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PESQUISA
Alguns autores, como Pereira e Ramos (2006), palmente em tempos de ataque às políticas sociais.
têm destacado a crescente valorização do ensino téc- Os baixos recursos financeiros investidos, associa-
nico no Brasil em detrimento do ensino superior e dos à frágil gestão do trabalho e da educação, têm
denunciado a política governamental neoliberal. Ori- configurado a saúde como uma área em débito com
entada pelo Banco Mundial, tal estratégia fomenta a a sociedade brasileira.
formação aligeirada e focada na mão de obra para Todavia, como necessidade humana e afirmação
atender as exigências de aumento da produtividade da vida, a saúde ainda demonstra vitalidade e conti-
pelo mercado. nua a mobilizar profissionais, militantes, pesquisado-
Tal entendimento encontrou eco nos Ministérios res e usuários na superação de problemas e na bus-
do Trabalho e da Educação, atraindo investimento ca do atendimento integral, público e de qualidade.
público para viabilizar a abertura de cursos, convêni- Assim, as profissões da área da saúde ganham
os e parcerias de incentivo à capacitação. Entretan- proeminência na sociedade pela complexidade de
to, orientado pela ideologia da empregabilidade, esse todo o conhecimento adquirido durante a sua for-
modo de investir em qualificação profissional trans- mação e à habilidade que se deve possuir para exe-
fere para o trabalhador a responsabilidade de con- cutar suas múltiplas ações e enfoques, sobretudo
quistar seu espaço no competitivo mundo do traba- ao trazer para a cena o usuário e seu modo de vi-
lho, deixando claro o cariz neoliberal dos incentivos ver, conviver e produzir.
estatais para formação profissional no Brasil. Nesse sentido, concorda-se com Carvalho e Ceccim
No que diz respeito às profissões em saúde, o Sis- (2009, p. 157) quando enfatizam que há profissões em
tema Único de Saúde (SUS) assume a responsabili- saúde com núcleos de competências ligados à assistên-
dade de acompanhar o desenvolvimento de políticas cia e outras às práticas de promoção à saúde.
de formação dos profissionais de saúde, como pre-
visto no artigo 15, inciso IX, da Lei Orgânica da Saú- Para ser um profissional de saúde há necessidade
de (BRASIL, 1990). do conhecimento científico e tecnológico, mas tam-
Uma abordagem mais ampla considera parte des- bém de conhecimento de natureza humanística e
se coletivo qualquer indivíduo que trabalhe na área. social relativo ao processo de cuidar, de desenvol-
Outras preferem ainda – mesmo considerando a am- ver projetos terapêuticos singulares, de formular e
pliação dos diferentes profissionais – trabalhar com a avaliar políticas e de coordenar e conduzir siste-
denominação “pessoal de saúde” (BETTIOL, 2010). mas e serviços de saúde.
Dentro de uma linha sociológica, o perfil profissi-
onal caminha na divisão sociotécnica do trabalho. Para os autores, “o conjunto de profissões de saú-
Embora se agrupem em uma definição mais genéri- de, aprende, trabalha e reconstrói no cotidiano a Gran-
ca de “trabalhadores em saúde” ou “pessoal de saú- de Área [Ciências da Saúde], ao mesmo tempo em
de”, as profissões possuem diferentes formações e que aprofunda, aperfeiçoa e especializa cada área,
recortes verticais em que têm graus diferenciados subárea ou especialidade” (CARVALHO; CECCIM,
de autonomia e poder. Dessa forma, os profissionais 2009, p. 156).
alcançam diferentes tipos de trabalho assalariado, que Essa reflexão encontra escopo no conceito am-
variam de acordo com suas especialidades. pliado de saúde e no princípio da integralidade,
Ancorados em uma base sindicalista, há os que deflagrados pela Constituição Federal de 1988, que
consideram o conjunto dos profissionais da saúde “tra- sinalizaram o alargamento do que se considera, in-
balhadores da saúde”, designação que abarca pro- clusive nos marcos jurídicos legais, profissões em
fissionais diversificados que não têm, necessariamen- saúde. No contexto do Serviço Social, merece des-
te, uma ligação específica com a saúde, como o pes- taque a Resolução n. 218, de 06 de março de 1997,
soal administrativo e o da limpeza. do Conselho Nacional de Saúde, que determinou o
Diferenciações à parte, é consenso que o setor conjunto das profissões em saúde e nele incluso o
de saúde é um dos maiores existentes (mesmo se Serviço Social.
precarizado), além de altamente diversificado. Para
alguns autores, como Machado (2005), a crescente
incorporação de novas tecnologias gera a necessi- 2 O Serviço Social como uma profissão em
dade de novas ocupações, sobretudo aquelas de saúde
fundo técnico.
