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Maria Celina Bodin de

Professora Associada do Departamento de


da PUC-Rio. Professora Titular de Direito Civil
da Faculdade de Direito da UERJ.

DANOS À PESSOA HUMANA


Uma Leitura Civil-Constitucional
dos Danos Morais

RENOVAR
Rio de Janeiro. São Paulo. Recife RESI't;ITC o AUTOR
CÓPIA
Q
4 tiragem - setembro 2009
Em 28 de março de 2001, o Senado francês adotou uma
emenda para complementar o artigo 16 do Code Civil com
uma nova alínea, cuja redação estabelecia: "Nul n'est receva-
ble à demander une indemnisation du seul Jait de sa naissan-
ce." A emenda, porém, foi rejeitada na Assembléia Nacional
em 17 de abril do mesmo ano.

Tais e tantas dificuldades, no que tange a encontrar a me-


dida adequada de proteção da pessoa humana através do me-
canismo da responsabilidade civil, servem apenas para confir- 3
mar a consolidação do principal objetivo do Direito Civil
atual: o pleno desenvolvimento do projeto de vida de cada
pessoa. Trata-se, na verdade, de reafirmar, com Paul Valéry,
o que é e o que não é dano moral
que "o que há de melhor no novo é o que responde ao desejo
mais antigo"; por mais antigo, neste caso, tome-se a busca
pela efetivação, tão ampla quanto possível, da conclamação Da vez primeira em que me assassinaram
de Pico della Mirandola, feita seis séculos atrás, segundo a Perdi um jeito de sorrir que eu tinha [ ... ]
qual "nada é mais magnífico na terra do que o homem". 263 -QUINTANA

a Ministra Elisabeth Guigou (Ministério do Emprego e da Solidariedade)


advertiu sobre a possibilidade de inserir a questão no âmbito de outro
Projeto de Lei, sobre os direitos dos doentes, que se encontrava em vias 3.1 Conceito e características do dano indenizável; - 3.2
de ser aprovado pelo Senado. Outro Projeto de Lei, nO 3.268, de Danos patrimoniais e danos extrapatrimoniais; - 3.3 Novas
26.09.2001 (disponível em .. http://www.assemblee-nat.fr/proposi- espécies de dano; - 3.4 A "injustiça" do dano; - 3.5 O
tions/pion3268.asp"), foi apresentado pelos deputados Georges Sarre e dano moral segundo a metodologia civil-constitucional.
Jean-Pierre Chevenement e, com a finalidade de "garantir a igual dignida-
de de toda vida humana", também propôs a inclusão de alínea ao artigo 16
do Code Civil: "Nul ne peut se prévaloir d'un prejudice du fait d' être né".
263 G. PICO DELLA MIRANDOLA, Discurso sobre a dignidade do homem,
cit., p. 47 e ss. Assim começa a famosa Oratio Ioannis Pici Mirandulani
Concoriae Comitis: "Li nos escritos dos Árabes, venerandos padres, que,
interrogado Abdala Sarraceno sobre qual fosse a seus olhos o espetáculo
mais maravilhoso neste cenário do mundo, tinha respondido que nada via
de mais admirável do que o homem."

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3.1. Conceito e características do dano indenizável

Tradicionalmente, define-se dano patrimonial como a di-


ferença entre o que se tem e o que se teria, não fosse o evento
danoso. A assim chamada "Teoria da Diferença", devida à
reelaboração de Friedrich MOMMSEN, converteu o dano
numa dimensão matemática e, portanto, objetiva e facilmen-
te calculáveF64.
A importância desta construção hoje nos escapa, de tal
modo estamos acostumados a pensar o patrimônio como um
conceito dado, quase como se fosse proveniente da natureza
das coisas. Atribui-se, no entanto, originariamente a F.-C.
VON SAVIGNY, o precursor da cientificidade do Direito 265 , a

264 F. MOMMSEN, Zur Lehre von dem Interesse, apud H. HATTENHAUER,


Conceptos fundamentales deI derecho civil, cit., p. 104, o qual traduz do
original a seguinte passagem: "La expresión id quod interest hace refer-
encia a una equivalencia, o ajuste, que es precisamente la que sirve de
base ai concepto de interés. Por interés en sentido jurídico entendemos,
concretamente, la diferencia entre el monto deZ patrimonio de una persona
en uno momento dado y el que tendría se no haberse producido la irrupción
de un determinado suceso danoso."
265 Com essa expressão, quer-se fazer referência à extraordinária dedi-
cação de Savigny (1779-1861) à renovação da ciência jurídica, salientan-
do a presença marcante de sua "atitude científica" diante do Direito. De
fato, segundo afirma F. WIEACKER, História do direito privado moderno,
2. ed., Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 435-455, espec. p. 437-
438: "Os escritos programáticos de Savigny não constituem investigações

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separação nítida entre a pessoa e seus bens - propriedade e Aquele que sofre um dano moral deve ter direito a uma\
obrigação, integrando esses últimos sob um conceito unitá-
ri0266 a fim de construir um "objeto" que pudesse ser protegi-
satisfação de cunho compensatório. Diz-se compensação, I
pois o dano moral não é propriamente indenizável; "indeni-I
do contra os atos ilícitos 267 . F oi a partir de então que o Direito
zar" é palavra que provém do latim, "in dene", que significa I
Patrimonial foi alçado à categoria de esfera de poder ju.ridica-
devolver (o patrimônio) ao estado anterior, ou seja, eliminar ~
mente consolidada, de uma pessoa sobre o seu meio, "proje-
o prejuízo e suas conseqüências -- o que, evidenteme~te, ~ão (
tando-se o seu poder ao externo, para além das fronteiras
naturais de seu ser"268. é possível no caso de uma lesão de ordem extrapatnmomal. \
Prefere-se, assim, dizer que o dano moral é compensável, em- \
Muitas são as teorias a conceituar o dano como pressupos- bora o próprio texto constitucional, em seu artigo 5°, X, se )
to inafastável da responsabilidade civil. De fato, quando se refira à indenização do dano moral. '
trata do direito da responsabilidade civil, usualmente se pon-
tua: se não há dano, não há o que indenizar269 . Até relativamente pouco tempo atrás, entendia-se como
contrário à moral e, portanto, ao Direito, todo e qualquer
pagamento indenizatório em caso de lesão de natureza extra-
histórico-filosóficas, mas manifestos de política jurídica e cultural. Eles patrimonial se esta se delineava unicamente como sofrimen-
são importantes do ponto de vista da renovação da ciência jurídica do to. O chamado pretium doloris (preço da dor) era inadmissí-
direito comum que Savigny tinha desde o início conscientemente em vel nos ordenamentos de tradição romano-germânica, com
vista." Wieacker anota a intenção de Savigny de tornar-se um reforma-
dor, um "Kant da ciência do direito", "propósito admiravelmente tornado
realidade" (p. 438).
266 Para esta concepção, v. B. WINDSCHEID, Diritto delle Pandette my inadequacies almost drove us to despair was that of the law relating to
(1886), trad. C. Fadda e P. Bensa, Torino: Unione Tipografico, 1902, v. 'loss' and 'damage'. I appreciated only very late that even the term 'Scha-
1, Parte Prima, parágrafos 10 e 42, respectivamente p. 1 e p. 181, em que den' ('danno', 'dommage' and 'damageJ is not susceptible to a useable
define patrimônio como uma unidade juridicamente relevante, não re- general definition but is rather a term which fulfils a multitude of different
presentando a soma de suas partes mas a unidade delas, o "todo" como roles in different circumstances, and which may have a different meaning
coisa em si, contraposta às suas partes. in each. It affects both the fact and.extent of liability; as 'restitutionary
267 H. HATTENHAUER, Conceptos fundamentales del derecho civil, cit., damage' it plays a role in the distinction between unjust enrichment and
p. 103, afirma que, se os conceitos de pessoa e de ato ilícito já haviam sido the negotiorum gestio; itcan relate primarily to compensation of value or
suficientemente elaborados, faltava ainda encontrar um conceito co- in naturalis and even these may be seen as being opposites. In England a
mum, a unir os bens violáveis por atos ilícitos. distinction is drawn between 'damage' and 'damages', in other systems,
268 F.-C. VON SAVIGNY, System, 1, apud H. HATTENHAUER, Conceptos between 'Entschadigung and Schadensersatz'. That which some systems
fundamentales del derecho civil, cit., p. 103. treat as a part of 'non-material loss', others see as the wholly separate
269 Christian VON BAR, professor da Universidade de Osnabrück foi 'danno biologico'. The same factual circumstances may in one system be
coordenador, de 1993 a 1996, de um grupo de estudos com vis;as à treated as physicalloss, in another as pure economic loss - a distinction
elaboração de um código civil europeu. Daí resultou, entre outros, um which yet other systems do not even recognize. Imagine the relief therefore,
documento intitulado A common european law of torts, cit., disponível em when amongst all this confusion, the English lawyer in the group introduces
.. http://www.cnr.it/CRDCSlframes19.htm ... acesso em 20 jul. 2000. his account by explaining that whilst it may be difficult to describe an
Sobre esse trabalho, o Professor comentou: "One area which as a result of elephant, anyone who sees one will instantly recognize it. "
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exceção dos casos expressamente previstos pelo legislador o que fez com que aqueles argumentos, que ainda hoje,
civiPo. podem ser considerados coerentes, ao menos sob o aspecto
lógico-racional, se tornassem completamente irrelevantes em
Para além da "imoralidade" em se atribuir um valor pecu-
niário a bens que não são "objeto", mas sim "sujeito", ou dele relativamente curto espaço de tempo? Não ficou mais fácil
são parte integrante, as motivações para tal posicionamento solucionar os empecilhos indicados, nem mais simples aceitar
apresentavam uma aparência de substancialidade, a começar que um sentimento de dor possa gerar dinheiro.
pela dificuldade em se verificar a existência e a extensão do As controvérsias no direito da responsabilidade civil têm
dano sofrido. Como seria possível mensurar os sentimentos essa marcante característica: antes de serem técnicas, elas são
de alguém? Relevava ainda, então, a transitoriedade do dano, decorrentes das diferentes concepções acerca do princípio de
pois as dores da alma, o tempo (e só ele) se encarregaria de responsabilidade, princípio estrutural da vida em sociedade e
curar. Além disso, objetivamente, pensava-se ser obstáculo que, como tantas vezes repetido, se consubstancia em concei-
também a indeterminação do número de vítimas do evento to mais filosófico-político do que jurídico 271 . O princípio de-
danoso, pois todo aquele que sofrera estaria, em princípio, corre diretamente da idéia de justiça que tem a sociedade na
legitimado. O dano não era passível de medida, e a fronteira
qual incide. E o que mudou neste caso foi exatamente a cons-
que separava o universo de lesados daqueles que nada haviam
ciência coletiva acerca do conceito de justiça: o que antes era
sofrido, se é que existia, era tênue demais para ser enxergada.
tido como inconcebível passou a ser aceitávet e, de aceitável,
A regra lógica subjacente, e que se fazia valer, era a de que
passou a evidente. Se era difícil dimensionar o dano, em
aquilo que não se pode medir, não se pode indenizar: a inde-
questão de poucos anos tornou-se impossível ignorá-lo, Se era
nização é, justamente, a "medida" do dano. Assim, tanto do
imoral receber alguma remuneração pela dor sofrida, não era
ponto de vista moral quanto do ponto de vista dos instrumen-
a dor que estava sendo paga, mas sim a vítima} lesada em sua
tos jurídicos disponíveis, a reparação do dano moral parecia
impraticável. esfera extrapatrimonial, quem merecia ser (re)compensada
pecuniariamente, para assim desfrutar de alegrias e outros
estados de bem-estar psicofísico, contrabalançando (rectius,
270 No Código Civil de 1916,norrnalmente são indicados os artigos abrandando) os efeitos que o dano causara em seu espírito.
1537 e ss, A Alemanha manteve-se fiel a essa tradição, indenizando
apenas os casos expressos nas leis, como determina o parágrafo 253 do Apesar do reconhecido aspecto não-patrimonial dos da-
BGR No entanto, todos os países de tradição romano-germânica que nos morais, a partir de determinado momento tornou-se in-
promulgaram constituições no século XX, e nas quais se inscreveu o sustentável tolerar que, ao ter um direito personalíssimo seu
princípio da dignidade humana, têm utilizado tal princípio como o funda-
atingido, ficasse a vítima irressarcida, criando-se um desequi-
mento para determinar a indenização pelo dano moral. A propósito do
caso al,~mão, F. WIEACKER, História do direito privado moderno, cit., p. líbrio na ordem jurídica, na medida em que estariam presen-
600-610, espec. p. 606, sustenta: "[.,,] passou-se a extrair dos direitos
fundamentais da dignidade humana (artigo 1o da Lei Fundamental) a
norma implícita de que esta dignidade exige, por necessidade lógica, a
indenização do dano moral." 271 F. EWALD, A culpa civil, direito e filosofia, cit., p. 171,

