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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 460/11.4TVLSB.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SILVA GONÇALVES
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
BEM IMÓVEL
USUCAPIÃO
REQUISITOS
POSSE TITULADA
POSSE PÚBLICA
POSSE PACÍFICA
POSSE DE BOA FÉ
REGISTO PREDIAL
PRAZO
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
FALÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09-02-2017
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS / POSSE / USUCAPIÃO / DIREITO DE
PROPRIEDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA (
NULIDADES ).
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 139, 140.
- Galvão Telles, in O Direito, 121.º, 652.
- Menezes Cordeiro, A Posse, Perspectivas Dogmáticas Actuais, 54 e ss.; Direitos Reais, II
Volume, 670, 675, 684.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1251.º, 1252.º, N.º 1, 1258.º, 1260.º, 1287.º, 1294.º, AL.
A), 1296.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 590.º, N.º 3, 615.º, N.º 1, AL. B), 639.º,
N.º 3, 652.º, N.º 1, AL. A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 26.10.1975, BOLETIM, 250.º, 150, ANOTADO NA R.L.J. N.º 109, 311.
-DE 14.01.1993, B.M.J., 423.º, 519.
-DE 6.4.2000, SUMÁRIOS, 40.º, 25.
Sumário :
I. Sendo a posse de boa fé e havendo título de aquisição e registo deste,
é de 10 (dez) anos, contados desde a data do registo - alínea a) do art.º
1294.º do C.Civil - o prazo capaz de legitimar a aquisição do direito de
propriedade sobre uma coisa imóvel.
II. Não obstante todas as vicissitudes processuais por que passou o
processo de falência - designadamente a anulação de todos os seus
trâmites processuais posteriores aos despachos de 17.07.1987 -
possuindo o prédio de boa fé e apresentando título e registo de
aquisição deste imóvel desde 05.07.1988 até 17.07.2002, isto é, durante
mais de 10 anos, a ré adquiriu o prédio, por usucapião, ainda antes de
02.01.2002.
III. A usucapião constitui um modo de aquisição originária, ou seja, é
uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de
transmissão e, por isso, a propriedade conferida com base na usucapião
não está dependente de qualquer outro circunstancialismo
juridicamente relevante que surja ao lado do seu processo aquisitivo e
que, só aparentemente poderá interferir neste procedimento de
consignação de direitos; porque se trata de uma aquisição originária, o
decurso do tempo necessário à sua conformação faz com que
desapareçam todas as incidências que neste processo eventualmente
possam ter surgido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

