recôncavo baiano. Seu avô
foi senador da República e o pai diplomou-se em medicina, tendo trabalhado com
Nina Rodrigues na Faculdade de Medicina da Bahia e ocupado o cargo de diretor da
instituição. Com a morte do pai, Costa Pinto abandonou o segundo ano do pré-
médico, antigo curso secundário, e preparou-se para entrar na Faculdade de
Direito. Em 1937, veio com parte da família  mãe e dois irmãos  para o Rio de
Janeiro. O futuro sociólogo envolveu-se no movimento estudantil e militou na
Juventude Comunista. Em 1939, por conta de sua atividade política
antiestadonovista permaneceu preso durante oito meses (Costa Pinto, 1989).

Alberto Guerreiro Ramos nasceu em Santo Amaro da Purificação, cidade próxima a


Salvador, em 13 de setembro de 1915. De família humilde, passou parte da
infância em cidades pobres e próximas ao rio São Francisco, como Januária,
Pirapora, Petrolina e Juazeiro. Com onze anos de idade, já em Salvador, empregou-
se como lavador de frascos em uma farmácia, tornando-se caixeiro,
posteriormente. Com o apoio da mãe fez o curso secundário no Ginásio da Bahia e
para ajudar no orçamento familiar deu aulas particulares enquanto fazia o curso.
Aos dezessete anos já participava do ambiente cultural da classe média baiana,
escrevendo em O Imparcial e em revistas literárias. Antes de deixar a Bahia,
publicou dois livros: O Drama de Ser Dois e Introdução à Cultura. Foi militante do
movimento integralista e, em seguida, do Centro de Cultura Católico. Amigo de
Afrânio Coutinho, Guerreiro Ramos trabalhou para Isaías Alves, político e intelectual
de grande influência na área da educação, futuro secretário de Educação do Estado
da Bahia, criador da Faculdade de Filosofia da Bahia, e irmão do interventor do
estado, Landulfo Alves. Em 1939, com uma bolsa de estudos do governo baiano,
migrou para o Rio de Janeiro para cursar ciências sociais (Oliveira, 1995a;
Nascimento, 1950).

A Universidade do Brasil, projeto do então ministro da Educação e Cultura, Gustavo


Capanema, surgiu das cinzas da curta e inovadora experiência da Universidade do
Distrito Federal  UDF. Projeto ousado de Anísio Teixeira, chancelado pela gestão
popular de Pedro Ernesto (Vieira, 1982; Conniff, 1981), a UDF procurou associar
ensino e pesquisa à formação de professores secundários (Barbosa, 1996). A
derrota do projeto político-social de Anísio Teixeira e Pedro Ernesto após a Revolta
Comunista de 1935 e a competição com o plano educacional do ministro Gustavo
Capanema, impediram o desenvolvimento da proposta educacional da UDF, que
veio a ser definitivamente fechada em 1938, um ano após o início da experiência
centralizadora e autoritária do Estado Novo.

Quanto à Faculdade Nacional de Filosofia  FNFi, ela foi criada no início da ditadura
varguista sob forte influência católica e de remanescentes do integralismo. Alguns
integrantes da antiga UDF foram absorvidos pela nova estrutura, como foi o caso
de Arthur Ramos, assim como os professores franceses Jacques Lambert, de
sociologia, e André Gross, de ciência política, entre outros (Paim, 1982;
Schwartzman et alii, 1984, pp. 214-219).

Durante os anos 40 e parte dos 50, o curso de ciências sociais da FNFi esteve
essencialmente voltado para o ensino. A frágil vinculação entre ensino e pesquisa
no campo das ciências sociais no Rio de Janeiro pode ser ilustrada pelo depoimento
de Costa Pinto: "a pesquisa era uma aspiração. Nunca houve pesquisa
propriamente. O [Arthur] Ramos fazia alguma coisa, mas de uma maneira muito
individual. Era dele, não era da faculdade" (Costa Pinto, 1989, p. 14).

Em 1942, ao terminar o curso, Costa Pinto foi convidado para ser assistente de
Jacques Lambert na cadeira de sociologia. Suas afinidades profissionais com o
professor francês resultaram na publicação de dois livros:Problèmes
Démographiques Contemporains (Lambert e Costa Pinto, 1944) e Lutas de Famílias
no Brasil (Costa Pinto, 1949b), estudo monográfico sobre o poder privado no Brasil
colonial. Costa Pinto publicou, ainda, diversos artigos na revista Sociologia, da
Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, concernentes ao ensino das
ciências sociais e sobre aspectos teóricos e empíricos da pesquisa sociológica
(Costa Pinto, 1941; 1944; 1946; 1947; 1948; 1949a; 1950).

Em 1946 passou a acumular o cargo de professor da Faculdade Nacional de


Ciências Econômicas, da Universidade do Brasil. Ainda nos anos 40, publicou
artigos no famoso suplemento literário do Diário de Notícias, tendo desenvolvido
pesquisas nas áreas de demografia e sociologia das profissões na Divisão de
Pesquisas do Instituto Mauá.

Guerreiro Ramos teve trajetória diversa. Em 1942 foi preterido tanto na cadeira de
sociologia como na de ciência política. Em seu lugar, Victor Nunes Leal tornou-se
professor-assistente de André Gross. Na sua versão dos fatos, Guerreiro Ramos
alega que seu passado integralista no contexto da Segunda Guerra Mundial e de
aproximação do Brasil das Forças Aliadas prejudicou a continuação da sua vida
acadêmica na universidade. O diretor da Faculdade, San Thiago Dantas, outro ex-
integralista, conseguiu um emprego de professor para o sociólogo baiano no
Departamento Nacional da Criança (Oliveira, 1995a, pp. 140-141).

Distante da carreira universitária, Guerreiro Ramos tornou-se técnico de


administração do Departamento de Administração do Serviço Público  DASP em
1943, numa fase em que se procurava racionalizar a ação do poder estatal. Da
universidade para a burocracia estatal: esta foi a solução, que, todavia, parece ter
deixado marcas profundas em Guerreiro Ramos.

Afora as demandas administrativas de um órgão do porte do DASP, Guerreiro


Ramos canalizou suas energias intelectuais para uma série de artigos de cunho
sociológico na Revista do Serviço Público. Nela encontram-se estudos sobre Weber,
Mannheim, W. I. Thomas e outros sociólogos consagrados à época. Em 1949, a
pedido do Conselho de Colonização e Imigração, elabora, em parceria com Ewaldo
Garcia, um trabalho acerca das literaturas sociológica e antropológica existentes no
Brasil entre 1940 e 1949. Trata-se da primeira de uma série de pesquisas,
ampliadas nos anos 50, sobre a intelectualidade brasileira, seu papel social e
político e sua produção. Naquele mesmo ano, inicia sua atuação política no Teatro
Experimental do Negro  TEN, movimento étnico criado no final do Estado Novo.

No começo dos anos 50, com a volta de Getulio Vargas ao poder, Guerreiro Ramos,
como funcionário do DASP, foi convidado a trabalhar na assessoria econômica do
gabinete civil da Presidência da República junto com Rômulo de Almeida, Jesus
Soares Pereira e Inácio Rangel. Ao analisar esse período afirma que sua
participação no governo Vargas foi de suma importância para sua compreensão do
Brasil (Oliveira, 1995a, p.147).

Costa Pinto e Guerreiro Ramos, dois baianos que vieram para o Rio de Janeiro na
mesma corrente migratória de vários intelectuais dos anos 30: o primeiro, branco e
típico exemplo da elite baiana; o segundo, mulato e pobre, que aos poucos foi
ascendendo socialmente. Um na universidade, outro no Poder Executivo, Costa
Pinto e Guerreiro Ramos iriam se encontrar no debate sobre as relações raciais no
Brasil na década de 50.

COSTA PINTO NO CIRCUITO INTERNACIONAL

No final de 1949, Costa Pinto foi convidado pelo seu ex-professor Arthur Ramos,
recém-empossado no cargo de diretor do Departamento de Ciências Sociais da
UNESCO, para participar de um encontro em Paris sobre a questão racial.

A partir de uma demanda da ONU, a UNESCO decidiu, em sua Conferência Geral de


1949, estabelecer um programa de atividades de combate ao racismo para o ano
de 1950. Esta política se desenvolveu em diversos planos: debates científicos,
estudos sobre relações raciais em vários países, publicação de livros e artigos em
revistas especializadas, e programas educacionais utilizando os meios de
comunicação de massa.

Entre as múltiplas iniciativas implementadas pela UNESCO, cabe registrar


especialmente a tentativa de se criar um conceito científico de raça que pudesse se
contrapor às matrizes racialistas vigentes que levaram, em última instância, ao
genocídio nazista. Para tanto, a UNESCO convocou, em dezembro de 1949, em
Paris, um grupo de sociólogos, antropólogos, físicos e culturais entre os quais,
Costa Pinto, Ashley Montagu, Lévi-Strauss, Juan Comas, Morris Ginsberg e outros
(UNESCO, 1952).

A primeira Declaração sobre a Raça só veio a ser publicada em maio de 1950, por
ocasião da 5ª Conferência Geral da UNESCO, em Florença. O tópico mais polêmico
da Declaração foi o questionamento radical da validade científica do conceito de
raça. A intervenção de Costa Pinto na reunião de Paris de 1949 indica, em boa
medida, as dúvidas quanto à aplicabilidade desse conceito para o entendimento das
desigualdades étnicas existentes no mundo. Suas indagações referiam-se à
natureza econômica e política dessas relações e a uma de suas mais importantes
manifestações: a discriminação racial. Para o sociólogo, raça não seria uma variável
independente na dinâmica dos conflitos étnicos, tendo íntima relação com a
dominação em uma sociedade de classes e, em escala mundial, com o poder do
imperialismo (Costa Pinto, 1950, p.17). As diversas formas de perpetuação das
disparidades sociais criariam" mecanismo[s] ideológico[s] pelo[s] qual[is] se
formam os preconceitos de raça, mesmo quando se apresentam como
etiquetas soi-disant científicas" (ibidem).