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não contribuía para a economia doméstica. As razões alegadas
tes o ato ilícito e a lesão a um direito (da personalidade), por
um lado, e a impunidade, por outro m . Veio a Constituição de para o descabimento anterior eram no sentido de q~e o me-
nor não sendo fonte de receita, representava matenalmente
1988 consolidar tal posição, já então majoritária, acerca do
pleno ressarcimento do chamado dano moral puro 273 .
um~ despesa a mais na família, e a mera conjectura de au:ílio
futuro não configurava ganho certo e efetivo. Na evoluçao, o
A radical mudança de perspectiva aqui apenas reflete, e Recurso Extraordinário nO 59940, relatado pelo Ministro
não poderia ser diferente, a metamorfose dos papéis do lesan- Aliomar Baleeiro e julgado em 26 de abril de 1966, repre-
te e do lesado no sistema da responsabilidade civil em geral. sentou o paradigma da transição da irresponsabilidade à res-
Se antes a vítima era obrigada a suportar, corriqueiramente, o ponsabilização, embora ainda através de um fundamento p~­
dano sofrido - dano cuja causa, na maior parte das vezes, se trimonial para a indenização274 . Assim se expressou o M1-
atribuía não a seu autor, mas ao destino, à fatalidade, ou à nistro:
vontade de Deus - , já em meados de século XX passaria ela,
a vítima, a desempenhar a função de protagonista da relação o homem normal, que constitui família, não obedece apenas
jurídica instaurada a partir do evento danoso, conseguindo ao princípio fisiológico do sexo, mas busca satisfaçõ.es espiri-
garantir de forma cada vez mais eficaz o seu crédito, isto é, a tuais e psicológicas, que o lar e os filhos proporciOnam ao
reparação. longo da vida e até pela impressão que se perpetua nel~s [ ... ]
Se o responsável pelo homicídio lhe frustra a expectatIva e a
A mudança foi feita suavemente, logrando-se assegurar satisfação atual, deve repar~ção, ainda que seja a indenização
primeiramente indenização por morte de filho menor que de tudo quanto despenderam para um fim lícito maLogrado
pelo dolo ou culpa do ofensor. Perderam, no mínimo, tudo
quanto investiram na criação e educação dos filhos, e que se
272 Nas palavras de W. MELO DA SILVA, O dano moral e sua reparação, converteu em frustração pela culpa do réu.
Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 561, "Na ocorrência de uma lesão,
manda o direito ou a eqüidade que se não deixe o lesado ao desamparo de
sua própria sorte." Sucessivamente, o Supremo Tribunal considerou que a
273 A legislação brasileira - e isto já vinha sendo sustentado por nume-
rosos autores muito antes do advento da Constituição de 1988 - ampa- perda do filho representava uma frustração do investiment?
rava o dano moral em diversos dispositivos de lei. No Código Civil, dos pais, que teriam a expectativa de ser amp~ar~dos na Vel~l­
encontram-se o artigo 76 (interesse moral); o artigo 159 (reparação do ce o que significava atribuir um valor economlCO potenCIal
dano); o artigo 1.538 (lucros cessantes, multa equivalente à diária peitaI); , d h ~. f t
para a família ou a expectativa e gan o economlCO u uro .
275

o artigo 1.542 (arbitramento judicial); o artigo 1.543 (preço afetivo); o


artigo 1.550 (cálculo da indenização); o artigo 1.553 (fixação da indeni-
zação por arbitramento). Na legislação especial, pode-se destacar as se-
guintes leis, hoje já revogadas: a) Lei nO 5.250/67, que assegura a liberda- 274 Para a análise percuciente deste julgado, cf. C. E. DO RÊGO ~ONTEI­
de de pensamento e a integridade moral; b) Lei nO 4.737/65, que dispõe RO FILHO, Elementos de responsabilidade civil por dano moral, Clt., p. 10
sobre o Código Eleitoral; c) Lei nO 4.117/62, Código Brasileiro de Tele- e ss. d .I ' .
275 Para o percurso histórico desta evolução jurispru enCla, v. as pagl-
comunicações; d) Lei nO 5.988/73, Lei dos Direitos Autorais.
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148
Tratava-se, na verdade, de construir o conceito jurídico de tese prevista no artigo 1.529 do Código Civil. Também aqui
dano moral indenizável no Direito brasileiro. se tratou de buscar um meio melhor de proteger a vítima de
danos injustamente sofridos, embora se tivesse, neste caso,
Em nossa época - é voz corrente - há muitíssimas mais de se desviar, de maneira significativa, da letra do dispositivo
ocasiões de risco, de perigo, em decorrência, não só mas tam- do Código Civil. Novamente, quem solucionou a difícil pro-
bém, do acentuado desenvolvimento tecnológico; neste sen- blemática foi a jurisprudência, encarregada da aplicação da lei
tido, conclui-se ter havido um real incremento das possibili- no seu cotidiano. O princípio maior da responsabilidade civil
dades de causação de danos. A esta constatação deve acres- contemporânea estava presente: a vítima não pode ficar irres-
centar-se uma outra, mais relevante nesta sede: numerosas sarcida.
são as situações danosas antes ignoradas, seja pelo ordena-
mento jurídico, seja pela própria vítima, e hoje tuteladas com Em julgamento de Recurso Especial, o STJ teve a oportu-
fundamento no princípio da dignidade humana, suscitando a nidade de, ao se manifestar em caso de ferimento a pessoa
imprescindível reparação. que exercia a profissão de modelo, ensejando também dano
estético, estabelecer a "responsabilidade social" do condomí-
Se a noção de risco serve a explicitar a historicidade do nio, com base no entendimento de que "impõe-se ter em
conceito de responsabilidade civil - através, por exemplo, vista que o zelo permanente da comunidade condominial no
da perda completa de valor jurídico, já referida, do princípio sentido de impedir, evitar ou desencorajar semelhantes ocor-
da ideologia liberal segundo o qual "nenhuma responsabilida- rências é o que se há de exigir do próprio condomínio", de
de sem culpa" - , tal característica, a da historicidade, se modo que a agressão anônima deve ser por ele suportada 277 .
estende também a seu elemento ineliminável, o dano, fazen- Esta tese contraria o expresso teor do artigo 1.529 do Código,
do com que se tenha que reconhecer que cada época tem os segundo o qual "aquele que habitar uma casa, ou parte dela,
seus danos indenizáveis e, portanto, cada época cria o instru- responde pelo dano proveniente das coisas, que dela caírem
mental, teórico e prático, além dos meios de prova necessá- ou forem lançadas em lugar indevido".
rios para repará-los. Mas, para tanto, como já se indicou, será
preciso, também, fazer a escolha acerca de quem deverá in- Como se sabe, o condomínio, isto é, a assembléia dos con-
denizar 276 . dôminos, é composta pelos proprietários dos apartamentos
(as unidades habitacionais, como as designa o artigo 9° da Lei
Recentemente, este processo ocorreu com a reparação de
vítima de objeto lançado ou caído em lugar indevido - hipó-
277 STJ, REsp. 64.682, 4" Turma, ReI. Min. Bueno de Souza, julgo em
10.11.1998, publ. no Dl de 29.03.1999 e na Revista dos Tribunais n.
nas de S. RODRIGUES, Direito Civil. Responsabilidade civil, 13. ed., São 767, p. 194. Eis a ementa do acórdão: "Reponsabilidade Civil. Reparação
Paulo: Saraiva, 1993, p. 207-220. de danos. Lançamento ou queda de objeto, a partir de janela de unidade
276 Ver, no Capo 1, as referências aS. RODOTÀ, Il problema della respon- condominial, situada em edifício de apartamentos, que atingiu transeun-
sabilità civile, cit., p. 74. Segundo Rodotà, o dano, em si e por si,não é te nas proximidades do local. Impossibilidade da identificação do autor
nem ressarcível nem irressarcível; será a sucessiva ligação a um sujeito do ilícito - Reparação devida pelo condomínio, conforme interpretação
determinado que vai servir a torná-lo ressarcível. do artigo 1529 do Código civil."

