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Êsse estado
de coisas, diante do qual a religião evangélica é um paraiso,
descreveu-o S. Hilário nesta exclamação: “ Nossa fé varia co
mo queremos e nossos credos são tão diversos como nossos
costumes. Fazem-se confissões e são interpretadas segundo
a fantasia. Ora nos arrependemos das nossas decisões, ora
as defendemos e ora lançamos anátemas sôbre o que temos
defendido. Nossas dissensões mútuas nos têm arruinado reci
procamente; mordentes invicem, jam abrupti sumus ab invi-
cem” . E nossos irmãos romanos notam as nossas diferenças!
Àquêles que dizem estarmos divididos em batistas, calvinis-
tas, luteranos, evangelistas, anglicanos e em congregaciona-
listas, nós os mimoseamos, oferecendo-lhes algumas seitas
que dividiram a Igreja de Cristo, até o quarto século, e das
quais nos fala Santo Agostinho: — Simoniani, manandriani,
arabici, helvidiani, paterniani, tertullianistae, abeloitae,
christi divinitatem passibilem dicentes, christi discensione
credentes, christi de patre nativitati, saturniani, angelici,
apostolici, sabelleani, basilidiani, micolaitae, origeniani,
gnostici, pauliani, carpreratiani, photiniani, cerinthiani,
manichaei, nazaraei hoeracitae, ebionae, meletiani, valenti-
niani, secundani, vadiani, marcitae, colorbasi, ophitae, caia-
ni, massiliani, metangismantis, selenciani, patriciani, alogii,
severiani, tatiani, cataphryges, papaziani, valesii, noetiani,
cathari, etc., etc.. E nossos irmãos católicos romanos ainda
falam de seitas protestantes!” (A igr. Rom. pág. 30).
Havia seitas, discussões, anátemas!. . . Mas também ha
via vida, havia fé ardente; havia, pelo menos, alguém que
desejava esclarecer ou esclarecer-se. A prova disto é que do
seio de semelhante cáos brotou, entre outros, um Sol como
Santo Agostinho. Realizou-se nas gerações seguintes a uni
dade espiritual quase completa, sob a conduta do Papado,
acabaram-se as seitas, as discussões, os anátemas. . . mas a
humanidade entrou na idade das trevas, na paz dos cemi
térios, da morte! O espírito de autonomia é a vida do Pro
testantismo e o será enquanto forem de ordem secundária as
questões que nos dividam. O que diferencia um presbite
riano de um batista é uma cerimônia exterior; o que separa
um metodista de um reformado é a predestinação, em que
êstes crêem e aquêles dizem que não; o que distingue um
anglicano de um luterano é govêrno e liturgia; tôdas essas
diferenças, quando consideradas atentamente, em absoluto
não podem interessar à salvação, a qual depende essencial
mente das grandes doutrinas em que, graças a Deus, todos
estão de acordo. Eis porque, a despeito de tudo, o Protes
tantismo anda e espalha-se pelo mundo. Não existisse entre
êsses grandes ramos do Protestantismo um intenso espírito
de cooperação, procedente seria a acusação que se lhe faz;
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mas isso está fora do campo visual de seus adversários. E se
o Protestantismo está tão dividido contra si mesmo, por que
se alarma o Papa atual pela propaganda dêle nas principais
cidades da Itália, a começar pela de Roma? Acaso não sabe
que uma casa dividida contra si mesma não pode subsistir?
O caso aqui, porém, é que tais divisões são como a do casti
çal de sete lâmpadas que está continuamente diante do Se
nhor. Graças a Deus porque é dividido, mas também graças
a Deus porque há nêle mais união do que parece aos olhos
do mundo.
DOGMAS E DOGMAS
Mas vem o rev. Franca e assim critica essa doutrina:
“Há, pois, que distinguir no Cristianismo dogmas funda
mentais e não fundamentais. Os protestantes divergem nes
tes e concordam naquêles. Desta arte salva-se a “ harmonia
fundamental” e a liberdade! Dois pombos de uma chum
bada. Milagreira distinção. Examinemo-la de perto, come
çando como é de razão pela Bíblia. Em que parte da Escri
tura leu o Sr. Pereira que há dogmas que se devem crer e
dogmas que se podem impunemente negar?”