A participação no fórum da UNESCO lançou Costa Pinto no circuito internacional das


ciências sociais e ampliou sua visibilidade no cenário nacional. No 1º semestre de
1950, o sociólogo baiano foi convidado por Anísio Teixeira e Charles Wagley para
participar do Projeto Columbia University/Estado da Bahia, proposto por Anísio
Teixeira, então secretário de Educação e Saúde do governo Otavio Mangabeira.
Esse projeto tinha por objetivo apresentar subsídios de natureza sociológica e
antropológica colhidos em alguns municípios do interior da Bahia com o intuito de
implementar um processo de modernização dessas áreas nas esferas da saúde, da
educação e da administração pública. Diversos estudos de comunidade foram
realizados por cientistas sociais americanos e brasileiros tendo à frente Charles
Wagley e seus alunos de doutorado em Columbia (Harry William Hutchinson, Marvin
Harris, Benjamin Zimmerman), além de Thales de Azevedo e alguns auxiliares
(Wagley et alii, 1950). Costa Pinto prestou assessoria ao projeto não só na
formulação teórica do mesmo (idem, pp. 8-9), como também nos encontros com os
pesquisadores que traziam relatórios de seus respectivos trabalhos de campo
(Costa Pinto, 1989, pp. 26-28).

Em agosto de 1950, junto com outros sociólogos e antropólogos  Darcy Ribeiro,


Roger Bastide, Guerreiro Ramos, Édison Carneiro  , Costa Pinto participou dos
debates do 1º Congresso do Negro Brasileiro, evento organizado pelo Teatro
Experimental do Negro (Nascimento, 1982). Em abril de 1951, incorporou-se ao
projeto sobre relações raciais no Brasil patrocinado pela UNESCO. A partir da
resolução nº 3.22, aprovada pela Conferência Geral dessa instituição em maio de
1950, o Brasil foi escolhido como lugar privilegiado para a realização de uma
pesquisa sobre intercursos étnicos. Esta resolução propunha organizar

"[...] au Brèsil d'une enquête-témoin concernant les contacts entre races ou entre
les groupes éthniques, en vue de déterminer les facteurs économiques, politiques,
culturels et psychologiques favorables ou défavorables aux bonnes relations entre
ces races ou ces groupes éthniques" (UNESCO, 1950a).

A imagem positiva do Brasil no terreno das relações raciais já vinha sendo cultivada
no plano internacional desde o início do século, especialmente pelos americanos
(Hellwig, 1992; Pierson, 1945). Essas interpretações do Brasil forjadas por
brasileiros e estrangeiros reforçavam a visão do país como uma democracia racial,
especialmente nos anos 30, 40 e 50. A título de ilustração podemos citar as obras
de Gilberto Freyre (1980[1933]) e Donald Pierson (1945). Além disso, é sugestivo
pensar que depois do genocídio nazista e da manutenção de um sistema legal de
discriminação racial em países como a África do Sul e, especialmente, nos Estados
Unidos, objeto de constante comparação com o nosso país, o Brasil pudesse
oferecer "lições de civilização" ao mundo. Assim, o Brasil transformou-se em um
"laboratório racial", fornecendo o respaldo empírico necessário à luta política,
revestida de ciência, da UNESCO.

O projeto da UNESCO foi gestado por personagens vinculados à então Capital


Federal. O primeiro deles foi o médico e antropólogo Arthur Ramos, herdeiro da
denominada Escola Nina Rodrigues (Peixoto e Ribeiro, 1931; Corrêa, 1982), com
diversos trabalhos sobre o negro, especialmente nos anos 30 e 40, e fundador da
Sociedade de Antropologia e Etnologia. Esta associação, durante a Segunda Guerra
Mundial, lançou dois importantes manifestos contra o racismo, de repercussão
internacional. Ramos foi professor de antropologia da Universidade do Brasil,
lecionou em universidades americanas e coordenou uma coleção de livros contra o
racismo. Ao ser criado o Departamento de Ciências Sociais da UNESCO, Arthur
Ramos tornou-se o seu primeiro diretor, de agosto a outubro de 1949, quando veio
a falecer (Azeredo, 1986).

Costa Pinto também contribuiu para a articulação desse projeto. Em sua


intervenção no encontro da UNESCO, em Paris, sobre a questão racial, o sociólogo
baiano sugeriu que fossem realizadas análises com base em pesquisas sobre
relações étnicas, de perfil interdisciplinar e reunindo equipes de pesquisadores de
diversos países.

"Seria fácil encontrar por exemplo, para tais investigações, excelentes pontos de
observação no Brasil, nos Estados Unidos, na África do Sul, na União Soviética, na
Índia, no México, na Palestina e em diversas outras regiões desse tipo que Park
denominou ‘ fronteiras raciais’  o que nos permitiria observar, sempre em
ligação com as diferentes estruturas sociais, os tratamentos e as diversas soluções
encontradas para os problemas das minorias nacionais e étnicas" (Costa Pinto,
1950, p. 18).
Um outro personagem de peso a respaldar a "escolha do Brasil" foi Paulo Berredo
Carneiro, representante do Brasil junto à UNESCO, que exerceu papel político
decisivo na 5ª Conferência Geral da UNESCO em Florença. Em sua intervenção
durante o debate acerca da viabilidade do projeto, Paulo Carneiro afirmou:

"[...] it extremely important as far as certain countries in the New World were
concerned, in which there were to be found side by side native yellow peoples,
black skinned descendants of African slaves and, finally, white immigrants. He
[Paulo Carneiro] suggested that the investigation in question should be carried out
in Brazil, where the intermixture of the population was proceeding with a
remarkable absence of tensions, and where UNESCO would find a rich field for
study and could be assured of efficient help from the Brazilian authorities"
(UNESCO, 1950b).

Além desses intelectuais, atenção especial deve ser atribuída ao Departamento de


Ciências Sociais da UNESCO e, em particular, aos antropólogos Alfred Métraux e
Ruy Coelho, ao psicólogo social Otto Klineberg e ao cientista político Robert Angell,
que eram extremamente simpáticos ao projeto.

As investigações sobre as relações raciais no Brasil foram desenvolvidas no início da


década de 50. Na Bahia, o projeto foi inserido na pesquisa Columbia
University/Estado da Bahia mencionada anteriormente. Além disso, na cidade de
Salvador, o antropólogo Thales de Azevedo, da Faculdade de Filosofia da Bahia,
realizou uma pesquisa sobre "As Elites de Cor", publicada posteriormente pela
UNESCO (Métraux, 1950).

Em Pernambuco, o antropólogo René Ribeiro, mediante convênio da UNESCO com o


Instituto Joaquim Nabuco e sob a chancela do então já famoso sociólogo Gilberto
Freyre, fez sua pesquisa sobre religião e relações raciais (Freston, 1987). Observa-
se, nesse caso, a importância de uma liderança intelectual na viabilização de uma
instituição de pesquisa (Miceli, 1989, p. 16).

Em São Paulo, um convênio da UNESCO com a Universidade de São Paulo e a


Escola Livre de Sociologia e Política envolveu o antropólogo francês Roger Bastide,
os sociólogos Florestan Fernandes e Oracy Nogueira e as psicólogas Virginia Bicudo
e Aniela Ginsberg. Florestan e Bastide dedicaram-se a um estudo histórico-
sociológico das relações raciais na cidade de São Paulo; Bicudo e Ginsberg aos
estereótipos entre alunos de escolas públicas; e Nogueira ao estudo da comunidade
de Itapetininga (Bastide e Fernandes, 1955; Nogueira, 1985).

Os contatos para a concretização da pesquisa no Rio de Janeiro foram iniciados no


2º semestre de 1950, por meio de uma correspondência entre Costa Pinto, Alfred
Métraux  chefe da seção de estudos raciais do Departamento de Ciências Sociais
da UNESCO  e Ruy Coelho, seu auxiliar à época. Tais contatos foram acelerados
com a vinda de Métraux ao Brasil no final de 1950, mas o contrato com a UNESCO
só foi assinado em abril de 1951. Nessa pesquisa Costa Pinto contou com o auxílio
do antropólogo Édison Carneiro (Costa Pinto, 1953).

Antes de abordar com maiores detalhes o livro de Costa Pinto, O Negro no Rio de
Janeiro: Relações de Raça numa Sociedade em Mudança, cabe apresentar a
trajetória de Guerreiro Ramos na virada da década de 40 com o objetivo de tornar
mais inteligível a polêmica ocorrida entre os dois sociólogos.
GUERREIRO RAMOS: DOS PRIMEIROS ENSAIOS SOBRE RELAÇÕES RACIAIS
À MILITÂNCIA ÉTNICA

As primeiras incursões de Guerreiro Ramos no campo das relações raciais no Brasil


estiveram sob a influência da sociologia americana, especialmente aquela difundida
por Donald Pierson. Em cursos e trabalhos no DASP, o sociólogo chamou a atenção
para a questão racial por meio das obras de Robert Park, W. I. Thomas, Florian
Zanieck e Emory Bogardus (Guerreiro Ramos, 1948b, p. 2). É nessa fase de
identificação com a Escola Sociológica de Chicago que Guerreiro Ramos passou a
considerar que o preconceito racial no Brasil estava mais próximo de aspectos de
natureza econômica e cultural do que propriamente racial (Guerreiro
Ramos apud Azevedo, 1955, p. 26). Ao mesmo tempo, revelou interesse pelos
temas da assimilação e da aculturação, além de valorizar o processo de
institucionalização das ciências sociais a partir da década de 30, especialmente em
São Paulo (Guerreiro Ramos e Garcia, 1949, p. 10). Segundo ele, Donald Pierson

"[...] trouxe para o Brasil o estilo das universidades americanas, especialmente o


da Universidade de Chicago, onde se doutorou. A atuação desse scholar americano
deve ser ressaltada como das mais eficientes, pois, graças a ela, se tem criado em
São Paulo uma equipe de jovens treinados em pesquisa sociológica, que estão
sendo aproveitados em estabelecimentos oficiais e particulares e contribuindo para
a criação, naquele Estado e no país, de um ambiente tecnicamente exigente e
adverso a improvisações. [...] Seu estudo publicado em português com o título
de Brancos e Pretos na Bahia, sobre ser uma análise lúcida e clara das relações de
raça naquele Estado, revelou-nos a riqueza da metodologia sociológica americana"
(idem, pp. 9-16).

A aproximação de Guerreiro Ramos da sociologia americana deve-se, também, à


própria inserção do sociólogo em uma instituição criada nos primórdios do Estado
Novo com o intuito de modernizar o aparato estatal. Para tanto, o DASP
necessitava de um novo tipo de técnico, munido de conhecimentos racionais e
científicos. Guerreiro Ramos esteve profundamente enfronhado nos problemas de
administração e sempre por meio de uma ótica política (Soares, 1995). No entanto,
viveu constantemente a tensão entre o seu lado acadêmico e a sua condição de
funcionário (Oliveira, 1995a, p. 14). Em 1952, tornou-se professor da Escola
Brasileira de Administração Pública EBAP, da Fundação Getulio Vargas.