ISO 151
na 4.591/64), enquanto a responsabilidade, segundo a estipu- Esta foi a teoria esposada pelo Desembargador Barbosa Mo-
lação legal, diz respeito aos moradores, isto é, às pessoas. q~e reira no acórdão de 1988.
efetivamente habitam as unidades, que podem ser propneta- Ambas as teses descritas têm em comum a preocupação,
rios, locatários, comodatários, usufrutuários etc. então corrente, de cuidar para que a vítima fosse ressarcida,
Em acórdão de agosto de 1988, relatado pelo Desembar- desde que a responsabilidade pudesse ser, de alguma manei-
a
gador José Carlos Barbosa Moreira, a 5 Câmara Cível do ra, atribuída ao "morador", segundo o disposto no Código
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidira que "o condo- Civil.
mínio não tem legitimidade passiva ad causam" J por caber a Nos anos 90, porém, a própria 5a Câmara Cível do Tribu-
responsabilidade" aos moradores das unidades de que se pos- nal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu que objetos que repe-
sa cogitar a origem" do projétil, mormente quando não entra tidamente caem de edifício de apartamentos geram a obriga-
qualquer consideração de culpa in vigilando. ção de indenizar, ao argumento de que "os condôminos têm
Havia, então, três teses, sustentadas em casos desta espé- transgredido :tais regras de comportamento habitacional, le-
cie. A primeira, capitaneada por C. M. DA SILVA PEREIRA, sando terceiros que se encontram na calçada do edifício, com
afirmava, em síntese, que "cumpre, nesse caso, apurar de evidente culpa do Réu que tem se descuidado da vigilância
onde veio o objeto causador do dano", porque cada unidade que lhe é inerente"280.
autônoma é tratada como objeto de propriedade exclusiva. A opção jurisprudencial de responsabilizar o condomínio,
Assim, "de exclusão em exclusão, é necessário assentar que, se não obedece à literalidade da norma contida no artigo
se de um edifício coletivo cai ou é lançada uma coisa, a inte- 1.529 do Código Civil, gerando maiores encargos aos condô-
ligência racional do artigo 1.529 não autoriza condenar todos minos, vem em socorro da vítima, para quem qualquer outra
os moradores, rateando a indenização ou impondo-lhes soli- solução, embora mais fiel à letra da lei, seria de difícil realiza-
dariedade. "278 ção. Imagine-se aquele que, nos tempos atuais, atingido por
A segunda tese, sustentada, entre outros, por J. DE um projétil oriundo de edifício de numerosos andares e apar-
AGUIAR DIAS, atribuía, inicialmente, responsabilidade soli- tamentos, tivesse que proceder à citação judicial de todos os
dária aos moradores, para, em seguida, esclarecer: "é eviden- moradores, ou mesmo de uma ou mais colunas de onde pre-
te que todos os moradores corresponde a todos os habitantes sumivelmente teria partido o objeto: a hipótese é implau-
a cuja responsabilidade seja possível atribuir o dano. Nos sível.
grandes edifícios de apartamentos, o morador da ala oposta às
A jurisprudência brasileira aderiu maciçamente, ao longo
em que se deu a queda ou lançamento do objeto ou líquido
. , I pe Io d ano. "279 da última década, à terceira tese, entendendo que eventual
não pode, d ecerto, presumIr-se responsave

280 Ap. Cív. 1.904/90, ReI. Des. Hélvio Tavares, em 07.08.1990. O


278 C. M. DA SILVA PEREIRA, Responsabilidade civil, cit., p. 113 e ss. Desembargador Barbosa Moreira presidiu, sem no entanto proferir voto,
279 J. DE AGUIAR DIAS, Da responsabilidade civil, cit., v. II, p. 440 e ss. o julgamento, que foi unânime.

152 153
rateio entre os moradores das colunas mais propícias ao lan- 3.2. Danos patrimoniais e danos extrapatrimoniais
çamento constitui tarefa interna corporis, posterior, da as-
sembléia condominial, sob pena de deixar a vítima irressarci- C umpre delinear o que vem sendo incluído no conceito
da 281 .Por outro lado, a "responsabilidade social" do condomí- de dano moraF83. Os indivíduos são titulares de direitos per-
nio, referida pela decisão do STJ, tem escopo mais amplo, sonalíssimos que integram suas personalidades e não detêm
somente encontrando fundamento, conforme já aludido, no qualquer conotação econômica. Os danos a esses direitos fo-
dever de solidariedade social consagrado na Constituição Fe- ram chamados de morais, pois "atingem atributos valorativos,
ou virtudes, da pessoa como ente social, ou seja, integrada à
deral.
sociedade". Desta forma, considerou-se que o dano moral
O que se quis demonstrar com este exemplo - prove- dizia respeito exclusivamente à reparação de violações causa-
niente, aliás, de um tipo de responsabilidade objetiva cuja das a direitos da personalidade 284 . Foram, então, os danos
matriz desponta no Direito romano (a actío effusis et dejectis) morais conceituados como as lesões sofridas pela pessoa hu-
_ é que o problema da responsabilidade civil não consiste na mana em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimô-
investigação ou na descoberta do "verdadeiro" autor do fato nio ideal o conjunto de tudo o que não é suscetível de valora-
danoso. Ele diz respeito, apenas, "à fixação do critério graças ção econômica28S .
ao qual se pode substituir a atribuição automática do dano
por um critério jurídico"282; isto é, trata-se de estabelecer
quem, em que condições e no âmbito de que limites deve 283 Como é notório, a reparação do dano moral teve início por meio de
suportar o dano. condenações a valores simbólicos por força da concepção então dominan-
te acerca dá imoralidade contida no pretium doloris. Não há lugar, atual-
mente, para controvérsias quanto à ressarcibilidade do dano moral, em
face do que consta da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°,
incisos Ve X, onde se lê claramente que é assegurado o direito à indeni-
zação por danos morais. Todas as objeções quanto à ressarcibilidade do
281 Neste sentido decisão da 3" Câmara do Tribunal de Alçada Civil de dano moral, portanto, parecem hoje interessantes somente do ponto de
São Paulo, ReI. Juiz Carvalho Viana, no julgamento da Ap. Cív. 571.287- vista de sua evolução histórica, pois a reparabilidade dos danos morais não
2, julgo em 25.10.1994 e pubI. na Revista dos Tribunais n. 714, p. ~5~. somente é matéria constitucionalmente prevista, mas configura-se ali
Este trecho merece destaque: "A repartição dos prejuízos pelos condoml- através de cláusula pétrea.
nos é questão de economia interna do condomínio apelante, que poderá 284 Neste sentido, entre outros, O. GOMES, Obrigações, 11. ed., Rio de
se ressarcir de todos os condôminos, ou exclusivamente daqueles de cujas Janeiro: Forense, 1996, p. 271, segundo o qual "dano moral é [ ... ] o
unidades foram lançados os objetos, ou apenas das unidades de final '2', e constrangimento que alguém experimenta em conseqüência de lesão em
'4'. O que não é razoável é que o apelado haja de investigar de qual direito personalíssimo, ilicitamente produzida por outrem." Para PONTES
unidade partiu a agressão ao seu imóvel, se toda a massa condominial é DE MIRANDA, Tratado de direito civil, São Paulo: Borsoi, 1968, t. 22, p.
responsável pelo dano proveniente das coisas. que caírem ou forem lança- 181, "sempre que há dano, isto é, desvantagem no corpo, na psique, na
das do prédio em que habitam e quem a representa é o condomínio." vida, na saúde, na honra, ao nome, no crédito, no bem-estar, ou no
282 S. RODOTÀ, Ilproblema della responsabilità civile, cito V. tb. Capo I, patrimônio, nasce o direito à indenização."
supra. 285 W. MELO DA SILVA, O dano moral e sua reparação, cit., p. 561.

154 155
Ilustre doutrina, em posição divergente, afirmou: do-se as duas teorias antes referidas: tanto será dano moral
reparável o efeito não-patrimonial de lesão a direito subjetivo
A distinção entre dano patrimonial e dano moral não decorre patrimonial (hipótese de dano moral subjetivo), quanto a-
da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efei- afronta a direito da personalidade (dano moral objetivo) I sen-
286
to da lesão, do caráter de sua repercussão sobre o lesado . do ambos os tipos admitidos no ordenamento jurídico brasi-
Tanto é possível ocorrer dano patrimonial em conseqüência leiro.
de lesão a bem não patrimonial, como dano moral por efeito
87 Assim, no momento atual, doutrina e jurisprudência do- "'
da ofensa a bem materiaU
~inantes têm como adquirido que o dano moral é aquele que, \1

mdependentemente de prejuízo material, fere direitos perso- '


Esta opinião, diversamente da primeira, conceitua o dano nalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza
moral como o efeito não-patrimonial da lesão - já não o cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profis- (>

restringindo, portanto, aos direitos da personalidade - e sional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais,
vem sendo seguida pela maioria dos autores que se ocupam entre outros. O dano é ainda considerado moral quando os
288
do tema, assim como pela jurisprudência majoritária . efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu pa-
trimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, triste.:.
Modernamente, no entanto, sustentou-se que cumpre za ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções
distinguir entre danos morais subjetivos e danos morais obje- negativas 29o . Neste último caso, diz-se necessário , outrossim,
tivos. Estes últimos seriam os que se refeririam, propriamen- que o constrangimento, a tristeza, a humilhação, sejam inten-
te, aos direitos da personalidade. Aqueles outros "se correla- sos a ponto de poderem facilmente distinguir-se dos aborre-
cionariam com o mal sofrido pela pessoa em sua subjetivida-
de, em sua intimidade psíquica, sujeita a dor ou sofrimento
intransferíveis [ ... ]"289. Dessa maneira, acabaram interligan- positivo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 23. A distinção é
trazida à baila por L. R. FERREIRA DA SILVA, Da legitimidade para postular
indenização por danos morais, Ajurís, v. 70, p. 186-189.
290 A propósito, afirma Y. S. CAHALI, Dano moral, 2. ed., rev. atualizo e
286 Dano moral é, para esta doutrina, "a reação psicológica à injúria, são
ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 20-21: "Na realidade,
as dores físicas e morais que o homem experimenta em face da lesão" (J.
multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma
DE AGUIAR DIAS, Da responsabilidade civil, cit., v. II, p. 741).
humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua
287 J. DE AGUIAR DIAS, Da responsabilidade civil, cit., v. II, p. 740 e ss.:
personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado,
"O dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a
qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enu-
própria lesão, abstratamente considerada." O entendimento do autor
merá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofri-
baseia-se na doutrina de Alfredo MINOZZI, Studio sul danno non patrímo-
mento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no despres-
niale (danno morale), Milano: Soe. Ed. Libraria, 1901. .. . .
tígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilha-
288 V, entre tantos, S. RODRIGUES, Direito civil: Responsabdldade cwd,
cit., e M. H. DINIZ, Responsabilidade civil, 18. ed., São Paulo: Saraiva, ção pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da norma-
lidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgas-
1997. te psicológico, nas situações de constrangimento moral."
289 M. REALE, O dano moral no direito brasileiro, in Temas de direito

