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EDIÇÃO 125 | FEVEREIRO_2017

anais da telecomunicação

A AGONIA DA OI
Como as sucessivas intervenções do governo e a ganância dos acionistas majoritários arruinaram uma
campeã nacional
CONSUELO DIEGUEZ
Com dívida de 65,4 bilhões de reais, a Oi entrou em recuperação judicial. Credores de fundos internacionais, chamados “abutres”,
brigam pelo que restou da maior operadora brasileira ILUSTRAÇÃO: NADIA KHUZINA_2017
OS BRASILEIROS

N
a tarde de 8 de junho do ano passado, os controladores da Oi, a
maior operadora de telefonia fixa brasileira, reuniram-se na sala do
Conselho de Administração da companhia, instalado em um prédio
na praia de Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, para uma
videoconferência com o então presidente da empresa, Bayard Gontijo. O
momento era tenso. Com uma dívida que já ultrapassava 65 bilhões de
reais e o caixa fazendo água, a empresa se desmanchava. Gontijo estava
em Nova York, no escritório de uma empresa de assessoria financeira,
contratada três meses antes para ajudá-lo na negociação da dívida junto a
credores internacionais.

O executivo assumira o comando da Oi em 2014, após a desastrada fusão


da empresa com a Portugal Telecom, a PT, quando se descobriu que os
3,2 bilhões de reais que a operadora portuguesa injetaria no negócio não
existiam. Haviam sido aplicados em títulos podres de uma subsidiária do
banco português Espírito Santo, que quebrara poucos meses depois da
operação, levando junto todo o caixa da PT. A descoberta do rombo
deixara a Oi, que necessitava desesperadamente de capital, em uma
situação ainda mais delicada.

Naquela tarde, Gontijo, de Nova York, tentava convencer o Conselho da


necessidade de negociar uma dívida de 34 bilhões de reais com os
credores internacionais, prestes a vencer. A proposta dos credores era
dura. Eles propunham que, em troca do débito, os acionistas entregassem
quase que a totalidade de suas ações. Gontijo defendia essa proposta,
pois caso contrário os credores executariam a empresa e avançariam
sobre o seu caixa.

Na sala do Conselho, no Rio de Janeiro, os ânimos estavam exaltados.


Rafael Mora, um espanhol parrudo, de cabelo espetado e gênio irascível,
era quem mais questionava a negociação. Mora é o representante dos
portugueses que, após a fusão, ficaram donos de 22,4% da Oi, sendo,
portanto, seus maiores acionistas. Em função disso, eles seriam os que
mais perderiam com a proposta que Gontijo apresentara. Depois de
muita discussão, Mora disse que não contassem com ele para fechar o
negócio – na sua opinião, a Oi não deveria negociar pagamento com
credor algum.

O tom da conversa subiu. Gontijo reagiu dizendo que, enquanto fosse


CEO da companhia, tinha obrigação de tentar honrar os compromissos.
Mora replicou exaltado: “Eu o proíbo de fazer qualquer acordo de
pagamento enquanto você não explicar qual é a real situação da Oi.”
Gontijo também elevou a voz e disse que já estava tudo explicado. Mora
reagiu: “Ainda não nasceu CEO que diga a mim, como conselheiro, o que
posso ou não perguntar.” Para surpresa dos outros participantes, Gontijo,
alterado, gritou do outro lado da tela: “Então eu me demito.” O espanhol
respondeu aos berros: “Pois pode sair e tenha uma boa tarde.” Ao seu
lado, na cabeceira da enorme mesa de madeira em forma de U, o
presidente do Conselho, José Mauro Carneiro da Cunha, de
temperamento normalmente pacato, se exasperou e tentou conter
Gontijo: “Você não vai pedir demissão porra nenhuma. Eu não assino sua
carta de demissão.” A decisão do executivo, porém, já estava tomada.

Àquela altura, restava pouquíssimo oxigênio à Oi. Três dias antes da


videoconferência, o diretor jurídico da empresa, Eurico Teles, fora
surpreendido com uma decisão da Advocacia-Geral da União de executar
um débito da Oi com a Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel,
o órgão regulador do setor, no valor de 3 bilhões de reais. Teles relatara o
problema a Gontijo, que, no entanto, ainda não o reportara ao Conselho.
Forçada a desembolsar o dinheiro, a Oi ficaria quase sem caixa para fazer
frente a todos os seus compromissos. Inclusive os títulos dos credores
externos que começariam a vencer.

No dia 9 de junho, enquanto Gontijo, já demissionário, voava de volta


para o Brasil, o presidente do Conselho, Carneiro da Cunha, telefonou
para o diretor financeiro da empresa, Marco Schroeder, um gaúcho
corpulento e sorridente, com extensa vivência na casa. Schroeder deduziu
imediatamente que seria indicado como o novo CEO. Na véspera, ele
acompanhara a briga entre Gontijo e Mora e tentara acalmar o colega em
Nova York com mensagens pelo WhatsApp. Na sexta, dia 10, Gontijo
assinou a carta de demissão e Schroeder assumiu o comando da
companhia.
Ato contínuo, Carneiro da Cunha foi comunicar a decisão à presidente do
BNDES, Maria Silvia Bastos Marques.
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social é não só
acionista como um grande credor da Oi, além de uma das principais
fontes de financiamento da companhia. Marques encrespou-se. Mudar de
presidente no meio de uma crise sem tamanho era complicado demais,
argumentou. Lembrou ainda que Schroeder seria o sexto presidente a
assumir a empresa em apenas cinco anos, o que repercutiria
pessimamente no mercado. E foi além: se Gontijo saísse, o BNDES nunca
mais ajudaria a Oi. Carneiro da Cunha manteve-se firme: o Conselho já
havia decidido por Schroeder e não voltaria atrás. “Entenda uma coisa”,
disse ele à presidente do banco, “o Bayard não quer mais ficar na
empresa e o Marco já é o novo CEO.”

Começou uma corrida contra o tempo para salvar a companhia. Na


segunda-feira, dia 13 de junho, um grupo restrito de executivos e
advogados deu os retoques finais num plano que vinha sendo gestado,
em surdina, desde 2015: o pedido de recuperação judicial. O comando da
empresa sabia que a Oi tinha poucas chances de sobreviver se não
solucionasse o problema de sua dívida estratosférica. Nos últimos
tempos, a maior parte dos recursos da operadora era destinada ao
pagamento de juros. Com isso, os investimentos minguavam e a Oi
perdia mercado para suas principais concorrentes – a Vivo e a Claro.

De janeiro de 2016 até aquele começo de junho, o caixa da Oi já encolhera


em 11 bilhões de reais. Como as negociações com os 70 mil credores não
avançavam, o dinheiro se esvaía. A derradeira tentativa de salvar a
empresa via negociação esboroou-se no enfrentamento de Mora e
Gontijo. Mas a recuperação judicial, guardada como plano B, também era
complexa. Nunca no país havia sido feita uma transação de tal monta.
Embora, a partir do momento em que o pedido é aceito pelo juiz, todas as
dívidas da empresa fiquem congeladas, é uma decisão difícil de tomar. O
maior temor da turma contrária à ideia era de que o fornecimento de
equipamentos, cabos e outros serviços fosse suspenso, inviabilizando a
operadora. Por isso, os defensores da solução judicial achavam que ela já
deveria ter sido tomada há mais tempo, enquanto restava algum dinheiro
na Oi para garantir alguns serviços caso os fornecedores endurecessem
demais.
No dia 20 de junho, a Oi anunciou que entrara com pedido de
recuperação judicial na 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. No dia 28,
o juiz Fernando Viana aceitou a proposta. Encerrava-se assim, de forma
dramática, o projeto do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva de criar uma supertele nacional. A megaempresa surgiu em 2009,
quando, por interferência direta do governo, a Oi comprou a Brasil
Telecom, que era a operadora dos estados do Acre, Tocantins e Rondônia,
estados do Sul, além dos do Centro-Oeste. Dessa forma, a Oi
transformou-se na maior operadora de telefonia fixa do país, com 330 mil
quilômetros de cabo, abrangendo todos os 5 570 municípios brasileiros e
atendendo a 70 milhões de clientes. Com a recuperação judicial, a mais
vistosa das campeãs nacionais – como foram chamados os
superempreendimentos estimulados pelos governos petistas com
financiamento público – não tinha como esconder que estava espatifada
no meio da praça.