“Laboratórios AA, Lda" intentou contra "BB - Produtos


Farmacêuticos, SA" a presente acção declarativa com processo
comum e forma ordinária, pedindo:
a) - O reconhecimento e a declaração de que a Autora é legitima
proprietária do prédio urbano sito na Rua … n.º …. e ...-A, em
Alvalade, Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o n.º 94…, da
freguesia do Campo Grande (com a anterior descrição em livro n.º
20.612), condenando-se a Ré a reconhecer tal direito;
b) - A condenação da Ré a devolver tal prédio à Autora, livre e
devoluto de pessoas e bens;
c) - A condenação da Ré a pagar à Autora uma indemnização, a
liquidar no decurso do processo ou em incidente subsequente à
sentença pelos prejuízos decorrentes da ilegítima ocupação e recusa na
entrega desse prédio, e até que a mesma ocorra, e que terão por base,
no mínimo, o valor locativo de mercado, correspondente ao possível
arrendamento do mesmo;
d) - A condenação da Ré no pagamento da sanção pecuniária
compulsória de € 1.500 por dia, a partir da data do trânsito em julgado
da sentença e até ao seu efectivo cumprimento.
Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, ser proprietária do
prédio mencionado, encontrando-se inscrita no registo a aquisição a seu
favor, sendo que a Ré o ocupa, sem qualquer título, recusando-se a
entregá-lo à Autora.
A Ré contestou, pronunciando-se pela improcedência da acção e,
deduzindo reconvenção contra a Autora, pediu o reconhecimento e a
declaração de ser ela a legítima possuidora e proprietária do prédio em
causa, condenando-se a Autora a reconhecer esse direito.
Alega, para o efeito, que, desde 8/04/1988, está na posse do referido
prédio, a qual se manteve ininterruptamente até à presente data, de
forma pública, pacífica e de boa - fé, nunca tendo tal posse sido
contestada até Janeiro de 2011, pelo que adquiriu a propriedade do
referido prédio por usucapião.
As partes ainda replicaram e treplicaram, mantendo, contudo, as suas
posições já defendidas nos seus anteriores articulados.
Oportunamente foi proferida sentença (cfr. fls. 1017 a 1033), tendo sido
decidido:
a) - Julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, e, em
consequência, absolver a Ré de todos os pedidos contra si formulados;
b) - Julgar a reconvenção procedente, por provada, e, em consequência,
reconhecer e condenar a Autora a reconhecer que a Ré é titular do
direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito na CRP de Lisboa
sob o n.º 94… (anterior descrição n.º 20612, do Livro n.º 67), sito na
Rua …, n.º … e …A, em Alvalade, freguesia do Campo Grande,
Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia de S. João de Brito sob o
artigo 97…, por o ter adquirido por usucapião:
c) - Ordenar o cancelamento do registo de aquisição a favor da Autora
que impende sobre o mesmo prédio.
Inconformada com esta sentença, dela recorreu a autora, pedindo a sua
revogação e substituição por outra em que se dê corno improcedente o
pedido reconvencional e procedentes os pedidos da acção, com o
fundamento de que, tendo a Autora registado a seu favor a propriedade
do prédio, se presume ser titular desse direito.
Por acórdão de 11/11/2014, o Tribunal da Relação, na procedência da
apelação e improcedência da reconvenção, decidiu:
1.º - Revogar totalmente a sentença recorrida e, em sua substituição:
a) - Declarou que a Autora é a legítima proprietária do prédio urbano,
sito na Rua …, n.ºs … e …-A, em Alvalade, Lisboa, descrito na CRP
de Lisboa sob o n.º 94…, da freguesia do Campo Grande (com a
anterior descrição em livro n.º 20.612), condenando a Ré a reconhecer
tal direito e a devolver esse prédio à Autora, livre e devoluto de pessoas
e bens;
b) - Condenou, ainda, a Ré a pagar à Autora:
i - Uma indemnização, a liquidar em incidente a tramitar no processo
de execução de sentença, pelos prejuízos decorrentes da ilegítima
ocupação e recusa na entrega desse prédio, e até que a mesma ocorra;
ii - Uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 por dia, a partir da
data do trânsito em julgado desta decisão e até ao seu efectivo
cumprimento;
2.º - Absolveu a Autora do pedido reconvencional que a Ré contra ela
havia deduzido.
Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a ré “BB” para
este Supremo Tribunal que, por acórdão de 28.05.2015 (cfr. fls. 1215 a
1299), anulou o acórdão recorrido, para que, sem prejuízo do disposto
no artigo 662.º do NCPC, os mesmos Senhores Juízes
Desembargadores, com a alteração das respostas dadas aos pontos 2.º
e 5.º da Base instrutória, reanalisassem as questões que foram
suscitadas no recurso de apelação e que se não considerem
prejudicadas por esta decisão.
A Relação de Lisboa, dando cumprimento ao que este Supremo
Tribunal, por acórdão de 28/06/2016 (cfr. fls. 1293 a 1312) proferiu a
seguinte deliberação:
Com os fundamentos enunciados nos pontos 4.1. e 4.2. do presente
acórdão, julga-se, no essencial, procedente a apelação e,
consequentemente, revoga-se totalmente a sentença recorrida,
decretando-se em sua substituição que, por se julgar procedente a
acção e improcedente a reconvenção:
i) se declara que a Autora é a legítima proprietária do prédio urbano
sito na Rua …, n.ºs … e …-A, em Alvalade, Lisboa, descrito na CRP
de Lisboa sob o n.º 94..., da freguesia do Campo Grande (com a
anterior descrição em livro n.º 20.612), condenando-se a Ré a
reconhecer tal direito e a devolver esse prédio à Autora, livre e
devoluto de pessoas e bens:
ii) vai a Ré condenada a pagar à Autora:
- uma indemnização, a liquidar em incidente a tramitar no processo
de execução de sentença, pelos prejuízos decorrentes da ilegítima
ocupação e recusa na entrega desse prédio, e até que a mesma
ocorra,
- uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 por dia, a partir da
data do trânsito em julgado do presente decreto judicial e até ao seu
efectivo cumprimento:
iii) vai a Autora absolvida do pedido reconvencional contra ela
deduzido pela Ré.
Irresignada, deste acórdão recorre a ré "BB - Produtos Farmacêuticos,
SA" para este Supremo Tribunal, alegando e concluindo pela forma
seguinte:
1. O presente recurso de revista tem por objecto o Acórdão proferido
nos autos a fls. 1293 a 1312, o qual julgou, "no essencial", procedente
a apelação e revogou totalmente a sentença recorrida, decretando a sua
substituição por uma outra que julgue procedente a acção e
improcedente a reconvenção.
2. O acórdão recorrido responde a duas questões: "- a sentença
recorrida viola o caso julgado formado pela decisão de 25 de Março
de 2003, referida na alínea AA) dos «Factos Assentes»? - a sentença
recorrida viola o estatuído nos artigos 1253.º,1257.º e seguintes do
Código Civil?".
3. Andou bem o Venerando Tribunal a quo ao responder à primeira das
questões enunciadas declarando "que o caso julgado formado com o
trânsito em julgado da decisão transcrita na alínea AA) dos "Factos
Assentes" não é operante para efeitos de gerar contradição entre esse
decreto judicial e o proferido através da sentença recorrida".
4. O mesmo não se podendo afirmar quanto à resposta dada à questão
remanescente, não se podendo a Recorrente confirmar com tal decisão
em face da manifesta falta de razão que lhe subjaz, como se evidenciará
e que determina, por conseguinte, a procedência do presente Recurso in
totum.
5. A Recorrente não pode conformar-se com o Acórdão recorrido,
porquanto o mesmo consagra uma solução jurídica aberrante, atento o
caso concreto, violando as mais elementares garantias decorrentes da
lei, assim como as suas legítimas expectativas quanto à aquisição do
imóvel.
6. Mais, o Acórdão ora recorrido enferma de nulidade ao fazer tábua
rasa do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que anulou
o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que lhe precedeu e que
circunscreveu o juízo que cabia ao Venerando Tribunal a quo às
"questões que foram suscitadas no recurso de apelação e que não se
considerem prejudicadas por esta decisão".
Igualmente por esta via não pode a Recorrente conformar-se com a
decisão vertida no Acórdão de que ora se recorre.
7. A Recorrente adquiriu o imóvel, pagou o respectivo preço e
procedeu ao seu registo, para além de ter exercido ininterruptamente
actos materiais sobre o mesmo e actuado como sua legítima
proprietária desde 1988, procedeu a obras de manutenção e outras
benfeitorias no imóvel, para além de ter pago os respectivos impostos
do imóvel ao longo dos anos - comprovando ter permanecido
ininterrupta e publicamente no mesmo, tendo sediado aí a sua
actividade em 1992.
8. A anulação dos actos processuais do processo de falência em nada
influi na prática reiterada de actos materiais que se consubstanciam no
exercício continuado da posse, os quais conduziram a uma nova
aquisição do imóvel por usucapião.
9. O entendimento vertido no acórdão recorrido - ao considerar que a
Recorrente tenha passado de uma situação de proprietária para
possuidora titulada e de boa fé para possuidora não titulada e de má fé
e, a posteriori, mera detentora - subtrai todos os efeitos garantísticos
advenientes do direito de propriedade e da própria posse, subvertendo
as prerrogativas conferidas pela lei nesta matéria, além de frustrar as
legítimas expectativas da ora Recorrente de ter adquirido e registado o
imóvel em 1988 e, posteriormente, adquirido o imóvel por usucapião
em 1998, uma vez decorridos dez anos da sua posse titulada e de boa-
fé.
10. Andou mal o Venerando Tribunal a quo ao aplicar erroneamente a
lei substantiva aos respectivos factos.
11. Resulta provado nos autos que a Recorrente tem a posse continuada
do imóvel desde 08.04.1988, data em que foi lavrado o termo de
entrega daquele imóvel, tendo sido registada a aquisição em
05.07.1988.
12. Tal posse tem sido mantida, ininterruptamente, pela Recorrente,
desde essa data.
13. A Recorrida só viria a contestar tal posse em Janeiro de 2011,