157
156
cimentos e dissabores do dia-a-dia, situações comuns a que figuração da responsabilização civil, bastando a própria viola-
todos se sujeitam, como aspectos normais da vida cotidia- ção à personalidade da vítima: 293 . Em conseqüência, depois de
na 291 . restar superada a máxima segundo a qual "não há responsabi-
lidade sem culpa", tendo-se encontrado na teoria do risco um
Em contribuição à imprescindível tarefa de sistematiza-
novo e diverso fundamento de responsabilidade, desmentido
ção do dano moral como conceito jurídico a ser diferenciado
se vê hoje, também, o axioma segundo o qual não haveria
do dano patrimonial, cabe assinalar os seguintes aspectos,
responsabilidade sem a prova do dan0 29 4, substituída que foi
considerados majoritariamente como distintivos entre as
a comprovação antes exigida pela presunção hominis de que a
duas espécies de danos: i) a identificação, ií) os critérios de ~
reparação, iii) a forma de liquidação.
No que tange à i) identificação do dano, enquanto o dano DJ de 23.08.1999: "o ressarcimento das despesas de luto e funeral são
patrimonial exige a prova concreta do prejuízo sofrido pela indeferidas, à míngua de qualquer comprovação do efetivo desembolso."
No REsp. 194.395, 3a Turma, ReI. Min. Aldir Passarinho, julgo em'
vítima292 , no dano moral não é necessária a prova para a con-
11.09.2001 e pubI. no DJ de 04.02.2002, acerca das despesas com luto,
funeral e jazigo perpétuo, o relator observa: "Muito embora previsível a
ocorrência de gastos dessa natureza, imprescindível a sua comprovação e
291 Assim, por exemplo, o bloqueio de cartão de crédito, a demora na se a Corte a quo entendeu que a mesma inexiste, desapareceu, por
aceitação de cheque por ocasião de compra, a exaltação de ânimos em conseguinte, o direito respectivo, não se podendo verificar, em sede
reunião de condomínio e a ofensa que se configura em "dar a língua" a especial, se estão ou não presentes nos autos os elementos fáticos atinen-
alguém foram hipóteses descartadas pela jurisprudência como configura- tes à espécie."
doras de dano moral, porque este há de ser significativo o bastante para 293 STJ, Resp. 85.019, 4 a Turma, ReI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixei-
gerar real sofrimento ao ofendido (5 a Cc. TJRJ, Ap. Cív. 1.577/97, DO ra, julgo em 10.03.1998 e pubI. no DJ de 18.12.1998: "Dispensa-se a
de 26.06.1997, v. u.; IV Grupo de cc. TJRJ, Em. Inf. Ap. Cív. prova do prejuízo para demonstrar a ofensa ao moral humano, já que o
4.414/94, reg. em 11.04.1996, fls. 1.051; 8 a Cc. TJRJ, Ap. Cív. dano moral, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra da
6.550/95, reg. em 06.03.1996, fls. 5.736; P Cc. TJRJ, Ap. Cív. pessoa, por sua vez é de difícil constatação, haja vista os reflexos atingi-
5.078/95, reg. em 15.03.1996, fls 7.509). Citando acórdão de sua pró- rem parte muito própria do indivíduo - o seu interior. De qualquer
pria lavra, o Desembargador S. CAVALlERI, Programa de responsabilidade forma, a indenização não surge somente nos casos de prejuízo, mas tam-
civil, cit., p. 104, aduz: "Destarte, estão fora da órbita do dano moral bém pela violação de um direito" (grifou-se.)
aquelas situações que, não obstante desagradáveis, são necessárias ao 294 No entanto, v. o excelente artigo de J. MOSSET ITURRASPE, La prue-
exercício regular de determinadas atividades, como a revista de passagei- ba en los juicios de danos. Revista de Derecho Privado y Comunitario, v.
ros nos aeroportos, o exame das malas e bagagens na alfândega, ou a 14, Prueba - II, p. 33 e ss, segundo o qual "la víctima dei dano injusto
inspeção pessoal de empregados que trabalhem em setores de valores." debe accionar y debe probar. El debate sobre qué debe provar - si todos
Mais recentemente, o STJ, no REsp. 215.666, 4 a Turma, ReI. Min. Cesar los extremos o pressupostos o sólo algunos de ellos; si la carga pesa exclusi-
Asfor Rocha,julg. em 21.06.2001 e pubI. no DJ de 29.10.2001, assentou: vamente sobre ella, la víctima, o es compartidà por él agente danador -
"O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas es el tema actual y la cuestión más apasionante." E o autor conclui:
somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, "Colocar toda la carga sobre el danado es una manera idónea de quitar o
causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se diri- aI menos limitar el derecho aI resarcimiento, por las dificultades y comple-
ge." jidades que la prueba acarrea. Repartir la carga es, además de una
292 STJ, REsp. 143.974, 3 a Turma, ReI. Min. Eduardo Ribeiro, pubI. no solución lógica, de toda justicia y equidad" (p. 34-35).

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lesão a qualquer dos aspectos que compõem a dignidade hu- lhe-á exigido provar, por isso que o dano moral está in re
mana gera dano moral. ípsa; decorre inexoravelmente da gravidade do próprio fato
ofensivo, de sorte que, provado o fato, provado está o dano
Com efeito, esta é a tendência de nossos tribunais e da moral. 297
jurisprudência já consolidada no STJ295. Se até há alguns anos
ainda era relativamente freqüente a exigência da comprova-
ção, chegando a haver julgados, em sede de dano moral; esti- Esta ilação, porém, tem tido como conseqüência lógica, a
pulando que tia prova da ofensa deve ser muito clara, extreme ser oportunamente criticada, o entendimento subjacente de
de dúvida, para fácil compreensão de sua extensão pelo julga- que o dano moral sofrido pela vítima seria idêntico a qualquer
dor, e quando tal tipificação não ocorre, não pode resultar em evento danoso semelhante sofrido por qualquer vítima, por-
qualquer indenização [ ... ]"296, hoje o pensamento dominante que a medida, nesse caso, é, unicamente, a da sensibilidade
vai no sentido oposto e pode ser assim resumido, como faz S. do juiz, que bem sabe, por fazer parte do gênero humano,
CAVALIERI: quanto mal lhe causaria um dano daquela mesma natureza.
Agindo desta forma, porém, ignora-se, em última análise, a
Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que enten- individualidade daquela vítima, cujo dano, evidentemente, é
dem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre diferente do dano sofrido por qualquer outra vítima, por mais
da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de reper- que os eventos danosos sejam iguais, porque as condiç?es
cussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de pessoais de cada vítima diferem e, justamente porque d1fe-
ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano mo- 298
rem, devem ser levadas em conta .
ral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato.
ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está Na primeira perspectiva, seria razoável (porque talvez
demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natu- mais justo) defender a criação de uma tabela, um rol no qual
ral, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras seriam especificadas todas as espécies de danos morais consi-
de experiência comum; provado que a vítima teve o seu deradas merecedoras de tutela pelo ordenamento jurídico, ao
nome aviltado, ou a sua imagem vilipendiada, nada mais ser- lado das quantias , a serem pagas por ca d a um d e1es299 . J'a na
segunda perspectiva, ao contrário, será preciso ajustar a inde-
nização em conforml·d ad e com a pessoa d a v1tIma
,. 300 ,e e' est e,
295 "Na concepção moderna da reparação do dano moral, prevalece a
orientação de que a responsabilidade do agente se opera por força do
simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do 297 S. CAVALlERI, Programa de responsabilidade civil, cit., p. 80.
prejuízo em concreto" - assim no REsp. 173.124, 4a Turma, ReI. Min. 298 Cf. a opinião de L. DIÉZ-PICAZO, Derecho de danos, cit., p. 329, para
Cesar Asfor Rocha, julgo em 11.09.2001 e pubI. no Dl de 19.11.200l. quem o dano moral não pode ser "simplemente presumido por los tribuna-
296 TlRJ, V Grupo de Câmaras Cíveis, Emb. Inf. na Ap. Cív. 2.098/95, les como consecuencia de lesiones determinadas", aduzindo ainda que ele
ReI. Des. Luiz Carlos Perlingeiro, v. u., julgo em 21.03.1996 e pubI. no "se suponga, asimismo, que es igual para todos. Por el contrario, entende-
DO de 29.08.1996, p. 158. O caso em questão versou sobre pedido de mos que debería ser objeto de algún tipo de prueba."
reparação em razão de divulgação, pela imprensa, de fatos tidos como 299 Sobre um tabelamento do gênero, v., infra, Capo 5.2.
desabonadores. 300 Sobre esta conseqüência, V. Capo 5.4.
161
160
justamente, o problema maior da reparação do dano moral na constitucional acerca da indenização por dano moral fez com
atualidade: quais são os critérios que devem servir a compor que, tanto em doutrina como na jurisprudência, viessem a ser
a indenização? considerados inconstitucionais todos os limites previstos em
No que se refere aos ii) critérios de reparação, a indeniza- lei para tal reparaçã0 305 .
ção no dano patrimonial sempre abrangeu a extensão do A ratío jurís das mencionadas distinções não deve ser en-
dano, não importando o grau de culpa do agente 30I . Quanto tendida em termos conseqüenciais, ou a posteriori, e sim em
aos danos morais, os critérios de reparação têm sido basica- termos de princípios: com efeito, à luz dos valores constitu-
mente a reprovação da conduta, isto é, a gravidade ou inten- cionais em vigor, o dano causado a bens materiais há de ser,
sidade da culpa do agente, a repercussão social do dano, as em tudo e por tudo, diferenciado e de menor importância do
condições socioeconômicas da vítima e do ofensor, critérios que o dano (injusto) causado à pessoa humana306 , cuja digni-
estes a serem examinados posteriormente 3 02 . Freqüente, ain- dade foi posta no ápice do ordenamento jurídico, merecendo
da, é a advertência no sentido de que, embora a indenização a mais ampla proteção e tutela. O direito da responsabilidade
pelo dano moral deva ser a mais ampla possível, não deve civil, neste particular, encontra-se em perfeita coerência com
chegar ao extremo de gerar um enriquecimento sem causa ou a normativa constitucional.
constituir fonte de lucro para a vítitna 303 .
Dá causa o inadimplemento de obrigação assumida con-
Enfim, quanto à iii) liquidação, se, para o dano patrimo- tratualmente à compensação de dano moral? De fato, não há
nial, permanece válida a expressão das "perdas e danos", que quem não se aborreça, seriamente inclusive, por ocasião da
está a significar os danos emergentes e os lucros cessantes 304 , quebra de expectativa na relação contratual, cuja culpa, aliás,
para o dano moral, a liquidação fica exclusivamente ao arbí- é presumida como sendo do devedor inadimplente. No en-
trio do juiz, não estando ele adstrito a qualquer limite legal ou tanto, e estranhamente - dado o seu posicionamento já his-
tarifa pré-fixada. Com efeito, a amplitude do dispositivo tórico em relação ao progressivo alargamento das hipóteses
de ressarcimento - , não tem o STJ considerado, em regra,
esse tipo de desgosto como gerador de dano extrapatrimo-
301 Ainda hoje, para os danos patrimoniais, vigora o princípio de que a nial.
indenização abrange a extensão do dano, independentemente do grau de
culpa, de modo que uma culpa levíssima pode dar causa a elevada repara-
ção. O parágrafo único do artigo 944 do novo Código Civil de 2002, 305 V., por todos, S. CAVALIERI, Programa de responsabilidade civil,
todavia, estabelece que o juiz poderá, se houver excessiva desproporção cit., p. 78.
entre a gravidade da culpa e o dano, reduzir equitativamente a indeniza- a
306 Bem expressou esta idéia o Min. Menezes Direito, da 3 Turma do
ção. STJ, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento 270042, julgo
302 Para o exame desses critérios, v. Capo 5. em 03.12.1999 e publ. no DJ de 17.12.1999, p. 693, a respeito de
303 Entre os tantos, v., mais recentemente, o Resp. 254.073, 4 a Turma, apresentação de cheques que haviam sido extraviados de agência bancá-
ReI. Min. Aldir Passarinho, publ. no DJ de 10.08.2002. ria: "O atentado aos direitos relacionados à personalidade, provocado
304 V. artigo 1.059 do Código Civil de 1916 e o correspondente artigo pela inscrição em banco de dados, é mais grave e mais relevante do que a
402 do Código Civil de 2002. lesão a interesses materiais."