Cabe, todavia, ressaltar que a opinião de Guerreiro Ramos sobre as ciências sociais
no Brasil sofrerá solução de continuidade a partir de seu engajamento político no
Teatro Experimental do Negro. Instituição criada no fim do regime autoritário
estadonovista, sob a liderança de Abdias Nascimento, o TEN procurou resgatar em
um novo patamar a luta política dos negros da década de 30, cuja referência mais
importante era a Frente Negra Brasileira (1931-37). No início, o TEN constituiu-se
como movimento cultural, politizando-se em seguida com a democratização do país
no pós-guerra, a luta contra o racismo em escala mundial e a eclosão dos
movimentos africanos de libertação nacional. Foi o TEN que patrocinou as
Convenções Nacionais do Negro em 1945 (São Paulo) e 1946 (Rio de Janeiro), a
Conferência Nacional do Negro em 1949 e o I Congresso do Negro Brasileiro em
1950 (ambos no Rio de Janeiro) (Nascimento, 1982, p. 103).

Ideologicamente, o TEN viveu durante os anos 40 e 50 uma situação ambígua. Em


vários momentos, sua liderança política e intelectual oscilou entre o
reconhecimento dos legítimos direitos dos negros à cidadania plena e o diagnóstico
da incapacidade temporária dos negros de exercer a política por terem uma
mentalidade pré-lógica, pré-letrada. Ademais, o TEN acreditava que os negros
deveriam seguir os caminhos trilhados pelas classes médias e dominantes no Brasil.
Portanto, o TEN viveria o dilema entre a afirmação política da identidade negra e a
influência do etnocentrismo europeu adaptado à realidade brasileira, ou seja, a
"ideologia do branqueamento" (Maués, 1988).

Alberto Guerreiro Ramos conheceu Abdias Nascimento em 1939. Estes dois


intelectuais não-brancos tinham alguns pontos em comum: participaram da Ação
Integralista Brasileira e sofreram forte influência da religião católica (Nascimento e
Nascimento, 1991; Oliveira, 1995a). Embora o TEN tenha surgido em 1944,
Guerreiro Ramos só se engajou no movimento negro em sua fase áurea, na virada
da década de 40 (Costa Pinto, 1953), quando a associação procurou ampliar seu
raio de ação. Inicialmente, Guerreiro Ramos demonstrou desconfiança, motivada
pela natureza do movimento, de expressão racial e reivindicatória. Ao mesmo
tempo, havia uma preocupação com sua própria inserção social, na medida em que
era um mulato "pegado de mau jeito pela sorte [...] com a vida por organizar"
(Guerreiro Ramos, 1950a, pp. 35-36). Ele só veio a participar do TEN quando já
havia se estabelecido profissionalmente e começava a obter reconhecimento social.
Nesse sentido, seu engajamento traduziu-se em maior visibilidade para um mulato
em processo de ascensão social.

Guerreiro Ramos inicia sua militância afirmando que o" problema do negro" deveria
ser encarado a partir das diferenças regionais, de classe e da clivagem
rural/urbano. Ademais, aponta a existência de uma "psicologia diferencial do negro
brasileiro", advinda de um "forte ressentimento" do negro das "classes inferiores"
com relação aos negros "de elevada categoria social", que o leva a acreditar que
com o emprego de "métodos da sociologia psicodinâmica" esse fenômeno poderia
ser melhor compreendido. De sua perspectiva, o preconceito em relação ao negro
seria de cor e não de raça, o que significaria a inexistência de uma linha de castas
no Brasil. Por fim, critica a valorização das "sobrevivências africanas" por parte de
sociólogos e antropólogos, indicando que os negros estariam mais preocupados em
ascender socioculturalmente (Guerreiro Ramos, 1948a, p. 5).

O sociólogo considerava que o melhor caminho para os negros atingirem o padrão


de comportamento das elites dominantes seria" transformar a luta de classe num
processo de cooperação, [...] num fator de equilíbrio e de compreensão social [...]"
(Guerreiro Ramos, 1950d, pp. 23-24). A proposta do TEN lembraria, em muito, "o
famoso Grupo de Oxford com seus intentos de renascença religiosa e o grupo
francês L'Ordre Nouveau, inspirado pelo saudoso filósofo Arnaud Dardieu e também
orientado para a reconstrução social através da pessoa humana" (ibidem).

O projeto de ascensão social por meio de um processo cooperativo e grupoterápico


que resgatasse a pessoa humana lembra em muito a visão do Guerreiro Ramos ex-
militante católico do final dos anos 30, quando escreveuIntrodução à
Cultura (1939). Este livro oferece uma proposta conservadora de resgate da
pessoa, crença muito comum nas hostes católicas e integralistas nesse período, em
detrimento da versão liberal de indivíduo. O olhar para o medievo, holístico e
hierarquizado, indica também a influência da idéia de restauração. 3 Conforme
Oliveira "trata-se de uma proposta de transformação que pode ser compreendida
pela abordagem de alguns pares de conceitos: cultura versus civilização;
pessoa versus indivíduo; orgânico versus mecânico; sentimento trágico de
vida versus sentimento burguês da existência; sofrimento versus ressentimento"
(Oliveira, 1995a, p. 30).

Nesse sentido, o TEN era um instrumento de valorização, de integração dos negros


à nacionalidade (Nascimento, 1950, p. 29) em face das marcas ainda presentes do
passado escravocrata, associado aos efeitos perversos da modernização capitalista.
O uso do psicodrama e do sociodrama são indicadores precisos da secularização do
catolicismo de Guerreiro Ramos na virada dos anos 40, inspirado agora no
sociólogo e psicoterapeuta austríaco, radicado nos EUA, Jacob L. Moreno. A
psicologia social tão em voga no pós-guerra, diante do esforço de tornar inteligível
o genocídio nazista, deveria ser a marca de distinção do movimento negro. Afinal,

"[...] o T.E.N. não é orientado truculenta e agressivamente contra o preconceito de


cor. Ao contrário, proclama, pela palavra de seu criador [Abdias Nascimento], não
ser esta a tática acertada a ser usada em ‘ nossa’ questão racial, tão diferente da
norte-americana. Ele é um campo de polarização psicológica, onde o homem
encontra oportunidade de eliminar as suas tensões e os seus recalques" (Guerreiro
Ramos, 1950f, p. 24).

É interessante observar que Guerreiro Ramos, não destoando da preocupação de


outros sociólogos que estudaram as relações raciais no Brasil, está atento ao
padrão dos intercursos étnicos estabelecido nos Estados Unidos e faz questão de
registrar a diferença entre as experiências americana e brasileira. Em 1949, ele
assume a direção do recém-criado Instituto Nacional do Negro, órgão do TEN
voltado para a pesquisa sociológica, com o intuito de ampliar as atividades do
movimento negro, enfatizando os aspectos pedagógicos e culturais. Nessa fase
aprofunda sua análise do enfoque político-ideológico do TEN afinado com a visão
integracionista de Abdias Nascimento. Essa integração seria o melhor caminho para
os negros ascenderem socialmente até atingirem ostatus da classe média e
superior. Para a realização desse projeto, não destituído de ambigüidades, a
solução preconizada por Guerreiro Ramos seria a formação de uma "elite negra".
Qual seria o papel dessa elite?

O TEN, segundo ele, deveria transformar-se em uma elite política e intelectual


negra que tivesse por missão superar o descompasso existente entre a simbólica
condição de cidadão livre adquirida pelo negro após a Abolição e sua adversa
situação econômica e sociocultural, ainda presente sessenta anos depois. A solução
seria uma pedagogia da cidadania que, além de socializar os negros nas novas
condições geradas pela Abolição, alterasse a estrutura de dominação da sociedade
brasileira (Guerreiro Ramos, 1953b, p. 2).

Para eliminar esse suposto perigo, o TEN formaria uma intelligentsia com o objetivo
de "ganhar a confiança dos poderosos desta terra. Que eles reconheçam em nosso
movimento uma expressão de elite, um princípio de equilíbrio e de harmonia social"
(Guerreiro Ramos, 1950e, p. 50).

Vale ressaltar que o conceito de intelligentsia utilizado por Guerreiro Ramos para
representar um determinado segmento da sociedade, apesar de se inspirar
originalmente na idéia de um grupo de intelectuais "que produz e difunde idéias
que contribuam para a reforma social ou para o processo revolucionário" (Oliveira,
1995a, p. 53), é apropriado em um sentido mannheimiano, ou seja, o de um
"intérprete em geral da sociedade" (Werneck Vianna, 1994, p. 379). Por isso
mesmo, Guerreiro Ramos recusa qualquer solução do tipo" partido de negros", na
medida em que "o homem de cor, entendido como homem-massa, não estaria
habilitado às funções de mando, as quais, como é sabido, supõe uma longa
aprendizagem" (Guerreiro Ramos, 1950a, p. 38). Caberia à intelligentsia negra
promover a elevação social e sem conflitos da "massa negra".

A agenda política de Guerreiro Ramos era composta pelos seguintes tópicos:


afirmação da singularidade dos negros com a eliminação dos recalques advindos do
passado, ascensão social e econômica, constituição de umaintelligentsia, ou seja,
de "uma espiritualidade e uma missão" (Guerreiro Ramos, 1950e, p. 50). Só assim
haveria a redução da enorme distância entre o "negro legal" e o "negro real". Esse
programa foi sintetizado por ele em sua interpretação do "mito da negritude" em
consonância com o movimento negro das ex-colônias francesas na África (Sartre,
1965).

Na visão do sociólogo, o Brasil deveria liderar a política de democracia racial em


escala mundial, pois seria o único país em condições de oferecer, em matéria de
relações raciais, uma solução adequada. Os negros no Brasil gozavam formalmente
dos mesmos direitos políticos que os brancos, embora esses direitos não fossem
exercidos em sua plenitude devido à desigualdade na distribuição de bens
econômicos e culturais. Desse modo, o TEN assumiria a vanguarda desse
movimento por meio do "mito da negritude", mito este que se traduziria por uma
subjetividade,

"[...] um elemento passional que se acha inserido nas categorias clássicas da


sociedade brasileira. [...] Humana, demasiadamente humana, é a cultura brasileira,
por isto que, sem desintegrar-se, absorve as idiossincrasias espirituais, as mais
variadas. E até compõe com elas a sua vocação ecumênica, a sua índole
compreensiva e tolerante. A cultura brasileira é, assim, essencialmente católica, no
sentido que nada do que é humano lhe é estranho" (Guerreiro Ramos, 1950c, p.
11).