volvidos mais de vinte anos desde que a Recorrente exercia a posse
sobre o imóvel em disputa nos presentes autos.
14. Ficou amplamente demonstrado e provado na sentença da 1.ª
instância, os elementos da posse estão verificados, aos quais se
adiciona o decurso do intervalo temporal, verificando-se os
pressupostos da figura jurídica da usucapião nos termos do artigo
1287.º e seguintes do C.C.
15. A Recorrente, através da CC, sua antecessora, tem justo título de
posse, o qual se consubstancia na entrega judicial do imóvel em 1988,
resultante da homologação do acordo de credores, momento a partir do
qual se constituíram legítimos proprietários do imóvel.
16. Não obstante a existência da posterior anulação dos actos
processuais do processo de falência, mormente do ato de entrega do
imóvel, a posse permanece titulada, não obstante o título de aquisição
ser inválido.
17. “A posse da DD/CC verificava-se desde 8 de Abril de 1988, tendo
sido formalizada com o termo de entrega dos bens. A anulação dos
actos jurídicos em que se fundamenta não afecta a posse, situação
jurídica alicerçada sobre o exercício de poderes de facto sobre a coisa
[...]. No caso, nenhuma das vicissitudes jurídicas teve o efeito de
alterar a situação de posse. Nomeadamente, a apreensão do prédio,
que é mais relevante que o registo". -vide parecer junto aos autos, da
autoria dos Ilustres Professores Doutores J. Oliveira de Ascensão e
Manuel A. Carneiro da Frada.
18. As vicissitudes jurídicas atinentes ao processo de falência não
prejudicam a continuidade da posse da Recorrente, a qual tem vindo a
exercer os poderes de facto sobre o imóvel.
19. A posse é constituída por dois elementos: relativamente ao corpus,
não restam dúvidas que a Recorrente tem o domínio do imóvel desde
1988, pelo que se tem verificado, ao longo deste lapso temporal, a
prática de actos materiais de forma reiterada e, bem assim, quanto ao
animus, sendo evidente a actuação da Recorrente na qualidade de
proprietária do imóvel.
20. Relativamente à verificação da boa-fé da posse, sendo esta titulada,
conforme resulta claro da prova carreada aos autos - in casu, do registo
do imóvel em nome da Recorrente, dotado de fé pública -, presume-se
que a posse seja de boa-fé nos termos do disposto no artigo 1260.º, n.º
2 do CC.
21. "O momento decisivo é o inicial, relativo à aquisição, válida ou
não, do direito. É então que se tem de apurar se o agente estava ou
não de boa-fé. Isto tem muita importância no caso concreto. Vimos
que a DD/CC estava de boa-fé quando, em 1987, adquiriu o direito
sobre o imóvel" - vide parecer junto aos autos, da autoria dos Ilustres
Professores Doutores J. Oliveira de Ascensão e Manuel A. Carneiro da
Frada.
22. A Recorrida não logrou elidir a presunção de boa-fé decorrente da
inversão do ónus da prova em face da presunção legal de que a
Recorrente beneficia à luz do disposto no artigo 344.º, n.º 1 do CC.
23. As características relevantes para a aquisição do imóvel por
usucapião adquirem-se no momento da aquisição da posse, não sendo
alteradas posteriormente, e haverá titulo mesmo quando a validade
substancial do negócio jurídico que serviu de causa à aquisição da
posse seja posta em causa, impondo-se concluir que, ao contrário do
que refere o acórdão recorrido, a possa da ora Recorrente não deixou de
ser titulada, pacífica e de boa fé em 10.12.1992 (ou 09.07.1993) para
passar a ser não titulada, não pacífica e de má fé.
24. O acórdão recorrido cai, ainda, em erro de apreciação dos factos
porquanto desconsidera o facto de a Recorrente nunca ter sido parte nos
autos de falência, não tendo por isso sido notificada de qualquer acto
processual no âmbito dos mencionados autos, com excepção do
indeferimento da sua habilitação como cessionária dos acordos da
falida por despacho de 25.03.2003.
25. Donde, o referido acórdão de 10.12.1992, o despacho do Tribunal
de 1ª Instância de 09.07.1993 e os autos de arrolamento e apreensão de
bens não produziram quaisquer efeitos quanto à ora Recorrente (ou
quanto à sua antecessora CC).
26. Os efeitos que o Acórdão Recorrido pretende tirar para a ora
Recorrente das decisões judiciais, despachos e autos de arrolamento e
apreensão de bens seriam atentatórios do constante no artigo 219.º do
CPC no sentido em que não foram comunicados à Recorrente os
elementos essenciais para que, eventualmente, esta possa vir a deduzir
a sua defesa e do constante nos artigos 619.º, 620.º e 621.º do CPC no
sentido em que não podem produzir efeitos fora do processo e da
relação material controvertida nem extravasar os limites em que se
julga.
27. Não obstante, ainda que o douto Tribunal considerasse, que o auto
de arrolamento e apreensão de bens fosse oponível à ora Recorrente, o
que apenas por mero dever de patrocínio se concebe mas não se
concede: i) tal não interromperia a posse; e, ii) em qualquer caso, nessa
data, o lapso temporal necessário para a aquisição através do instituto
da usucapião já tinha decorrido.
28. O acórdão da Relação de que se recorre padece de vícios de falta de
fundamentação, na medida em que tece conclusões sem, no entanto, as
justificar e fundamentar e, bem assim, torná-las perceptíveis aos seus
destinatários.
29. O Acórdão de que ora se recorre viola patentemente o artigo 205.º,
n.º 1 da C.R.P., assim como o disposto no artigo 154.º do CPC.
30. À luz do disposto no artigo 615.º, alínea b) CPC, aplicável mutatis
mutandis, o acórdão objecto do presente recurso é nulo por não
especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua
decisão.
31. Impugna-se igualmente os pontos 4.2.3 e 4.2.4 do Acórdão
recorrido, referente à indemnização e à sanção pecuniária compulsória,
porquanto os mesmos carecem de qualquer fundamento legal.
32. A Recorrida não cumpriu o ónus de alegação e prova dos factos que
poderiam, em tese, consubstanciar o seu pedido de condenação da ora
Recorrente no pagamento de uma indemnização, mais precisamente
dos factos que preenchem os pressupostos de responsabilidade civil,
donde, é inadmissível que o Acórdão recorrido tenha condenado a ora
Recorrente no pagamento de uma indemnização.
33. Não obstante, e tendo a Recorrente exercido a posse de um modo
titulado, de boa-fé, público e pacífico, importa concluir que um
eventual pedido de indemnização e, consequentemente, de sanção
pecuniária compulsória (assente na ilegítima ocupação e recusa de
entrega do imóvel pela ora Recorrente) seja desprovido de qualquer
fundamento.
34. Solução distinta daquela que ora se defende em sede de alegações
de recurso - e, portanto, na esteira do decidido em primeira instância -
contenderia frontalmente com os direitos que, pela Constituição, são
reconhecidos e atribuídos à ora Recorrente, nomeadamente no que
concerne ao direito de acesso à justiça, à segurança jurídica e a uma
tutela efectiva dos seus direitos, além do juízo de desproporcionalidade
que sempre imporia em face dos direitos e interesses em presença.
35. A interpretação feita pelo Venerando Tribunal a quo é
inconstitucional por violar, desde logo, o disposto no artigo 20.º da
Constituição da República Portuguesa e, bem assim, os princípios
inerentes ao Estado de Direito Democrático, inscritos no artigo 2.º da
Constituição da República Portuguesa (nomeadamente os princípios da
segurança e da confiança jurídica), as garantias de defesa tal como
consagradas no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República
Portuguesa, aplicável mutatis mutandis ao processo cível, o direito à
propriedade privada tal como consagrado no artigo 62.º da Constituição
da República Portuguesa e, em igual medida, os princípios e normas
que regem a função jurisdicional, nomeadamente em face do disposto
nos artigos 202.º, 203.º e 204.º, todos da Constituição da República
Portuguesa.
36. Ao interpretar as normas aplicáveis ao caso concreto,
nomeadamente aqueloutras constantes dos artigos 1287.º e seguintes do
Código Civil, não pode o intérprete e aplicador da lei de processo
deixar de atender aos princípios fundamentais da confiança, da
segurança e da proporcionalidade.
37. Analisando a interpretação que dos factos e do Direito aplicável
faz, não se aceita - nem pode aceitar - que um órgão de soberania se
contradiga a ele próprio, conclua a contrario das premissas que ele
próprio constrói, resultando num silogismo inválido e, sobretudo,
atentatório dos mais basilares direitos assegurados às pessoas,
singulares e colectivas, num Estado de Direito democrático.
Termina pedindo que seja reconhecida a nulidade do acórdão recorrido
e determinada a reforma do mesmo, com todas as legais consequências;
quanto ao mais, pede que seja revogada a decisão ora recorrida e se
julgue improcedente a apelação, com todas as legais consequências.
Contra-alegou a recorrida “Laboratórios AA, Lda", concluindo assim:
a) Deve a recorrente ser convidada a completar, esclarecer e sintetizar
as conclusões da revista, nos termos do art.º 639.º n.º 3 do CPC, por as
mesmas se apresentarem difusas, pouco inteligíveis, repetitivas e
extensas, em desconformidade com o preceituado no n° 1 daquele
artigo;
b) O decidido no acórdão recorrido no tocante à matéria constante dos
artigos 5.° e 7.º da Base Instrutória é contraditório, tornando a decisão,
naqueles pontos, ambígua e obscura e, por isso, ininteligível,
integrando a nulidade prevista no art.º 615° n.º 1 alínea c) do CPC e
justificando que seja tido em consideração o disposto nos artigos 683.°
n° 2 e 684.° do CPC;
c) Falecem todos os fundamentos da revista invocados pela recorrente,
pois que a mesma não padece de qualquer vício por falta de
fundamentação, tendo decidido corretamente no que toca à inexistência
dos requisitos suficientes para que se possa ter como adquirido o direito
de propriedade do prédio dos autos por usucapião.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As instâncias consideraram provados os factos seguintes:


A - Encontra-se descrito na CRP de Lisboa sob o n.º 94… (anterior
descrição n.º 20612, do Livro n.º 67) o prédio urbano sito na Rua …,
n.ºs … e …A, em Alvalade, freguesia do Campo Grande, Lisboa, com
a área total de 1032 m2, a área coberta de 756 m2 e a área descoberta
de 276 m2, composto por três corpos ligados, com cave, rés-do-chão, 1
° e 2° andares, anexo com rés-do-chão e primeiro andar e logradouro,
inscrito na matriz predial da freguesia de S. João de Brito sob o art.
97..., conforme certidão permanente de fls. 577 e segs., doravante
designado, apenas, Prédio;
B - Relativamente ao Prédio, foram feitas as seguintes inscrições:
- em 07.01.1954, a aquisição, por arrematação, a favor de «DD -
Produtos Farmacêuticos, L.da», rectificada, por averbamento, em
16.07.2002, passando ao constar que o sujeito activo é a sociedade
«Laboratórios AA, Lda»;
- em 27.02.2002, a apreensão de bens em processo de falência,
cancelada por averbamento de 15.02.2011;
C - Foi lavrado, oficiosamente, em 16.07.2002, um averbamento à
inscrição de 07.01.1954 (aquisição), do qual consta que o titular passou
a ser «DD - Produtos Farmacêuticos, Lda.», tendo tal averbamento sido
cancelado em 17.07.2002;
D - A R ocupa o Prédio;
E - A A., através do advogado signatário da petição inicial, remeteu à
R, sob registo e aviso de recepção, a carta cuja cópia consta de fls. 137,
datada de 21.01.2011, cujo teor se dá por reproduzido, da qual consta,
nomeadamente: “(…) ficam intimados a proceder à respectiva entrega
à minha Constituinte, no prazo de 15 dias. A falta de entrega do
prédio implicará que vos seja pedida indemnização pejos prejuízos
decorrentes da ocupação ilegítima e que se estimam em € 40.000,00
(...)";
F - A R recusou e recusa tal entrega;
G - Encontra-se matriculada na CRC de Lisboa sob o n.º 67..., a
sociedade «DD - Produtos Farmacêuticos, Lda.», que mudou a firma
para «CC - Produtos Farmacêuticos, Lda.», e para «CC Produtos
Farmacêuticos, S.A.», por inscrições de 23.06.92 e 03.05.2001,
conforme certidão de fls. 106 a 112;
H - Encontra-se matriculada na CRC de Lisboa sob o n.º 33…., a
sociedade «CC Portuguesa, Lda.», que alterou a firma para «EE -
Produtos Farmacêuticos, Lda.», para «EE - Produtos Farmacêuticos,
S.A.», e para «FF - Farmacêutica, SA», por inscrições de 11.02.92,
12.06.2001 e 11.01.2002, sendo que, pela apresentação n.º 22 de
12.09.91, mostra-se inscrita a alteração da sede para a Rua do …, n.º s
… e …A, Lisboa, tudo conforme certidão de fls. 122 a 133;
I - Encontra-se matriculada na CRC de Lisboa sob o n.º …., a
sociedade «CC - Produtos Farmacêuticos, SA», tendo sido incorporada
por fusão na sociedade «BB - Produtos Farmacêuticos, S.A.», ora R,
com transferência global do património, por inscrição de 29.11.2010,
conforme certidão permanente de fls. 96 a 105;
J - Encontra-se matriculada na CRC de Lisboa sob o n.º …, a sociedade
«FF - Farmacêutica, S.A.», que alterou a firma para «BB - Produtos
Farmacêuticos, SA», por inscrição de 12.04.2006, conforme certidão
permanente de fls. 113 a 121;
K - A R. ocupa e utiliza o Prédio, desde 23.06.1992, o qual desde então
passou a ser a sua sede;
L - No âmbito do Processo n.º 4058/1974, da 3.ª Secção da então 3.ª
Vara Cível de Lisboa, posteriormente distribuído à 13.ª Vara Cível de
Lisboa, foi proferida sentença, em 13.11.1974, decretando a falência da
A., a qual veio a ser confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por
acórdão de 09.03.1976, transitado em julgado em 18.06.1976,
conforme certidões de fls. 168 e segs e 247 e seguintes;
M - Ainda no âmbito do referido processo, foi lavrado, em 28.04.1977,
um termo de apreensão do Prédio, conforme decorre da mesma
certidão;
N - Por requerimento de 06.07.1987, os credores comuns da A., GG,
HH e «II & C.ª», que haviam sido reconhecidos e graduados,
requereram, ao abrigo o artigo 1266.º do CPC, a convocação de uma
assembleia de credores a fim de deliberar sobre a conveniência de se
estabelecer um acordo de credores, cujo projecto juntaram com o seu
requerimento, e no qual se prevê, nomeadamente, a constituição de
uma sociedade integrando os credores comuns cujos créditos fossem de
valor, cada um deles, superior a 500 contos, o que deu origem ao
Apenso DP (autos de acordo de credores), conforme docs. de fls. 61 a
77 e certidão de fls. 247 e segs;
O - Por despacho proferido no dia 17.07.1987, nos autos de falência,
foram declarados suspensos os termos da falência, por ter sido recebido
projecto de acordo de credores, conforme certidão de fls. 247 e segs;
P - Ainda por despacho de 17.07.1987, proferido no referido apenso
DP, foi recebido o referido projecto de acordo e designada data para a
reunião da assembleia de credores, conforme certidão de fls. 247 e
segs;
Q - No dia 12.10.1987, foi realizada uma assembleia de credores, na
qual foi declarado aceite o acordo de credores proposto, conforme
certidão de fls. 247 e segs;
R - Na sequência daquela aprovação, foi constituída pelos credores GG
e HH uma sociedade, com a denominação de «DD - Produtos
Farmacêuticos, L.da», conforme escritura pública outorgada no dia
09.11.1987, no 17.º Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 43 a 44 v.º do
“Livro de Notas para escrituras diversas” n.º 252-F daquele Cartório,
conforme doc. de fls. 87 a 93;
S - Por despacho proferido no referido apenso DP, em 25.11.1987, foi
homologado o referido acordo de credores;
T - No dia 08.04.1988, foi lavrado, nos autos de falência, um termo de
entrega de bens, nos termos do qual o então administrador da falência
entregou à sociedade «DD - Produtos Farmacêuticos, L.da»., todos os
bens que se encontravam apreendidos para a massa falida de
«Laboratórios AA, Lda.», e que se encontram descritos nos autos de
arrolamento junto ao processo, conforme doc. de fls. 95;
U - Na sequência de um requerimento apresentado pela falida, ora A.,
em 27.11.1989, nos autos de falência, e dos acórdãos proferidos, em
13.02.1992, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e em 10.12.1992 pelo
STJ, foram, por despacho de 09.07.1993, transitado em julgado,
declarados anulados todos os trâmites processuais posteriores aos
despachos de 17.07.1987 a que se alude nas als O) e P), conforme doc.
de fls. 139 a 165 e certidões referidas;
V - No dia 11.04.1994, foi realizada uma assembleia de credores, na
