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“ barulho e ao grasnar dos gansos e dos grous” .

Êsse estado
de coisas, diante do qual a religião evangélica é um paraiso,
descreveu-o S. Hilário nesta exclamação: “ Nossa fé varia co­
mo queremos e nossos credos são tão diversos como nossos
costumes. Fazem-se confissões e são interpretadas segundo
a fantasia. Ora nos arrependemos das nossas decisões, ora
as defendemos e ora lançamos anátemas sôbre o que temos
defendido. Nossas dissensões mútuas nos têm arruinado reci­
procamente; mordentes invicem, jam abrupti sumus ab invi-
cem” . E nossos irmãos romanos notam as nossas diferenças!
Àquêles que dizem estarmos divididos em batistas, calvinis-
tas, luteranos, evangelistas, anglicanos e em congregaciona-
listas, nós os mimoseamos, oferecendo-lhes algumas seitas
que dividiram a Igreja de Cristo, até o quarto século, e das
quais nos fala Santo Agostinho: — Simoniani, manandriani,
arabici, helvidiani, paterniani, tertullianistae, abeloitae,
christi divinitatem passibilem dicentes, christi discensione
credentes, christi de patre nativitati, saturniani, angelici,
apostolici, sabelleani, basilidiani, micolaitae, origeniani,
gnostici, pauliani, carpreratiani, photiniani, cerinthiani,
manichaei, nazaraei hoeracitae, ebionae, meletiani, valenti-
niani, secundani, vadiani, marcitae, colorbasi, ophitae, caia-
ni, massiliani, metangismantis, selenciani, patriciani, alogii,
severiani, tatiani, cataphryges, papaziani, valesii, noetiani,
cathari, etc., etc.. E nossos irmãos católicos romanos ainda
falam de seitas protestantes!” (A igr. Rom. pág. 30).
Havia seitas, discussões, anátemas!. . . Mas também ha­
via vida, havia fé ardente; havia, pelo menos, alguém que
desejava esclarecer ou esclarecer-se. A prova disto é que do
seio de semelhante cáos brotou, entre outros, um Sol como
Santo Agostinho. Realizou-se nas gerações seguintes a uni­
dade espiritual quase completa, sob a conduta do Papado,
acabaram-se as seitas, as discussões, os anátemas. . . mas a
humanidade entrou na idade das trevas, na paz dos cemi­
térios, da morte! O espírito de autonomia é a vida do Pro­
testantismo e o será enquanto forem de ordem secundária as
questões que nos dividam. O que diferencia um presbite­
riano de um batista é uma cerimônia exterior; o que separa
um metodista de um reformado é a predestinação, em que
êstes crêem e aquêles dizem que não; o que distingue um
anglicano de um luterano é govêrno e liturgia; tôdas essas
diferenças, quando consideradas atentamente, em absoluto
não podem interessar à salvação, a qual depende essencial­
mente das grandes doutrinas em que, graças a Deus, todos
estão de acordo. Eis porque, a despeito de tudo, o Protes­
tantismo anda e espalha-se pelo mundo. Não existisse entre
êsses grandes ramos do Protestantismo um intenso espírito
de cooperação, procedente seria a acusação que se lhe faz;