C
ostuma-se dizer no mercado que, como nos acidentes aéreos, uma
empresa não quebra apenas por uma causa. A premissa se aplica
também à Oi. Em geral os analistas destacam duas razões
principais que contribuíram para a derrocada da companhia: a utilização
abusiva da empresa por seus antigos controladores – os grupos Andrade
Gutierrez e La Fonte – e a excessiva interferência governamental. “A Oi é
uma história de quase vinte anos de espoliação dos investidores”, disse
Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de
Capitais, durante uma conversa que tivemos em novembro passado, num
restaurante no Centro do Rio. “Tudo o que os acionistas controladores
fizeram foi gerar valor para eles mesmos em detrimento da companhia”,
sentenciou. “Quem comprou ações da empresa no mercado confiando no
negócio está agora com um mico na mão. Foram golpes sucessivos nos
minoritários. E a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o xerife do
mercado de capitais, fechou os olhos”, disse.

Os problemas da companhia começaram no dia seguinte à sua aquisição


no leilão de privatização do sistema Telebrás, em 1998, ainda no governo
Fernando Henrique Cardoso. Para facilitar a venda das operadoras, o
governo agrupou as 27 telefônicas estaduais em três empresas, divididas
em três regiões: 1) São Paulo; 2) Sul e Centro-Oeste; 3) Sudeste, Nordeste
e parte da Norte, além de uma operadora de longa distância, a Embratel.
Para estimular a concorrência, os grupos interessados poderiam comprar
apenas uma delas. No dia do leilão, vários consórcios se apresentaram.
Corria o burburinho de que, na telefonia fixa, a Telefónica de España
compraria a Tele Centro Sul, mais tarde batizada de Brasil Telecom; a
Globo ficaria com a Telesp, da região de São Paulo, e o grupo liderado
pelo banco Opportunity, de Daniel Dantas, junto com a Telecom Italia, o
Citibank e os fundos de pensão das estatais, levaria a Tele Norte Leste,
depois batizada de Telemar e rebatizada, anos depois, de Oi.

Os espanhóis, no entanto, surpreenderam fazendo uma oferta de 5,7


bilhões pela Telesp, derrotando o consórcio da Globo. O que ninguém
sabia é que o Opportunity também tinha colocado um envelope com
oferta para a Tele Centro Sul. Assim, quando a Telefónica ganhou a
Telesp, atual Vivo, seu lance para a Tele Centro Sul foi imediatamente
descartado, e a empresa foi levada, a contragosto, pelo grupo de Dantas,
que ficou impossibilitado de fazer nova oferta por outra fixa. A Telemar
acabou arrematada por um consórcio azarão, formado pela construtora
Andrade Gutierrez, o grupo La Fonte, a GP Investimentos, a Inepar e, de
novo, os fundos de pensão.

O resultado do leilão contrariou os planos de dois dos principais


articuladores da privatização: os economistas Luiz Carlos Mendonça de
Barros, então ministro das Comunicações, e André Lara Resende, então
presidente do BNDES. Nenhum dos dois escondia preferir que o
consórcio liderado por Dantas tivesse levado a Telemar, pois o
consideravam mais apto para tocar o negócio, dada a expertise da
Telecom Italia em telefonia e o poder econômico do Citibank. Quando se
anunciou o resultado, Mendonça de Barros manifestou seu
descontentamento publicamente. Apelidou o consócio vencedor da
Telemar, liderado pela Andrade Gutierrez, de Telegangue – e até hoje
responde a um processo por isso.

Tanto Sérgio Andrade, dono da Andrade Gutierrez, quanto Carlos


Jereissati, da La Fonte, compareceram com 100 milhões na compra da
Telemar. O BNDES foi obrigado a emprestar, de cara, 1,2 bilhão de reais
para o consórcio. A companhia, arrematada por 3,4 bilhões, foi quase
inteiramente financiada pelo banco e pelos fundos de pensão das estatais.
Ainda assim, os sócios privados passaram a mandar na operadora,
enquanto o BNDES e os fundos, que entraram com o grosso do dinheiro,
pouco apitavam.

Os sócios privados logo demonstrariam que o que era bom para eles nem
sempre era bom para a companhia. Como a venda da Pegasus para a
Telemar, em 2002. A Pegasus era uma provedora de serviço de dados,
que pertencia a Andrade, a La Fonte, ao Opportunity e ao GP. A empresa
passava por dificuldades financeiras e foi vendida para a Telemar por
335,8 milhões de reais, sem que seus donos explicassem como se chegou a
tal valor. A Telemar ainda arcou com a dívida de 339,1 milhões de reais
da empresa absorvida. “Além de fixar o preço aleatoriamente, os donos
ainda empurraram a dívida da Pegasus para dentro da Telemar”,
reclamou Mauro Cunha, da Associação de Investidores em Mercado de
Capitais.

Práticas como essas se tornaram comuns na operadora. Um ex-diretor


financeiro da Telemar me contou que os controladores exigiam que certas
compras fossem feitas de empresas que eles escolhiam, sem que se fizesse
uma tomada de preços no mercado. Também obrigavam que a operadora
contratasse bancos ou outros serviços de fornecedores da Andrade
Gutierrez e do grupo La Fonte para, dessa forma, conseguir vantagens
em seus negócios originais, que iam de construção a administração de
shopping centers.

Em 2002, os controladores decidiram montar uma empresa de telefonia


móvel, já que a Telemar operava apenas a rede fixa. O negócio fazia todo
o sentido, pois o setor apontava para um crescimento do celular. A fim de
viabilizar a nova empresa, tomaram dinheiro no mercado e em bancos
públicos e privados. Para tocar a companhia contrataram Luiz Eduardo
Falco, um jovem executivo ambicioso e agressivo, que fizera carreira na
área de marketing da TAM. A empresa, voltada principalmente ao
público jovem, foi batizada de Oi – um nome fácil de pegar – e ganhou
uma logomarca colorida. Em termos de imagem, o negócio foi um
sucesso. Como resultado financeiro, um problema.
A fim de que pudesse decolar, a Oi se endividou excessivamente. Os
controladores decidiram vendê-la para a Telemar em maio de 2003, com a
justificativa de unir as operações fixa e móvel. E mais uma vez se
beneficiaram da transação. A empresa móvel foi vendida pelo valor
simbólico de 1 real. Mas, junto com a operação, a Telemar ficou também
com a dívida de 4,8 bilhões de reais contraída pelos controladores na
criação da empresa. O Ministério Público do Rio de Janeiro exigiu que os
donos se explicassem, dado que o negócio tinha um impacto considerável
no caixa da Telemar. A investigação, porém, não prosperou. Os
minoritários, por sua vez, entraram com recurso junto à
CVM reclamando da transação, também sem sucesso. “Depois disso,
vendemos nossas ações na Telemar e pulamos fora. A companhia não era
confiável. Desrespeitava constantemente os investidores”, disse-me o
diretor de um grande fundo de investimento.

N
essa mesma época, a situação na concorrente Brasil Telecom (BrT)
também não era nada confortável. Daniel Dantas, do Opportunity,
envolveu-se numa briga encaniçada pelo comando da companhia,
com dois controladores da empresa – a Telecom Italia e os fundos de
pensão das estatais. Os fundos, liderados pela Previ, do Banco do Brasil,
exigiram uma verificação dos contratos com o Opportunity. Não
gostaram do que encontraram. Descobriram que os termos eram
desvantajosos para eles e que o banco, como gestor, adotava práticas que
os prejudicavam.

Com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto, em 2003, o


quadro da telefonia brasileira passou por uma mudança drástica. Sérgio
Rosa, um ativo sindicalista ligado ao PT, foi alçado a presidente da Previ,
enquanto Luiz Gushiken, também do PT e amigo de longa data de Rosa,
foi nomeado ministro da Secretaria de Comunicação do Governo.
Começava ali o que Gushiken chamaria de a “maior disputa societária da
história do capitalismo brasileiro”: a briga pelo controle da BrT. Na
contenda, o governo se colocou ao lado dos fundos.

Em setembro de 2005, após dois anos de um conflito que consumiu


milhões de dólares das duas partes com advogados, Dantas, sob forte
pressão do Planalto, entregou a gestão da BrT para os fundos de pensão.
Para comandar a empresa, os fundos nomearam Ricardo
Knoepfelmacher, conhecido como Ricardo K., ex-presidente da Pegasus
(a empresa que havia sido vendida para a Telemar) e dono da Angra
Partners, uma pequena consultoria especializada em reestruturação de
empresas.