162
163
[ ... ] Assentado por suposto que um contrato; uma relação
o
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao relatar tal
obrigacional convencionada nasce para ser cumprida, e cria
hipótese, ponderou:
compreensivelmente a expectativa psicológica desse cum-
primento, não há porque negar, em princípio, que a frustra-
Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma
ção do ajuste inadimplido cause ou possa causar sentimentos
das partes possa trazer desconforto ao outro contratante -
angustiantes ou psicologicamente sensíveis à parte inocen-
e normalmente o traz - trata-se, em princípio, de descon-
forto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em te. 308
sociedade. Adificuldade financeira ou a quebra de expecta-
tiva de receber valores contratados não toma a dimensão de
constranger a honra ou a intimidade, ressalvadas situações
Se se tem do dano moral, porém, o entendimento de que
excepcionais. 307 só a lesão à dignidade humana - em seus principais substra-
tos, isto é, a liberdade, a igualdade, a integridade psicofísica e
a solidariedade - , pode a ele dar ensej 0 309, resolve-se trivial-
Mais condizente com a definição de dano moral -. como mente a questão. Dificilmente um contrato não cumprido
sentimento da dor - assumida por nossos tribunais, no en- chega a atingir tal profundidade. Se, porém, a alcançar, have-
tanto, estaria a posição que sustenta não haver qualquer razão rá direito à indenização.
jurídica para se restringir a reparação do dano moral às hipó-
teses de culpa aquiliana:
3.3. Novas espécies de dano

307 STJ, REsp. 202.564, 43 Turma, ReI. Min. Sálvio de Figueiredo Tei- Seja pelo significativo desenvolvimento dos direitos da
xeira, julgo em 02.08.2001 e publ. no DJ de 01.10.2001. Os tribunais personalidade 31O , seja pelas vicissitudes inerentes a um insti-
estaduais oscilam, ora aceitando, ora rejeitando o dano moral na chamada tuto que só recentemente tem recebido aplicação mais inten-
"culpa contratual". O TJly, Ap. Cív. 8.845/98, 2 3 CC, publ. no DO de
18.02.1999, já decidiu: "E incabível dano moral quando se trata de dis- sa, a doutrina vem apontando uma extensa ampliação do rol
cussão sobre validade de cláusulas contratuais ou mesmo inadimplemen- de hipóteses de dano moral reconhecidas jurisprudencial-
to delas ou mora no seu cumprimento." Na doutrina, reforçando a tese da mente 3 !!.
admissibilidade, Y. S. CAHALI, Dano moral, cit., p. 460, afirma: "Estamos
em que com a absorção contínua das informações concernentes à ratio
jurídica do dano moral a jurisprudência tenda a se afirmar no seu cabi-
mento em caso de inadimplência, aferindo-se caso a caso a oneração 308 J. L. COELHO DA ROCHA, O dano moral e a culpa contratual, in

psíquica decorrente da frustração de um ajuste que, como suposto em Doutrina Adcoas (1015158), p. 126-127.
todo contrato, nasce para ser cumprido." Do mesmo. modo, H. e L. 309 V. Capo 2.5, supra, e, neste Cap., o item 5.
3!0 V., por todos, G. TEPEDINO, A tutela da personalidade no ordena-
MAZEAUD; J. MAZEAUD; F. CHABAS, Leçons de droit civil: obligations,
cit., p. 410: "se fondant sur une opinion qui avait cours dans notre ancien mento civil-constitucional brasileiro, ora in Temas de direito civil, cit., p.
droit, quelques auteurs ont refusé toute réparation du préjudice moral au 23-54.
311 Neste sentido, L. ROLDÃO DE FREITAS GOMES, Elementos de respon-
créancier qui se plaint de l'inexécution d'un contrato Cette opinion est
aujourd'hui abandonnée en doctrine." sabilidade civil, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 425, que observa

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164
Na verdade, ampliando-se desmesuradamente o rol dos Como exemplo de novas situações que passaram a ser
direitos da personalidade ou adotando-se a tese que vê na consideradas como aptas a gerar dano moral, emblemática é a
personalidade um valor e reconhecendo, em conseqüência, decisão do STJ, que, por maioria, condenou empresa do ramo
tutela às suas manifestações, independentemente de serem de seguros a pagar 50 salários mínimos a um segurado pelas
ou não consideradas direitos subjetivos, todas as vezes que se dificuldades que ele encontrou para consertar seu carro aci-
tentar enumerar as novas espécies de danos, a empreitada não dentado. Nas palavras do relator, "sofreu o apelante cons-
pode senão falhar: sempre haverá uma nova hipótese sendo trangimentos de toda a natureza, obrigado que ficou a recla-
criada. mar, persistentemente, para que seu veículo fosse consertado
Este não é, contudo, um movimento que se dá em uma convenientemente, bem como pela não utilização dele duran-
única direção. Ao contrário, concomitantemente à ampliação te aquele longo período. "313
das possibilidades de dano moral, verifica-se também a mul- Outra decisão do STJ determinou - desta feita, por una-
tiplicação de julgados que impedem a criação de novas hipó- nimidade - que, "com base em juízo da experiência co-
teses, precedentes que poderiam inspirar uma infinidade de mum", uma instituição médica fosse condenada a indenizar
novas demandas, abarrotando o Judiciário e correndo o risco uma paciente, não só pelo fato de ter produzido um diagnós-
de banalizar a reparação das lesões de cunho extrapatrimo- tico equivocado, mas também por tê-lo comunicado "sem a
nial.
sensibilidade necessária antes de se fazer consignar laconica-
Nem sempre, todavia, os tribunais logram êxito em reali- mente o diagnóstico", como alude o acórdão, fazendo refe-
zar esse duplo movimento de modo harmonioso - nem po- rência aos autos. A própria ementa da decisão traz à baila esse
deria ser diferente, tendo em vista a imensa massa de julga- aspecto, considerando-o componente do dano moral sofrido:
dos e q pouco tempo de difusão do instituto. A intenção deste
item é, então, pinçar algumas decisões que demonstram tal Responsabilidade Civil. Exame Laboratorial. Câncer. Dano
impasse, que já foi chamado - na Itália, mas em situação que Moral. Reconhecida no laudo fornecido pelo laboratório a
em tudo é semelhante à que enfrentamos - "a comédia da existência de câncer, o que foi comunicado de modo inade-
responsabilidade civil"312. quado para as circunstâncias, a paciente tem o direito de ser
indenizada pelo dano moral que sofreu até a comprovação
do equívoco do primeiro resultado, no qual não se fez ne-
nhuma ressalva ou indicação da necessidade de novos exa-
"certa tendência, depois da Constituição, para esse alargamento excessi- mes. 314
vo, sobretudo em matérias de competência dos Juizados Especiais".
312 A. PROCIDA MlRABELLI DI LAURO, La riparazione dei danni alla
persona, cit., p. 91: "La commedia della responsabilità civile (La felice
metaforae di F. Galgano r. }) si arrichisce di inedite vicende che modifi- 313 STJ, REsp. 257.036, 4a Turma,
julgo em 12.09.2000 e pubI. no DJ de
ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
12.02.200l.
cano la struttura e la funzione dell'illecito e, grazie anche alle nuove
fattispecie di imputazione dei danni alia persona, e alla ri cerca di un piu 314 STJ. REsp. 241.373, 4a Turma, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
equilibrato assetto sistematico. " julgo em 14.03.2000 e pubI. no DJ de 15.05.2000.