Portanto, o "mito da negritude" no Brasil seria uma versão atualizada, elaborada


pela intelligentsia negra, do legado da cultura democrático-racial brasileira sob a
égide de um catolicismo adocicado, à Gilberto Freyre. Caberia a
essa intelligentsia negra, junto com as elites brancas, articular esse processo
democratizante.

Coerente com sua nova visão, Guerreiro Ramos apresenta, no final de 1950, sua
crítica aos trabalhos acadêmicos até então elaborados sobre o negro. Para ele,
esses estudos estariam defasados e contaminados pelo academicismo. Assim, as
investigações de natureza histórica, folclórica ou antropológica, apesar de seu valor
documental, partiam erroneamente do princípio de que o problema do negro veio a
ser resolvido com a Abolição e que caberia apenas pesquisar as" sobrevivências
africanas" como se fossem "peças de museu", em vez de elevá-las à condição de"
forças operativas".

Considerando a insistência na preservação da tradição religiosa africana como um


indicador de atraso, de inadequação aos desafios do desenvolvimento capitalista no
Brasil, Guerreiro Ramos propõe mecanismos assimilativos que favorecessem a
ascensão social, econômica e cultural da população negra. Essa assimilação,
católica ou protestante, ao espírito capitalista aproximaria brancos e negros, o que
exigiria também uma "reeducação das camadas brancas e brancóides" (Guerreiro
Ramos, 1950b, p. 2). Nesse cenário, já não haveria espaço somente para a
afirmação de uma questão racial, mas, sim, a premência na construção de uma
verdadeira identidade nacional. Para tanto seria necessário remover o racismo dos
setores dominantes da sociedade, em sua expressiva maioria brancos.

Se há sinais claros de noções que contribuiriam para o fortalecimento de


determinados estigmas sobre o negro (mentalidade pré-lógica, pré-letrada, crítica à
influência das religiões africanas sobre os negros), é importante ter em mente que
Guerreiro Ramos mantém seus preconceitos em constante tensão com a proposta
de formação de uma intelligentsia negra, que, por meio do "mito da negritude", não
estaria só preocupada em superar as adversidades sofridas pelos negros, mas,
sobretudo, em valorizar a subjetividade negra.
A partir dos primórdios da década de 50, as críticas ao pensamento social
brasileiro, a disputa político-acadêmica no interior das ciências sociais e a busca de
alternativas políticas, tendo como referência central a atuação dos intelectuais,
serão os eixos fundamentais do trabalho sociológico de Guerreiro Ramos. Essa fase
se inicia com a sua participação no governo Vargas e se desenvolve na formação do
Instituto Brasileiro de Estudos Sociais e Políticos  IBESP, futuro Instituto Superior
de Estudos Brasileiros  ISEB. Até pelo menos 1955, as reflexões de Guerreiro
Ramos sobre a intelectualidade brasileira não prescindirão da análise sobre o negro,
só que cada vez mais próxima da questão nacional.

Antes de enfocar esse novo período da produção sociológica de Guerreiro Ramos, é


imprescindível abordar a pesquisa de Costa Pinto (1953) sobre o negro no Rio de
Janeiro. Afinal, Guerreiro Ramos não somente foi objeto de estudo nesse trabalho,
como esse estudo provocou forte reação do então militante do TEN, como se
poderá observar adiante em sua resposta intitulada" O Problema do Negro na
Sociologia Brasileira" (1954b).

CLASSE COM APARÊNCIA DE RAÇA: O NEGRO DE COSTA PINTO

O trabalho de Costa Pinto analisa as relações raciais no antigo Distrito Federal a


partir do desenvolvimento tenso e contraditório do capitalismo no Brasil. O estudo
está voltado especialmente para a dinâmica urbano-industrial, que foi acelerada
após a Primeira Guerra Mundial e, particularmente, com a Revolução de 30. Nesse
sentido, a questão racial seria um indicador preciso do processo de mudança social.

Na primeira parte do livro, Costa Pinto delimita seu objeto de estudo dialogando
com a literatura existente sobre o tema. Lembrando os comentários de Guerreiro
Ramos, o autor, inspirado em Sérgio Buarque de Holanda, considerava que o negro
tinha sido enfocado como "espetáculo" (Costa Pinto, 1953, p. 16). Isto significava
dizer que

"[...] o centro do interesse estava localizado na assimilação do africano ao Novo


Mundo, ou, mais particularmente, nos produtos desses processos sobre diversos
setores da vida brasileira: religião, língua, culinária, vestuário, música. O negro
brasileiro, ou melhor, obrasileiro negro e o processo de sua integração nos quadros
da sociedade brasileira  da condição de escravo à de proletário e da condição de
proletário à de negro de classe média, jamais despertou o interesse sério dos
estudiosos do negro no Brasil [...]" (idem, p. 26).

Os estudos históricos e antropológicos até então existentes ainda estariam


atrelados à visão do negro vinculado ao quadro tradicional de relações raciais de
base agrária e herdeira do mundo escravocrata. Haveria um descompasso entre
essas abordagens e as mudanças urbano-industriais que vinham ocorrendo no
século XX, com importantes reflexos entre os não-brancos. A crítica do sociólogo à
corrente que vê o" negro como espetáculo" (Holanda, 1978) inclui mais dois
aspectos: a denúncia do mito da democracia racial brasileira e a afirmação de que a
diferença entre os padrões brasileiro e americano de relações raciais seria "de grau
e não de espécie" (Costa Pinto, 1953, p. 326).

Ao criticar os estudos sobre as "sobrevivências africanas", Costa Pinto revela sua


perspectiva sociológica. Em vez de se estudar as derivações do intercurso racial que
estariam "no capítulo da aculturação, da assimilação, da acomodação" (idem, p.
33), caberia investigar as relações e os conflitos étnicos a partir das estruturas
sociais historicamente determinadas que os engendram (ibidem). Para ilustrar seu
argumento, o sociólogo menciona uma situação de "acomodação" que mascararia
uma situação de conflito, isto é, a reiterada afirmação de que não haveria
preconceito racial no Brasil (ibidem).

As críticas à antropologia cultural vêm acompanhadas de uma concepção de que a


temática racial estaria subsumida à estrutura de classes que conformaria a
sociedade brasileira, caracterizada por profundas desigualdades. Para provar
empiricamente as disparidades étnico-sociais, Costa Pinto apresenta, na segunda
parte do livro, uma série de indicadores demográficos, ecológicos e educacionais.
Em seguida, atém-se aos estereótipos em relação ao negro para, finalmente,
dedicar-se aos movimentos sociais negros.

Utilizando os censos do IBGE, de 1940 e 1950, e o Censo de Favelas, de 1949, o


sociólogo traça um perfil étnico do então Distrito Federal. Haveria uma tendência ao
branqueamento da população nos últimos setenta anos, que seria explicada pela
migração estrangeira ocorrida na passagem do século XIX para o XX, pela alta
mortalidade entre pardos e negros e pela miscigenação que vem ocorrendo
historicamente na sociedade brasileira. Esse fenômeno seria acompanhado,
concomitantemente, pelo crescente movimento de migrações internas,
especialmente de não-brancos, para os estados mais urbanizados e industrializados
do sul do país, onde se localizariam majoritariamente, no caso do Rio de Janeiro,
nos serviços domésticos, na indústria têxtil e nos serviços burocráticos estatais.

Costa Pinto procura demonstrar, a todo momento, a distinção entre fatores étnicos
e sociológicos na dinâmica demográfica do Rio de Janeiro. Nesse sentido, variáveis
como a fecundidade seriam influenciadas pela divisão de classes e pela relação
rural (atraso)/urbano (moderno). O deslocamento de negros e mulatos para os
grandes centros seria motivado pelo" caráter mais impessoal das relações sociais
na vida urbana [sendo] fator que contribui, ao lado dos demais, para que muitas
pessoas de cor procurem numa comunidade maior meios de ascender na escala
social" (idem, p. 53). Embora o processo de urbanização e industrialização abrisse
canais de ascensão social, Costa Pinto observa o caráter restrito da mobilidade
social, já que a migração se traduz em proletarização. Este fenômeno levaria à
identificação dos negros "com a condição e as aspirações das classes trabalhadoras,
que constituem a esmagadora maioria da população urbana deste País" (idem, p.
111).

Os limites objetivos da ascensão do" negro-proletário" revelam-se, entre outras


formas, na divisão espacial da cidade, mais especificamente nas zonas residenciais.
Mediante alguns levantamentos censitários, constata-se que às áreas proletárias
corresponde uma maior concentração de negros e mulatos. Um exemplo bastante
ilustrativo da segregação étnica é representado pela favela. O sociólogo, com base
no referido Censo de Favelas, toma como evidência o seguinte dado: "enquanto em
cada 100 habitantes do Rio de Janeiro, 27 são de cor, na população de favelas, em
cada 100 habitantes, 71 são de cor. Essa grande diferença entre a proporção de
elementos de cor nas áreas mais deterioradas da cidade é a prova mais expressiva
pela qual se manifesta aqui a segregação étnica" (idem, p. 144).

O sistema educacional reproduziria a mesma situação encontrada nas estruturas


ocupacional e espacial. Diante da série de dados coletados pelo Serviço Nacional de
Recenseamento, o sociólogo conclui que a alta taxa de analfabetismo entre os
negros só confirma a íntima relação entre estratificação educacional e de classes
em que "a história desenhou a escala de gradação dos matizes que se hierarquizam
do ‘ doutor branco’ , que está no vértice, ao ‘ preto ignorante’ , que está na
base" (idem, p. 157).
Apesar de o sistema educacional reproduzir as desigualdades sociais e, por
conseguinte, as clivagens étnicas, ele estimula, associado ao processo de
modernização, uma diferenciação interna entre os negros. Assim, observa-se a
ascensão isolada de negros e mulatos, constituindo, desse modo, um quadro de
tensão social envolvendo uma elite negra que tenta conquistar um espaço nas
camadas médias, mas que enfrenta a barreira" representada pelas expectativas
tradicionais do branco, que não são nada estimulantes e que visam, via de regra,
reconduzir o negro ao seu lugar" (idem, pp.162-163, ênfases no original).

Dessa forma, o estímulo à educação dos negros pelas elites brancas vem
acompanhado de uma certa ambigüidade: como mecanismo de ascensão social a
educação é aplaudida, mas, ao mesmo tempo, é vista como uma ameaça diante da
potencial formação de uma elite negra ansiosa por galgar posições que os brancos
não estariam desejosos de compartilhar.