A chegada de Lula ao governo também seria benéfica para a Telemar. A


Andrade Gutierrez fizera uma importante doação para a campanha do
candidato eleito, e as relações de Sérgio Andrade, controlador do grupo,
com Lula eram cordiais. Marília Andrade, sua prima, fora casada, no
início dos anos 90, com um quadro de peso do PT, o argentino Luis
Favre, com quem ela vivera um tempo em Paris. Nessa época, Lurian
Cordeiro da Silva, filha de Lula, costumava hospedar-se no apartamento
parisiense do casal. No Brasil, a jovem chegou a frequentar, junto com
Marília, a casa de veraneio de Sérgio Andrade na praia da Mombaça, no
balneário de Angra dos Reis, no estado do Rio. A intimidade de Andrade
com Favre, que os amigos do primeiro apelidaram de “Milongueiro”, foi
fundamental para entrosar o empreiteiro com outras lideranças petistas.
Andrade passou a falar com frequência, inclusive nos momentos de lazer,
com o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Certa vez, num final de
semana, atendeu o ministro ao celular enquanto voava de ultraleve.

S
érgio Lins Andrade, 67 anos, é um sujeito soturno, que fala pouco e
observa muito. Seu pai, Roberto Andrade, foi o fundador da
Andrade Gutierrez, em 1948, junto com o irmão e um amigo, Flavio
Gutierrez. A empresa, nascida em Minas Gerais, prosperou no governo
Juscelino Kubitschek. Sérgio, o primogênito, foi criado sozinho com a
mãe em Copacabana, no Rio de Janeiro, após a separação dos pais (seu
irmão mais novo, Marcos, morreu muito jovem). O pai o enchia de
mimos. Presenteou-o com um veleiro de 21 pés, que Sérgio batizou de
Vagaba. Ele também adorava carros, dirigia com habilidade e costumava
fazer pegas com os amigos na sinuosa avenida Niemeyer, que liga o
bairro do Leblon a São Conrado, no Rio.
Formou-se em engenharia e, ainda jovem, montou com dois amigos uma
empresa de prestação de serviços submarinos. Certa vez, em Sergipe,
após mergulhar seguidas vezes no mar levando equipamentos para
conserto de uma plataforma, Andrade sofreu uma embolia gasosa e ficou
tetraplégico. Após meses em tratamento, recuperou os movimentos.
Como sequela, passou a mancar de uma perna. Depois do acidente,
deixou a sociedade e juntou-se ao pai na empreiteira. Com ele no
comando, a Andrade Gutierrez agigantou-se, tornando-se um dos
maiores grupos privados da América Latina.

Apesar de obcecado por trabalho, Sérgio Andrade nunca abandonou sua


paixão por barcos e pela pesca submarina. A prática do esporte o
aproximou dos que seriam seus futuros sócios na Telemar: os donos da
GP, Jorge Paulo Lemann, Alberto Sicupira e Marcel Telles (mais tarde
donos da Ambev). Mesmo chegando ao topo do mundo dos negócios,
manteve a discrição. Ancorava seu iate em ilhas no Caribe em vez de
trazê-lo para o Brasil. Viajava de Concorde para chegar mais rápido, e
costumava dormir com uma máscara nos olhos, dispensando o serviço de
bordo.

O estilo discreto se replicava no comando do seu grupo. Sérgio Andrade


nunca foi visto na Telemar. Embora tivesse a operação sob seu controle, a
cara da Andrade Gutierrez no mundo corporativo era o mineiro Otávio
Marques de Azevedo, um executivo de competência reconhecida que ele
trouxera da Telemig Celular. Azevedo, de modos duros e imperiais, era o
tipo ideal para representar o patrão soturno e discreto na companhia. Na
presidência do Conselho de Administração da Telemar, Azevedo era
quem dava a palavra final. Poucos ousavam questioná-lo.

Carlos Francisco Ribeiro Jereissati, o outro sócio controlador, acabou


entrando no consórcio da Andrade após se desentender violentamente
com o Opportunity. Empresário bem-sucedido no Ceará, Carlos
Jereissati, irmão de Tasso, ex-governador do Ceará, ganhou o Brasil à
frente do grupo La Fonte, de construção e administração de shopping
centers. Na Telemar, suas relações com Sérgio Andrade nunca foram das
mais amigáveis. No Conselho da empresa, era representado por seu filho,
Pedro Jereissati, e pelo administrador Fernando Magalhães Portella.
Apesar de a Andrade e a La Fonte terem participações iguais na
companhia, ninguém duvidava que o cabeça da operação fosse Sérgio
Andrade, representado por seu lugar-tenente, Otávio Azevedo.

A dívida dos dois controladores com o BNDES sempre foi uma dor de
cabeça para o crescimento da companhia. Para pagar os juros dos
empréstimos que contraíram com o banco na compra da Telemar e na
criação da Oi, eles recorriam ao caixa da operadora, forçando a Oi a
distribuir vultosos dividendos. Nunca puseram dinheiro próprio no
pagamento de suas dívidas. Essa excessiva distribuição de dividendos –
que chegou a 14 bilhões de reais em dez anos – prejudicava a operadora,
já que os recursos retirados para remunerar os acionistas deveriam ser
empregados em investimentos num setor altamente dinâmico.

O uso político da companhia pelos controladores era outra fonte de


problemas. Uma das novidades oferecidas pela operação móvel era o site
Mundo Oi, com músicas, vídeos e jogos para serem baixados no celular. A
parte de jogos foi entregue a uma empresa sem experiência no ramo, a
Gamecorp. Um de seus sócios era Fábio Luís Lula da Silva, filho do
presidente Lula. Os aborrecimentos com Lulinha eram constantes.
Embora tenha embolsado mais de 10 milhões de reais, a Gamecorp nunca
entregava o que era combinado e estourava todos os prazos. Além disso,
causava estranheza ao pessoal da área o fato de os contratos firmados
com a empresa não ficarem junto com os demais: eram mantidos em
sigilo num prédio da companhia no Centro da cidade. Quando a
imprensa noticiou que Lulinha tinha contratos com a Oi, o então diretor
de Marketing da operadora, Alberto Blanco, ligou para sua secretária e
mandou que ela retirasse imediatamente o seu computador da sede da
operadora e o enviasse para a casa dele.

O
que colocou a Oi de vez na rota do desastre, na avaliação de muita
gente da área, foi a decisão de Lula, em 2008, sob orientação do
presidente do BNDES, Luciano Coutinho, de criar uma supertele,
que surgiria da união da Brasil Telecom com a Telemar. No raciocínio do
Planalto, era importante para o país ter uma grande companhia telefônica
nacional. Como a BrT era uma empresa pequena, cobrindo apenas parte
do território, e a Telemar, embora grande – operava em dezesseis estados
–, estava muito endividada, ambas seriam alvo fácil de aquisição por uma
multinacional. O governo temia que o país ficasse com suas
telecomunicações nas mãos de estrangeiros.

Havia um entrave para a viabilização desse projeto. A fim de coibir a


formação de monopólios, o Marco Regulatório das Telecomunicações,
criado à época da privatização, impedia que a empresa de uma região
comprasse a de outra. Lula resolveu o impasse retirando, por decreto,
essa exigência. Deu-se então uma confusão. Quando o BNDES chamou os
fundos de pensão – controladores da BrT e donos de grande parte das
ações da Telemar – para discutir a junção das duas empresas, eles
supuseram que seriam os donos da supertele. Levaram um choque ao
saber que teriam que vender a BrT para a Telemar e ficar em posição
minoritária na operação, ainda que permanecessem no bloco de controle.
Por decisão do governo, a supertele foi entregue a Sérgio Andrade e a
Carlos Jereissati, embora eles não tivessem colocado praticamente
nenhum capital no negócio.

Sérgio Rosa, presidente da Previ, tentou convencer o governo a mudar de


ideia. Agendou, junto com Ricardo K., o principal executivo da BrT, uma
conversa com a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Argumentaram que a BrT era uma empresa mais bem gerida e que, além
disso, os fundos, juntos, tinham muito mais capital nas duas companhias
do que os sócios privados. Portanto, diziam, seria justo que a supertele
ficasse sob o controle dos fundos. Dilma foi peremptória. “A ministra
alegou que, se a BrT comprasse a Telemar, ia passar a impressão para o
mercado de que o governo estava reestatizando o setor”, relatou-me um
dos presentes ao encontro.