166 167
Em caso de disparo de alarme antifurto, mesmo que o nio, aparelhos eletrodomésticos, além de despesas com mate-
pedido (feito no valor de R$ 864.000,00) tenha visado, à rial de construção para levantamento da casa, sendo obrigada
evidência, o fácil enriquecimento, mesmo que a simples ale- a desfazer-se de seu carro para fazer frente a tais gastos. Ale-
gação de que já ocorrera outras duas vezes - sem que a con- gou, por fim, que, de uma hora para outra, o noivo, sem qual-
sumidora tivesse tomado qualquer providência - seja levada, quer motivo justificado, rompeu o compromisso - reque-
sem outras comprovações, a sério, mesmo que os empregados rendo e obtendo, portanto, a reparação pelos danos material
do estabelecimento abordem a pessoa suspeita com a delica- e morapl6.
deza necessária e suficiente, ainda assim o STJ considera que
Em doutrina, a este respeito, observou-se ser devida a
a empresa deve indenizar. Nesse caso, o valor da indenização
reparação:
ficou em 50 salários mínimos e o fundamento da decisão para
a reparação do dano moral sofrido foi o puro e simples soar do [... ] também na hipótese de um dos noivos romper a pro-
alarme: messa de casamento semanas antes da cerimônia, quando os
convites para a boda já foram encaminhados aos convidados,
Também não é motivo de escusa da ré (o Wal-Mart) o fato ou então, quando um deles simplesmente desaparece após
de os seguranças terem tido comportamento adequado para haver assumido o compromisso sério de contrair núpcias,
as circunstâncias: ainda que gentis, a agressão já estava no desconsiderando em absoluto o sentimento dooutro}17
alarme falso. 315
E no entanto, é preciso logo destacar, não há ato que o
ordenamento repute mais livre, mais dependente, exclusiva-
o
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por sua vez, con-
mente, da vontade de ambos e de cada um dos contraentes,
firmou sentença que determinara indenização por danos ma-
do que o casament0 318 . Por outro lado, o que significa "rom-
teriais e morais em decorrência do rompimento imotivado do
pimento imotivado", além do fato de que não mais se tem a
casamento pelo noivo, às vésperas da realização da cerimônia,
vontade Quridicamente protegida) de casar? Enfim, por que
com "conduta que infringiu o princípio da boa-fé". A autora
da ação comprovou que, após marcada a data do casamento
religioso, teve gastos com enxoval, cerimonial do matrimô-
316 TlRJ, Ap. Cív. 00.117.643, ReI. Des. Humberto Manes, julgo em
17.10.2001.
317 M. OTERO, A quebra dos esponsais e o dever de indenizar. Dano
315 STJ, REsp. 327.679, 4a Turma, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, material e dano moral, publicado em Revista dos Tribunais n. 766, p.
julgo em 04. 12.2001 e publ. no Dl de 08.04.2002. A ementa diz: "Res- 103, segundo o qual, ainda, "as circunstâncias em que o compromisso foi
ponsabilidade Civil. Loja. Dispositivo de segurança. Mercadoria furtada. quebrado é que faz emergir a dor, a mãgoa e, em conseqüência, o dever
Alarme. O soar falso do alarme magnetizado na saída da loja, a indicar o de indenizar". E traz como exemplo para o pedido de indenização pbr
furto de mercadorias do estabelecimento comercial, causa constrangi- danos morais a circunstância de um dos noivos abandonar o outro no dia
mento ao consumidor, vítima da atenção pública e forçado a mostrar os da cerimônia, causando-lhe enorme constrangimento.
seus pertences para comprovar o equívoco. Dano moral que deve ser 318 V. o teor do artigo 194 do Código de 1916 e dos artigos 1.514 e
indenizado. Recurso conhecido e provido." 1.535 do Código de 2002.

168 169
razão seria necessário estar "de casamento marcado" para ob- de vizinhos, a visita de uma equipe da companhia de energia
ter a indenização? A dor e o sofrimento causados por uma elétrica, solicitando a apresentação da "conta de luz" devida-
separação não desejada são intensos e profundos em qualquer mente quitada 321 .
momento em que isso venha a ocorrer.
Em outra recente decisão - agora em primeira instância
Não se vê, de fato, como possa o pleno exercício do prin- - , negou-se o pedido de indenização que um casal movera
cípio da liberdade de casar, corolário do princípio fundamen- em face de rede de televisão, requerendo o pagamento de
tal de liberdade, ser ponderado desfavoravelmente em rela- 500 salários mínimos pela exibição, durante o noticiário de
ção à quebra do compromisso pré-nupcial. Na ponderação maior audiência do País, de cenas do parto da autora. De
desses interesses contrapostos, não há como fazer surgir o acordo com a sentença,
dever de indenizar, a não ser, eventualmente, pelo prejuízo
material acarretado. [ ... ] o que se vê das imagens veiculadas [ ... ] é, em boa verda-
Outro exemplo encontra-se na determinação de repara- de, um momento feliz, do qual os autores deveriam se orgu-
ção de danos decorrentes de uma disputa de bola em partida lhar, mercê do instante de rara beleza que viveram, privilé-
de futebol realizada em condomíni0 319 . O réu fora atingido gio de poucos, e não dele se utilizar para obter compensação
por trás, provocando-lhe o autor fratura óssea e rompimento econômica. [ ... ] Os danos de que afirmam eles terem sido
de ligamentos. A decisão da primeira instância considerou vítimas [ ... ] não somente não são indenizáveis, por não se-
rem ofensivos à honra pessoal de nenhum deles, como tam-
que o acidente ocorrido na disputa pela bola foi resultado da
bém devem ser entendidos como mera conseqüência de te-
normal prática do esporte. Para o Tribunal, no entanto, em-
rem os autores aparecido num programa televisivo de grande
bora não tenha havido dolo por parte do lesante, houve "des-
repercussão e em horário nobre. 322
vio da conduta esperada dos partícipes de um jogo de futebol
recreativo, comprovando-se, desta forma, a imprudência do
autor"320. 321 STJ, Agravo de Instrumento 305018, ReI. Min. Aldir Passarinho
Júnior, julg. em 28.06.2001, ainda não publicado. No mesmo diapasão,
Como já referido, contudo, a esta movimentação corres- cita-se a decisão da 3a Turma, REsp. 409907, ReI. Min. Ari Pargendler,
ponde alguma reação, com os tribunais buscando também julgo em 30.04.2002 e pubI. no DJ de 19.08.2002, segundo o qual "o
conter o aumento dos casos de dano moral. Retornando à débito levado a efeito em conta corrente, sem a autorização do respectivo
jurisprudência do STJ, vislumbra-se exemplo paradigmático titular, para o pagamento de conta de luz, não induz, por si só, o reconhe-
desta outra tendência em decisão que negou indenização por cimento de dano moral, a despeito do aborrecimento que isso possa ter
provocado; o dano moral apenas se caracterizaria se o lançamento do
dano moral ao consumidor que recebeu, em sua casa, diante
débito tivesse conseqüências externas, v.g., devolução de cheques por
falta de provisão de fundos ou inscrição do nome do correntista em
cadastro de proteção ao crédito."
319 TJRJ, Ap. Cív. 7.074, I a CC, ReI. Des. Maria Augusta Vaz M. 322 Mais detalhes acerca desta decisão, proferida em 21.06.2001 pelo
Figueiredo, julgo em 10.07.200l. 3
juiz da 27 Vara Cível Central da Comarca da Capital de São Paulo,
320 A decisão está no site ''http://cartamaior.uol.com.br'', acesso em] 3 podem ser obtidos no site da revista Consultor Jurídico, disponível em
mar. 2002. .. http://www.conjur.com.br ... acesso em 21 juI. 2001.

170
171
Em linhas gerais, pode-se dizer que os tribunais, já de Pau". Enquanto este último conseguiu, na primeira instância
algum tempo, vêm tentando impedir que meros aborreci- da Justiça gaúcha, fazer condenar a emissora ao pagamento de
mentos do cotidiano passem a ser catalogados como gerado- 200 salários mínimos por danos morais 324, o primeiro, cerca
res de dano moral, principalmente quando facilmente con- de dois meses depois, não obteve êxito em vara cível da capi-
tornáveis por vias patrimoniais. Assim, e à guisa de exemplo, tal paulista 325 .
já em 1995 o Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro Parece interessante, desde já, indicar, por razões de opor-
buscava afastar a hipótese de se indenizar, a título de dano tunidade, um aspecto a ser examinado no Capítulo 5, sobre
moral, o proprietário de veículo que tivesse sofrido uma sim- os critérios adotados para compensar o dano moral. De fato,
ples avaria: enquanto a juíza paulista considerou ausentes "o dano e a
culpa"326, não havendo então o que ressarcir, a juíza gaúcha
Colisão de Veículos. Dano Moral. Inocorrência. Diárias de esmerou-se na condenação:
Locomoção. Pedido de reparação por alegado dano moral
que, sem dúvida, inocorreu, já que um mero amassamento
na saia traseira de um automóvel jamais poderia representar
uma reparação consistente em 4 (quatro) salários mínimos, 324 Porto Alegre. 33 a Vara Cível Central - Capital. Processo
00099063777-8. A sentença proferida pela Juíza Vivian Wepfli Zanelli,
diários, em favor do autor, em período contado desde dia em 27.05.2001, diz: "Lançar a 'candidatura' do autor ao título de mente-
"anterior" ao acidente até o trânsito em julgado da sentença, capto do século atinge, sem margem de discussão, a sua honra subjetiva.
como expressamente postulado pelo autor. 323 Atribuir-lhe o troféu 'Cara-de-pau', o 'Oscar da Baixaria', é jogá-lo na vala
comum com outros políticos, investigados por corrupção, por desvio de
verbas, pelo cometimento de atos ilegais, fraudulentos, pelo simples fato
de o jornalista não comungar de sua opinião política a respeito de deter-
Por fim, é de se frisar que estas tendências antagônicas -
minado caso." A causa da premiação com o troféu teria sido a defesa
ampliação e redução dos casos de dano moral- comumente pública que fez Tarso Genro à renúncia do atual Presidente da República,
entram em conflito, às vezes apresentando soluções radical- Fernando Henrique Cardoso, ao seu segundo mandato.
mente diferentes para casos extremamente semelhantes. A 325 Ambos os feitos encontram-se em grau recursal. Para mais detalhes,
este respeito, cumpre citar o ca.so exemplar do concurso pro- v. o site da revista Consultor Jurídico, disponível em ''http://www.con-
jur.com.br".
movido pela emissora de rádio Eldorado, que concedeu a um 326 São Paulo: Capital. I oa Vara Cível Central. Processo 00099054841-
famoso político o "Troféu Cara:-de-Pau", na injuriosa catego- 4. Na sentença da juíza Claudia Longobardi Campana, datada de
ria Capo di tutti i capi. Pouco tempo antes, a mesma rádio 13.07.2001, lê-se: 'l .. ] o autor como personalidade pública tem suas
outorgara a outro político o epíteto de "mentecapto do sécu- atividades e vida pública expostas à apreciação de todos, não podendo
reclamar dano moral por crítica, inclusive aquela formulada jocosamente.
lo", chamando-o para concorrer ao mesmo troféu "Cara-de- [... ] Tratando-se de matéria de cunho humorístico e crítico, não se pode
imputar à ré o animus juríandi, mas tão somente a vontade de expressar
manifestação crítica através da utilização do anímus jocandí. O humor
323 3a Câmara, Ap. Cív. 5.340/95, ReI. Des. Dauro Inácio da Silva, julgo tem como base o exagero de uma situação e a manifestação de pensamen-
em 27.11.1995 e publ. no DO de 03.03.1996, p. 152. to, tem como ponto de partida a liberdade que só pode ser mitigada no