Venha a resposta da sua própria pena:
“ A Unidade e a Trindade de Deus, a Encarnação, Paixão
e morte de N. S. J. C., chamam-se mistérios principais ou
dogmas fundamentais da nossa fé, não porque os outros se
possam impunemente negar, senão porque constituem como
0 centro da doutrina cristã, em tôrno do qual gravitam to
dos os outros dogmas” .
Evidente é a contradição do rev. Franca consigo mes
m o!. . . Mas acaso sancionará a Santa Escritura essa mila
greira distinção? Sem nenhuma dúvida:
“ Recebei aquêle que é fraco na fé, sem disputa de opi
niões. Um crê que pode comer tôdas as coisas, outro, que
é fraco, só come legumes. Que aquêle que come não menos
preze aquêle que não come; nem aquêle que não come, jul
gue aquêle que come. . . Um considera um dia maior que os
outros; outro considera iguais todos os dias. Que cada um
esteja plenamente convicto da sua opinião. Aquêle que dis
tingue os dias, para o Senhor os distingue.. . ” (Rom., XIV,
1 e seg.).
Eis aí exemplos de coisas em que é lícito diferir, sem
risco da salvação. Dêsse mesmo calibre são “ cerimônias fei
tas por mãos no despojo do corpo” ; questões ritualísticas;
questões de govêrno, até onde não cerceiem a liberdade cris
tã; questões, enfim, da ordem daquelas que S. Paulo tinha
por “ estéreo” diante do sublime conhecimento de Jesus
Cristo. Em tais coisas é lícito divergir e conservar-se cada
um convicto da sua opinião.
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seguida da maior das calamidades do mundo, a saber, mani
festação do Anticristo” .
Bem séculos já há que êsse império se desmembrou...
E ainda há quem esteja aguardando a manifestação do Antí-
cristo como coisa futura!. . . E’ o cúmulo da simplicidade.
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O Anticristo no Apocalipse
i
•
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visão terrível e espantosa de Daniel, o império Romano.
O profeta assinala a sua duração pelo ciclo astronômico de
mil duzentos e sessenta anos. Não podemos com certeza
indicar a data da fundação de Roma. Cícero, Políbio, Dio-
doro e Lívio, dão 750 A. C. Fábio Pitore dá 748 A. C. Os Fas-
tos capitolinos dão 752 A. C. Cíncio Alimento dá 728 A. C.
Timeo indica 814 A. C. Por sua vez a queda do império
Romano sob Rômulo Augústulo deu-se no ano 476 D. C.
Pela cronologia divina Roma teria sido fundada no ano
784 A. C., número êsse que cai entre as datas supra referidas;
é o que basta para justificar a estimativa do profeta.
Há ainda a notar que o Vidente do Apocalipse descreve
esta sua “ Primeira Bêsta” com os caracteres das três outras
de Daniel, o que demonstra o seu desejo de interpretar, ou
melhor, suplementar Daniel. Com efeito. Em Daniel a pri
meira Bêsta assemelhava-se a um leão; a segunda, a um
urso; a terceira a um leopardo; a quarta tinha dez cornos; a
“ Primeira Bêsta” do Vidente apocalíptico assemelha-se a um
leopardo, tem pés como de urso, bôca como de leão e tem
dez cornos. O sentido do simbolismo é evidente: quer dizer
que no império Romano se corporizam os grandes impérios
mundiais precedentes, são as suas sete cabeças, o que é ver
dade histórica e geogràficamente.
Quem é a “ Segunda Bêsta?” O Vidente do Apocalipse a
descreve assim:
“ E vi outra Bêsta que subia da Terra, a qual tinha dois
cornos semelhantes aos de um cordeiro e falava como um
Dragão. E exercitava todo o poder da “ Primeira Bêsta” na
presença dela” .