O poder competitivo que os negros revelariam por intermédio da ascensão social,


via educação, desnudaria uma série de atitudes e estereótipos da sociedade
brasileira. Para verificar tal fenômeno, Costa Pinto realiza uma pesquisa sobre as
atitudes raciais entre jovens estudantes, utilizando a escala de distância social
criada pelo sociólogo Emory Bogardus, da Escola de Chicago. Destoando tanto da
imagem tradicional da ausência de preconceito racial no Brasil, quanto da visão
idílica em relação ao mulato, Costa Pinto evidencia a existência de uma série de
estereótipos, especialmente em relação ao mulato que, além de possuir
um status marginal, é considerado ambíguo. Segundo afirmação do sociólogo,

"Numa sociedade em que as posições de classe e de etnia tão nitidamente se


identificaram, e por tanto tempo, quanto mais branco, ou menos preto, o indivíduo,
maiores as suas oportunidades de transpor a ascensão social que depende
diretamente da cor e de outros traços étnicos aparentes. Essa vantagem do mulato
sobre o negro como que é compensada pelo fato de, em conseqüência dela, o
mulato estar sempre mais próximo do que o negro de cruzar a linha social de cor, o
que faz com que sobre ele particularmente incidam os estereótipos que
visam definir sua posição" (idem, pp. 216-217, ênfases no original).

A tensa visibilidade dos mulatos, gerada pelo processo de desenvolvimento


econômico, é um indicador preciso da mobilidade social dos não-brancos com o
deslocamento gradativo das relações tradicionais para as de caráter moderno.
Embora não fossem alteradas estruturalmente as relações sociais, assistir-se-ia ao
surgimento de um "negro de novo tipo", proletário ou de classe média, gerado nas
fricções interétnicas resultantes do confronto com a mentalidade tradicional das
elites dominantes. Daí surgirem movimentos sociais negros, que são o objeto de
análise da última parte da pesquisa.

Costa Pinto classifica as associações em dois níveis: as tradicionais, que estariam


mais voltadas para as atividades recreativas, culturais, religiosas, apresentando "a
contribuição do africano à estética, à música, à coreografia, à mítica, em suma,
à cultura de folk brasileira" (idem, p. 257); e as de novo tipo, que estariam
identificadas com "a história viva e contemporânea das aspirações, das lutas, dos
problemas, do sentir, do pensar e do agir de brasileiros, social, cultural e
nacionalmente brasileiros, etnicamente negros" (idem, pp. 257-258, ênfases no
original).

Sob o impacto da urbanização e da industrialização ocorre um processo de


integração nacional e de diferenciação interna entre os negros com o surgimento de
uma pequena parcela de classe média, particularmente intelectuais, constituindo
uma verdadeira elite negra" (idem, p. 259).
O sociólogo concebe que a nova forma de mobilidade dos negros já não é mais
individual como acontecia na sociedade tradicional, ditada pelo paternalismo,
especialmente no século XIX. Agora estaríamos diante de "novas elites" que
reagem de maneira

"[...] diversa e mais agressiva, menos passiva e mais organizada, menos


pessoal embora, em inúmeros casos, mais personalista. [...] Enquanto as antigas
elites, na medida em que ascendiam, tinham a preocupação de branquear-se,
confundindo-se em tudo com o extrato branco superiormente colocado, as novas
elites negras pretendem ascender como elites negras, sem deixarem de ser negras,
negras mais do que nunca, declarada e orgulhosamente negras, apologéticas da
negritude" (idem, pp. 269-270).

Essa elite viveria o drama da ascensão e das barreiras advindas dos estereótipos.
Tal dualidade provocaria a elevação do número de negros distanciados "das massas
de cor" e que se transformariam em "porta-voz natural das angústias e das
aspirações de seu grupo étnico enquanto grupo social" (idem, p. 270). No entanto,
segundo Costa Pinto, esta nova liderança se mantém em uma redoma, na medida
em que não consegue sensibilizar as "massas de cor" que, por serem proletárias,
estariam mais identificadas com movimentos de corte classista (partidos,
sindicatos) e não étnicos (idem, p. 274).

Diante desse cenário, o sociólogo reafirma o caráter elitista do movimento negro


que, a despeito do seu afã de representar o negro em geral, limita-se a contemplar
os intentos e as mazelas vividas pelo negro de classe média "duplamente asfixiado
por sua condição de raça e de classe" (idem, p. 275).

Para dar mais sentido às suas reflexões, Costa Pinto detém-se na análise do Teatro
Experimental do Negro, que, devido "à dinâmica da tensão racial, [...] assum[e] a
envergadura de um movimento, mais que isso: de um grupo de pressão [...]"
(idem, pp. 276-277) no final da década de 40.

Vivendo o dilema entre uma "atitude de protesto contra a linha de cor que lhes
dificultava a ascensão" (idem, p. 276) e a busca da disciplina gradativa da "gente
negra nos estilos de comportamento da classe média e superior da sociedade"
(Nascimento apud Costa Pinto, 1953, p. 281), o TEN seria, em seu tempo, "a mais
legítima expressão ideológica da pequena burguesia intelectualizada e pigmentada
no Rio de Janeiro e, por sem dúvida, no país" (Costa Pinto, 1953, p. 278).

Mesmo com a organização de eventos políticos, como a Convenção Nacional do


Negro (1949) e o I Congresso do Negro Brasileiro (1950), ou a participação no
processo eleitoral de 1950  além da elaboração de cursos de alfabetização, de
atividades sociopsicológicas como o sociodrama, a edição do jornal Quilombo  , o
TEN, segundo Costa Pinto, não logrou ir além dos limites classistas de seus
membros.

A constituição de movimentos sociais de corte racial revelaria a "falsa consciência"


do negro que conseguiu escapar à proletarização. Ela se expressaria por meio da
ideologia da negritude preconizada pelo Teatro Experimental do Negro e que, na
avaliação de Costa Pinto,

"[...] do mesmo modo que se pode aqui mais uma vez repetir que não há um
problema donegro  pois o problema é o branco que tem sobre o negro falsas
idéias e age de acordo com essas idéias falsas  , também se poderia dizer,
inversamente, que a idéia da negritude não é negra  é branca, é o reflexo
invertido, na cabeça de negros, da idéia que os brancos fazem sobre ele, é o
resultado da tomada de consciência (também em termos falsos, diga-se de
passagem) da resistência que o branco faz à ascensão social do negro. É, em suma,
um racismo às avessas" (idem, pp. 332-333).

Com a modernização capitalista, a estratégia de ascensão social dos negros pela via
do branqueamento, de caráter individual, tornou-se inócua, já que se estaria diante
da conformação de uma classe média não-branca. A solução dos movimentos
sociais negros seria ineficaz não só pela" falsa visão" da ideologia da negritude,
um" racismo às avessas", mas também pelo descompasso, apontado por Costa
Pinto, entre as diferentes inserções sociais e visões de mundo das respectivas "elite
negra" e" massa negra". Esta última, segundo o sociólogo baiano, agiria diferente
da "elite negra", pois

"[...] quando o preconceito [a] atinge el[a] reage de pronto, e diretamente, como
quem repele uma afronta pessoal, muitas vezes violentamente, à sua maneira. Não
discute pomposamente, nem elabora explicações sofisticadas sobre o paideuma de
sua negritude. Se o problema surge el[a] simplesmente o enfrenta, como home[ns]
simples, como home[ns] do povo. E como o preconceito não se apresenta numa
frente única e unida, apoiado pela lei e cristalizado numa doutrina, consistindo
antes num sistema de atitudes e estereótipos que não raro se contradizem e não
apresentam qualquer coerência, moralmente batido pela ciência e pela história, o
negro-massa encara-o sempre face a face, em cada forma ou circunstância em que
se manifesta, e destrói-o e vence-o em mil batalhas quotidianas, pensando,
sentindo e agindo menos como raça, mais como massa, cada vez mais
como classe" (idem, pp. 337-338, ênfases no original).

O processo de conscientização de classe e não étnica do" negro-massa" estaria em


sintonia com os contextos políticos nacional e internacional que indicariam diversas
mudanças rumo à superação do problema racial em escala mundial.

O negro proletarizado, assumindo aos poucos a consciência do seu lugar na


história, seria um ator fundamental no processo de mudança social, de caráter
universal. Costa Pinto analisa os limites da ação política da "elite negra" que não
consegue distinguir a diferença entre a aparência étnica e a essência de classe de
sua condição social, permanecendo, assim, isolada.

Nesse caso, guardando as especificidades da realidade brasileira, Costa Pinto


entende que a tomada de consciência de classe da "massa negra", como força
inserida no proletariado, a partir da continuação da modernização capitalista,
levaria ou a um agravamento não da questão étnica, mas da luta de classes sem
solução de imediato e assumindo possivelmente uma feição étnica, ou à superação
do próprio capitalismo, que cancelaria de vez as bases de sustentação das
desigualdades sociais e, por conseguinte, a discriminação racial no país.

POLARIZANDO A QUESTÃO RACIAL NO CAMPO INTELECTUAL

A pesquisa de Costa Pinto só foi publicada no final de 1953. Desde o ano anterior
Guerreiro Ramos já trabalhava na Casa Civil do governo Getulio Vargas (Oliveira,
1995b). No segundo semestre de 1952, Guerreiro Ramos começa a participar de
reuniões com um grupo de intelectuais (Helio Jaguaribe, Ignácio Rangel, Roland
Corbisier, Juvenal Osório Gomes, Hermes Lima e outros) que criaram
posteriormente o IBESP, futuro ISEB. Fazia parte da pauta de discussões do IBESP,
segundo Schwartzman, "o subdesenvolvimento brasileiro, a busca de uma posição
internacional de não alinhamento e de ‘ terceira força’ , um nacionalismo em
relação aos recursos naturais do País, uma racionalização maior da gestão pública
[e uma] maior participação de setores populares na vida política" (1981, p. 3).

No início de seu envolvimento com o IBESP, Guerreiro Ramos escreveu O Processo


da Sociologia no Brasil, trabalho que reflete a nova fase de sua atuação intelectual
e política. Logo na introdução, o autor afirma que "assumi[u] diante das obras dos
sociólogos brasileiros uma atitude de naturalista [...]" (Guerreiro Ramos, 1953b, p.
5), em um esforço de construção de sua identidade nos embates no campo
acadêmico.

