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INTRODUÇÃO

Quando apreciamos a história do desenvolvimento das culturas

humanas a partir das suas descobertas e, mais particularmente, quando

consideramos essa história do ponto de vista dos inventos no campo da informação

e da comunicação, surpreende-nos um objetivo implícito em todos esses processos:

o esforço da espécie humana pela sua permanência no Planeta. A ciência, de um

modo geral, tem trabalhado com essa afirmativa, das mais variadas formas. É certo

que quanto mais a espécie humana for capaz de produzir suportes extra-sensoriais

para o armazenamento da informação, mais terá assegurado a sua permanência no

Planeta. A abordagem semiótica da cultura de I. M. Lótman também nos convida a

raciocinar por esse ângulo, quando afirma que os indivíduos são constantemente

acolhidos por vagas de sinais de cuja organização depende a sobrevivência da sua

cultura, da sua vida no Planeta.

De fato, a conquista da linguagem verbal, ao lado de todas as outras

codificações de tradução dos sinais do mundo são soluções para a sua permanência

neste mundo, as quais, ao longo da História, ganharam em refinamento e

complexidade, ao mesmo tempo que propiciaram as mais variadas codificações e

recodificações.
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O objeto central de nossa pesquisa é o de tratar de uma dessas

soluções, ou seja, recuperar na análise semiótica a história sígnica do sistema

Braille,1 método de leitura e escrita criado na terceira década do século XIX, o qual

permitiu que a coletividade cega pudesse ter acesso à cultura alfabetizada.

Realmente, a conquista da escritura, com o advento do Braille, permitindo aos

grupos cingidos pela condição da cegueira habitarem o mundo das culturas

alfabéticas, promoveu um impacto significativo tanto nas formas como esses

indivíduos organizam sua visão particular do mundo (mundividência tátil), como

propiciou todo um campo de abordagens inéditas, circunscritas ao debate teórico da

comunicação, da semiótica aplicada e das ciências cognitivas.

Indagar sobre as repercussões de tal impacto, apreciando sobretudo as

qualidades semiósicas desse código de leitura e escrita é a problemática central da

nossa investigação. No entanto, tal abordagem se constrói, num período histórico

singular: estamos inaugurando os primeiros anos do terceiro milênio. No âmbito de

uma cultura tiflológica,2 é possível que estejamos inaugurando também uma nova

viragem, se quisermos, um ponto de transição, no qual as tecnologias informáticas

pouco a pouco afirmam-se como matrizes privilegiadas para o acesso à informação

por parte dos indivíduos cegos.

De modo sutil ou mesmo de modo perceptível, mudanças significativas

vêm ocorrendo nas formas como os indivíduos cegos apropriam-se dos bens

culturais, constroem conhecimento, relacionam-se com a experiência de

estar/perceber/apreender o mundo à sua volta. A tecnologia impõe-se, portanto,

como um lugar privilegiado, de modo que esta realidade deixa reverberar, no âmbito

1
Optamos por grafar a palavra Braille em todo o texto com letra maiúscula, embora, usualmente, o
termo seja usado com b minúsculo quando se refere ao alfabeto em relevo.
2
Mais usada na Europa, a palavra tiflologia refere-se aos estudos dedicados à problemática da
cegueira.
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do debate reflexivo, um ponto de tensão entre uma cultura assentada na escrita em

relevo e a nova onda tecnológica, a qual parece retomar a forma primeira de

comunicação desses indivíduos, ou seja, a comunicação eminentemente oral que

predominou, por centenas de milhares de anos, como a matriz por excelência para a

sua intervenção na cultura.

Como o novo sempre institui uma espécie de espaço de desordem,

uma panóplia de indagações com respeito a um presente que se firma na

mutabilidade, na inconstância de descobertas que se sucedem em curtos espaços

de tempo, num desejo de compreender e melhor fixar práticas supostamente

antigas, pareceu-nos urgente e oportuno tocar naquele intervalo primordial. Nele

tocar naquela célula de seis pontos justapostos, arranjo de pontos combinando-se

em letras, palavra, discurso, cultura intelectual, a qual desarranjou e transformou um

mundo dado em que a comunicação oral, aliada a um mundo tátil difuso eram as

chaves por excelência para uma tímida intervenção dos indivíduos cegos na cultura.

Todavia, é forçoso confessarmos que não ingressamos no Programa

de Pós-Graduação interessada por este tema de análise. Nosso projeto original era

uma investigação sobre os sistemas de comunicação da cultura contemporânea,

particularmente o jornalismo, e o modo como esse código midiático reapropria-se do

estigma sobre a cegueira, reafirmando assim uma memória cultural que

milenarmente reservou a esses indivíduos um lugar de desvantagem na sociedade

em geral.

Nosso contato com os conteúdos do programa foi, pouco a pouco,

promovendo uma espécie de escavação no solo de nossos interesses e vontades;

pouco a pouco foi produzindo, ao modo do processo de produção das letras em

Braille, uma espécie de associação e combinação de perguntas filosóficas,


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sistêmicas, semióticas e antropológicas à realidade da escrita em relevo e da

percepção tátil.