Marcelo Itagiba, ex-deputado pelo PMDB do Rio de Janeiro, foi relator da


CPI dos Grampos, que investigou os negócios envolvendo as empresas
de telecomunicações. À época da disputa pela supertele, perguntei ao
deputado como ele interpretava a derrota dos fundos estatais. Itagiba não
titubeou. O pano de fundo seriam as eleições presidenciais de 2010. “Os
grupos no PT estão se digladiando de olho nas eleições de 2010”,
explicou-me. “O caixa milionário da nova empresa de telefonia é um
trunfo para quem a controlar.” E especulou: “Talvez o presidente Lula
fique mais seguro em ter no comando da companhia um empresário
amigo do que um companheiro com quem disputa o poder.” O
empresário amigo era Sérgio Andrade.

Concretizada a compra da BrT pela Telemar, a supertele incorporou o


nome Oi e a Andrade e a La Fonte passaram a reinar, sozinhas, em duas
holdings denominadas AG e LF, que controlavam a nova companhia. Na
transação, o outro sócio privado, a GP Investimentos, deixou o negócio, e
suas ações foram compradas pela Andrade e La Fonte. As relações entre a
Andrade e o GP já estavam estremecidas havia algum tempo por
divergências quanto à gestão da Telemar. Sérgio Andrade e um dos
representantes da GP no Conselho, Alberto Sicupira, tiveram uma
altercação durante uma reunião no escritório da empreiteira. Acabou ali
não só a sociedade como também a amizade.

A criação da supertele, ao contrário do que se desenhara, serviu apenas


para agravar os problemas da Oi. Primeiro, por causa do preço pago na
compra da BrT – 5,8 bilhões de reais, um valor que muitos executivos da
Oi consideraram exagerado. A compra foi toda financiada pelo BNDES e
pelo Banco do Brasil. Segundo, porque a companhia adquirida estava
longe de ser o modelo de gestão que Ricardo K. tentava fazer parecer.
Embora tivesse sido entregue com um caixa de 4 bilhões, assim que o
departamento financeiro da Oi começou a analisar os números da Brasil
Telecom, em sua sede, em Porto Alegre, deparou-se com um passivo de
mais de 2,5 bilhões de reais em ações judiciais referentes a antigos planos
de expansão, montante que não estava contabilizado no balanço. Nos
anos seguintes, esse passivo chegaria a 6 bilhões. “A BrT escondeu que
tinha esse passivo”, criticou, recentemente, um diretor da Oi. “Ao fazer
isso, os administradores contrariaram regras básicas de transparência.”
Ricardo K., o antigo gestor, não aceita a acusação. Aos amigos, ele diz que
não tinha ideia de que perderiam aquelas ações e, por isso, não
provisionou o possível prejuízo no balanço. Uma versão que a turma da
Oi não engole até hoje.

Após a compra da BrT, a dívida bruta da Oi, que era de 9,4 bilhões de
reais em 2007, saltou para 29,9 bilhões em 2009, enquanto o caixa da
empresa encolheu. Para fazer frente ao pagamento de juros e
amortizações, os controladores exigiram uma distribuição ainda maior de
dividendos. Em 2009, a empresa pagou 1,6 bilhão em distribuição de
lucro aos acionistas. Naquele ano, investiu-se 30% a menos que em 2008.
Sem dinheiro para expandir a operação, a companhia passou a perder
clientes e mercado.

J
uarez Quadros é o atual presidente da Anatel. Secretário-Executivo
do Ministério das Comunicações à época da privatização, foi um dos
técnicos que ajudaram a desenhar o modelo de venda das teles.
Quadros é um crítico da operação de compra da BrT pela Telemar.
Considera que, depois disso, a operadora desandou de vez. Para ele,
embora o governo Lula não tenha cometido ilegalidade ao alterar a lei
para reunir as duas concessionárias, o projeto de criação da supertele foi
um equívoco. “Ao se juntar duas companhias endividadas, aumentou-se
o tamanho do problema”, disse ele em janeiro passado, durante uma
conversa na sede da agência, em Brasília. Quadros sustenta que o
governo deveria ter feito uma intervenção na companhia em 2010,
quando já estava claro, pelo crescente endividamento e incapacidade de
investir, que não havia saída para a Oi.

“Talvez tenham achado que seria politicamente desgastante intervir na


operadora após o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal
terem colocado um caminhão de dinheiro na criação da supertele”,
especulou Quadros. E atacou a omissão dos dirigentes da Anatel que não
contestaram a operação. “O governo fazia o que queria e os conselheiros
concordavam. O resultado é esse que estamos vendo. Uma empresa em
recuperação judicial com uma dívida de 65 bilhões de reais. Uma crise
que poderia ter sido estancada lá atrás.”

Perguntei a Luciano Coutinho, um dos incentivadores da venda da BrT


para a Telemar, como ele via as críticas de Juarez Quadros. O economista,
que deixou o BNDES após o impeachment de Dilma, respondeu por e-
mail, em meados de janeiro: “Esse é um setor dinâmico onde as fusões e
aquisições são comuns. Os movimentos societários da Oi não fugiram aos
padrões das telecomunicações no mundo.”
Para especialistas do setor, como Claudio Fricshtak, da Inter.B, uma
consultora na área de infraestrutura, os movimentos de fusão e aquisição
feitos no Brasil tiveram como característica a excessiva intromissão
estatal. Prática que se repetiria quando os governos do Brasil e de
Portugal decidiram, em 2010, usar de sua influência para associar as duas
maiores empresas de telecomunicação de seus países: a Oi e a Portugal
Telecom, provocando, dessa vez, um desastre intercontinental.

OS PORTUGUESES

E
m 2005, José Sócrates, secretário-geral do Partido Socialista
português, tornou-se primeiro-ministro do país e logo se aproximou
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No rastro dessa amizade,
outros políticos do Partido dos Trabalhadores estreitariam os laços com
os portugueses. José Dirceu, quando ainda ministro da Casa Civil, viajava
com frequência a Portugal. Depois que foi obrigado a deixar o governo
em 2005, envolvido no escândalo do mensalão, Dirceu iria utilizar seus
contatos ultramarinos para fazer decolar sua nova carreira: a de
consultor. Nesse ramo, passou a prestar serviços para empresários que
quisessem fazer negócios no Brasil, sobretudo aqueles que tivessem
relação com o governo.

Em Lisboa, Dirceu se associou ao escritório do advogado João Serra, que


o ajudava na captação de clientes. Foi Serra (o advogado português)
quem o aproximou do empresário Nuno Vasconcellos, herdeiro de uma
tradicional família lusitana, e de seu sócio, o espanhol Rafael Mora. A
dupla era dona do grupo de comunicação Ongoing e tinha interesse em
se instalar no Brasil. Dirceu ajudou a viabilizar o projeto. Como a lei
brasileira veda o controle de empresas de comunicação a estrangeiros,
Vasconcellos valeu-se do fato de ser casado com uma portuguesa com
cidadania brasileira para, em 2009, abrir em São Paulo o seu jornal, o
Brasil Econômico, e comprar algumas publicações brasileiras, como os
diários cariocas O Dia e Meia Hora. Afora o pagamento recebido pelo
serviço prestado, Dirceu emplacou sua namorada, Evanise Santos, na
diretoria de Marketing da Ongoing, e ganhou uma coluna semanal no
Brasil Econômico, cuja linha editorial era favorável ao governo petista. Em
contrapartida, o jornal foi contemplado com farta publicidade
governamental. Só o site do jornal, segundo informação do repórter
Fernando Rodrigues, recebeu, em 2014, a quantia de 3,6 milhões de reais
em publicidade oficial. O maior valor entre os sites de orientação
governista.

Vasconcellos e Mora viviam uma fase profissional auspiciosa. Três anos


antes, haviam participado de um negócio de monta. Tornaram-se sócios
da Portugal Telecom, que tinha em seu controle o maior banco do país, o
Banco Espírito Santo, cujo dono era Ricardo Salgado. Em Portugal dizia-
se que o que não era do governo era do Espírito Santo – tamanho o poder
do grupo de Salgado. A Portugal Telecom era considerada uma das mais
eficientes e modernas empresas de telecomunicação da Europa. Seu único
ponto fraco era a falta de escala, decorrência do tamanho do país. Por
isso, havia alguns anos, a companhia vinha se expandindo em outros
continentes, montando operações na África – principalmente em Angola
– e na Ásia – no Timor-Leste e Macau. Seu negócio mais vistoso fora de
Portugal, no entanto, estava no Brasil.