— 96 —
mas isso está fora do campo visual de seus adversários. E se
o Protestantismo está tão dividido contra si mesmo, por que
se alarma o Papa atual pela propaganda dêle nas principais
cidades da Itália, a começar pela de Roma? Acaso não sabe
que uma casa dividida contra si mesma não pode subsistir?
O caso aqui, porém, é que tais divisões são como a do casti­
çal de sete lâmpadas que está continuamente diante do Se­
nhor. Graças a Deus porque é dividido, mas também graças
a Deus porque há nêle mais união do que parece aos olhos
do mundo.
DOGMAS E DOGMAS
Mas vem o rev. Franca e assim critica essa doutrina:
“Há, pois, que distinguir no Cristianismo dogmas funda­
mentais e não fundamentais. Os protestantes divergem nes­
tes e concordam naquêles. Desta arte salva-se a “ harmonia
fundamental” e a liberdade! Dois pombos de uma chum­
bada. Milagreira distinção. Examinemo-la de perto, come­
çando como é de razão pela Bíblia. Em que parte da Escri­
tura leu o Sr. Pereira que há dogmas que se devem crer e
dogmas que se podem impunemente negar?”
Venha a resposta da sua própria pena:
“ A Unidade e a Trindade de Deus, a Encarnação, Paixão
e morte de N. S. J. C., chamam-se mistérios principais ou
dogmas fundamentais da nossa fé, não porque os outros se
possam impunemente negar, senão porque constituem como
0 centro da doutrina cristã, em tôrno do qual gravitam to­
dos os outros dogmas” .
Evidente é a contradição do rev. Franca consigo mes­
m o!. . . Mas acaso sancionará a Santa Escritura essa mila­
greira distinção? Sem nenhuma dúvida:
“ Recebei aquêle que é fraco na fé, sem disputa de opi­
niões. Um crê que pode comer tôdas as coisas, outro, que
é fraco, só come legumes. Que aquêle que come não menos­
preze aquêle que não come; nem aquêle que não come, jul­
gue aquêle que come. . . Um considera um dia maior que os
outros; outro considera iguais todos os dias. Que cada um
esteja plenamente convicto da sua opinião. Aquêle que dis­
tingue os dias, para o Senhor os distingue.. . ” (Rom., XIV,
1 e seg.).
Eis aí exemplos de coisas em que é lícito diferir, sem
risco da salvação. Dêsse mesmo calibre são “ cerimônias fei­
tas por mãos no despojo do corpo” ; questões ritualísticas;
questões de govêrno, até onde não cerceiem a liberdade cris­
tã; questões, enfim, da ordem daquelas que S. Paulo tinha
por “ estéreo” diante do sublime conhecimento de Jesus
Cristo. Em tais coisas é lícito divergir e conservar-se cada
um convicto da sua opinião.

97 —
seguida da maior das calamidades do mundo, a saber, mani­
festação do Anticristo” .
Bem séculos já há que êsse império se desmembrou...
E ainda há quem esteja aguardando a manifestação do Antí-
cristo como coisa futura!. . . E’ o cúmulo da simplicidade.

— 142 —
O Anticristo no Apocalipse
i

Nos capítulos XII e XIII do Apocalipse descreve S. João


a Trindade do Mal, oposta à Trindade Santíssima, cuja bên­
ção invoca na primeira parte do livro (I, 4). Esta Trindade
do Mal, consta de um Dragão que sobe do Abismo, de uma
Primeira Bêsta de sete cabeças e dez cornos que sai do mar,
a qual, como se vê pelos dez cornos e pelo fato de sair do mar,
é a quarta Bêsta de Daniel, capítulo VIII; e, finalmente, de
uma Segunda Bêsta que anima, cavalga e domina a Primei­
ra, a qual sai da Terra, é o Anticristo, o undécimo pequeno
corno da visão de Daniel. E o Vidente explica que o mar, e
ainda, o grande mar, é a agitação dos povos, das multidões,
das nações e das línguas (XVII, 15); o Anticristo, porém, não
tem uma origem diferente: vem da Igreja. (S. Jerônimo).
Quem é o Dragão? Em XII, ensina o Vidente que êsse
Dragão se chama Diabo e Satanás. E é quanto basta para
sabermos quem seja êle.
Quem é a “ Primeira Bêsta” ? O Vidente no-la descreve
por êstes têrmos:
“ E o Dragão pôs-se em pé na praia do mar. E vi levan­
tar-se do mar uma Bêsta que tinha dez cornos e sete cabeças;
e sôbre os seus cornos, dez diademas, e sôbre as suas cabeças
nomes de blasfêmia. Esta Bêsta que eu vi assemelhava-se
a um leopardo; tinha os pés como de urso e a bôca como de
leão. E o Dragão deu-lhe o seu poder, o seu trono e grande
autoridade. E eis que uma de suas cabeças recebeu uma
ferida mortal, mas essa ferida mortal foi curada. . . E foi-lhe
dado o poder durante quarenta e dois meses. . . Se alguém
tem ouvido, ouça: O que levar para o cativeiro, para o cati­
veiro vai; o que matar a espada, importa que a espada seja
morto . Aqui está a paciência e a fé dos santos” .
• Não só no conhecido característico de matar a espada
e levar para o cativeiro, como nos seus dez cornos e na sua
procedência marítima, reconhecemos logo a quarta Bêsta da