qual foi declarado aceite o acordo de credores que havia sido
apresentado em 06.07.1987 com as respectivas alterações, sendo que,
para cumprimento do disposto no artigo 1167.º n.º 3 do CPC, foi fixado
um prazo de 45 dias, conforme certidão de fls. 247 e segs;
W - No dia 20.07.2006, foi proferido despacho no apenso DP, que
declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, cujo
teor aqui se dá por integralmente reproduzido, mas onde consta que
“(…) não foi dado cumprimento: a) ao judicialmente determinado na
assembleia de credores a que se reporta a acta de fls. 285-289 (…) (a
de 11.04.94); b) ao estipulado no art.º 1167.º n.º 3 do CPG.
Consequentemente (…) há agora que dar sem eleito, o deliberado na
assembleia de credores (…), assim como o projecto de acordo
apresentado a fls 1-3, o que, inevitavelmente acarreta a
insubsistência da razão de ser da presente acção", confirmado por
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.06.2007, cujo teor se
dá aqui por reproduzido, do qual foi interposto, ainda, recurso para o
STJ, que dele não conheceu por inadmissibilidade, conforme despacho
de 14.02.2008, transitado em julgado em 08.05.2008 (cfr. certidão de
fls. 247 e segs.);
X - No dia 06.07.2001, o senhor liquidatário judicial apresentou, no
âmbito do apenso DU (liquidação) requerimento manifestando o
entendimento de que, em virtude da anulação supra referida, «(…)
ficam prejudicados todos os actos processuais efectuados depois de
17.07.1987, designadamente a transferência do bem imóvel (…), pelo
que o bem imóvel (…), que lhe foi entregue, deve reverter para a
massa falida, o que desde já se requer», com vista à respectiva venda,
conforme certidão de fls. 247 e segs.;
Y - Tal requerimento foi deferido por despacho datado de 12.11.2001,
conforme certidão de fls. 247 e segs.;
Z - Em 02.01.2002, foi elaborado pelo senhor liquidatário um auto de
arrolamento e apreensão de bens, do qual consta que o Prédio foi
apreendido, conforme certidão de fls. 247 e segs.;
AA - No dia 18.10.2002, a sociedade «FF - Farmacêutica, SA»,
apresentou requerimento nos autos de falência, querendo a sua
habilitação como cessionária dos credores da falida, o que veio a ser
liminarmente indeferido por despacho de 25.03.2003, transitado em
julgado, que se dá por reproduzido, mas do qual consta,
nomeadamente, "a sociedade DD, L.da, da qual a requerente FF
alega ser cessionária, não tem qualquer existência legal, tanto mais
que o acordo de credores obtido na assembleia realizada em 12.10.87
(…) e respectivo despacho homologatório, com base nos quais a
mesma sociedade foi constituída, foram anulados pelo Tribunal
Superior, tendo sido anulado todo o processado daquele apenso
posterior a fls. 37, incluindo o referido acordo e despacho
homologatório», conforme certidão de tis. 247 e segs;
BB - Por requerimento de 11.12.2002, apresentado no âmbito do
apenso DU (liquidação), o senhor liquidatário informou que os sócios
da falida desejam pôr fim ao processo de falência, pagando a todos os
credores com créditos verificados, e requereu que fosse autorizada a
publicação de anúncios visando notificar os credores que não fossem
localizados directamente, com vista a lhes fazer pagamento, o que foi
deferido por despacho de 11.02.2003, proferido nos autos de falência,
transitado em julgado, conforme certidão de fls. 247 e segs.;
CC - Por despacho de 14.01.2010, foi determinado o levantamento da
inibição da falida e a entrega à mesma do bem imóvel apreendido no
âmbito dos autos, tendo tal decisão sido confirmada pelo Tribunal da
Relação de Lisboa, por acórdão de 25.11.2010, cujo teor se dá por
reproduzido, transitado em julgado em 13.12.2010, conforme certidão
de fls. 247 e segs.;
Da Base Instrutória
1. Apesar do que consta da al. Z), nunca foram feitas diligências com
vista à entrega efectiva do prédio, continuando o mesmo a ser ocupado
e utilizado pela R. (resposta ao n.º 1 da BI);
2. Até à carta referida em E), nunca ninguém contestou o que consta
das als. D) e K) (resposta ao n.º 2 da BI);
3. O que consta das als. D) e K) ocorreu à vista de toda a gente e foi
sempre do conhecimento geral (resposta ao n.º 3 da BI);
4. O Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) incidente sobre o Prédio
foi emitido em nome da sociedade «CC - Produtos Farmacêuticos,
L.da», entre 1993 e 2000 e em nome de «CC - Produtos Farmacêuticos,
SA», entre 2000 e 2010, sendo que a segunda prestação do IMI de 2010
foi paga, em Setembro de 2011, por débito numa conta da titularidade
da ora R. (resposta ao n.º 4 da BI);
5. A sociedade CC e, depois, a R. ignoravam que, ao passar a ocupar o
Prédio, lesavam o direito de outrem (resposta ao n.º 5 da BI);
6. Em 10.09.1993, o advogado signatário da petição inicial remeteu
cartas às sociedades «JJ - Sociedade Industrial de Expansão
Farmacêutica, L.da», e «KK - Produtos Farmacêuticos, L.da»,
alertando-as de que a «DD», então já com a denominação «CC -
Produtos Farmacêuticos, L.da», deixara de ter existência jurídica
(resposta ao n.º 6 da BI);
7. Os relatórios anuais da sociedade “CC - Produtos Farmacêuticos,
S.A.”, juntos a fls. 745 a 916, reconhecem a existência de um litigio
sobre a legitima propriedade do prédio "entre a empresa e uma
entidade externa" (resposta ao n.º 7 da BI).
Das certidões juntas após a BI (cfr. fls. 659)
8. Através da inscrição n.º 33.854, de 07.01.1954, foi inscrita a
transmissão do prédio identificado na al. A), por arrematação,
conforme certidão de fls. 666 a 680, que se dá por reproduzida;
9. Pela ap. n.º 2 de 05.07.1988, foi lavrado o averbamento n.º 2 à
inscrição referida na al. B), com o seguinte teor “a titular da inscrição
33.854 passou a ser DD - Produtos Farmacêuticos, L.da (…) nos
termos do acordo de credores homologado no processo de declaração
de falência da sociedade AA”, conforme decorre da mesma certidão;
10. O prédio identificado na al. A) encontra-se inscrito na matriz
predial urbana da freguesia de São João de Brito sob o art. 972.º, sendo
titular a ora A., conforme certidões de fls. 698 a 700 e 705 a 707;
11. Tal prédio foi inscrito na matriz no ano de 1955, sob o artigo 15…
da freguesia do Campo Grande, e esteve inscrito, a partir de 1988, em
nome de «DD Produtos Farmacêuticos, L.da», e, a partir de 1996, em
nome de «CC Produtos Farmacêuticos, L.da», por alteração da firma
social em 14.05.1992. (fls 1019 a 1025).