Frequentemente, dificuldades nas ações de assis- Na reflexão sobre o trabalho dos assistentes so-
tência e na produção do cuidado são atribuídas ao ciais é relevante destacar que esses profissionais atu-
trabalhador da saúde e à sua base formativa. No am nas manifestações da questão social e no modo
entanto, a assistência oferecida, condições e contex- como elas interagem com a política social, “media-
tos de trabalho ou questões técnicas podem estar, na ção incontornável na constituição do trabalho profis-
maior parte, ligadas a questões institucionais, princi- sional” (IAMAMOTO, 2007, p. 185).
O enfrentamento da questão social pelo Estado necessidade de convocar outros profissionais para atuar
evidencia o papel das políticas sociais e indica como nesta área, incluindo os assistentes sociais.
as mesmas traduzem a correlação de forças entre o Uma das consequências da adoção deste concei-
Estado e as demandas da classe trabalhadora. É nesta to de saúde foi a ênfase no trabalho multidisciplinar,
disputa que se move o trabalho profissional do assis- utilizado, dentre outros motivos, para preencher a falta
tente social. de profissionais e racionalizar o setor saúde. Com
No que se refere à saúde, Bravo (1996, p. 13) equipes compostas por diversos “auxiliares”, busca-
salienta que este é “um dos setores mais significati- va-se disseminar informações com conteúdo
vos na atuação do Serviço Social, tendo concentrado preventivista, ampliar a abordagem em saúde “e cri-
historicamente um grande quantitativo de profissio- ar programas prioritários com segmentos da popula-
nais, situação que permanece até os dias correntes”. ção, dada a inviabilidade de universalizar a atenção
Para apresentar de que forma os assistentes so- médica e social” (BRAVO, 2009, p. 199).
ciais estão inseridos neste âmbito de atuação e mar- As contradições geradas pelo formato contributivo
car seu posicionamento acerca da concepção de que caracterizavam os serviços de saúde no Brasil
Serviço Social, faz-se necessário indicar que essa também influenciaram o exercício profissional do
profissão emerge no evolver da conjuntura de 1930 e assistente social nesta área. Como o acesso a saúde
se consolida no Brasil a partir de 1945 em consonân- não era universal – nem nos termos da lei –, seu
cia com a expansão do capitalismo no país (BRA- caráter seletivo e excludente colocou estes profissi-
VO, 2009). onais entre a instituição hospitalar e a população,
As discussões travadas entre os assistentes soci- desenvolvendo atividades que tinham a finalidade de
ais que teorizam “a natureza e o processo da gênese viabilizar a utilização dos serviços e benefícios, mas
do Serviço Social” revelam duas concepções que, que, devido ao caráter seletivo dos mesmos, cristali-
para Montaño (2009, p. 17), constituem verdadeiras zavam práticas que mais excluíam do que incluíam.
“teses, claramente opostas, sobre a gênese do Servi- Seguindo a lógica desenvolvimentista do Brasil, o
ço Social”. Serviço Social recebeu as influências da moderniza-
Uma delas, com “perspectiva endogenista”, sus- ção conservadora na década de 1960, “sedimentando
tenta a origem da profissão “na evolução, organiza- sua ação na prática curativa, principalmente na assis-
ção e profissionalização” das formas de ajuda – se- tência médica previdenciária” (BRAVO, 2009, p. 202),
jam elas de princípio religioso ou filantrópico – que adentrando a década de 1970 sem grandes alterações.
agora se vinculam à intervenção na “questão social” Enquanto as conquistas constitucionais da déca-
(MONTAÑO, 2009, p. 20). da de 1980 eram comemoradas pelos brasileiros, o
Já a segunda tese2, na mesma linha desta pesqui- Serviço Social iniciava uma fase de amadurecimento
sa, assume uma perspectiva “histórico-crítica” que da “tendência atualmente hegemônica na academia
trilha um caminho de análise oposto. Tal abordagem e nas entidades representativas da categoria – a in-
tenção de ruptura – e, com isso, a interlocução real
[...] entende o surgimento da profissão do assis- com a tradição marxista” (BRAVO, 2009, p. 204).