No leilão de privatização das teles brasileiras, em 1998, a Portugal


Telecom arrematou a Telesp Celular, a mais valiosa das operadoras de
telefonia móvel, que atendia todo o estado de São Paulo. Miguel Horta e
Costa, então presidente da operadora portuguesa, fizera várias viagens
ao Brasil para estudar a empresa que pretendia adquirir. Foi uma
surpresa para os próprios portugueses quando se anunciou que a
PT levara a Telesp Celular. Horta divertia-se ao contar que, logo após a
aquisição da operadora, durante um jantar com empresários brasileiros,
um deles, sentado ao seu lado, o provocou: “A Portugal Telecom
comprou a Telesp?”, perguntou o brasileiro, tratando ele próprio de
responder: “Quer dizer que agora teremos celular com fio?”

Quatro anos após essa aquisição, a PT faria um negócio tão ou mais


ousado. Associou-se à Telefónica de España no Brasil, que no mesmo
leilão tinha comprado a operação fixa da Telesp. Com 50% cada uma, a
PT e a Telefónica de España passaram a controlar as operações fixa e
móvel do estado de São Paulo e a móvel do Rio de Janeiro e do Espírito
Santo, que já pertencia à operadora espanhola. A companhia surgida
dessa associação foi renomeada Vivo. Um antigo acionista da PT me disse
que, ao fazer aquela associação, a portuguesa deu um passo muito além
das pernas. “Meter-se na cama com um gigante como a Telefónica era
buscar sarna para se coçar”, opinou. “A Telefónica era muito maior,
muito mais poderosa. Era de se esperar que, um dia, ela fosse querer se
livrar da pequena PT.”

Esse movimento começou em 2006, quando o grupo português Sonae fez


uma oferta hostil pela PT. Para não perder a companhia da qual era
controlador, Ricardo Salgado seria obrigado a aumentar o capital da
empresa. Mas como, por lei, não podia ter mais que 10% de participação,
propôs a Nuno Vasconcellos e a seu sócio Rafael Mora que entrassem
como parceiros do negócio. Para isso, ele os financiou com dinheiro do
seu banco, o Espírito Santo. Muitos consideravam que a Telefónica estava
por trás da oferta hostil do grupo Sonae.

Em 2010, a Telefónica voltou à carga, dessa vez diretamente, fazendo


uma proposta de cerca de 5,7 bilhões de euros pela parte da PT na Vivo.
A espanhola decidira definitivamente se livrar da sócia no Brasil.

Era uma excelente oferta, mas o primeiro-ministro Sócrates, valendo-se


de uma golden share – uma ação especial que o governo possuía na PT e
que lhe dava poder de veto –, proibiu a venda. Alegou que Portugal não
poderia prescindir de uma operação no Brasil. Diante do veto, a
Telefónica, um mês depois, elevou a oferta e se dispôs a pagar 7,5 bilhões
de euros pelos 50% da PT na Vivo.

O negócio era irrecusável. Em julho, enquanto espanhóis e portugueses


discutiam os termos da transação, o presidente do BNDES, Luciano
Coutinho, rumou para Portugal. Sócios da PT garantem que o motivo da
viagem do brasileiro teria sido a discussão, com Sócrates, da venda de
parte da Oi para a PT. Coutinho nega. “É fato que estive em Lisboa em
julho de 2010, mas foi para uma visita rápida e protocolar ao primeiro-
ministro. Nem houve, nem teria cabimento, participação pessoal minha
em negociação específica envolvendo a Oi e a Portugal Telecom”, disse-
me ele, em fevereiro.
No livro A Implosão da PT: Como Políticos e Empresários se Serviram da PT ao
Longo de Vinte Anos, as jornalistas portuguesas Alda Martins e Alexandra
Machado contam que, quando a Telefónica de España aumentou a oferta,
Ricardo Salgado, o maior acionista da PT, vislumbrou no negócio a saída
para uma situação que o alarmava já havia algum tempo. O seu banco, o
Espírito Santo, estava com a saúde abalada devido à crise financeira
internacional de 2008. A entrada do dinheiro da venda da Vivo lhe seria
providencial. Por isso, segundo as jornalistas, tratou de destravar o veto
de Sócrates à venda da participação na Vivo, oferecendo como
contrapartida a entrada da PT na Oi.

R
icardo Salgado, um dos herdeiros da mítica família Espírito Santo,
costumava vir com frequência ao Brasil logo após a Revolução dos
Cravos, que pôs fim à ditadura portuguesa, em 1974. Sua família
chegou a pensar em transferir parte dos negócios do grupo para o Brasil,
temendo o tratamento que teriam depois da revolta de abril. Foi numa
dessas viagens que ficou amigo de Sérgio Andrade. Quase quarenta anos
depois, os dois se tornariam sócios nas operadoras, com as bênçãos de
Lula e Sócrates.

Poucos dias após ter sido concluída a venda da parte da PT na Vivo, os


portugueses pagaram 8,3 bilhões de reais por uma participação de 25,6%
no capital total da Oi. Desse total, Sérgio Andrade e Carlos Jereissati
receberam 125 milhões cada um para que a PT ficasse também com 10%
das ações nas holdings AG e LF.

A entrada dos portugueses no negócio deu novo fôlego ao caixa da


supertele. Mas o dinheiro, mais uma vez, não se reverteu em
investimento. Na negociação de compra de parte da empresa, ficou
acertado que, até 2014, a Oi pagaria 2 bilhões de reais por ano em
dividendos aos acionistas, incluindo os da PT. Era o que Salgado
precisava para reforçar seu combalido banco. Por essa razão, o então
presidente executivo da Oi, Luiz Eduardo Falco, que defendia mais
recursos para investimento, se desentendeu com o Conselho e foi
dispensado. Os conselheiros o criticavam por não apresentar resultados
que garantiriam a distribuição de lucros acertada.

Em seu lugar assumiu Francisco Valim, um gestor experiente que logo


tentou se impor no cargo. Para começar, proibiu que Otávio Azevedo e os
outros integrantes do Conselho de Administração ligassem diretamente
aos diretores para lhes dar ordens, passando por cima dele. Valim tinha
um plano ambicioso para a companhia: aumentou o endividamento para
investir em tecnologia e fibra óptica. Ao mesmo tempo, fez uma agressiva
distribuição de dividendos. Em 2011, em seu primeiro ano no comando
da operação, distribuiu os 2 bilhões de reais que haviam sido combinados
no acordo de participação da PT na Oi. Mas sua estratégia de crescimento
fracassou. Os investimentos previstos não deram retorno, o caixa da Oi
murchou e a dívida cresceu. Valim também foi demitido em janeiro de
2013, atritado com o Conselho.

Os controladores indicaram para substituir Valim o moçambicano Zeinal


Bava. Desde 2008 ele presidia a Portugal Telecom e era reconhecido como
um dos mais brilhantes executivos de telecomunicações da Europa. Por
duas vezes fora agraciado com um prêmio internacional de melhor gestor
na área. Chegou a ser apelidado de “o Messi das telecomunicações”. O
“engenheiro Bava”, como fazia questão de ser chamado – havia se
formado na Inglaterra –, desembarcava no Brasil com a missão de
solucionar de vez a crise. Centralizador, deu pouco espaço para os
executivos brasileiros se manifestarem. Tratava-os com certa indiferença,
quando não fazia comentários depreciativos sobre a forma como tocavam
a companhia. Vaidoso, Bava adorava falar com a imprensa e aparecia nas
entrevistas sempre com ternos caros combinando com as gravatas.
Ricardo Salgado o considerava seu homem de ouro.

S
érgio Andrade e Carlos Jereissati precisavam desesperadamente que
Bava tirasse a Oi do atoleiro. A dívida deles com o BNDES saíra do
controle. Juntos, deviam 4,5 bilhões ao banco estatal e o principal da
dívida venceria em maio do ano seguinte. Para piorar, o Brasil sofria as
consequências da crise econômica internacional, que forçara uma alta dos
juros, impactando os desembolsos que eles tinham que fazer para honrar
seus compromissos bancários e os da companhia, que só aumentavam.
Em Portugal, o Banco Espírito Santo também fora atingido pela crise e o
mercado especulava se a instituição conseguiria sobreviver. Como os
sócios brasileiros, Salgado necessitava urgentemente de recursos da Oi
para tapar o rombo do seu banco.