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visão terrível e espantosa de Daniel, o império Romano.
O profeta assinala a sua duração pelo ciclo astronômico de
mil duzentos e sessenta anos. Não podemos com certeza
indicar a data da fundação de Roma. Cícero, Políbio, Dio-
doro e Lívio, dão 750 A. C. Fábio Pitore dá 748 A. C. Os Fas-
tos capitolinos dão 752 A. C. Cíncio Alimento dá 728 A. C.
Timeo indica 814 A. C. Por sua vez a queda do império
Romano sob Rômulo Augústulo deu-se no ano 476 D. C.
Pela cronologia divina Roma teria sido fundada no ano
784 A. C., número êsse que cai entre as datas supra referidas;
é o que basta para justificar a estimativa do profeta.
Há ainda a notar que o Vidente do Apocalipse descreve
esta sua “ Primeira Bêsta” com os caracteres das três outras
de Daniel, o que demonstra o seu desejo de interpretar, ou
melhor, suplementar Daniel. Com efeito. Em Daniel a pri­
meira Bêsta assemelhava-se a um leão; a segunda, a um
urso; a terceira a um leopardo; a quarta tinha dez cornos; a
“ Primeira Bêsta” do Vidente apocalíptico assemelha-se a um
leopardo, tem pés como de urso, bôca como de leão e tem
dez cornos. O sentido do simbolismo é evidente: quer dizer
que no império Romano se corporizam os grandes impérios
mundiais precedentes, são as suas sete cabeças, o que é ver­
dade histórica e geogràficamente.
Quem é a “ Segunda Bêsta?” O Vidente do Apocalipse a
descreve assim:
“ E vi outra Bêsta que subia da Terra, a qual tinha dois
cornos semelhantes aos de um cordeiro e falava como um
Dragão. E exercitava todo o poder da “ Primeira Bêsta” na
presença dela” .
Não precisamos ir mais longe para reconhecermos nesta
“ Segunda Bêsta” o Anticristo; pois se nos apresenta exerci­
tando dois poderes, “ dois cornos” , semelhantes aos de um
Cordeiro, isto é, semelhantes aos de Jesus Cristo, o Cordeiro
de Deus, mas as suas palavras revelam um interior satânico:
“Agnum fingit ut Agnum invadat” (Primarius). Não sòmen-
te exercita o poder temporal e espiritual semelhantes ao po­
der temporal e ao poder espiritual de Jesus Cristo, como ain­
da exercita todo o poder político do império Romano em face
dos seus próprios imperadores e reis. Manifesta é a identifi­
cação desta “ Segunda Bêsta” apocalíptica com o “undécimo
pequeno corno” da profecia de Daniel que surgiria dentre os
dez reinos em que se havia de subdividir o império Romano,
depois de “ abater a três dêles” , e que “ seria mais forte que
seus companheiros” (Dan., VII, 21).
Êste domínio, esta usurpação do poder político pelo po­
der eclesiástico constitui a característica essencial do Anti­
cristo. Foi esta uma das três grandes tentações que o De­
mônio lançou contra nosso Salvador, quando, no monte, ofe­