Não precisamos ir mais longe para reconhecermos nesta
“ Segunda Bêsta” o Anticristo; pois se nos apresenta exerci
tando dois poderes, “ dois cornos” , semelhantes aos de um
Cordeiro, isto é, semelhantes aos de Jesus Cristo, o Cordeiro
de Deus, mas as suas palavras revelam um interior satânico:
“Agnum fingit ut Agnum invadat” (Primarius). Não sòmen-
te exercita o poder temporal e espiritual semelhantes ao po
der temporal e ao poder espiritual de Jesus Cristo, como ain
da exercita todo o poder político do império Romano em face
dos seus próprios imperadores e reis. Manifesta é a identifi
cação desta “ Segunda Bêsta” apocalíptica com o “undécimo
pequeno corno” da profecia de Daniel que surgiria dentre os
dez reinos em que se havia de subdividir o império Romano,
depois de “ abater a três dêles” , e que “ seria mais forte que
seus companheiros” (Dan., VII, 21).
Êste domínio, esta usurpação do poder político pelo po
der eclesiástico constitui a característica essencial do Anti
cristo. Foi esta uma das três grandes tentações que o De
mônio lançou contra nosso Salvador, quando, no monte, ofe
144 — ,
receu-lhe “ todos os reinos do mundo e a glória dêles” , o que
foi por nosso Salvador terminantemente recusado. Êle pró
prio preferiu dar a César o que era de César e a Deus o que
era de Deus; ainda que Rei de um reino espiritual, viveu e
padeceu como súdito de César, a quem, não somente pagou
tributo, como ainda, reconheceu expressamente o poder dêle
sôbre si. Pois esta oferta do Diabo que nosso Salvador ter
minantemente recusou, aceitou-a o Papa de Roma das mãos
de Carlos Magno. E ei-lo reinando!. . . E em que extensão
tem exercitado o poder político dos imperadores, na própria
presença dêles, como tem-lhes pisado o pescoço com os pés,
como os tem surrado com varas, como lhes tem dado o pé a
beijar, é sabido de quantos se interessam por tais histórias.
E’, em suma, o Papado, a maior e a mais formidável organi
zação político-eclesiástica que tem existido no mundo e cujo
domínio se torna cada dia mais universal. Continuemos a
leitura do texto sagrado:
“ E com os milagres que se lhe permitiu que fizesse
diante da Bêsta (da Primeira.. . ) seduziu os habitantes da
Terra dizendo-lhes que fizessem uma imagem da Bêsta que
tinha recebido um golpe de espada e estava viva” .
Da invasão dos Bárbaros recebeu o império Romano um
“ golpe de espada” , uma “ferida mortal” ; mas essa ferida foi
curada pelo Papado. Com efeito. Na mesma ocasião em que
Carlos Magno concedeu ao Papa o poder temporal, êste, por
sua vez, proclamou a reconstituição do império Romano, na
pessoa de Carlos Magno, passando êle próprio, a exercitar
desde então a suprema autoridade nesse império.
Mas se o Papa de Roma é a Segunda Bêsta e o império
Romano, a Primeira, que imagem do império Romano é essa
feita pelos habitantes da Terra, por instigação do Papa?
Ainda aqui a correspondência do símbolo com a realidade
não deixa de levar ao assombro. Não existe nem pode existir
no mundo mais bem acabada e perfeita imagem do império
Romano do que a Igreja romana: a mesma organização po
lítica e administrativa, com o seu “ Divus Cesar” à testa; a
mesma disciplina férrea; o mesmo espírito de dominação uni
versal; a mesma avidez pelo ouro; o mesmo culto idólatra;
a mesma corrupção pagã. Que falta?
“Aqui está a interpretação: Quem tiver inteligência
calcule o número da Bêsta (da Segunda...) . O seu número
é número de homem e o número dela é seiscentos e sessenta
e seis” .