Os resultados apresentados por Zeinal Bava, no entanto, foram


desastrosos. No final de 2013, sob a sua gestão, o caixa da companhia
encolhera em 1 bilhão de reais, enquanto a dívida saltara de 26 bilhões
para 34 bilhões de reais. Logo se perceberia que uma coisa era gerir uma
empresa como a PT num país pequeno e com 25 milhões de clientes.
Outra, gerir um gigante como a Telemar, que precisava espalhar cabos
por regiões acidentadas, com selvas, montanhas ou por cidades cobertas
de favelas.

Bava, cujo passe para comandar a Oi fora de 105 milhões de reais a serem
pagos em dois anos, não tinha nada de positivo para apresentar. Ainda
assim, a Oi fez um derradeiro pagamento de dividendos de 500 milhões
de reais aos acionistas em 2013. No final daquele ano, quando já estava
evidente que os números da empresa só pioravam, os controladores
anunciaram um acordo de fusão da PT com a Oi. O modelo desenhado
previa, além da junção dos ativos e passivos das duas operadoras, um
aumento de capital na nova empresa – que seria chamada de CorpCo –,
por meio da emissão de ações no mercado. Isso reforçaria o caixa da
companhia nascida da fusão. A participação da Andrade Gutierrez e da
La Fonte seria diluída. A PT/Oi seria uma empresa sem dono, nos
mesmos moldes da PT, cujo maior acionista, o Banco Espírito Santo,
detinha uma participação de 10%.

O Banco Santander foi contratado pelos sócios da Oi para fazer a


avaliação dos bens e das dívidas da operadora portuguesa que entrariam
na fusão. O banco chegou ao valor de 28,5 bilhões de reais. Desse total,
5,7 bilhões eram os ativos da companhia, o que incluía o dinheiro em
caixa da PT, no total de 3,2 bilhões, e as operações na Ásia e na África. Os
22,3 bilhões restantes eram o passivo da operadora.

Era preciso, no entanto, resolver o problema da enorme dívida da


Andrade e da La Fonte no controle da Oi. Em março de 2014, o BNDES e
os controladores ainda tentavam encontrar uma saída para os 4,5 bilhões
que venceriam dali a dois meses. Caso não conseguissem quitar o débito,
o banco tomaria um calote e teria que ficar com as ações dos
controladores da Oi, estourando seu limite de participação na
companhia. Como o BNDES não podia rolar a dívida e nem emprestar
mais recursos para a Andrade e a La Fonte, tentou-se um empréstimo-
ponte com o Banco do Brasil para fazer frente a esse pagamento até que o
aumento de capital na Oi fosse aprovado. Aldemir Bendine, presidente
da instituição, disse não.

A solução foi acelerar o aumento de capital previsto na fusão. No dia 5 de


maio de 2014, Zeinal Bava, como presidente da empresa, e Bayard
Gontijo, diretor financeiro, anunciaram a captação de 8,2 bilhões de reais
no mercado para reforçar a operação da nova Oi, conforme previsto na
fusão. Pelo sucesso da operação, Bava recebeu um bônus de 40 milhões
de reais, e Gontijo, de 8 milhões.

Com a captação garantida, os controladores fizeram uma jogada de


mestre. Venderam sua participação no controle da empresa, recebendo
como pagamento metade dos recursos obtidos no aumento de capital da
Oi. Dessa forma, Sérgio Andrade e Carlos Jereissati quitaram sua dívida
de 4,5 bilhões junto ao BNDES e saíram limpos da companhia que
ajudaram a levar à lona.

Para o BNDES, que vinha sendo criticado por sua política de campeões
nacionais – dado que a maioria das empresas financiadas por ele
enfrentavam problemas de caixa – foi um alívio. O Banco se livrou de um
calote bilionário, de uma dívida que ajudou a construir.

Assim que tomaram conhecimento dos termos da fusão, alguns acionistas


minoritários protestaram veementemente junto à CVM. Liderados pela
Polo Capital e Tempo Participações, os acionistas argumentaram que, em
primeiro lugar, os controladores não podiam participar da avaliação dos
ativos da PT que entrariam na Oi, pois tinham interesse direto na
operação. Propunham que este levantamento dos ativos fosse feito por
um avaliador independente. Em segundo lugar, repudiavam a operação
que garantiria que a dívida dos controladores fosse paga indiretamente
pela Oi, com o dinheiro captado no mercado.

O corpo técnico da CVM deu razão aos minoritários e a contenda foi


encaminhada para análise do conselho da entidade. Lá, Ana Novaes, uma
das conselheiras, votou a favor da operação desenhada pelos
controladores. Seu voto foi seguido pela maioria dos demais colegas,
inclusive o presidente da casa*. Pouco tempo depois, Novaes se
desligaria da CVM para voltar a atuar no Conselho de Administração da
CCR, uma empresa subsidiária da Andrade Gutierrez.

M
esmo com tantos senões, a fusão entusiasmou parte do mercado.
Muitos acionistas avaliaram que o desligamento da Andrade e da
La Fonte faria um enorme bem à operadora, já que eles deixariam
de sangrar o caixa da empresa. O discurso de Zeinal Bava, de que estava
nascendo uma robusta operadora intercontinental que atenderia a 260
milhões de clientes no Brasil, em Portugal, na África e na Ásia, foi
fundamental para convencer os investidores, sobretudo os portugueses.
Apesar de tudo, ainda o consideravam o “Messi das telecomunicações”.
Os governos do Brasil e de Portugal também abençoaram o negócio. Com
a fusão, se estaria criando uma supertele internacional de língua
portuguesa que poderia se transformar em uma das maiores operadoras
do mundo.

Concretizada a operação, a assembleia geral dos acionistas anunciou a


nova estrutura societária da companhia. A PT passaria a ser a maior
acionista individual, com 38% das ações. Andrade e La Fonte, após se
livrarem da dívida e entregarem o controle, ficariam, cada uma, com 1%
das ações.

Tudo indicava que, dali para a frente, os problemas da empresa estavam


equacionados. Além dos 8,2 bilhões captados junto aos investidores, a Oi
receberia ainda o reforço de 3,2 bilhões do caixa da PT, afora suas
operações ao redor do mundo. E, para coroar o sucesso do negócio,
Zeinal Bava, o homem de confiança de Ricardo Salgado, seria o CEO da
supertele internacional.

Deu tudo errado. Três meses após a confirmação do negócio, quando a


fusão já estava concluída, a imprensa lisboeta começou divulgar que a
Rioforte, uma sudsidiária do Banco Espírito Santo, estava com graves
problemas financeiros.

A luz amarela acendeu imediatamente na Oi. O então diretor financeiro


da companhia, Bayard Gontijo, pediu informações sobre os tais 3,2
bilhões do caixa da PT que entrariam na empresa no acordo de fusão.
Para espanto dos diretores da Oi, descobriu-se que o dinheiro da
PT estava todo aplicado em títulos da Rioforte. Isso significava que tinha
virado pó.

Estabeleceu-se o caos. Alterados, os executivos brasileiros exigiram que


Bava se explicasse. Como era possível que a Portugal Telecom tivesse
colocado todo o seu caixa em títulos de uma empresa quebrada?
Nervoso, Bava afirmou que não sabia de nada, que não tinha nada a ver
com aquilo. Pela primeira vez desde que assumira a presidência da Oi,
ele se dirigiu aos brasileiros como parceiros. Disse que ia tratar de
entender os problemas da “nossa” companhia. Até então, Bava sempre se
referia a Oi como unicamente dos portugueses.

Confirmado o rombo, o Conselho da Oi, ainda sob o comando indireto de


Otávio Azevedo, determinou a demissão de Bava. Em seu lugar, foi
nomeado o diretor financeiro, Bayard Gontijo. No dia 9 de julho de 2014,
um grupo de brasileiros, tendo Azevedo à frente, desembarcou na
PT para uma reunião de emergência com os controladores da operadora
portuguesa que, após a fusão, tornara-se parte da Oi. Também fazia parte
da delegação brasileira Caio Melo, representante do BNDES.

Azevedo, ao contrário do que se previa, mostrou-se compreensivo com os


portugueses. Mas a proposta que lhes apresentaria em seguida seria
avassaladora. Propunha que eles entregassem suas ações e saíssem da Oi
sem levar nada. Sequer o dinheiro que já fora investido.