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Posto isto, na liquidação do dano moral recorre-se ao Código 3.4. A "injustiça" do dano
Brasileiro de Telecomunicações e à Lei de Imprensa, que
elegem determinados fatores a serem valorados para a justa o desenvolvimento de atividades cotidianas com fre-
compensação, de tal sorte que a verba encontrada repr~­ qüência causa danos a terceiros, pelo próprio e normal agir
sente ao autor uma satisfação tal capaz de minimizar o sofn- humano. A prática comercial bem sucedida tem como conse-
mento passado. Também não se pode olvidar do caráter re- qüência a diminuição do número de clientes e do próprio
pressivo da indenização e o seu objetivo desestimulador, evi- lucro daqueles que atuam no mesmo ramo, ainda que a con-
tando-se a recidiva. corrência não ofenda os parâmetros legais. A construção de
A intensidade do sofrimento do ofendido foi de alto grau, um novo edifício, sem nenhuma intenção emulativa e em to-
pois viu maculada a sua imagem perante o público ouvinte da tal consonância com as normas edilícias pertinentes, pode
rádio, com desprestígio inconteste; a posição social e política acarretar o fim da vista panorâmica, da incidência de luz solar
do ofendido também se evidenciou não apenas pelos docu- ou da brisa que refrescava o vizinho. O patrão que, encon-
mentos acostados como também pelos depoimentos colhi- trando-se em dificuldades financeiras, se vê obrigado a des-
dos na fase instrutória elogiosos à sua pessoa; a empresa, de
pedir o funcionário, ainda que o indenize nos termos legal-
outro lado, se houve com dolo, ela que revelou inequívoca
mente exigidos, provocar-Ihe-á um dano, se se entender este
intenção de desabonar ao ratificar o seu desprezo pelo autor,
conceito como uma "idéia genérica que engloba quaisquer
chamando-o, inclusive de imbecil, na carta remetida a uma
quebrantos econômicos, perdas patrimoniais ou gastos que se
das ouvintes também retratação inocorreu. Considerando
esses aspectos e mais, a capacidade econômica das partes,
impõem a um sujeito sem que lhe tenha sido dada a oportu-
entendo razoável a condenação da Ré ao pagamento de 200
nidade de decidir acerca de sua efetivação"328.
salários mínimos no valor vigente nesta data, com correção Essas situações, ainda que causadoras de danos, são auto-
monetária e juros de mora a contar tamb em' da present e. 327
rizadas pelo ordenamento jurídico; os danos que aí se produ-
zem são, portanto, lícitos, não importando em responsabiliza-
caso de ofensa pessoal direta, o que não ocorre no caso dos autos. A
ção daquele que, apesar de ter dado causa aos prejuízos, não
tradução feita pelo autor da expressão "Capo de Tutti I Capi" não e.rrc0.rr- se afastou dos limites impostos pelo ordenamento jurídico ao
tra relação com a degravação efetuada e as conclusões postas na InICIal pautar sua atuação. Para além da conduta irrepreensível do
não foram diretamente veiculadas no programa radiofônico, que em ne- agente causador, porém, está a consideração, hoje igualmente
nhum momento classificou o autor como chefe de mafiosos, ou atrelou o
nome do autor a condutas criminosas." . _
327 Id., ibid. Na sentença, pode-se ler ainda: "O pedido para veIculaça?
de mensagem também merece acolhimento e, com efeIto, somada a a honra e a imagem de Tarso Genro, ex-prefeito de Porto Alegre, advogado
indenização pecuniária, poderá melhor reparar os dan~s .ca~sados. O e membro da Executiva Nacional do PT, frente ao público em geral e, em
texto sugerido deverá ser retificado para exclUlr a palavra c.nmmosam~n­ virtude disto, foi condenada a ressarcir os danos morais provados, e
te', porquanto a prática de crime só poderá ser reconheClda pelo JUlzO divulga esta nota como forma legal de expressar respeito a toda pessoa, e,
Criminal. Permanece no mais o texto original, que ora transcrevo para de maneira particular, aos admiradores de Tarso Genro'."
constar da presente: 'E atenção! A Rádio Eldorado ofendeu a dignidade, 328 Assim, L. DíEz-PrCAZO, Derecho de danos, cit., p. 294.

175
174
relevante, de que, nesses casos, é razoável que a vítima supor- Daí porque, há mais de duas décadas, O. GOMES qualifi-
te tais prejuízos. Por isso tais danos são também ditos, além cava como "a mais interessante mudança" na teoria da res-
de lícitos, não-"injustos". ponsabilidade civil o que ele chamou de "giro conceitual do
ato ilícito para o dano injusto", que permite" detectar outros
De outro lado, como se sabe, em situações cada vez mais danos ressarcíveis que não apenas aqueles que resultam da
numerosas, o mesmo ordenamento determina que, se forem prática de um ato ilícito. Substitui-se, em síntese, a noção de
causados danos, não obstante a liceidade da ação ou da ativi- ato ilícito pela de dano injusto, mais amplo e mais social"331.
dade, a vítima não deve ficar irressarcida. Aqui também, à
primeira vista, os danos seriam "lícitos"; geram, no entanto, Cumpre, pois, identificar em que consiste a injustiça do
por determinação legal, a obrigação de indenizar. Neste caso dano, que faz nascer a exigência da indenização. Ou, em ou-
se enquadram as hipóteses de responsabilidade objetiva, em tras palavras, será necessário "circunscrever a área dos danos
que se inclui a própria atividade estatal, expressada nesta de- ressarcíveis", de modo a evitar uma "propagação irracional
cisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em dos mecanismos de tutela indenizatória"332.
sede de Recurso Extraordinário relatado pelo Ministro Carlos Inicialmente, é necessário precisar que a expressão é pro-
Velloso e julgado em 1992: veniente, não por acaso, da doutrina italiana da responsabili-
dade civil. É que o artigo 2.043 do Código Civil italiano de
A consideração no sentido da ilicitude da ação administrati- 1942 estabelece:
va é irrelevante, pois o que interessa é isto: sofrendo o parti-
cular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou Art. 2.043. Qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad
irregular, no interesse da coletividade, é devida a indeniza- altri un danno ingiusto, obbliga colui che ha commesso il
ção, que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e fatio a risarcire il danno. 333
encargos sociais. 329

Segundo C. M. BIANCA, o debate acerca da noção de in-


Um exemplo da aplicação desta teoria é o caso de obra justiça do dano cindiu-se em duas correntes: de um lado, os
pública que interdita determinada via, provocando diminui-
ção nos lucros dos comerciantes afetados pela queda do mo-
vimento: os tribunais brasileiros, em alguns julgados, já deci- São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 486: "Indenização - Respon-
sabilidade Civil- Obras do Metrô - Queda do movimento de pacientes
diram pela responsabilização do Estado, sem prejuízo da lici-
em hospital particular durante o período trienal das obras - Irrelevância
tude da empreitada330 . de que o dano tenha origem em atividades lícitas - Verba devida - Ação
Procedente - Recurso provido" (grifou-se).
331 O. GOMES, Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil,
329 Publicado na Revista dos Tribunais n. 682, p. 239. cit., p. 293 e 295.
330 Neste sentido, em sede de Apelação, a seguinte decisão da 2a CC do 332 L. DÍEZ-PICAZO, Derecho de danos, cit., p. 296.
TJSP, ReI. Des. Cezar Peluso, julgo em 28.08.1990, in R. STOCO, Respon- 333 "Qualquer fato doloso ou culposo que cause a outros um dano injus-
sabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, 3. ed., rev. e ampI., to obriga quem cometeu o fato a ressarcir o dano."