tente social como um produto da síntese dos proje- O problema é que boa parte dos assistentes soci-
tos político-econômicos que operam no desenvol- ais que compartilhava desta vertente, inseriram-se
vimento histórico, onde se reproduz material e ide- nas universidades. Deste modo, a perspectiva crítica
ologicamente a fração de classe hegemônica, quan- adotada por esses profissionais teve pouca interven-
do, no contexto do capitalismo na sua idade ção nos serviços, isto é, na prática profissional.
monopolista, o Estado toma para si as respostas à Bravo (2009, p. 205) destaca que ainda são insu-
‘questão social’ [...] entende-se o assistente social ficientes os avanços conquistados pelo exercício pro-
como um profissional que desempenha um papel fissional de assistentes sociais na saúde devido ao
claramente político, tendo uma função que não se fato de a profissão ter chegado à década de 1990
explica por si mesma, mas pela posição que o pro- “com uma incipiente alteração do trabalho
fissional ocupa na divisão sociotécnica do traba- institucional”, por permanecer “desarticulada do
lho (MONTAÑO, 2009, p. 30). Movimento de Reforma Sanitária” e pela pequena
contribuição no que se refere às questões colocadas
De acordo com Bravo (2009), no Brasil, os assis- à categoria na prática em saúde.
tentes sociais começaram a ser requisitados no setor “Considerando que os anos noventa foi o período
saúde a partir de 1945, no contexto do processo de de implantação e êxito ideológico do projeto neoliberal
expansão do capitalismo e das mudanças internacio- no país, identifica-se que, nesse contexto, os dois pro-
nais geradas pelo fim da Segunda Guerra Mundial. jetos políticos em disputa na área da saúde” – o
Soma-se a essas características conjunturais o con- privatista e o sanitarista –, “passam a apresentar di-
ceito de saúde voltado a “aspectos biopsicossociais” ferentes requisições para o Serviço Social” (BRA-
adotado pelos organismos internacionais, que gerou a VO, 1998, apud CFESS, 2010, p. 26).
Com base em Escorel (1989), Bravo (1996) sali- [...] funções técnicas propriamente ditas. Do ponto
enta que a saúde pode ser considerada um compo- de vista da demanda, o Assistente Social é chama-
nente fundamental da democracia e da cidadania e do a constituir-se no agente intelectual de ‘linha de
um campo privilegiado da luta de classes. Nessa pers- frente’ nas relações entre instituição e população,
pectiva, a prática do Serviço Social encontra-se inti- entre os serviços prestados e a solicitação desses
mamente ligada à estrutura de classes e sofre deter- mesmos serviços pelos interessados.
minações estruturais e conjunturais da sociedade.
Por um lado, destacam-se entre as demandas Regulamentado pela Lei n. 8.662 de 1993 e por
postas para a categoria profissional pelo projeto um Código de Ética Profissional (1993), o Serviço
privatista: a seleção socioeconômica dos usuários, a Social apresenta-se na cena contemporânea como
atuação psicossocial, a fiscalização dos usuários dos uma profissão analítica e interventiva, com uma sé-
planos de saúde e o “assistencialismo por meio da rie de atribuições e competências fundadas na ga-
ideologia do favor e predomínio de práticas individu- rantia de direitos sociais e na construção de uma so-
ais” (CFESS, 2010, p. 26). ciedade verdadeiramente democrática, sem precon-
Por outro, o projeto de reforma sanitária solicita a ceitos e iniquidades sociais.
contribuição do Serviço Social em questões ligadas Na perspectiva de atenção integral em saúde, as
ao acesso aos serviços de saúde, à busca de estraté- demandas sociais emergem de várias formas no co-
gias para aproximar as ações em saúde da realidade, tidiano do trabalho do Assistente Social. Comumente
ao trabalho interdisciplinar, à ênfase nas abordagens exigem a intervenção profissional na viabilização do
grupais com vistas a atender o maior número de pes- acesso a consultas, exames, internações e tratamen-
soas possível, ao acesso democrático às informações tos. Sendo assim,
e ao estímulo à participação popular.