O espanhol Rafael Mora, então um importante acionista da PT por meio


da sua empresa Ongoing, foi o primeiro a reagir. Segundo um dos
participantes da reunião, ele foi incisivo. “Otávio, vocês brasileiros são
um povo novo. Viveram só a Guerra do Paraguai. Na Europa, nós já
tivemos visigodos, fenícios, romanos, árabes. E a norma básica para
qualquer pessoa que tenha vivido uma guerra é que, para assinar um
tratado de rendição incondicional como você quer que a gente faça, é
preciso antes ter havido uma guerra”, disse Mora. E concluiu: “Por
conseguinte, enfia essa proposta onde você quiser, porque ela é
inaceitável.”

Durante o fim de semana, portugueses e brasileiros se enfrentaram. O


representante do BNDES chegou a ameaçar os portugueses. Disse que se
eles não aceitassem sair do negócio, eles emitiriam ações até diluir
totalmente a PT do controle. No domingo, com os ânimos apaziguados,
finalmente saiu um acordo. A PT continuaria existindo na Oi com 22,4%
das ações, e não mais com 38%, como havia sido estipulado na fusão. Eles
devolveriam as ações correspondentes ao valor dos 3,2 bilhões aplicados
na subsidiária do Grupo Espírito Santo.

Quando nos jornais brasileiros pipocaram notícias sobre o rombo deixado


pelos portugueses, Ricardo Salgado insinuou que não entendia o porquê
de Sérgio Andrade ter se mostrado tão indignado com o problema dos
títulos da Rioforte. Segundo ele, o parceiro brasileiro sabia perfeitamente
que essa era regra do jogo. A PT livrava os controladores brasileiros da
dívida de 4,5 bilhões ao aceitar que fosse empurrada para a Oi, e, em
contrapartida, ele ficava com o caixa da PT para tentar salvar seu banco.
Andrade negou tal acerto e Salgado nunca comprovou a existência desse
acordo. No final de julho, o Banco Espírito Santo, arruinado, sofreria
intervenção do Banco Central português.

Um mês depois do escândalo dos títulos da Rioforte, Marco Schroeder,


que recém retornara à Oi na função tesoureiro, foi designado pelo
Conselho da empresa como interventor na PT. Ao chegar a Lisboa, ele foi
saudado por Bava, que à época ainda presidia a operadora portuguesa,
como um executivo “fantástico”. Como prova de sua admiração, Bava
disse ao colega que o instalaria em uma sala especial, fora da sede da
companhia.
Schroeder foi acomodado em um prédio de quinze andares. Logo ele
descobriria que os outros catorze estavam vazios. O prédio estava à
venda. Voltou para a sede da PT, uma construção mastodôntica de
concreto aparente, numa área nobre de Lisboa, e ocupou uma das salas
de reunião, onde passou a analisar as contas da companhia.

Os números da operadora portuguesa eram péssimos. Schroeder chamou


Bava e os outros diretores portugueses para uma conversa em uma
enorme sala de reuniões com as paredes revestidas de madeira escura.
Mostrou que as contas não fechavam: “Senhores, vocês estão quebrados”,
ele disse. “A companhia tem um rombo anual de 100 milhões de euros e
uma dívida que não para de crescer.” Em seguida perguntou: “O que
vamos fazer agora? Pedir dinheiro para a Oi no Brasil é impossível,
porque de lá também não sai nada.”

Depois daquela reunião, Bava desapareceu da companhia. Muitos


executivos portugueses, humilhados com a situação, entravam nas salas
dos brasileiros e choravam. Não acreditavam que a PT tivesse chegado
àquela situação. A realidade era que Bava, havia muito tempo, maquiava
os números. “Era triste vê-los naquele estado. Logo eles, que eram tão
orgulhosos”, contou-me um ex-diretor da Oi.

Com o caixa negativo, a operação era inviável. A única saída era a venda
da companhia. E assim foi feito. Após um ano de negociação, os
brasileiros venderam a operadora portuguesa para a francesa Altice por
7,4 bilhões de euros. Embora abalados moralmente, os sócios portugueses
sabiam que, se não fechassem o negócio, a dívida da PT seria descontada
da participação que tinham na Oi. “Foi a única maneira de garantir nosso
investimento no Brasil. Foi triste, mas tivemos que ser pragmáticos”, me
disse um acionista.

Até hoje o clima em Portugal é de consternação. O país perdeu, de uma


só tacada, seu maior banco e sua empresa mais importante. Os acionistas
minoritários da PT responsabilizam o ex-primeiro-ministro José Sócrates
pelo fim da companhia. “Se não tivesse obrigado a PT a investir na Oi, a
operadora teria sobrevivido e estaria hoje em ótima situação”, disse-me
Octávio Viana, representante dos minoritários da PT. “Essa foi uma
operação ruinosa para a PT. Tínhamos ativos valiosos em Portugal que
trocamos por um ativo falido no Brasil.”

No Brasil, o descontentamento é recíproco. Muitos minoritários


consideram que foi a PT que arruinou a Oi. “Enfiaram um monte de lixo
na companhia”, disse-me o presidente da Associação Nacional de
Proteção dos Acionistas Minoritários, Aurélio Valporto. “Nos
empurraram uns ativos furados.” Mais alterado, questionou: “O que vale,
por exemplo, essa operação em Angola?” E ele mesmo concluiu: “Nada.
Os executivos da Oi nem conseguem entrar no país para ver o estado da
empresa. São tratados à bala pelos capangas da Isabel dos Santos, filha do
ditador José Eduardo dos Santos e dona da maior parte dos negócios
suspeitos angolanos, inclusive da PT de lá.” Seus ataques se estenderam à
CVM. “Foi essa operação criminosa que os conselheiros da
CVM aprovaram.”

Existe consenso na imprensa portuguesa de que as relações de Lula com


Sócrates foram fundamentais para a concretização da compra de parte da
Oi pela PT. Quando, em 2010, o negócio foi feito, o jornal português
Correio da Manhã noticiou em sua primeira página: “Sócrates e Lula casam
a PT no Brasil.” A operação hoje está sendo investigada pelo Ministério
Público daquele país, que quer entender a responsabilidade dos
mandatários dos dois países no negócio. Em 2013, Sócrates, que já deixara
o governo, declarou na imprensa que Lula foi “talvez o meu melhor
amigo dos tempos da ação política, foi meu companheiro durante os seis
anos intensos em que fui primeiro-ministro”. Os laços que os uniam eram
tão fortes que Lula, já fora da Presidência, foi a Portugal para o
lançamento do livro de Sócrates, intitulado A Confiança no Mundo. Viajou
para o evento em um avião da Odebrecht.

O DESFECHO

O
juiz Fernando Viana, da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro,
tremeu quando soube que o processo de recuperação judicial da Oi
tinha sido sorteado para a sua jurisdição. Sabia que teria nas mãos o
maior caso de recuperação judicial da história do país.

Seus assessores contaram que o processo, com mais de 100 mil páginas,
só está sendo analisado porque, poucos meses antes, todo o sistema do
tribunal foi informatizado. Ainda assim, o departamento de informática
teve que fazer adaptações no sistema para receber o caso da Oi. Até
então, o sistema tinha sido desenvolvido para comportar até 99 mil
páginas.

Entre os 70 mil credores incluídos na recuperação, estão os bancos


públicos – Banco do Brasil, Caixa e BNDES – para os quais a Oi deve
quase 10 bilhões de reais. Também está a Anatel, que tem a receber mais
de 20 bilhões de reais em multas e taxas. Os executivos da Oi questionam
esse valor. Afirmam que a Anatel aplica multas descabidas. O mau
funcionamento de um orelhão que praticamente não é mais usado pode
custar à companhia uma multa de 800 mil reais. Criticam ainda o fato de
a Oi ser obrigada, pela agência, a investir 300 milhões na manutenção de
800 orelhões na sua área de atuação. No entanto, sua receita anual com
esses equipamentos é de apenas 20 milhões de reais.

Juarez Quadros, presidente da Anatel, me disse que não haverá perdão


de dívida. “Já foi tudo para a Advocacia-Geral da União”, afirmou. “Não
podemos perdoar o serviço mal prestado pela empresa.”

Após a quebra da Oi, alguns de seus antigos gestores e controladores


migraram do noticiário econômico para o policial. O ex-primeiro-
ministro José Sócrates e o presidente do banco, Ricardo Salgado, foram
condenados e chegaram a ser presos. Hoje respondem a processo em
liberdade

Uma CPI no Congresso português concluiu que os principais gestores da


PT – inclusive Zeinal Bava – sabiam perfeitamente que o dinheiro da
companhia tinha sido aplicado em títulos podres da Rioforte, embora
tenham negado durante o interrogatório dos parlamentares. A
CPI concluiu que eles usaram o caixa da PT com a única intenção de
tentar salvar da bancarrota o Banco Espírito Santo.
Depois do escândalo, a vida de Bava em Portugal se tornou impraticável.
Figura conhecida no país, era alvo de protestos sempre que aparecia em
locais públicos. Certa vez, foi vaiado pelos clientes quando fazia compras
na loja El Corte Inglés, em Lisboa. Mudou-se para Londres, mas ao
perceber que lá estaria ao alcance de notificações da Justiça portuguesa,
refugiou-se na Austrália.