144 — ,
receu-lhe “ todos os reinos do mundo e a glória dêles” , o que
foi por nosso Salvador terminantemente recusado. Êle pró­
prio preferiu dar a César o que era de César e a Deus o que
era de Deus; ainda que Rei de um reino espiritual, viveu e
padeceu como súdito de César, a quem, não somente pagou
tributo, como ainda, reconheceu expressamente o poder dêle
sôbre si. Pois esta oferta do Diabo que nosso Salvador ter­
minantemente recusou, aceitou-a o Papa de Roma das mãos
de Carlos Magno. E ei-lo reinando!. . . E em que extensão
tem exercitado o poder político dos imperadores, na própria
presença dêles, como tem-lhes pisado o pescoço com os pés,
como os tem surrado com varas, como lhes tem dado o pé a
beijar, é sabido de quantos se interessam por tais histórias.
E’, em suma, o Papado, a maior e a mais formidável organi­
zação político-eclesiástica que tem existido no mundo e cujo
domínio se torna cada dia mais universal. Continuemos a
leitura do texto sagrado:
“ E com os milagres que se lhe permitiu que fizesse
diante da Bêsta (da Primeira.. . ) seduziu os habitantes da
Terra dizendo-lhes que fizessem uma imagem da Bêsta que
tinha recebido um golpe de espada e estava viva” .
Da invasão dos Bárbaros recebeu o império Romano um
“ golpe de espada” , uma “ferida mortal” ; mas essa ferida foi
curada pelo Papado. Com efeito. Na mesma ocasião em que
Carlos Magno concedeu ao Papa o poder temporal, êste, por
sua vez, proclamou a reconstituição do império Romano, na
pessoa de Carlos Magno, passando êle próprio, a exercitar
desde então a suprema autoridade nesse império.
Mas se o Papa de Roma é a Segunda Bêsta e o império
Romano, a Primeira, que imagem do império Romano é essa
feita pelos habitantes da Terra, por instigação do Papa?
Ainda aqui a correspondência do símbolo com a realidade
não deixa de levar ao assombro. Não existe nem pode existir
no mundo mais bem acabada e perfeita imagem do império
Romano do que a Igreja romana: a mesma organização po­
lítica e administrativa, com o seu “ Divus Cesar” à testa; a
mesma disciplina férrea; o mesmo espírito de dominação uni­
versal; a mesma avidez pelo ouro; o mesmo culto idólatra;
a mesma corrupção pagã. Que falta?
“Aqui está a interpretação: Quem tiver inteligência
calcule o número da Bêsta (da Segunda...) . O seu número
é número de homem e o número dela é seiscentos e sessenta
e seis” .
Muito se tem escrito sôbre êsse número. Porém Santo
Irineu, discípulo de São Policarpo, que por sua vez foi discí­
pulo do próprio autor do Apocalipse, “supõe” que se trate
da palavra grega “Leteinos” ou “Latino”, em vernáculo.
Diz êle:
O nome Leteinos contém o número seiscentos e sessenta
e seis e é muito verossímil, porque o último Reino assim se
chama visto serem os latinos os que agora reinam. Nisto,
porém, não nos gloriamos” .
Com efeito. Tomadas as letras dêsse nome pelos valores
numéricos que têm na língua grega, encontramos o seguinte
resultado: L, vale 30; A, vale 1; T, vale 300; E, vale 5;
I, vale 10; N, vale 50; O, vale 70; e S, vale 200. O total dá
precisamente 666.
Ao dizer-nos S. João que o Anticristo é latino, nada mais
nos disse que Daniel quando indica-lhe por pátria a Itália.
Um diz que é latino, outro que é italiano. A concordância é
perfeita.
Renan aponta o nome Caisar Neron que transliterado
em hebraico, e tomadas as letras pelos valores que têm nesta
língua, também dá 666. Mas não somente Renan deforma
um tanto o nome hebraico de Nero, como ainda, seria o
cúmulo do enigma fôsse a contagem em outra língua que
não na grega, ou seja, na língua em que foi o livro escrito.
Em resumo. O Apocalipse põe diante de nossos olhos a
Trindade do Mal, oposta à Trindade Santíssima.
1. °) Tôdas as potências do mal corporizadas no Dragã
e antiga Serpe que se chama Diabo e Satanás.
2. °) Todos os poderes políticos, inimigos do Reino
Deus, que se originam do seio dos povos, multidões, tribos,
nações e línguas, corporizados nos grandes impérios mun­
diais, com as suas sete cabeças.
3. °) Todos os poderes inimigos do Reino de Deus que
originam dentro da própria Igreja pela apostasia de seus
membros, corporizados no Papa latino, o Anticristo.
E, finalmente, uma imagem do império Romano, obra
dos habitantes da Terra por instigação do Papa, a qual com
a maior propriedade se realiza na Igreja romana. E’ esta
imagem que o Vidente apocalíptico nos apresenta logo adian­
te como a Prostituta, a Babilônia, a Grande.

II

Séculos antes de haver Protestantismo no mundo já o


imortal Dante, na Divina Comédia, Purgatório, capítulos
X X X a XXXII, desenvolveu essa mesma interpretação. Nin­
guém, portanto, poderá acusar-nos de parcialidade se a ado­
tamos. Vamos transcrever alguns trechos intercalando al­
guns parênteses explicativos. . . Nesses lugares o Poeta máxi­
mo da Latinidade figura a Igreja por uma carruagem triun­
fal, conduzindo a Arvore da Vida, ou seja, a salvação, e
ladeada por quatro querubins, símbolos usuais dos quatro