Muito se tem escrito sôbre êsse número. Porém Santo
Irineu, discípulo de São Policarpo, que por sua vez foi discí
pulo do próprio autor do Apocalipse, “supõe” que se trate
da palavra grega “Leteinos” ou “Latino”, em vernáculo.
Diz êle:
O nome Leteinos contém o número seiscentos e sessenta
e seis e é muito verossímil, porque o último Reino assim se
chama visto serem os latinos os que agora reinam. Nisto,
porém, não nos gloriamos” .
Com efeito. Tomadas as letras dêsse nome pelos valores
numéricos que têm na língua grega, encontramos o seguinte
resultado: L, vale 30; A, vale 1; T, vale 300; E, vale 5;
I, vale 10; N, vale 50; O, vale 70; e S, vale 200. O total dá
precisamente 666.
Ao dizer-nos S. João que o Anticristo é latino, nada mais
nos disse que Daniel quando indica-lhe por pátria a Itália.
Um diz que é latino, outro que é italiano. A concordância é
perfeita.
Renan aponta o nome Caisar Neron que transliterado
em hebraico, e tomadas as letras pelos valores que têm nesta
língua, também dá 666. Mas não somente Renan deforma
um tanto o nome hebraico de Nero, como ainda, seria o
cúmulo do enigma fôsse a contagem em outra língua que
não na grega, ou seja, na língua em que foi o livro escrito.
Em resumo. O Apocalipse põe diante de nossos olhos a
Trindade do Mal, oposta à Trindade Santíssima.
1. °) Tôdas as potências do mal corporizadas no Dragã
e antiga Serpe que se chama Diabo e Satanás.
2. °) Todos os poderes políticos, inimigos do Reino
Deus, que se originam do seio dos povos, multidões, tribos,
nações e línguas, corporizados nos grandes impérios mun
diais, com as suas sete cabeças.
3. °) Todos os poderes inimigos do Reino de Deus que
originam dentro da própria Igreja pela apostasia de seus
membros, corporizados no Papa latino, o Anticristo.
E, finalmente, uma imagem do império Romano, obra
dos habitantes da Terra por instigação do Papa, a qual com
a maior propriedade se realiza na Igreja romana. E’ esta
imagem que o Vidente apocalíptico nos apresenta logo adian
te como a Prostituta, a Babilônia, a Grande.
II
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evangelistas e por vinte e quatro anciãos os doze apóstolos
e os doze patriarcas. Diz êle:
“ Não dispersarei meus versos em descrever suas formas
(as dos quatro querubins. . . ) ; outra coisa ocupa tão impe
riosamente minha atenção que não posso desperdiçar muito
tempo. Lê a Ezequiel que os pinta como os viu, com impe
tuoso vento, nuvens e fogo, saírem da parte do Setentrião;
e, conforme os aches em seus escritos, assim se viam aqui,
salvo quanto às asas: João está comigo e difere d êle...
Enchia o espaço cercado pelos quatro animais uma Carrua
gem triunfal, (A Ig r e ja ...), sustentada por duas rodas (O
Velho e o Novo Testamento), jungida ao colo de um G rifo...
e os santos varões que vinham depois daquelas luzes e antes
do Grifo, voltavam-se para a Carruagem como para o obje
to de seus anelos. E um dêles, qual mensageiro celeste, por
três vêzes entoou um cântico, que dizia: Veni Sponsa de
Líbano, e todos os mais a repetiram.
O Grifo, “metade águia e metade leão” simboliza Jesus
Cristo, com a sua dúplice natureza divina e humana. Quan
to à Carruagem, o nome Esposa do Líbano nenhuma dúvida
nos deixa de que se trate da Igreja; pois êsse nome é geral
mente apontado como figurativo da Igreja no Cântico dos
Cânticos. Mas o extraordinário é que o Poeta passa a mos
trar como essa santa Igreja se transformou na Bêsta apoca
líptica de sete cabeças e dez cornos. Eis a descrição que dá
dessa fantástica transformação:
“ Pouco tempo, disse-me Beatriz, habitarás nesta selva;
mas viverás comigo naquela Roma que é a pátria do mesmo
Cristo. Para o bem do mundo, que arrasta uma vida mise
rável, fixa a vista nesta Carruagem, e, ao regressar ao mun
do, põe por escrito tudo o que tiveres visto. Eu, que me acha
va inteiramente submisso à sua vontade, fixei a vista e o
sentido aonde ela me indicava.