No Brasil, Otávio Azevedo foi preso no âmbito da Operação Lava Jato,


pelo envolvimento da Andrade Gutierrez no esquema de corrupção na
Petrobras e também em obras de infraestrutura no estado do Rio. Seu
patrão, Sérgio Andrade, não foi citado no processo embora seja o dono da
companhia. Procurados, Andrade e Jereissati não quiseram falar com a
piauí. Suas assessorias disseram apenas que esse assunto para eles
morreu há dois anos.

Em Portugal, as investigações do Ministério Público se estenderam agora


para as ligações da Lava Jato com o caso da PT. Em seu depoimento à
CPI do Mensalão, o delator do esquema, ex-deputado Roberto Jefferson,
já denunciara, em 2005, que o ainda ministro da Casa Civil, José Dirceu,
havia mandado um representante do PTB junto com o publicitário
Marcos Valério a Lisboa para buscar recursos na operadora lusitana a fim
de pagar dívidas de campanha.

Jefferson me confirmou, em fevereiro, tudo o que havia denunciado, mas


disse que não quer mais falar no assunto. Seu advogado, no entanto,
quer. Luiz Francisco Corrêa Barbosa está preparando um processo para
pedir a cassação do registro do Partido dos Trabalhadores. Segundo ele, a
lei brasileira proíbe que partidos recebam dinheiro do exterior. E a
suspeita dele é que o dinheiro que seria pago ao partido viria de uma
subsidiária da PT em Macau, na Ásia.

Os antigos controladores da PT criaram uma empresa para cuidar dos


ativos que restaram na Oi e a batizaram de Pharol, hoje dona de 22,24%
das ações da operadora brasileira. Rafael Mora, o espanhol de cabelo
espetado e gênio irascível, foi eleito o representante da Pharol no
Conselho da Oi. Ele e seu sócio Nuno Vasconcellos, suplente no
Conselho, perderam muito dinheiro da Ongoing no Banco Espírito Santo.
Em função disso, a Ongoing ruiu. Seus negócios de mídia no Brasil
também fracassaram. O Brasil Econômico fechou em 2015*.

N
as primeiras semanas depois de decretada a recuperação judicial, os
credores internacionais começaram a atacar a Oi. A maior parte da
dívida da companhia lá fora pertence a fundos de investimento
conhecidos no mercado como “fundos abutres”. Funcionam assim:
correm atrás de investidores que pagaram um valor alto pelos títulos de
uma empresa combalida, e oferecem um valor irrisório por eles. Os donos
originais dos títulos, temerosos de perder tudo, aceitam o negócio
entregando o papel por um valor que às vezes chega a ser 95% menor do
que pagaram. De posse desses títulos, esses fundos começam a pressionar
os controladores das companhias a lhes entregar a empresa em troca da
dívida para retalhar e vender carcaça ao mercado, auferindo bons lucros.
A Oi está cercada por vários desses abutres.

Há também, na disputa pela empresa, detentores de títulos que estudam


entrar na Oi com a intenção de vendê-la depois de recuperá-la. Ou
mesmo de se manter à frente do negócio. Entre os que se apresentam
nessa segunda categoria está o bilionário egípcio Naguib Sawiris, com
investimentos em telecomunicação em países de risco como a Coreia do
Norte e o Iraque. Na Coreia, ele também é dono de uma construção de
mais de 100 andares projetada para ser um dos hotéis de sua rede. O
empreendimento não foi para a frente e a obra, em forma de pirâmide,
está abandonada. No ano passado, ele foi expulso do Canadá pelo
governo, que não o considerava um empresário confiável. Sawiris, dono
do fundo Orascom, chegou ao Brasil pelas mãos do investidor Naji
Nahas, que na década de 80 quebrou a Bolsa de Valores do Rio de
Janeiro. Contou ainda com a ajuda de José Yunes, advogado paulista e
um dos melhores amigos de Michel Temer, que ocupou até dezembro o
cargo de assessor especial da Presidência. Foi obrigado a demitir-se
depois da delação de um dos diretores da Odebrecht no âmbito da Lava
Jato, segundo a qual parte dos 10 milhões de reais repassados durante a
campanha de 2014 ao PMDB teria sido paga em espécie no escritório de
Yunes (ele nega).
Outro grande interessado em ficar com a companhia é Ricardo K., o
executivo que vendeu a BrT para a Oi omitindo o rombo da companhia
decorrente de ações judiciais. Hoje é dono de uma empresa, a
RK Partners, voltada à recuperação de empresas quebradas. Um de seus
clientes foi a OGX, de Eike Batista.

Até o momento, o credor que chegou mais longe na tentativa de


comandar a Oi foi o empresário Nelson Tanure, dono do fundo Societé
Générale e da companhia Docas. Quando o valor de mercado da Oi
despencou de 50 bilhões para 2 bilhões e ações da companhia foram
reduzidas a centavos, ele comprou um grande percentual desses papéis e,
de posse deles, requereu dois assentos no Conselho. Após uma dura
batalha com os acionistas, a Anatel consentiu que ele entrasse no negócio.
Tanure tem hoje 8% da Oi e é conhecido por entrar em empresas
quebradas com a intenção de recuperá-las, mas, ao final, deixar apenas
suas carcaças. Foi assim que fez com vários estaleiros no Rio de Janeiro,
na década de 80. Fez o mesmo no Jornal do Brasil, um dos mais
importantes diários brasileiros, adquirido por ele na bacia das almas, e
depois fechado.

Tanure mantém uma relação de belicosidade com parte dos conselheiros


da Oi. Em uma das reuniões, ele quase se atracou fisicamente com Mora.
Após uma troca de xingamentos, Tanure, um baiano alto, grisalho, de
simpatia estudada, levantou-se de seu lugar do lado direito na longa
mesa de madeira, foi em direção ao espanhol gritando “Porra, porra”,
batendo com força no ombro do interlocutor. Mora prestou queixa formal
ao Conselho. Para amigos, Mora espalhou que Tanure, depois de tentar
comprá-lo, agora coloca detetives em seu encalço. Depois da briga, a
Anatel decidiu colocar um interventor para acompanhar as reuniões do
Conselho. Tanure acusa os conselheiros de continuarem sangrando a
companhia. Numa reunião com o ministro de Ciências, Tecnologia e
Comunicações, Gilberto Kassab, afirmou que a Oi desperdiça 600 mil por
mês com cada conselheiro.

Os interessados em ficar com a empresa têm se reunido seguidas vezes


com o governo e com os atuais gestores. Perguntei ao presidente da
Anatel se a agência consentiria que alguns desses fundos tomassem conta
da principal empresa de telefonia brasileira. Quadros me disse que todos
os proponentes passarão por um severo exame da Anatel. “O fato de
vários fundos se apresentarem para ficar com a empresa é sinal de que
ela é viável”, disse. Quadros, porém, não esconde que sua maior
expectativa é de que uma grande operadora internacional, como a
italiana TIM ou alguma americana, acabe comprando a companhia.

Na Oi, sem o peso da dívida, os números melhoram. O caixa e os


investimentos aumentaram desde a recuperação judicial e a empresa
ganhou mercado. Em março, o CEO Marco Schroeder pretende chamar
uma assembleia para propor uma solução para os credores. Já avisou
para muitos deles que os acionistas não aceitarão ficar com menos de 35%
da empresa. Portanto, eles terão que abater o valor de seus créditos. E já
disse ao governo que a Oi só será viável se a dívida sofrer um corte de
70%, baixando dos atuais 65 bilhões para 15 bilhões. Ou seja, todos os
credores – públicos e privados – terão de concordar em receber bem
menos do que lhes é devido. Nas conversas com o Conselho e com os
credores, Schroeder afirma que apresentará uma proposta que seja justa
para os dois lados. Quando pressionado pelos interessados, ele costuma
dizer: “Se os dois lados ficarem insatisfeitos, é sinal de que eu fiz a coisa
certa.”

* Trecho corrigido em relação à versão impressa

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