— 146 —
evangelistas e por vinte e quatro anciãos os doze apóstolos
e os doze patriarcas. Diz êle:
“ Não dispersarei meus versos em descrever suas formas
(as dos quatro querubins. . . ) ; outra coisa ocupa tão impe­
riosamente minha atenção que não posso desperdiçar muito
tempo. Lê a Ezequiel que os pinta como os viu, com impe­
tuoso vento, nuvens e fogo, saírem da parte do Setentrião;
e, conforme os aches em seus escritos, assim se viam aqui,
salvo quanto às asas: João está comigo e difere d êle...
Enchia o espaço cercado pelos quatro animais uma Carrua­
gem triunfal, (A Ig r e ja ...), sustentada por duas rodas (O
Velho e o Novo Testamento), jungida ao colo de um G rifo...
e os santos varões que vinham depois daquelas luzes e antes
do Grifo, voltavam-se para a Carruagem como para o obje­
to de seus anelos. E um dêles, qual mensageiro celeste, por
três vêzes entoou um cântico, que dizia: Veni Sponsa de
Líbano, e todos os mais a repetiram.
O Grifo, “metade águia e metade leão” simboliza Jesus
Cristo, com a sua dúplice natureza divina e humana. Quan­
to à Carruagem, o nome Esposa do Líbano nenhuma dúvida
nos deixa de que se trate da Igreja; pois êsse nome é geral­
mente apontado como figurativo da Igreja no Cântico dos
Cânticos. Mas o extraordinário é que o Poeta passa a mos­
trar como essa santa Igreja se transformou na Bêsta apoca­
líptica de sete cabeças e dez cornos. Eis a descrição que dá
dessa fantástica transformação:
“ Pouco tempo, disse-me Beatriz, habitarás nesta selva;
mas viverás comigo naquela Roma que é a pátria do mesmo
Cristo. Para o bem do mundo, que arrasta uma vida mise­
rável, fixa a vista nesta Carruagem, e, ao regressar ao mun­
do, põe por escrito tudo o que tiveres visto. Eu, que me acha­
va inteiramente submisso à sua vontade, fixei a vista e o
sentido aonde ela me indicava.
“ Não se precipita o raio de uma espessa nuvem com
velocidade maior, quando se lança das mais elevadas alturas,
do que vi lançar-se sôbre a Arvore a ave de Júpiter (A Águia,
símbolo do império Romano), rompendo suas cascas, arreba­
tando-lhe as flores e as novas folhas; arremeteu contra a
Carruagem e a sossobrou, como nave que é trabalhada pela
borrasca e combatida pelas ondas tão fortemente de uma
banda como da outra.
“Vi, depois, arrojar-se dentro do triunfal veículo uma
raposa (A heresia que penetrou na Ig r e ja ...) que parecia
jamais haver se alimentado de bom pasto. Mas por incre-
pá-la minha Beatriz (Símbolo da Teologia.. . ) sôbre as suas
abomináveis culpas, fê-la fugir tão apressadamente quanto
lhe permitiam seus descarnados ossos.