176 177
que a identificavam com a antijuridicidade, ou seja, com a da solidariedade social; para Guido ALPA, seria indenizável o
violação de um direito ou de uma norma, e, de outro, os que dano relevante, segundo uma ponderação dos interesses em
334
a associavam à lesão de um interesse merecedor de tutela . jogo à luz dos princípios constitucionais 337 .
No âmbito das teses ligadas à antijuridicidade, a posição A conceituação mais consistente, tudo indica, está nesta
mais tradicional definia a injustiça do dano como a lesão aos última consideração. O dano será injusto quando, ainda que
direitos absolutos (oponíveis erga omnes), tais como os direi- decorrente de conduta lícita, afetando aspecto fundamental
tos reais e os direitos da personalidade. Posteriormente essa j da dignidade humana, não for razoável, ponderados os inte-
opinião receberia crítica, influenciada pela doutrina da tutela resses contrapostos, que a vítima dele permaneça irressarci-
aquiliana (ou externa) do crédito, no sentido de que o termo da. Esta parece ser a posição de M. MOACYR PORTO:
"injusto" indicaria a lesão a qualquer direito, absoluto ou re-
lativ0 335 . Objeta-se, habitualmente, que seria antijurídico e moral-
mente reprovável condenar alguém ao pagamento de um
Modernamente, contudo, buscou-se desvincular a idéia prejuízo para o qual não concorrera com a sua culpa. [Po-
de injustiça da idéia de antijuridicidade, procurando critérios rém] é justo, razoável, eqüitativo impor à vítima do dano,
mais amplos, que englobassem também "interesses que são igualmente inocente, o ônus de suportar sozinha as conse-
dignos da tutela jurídica e que, por isso, quando são lesiona- qüências do dano causado por outrem?
dos, façam nascer ações indenizatórias"336 para reparar os pre- Em que princípio moral ou regra jurídica se apoiaria a opção
favorável ao autor do dano?338
juízos sofridos.
Nessa ótica, vários critérios foram propostos: para Piero
SCHLESINGER, os danos seriam indenizáveis quando provo- De fato, não parece razoável, na legalidade constitucional,
cados por um ato não-autorizado por uma norma; para Stefa- estando a pessoa humana posta na cimeira do sistema jurídi-
no RODOTÀ, só caberia indenização nos casos em que o inte- co, que a vítima suporte agressões, ainda que causadas sem
resse atingido fosse suscetível de tutela segundo o princípio intenção nem culpa, isto é, sem negligência, imperícia ou im-
prudência. O que impede que se proteja o autor do dano em
detrimento da vítima, como se fazia outrora, ou, melhor, o
334 C. M. BIANCA, Dírítto cívíle, Milano: Giuffre, 1995, v. 5, p. 584.
335 C. M. BrANCA, Dírítto cívíle, cit., p. 584. Adota este posicionamen-
to, entre outros, A. TRABUCCHr, Istítuzíoní dí dírítto cívíle, 27. ed., 337 Esta sistematização, mais detalhada, é exposta por C. M. BrANCA,
Padova: Cedam, 1985, p. 205, n. 1: "La formula che lega la nozíone dí Dírítto cívíle, cit., p. 585.
danno íngíusto alta lesíone dí un dírítto assoluto va modernamente altar- 338 M. MOACYR PORTO, O ocaso da culpa como fundamento de respon-
gata oltre alta víolazione di un diritto reale o dí un dírítto delta personali- sabílidade cívil, disponível em .. http://www.jurinforma.com.br/arti-
tà estendendosí la tutela aquílíana alta píu larga categoría dí ínteressí gos/0393", acesso em 7 jun. 2002. O autor sugere que os diversos artigos
gí~rídícamente rílevantí erga omnes. Típíca ela tutela esterna del credíto, sobre o ilícito e as hipóteses em que ocorreria o dever de indenizar
mas ví sono altrí casi." deveriam ser substituídos ou subsumidos num único e conciso dispositi-
336 L. DÍEz-PrCAZO, Derecho de danõs, cit., p. 296. vo: "aquele que causar um dano injusto é obrigado a repará-lo."

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que torna hoje preferível proteger a vítima em lugar do lesan- Em junho de 2002, no julgamento do Recurso Extraordi-
te, é justamente o entendimento (ou, talvez, o sentimento) nário 215984, o STF, reiterando posição anteriormente to-
da consciência de nossa coletividade de que a vítima sofreu mada, reformou acórdão do STJ, ao decidir, por unanimida-
de, que, sendo a Constituição expressa ao afirmar serem in-
injustamente; por isso, merece ser reparada 339 .
violáveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
No Capítulo 1, fez-se referência à decisão da Terceira pessoas, o Tribunal a quo "emprestou ao dano moral caráter
Turma do STJ, que, por 3 votos a 2, entendeu ter havido dano restritivo, o que não se coaduna com a forma como a Consti-
à imagem de famosa atriz pelo simples fato de sua divulgação tuição o trata".
não-autorizada 340 . Em caso em tudo e por tudo semelhante,
O Ministro Carlos Velloso, relator do recurso, afirmou:
julgado alguns meses depois pela mesma Turma, as posições
se inverteram, e, também por 3 votos a 2, assim se conside- o que precisa ser dito é que, de regra, a publicação da foto-
rou: grafia de alguém, com intuito comercial ou não, causa des-
conforto, aborrecimento ou constrangimento ao fotografa-
[ ... ] a imagem da autora foi reproduzida absolutamente den- do, não importando o tamanho desse desconforto, desse
tro do contexto da atividade a que se dedica, como modelo aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele
profissional. Assim, ela apenas foi vítima de danos materiais,
exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a
posto não ter sofrido nenhuma lesão em sua honra ou inva- Constituição (art. 5°, X). 342
são em sua privacidade.
[ ... ] Diferente poderia ser o enfoque do problema se a ima-
gem da autora tivesse sido veiculada de forma grotesca ou Aqui importa ressaltar que a injustiça do dano, que o tor-
vexatória. 341
na indenizável, não pode estar juridicamente vinculada a su-
postos sentimentos negativos, grandes ou pequenos, da víti-
339 Para um exemplo, o artigo 496, 1 do Código Civil português. ma. A lesão causadora do dano injusto refere-se, diretamen-
340 REsp. 270.730, 3" Turma, Rel pl o acórdão Min. Nancy Andrighi, te, ao bem jurídico tutelado, ao interesse ou direito da pessoa
julgo em 20.12.2000 e publ. no Dl de 07.05.2001, v. m. Enquanto os humana, merecedor de tutela jurídica. É o que se tentará
Ministros Menezes Direito e Pádua Ribeiro entenderam incabível a inde- detalhar a seguir.
nização pelo dano moral, sob o argumento de que a publicação violentara
apenas o direito patrimonial à exploração da própria imagem, a Min.
Nancy Andrighi e o Min. Zveiter consideraram que o jornal carioca
deveria indenizar a atriz também pelo dano moral, porque ela, com o só ridícula ou ofensiva ao decoro da pessoa retratada. A publicação das
fato da publicação não-autorizada, fora violentada em seu crédito como fotografias depois do prazo contratado e a vinculação em encartes publi-
pessoa. O Min. Ari Pargendler desempatou a questão. citários e em revistas estrangeiras sem autorização não enseja danos mo-
341 STl, REsp. 230.268, 3" Turma, ReI. Min. Pádua Ribeiro, julgo em rais, mas danos materiais."
342 STF, RE 215984, 2" Turma, ReI. Min. Carlos Velloso, julgo em
13.03.2001 e publ. no Dl de 12.07.2001, v. m., vencidos os Min. Nancy
Andrighi e Waldemar Zweiter. A decisão ficou assim ementada: "Dano 04.06.2002. O inteiro teor do voto encontra-se transcrito, sob o título
moral. Dano à Imagem. Fotografias usadas em publicação comercial não "Dano Moral e Direito à Imagem", no Informativo 273 do STF, datado de
autorizada. I - O uso da imagem para fins publicitários, sem autorização, 17 a 21 jun. de 2002, disponível em .. http://www.stf.gov.br/noticias/in-
pode caracterizar dano moral se a exposição é feita de forma vexatória, formativos!", acesso em 01 ago. 2002.

180 181
3.5. O dano moral segundo a metodologia Assim, para efetivar a defesa e a promoção integrais da
civil-constitucional personalidade humana, é preciso ter em mente que a pessoa
não será protegida porque é titular de um direito, mas o con-
Na impossibilidack de expor nesta sede, com riqueza de trário. A proteção surge primeiro e decorrente dela; em se-\
detalhes, a metodologia "civil-constitucional", a qual tem guida, configura-se o direito subjetivo ou o direito potestati-
como característica predominante a aplicação dos princípios vo, ou faculdade - em suma, o que quer que seja mais ade- .
e das regras constitucionais às relações intersubjetivas de Di- quado, como estrutura, para aquela determinada situação ju-/)
reito Civil e a conseqüente defesa da unidade do ordenamen- rídica 344 (isto é, para realizar aquela função).
to jurídico, através da superação da dicotomia público-priva- Nesse sentido, o dano moral não pode ser reduzido à "le-
do, tentar-se-á indicar, à luz desses pressupostos metodológi- são a um direito da personalidade"345, nem tampouco ao
cos, a atual configuração do dano moral.
Tendo-se como ponto de partida tal entendimento, de-
344 Mutatis mutandis, aqui talvez se pudesse traçar um paralelismo com
corre logicamente que a unidade do ordenamento é dada pela
o direito romano, o direito moderno e as actiones. Enquanto no direito
tutela à pessoa humana e à sua dignidade, como já exposto; romano só se tinha o direito se houvesse uma ação que o garantisse,
portanto, em sede de responsabilidade civil, e, mais especifi-l ocorrendo o contrário no direito moderno (havendo o direito, haverá uma
camente, de dano moral, o objetivo a ser perseguido é ofere- \7 ação para a sua tutela, "porque não há direito sem tutela" - artigo 76 do
cer a máxima garantia à pessoa humana, com prioridade, em ! Código civil brasileiro), não é necessário haver o direito da personalidade
para que haja a tutela; será bastante haver a personalidade a ser protegida.
toda e qualquer situação da vida social em que algum aspecto )\. 345 V. P. L. NETTO LÔBO, Danos morais e direitos da personalidade.
de sua personalidade esteja sob ameaça ou tenha sido lesado. Revista Trimestral de Direito Civil, n. 6, p. 79 e ss, abr./jun. 2001,
segundo o qual a interação entre os danos morais e os direitos da persona-
A propósito, já foi dito, com evidência axiomática, que o lidade é intensa a ponto de tornar necessário o questionamento sobre "a
"objeto" primordial de tutela do ordenamento é a pessoa hu- possibilidade de existência daqueles fora do âmbito destes". O autor
mana, que se configura como "sujeito e ponto de referência conclui afirmando não haver hipótese de danos morais além das violações
aos direitos da personalidade: "nenhum dos casos deixa de enquadrar-se
objetivo"343 da situação jurídica subjetiva que o envolve ou
em um ou mais de um tipo." Deste resultado decorre que "a dor é uma
que lhe diz respeito. Há, tecnicamente, conforme também já conseqüência, não é o direito violado". Para Y. S. CAHALI, Dano moral,
foi dito, uma "Cláusula geral de tutela da pessoa", estabeleci- cit., p. 20, citando DALMARTELLO (Danni morali contrattuali, 1933):
da a partir do artigo 3°, 1, da Constituição Federal. Dela deri- "Parece mais razoável [ ... ] caracterizar o dano moral pelos seus próprios
vam inúmeras situações jurídicas, na medida em que a pessoa elementos, como a 'privação ou diminuição daqueles bens que têm um
valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de
se realiza através de esquemas diversos de situações subje- espírito, a liberdade individual; a integridade física, a honra e os demais
tivas. sagrados afetos', classificando-se, desse modo, em dano que afeta a 'parte
social do patrimônio moral' (honra, reputação etc.) e dano que molesta a
'parte afetiva do patrimônio moral' (dor, tristeza, saudade etc.); dano que
provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante
343 P. PERLINGIERI, Perfis de direito civil, cit., p. 170. etc.) e dano moral puro (dor, tristeza etc.)."

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