“ Não se precipita o raio de uma espessa nuvem com
velocidade maior, quando se lança das mais elevadas alturas,
do que vi lançar-se sôbre a Arvore a ave de Júpiter (A Águia,
símbolo do império Romano), rompendo suas cascas, arreba
tando-lhe as flores e as novas folhas; arremeteu contra a
Carruagem e a sossobrou, como nave que é trabalhada pela
borrasca e combatida pelas ondas tão fortemente de uma
banda como da outra.
“Vi, depois, arrojar-se dentro do triunfal veículo uma
raposa (A heresia que penetrou na Ig r e ja ...) que parecia
jamais haver se alimentado de bom pasto. Mas por incre-
pá-la minha Beatriz (Símbolo da Teologia.. . ) sôbre as suas
abomináveis culpas, fê-la fugir tão apressadamente quanto
lhe permitiam seus descarnados ossos.
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“ Vi, também, pelo mesmo ponto donde antes tinha vin
do, baixar outra vez a Águia sôbre a Carruagem e cobri-la
com suas penas (Doação do poder temporal à Igreja pelos
imperadores rom anos...)* E, como um coração que lança
aos ventos seus queixumes, ouvi uma voz do Céu (Voz de
S. Pedro) a qual dizia: Ó nave minha! Que ruim carga levas!
“Pareceu-me que em seguida se abria a Terra entre am
bas as rodas. E vi que da Terra surgiu um Dragão, (O Dia
bo) o qual transpassou a Carruagem com a cauda, e, assim
como uma vespa recolhe o ferrão, assim recolheu a venenosa
cauda arrastando parte do fundo da Carruagem. E foi-se ser
penteando. A porção da Carruagem que ficou tornou-se a
cobrir, como se cobre de relva a terra viva, com as penas
oferecidas, aliás com boa intenção, pela Águia, (O poder tem
poral concedido à Igreja pelos imperadores romanos. . . ) de
saparecendo dela uma e outra roda (Isto é, ficando a Igreja
privada do Velho e do Novo Testamento) e o timão (Isto é,
perdendo também a direção do Divino Espírito Santo), du
rante um tempo mais breve do que leva a bôca para exalar
um suspiro.
Assim transformada a santa Máquina (A Igreja trans
formada agora no império político religioso do Papa-Rei. . . )
assomaram-lhe várias cabeças por diferentes partes: três em
lugar do timão e uma em cada ângulo! (Sete cabeças!). As
primeiras tinham cornos como bois (Seis co rn o s ...); mas
cada uma das restantes só tinha um em meio à fronte. (Mais
quatro cornos... ) . Jamais se viu no mundo monstro como
êsse!
“ Firme qual rocha sôbre alto monte apareceu-me senta
da sôbre êsse monstro (Isto é, sôbre a Besta de sete cabeças
e dez cornos. . . ) uma impudica Prostituta (A Igreja roma
n a . . . ) que volvia os olhos para uma e outra banda. E, para
impedir que não a arrebatassem, vi de pé, ao lado dela, um
Gigante (O poder político do mundo que dá tôda a sua auto
ridade à Igreja rom ana.. . ) . De quando em vez se beijavam
mütuamente. Mas por haver ela volvido para mim os seus
cúpidos e irrequietos olhos, o seu feroz amante a açoitou dos
pés a cabeça. E logo, cheio de ciúmes e ardendo em ira, de
satou a Carruagem e arrastou-a a suficiente distância para
que eu jamais visse, nem a Prostituta, nem a Bêsta” .