==============================

Pretende a ré/reconvinte que, na revista, a reconvenção por si deduzida


seja julgada procedente, isto é, que a autora seja condenada a
reconhecer que a ré é titular do direito de propriedade incidente sobre o
prédio urbano sito na Rua …, n.º … e …A, em Alvalade, freguesia do
Campo Grande, Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia de S.
João de Brito sob o artigo 97… e descrito na CRP de Lisboa sob o n.º
94…, por o ter adquirido por usucapião.
Asseverando que é a exclusiva dona deste prédio urbano, a
autora/reconvinda nega à ré este invocado direito de propriedade e
afirma que a demandada não adquiriu tal imóvel por usucapião.
A 1.ª instância julgou procedente a reconvenção.
Todavia a Relação, declarando que a autora é a legítima proprietária do
prédio urbano que reivindica, absolveu a demandante do pedido
reconvencional contra ela deduzido pela demandada:
- Se é indesmentível que a posse, mantida pelas entidades cuja situação
jurídica é actualmente detida pela Ré, começou por ser titulada,
pacífica e de boa-fé, pois “no dia 08.04.1988, foi lavrado, nos autos de
falência, um termo de entrega de bens, nos termos do qual o então
administrador da falência entregou à sociedade «DD - Produtos
Farmacêuticos, L.da», todos os bens que se encontravam apreendidos
para a massa falida de «Laboratórios AA, Lda», e que se encontram
descritos nos autos de arrolamento junto ao processo, conforme doc.
de fls. 95”, menos verdade não é que "na sequência de um
requerimento apresentado pela falida, ora A., em 27.11.1989, nos
autos de falência, e dos acórdãos proferidos, em 13.02.1992, pelo
Tribunal da Relação de Lisboa, e em 10.12.1992 pelo STJ, foram, por
despacho de 09.07.1993, transitado em julgado, declarados anulados
todos os trâmites processuais posteriores aos despachos de 17.07.1987
a que se alude nas als O) e P), conforme doc. de fls. 139 a 165 e
certidões referidas", pelo menos desde 10.12.1992 (data do acórdão
proferido pelo STJ) e, no máximo, a partir de 09.07.1993 (data do
despacho proferido pelo Tribunal de l.ª instância), que essa posse
passou a ser não titulada, não pacífica e de má-fé, e, mais do que
isso, após 02.01.2002 deixou mesmo de ser posse para passar a ser
uma mera detenção, ainda por cima ilícita porque em patente
violação de um auto de arrolamento e apreensão de bens determinado
por decisão judicial transitada em julgado.
A consciência que a parte poderá ou não ter sobre a ilicitude da sua
conduta é irrelevante porque a certeza e a segurança do comércio
jurídico e o princípio da tutela da confiança impõe que os julgamentos
sejam feitos não a partir do que sabe ou não sabe uma qualquer pessoa
física - ou seja do real declaratário (e da boa ou má fé individual do
mesmo) - mas sim do que era exigível que soubesse (art.º 6.° do
Código Civil) porque seria necessariamente essa a convicção do
declaratório normal colocado na posição do real declaratário (idem,
art.º 236.° do Código Civil); e, porque assim é, nesse dia 02.01.2002
não havia ainda decorrido o período de tempo previsto na alínea b) do
art.º 1249.º do Código Civil, há razão para se declarar e decretar que a
ré não adquiriu por usucapião a propriedade do imóvel dos autos -
conclui a Relação.
É contra esta decisão que a ré/recorrente se insurge.
Apontando ao acórdão recorrido a nulidade prescrita no artigo 615.º,
n.º1, alínea b), C.P.Civil (falta de fundamentação), argumenta a
recorrente "BB - Produtos Farmacêuticos, SA" que tem justo título de
posse (a entrega judicial do imóvel realizada em 1988 e resultante da
homologação do acordo de credores), momento a partir do qual se
constituiu legítima proprietária do imóvel e, ininterruptamente, o vem
possuindo.
Não obstante a existência da posterior anulação dos actos processuais
do processo de falência, e, por isso, se ter tornado inválido o título de
aquisição – prossegue a recorrente - a posse continuou a permanecer
titulada; e só em Janeiro de 2011 é que a recorrida veio contestar tal
posse, isto é, volvidos mais de vinte anos desde que a recorrente
exercia a posse sobre o imóvel em disputa nos presentes autos.
Com excepção do indeferimento da sua habilitação como cessionária
dos acordos da falida por despacho de 25.03.2003, a recorrente não é
parte no processo de falência e, por isso, não foi notificada de qualquer
acto processual no âmbito destes autos; não lhe não podem, assim, ser
atribuídos quaisquer efeitos referentemente ao que foi decidido no
acórdão de 10.12.1992, no despacho do Tribunal de 1.ª instância de
09.07.1993 e no auto de arrolamento de bens verificado em 02.01.2002
(elaborado pelo senhor liquidatário).
Vejamos, então, se lhe assiste razão.

========================

I. A sentença - ou acórdão - é nula quando não especifique os


fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - artigo
615.º, n.º 1, alínea b), C.P.Civil.
A "ratio" deste imperativo legal, que concede tão grande importância à
motivação da sentença, tomando-a nula se esta for omitida, é fácil de
descortinar, no dizer do Prof. Alberto dos Reis (in Cód. Proc. Civil
Anotado; Vol. V; pág. 139):
- Razão substancial. A sentença deve representar a adaptação da
vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do
Juiz; ao comando geral e abstracto da lei o magistrado substitui um
comando particular e concreto. Não se podendo este comando gerar
arbitrariamente, cumpre ao Juiz demonstrar que a solução dada ao caso
é legal e justa, ou, por outras palavras, que é a emanação correcta da
vontade da lei.
- Razões práticas. As partes precisam de ser elucidadas a respeito dos
motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber
por que razão lhe foi desfavorável a sentença.
Tenha-se, porém, em atenção que o que a lei considera nulidade é a
falta absoluta de motivação, não se podendo considerar nula a
sentença que se caracteriza por uma motivação deficiente, medíocre ou
errada (Prof. A. dos Reis; ob. citada; pág. 140).
Esta doutrina é a que tem sido seguida, desde há muito tempo, pela
nossa jurisprudência (v. g. Ac. do S.T.J. de 14/01/93; BMJ; 423 °; pág.
519).

Cuidando o acórdão recorrido na procura da fundamentação jurídico-


positiva que determinou a solução do litígio em que as partes estão
envolvidas, esta nulidade não é suscetível de ser imputada à decisão
proferida pela Relação.

II. No processo comum a nossa lei consagra a teoria da substanciação,


segundo a qual o objecto da acção é o pedido mas definido através de
certa causa de pedir (Ac. do STJ de 26.10.1975; Boletim; 250.º, pág.
150, anotado na RLJ n.º 109, pág. 311).
Bastará que o demandante descreva com cuidado - e prove - os factos
que fundamentam o seu direito e isso chegará para que o Tribunal lhe
conceda esse direito a que se arroga (como o pretor romano: "da mihi
factum dabo tibi jus").

A presente lide configura, sem dúvida, uma acção de reivindicação.


Através dela a autora pretende, essencialmente, que a ré lhe restitua
identificado prédio urbano que esta ocupa.
Nas acções de reivindicação incumbe ao autor demonstrar que tem o
direito de propriedade sobre a coisa reivindicada e que esse direito se
encontra na posse ou detenção de outrem. E é tudo quanto basta para
que a entrega da coisa se faça ao reivindicante.
Só assim não acontecerá se o detentor da coisa demonstrar possuir
direito real ou obrigacional que faça obstar ao exercício pleno do
direito de propriedade, direito que consubstancia uma excepção
peremptória (art.º 493.º, n.º 3, do C.P.Civil) e que o réu pode invocar no
processo em seu proveito.
Na presente acção a autora pede o reconhecimento do direito de
propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua …. n.º … e …-A, em
Alvalade, Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o n.º 94…, da
freguesia do Campo Grande e que a ré lhe restitua este imóvel.
Por sua vez a ré invoca em seu favor que, desde 8/04/1988 que está na
posse deste prédio, a qual se manteve ininterruptamente até à presente
data, de forma pública, pacífica e de boa - fé, nunca tendo tal posse
sido contestada até Janeiro de 2011, pelo que adquiriu a propriedade do
referido prédio por usucapião.
Em reconvenção pede o reconhecimento da aquisição, por usucapião,
do direito de propriedade sobre o prédio reivindicado.
Logrou a ré provar este desiderato, capaz de obstar a que à autora possa
ser reconhecida a sua pretensão reivindicante e, simultaneamente, lhe
proporcionar a propriedade deste diferenciado prédio?