Nota-se, portanto, que há uma relação entre o As ações a serem desenvolvidas pelos assistentes
projeto ético-político3 e o de reforma sanitária, prin- sociais devem transpor o caráter emergencial e bu-
cipalmente, nos seus grandes eixos: “principais aportes rocrático, bem como ter uma direção socioeducativa
e referências teóricas, formação profissional e prin- por meio da reflexão com relação às condições só-
cípios” (CFESS, 2010, p. 26). Além disso, observa- cio-históricas a que são submetidos os usuários e
se que a grande bandeira continua sendo a mobilização para a participação nas lutas em defesa
implementação do projeto de Reforma Sanitária. E da garantia do direito à Saúde (CFESS, 2010, p. 43).
nesta luta, cabe aos assistentes sociais buscar estra-
tégias que possibilitem a efetivação do direito à saú- Afinal, esta intervenção abrange as mudanças que
de, prestando serviços diretos à população, sejam eles ocorrem no cotidiano do indivíduo e também de seus
no âmbito da gestão, planejamento, mobilização ou familiares, provocadas, dentre outros fatores, pela
participação social. hospitalização, pelo desconhecimento do cidadão em
Isto significa que a atual conjuntura conclama pro- relação ao diagnóstico/tratamento, pelo agravamen-
fissionais articulados aos movimentos sociais, de tra- to da situação financeira, pela ansiedade e medo da
balhadores e usuários, que não se cansam de lutar doença, pelo preconceito e discriminação, pela difi-
por um SUS de qualidade; pelo acesso universal em culdade de acesso aos serviços e aos profissionais,
todos os níveis de complexidade, com ações e servi- pela necessidade de insumos, violência e até mesmo
ços complementares, capazes de integrar as equipes pela agilização de alta hospitalar.
de saúde e estimular a intersetorialidade, viabilizando Diante do exposto, pode-se afirmar que as de-
a participação dos usuários e dos trabalhadores nas mandas que se apresentam ao Serviço Social envol-
decisões a serem tomadas. vem uma série de condicionantes e exigem uma in-
É pertinente destacar que, para Bravo (1996), os tervenção profissional que não se limite à prática
assistentes sociais atuam nas instituições de saúde curativa, mas que inclua aspectos preventivos, infor-
para administrar a tensão que existe entre as deman- mativos e de promoção da saúde. Para tanto,
das postas pela população e os limitados recursos
para a prestação de serviços. Deste modo, o exercí- O profissional precisa ter clareza de suas atribui-
cio profissional mantém as características observa- ções e competências para estabelecer prioridades
das, como a triagem e a seleção socioeconômica. de ações e estratégias, a partir de demandas apre-
Ao descrever algumas características da prática sentadas pelos usuários, de dados epidemiológicos
profissional dos assistentes sociais, Iamamoto (1992, e da disponibilidade da equipe de saúde para ações
p. 100-101) esclarece que os profissionais desempe- conjuntas (CFESS, 2010, p. 43).
nham funções tanto de “suporte à racionalização do
funcionamento” das entidades das quais são vincula- Cabe aqui complementar que a inserção dos as-
dos – organismos estatais, paraestatais ou privados sistentes sociais no contexto do SUS também ocorre
– como pela efetivação do princípio da integralidade da aten-
ção à saúde, que pressupõe uma ação interdisciplinar defasagem na formação profissional dos assistentes
e intersetorial (NOGUEIRA; MIOTO, 2009). A sociais para a atuação em saúde e que deve ser en-
integração da prevenção, promoção e recuperação frentada pelas instituições de ensino superior (IES).
da saúde, contempladas no acesso aos três níveis de
complexidade do SUS, é um dos principais sentidos
dessa proposta. 3 Os desafios da formação profissional para o
Segundo Cecílio (2001, p. 116), a integralidade trabalho em saúde
da assistência à saúde apresenta diferentes dimen-
sões. Uma delas é a “integralidade focalizada” que As mudanças na saúde exigiram que as profis-
é desenvolvida nos serviços de saúde por equipes sões se adaptassem ao contexto do SUS, desenca-
multiprofissionais e pode ser definida “como o es- deando um processo de revisão das instituições for-
forço da equipe de saúde de traduzir, atender, da madoras dos trabalhadores em saúde (BETTIOL,
melhor forma possível, tais necessidades [de saú- 2010). No caso do Serviço Social, esta revisão se
de], sempre complexas, mas, principalmente, tendo inclui num quadro mais amplo de discussões profissi-
que ser captadas em sua expressão individual”. onais que vinham ocorrendo desde meados da déca-
Outra dimensão apresen- da de 1960 com o Movimento
tada pelo autor é denomina-
da “integralidade ampliada”, ... a atual conjuntura conclama de Reconceituação na Amé-
rica Latina. Neste ínterim,
devendo ser concebida como profissionais articulados aos houve uma aproximação do
“relação articulada, comple- Serviço Social às Ciências
mentar e dialética, entre a movimentos sociais, de Sociais que deu base para as
máxima integralidade no cui- discussões sobre os processos
dado de cada profissional, de trabalhadores e usuários, que técnico-profissionais, teórico-
cada equipe e da rede de ser- metodológicos e ético-políti-
viços de saúde e outros” não se cansam de lutar por um cos, e abriu espaço para uma
(CECÍLIO, 2001, p. 120). reavaliação da própria face
Trata-se, portanto, de SUS de qualidade; pelo acesso social e ideológica da profis-
viabilizar à população o aces-
so não só a todos os níveis de universal em todos os níveis de são. No Brasil, a luta profissi-
onal juntou-se à luta da socie-
complexidades do SUS, mas complexidade, com ações e dade por democracia e inci-
a todas as políticas e servi- tou a discussão do novo pro-
ços sociais que todo cidadão serviços complementares, jeto profissional, que culminou
brasileiro tem direito. Prática com o projeto ético-político.