Assim é que aos olhos de Dante, a santa Igreja trans
formou-se num império político territorial, que é a Bêsta de
sete cabeças e dez cornos, sôbre a qual se assenta a Prostitu
ta apocalíptica que é a Igreja romana.
Também é difícil não ver uma genuína profecia de Lu-
tero naquêle Veltro do canto I, ver. 99. E com efeito. Se
transpusermos as letras dessa palavra teremos Lutero!. . .
Veltro é um cão de caça que havia de libertar o mundo da
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quela Loba, animal simbólico de Roma, que se prostituía a
várias espécies de animais e que quanto mais comia mais fo
me tinha: “dopo il pasto há piu fame che p ria ..
m
No capítulo XVII descreve o apóstolo S. João a formi
dável imagem do império Pagão que, por sedução do Anti-
cristo, fizeram os habitantes da Terra:
“ . . . e vi uma mulher sentada sôbre uma Bêsta côr de
escarlata, cheia de nomes de blasfêmia, com sete cabeças e
dez cornos”.
Como já vimos, a Bêsta de sete cabeças e dez cornos é o
império Romano, agora com o Papa-Rei à sua testa, reves
tido com as insígnias do poder temporal. “ Ah! Constantino!
Quanto mal fizeste. . . ” E a mulher que sôbre ela se assenta
que outra pode ser senão a Igreja de Roma, o poderio ecle
siástico do Papa-Rei? Sôbre êste ponto adotamos integral
mente a interpretação de Dante e de Newton, dois dos maio
res gênios que a humanidade tem visto. Tais homens não
proferiríam tão tremendo julgamento sem motivos fortes e
ponderosos.
“ E a mulher estava vestida de púrpura e de escarlata,
adornada com ouro, pedras preciosas e pérolas. . . e na sua
fronte estava escrito êste nome:
“Mistério! Babilônia, a Grande, a mãe da fornicação e
das abominações da Terra” .
“ E a mulher achava-se embriagada com o sangue dos
santos e com o sangue das testemunhas de Jesus. E quando
eu a vi admirei-me com grande admiração” .
Parece que, antes de profecia, o santo apóstolo descreve
a Igreja de Roma como no-la apresenta a História, com as
suas vestes de púrpura e escarlata, com os seus adornos de
ouro, pedras preciosas e pérolas, e ainda, embriagada pelo
sangue das testemunhas de Jesus em todos os ângulos da
Terra.
Babilônia, a Grande... O rev. Franca, citando Chr.
Schottgen — Horae Hebraicae et Talmudicae — demonstra
que no Novo Testamento por Babilônia se deve explicar
Roma:
“ Era comum entre os judeus chamarem Roma de Babi
lônia, porque, como sob o primeiro templo os babilônios os
oprimiram a ponto de devastarem tôda a região e o próprio
templo, o mesmo fizeram-lhes os romanos sob o segundo” .
“Vem ainda confirmá-la o inciso que imediatamente se se
gue às palavras que comentamos: “ Saúda-vos a igreja que
está em Babilônia e Marcos, meu filho! Ora, Marcos nesta
— 14» —
época não se achava em Babilônia, mas em Roma. Di-lo
abertamente *S. Paulo em duas epístolas escritas durante o
seu primeiro cativeiro na capital do império. Na epístola aos
colossenses, IV, 10: “ Saúda-vos Aristarco... e Marcos, primo
de Barnabé” e na de Filemon, v. 24: “ Saúda-te Marcos, etc.”
Nem é tudo. O exame interno do nosso segundo evangelho,
com os mais antigos testemunhos históricos, atesta-nos que
Marcòs escreveu as suas páginas inspiradas, sintetizando ne
las a prègação e o ensinamento do príncipe dos apóstolos.
Papias, Justino, Irineu, Orígenes, Clemente Alexandrino, de
põem contestes a favor desta verdade” (Págs. 76 a 77).