Partindo do princípio de que a sociologia deveria ser" um instrumento de


construção nacional" (idem, p. 9), Guerreiro Ramos traça uma linha divisória entre
as correntes sociológicas que informariam o mundo intelectual brasileiro. A primeira
delas, a "autenticamente nacional", preocupada com a singularidade brasileira e
dotada de um caráter funcional seria representada por Sylvio Romero, Euclides da
Cunha, Alberto Torres e Oliveira Vianna. A segunda tendência, denominada
"heteronômica"," consular", "enlatada", seria uma "glosa das orientações
doutrinárias vigentes nos centros de cultura estrangeiros" (idem, p. 10). Os
intelectuais identificados com essa corrente estariam mais voltados para os
conteúdos abstratos sem a atenção devida aos aspectos programáticos,
operacionais. Fariam parte desse segundo grupo: Tobias Barreto, Pontes de
Miranda, Tristão de Ataíde, Pinto Ferreira e Mario Lins (idem, pp. 11-12).

É interessante observar que o sociólogo baiano cria "um sub-ramo desta última
corrente" (idem, p. 12) que estaria voltado para os estudos do negro, ou seja, que
faria do negro "material etnográfico", e à qual pertenceriam Nina Rodrigues,
Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Alfred Métraux, Donald Pierson, Roger Bastide,
Emilio Willems e outros (idem, pp. 12-17). Estes autores veriam o negro "como
uma espécie de múmia, e não na sua problematicidade política e social. Daí que até
certo ponto, eles tenham cooperado para distrair a atenção das elites do país do
sentido programático do movimento abolicionista, tal como tinha sido delimitado
por homens como Joaquim Nabuco" (idem, p. 17).

Esse novo exercício de classificação dos intelectuais no interior das ciências sociais
revela uma mudança radical do sociólogo diante dos escritos anteriores,
especialmente Notícias sobre as Pesquisas e os Estudos Sociológicos no Brasil
(1940-1949) (Guerreiro Ramos e Garcia, 1949). Essa guinada se revela no
cancelamento da divisão, cujo marco seriam os anos 30, entre produção sociológica
institucionalizada e a considerada" pré-científica", "ensaística". Dita questão é bem
evidente nas reflexões sobre o negro. Guerreiro Ramos considera que a sociologia
acadêmica, ao fazer do negro" objeto de estudo", lembraria as pesquisas sobre as"
sobrevivências africanas", tão criticadas por ele.

A partir de O Processo da Sociologia no Brasil (1953b) suas indagações estão


embasadas no resgate de uma produção sociológica que viria desde o final do
século XIX articulando a questão racial à questão nacional. Nesse sentido, a nova
sociologia do negro de Guerreiro Ramos "contribui decisivamente para restabelecer
a ponte de comunicação intelectual entre o passado e o presente no pensamento
social brasileiro" (Schwartzman, 1983, p. 31).

O sociólogo divide essa tradição entre aqueles que procuravam incorporar o negro à
nação, embora com uma série de equívocos de natureza racista, como Oliveira
Vianna, e aqueles que, com uma visão racista e pessimista, como Nina Rodrigues,
não conseguiam encontrar "um lugar para o negro", já que este ameaçaria a
identificação entre os destinos da nação e a civilização branca e ocidental.
A aproximação de Guerreiro Ramos da vertente" autenticamente nacional" sugere a
existência de uma certa tensão, no pensamento do autor, entre o reconhecimento
da diversidade étnica existente no país e a necessidade de sua diluição em face da
urgência de se construir uma identidade nacional. Esta posição seria reforçada em
julho de 1953 no II Congresso Latino-Americano de Sociologia ocorrido no Rio de
Janeiro e em São Paulo, no qual o sociólogo apresenta, como presidente da
Comissão de Estruturas Nacionais e Regionais desse Congresso, uma série de
teses, recusadas em sua totalidade, sobre o que deveria ser o trabalho sociológico
em um país em processo de desenvolvimento em bases nacionais. Isso faz com que
Guerreiro Ramos estabeleça uma discussão pública, por meio do jornal Diário de
Notícias, a respeito de suas idéias. Dentre as teses derrotadas pelo Congresso
encontra-se uma especialmente dedicada à questão racial:

"É francamente desaconselhável que o trabalho sociológico, direta ou


indiretamente, contribua para a persistência, nas nações latino-americanas, de
estilos de comportamento de caráter pré-letrado. Ao contrário, no que concerne às
populações indígenas ou afro-americanas, os sociólogos devem aplicar-se no estudo
e na proposição de mecanismos de integração social que apressem a incorporação
desses contingentes humanos na atual estrutura econômica e cultural dos países
latino-americanos" (Guerreiro Ramos, 1957, p. 78).

Pode-se observar, pelo texto acima, que a visão integracionista de Guerreiro


Ramos, calcada no suposto êxito dos processos de mudanças estruturais nas
sociedades latino-americanas, encontra-se ainda fundamentada em uma ambígua
compreensão do significado do tema dos intercursos raciais em processo de
desenvolvimento em contextos nacionais. Guerreiro Ramos reconhece o problema,
mas, ao mesmo tempo, cancela suas especificidades em face da importância da
questão nacional.

O Congresso de 1953 teve conseqüências definitivas no pensamento de Guerreiro


Ramos. A partir de então, "a luta ideológica sobre o papel da sociologia e sobre os
cânones necessários à produção dessa disciplina entram na ordem do dia" (Oliveira,
1995a, pp. 93-94). O tema das relações raciais não esteve ausente dos intensos
debates ocorridos naquele momento.

A radiografia do pensamento social brasileiro feita por Guerreiro Ramos em 1953 foi
aprofundada no ano seguinte em reação às críticas de Costa Pinto ao TEN.4 Além de
transformar textualmente o sociólogo mulato em objeto de estudo, na medida em
que o mesmo seria um dos ideólogos do TEN, Costa Pinto caracteriza o movimento
negro como uma elite mergulhada em um profundo dilema por estar nos estratos
superiores da sociedade, mas não ser aceita de fato pelas" elites brancas". Além
disso, afirma que a" ideologia da negritude" seria um "racismo às avessas" e que a
"elite negra" se constituiria em uma minoria totalmente descolada da "massa
negra", não percebendo que a dicotomia entre raça e classe é uma falsa questão. A
análise de Costa Pinto só viria a confirmar, segundo Guerreiro Ramos, a idéia de
que a sociologia estaria impregnada de estudos nos quais o negro seria
transformado em" material etnográfico".

A resposta de Guerreiro Ramos veio com o artigo intitulado" O Problema do Negro


na Sociologia Brasileira", concluído em fevereiro de 1954, dois meses após o
lançamento do livro de Costa Pinto, e publicado ainda no primeiro semestre daquele
ano em Cadernos do Nosso Tempo, revista do IBESP.

Em "O Problema do Negro na Sociologia Brasileira", o autor retoma suas críticas,


agora de modo mais detalhado, da literatura sobre as relações raciais no Brasil,
com a intenção de desnudar um tipo de trabalho antropológico e sociológico
dominante até então e apresentar sua proposta para uma sociologia nacional.

Logo na introdução, Guerreiro Ramos afirma que os estudos raciais são, em geral,
alienados por seguir parâmetros sociológicos espelhados nas realidades européia e
norte-americana. Conceitos como "aculturação"," estrutura social" e "mudança
social" estariam comprometidos com "uma concepção quietista da sociedade e,
assim, contribu[iriam] para a ocultação da terapêutica decisiva dos problemas
humanos em países subdesenvolvidos" (Guerreiro Ramos, 1957, p. 125).

Desse modo, lembrando O Processo da Sociologia no Brasil, Guerreiro Ramos


aprimora sua classificação dos trabalhos sobre as relações raciais no Brasil. Um
primeiro grupo, que teria diferenças entre si, congregaria Sylvio Romero, Euclides
da Cunha, Alberto Torres e Oliveira Vianna. Eles estariam mais interessados em
formular

"[...] uma teoria do tipo étnico brasileiro do que em extremar as características


peculiares de cada um dos contingentes formadores da nação. No que diz respeito
ao elemento negro, seus trabalhos, embora ressaltem a sua importância,
contribuíram para arrefecer qualquer tendência para ser ele considerado do ângulo
do exótico, ou como algo estranho na comunidade" (idem, pp. 127-128).

Guerreiro Ramos ressalta nesses autores as idéias de evolução, de contexto


histórico e de mudança, presentes em seus escritos e, portanto, importantes de
serem resgatadas. É o que se depreende da comparação que ele faz entre Euclides
da Cunha e Nina Rodrigues:

"[...] em matéria de relações de raça no Brasil, Euclides da Cunha equivocou-se


tanto quanto, por exemplo, Nina Rodrigues. E o que, entretanto, o diferencia do
último e dos seus seguidores são duas coisas: em primeiro lugar, a sua atitude
crítico-assimilativa em face da ciência estrangeira, que ele utilizou, sem passividade
e sem basbaquice, mas com plena lucidez, repensando os conceitos e as teorias à
luz dos fatos que coletava. [...] Em segundo lugar, embora Euclides da Cunha
tenha adotado os preconceitos da antropologia racista, soube superar as suas
conotações depressivas para os brasileiros. Viu, por exemplo, o mestiço
exatamente ao contrário do modo como Nina Rodrigues e Arthur Ramos viram o
negro; viu os mestiços como brasileiros ‘ retardados’ , como ‘ patrícios’ como
‘ nossos irmãos’ e não como elemento exótico, estranho ou mumificado. Ao
contrário dos africanistas de mentalidade estática, acentuou o caráter provisório de
nosso quadro de relações de raça e apontou a terapêutica para alterá-lo" (idem, p.
132).

Mesmo observando os conteúdos racistas e autoritários em Euclides da Cunha e


Oliveira Vianna, Guerreiro Ramos identifica nesses autores a crença nos aspectos
positivos da história do país e de sua sociedade, além de chamarem a atenção para
sua singularidade. Logo, o passado não condenaria o futuro da nação (Werneck
Vianna, 1991; 1994; Lima, 1994; Morse, 1988). Nesse caso, Guerreiro Ramos
poderia ser identificado com a "tradição iberista" que exerceu grande influência em
autores como Sylvio Romero, Alberto Torres, Oliveira Vianna e Gilberto Freyre. O
iberismo, segundo Werneck Vianna (1994, p. 381), seria embasado nas
"concepções organicistas e comunitaristas da ordem nacional e [teria] as suas
reservas quanto ao individualismo e ao mundo livre dos interesses".