que exige profissionais com capazes de integrar as equipes Em 1988, a Constituição
um cabedal de conhecimen- Federal contemplou boa par-
to tanto sobre as políticas e de saúde e estimular a te das reivindicações sociais,
legislações quanto sobre a principalmente na área da
rede de serviços sociais para intersetorialidade, viabilizando saúde. A partir de então, esta
promoverem tal integração. passa a ser reconhecida
Exigências que também se a participação dos usuários e como um direito universal e
aplicam ao exercício profis- dos trabalhadores nas decisões resultado das condições de
sional do assistente social. alimentação, transporte,
Nogueira e Mioto (2009, a serem tomadas. lazer, acesso e posse de ter-
p. 225) ressaltam que, como ra, educação, meio ambien-
o princípio da integralidade te, trabalho, habitação, ren-
sustenta-se nos pilares da interdisciplinaridade e da da e acesso a serviços de saúde.
intersetorialidade, ele não só possibilita como justifi- Apesar da década de 1990 ter sido fundamental
ca uma “inserção diferenciada do assistente social para a perspectiva dos direitos sociais, no caso espe-
na área da saúde, superando o estatuto de profissão cífico da saúde houve um ataque dos agentes finan-
paramédica, típico do modelo biomédico”. ceiros internacionais que pregavam as
Dessa forma, é necessário que o assistente social contrarreformas no contexto da crise do capital
que atua nessa área aprofunde seus conhecimentos monopolista, refutavam o caráter universal e público
para ser capaz de entender suas origens e desdobra- e visavam a mercantilização e a privatização da saú-
mentos e dominar certos conhecimentos epide- de. Para a superação da crise, os organismos inter-
miológicos e administrativos que conformam o agir nacionais como o Fundo Monetário Internacional
em saúde. No entanto, em recente avaliação da (FMI), o Banco Mundial e a Organização Mundial
Abepss (UCHÔA, 2009), é possível verificar certa do Comércio (OMC), impõem às Nações em desen-
formação profissional, inclusive dos profissionais em BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre
saúde, quando nos currículos os conteúdos, estágios as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde,
supervisionados e outros espaços formativos, privile- a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e
giam a visão curativa, lucrativa, especializada e dá outras providências. Brasília, 1990.
descontextualizada da saúde em detrimento da saú-
de integral, universal, pública e compromissada com ______. Ministério da Educação. Educação profissional técnica
os interesses da coletividade. de nível médio integrada ao Ensino Médio: documento base.
Brasília, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/
arquivos/pdf/documento_base.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2012.
Considerações finais
BRAVO, M. I. S. Serviço Social e reforma sanitária: lutas sociais
O exame sobre o exercício profissional dos assis- e práticas profissionais. Rio de Janeiro: Cortez, 1996.
tentes sociais na saúde indica a existência de práti-
cas democráticas e limites da atuação profissional. ______. Política de saúde no Brasil. In: MOTA, A. E. et al.