— 147 —
“ Vi, também, pelo mesmo ponto donde antes tinha vin­
do, baixar outra vez a Águia sôbre a Carruagem e cobri-la
com suas penas (Doação do poder temporal à Igreja pelos
imperadores rom anos...)* E, como um coração que lança
aos ventos seus queixumes, ouvi uma voz do Céu (Voz de
S. Pedro) a qual dizia: Ó nave minha! Que ruim carga levas!
“Pareceu-me que em seguida se abria a Terra entre am­
bas as rodas. E vi que da Terra surgiu um Dragão, (O Dia­
bo) o qual transpassou a Carruagem com a cauda, e, assim
como uma vespa recolhe o ferrão, assim recolheu a venenosa
cauda arrastando parte do fundo da Carruagem. E foi-se ser­
penteando. A porção da Carruagem que ficou tornou-se a
cobrir, como se cobre de relva a terra viva, com as penas
oferecidas, aliás com boa intenção, pela Águia, (O poder tem­
poral concedido à Igreja pelos imperadores romanos. . . ) de­
saparecendo dela uma e outra roda (Isto é, ficando a Igreja
privada do Velho e do Novo Testamento) e o timão (Isto é,
perdendo também a direção do Divino Espírito Santo), du­
rante um tempo mais breve do que leva a bôca para exalar
um suspiro.
Assim transformada a santa Máquina (A Igreja trans­
formada agora no império político religioso do Papa-Rei. . . )
assomaram-lhe várias cabeças por diferentes partes: três em
lugar do timão e uma em cada ângulo! (Sete cabeças!). As
primeiras tinham cornos como bois (Seis co rn o s ...); mas
cada uma das restantes só tinha um em meio à fronte. (Mais
quatro cornos... ) . Jamais se viu no mundo monstro como
êsse!
“ Firme qual rocha sôbre alto monte apareceu-me senta­
da sôbre êsse monstro (Isto é, sôbre a Besta de sete cabeças
e dez cornos. . . ) uma impudica Prostituta (A Igreja roma­
n a . . . ) que volvia os olhos para uma e outra banda. E, para
impedir que não a arrebatassem, vi de pé, ao lado dela, um
Gigante (O poder político do mundo que dá tôda a sua auto­
ridade à Igreja rom ana.. . ) . De quando em vez se beijavam
mütuamente. Mas por haver ela volvido para mim os seus
cúpidos e irrequietos olhos, o seu feroz amante a açoitou dos
pés a cabeça. E logo, cheio de ciúmes e ardendo em ira, de­
satou a Carruagem e arrastou-a a suficiente distância para
que eu jamais visse, nem a Prostituta, nem a Bêsta” .
Assim é que aos olhos de Dante, a santa Igreja trans­
formou-se num império político territorial, que é a Bêsta de
sete cabeças e dez cornos, sôbre a qual se assenta a Prostitu­
ta apocalíptica que é a Igreja romana.
Também é difícil não ver uma genuína profecia de Lu-
tero naquêle Veltro do canto I, ver. 99. E com efeito. Se
transpusermos as letras dessa palavra teremos Lutero!. . .
Veltro é um cão de caça que havia de libertar o mundo da­

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quela Loba, animal simbólico de Roma, que se prostituía a
várias espécies de animais e que quanto mais comia mais fo­
me tinha: “dopo il pasto há piu fame che p ria ..

m
No capítulo XVII descreve o apóstolo S. João a formi­
dável imagem do império Pagão que, por sedução do Anti-
cristo, fizeram os habitantes da Terra:
“ . . . e vi uma mulher sentada sôbre uma Bêsta côr de
escarlata, cheia de nomes de blasfêmia, com sete cabeças e
dez cornos”.
Como já vimos, a Bêsta de sete cabeças e dez cornos é o
império Romano, agora com o Papa-Rei à sua testa, reves­
tido com as insígnias do poder temporal. “ Ah! Constantino!
Quanto mal fizeste. . . ” E a mulher que sôbre ela se assenta
que outra pode ser senão a Igreja de Roma, o poderio ecle­
siástico do Papa-Rei? Sôbre êste ponto adotamos integral­
mente a interpretação de Dante e de Newton, dois dos maio­
res gênios que a humanidade tem visto. Tais homens não
proferiríam tão tremendo julgamento sem motivos fortes e
ponderosos.
“ E a mulher estava vestida de púrpura e de escarlata,
adornada com ouro, pedras preciosas e pérolas. . . e na sua
fronte estava escrito êste nome:
“Mistério! Babilônia, a Grande, a mãe da fornicação e
das abominações da Terra” .
“ E a mulher achava-se embriagada com o sangue dos
santos e com o sangue das testemunhas de Jesus. E quando
eu a vi admirei-me com grande admiração” .
Parece que, antes de profecia, o santo apóstolo descreve
a Igreja de Roma como no-la apresenta a História, com as
suas vestes de púrpura e escarlata, com os seus adornos de
ouro, pedras preciosas e pérolas, e ainda, embriagada pelo
sangue das testemunhas de Jesus em todos os ângulos da
Terra.
Babilônia, a Grande... O rev. Franca, citando Chr.
Schottgen — Horae Hebraicae et Talmudicae — demonstra
que no Novo Testamento por Babilônia se deve explicar
Roma:
“ Era comum entre os judeus chamarem Roma de Babi­
lônia, porque, como sob o primeiro templo os babilônios os
oprimiram a ponto de devastarem tôda a região e o próprio
templo, o mesmo fizeram-lhes os romanos sob o segundo” .
“Vem ainda confirmá-la o inciso que imediatamente se se­
gue às palavras que comentamos: “ Saúda-vos a igreja que
está em Babilônia e Marcos, meu filho! Ora, Marcos nesta

