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ANÁLISE DE DISCURSO:
exterioridade e ideologia
A (IM)PARCIALIDADE DE UM EDITORIAL
DA REVISTA VEJA
MAX DIAS
Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas
Universidade Federal do Espírito Santo
Av. Fernando Ferrari, 514, CCHN – Edifício Bárbara Weimberg, Goiabeiras Vitória –
ES, CEP 29.075-910
max.dias@ifro.edu.br
1 Introdução
O estudo em questão considera a importância histórica da VEJA no cenário
brasileiro. No ano de 1978 a revista completava 10 anos de existência e estava
diante de um país cujo esgotamento do regime político se mostrava evidente na
sociedade bem como para o comando do exército.
I ENCONTRO NACIONAL EM
ANÁLISE DE DISCURSO:
exterioridade e ideologia
2 Desenvolvimento Teórico
A análise de discurso se constitui num campo de pesquisa instrumentalizado
por conhecimentos das diversas ciências humanas, em especial as Ciências Sociais
e a Linguística. Os “estudos discursivos visam pensar o sentido dimensionado no
tempo e no espaço das práticas do homem, descentrando a noção de sujeito e
relativizando a autonomia do objeto da língua” (ORLANDI, 2005, p.16).
A linguística de Saussure, o Materialismo Histórico em Althusser e a
Psicanálise lacaniana se encontram, mas não sem deslocamentos. Linguagem e
história conjugam-se na produção de sentidos buscando compreender a língua não
apenas enquanto uma estrutura, mas como acontecimento. “Aí entra então a
contribuição da Psicanálise, com o deslocamento da noção de homem para a de
sujeito” (ORLANDI, 2005, p.19).
Sendo assim é preciso compreender de que maneira o discurso produz
efeitos de sentido. Para tanto, necessário é caminhar no rastro de seus vestígios. Ao
analisar um discurso, é possível enxergar a fala do homem, a linguagem em prática.
Entretanto este falar não diz respeito a algo original, autônomo. O sujeito é
interpelado, “há um já-dito que sustenta a possibilidade mesma de todo dizer”
(ORLANDI, 2005, p.32), num discurso que funciona em relação à ideologia da qual
não se escapa porque nada a escapa.
“Pêcheux ocupou um lugar totalmente original, ao pensar o sujeito ideológico
(reflexão iniciada por Althusser) na materialidade específica da língua”, diz Zoppi-
Fontana (2014, p.28). Ademais é notável a sua compreensão em torno da
dissimulação que a ideologia mesma provoca no interior de sua própria
engrenagem. O sujeito então é constituído no tecido dessas “evidências
“subjetivas””, sendo este último adjetivo compreendido como aquilo que “constitui o
sujeito” e não como o que o afeta, simplesmente (PÊCHEUX, 1995, p.153).
A fim de evitar colocar o sujeito do discurso como origem do sujeito do
discurso é preciso compreender de que forma “todos os indivíduos recebem como
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evidente o sentido do que ouvem, dizem, leem ou escrevem (do que eles querem e
do que se quer dizer), enquanto “sujeitos-falantes”” (PÊCHEUX, 1995, p.157). Esses
indivíduos, por fim, são interpelados enquanto sujeitos de seu discurso “pelas
formações discursivas que representam “na linguagem” as formações ideológicas
que lhes são correspondentes” (PÊCHEUX, 1995, p. 161).
Ao se compreender tais argumentos pêcheuxtianos chega-se a uma questão
inadiável: de que modo a Ideologia – sendo a mesma exterioridade – se realiza?
Para Pêcheux seria através do complexo do interdiscurso, na interpelação dos
indivíduos, fornecendo “a cada sujeito sua realidade enquanto sistema de evidências
e de significações percebidas – aceitas – experimentadas” (1995, p.162).
partida ou chegada em absoluto. De acordo com Orlandi, “um texto é só uma peça
de linguagem de um processo discursivo bem mais abrangente” onde os não-ditos
também denotam significado (2005, p.72).