III. De acordo com o art. 1251.º do Código Civil, a posse é concebida


como o poder de facto que se manifesta quando alguém actua por
forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de
outro direito real.
A lei portuguesa veio consagrar, assim, a concepção subjectivista de
posse (saliente-se, contudo, a tese defendida por Menezes Cordeiro no
sentido de uma orientação objectivista do nosso Código Civil - in A
Posse; Perspectivas Dogmáticas Actuais; pág. 54 e segs.), seguindo
de perto Savigny, sendo possuidor aquele que, actuando por si ou por
intermédio de outrem (art. 1252° n° l CC), além do "corpus"
possessório tem também o "animus possidendi" que se caracteriza
pela intenção de exercer sobre a coisa um direito real próprio.
Distingue a lei diferentes espécies de posse - titulada ou não titulada, de
boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta (art.º 1258.º do
C.Civil) - a cada uma delas ligando efeitos também diversificados.
A este propósito saliente-se que, como está consagrado no artigo 1287.º
do C.Civil, "a posse do direito de propriedade ou de outros direitos
reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor,
salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício
corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião".
Quer isto dizer que a usucapião, uma forma de constituição de direitos
reais, designadamente o direito de propriedade, apoia-se numa situação
de posse - corpus e animus - exercida em nome próprio, durante os
períodos estabelecidos na lei e revestindo os caracteres que a lei lhe
fixa, pública, contínua, pacífica, titulada e de boa fé.
Remontando este instituto já à Lei das 12 Tábuas (usus auctoritas
fundi biennium coeterarum rerum annus esto), a noção de usucapião
é actualizada e definida por Menezes Cordeiro (in Direitos Reais, II
Volume; pág. 670) como "a constituição, facultada ao possuidor, do
direito real correspondente à posse, desde que esta, dotada de certas
características, se tenha mantido pelo lapso de tempo fixado na lei".
O prazo de usucapião é diferente consoante a natureza da coisa de cuja
aquisição se trate e varia conforme as características da posse sobre ela
exercida.
Neste enquadramento legal temos que, sendo a posse de boa fé e
havendo título de aquisição e registo deste, é de 10 (dez) anos, contados
desde a data do registo - alínea a) do art.º 1294.º do C.Civil - o prazo
capaz de legitimar a aquisição do direito de propriedade sobre uma
coisa imóvel.
Presumindo-se de boa fé a posse titulada e de má fé a não titulada - a
posse adquirida com violência é sempre de má fé (art.º 1260.º, n.º 2 e 3,
do C.Civil).

A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la,


que lesava o direito de outrem (art.º 1260.º, n.º 1, do C.Civil), ou seja, o
possuidor, quando começa a gozar a coisa, não merece que seja
apodado de malfazejo se actua na convicção de que não está a
prejudicar outrem.
Como afirma Menezes Cordeiro (in ob. citada; pág. 675) é de boa fé a
posse que, não sendo, na sua origem, violenta, se tenha constituído
pensando o possuidor:
- que tinha, ele próprio, o direito;
- que ninguém tinha direito algum sobre a coisa.

IV. Como é comummente sabido e resulta da lei, a aquisição da


propriedade, por usucapião, de identificado imóvel está dependente da
verificação destes requisitos legalmente exigidos: - a posse em nome
próprio do bem, ininterruptamente, por determinado período de tempo
(de cinco a vinte anos), à vista de toda a gente, sem oposição de
ninguém e na convicção de que é o seu exclusivo dono.
Neste contexto jurídico-positivo está comprovada a seguinte
facticidade:
1. Desde 08.04.1988 (altura em que o administrador da falência
entregou à sociedade “DD - Produtos Farmacêuticos, L.da” o prédio
que, entre outros, se encontrava apreendido para a massa falida de
“Laboratórios AA, Lda”) e até à receção da carta com a/r que lhe foi
endereçada em 21.01.2011 (que intimava a ré a proceder à entrega do
prédio à autora), que a reconvinte/ré "BB - Produtos Farmacêuticos,
SA", por si e sua antepossuidora (“CC - Produtos Farmacêuticos, SA”),
vem ocupando o prédio urbano sito na Rua … n.º … e …-A, em
Alvalade, Lisboa e descrito na CRP de Lisboa sob o n.º 940, da
freguesia do Campo Grande (itens E. e T. dos factos provados);

2. Esta posse é ininterrupta - apesar de ter sido elaborado pelo senhor


liquidatário um auto de arrolamento e apreensão de bens, do qual
consta que o prédio foi apreendido, nunca foram feitas diligências com
vista à entrega efectiva do prédio, continuando o mesmo a ser ocupado
e utilizado pela R (resposta ao n.º 1 da BI);
3. À vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção
de que era a exclusiva dono dele - até 21.01.2011 nunca ninguém
contestou a ocupação do prédio (resposta ao n.º 2), ocorrida à vista de
toda a gente e sempre do conhecimento geral (resposta ao n.º 3 da BI);
4. De boa fé - a ré e a sua antepossuidora “CC - Produtos
Farmacêuticos, SA” ignoravam que, ao passar a ocupar o prédio,
lesavam o direito de outrem (resposta ao n.º 5 da BI); este estado de
graça só findou quando a ré rececionou a carta documentada a fls. 137,
através da qual a autora a intimava a entregar-lhe o prédio que ocupava
(item E. dos factos provados);
5. O Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) incidente sobre o
prédio, entre 1993 2010 foi emitido em nome da sociedade “CC” e a
segunda prestação do IMI de 2010 foi paga, em Setembro de 2011, por
débito numa conta da titularidade da ora ré “BB” (resposta ao n.º 4 da
BI);
6. A ré goza do privilégio da inscrição do prédio na CRP, em seu favor,
desde 05.07.1988 e até 17.07.2002 - pela ap. n.º 2 de 05.07.1988 foi
lavrado à inscrição com o seguinte teor “a titular da inscrição 33.854
passou a ser DD - Produtos Farmacêuticos, L.da (…) nos termos do
acordo de credores homologado no processo de declaração de
falência da sociedade AA” (item 9. dos factos provados); foi lavrado,
oficiosamente, em 16.07.2002, um averbamento à inscrição de
07.01.1954 (aquisição), do qual consta que o titular passou a ser “DD -
Produtos Farmacêuticos, L.da”, tendo tal averbamento sido cancelado
em 17.07.2002 (item C. dos factos provados).
Ponderando este circunstancialismo factual podemos confirmar que,
não obstante todas as vicissitudes processuais por que passou o
processo de falência (designadamente a anulação de todos os seus
trâmites processuais posteriores aos despachos de 17.07.1987),
possuindo o prédio de boa fé e apresentando título e registo de
aquisição deste imóvel desde 05.07.1988 até 17.07.2002, isto é, durante
mais de 10 anos, a ré adquiriu o prédio, por usucapião, ainda antes de
02.01.2002.
Convenhamos, outrossim, que, perdurando a posse para além de 20
anos (desde 08.04.1988 até 21.01.2011), a aquisição do imóvel pela ré,
por usucapião, assenta ainda no disposto no art.º 1296.º do C.Civil.
V. Assinala o acórdão recorrido, com a natural aprovação da
autora/recorrida, que a reconvenção tem de ser julgada improcedente,
uma vez que, pelo menos desde 10.12.1992 (data do acórdão proferido
pelo STJ que confirmou a declaração de anulação de todos os trâmites
processuais posteriores aos despachos de 17.07.1987, proferida nos
autos de falência), no máximo a partir de 09.07.1993 (data do despacho
proferido pelo Tribunal de l.ª instância), a posse da ré passou a ser não
titulada, não pacífica e de má-fé, e, mais do que isso, após 02.01.2002
deixou mesmo de ser posse para passar a ser uma mera detenção,
ainda por cima ilícita porque em patente violação de um auto de
arrolamento e apreensão de bens determinado por decisão judicial
transitada em julgado.
Não acompanhamos este entendimento.
A usucapião constitui um modo de aquisição originária, ou seja, é uma
forma de constituição de direitos reais e não uma forma de
transmissão e, por isso, os direitos que nela tenham a sua origem não
sofrem em nada com os vícios de que possam eventualmente padecer
os anteriores proprietários sobre a mesma coisa (Menezes Cordeiro;
Direitos Reais; II; pág. 684).
Quer isto dizer que a propriedade conferida com base na usucapião não
está dependente de qualquer outro circunstancialismo juridicamente
relevante que surja ao lado do seu processo aquisitivo e que, só
aparentemente poderá interferir neste procedimento de consignação de
direitos.
Porque se trata de uma aquisição originária, o decurso do tempo
necessário à sua conformação faz com que desapareçam todas as
incidências que neste processo eventualmente possam ter surgido - a
posse que interessa para efeitos de usucapião não é a posse causal,
ou seja, a posse conforme com um direito que inquestionavelmente se
tem e de que representa simples exteriorização; é a posse formal,
correspondente a um direito que comprovadamente se não tem ou
que poderá não se ter, mas cujos poderes se exercem como sendo um
titular, posse vista com abstracção do direito possuído, algo com
existência por si, susceptível de conduzir, pela via da usucapião, à
aquisição do direito, caso não se seja, já, senhor dele (Galvão Telles,
O Direito, 121.º - 652).
Ora, se é assim, porque a ré adquiriu, por usucapião, o prédio
reconvindo ainda anteriormente a 02.01.2002 e nesta aquisição predial
não podendo negativamente interferir a verificada invalidade da entrega
do prédio à ré efetuada pelo administrador da falência de “Laboratórios
AA, Lda”, à demandada assiste o direito que na sua reconvenção roga.
A procedência da revista faz prejudicar a apreciação das demais
questões que a recorrente argúi nas suas alegações e atinentes
conclusões.
VI. Tem o Julgador, por força no estatuído no art.º 590.º, n.º 3, do
C.P.Civil, o poder-dever de convidar as partes a suprir as
irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou
correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos
legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de
que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
Pretende o legislador com esta imposição legal que se impeça que
alguma das partes veja destruído ou invalidado o seu direito, mercê da
ocorrência duma mera irregularidade ou vício de que o outro sujeito
processual vai poder aproveitar-se (é esta a ratio da lei).
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 652.º do C.P.Civil,
esta solicitação passou a ser uma incumbência também do Relator no
que diz respeito ao convite às partes a aperfeiçoar as conclusões das
respetivas alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º.
É desta pontificada regalia processual de que a recorrida pretende
usufruir.
O recurso é o meio destinado a verberar a decisão proferida no
processo que contraria o direito que o recorrente considera ter.
Neste expediente jurídico-processual há-de o recorrente se esforçar por
procurar convencer o Tribunal ad quem de que a razão está do seu lado
e que merece que seja revogada em seu favor a determinação
jurisdicional contra si pronunciada no processo.
A lei permite-lhe que faça esta demonstração, mas impõe-lhe regras no
caminho a trilhar para chegar a este seu objectivo:
1. Terá que fazer a alegação dos fundamentos em que baseia a sua
discordância, ou seja, deduzirá os motivos que tenha encontrado e
capazes de reformar em seu proveito a solução dada ao litígio; e são
apenas estas as questões que o Tribunal aprecia;
2. Produzida a alegação exige-se ainda ao recorrente que apresente as
conclusões desta sua exposição. Depois de expor sem limites as
considerações de direito e de facto que na sua convicção protegem e
abarcam o seu direito, prescreve-se-lhe depois que termine esta
descrição com a elaboração de um simplificado texto onde se incluam
os pontos essenciais em que se alicerça a sua alegação - as conclusões
da alegação de recurso são proposições sintéticas onde se sumaria a
exposição analítica do corpo das alegações (Ac. do STJ de 6.4.2000;
Sumários; 40.º - 25).