A tradição de pesquisa inaugurada por Nina Rodrigues seria atualizada, segundo


Guerreiro Ramos, nos anos 30, com os estudos das "sobrevivências africanas"
orientados por Arthur Ramos e por todos aqueles envolvidos nos congressos afro-
brasileiros de Recife e Salvador, em 1934 e 1937, respectivamente, entre os quais
estavam Gilberto Freyre, Édison Carneiro e Aydano do Couto Ferraz. Esta lista foi
acrescida por antropólogos brasileiros e estrangeiros inseridos no mundo
universitário, o universo das ciências sociais institucionalizadas, como Donald
Pierson, Charles Wagley, Florestan Fernandes, Thales de Azevedo e Costa Pinto.

É interessante observar que parte dos cientistas sociais criticados por Guerreiro
Ramos pertenciam ao projeto patrocinado pela UNESCO sobre relações raciais no
Brasil. Este projeto suscitou uma interessante confluência dos propósitos da
UNESCO com a presença de um grupo de pesquisadores brasileiros e estrangeiros
que chegavam, em graus variados, à maturidade intelectual e profissional,
possibilitando, no contexto de democratização do país vivido entre 1946-1964, o
surgimento de novas interpretações sobre as relações raciais no Brasil e,
especialmente, a revelação da discriminação racial em diversos níveis, frustrando,
em parte, a expectativa inicial da UNESCO.

Na verdade, Guerreiro Ramos coloca-se na contramão do padrão de


institucionalização das ciências sociais vigente no Brasil à época. Afinal, esse
padrão via o negro como objeto de estudo e, portanto, não tinha interesse algum
em "transformar a condição humana do negro na sociedade brasileira [...]"
(Guerreiro Ramos, 1957, p. 128).

Nesse sentido, o aspecto mais importante a ser revisto pela" sociologia de


intervenção" (Werneck Vianna, 1994, p. 378) proposta por Guerreiro Ramos seria a
própria idéia de conceber o negro como um problema na sociedade brasileira. Se os
negros e os mulatos professam em sua maioria a religião católica; se alguns dos
fenômenos sociais, como a criminalidade, advêm da sua condição socioeconômica e
não étnica; se não há nada de singularmente negativo em sua conduta, quer na
vida associativa, conjugal, profissional ou mesmo no processo de competição
econômica e política; e, por fim, se o comportamento do negro é "sempre
essencialmente como brasileiro, embora, como o dos brancos, esse comportamento
se diferencie segundo as contingências de região e estrato social" (Guerreiro
Ramos, 1957, p. 149), qual seria o problema particular do negro?

A resposta de Guerreiro Ramos ao "problema do negro" comporta duas linhas de


reflexão. A primeira diz respeito aos limites da democracia racial que se revelariam
na "ideologia da brancura" e na "patologia social do‘ branco’ brasileiro". A
"ideologia da brancura" foi definida por ele como a crença de que "a cor da pele do
negro parece constituir o obstáculo, a anormalidade a sanar. Dir-se-ia que na
cultura brasileira o branco é o ideal, a norma, o valor, por excelência" (idem, p.
150).

No centro dessa ideologia estaria a estética branca assimilada pelas sociedades que
sofreram a dominação colonial. Influenciado pelo etnocentrismo europeu, o
brasileiro," especialmente o letrado, adere psicologicamente a um padrão estético
europeu e vê os acidentes étnicos do país e a si próprio, do ponto de vista deste.
Isto é verdade, tanto com referência ao brasileiro de cor como ao claro" (idem, p.
153). Portanto, os estudos sociológicos e antropológicos sobre o negro elaborados
até então não passariam de" documentos ilustrados da ideologia da brancura ou da
claridade" (idem, p. 154).

Ao incluir os brancos entre aqueles que seriam influenciados pela "ideologia da


brancura", Guerreiro Ramos vai mais além, afirmando que os mesmos sofreriam de
uma verdadeira" patologia social". Esta "patologia", que seria uma crítica direta a
Costa Pinto, grassaria especialmente no Nordeste, pontuado pela enorme
dificuldade de a classe dominante, inclusive os intelectuais, reconhecer o cadinho
racial brasileiro presente não somente no outro, mas em si próprio. Em outras
palavras, segundo Guerreiro Ramos, "o nosso branco é, do ponto de vista
antropológico, um mestiço, sendo, entre nós, pequena minoria o branco não
portador de sangue negro" (idem, p. 180, ênfases no original).

A atitude reativa da minoria branca, ávida por preservar sua condição de estirpe,
de pureza racial, em face de um povo nitidamente mestiço, mascararia seu
complexo de inferioridade, revelando assim uma combinação de anomalia e atraso.
Diante de uma nação em intenso processo de urbanização e industrialização, que se
traduziria pela mobilidade social vertical, contemplando inclusive os negros, a
"patologia social do ‘ branco’ brasileiro" seria sinônimo de antinação, "já que
[indicaria assim um] sintoma de escassa integração social de seus elementos [...]"
(idem, p. 191).

O sociólogo baiano acreditava que só uma sociologia operada por uma elite negra
poderia atingir uma solução satisfatória no terreno das desigualdades raciais. Para
isso, o pesquisador deveria "partir de uma situação vital [...] aberto à realidade
fática e, também, aberto interiormente para a originalidade" (idem, p. 156).

Dessa maneira, haveria o negro como objeto de estudo da sociologia


institucionalizada e o negro como uma vivência, como uma subjetividade, enfim,
como fonte essencial de uma" sociologia do negro em mangas de camisa". O Teatro
Experimental do Negro representaria essa nova fase político-intelectual dos estudos
sobre o negro. Ao elucidar as origens do TEN, Guerreiro Ramos apresenta o roteiro
de uma possível história do movimento negro desde a Colônia, por meio das
diversas associações, insurreições, resistências e lutas pela libertação do negro.

A identificação dos limites da democracia racial no Brasil e a proposta de os negros


fazerem uma sociologia a partir de sua própria experiência, convergem para uma
segunda linha de reflexão de Guerreiro Ramos sobre o "problema do negro". Tal
reflexão contemplaria os estreitos vínculos entre relações raciais, desenvolvimento
e identidade nacional. A valorização do negro estaria em sintonia com o momento
vivido pelo Brasil na década de 50, no qual o país,

"[...] por força do desenvolvimento de sua riqueza material e de sua crescente


emancipação econômica, começa a ter o que se chama de caráter nacional, um
orgulho nacional e, na medida em que este processo avança, torna-se verdadeiro
imperativo categórico de nossos quadros intelectuais procurar aplicar-se na
estilização, na valorização de nossos tipos étnicos" (idem, p. 158).

A perspectiva positiva da associação entre relações raciais e conformação definitiva


de uma identidade nacional vislumbrada por Guerreiro Ramos a partir do processo
de desenvolvimento econômico corresponderia

"[...] à nova fase dos estudos sobre relações de raça no Brasil, fase que se
caracteriza pelo enfoque de tais relações, desde um ato de liberdade do negro.
É minha convicção que desta mudança de orientação resulte, não um conflito
insolúvel entre brancos e escuros, mas uma liquidação de equívocos de parte a
parte e, conseqüentemente, uma contribuição para que a sociedade brasileira se
encaminhe para o rumo de sua verdadeira destinação histórica  a de tornar-se,
do ponto de vista étnico, uma conjunctio oppositorium" (idem, p. 159).

Pelo que se pode observar, essa "união de contrários" (conjunctio oppositorium)


não seria a diluição das especificidades raciais e sim, como "água e azeite" (Araújo,
1994), a afirmação da diversidade em um contexto de desenvolvimento econômico
nacional. Só assim estaríamos diante da possibilidade de realização de uma
democracia racial plena intimamente associada à construção definitiva da
identidade nacional.

RAÇA-CLASSE VERSUS RAÇA-NAÇÃO

Para além da "fogueira das vaidades", quais são os pontos de convergência e


divergência encontrados nas abordagens de Costa Pinto e de Guerreiro Ramos? A
crítica à produção etnográfica sobre as então denominadas "sobrevivências
africanas", a visão do racismo como indicador da permanência do atraso, a
preocupação com a integração do negro à sociedade capitalista em via de
desenvolvimento  em transição do arcaico para o moderno  , podem ser
considerados pontos de consenso entre os dois sociólogos. No caso dos dois últimos
aspectos, verifica-se a presença do modelo dualista da Comissão Econômica para a
América Latina  CEPAL, órgão criado em 1948. A matriz de pensamento cepalina
exerceu grande influência sobre economistas e sociólogos nas pesquisas sobre as
possíveis condições de um desenvolvimento econômico-social autônomo latino-
americano (Oliveira, 1995b, pp. 293-304). Entretanto, as afinidades entre os dois
sociólogos parecem limitar-se a esses conteúdos.

A produção sociológica de Guerreiro Ramos e Costa Pinto no terreno das relações


raciais sofreu a influência do contexto internacional, especialmente a comparação
entre o Brasil e os EUA no que se refere aos intercursos étnicos. Costa Pinto é um
crítico radical do "mito da democracia racial brasileira". A diferença que ele observa
entre o racismo brasileiro e o norte-americano é de intensidade e não em termos
de "diversidade quanto à natureza" (Nogueira, 1985, p. 78).

Apesar de reconhecer a presença do racismo no Brasil, que seria uma expressão da


antinação, Guerreiro Ramos acredita na existência de uma cultura democrático-
racial que deveria ser aprimorada com a concorrência de umaintelligentsia negra
munida do mito da negritude. Nesse caso, a diferença em relação à discriminação
racial americana seria de ordem qualitativa.

A superação do racismo é também outro pomo de discórdia. Costa Pinto vislumbra


a eliminação da discriminação racial a partir de mudanças estruturais na sociedade.
Essas transformações seriam guiadas pelo proletariado que teria uma inserção
fundamental no sistema capitalista. Todavia, o sociólogo não indica claramente
como a classe operária se moveria em direção à mudança. Quais seriam os atores
políticos que operariam a transformação? Para Costa Pinto, são os processos de
industrialização e urbanização que levam a novas tensões, entre elas, as de
natureza racial. Costa Pinto crê no potencial revolucionário da classe operária que
por ser constituída, em grande número, por negros, cancelaria não só os problemas
classistas, mas também os raciais.

Participando de um projeto de pesquisa no pós-guerra vinculado a uma agência


política internacional em sua fase áurea, como era o caso da UNESCO, em um
contexto de avanço do socialismo e das descolonizações asiática e africana, Costa
Pinto procurou combinar, na pesquisa sobre relações raciais no Brasil, sua leitura
de Marx, a influência dos estudos demográficos realizados na antiga FNFi sob a
influência de seu ex-professor Jacques Lambert e as pesquisas sociológicas da
Escola de Chicago.