Observa-se ainda que a atuação dos assistentes so- (Org.). Serviço Social e saúde: formação e trabalho profissional.
ciais reclama uma leitura crítica da realidade aliada à São Paulo: Cortez, 2009, p. 88-110.
defesa intransigente dos direitos dos cidadãos. Parti-
cularmente, a saúde exige um profissional vinculado BRAVO, M. I. S.; MATOS, M. C. Projeto ético-político do
à luta pelo acesso equânime às ações e aos serviços, Serviço Social e sua relação com a reforma sanitária: elementos
ao trabalho interdisciplinar e ao estímulo à participa- para o debate. In: MOTA, A. E. et al. (Org.). Serviço Social e
ção social, buscando efetivar a universalidade do saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2009,
acesso à saúde – em sua concepção ampliada – de- p. 197-217.
terminada constitucionalmente e reafirmada na le-
gislação complementar. CARVALHO, Y. M.; CECCIM, R. B. Formação e educação em
Tais requisições incidem no projeto de formação saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W.
profissional da categoria. O estudo sobre o processo S. et al. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de
ensino/aprendizagem com foco no ensino de gradua- Janeiro: Fiocruz, 2009.
ção evidenciou a urgência em introduzir e aprofundar
as discussões acerca da saúde nos projetos pedagó- CECÍLIO, L. C. de O. As necessidades de saúde como conceito
gicos de cada IES. Ademais, deve-se privilegiar o estruturante. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (Org.). Os
enfoque no exercício profissional. Nesse sentido, sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio
pode-se tomar a saúde como um espaço importante de Janeiro: UERJ, IMS: Abrasco, 2001, p. 113-126.
para essa empreitada, já que congrega elementos
como a atuação essencialmente interdisciplinar e CORREIA, M. V. C. A saúde no contexto da crise contemporânea
relacional, que contribuem no desenvolvimento de do capital: o Banco Mundial e as tendências da contrarreforma na
habilidades fundamentais para a profissão, como a política de saúde brasileira. Temporalis, Brasília, v. 13, p. 11-38,
comunicação, escuta ativa, construção de projetos 2007.
terapêuticos singulares e um domínio fundamental do
campo disciplinar para a atuação em equipe. CUNHA, L. A. A universidade temporã. Rio de Janeiro: Livraria
Ressalta-se, ainda, a necessidade de formação Francisco Alves Editora, 1986.
constante por meio da educação continuada que en-
globa um esforço do ser profissional para o compro- ESCOREL, S. Saúde: uma questão nacional. In: TEIXEIRA, S. F.
misso com a qualidade dos serviços prestados. En- (Org.). Reforma Sanitária em busca de uma teoria. São Paulo:
volve desde a busca por cursos de especializações Cortez/Abrasco, 1989, p. 181-192.
lato sensu até o incentivo às residências profissio-
nais, multidisciplinares, além da importância dos es- FRANZOI, N. L. Profissão (Verbete). In: PEREIRA, I. B.; LIMA,
tudos produzidos no âmbito da pós-graduação stricto J. C. F. (Org.). Dicionário da educação profissional em saúde.
sensu que nutre a profissão dos debates e experiên- Rio de Janeiro: EPSJV, 2008, p. 328-333.
cias que abarcam a saúde e as políticas sociais.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na divisão do trabalho.
In: ______. Renovação e conservadorismo no Serviço Social:
Referências ensaios críticos. São Paulo: Cortez, 1992, p. 87-112.
______. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital 2 Esta concepção da emersão e legitimação da profissão “Serviço
financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2007. Social” é defendida principalmente por “Marilda Vilela Iamamoto,
Raul de Carvalho, Manuel Manrique Castro, Vicente de Paula
MACHADO, M. H. As profissões e o SUS: arenas conflitivas. Faleiros, Maria Lúcia Martinelli, José Paulo Netto, entre outros”
Divulgação em Saúde para Debate, n. 14, p. 44-47, 1996. (MONTAÑO, 2009, p. 30).
______. Trabalhadores da saúde e sua trajetória na Reforma 3 Este projeto é resultado de um longo e coletivo processo construído
Sanitária. In: LIMA, N. T. (Org.). Saúde e democracia: história e nas últimas três décadas e tem seus valores e pilares pautados no
perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005, p. 257-281. Código de Ética Profissional, na Lei n. 8.662/93, que regulamenta a
profissão e nas Diretrizes Curriculares aprovada pela Associação
MIOTO, R. C. T.; NOGUEIRA, V. M. R. Sistematização, Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss). “Afirma
planejamento e avaliação das ações dos Assistentes Sociais no a defesa intransigente dos direitos humanos e o repúdio do arbítrio
campo da Saúde. In: MOTA, A. E. et al. (Org.). Serviço Social e e dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo,
saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2009, tanto na sociedade como no exercício profissional” (PAULO
p. 273-303. NETTO, 2006, p. 155).
Notas