Circunscrevendo-nos ao caso “sub judice” podemos asseverar que a


recorrente pôs nas conclusões de recurso uma inteligível redação,
compreensível ao entendimento do Julgador; quer isto dizer que,
porque não há qualquer falta na composição dos pontos essenciais da
conclusão - resumem de forma concisa os fundamentos por que a
recorrente discorda da decisão recorrida e anteriormente expendidos
na sua alegação - soçobra o rogado pedido da recorrida feito neste
Supremo Tribunal para que a recorrente seja convidada a completar,
esclarecer e sintetizar as conclusões da revista, nos termos do art.º 639.º
n.º 3 do C.P.Civil.
VII. Estamos perante uma factualidade obscura quando se não
consegue apreender bem o seu conteúdo e determinar com clareza os
seus limites e alcance; e existe contradição nas respostas dadas aos
quesitos sempre que delas resulta um facto que exclua necessariamente
o outro, isto é, quando, seguindo um raciocínio lógico, os factos neles
referidos não possam coexistir ente si ou com outro já assente.
Ora, estes dois factos - a sociedade CC e, depois, a ré, ignoravam que,
ao passar a ocupar o Prédio, lesavam o direito de outrem (resposta ao
n.º 5 da BI) e os relatórios anuais da sociedade “CC - Produtos
Farmacêuticos, S.A.”, juntos a fls. 745 a 916, reconhecem a
existência de um litigio sobre a legitima propriedade do prédio "entre
a empresa e uma entidade externa" (resposta ao n.º 7 da BI) - não
estão entre si numa relação de incompreensão absoluta, isto é, o facto
de a antepossuidora “CC”, e depois a demandada “BB”, se
comportarem como estivessem a ocupar um prédio seu, não contende
com estoutra situação, igualmente comprovada, no sentido de que os
relatórios anuais da sociedade “CC” apontam para a existência de um
litigio sobre a titularidade da propriedade do prédio em disputa por
ambas as partes na ação.
Esta última circunstância factual - a existência de um litigio sobre a
legitima propriedade do prédio "entre a empresa e uma entidade
externa - porque retirada de informações extraídas do Registo
Comercial referente à prestação de contas da “CC” e de documentação
existente na Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, não estorva a
nossa perceção sobre o verdadeiro alcance destes relatórios anuais que,
unicamente, nos fazem entender que o imóvel em discussão na ação era
também reclamado pela autora/recorrida.
Mas esta ocorrência não impede que, ponderadamente, se ajuíze no
sentido de que, apesar desta divergência, a “CC” e a demandada “BB”
ocupavam o prédio na convicção de que o imóvel era verdadeiramente
seu e, por isso, ignoravam que lesavam o direito de outrem.
Concluindo:
1. Sendo a posse de boa fé e havendo título de aquisição e registo deste,
é de 10 (dez) anos, contados desde a data do registo - alínea a) do art.º
1294.º do C.Civil - o prazo capaz de legitimar a aquisição do direito de
propriedade sobre uma coisa imóvel.
2. Não obstante todas as vicissitudes processuais por que passou o
processo de falência - designadamente a anulação de todos os seus
trâmites processuais posteriores aos despachos de 17.07.1987 -
possuindo o prédio de boa fé e apresentando título e registo de
aquisição deste imóvel desde 05.07.1988 até 17.07.2002, isto é, durante
mais de 10 anos, a ré adquiriu o prédio, por usucapião, ainda antes de
02.01.2002.
3. A usucapião constitui um modo de aquisição originária, ou seja, é
uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de
transmissão e, por isso, a propriedade conferida com base na usucapião
não está dependente de qualquer outro circunstancialismo
juridicamente relevante que surja ao lado do seu processo aquisitivo e
que, só aparentemente poderá interferir neste procedimento de
consignação de direitos; porque se trata de uma aquisição originária, o
decurso do tempo necessário à sua conformação faz com que
desapareçam todas as incidências que neste processo eventualmente
possam ter surgido.
Pelo exposto, concede-se a revista e, em consequência, revogando-se o
acórdão da Relação, mantemos em vigor a sentença proferida em 1.ª
instância.
Custas pela autora/recorrida.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de fevereiro de 2017.


Silva Gonçalves (Relator)
Joaquim Piçarra

Fernanda Isabel Pereira

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