O desenvolvimento capitalista associaria profundas desigualdades sociais com uma


ideologia racial difusa, fruto ainda da transição do tradicional para o moderno.
Nesse sentido, os conflitos raciais seriam um epifenômeno da luta de classes.
Desse modo, a tentativa de politização da etnia seria um fenômeno restrito a uma
minoritária "intelectualidade negra", que sofreria as mazelas das barreiras étnicas,
uma das faces do atraso da ideologia das classes dominantes. Portanto, o processo
de integração do negro à sociedade seria uma tarefa do "negro-proletário",
universal, que para ascender necessitaria superar todas as barreiras étnicas e,
principalmente, sociais, para sua integração de fato à sociedade brasileira.

É interessante observar que Costa Pinto contrapõe determinado ator político, o


movimento negro, ao proletariado, que devido às suas condições estruturais estaria
vocacionado para a transformação social. A passagem da condição de raça para a
de massa, até chegar à de classe, seria por meio de mudanças histórico-sociais
(Costa Pinto, 1953, p. 338). Na verdade, a análise de Costa Pinto indica a presença
de estruturas e a ausência de sujeitos.

Sem desconsiderar os elementos estruturais que conduziriam ao desenvolvimento


capitalista autóctone, Guerreiro Ramos aposta na constituição de sujeitos, de uma
intelectualidade engajada, de uma intelligentsia. O melhor exemplo seria o Teatro
Experimental do Negro.

Há dois aspectos a serem destacados na sociologia militante de Guerreiro Ramos


em matéria étnica: a influência da psicologia social em suas formulações, tendo em
vista a valorização positiva da identidade negra em face da persistência da
inferioridade social dos negros. Esta preocupação se consubstancia nas atividades
culturais, nos exercícios de grupoterapia, no concurso do Cristo Negro (Nascimento,
1966), remetendo assim à dimensão espiritual, católica, presente em Guerreiro
Ramos, que se torna secular a partir do final dos anos 40.

O segundo aspecto, de natureza eminentemente política, integracionista,


apresentaria a seguinte questão: como incorporar plenamente o negro ao mundo
da cidadania? Em vez de considerar a abolição da escravidão como o ato político
que alçaria o negro à condição cidadã, como as elites brancas acreditavam,
Guerreiro Ramos supunha que a assimilação definitiva dos negros ao universo dos
direitos ainda estaria por se realizar. Caberia a uma elite negra, identificada com a
tradição ocidental, de corte católico ou protestante, induzir a "massa negra" a lutar
por direitos sociais e sensibilizar a classe dominante branca diante dessas
demandas. Conforme o entendimento de Guerreiro Ramos (1952, p. 1), o Teatro
Experimental do Negro, "uma elite de intelectuais de cor", teria assumido essa
tarefa de superar a distância entre o "negro legal" e o "negro real", entre a
libertação política formal e a manutenção das disparidades sociais e econômicas,
em sintonia com a especificidade brasileira, que se traduziria por uma tradição
católica tolerante e integradora, acompanhada de uma história de intensa
miscigenação. Só assim haveria a implantação definitiva de uma verdadeira
democracia racial no país.

Com a onda nacionalista dos anos 50 e a participação de Guerreiro Ramos no


segundo governo Vargas, a questão do negro aparece em sua obra com dois
significados: primeiro, passa a ser um instrumento de seu posicionamento no
campo intelectual com o surgimento da febre classificatória da intelectualidade
brasileira, na qual a questão étnica será uma referência central pelo menos até
1955; segundo, o tema das relações raciais passa a ser uma questão nacional.

À crítica às "sobrevivências africanas" soma-se agora uma visão que não diluiria as
especificidades raciais mas, pelo contrário, apostaria na superação do atraso,
precondição para a constituição política do povo brasileiro. Como afirma Guerreiro
Ramos:
"Desde que se define o negro como um ingrediente normal da população do país,
como povo brasileiro, carece de significação falar de problema do negro puramente
econômico, destacado do problema geral das classes desfavorecidas ou do
pauperismo. O negro é povo, no Brasil.[...] O negro no Brasil não é uma anedota, é
um parâmetro da realidade nacional" (Guerreiro Ramos, 1957, p. 157, ênfase no
original).

Nesse sentido, os constrangimentos provocados pela" patologia social do


‘ branco’ brasileiro", revelariam uma das contradições fundamentais pensadas à
época: o conflito entre o padrão tradicional, atrasado, arcaico e o padrão moderno
de desenvolvimento econômico-social. Elites brancas de regiões atrasadas não
conseguiriam reconhecer a legitimidade do compósito racial existente no país. Essa
situação de atraso se associaria com a "ideologia da brancura" que não seria mais
do que a força do colonialismo, do etnocentrismo europeu sobre as nações em
busca de seus próprios destinos. Antimoderno e antinação, o primeiro subsumido à
segunda, estes seriam os alvos a serem combatidos diante da necessidade de se
construir um caminho nacional autóctone.

Guerreiro Ramos, identificado com a "herança ibérica", acreditava na existência de


uma cultura democrática racial brasileira convivendo com doses elevadas de
racismo no país. Esta tensa e contraditória realidade só seria resolvida a partir do
momento em que se levasse às últimas conseqüências o desafio de Alberto Torres,
referência central de Guerreiro Ramos, de se construir em definitivo uma identidade
nacional brasileira.

Trajetórias cruzadas, permeadas por conflitos no campo da sociologia: eis os


caminhos trilhados por Costa Pinto e Guerreiro Ramos. Para o primeiro, pensar a
questão racial no Brasil seria um meio pelo qual a sociologia poderia detectar os
fatores impeditivos da mudança social. Nesse caso, ao sociólogo, ciente da
importância de um relativo isolamento, tendo em vista o seu compromisso com
uma análise a mais isenta possível, caberia o papel de apresentar subsídios à
sociedade na direção das transformações necessárias. Guerreiro Ramos, por sua
vez, em sua proposta de uma sociologia militante, veria "o negro como lugar"
(Santos, 1995, p. 28), como representação das classes subalternas, da pobreza, do
povo, enfim, do dilema brasileiro. Seria a partir deste prisma que os intelectuais
poderiam intervir, como segmento específico na esfera pública, na superação das
mazelas do subdesenvolvimento em contexto nacionalista.

(Recebido para publicação em agosto de 1996)

NOTAS:

1. Participaram do projeto os cientistas sociais: Charles Wagley, Roger Bastide,


Florestan Fernandes, Oracy Nogueira, Marvin Harris, Thales de Azevedo, Harry
William Hutchinson, Virginia Bicudo, Luiz de Aguiar Costa Pinto, René Ribeiro,
Aniela Ginsberg, Benjamin Zimmerman.

2. Sobre os vários projetos ideológicos no interior do integralismo, ver Araújo


(1988); Maio (1992); Trindade (1979).

3. A primeira crítica de Guerreiro Ramos a Costa Pinto foi publicada antes de o livro
deste último, O Negro no Rio de Janeiro, completar um mês da publicação. O artigo
intitula-se "Sociologia Clínica de um Baiano ‘ Claro’ ", no qual o sociólogo ressalta
a necessidade de se estudar os aspectos patológicos que norteariam a conduta do
branco em relação ao negro. Embora não mencione textualmente Costa Pinto, este
se constitui em seu personagem central (Guerreiro Ramos, 1953a). A resposta de
Costa Pinto viria duas semanas depois, quando o professor de sociologia da FNFi
afirma "que é preciso não confundir duas coisas bem diferentes e que só podem ser
misturadas por má-fé: uma coisa é IDEOLOGIA RACIAL, outra coisa completamente
distinta é o ESTUDO CIENTÍFICO DE RELAÇÕES DE RAÇA. O leitor inteligente que
tenha sobre o assunto o mínimo de conhecimento necessário para se interessar
pela leitura do livro e dos artigos é capaz de compreender que a segunda é
o métierprofissional do sociólogo e que a primeira é o seu material. As duas
atitudes, portanto, não se confundem e não serei eu quem há de confundi-las"
(Costa Pinto, 1954, p. 2, ênfases no original). Guerreiro Ramos responde ao artigo
de modo bastante agressivo, procurando desqualificar o trabalho sociológico de
Costa Pinto (Guerreiro Ramos, 1954a, p. 7).

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ABSTRACT

A Forgotten Polemic: Costa Pinto, Guerreiro Ramos, and the Issue of Race Relations

The article focuses on Luiz de Aguiar Costa Pinto’ s and Alberto Guerreiro Ramos’
sociological production on the issue of race relations. Noteworthy contributors to
the social sciences during the 1945-64 period, these two sociologists were selected
not only for the importance of their work but also because of their polemic
regarding ethnic intercourse. Costa Pinto’ s and Guerreiro Ramos’ analyses of the
issue reveal two distinct patterns of sociological work. Yet it must be underscored
that when these two intellectuals approached race relations, each in his own way,
they were devoting themselves primarily to the era’ s driving issues  social
change and the process of Brazilian development.

Keywords: race relations; Costa Pinto; Guerreiro Ramos; ethnic intercourse; social
change; race

RÉSUMÉ

Une Polémique Oubliée: Costa Pinto, Guerreiro Ramos et la Question des Rapports
Raciaux

Dans cet article on cherche à aborder la production sociologique des auteurs Luiz de
Aguiar Costa Pinto et Alberto Guerreiro Ramos au sujet des croisements raciaux. On
a choisi ces deux sociologues remarquables dans le domaine des sciences sociales
pendant la période 1945-1964, à cause non seulement des travaux particuliers de
chacun d’ eux, mais aussi de la polémique qu’ ils ont entamée à propos de la
question des rapports sexuels entre groupes ethniques différents. Les analyses de
Costa Pinto et Guerreiro Ramos à cet égard révèlent des modèles distincts dans
l’ approche sociologique. Il faut pourtant remarquer que ces deux spécialistes des
relations raciales ont abordé, chacun à sa façon, la question du changement social
et le processus de développement national, sujets inéluctables à l’ époque.

Mots-clé: rapports raciaux; Costa Pinto; Guerreiro Ramos; croisements ethniques,


changement social; race

*
Este artigo é fruto de um trabalho elaborado para o curso "A Institucionalização
das Ciências Sociais", ministrado pelos professores Luiz Werneck Vianna, Maria
Alice Rezende de Carvalho e Manuel Palacios Cunha Melo. Gostaria de agradecer,
especialmente, ao prof. Werneck Vianna e aos pareceristas de Dados pelas críticas
feitas ao trabalho.

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