E’, então, um fato confessado pelo próprio rev. Franca,
que entre os judeus e os primitivos cristãos, a começar por
S. Pedro, era corrente designar Roma pelo epíteto de Babi
lônia. A mesma coisa se demonstra ainda pelas palavras com
que o santo Anjo explicou a S. João o sentido do que lhe
mostrara:
“ E a mulher que viste é a Grande Cidade que reina so
bre os reis da Terra” .
Vê-se, então, que esta Babilônia não pode deixar de ser
Roma, a única cidade que ao tempo de S. João reinava sôbre
os reis da Terra. A antiga Babilônia era simplesmente Babi
lônia; mas esta é Babilônia, a Grande! O Profeta apocalípti
co designa Roma por êste nome, porque, assim como o povo
de Deus sofreu o cativeiro em Babilônia durante setenta
anos, assim também deverá a Igreja de Deus sofrer em Roma
o cativeiro do Anticristo, durante mil duzentos e sessenta
anos.
' “As sete cabeças são sete montes sôbre os quais a mu
lher está assentada e são também sete reis. Cinco são já
mortos. Um agora é. O outro ainda não veio e quando vier
convém que dure pouco. E a Bêsta, que era e já não é, ela
mesma é o oitavo e é dos sete e vai para a perdição” .
Na primeira frase Roma é indicada com evidente desig
nação topográfica: a “ cidade dos sete montes” ; na segunda,
por não menor evidência histórica: “ o que agora é” , a “ ci
dade que reina sôbre os reis da Terra” . E ao tempo de S.
João nenhuma outra cidade havia à qual se pudesse aplicar
êsses dizeres. E’ ela mesma!
Efetivamente Roma é a única cidade do mundo edifica-
da sôbre sete montes: o Quirinal, o Viminal, o Esquilino, o
Caelio, o Aventino, o Palatino e o Capitolino. As seguintes
citações nos demonstram que Roma era conhecida na anti
guidade como a cidade dos sete montes:
Virgílio, (AE n. VI, 781; Geor. II, 535) — “ Pulcherrima
Roma, septenque una sibi muro circumdabit arces” .
Horácio, (Carm. saec., 7) — “ ...di quibus septem pla-
cuere colles” .
' — 150 —
Propércio, (III, 10) — . .septem urbs alta iugis, quae
toti praesidet orbi” .
Ovídio, (Trist., I, 5, 69) — . .sed quae de septem to-
tum circumspicit orbem montibus imperii Roma deumque
locus” .
Marcial, (IV, 64) — “ ...h in c septem domínios videre
montes et totam licet aestimare Romam” .
Como, porém, o número sete na Sagrada Escritura deno
ta a totalidade, os sete montes evidentemente simbolizam a
totalidade da Terra sôbre a qual a Igreja de Roma tem de
exercitar a sua influência.
Mas diz o intérprete que são também sete reis, cinco dos
quais são já mortos, um agora é, o outro ainda não v eio...
Por êstes sete reis designa o Vidente sete reinos inimigos do
Reino do Altíssimo que se hão sucedido no mundo, a saber:
o do Egito, o da Assíria, o de Babilônia, e dos Medo-Persas
e o da Macedonia; êstes são os cinco já mortos. “Aquêle que
agora é” é o dos Romanos que governava o mundo ao tempo
de S. João. “ O sétimo que ainda não veio, que é também o
oitavo e é dos sete” é o do Anticristo, o qual por ser dúplice,
“mui difere dos outros” (Dan.) Pois que o Papa exercita dois
poderes, na sua qualidade de sucessor dos imperadores ro
manos, representa o sétimo dos grandes reinos mundiais, e,
enquanto rei espiritual, representa um oitavo; como, porém,
estas duas últimas funções são exercitadas por uma única
pessoa, vê-se como êste oitavo também pertence aos sete.
Tôda a tentativa para enquadrar nestes dizeres os reis
de Roma mostrou-se perfeitamente ineficaz. À maneira de
Daniel, o têrmo rei neste passo designa reino, o reino mun
dial. O pensamento do autor do Apocalipse voa por demais
alto para preocupar-se com individualidades. A seus olhos o
império Romano é apenas uma das cabeças dos sete grandes
impérios mundiais que tem existido no mundo, o que cor-
poriza todos êles na sua monstruosidade.