— 14» —
época não se achava em Babilônia, mas em Roma. Di-lo
abertamente *S. Paulo em duas epístolas escritas durante o
seu primeiro cativeiro na capital do império. Na epístola aos
colossenses, IV, 10: “ Saúda-vos Aristarco... e Marcos, primo
de Barnabé” e na de Filemon, v. 24: “ Saúda-te Marcos, etc.”
Nem é tudo. O exame interno do nosso segundo evangelho,
com os mais antigos testemunhos históricos, atesta-nos que
Marcòs escreveu as suas páginas inspiradas, sintetizando ne­
las a prègação e o ensinamento do príncipe dos apóstolos.
Papias, Justino, Irineu, Orígenes, Clemente Alexandrino, de­
põem contestes a favor desta verdade” (Págs. 76 a 77).
E’, então, um fato confessado pelo próprio rev. Franca,
que entre os judeus e os primitivos cristãos, a começar por
S. Pedro, era corrente designar Roma pelo epíteto de Babi­
lônia. A mesma coisa se demonstra ainda pelas palavras com
que o santo Anjo explicou a S. João o sentido do que lhe
mostrara:
“ E a mulher que viste é a Grande Cidade que reina so­
bre os reis da Terra” .
Vê-se, então, que esta Babilônia não pode deixar de ser
Roma, a única cidade que ao tempo de S. João reinava sôbre
os reis da Terra. A antiga Babilônia era simplesmente Babi­
lônia; mas esta é Babilônia, a Grande! O Profeta apocalípti­
co designa Roma por êste nome, porque, assim como o povo
de Deus sofreu o cativeiro em Babilônia durante setenta
anos, assim também deverá a Igreja de Deus sofrer em Roma
o cativeiro do Anticristo, durante mil duzentos e sessenta
anos.
' “As sete cabeças são sete montes sôbre os quais a mu­
lher está assentada e são também sete reis. Cinco são já
mortos. Um agora é. O outro ainda não veio e quando vier
convém que dure pouco. E a Bêsta, que era e já não é, ela
mesma é o oitavo e é dos sete e vai para a perdição” .
Na primeira frase Roma é indicada com evidente desig­
nação topográfica: a “ cidade dos sete montes” ; na segunda,
por não menor evidência histórica: “ o que agora é” , a “ ci­
dade que reina sôbre os reis da Terra” . E ao tempo de S.
João nenhuma outra cidade havia à qual se pudesse aplicar
êsses dizeres. E’ ela mesma!
Efetivamente Roma é a única cidade do mundo edifica-
da sôbre sete montes: o Quirinal, o Viminal, o Esquilino, o
Caelio, o Aventino, o Palatino e o Capitolino. As seguintes
citações nos demonstram que Roma era conhecida na anti­
guidade como a cidade dos sete montes:
Virgílio, (AE n. VI, 781; Geor. II, 535) — “ Pulcherrima
Roma, septenque una sibi muro circumdabit arces” .
Horácio, (Carm. saec., 7) — “ ...di quibus septem pla-
cuere colles” .