3 Carta do Editor
Primeiramente é preciso destacar que VEJA reconhece o momento
importante do país ao final da década de 1970 e crê que é “necessário deixar
explícito o que pode estar implícito”. Esse jogo entre explícito/implícito, pelas letras
de Victor Civita, traz consigo um efeito notável; aparenta lançar luz sobre o que
estaria nebuloso, como se fosse possível ao dito manter em total suspensão o não-
dito. É como se a revista dissesse que até então ela fez seu jornalismo deixando
entrever seus posicionamentos políticos (implícito), entretanto sem nunca ter
deixado ver tal posicionamento (explícito).
Objetivamente, é nesta “falha” que VEJA sempre manteve seu discurso em
movimento (nunca em suspensão!), mas nesta ocasião é importante frisar o que não
estaria claro a fim de cumprir um objetivo – concatenado com os discursos do
regime – neste tempo de “efervescência, dúvida, conflito de opiniões, de tendências,
de idéias”.
O esforço do editorial em referendar a importância de VEJA (“muito mais que
um projeto bem-sucedido, é hoje uma instituição na imprensa brasileira”) locupleta-
se na tarefa da mesma em salvaguardar o regime, na figura de Geisel, em
detrimento das medidas ditatoriais que tanto a afetaram no contexto histórico.
deixava de ser um valor inegociável, mais uma vez. Era preciso manter aquilo que a
democracia não mais conseguia sustentar, quer dizer, o establishment numa
perspectiva econômico-liberal por intermédio do sistema político que fosse
necessário. Liberalismo econômico e ordem democrática não estão imbricados e
nesses termos o discurso de VEJA é peculiar, pois busca lançar confetes a uma
democracia, todavia inebriada por liberalismo.
primeiro semestre de 1978 acendeu o sinal amarelo nos quartéis. Junto a outros
elementos, o fim do ciclo militar no governo do Brasil chegaria logo.
Além disso, o enunciado acerca das centrais sindicais soma-se a um outro,
de contrariedade à pauta da anistia e precisa ser compreendido na lógica das
relações de poder e do interdiscurso.
Eis no que acreditamos, por achá-lo melhor para o país. Confiamos em que,
aqui, coincidimos com a maioria da sociedade brasileira. Não pretendemos
ser donos da verdade [...] Mas o leitor sabe de que lado lutamos ao longo
desses agitados , controvertidos, mas certamente estimulantes, dez anos de
vida. E sabe, também, onde nos encontrará amanhã (CIVITA, 1978, p. 18 e
19).
Por fim, Victor Civita encerra a Carta do Editor trançando o discurso de VEJA
com o desejo de uma maioria silente que, numa democracia futura, tão defendida
pela revista, poderia estabelecer o “melhor para o país”. Ao afirmar uma não
pretensão em ser dona da verdade a revista busca colocar sobre si mesma o ônus
da dúvida, característica peculiar dos propagadores de uma “imparcialidade
jornalística” (entendida neste estudo como um grande mito, obviamente), sendo os
efeitos desse discurso de imparcialidade bastante explícitos, em especial através
dos silêncios de sua parcialidade no texto editorial.
4 Considerações Finais
Diante das questões apresentadas é possível avançar em outras reflexões na
medida em que a pesquisa acerca do objeto estudado pressupõe maior volume de
materiais, bem como um recorte temporal mais expandido. É necessário, ainda,
categorizar historicamente os discursos em disputa no regime militar, e, em especial,
no período da abertura. Percorrer tal caminho permite entender os elementos que
levaram à crise da ditadura e ao seu término, bem como a institucionalidade que se
estabeleceu posteriormente.
Ademais, os meios de comunicação de massa tem um papel preponderante
no (re)fluxo do discurso político em seus múltiplos dizeres/não-dizeres e é uma
ferramenta relevante no processo de análise de um momento histórico delimitado,
bem como das ideologias que são postas em movimento por eles. Sendo assim,
para além de um editorial, a pesquisa pode avançar sobre outros cadernos da
revista VEJA, tais como economia, sociedade e política. Porque, enfim, as
formações discursivas estão, em cada uma dessas partes, carregadas de formação
ideológica, determinando os sentidos.
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Referências
CIVITA, Victor. Carta do Editor: Nos dez anos de VEJA, uma reafirmação de
princípios. In: OS MILITARES e a sucessão. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 10,
n.523, 1978. p.18-19.