Quando o Vidente viu e reconheceu essa mulher, diz o
texto que “ admirou-se com grande admiração” .
Nenhuma admiração devia causar-lhe se essa corrupta
e devassa Prostituta fôsse pagã: o fato era tão notório, tão
vulgar, que admirar-se dêle seria a mesma coisa que admi
rar-se alguém do brilho do Sol; mas o que sobremaneira o
encheu de pasmo e admiração foi ser ela a Igreja de Roma,
para a qual tôda a Cristandade volvia os olhares, esperando
dela a salvação do mundo. E eis que o Senhor mostra ao Vi
dente o que ela é na realidade!. . . Foi essa revelação, tão
inesperada quanto maravilhosa, que o encheu de pasmo e
admiração.
Como se vê, a interpretação que acabamos de desenvol
ver é consentânea com a crítica textual mais rigorosa e mais
— 151 —
exigente. O mesmo não se dá com a de Renan por exemplo.
Para êle os sete reis são os reis de Roma, pouco importan
do-se com a duração cíclica indicada pelo profeta: é a pri
meira falha da sua explicação. Os reis são: Augusto, Tibério,
Calígula, Cláudio e Nero. Êstes são os cinco já mortos. O
sexto “que agora é” é Domiciano sob cujo reinado foi o Apo
calipse escrito. Mas para ser êle o sexto, temos de eliminar
da contagem Galga, Otto, Vitélio, Vespasiano e Tito. Os ex
pedientes, então, surgem a vontade: os três primeiros reina
ram muito pouco para serem contados; mas, como fazerem
dos dois últimos um só? Lightfoot resolveu o problema: fo
ram associados no govêrno! Como se vê essa explicação é
falha. O sétimo que ainda não veio seria Nero, o qual segun
do um oráculo Sibilino devia ressuscitar dos mortos, e, à tes
ta de um exército de Partos, ocupar Roma. Muitas falhas há
nessa explicação.
1. °) Como poderia S. João, cujo livro foi estritamen
moldado sôbre o Velho e o Novo Testamento, introduzir êsse
elemento pagão na composição da sua profecia? Como pode
ria êle dar crédito a uma idéia tão absurda como essa, que
Nero havia de ressuscitar dos mortos?
2. °) Como Nero, ainda que ressurto, poderia ser ao me
mo tempo o sétimo e o oitavo dos reis? Impossibilidade abso
luta!
3. °) Como foi S. João levado a pensar que Nero ressur
havia de oprimir a Igreja durante mil duzentos e sessenta
anos?
Fôsse verdadeira essa explicação, teria ipso facto desa
parecido todo o elemento sobrenatural dêste admirável livro:
Nero não ressuscitou; o profeta foi vítima de um engano;
suicidou-se com a sua profecia!. . . Esta idéia está muito
apropriada para os discípulos do pagão Porfírio, não para
crentes na divina inspiração dos sagrados livros.
Para nós o profeta foi realmente inspirado; êle previu o
futuro tão claramente como vemos a história. O único ele
mento arbitrário da nossa explicação é entendermos “ rei
nos” quando êle diz “ reis” ; mas o exemplo de Daniel lá está
para justificar-nos. Em todo o caso ninguém de bom senso
há de criticar-nos por preferirmos profecia certa à história
errada e absurda. Continua o Vidente:
“ Os dez cornos que tu viste são dez reis que ainda não
receberam o reino, mas receberão o poder como reis uma
hora com a Bêsta” .
Em outros têrmos: êsses dez reis reinarão contemporâ
neamente com o Anticristo. E’ interessante notar-se que não
só se dividiu o império Romano do Ocidente em dez reinos,
quando foi da invasão dos Bárbaros, como ainda, dentro do
mesmíssimo território existem agora as seguintes nações:
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