' — 150 —
Propércio, (III, 10) — . .septem urbs alta iugis, quae
toti praesidet orbi” .
Ovídio, (Trist., I, 5, 69) — . .sed quae de septem to-
tum circumspicit orbem montibus imperii Roma deumque
locus” .
Marcial, (IV, 64) — “ ...h in c septem domínios videre
montes et totam licet aestimare Romam” .
Como, porém, o número sete na Sagrada Escritura deno­
ta a totalidade, os sete montes evidentemente simbolizam a
totalidade da Terra sôbre a qual a Igreja de Roma tem de
exercitar a sua influência.
Mas diz o intérprete que são também sete reis, cinco dos
quais são já mortos, um agora é, o outro ainda não v eio...
Por êstes sete reis designa o Vidente sete reinos inimigos do
Reino do Altíssimo que se hão sucedido no mundo, a saber:
o do Egito, o da Assíria, o de Babilônia, e dos Medo-Persas
e o da Macedonia; êstes são os cinco já mortos. “Aquêle que
agora é” é o dos Romanos que governava o mundo ao tempo
de S. João. “ O sétimo que ainda não veio, que é também o
oitavo e é dos sete” é o do Anticristo, o qual por ser dúplice,
“mui difere dos outros” (Dan.) Pois que o Papa exercita dois
poderes, na sua qualidade de sucessor dos imperadores ro­
manos, representa o sétimo dos grandes reinos mundiais, e,
enquanto rei espiritual, representa um oitavo; como, porém,
estas duas últimas funções são exercitadas por uma única
pessoa, vê-se como êste oitavo também pertence aos sete.
Tôda a tentativa para enquadrar nestes dizeres os reis
de Roma mostrou-se perfeitamente ineficaz. À maneira de
Daniel, o têrmo rei neste passo designa reino, o reino mun­
dial. O pensamento do autor do Apocalipse voa por demais
alto para preocupar-se com individualidades. A seus olhos o
império Romano é apenas uma das cabeças dos sete grandes
impérios mundiais que tem existido no mundo, o que cor-
poriza todos êles na sua monstruosidade.
Quando o Vidente viu e reconheceu essa mulher, diz o
texto que “ admirou-se com grande admiração” .
Nenhuma admiração devia causar-lhe se essa corrupta
e devassa Prostituta fôsse pagã: o fato era tão notório, tão
vulgar, que admirar-se dêle seria a mesma coisa que admi­
rar-se alguém do brilho do Sol; mas o que sobremaneira o
encheu de pasmo e admiração foi ser ela a Igreja de Roma,
para a qual tôda a Cristandade volvia os olhares, esperando
dela a salvação do mundo. E eis que o Senhor mostra ao Vi­
dente o que ela é na realidade!. . . Foi essa revelação, tão
inesperada quanto maravilhosa, que o encheu de pasmo e
admiração.
Como se vê, a interpretação que acabamos de desenvol­
ver é consentânea com a crítica textual mais rigorosa e mais
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exigente. O mesmo não se dá com a de Renan por exemplo.
Para êle os sete reis são os reis de Roma, pouco importan­
do-se com a duração cíclica indicada pelo profeta: é a pri­
meira falha da sua explicação. Os reis são: Augusto, Tibério,
Calígula, Cláudio e Nero. Êstes são os cinco já mortos. O
sexto “que agora é” é Domiciano sob cujo reinado foi o Apo­
calipse escrito. Mas para ser êle o sexto, temos de eliminar
da contagem Galga, Otto, Vitélio, Vespasiano e Tito. Os ex­
pedientes, então, surgem a vontade: os três primeiros reina­
ram muito pouco para serem contados; mas, como fazerem
dos dois últimos um só? Lightfoot resolveu o problema: fo­
ram associados no govêrno! Como se vê essa explicação é
falha. O sétimo que ainda não veio seria Nero, o qual segun­
do um oráculo Sibilino devia ressuscitar dos mortos, e, à tes­
ta de um exército de Partos, ocupar Roma. Muitas falhas há
nessa explicação.
1. °) Como poderia S. João, cujo livro foi estritamen
moldado sôbre o Velho e o Novo Testamento, introduzir êsse
elemento pagão na composição da sua profecia? Como pode­
ria êle dar crédito a uma idéia tão absurda como essa, que
Nero havia de ressuscitar dos mortos?
2. °) Como Nero, ainda que ressurto, poderia ser ao me
mo tempo o sétimo e o oitavo dos reis? Impossibilidade abso­
luta!
3. °) Como foi S. João levado a pensar que Nero ressur
havia de oprimir a Igreja durante mil duzentos e sessenta
anos?
Fôsse verdadeira essa explicação, teria ipso facto desa­
parecido todo o elemento sobrenatural dêste admirável livro:
Nero não ressuscitou; o profeta foi vítima de um engano;
suicidou-se com a sua profecia!. . . Esta idéia está muito
apropriada para os discípulos do pagão Porfírio, não para
crentes na divina inspiração dos sagrados livros.
Para nós o profeta foi realmente inspirado; êle previu o
futuro tão claramente como vemos a história. O único ele­
mento arbitrário da nossa explicação é entendermos “ rei­
nos” quando êle diz “ reis” ; mas o exemplo de Daniel lá está
para justificar-nos. Em todo o caso ninguém de bom senso
há de criticar-nos por preferirmos profecia certa à história
errada e absurda. Continua o Vidente:
“ Os dez cornos que tu viste são dez reis que ainda não
receberam o reino, mas receberão o poder como reis uma
hora com a Bêsta” .
Em outros têrmos: êsses dez reis reinarão contemporâ­
neamente com o Anticristo. E’ interessante notar-se que não
só se dividiu o império Romano do Ocidente em dez reinos,
quando foi da invasão dos Bárbaros, como ainda, dentro do
mesmíssimo território existem agora as seguintes nações:

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