Quase no final do segundo semestre do curso, alimentada pelos

importantes contributos da semiótica da cultura e pelas instigantes leituras de

aportes teóricos da semiótica de Sanders Charles Peirce, tínhamo-nos desviado

completamente do projeto original e elaborávamos o nosso sobre o Braille, munida

por um entusiasmo e uma emoção que se equiparava àquela mesma da infância,

quando nosso cérebro combinado à mão infantil desvendava, naquela fórmula

lógico-matemática de associar e combinar, as primeiras palavras que então já

éramos capazes de decodificar.

Ao vivenciarmos nosso próprio entusiasmo pelo tema, por vezes nos

perguntávamos, com um exacerbado senso crítico, se não estaríamos possuída pelo

que Morin chama de obsessão cognitiva, 3 porque comprovávamos agora com muita

clareza, que a cegueira sempre nos inquietara, não somente como condição

inelutável de vida, mas também como espaço de indagações metafísicas.

Depressa descobrimos a necessidade de nos movermos com muita

prudência nesse terreno. Sabíamos que era necessário ultrapassar esse gesto

primordial, pequena façanha individual de um cérebro particular, a multiplicar em

discursos a pequena célula de seis pontos justapostos. O conjunto dos conteúdos

3
Morin trata do problema ao analisar as razões que movem os indivíduos ao conhecimento, muitas
vezes guiados por pulsões, angústias etc. Ele afirma:
[...] O exame desta pulsão conduz, entre outras coisas, ao problema das
obsessões cognitivas, onde se exprimem não só as formas espirituais da
«ansiedade vital» mas também necessidades, carências, angústias.
Ansiedade, carências, necessidades, angustias animam uma busca que
aspira à resposta calmante, tranquilizante, euforizante. A obsessão
cognitiva de um indivíduo corresponde sem dúvida a um complexo
«idiossincrássico» em que interrogações/angústias puderam diversamente
conservar-se ou transformar-se segundo inibições ou sobredeterminações
familiares e culturais, de tal modo que, ao sair da infância, na idade
adolescente, um certo tipo de questões ansiogénicas e um certo tipo de
respostas aliviantes se impõem de maneira imperativa em cada qual.
(MORIN, 1986, p. 123).
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novos, ao qual tínhamos acesso, sugeria-nos perguntas novas à realidade do relevo;

obrigava-nos a retomar do cenário do nosso presente tecnológico o fio que nos

reconduziria ao Braille, para ultrapassá-lo, para reencontrar na sua descoberta uma

fala tátil que preside o ser e o estar dos indivíduos cegos na cultura e que nem

sempre foi compreendida como uma visão legítima do mundo, tanto nas

considerações de senso comum, como no círculo mesmo do debate teórico-

científico. Por conseguinte, nossa espécie de escavação nos colocou diante de um

acervo razoável no que se refere a dados histórico-descritivo-informativos acerca do

código Braille, produzidos em um nicho específico de saber, ou seja, aquele voltado

à problemática da cegueira. Encontramos evocações referentes à profunda

revolução que a escrita em relevo promoveu na vida dos indivíduos cegos. Tal

produção, porém, no nosso entender, achava-se encapsulada em uma ilha de

conhecimento, não havendo estabelecido pontos de dialogicidade com o movimento

científico de um modo mais amplo, a exemplo dos contributos da Semiótica, das

ciências da informação e da Ciências Cognitivas, todas aptas a revelar a

abrangência de tal revolução num circuito muito mais vasto.

Era, pois, necessário transformar aquela espécie de obsessão

cognitiva em construção cognitiva que antes de trazer as respostas aliviantes,

exuma silêncios, evidencia lacunas e esforça-se por complementar o debate

científico revificando a dialogicidade tão necessária ao crescimento do conhecimento

e à sua renovação.

Quando nos encontrávamos na fase de definição do nosso objeto de

estudo e nos envolvia, pois, aquele profundo entusiasmo pelas perspectivas de

análises que esse conjunto de conhecimentos nos incitava a realizar, conversamos

com inúmeras pessoas cegas acerca das novas bases em que fixávamos nossa
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pesquisa. Comumente essas pessoas nos perguntavam que melhorias nosso

trabalho traria para o sistema Braille, ou mesmo para a coletividade cega. Nossa

resposta era sempre desconcertante: o Braille não se tornaria melhor ou pior após a

realização do nosso estudo; nenhum benefício imediato adviria da pesquisa para as

coletividades cegas.

Na verdade, a análise beneficia diretamente o próprio conhecimento

científico. Do ponto de vista do paradigma teórico da comunicação humana, a

análise do canal de percepção tátil propicia um alargamento desse campo de

estudos, porquanto comumente se tem priorizado abordagens voltadas

eminentemente à comunicação visual.

A análise semiótica, por seu turno, ao estabelecer os laços

intersemiósicos entre esse código e os outros códigos da cultura, além de alimentar

o campo semiótico com uma abordagem inteiramente inédita, demonstra a

capacidade de aplicabilidade dessa teoria aos mais variados domínios da sociedade

humana.

Por outro lado, envolvendo toda essa discussão, essa perspectiva de

abordagem do tema recoloca no âmago da investigação uma indagação metafísico-

filosófica: o que vê a cegueira, ou antes, de que modo se constrói a percepção tátil

como uma visão de mundo? Renova ainda o cenário para uma investigação

antropológica e neurocientífica que intente compreender a conquista de Braille, do

ponto de vista da qualificação e do refinamento do seu aparelho neuro-sensório-

motor, ao qual o código em relevo possibilitou a tarefa singular de decodificar o

mundo da cultura alfabética pela via de um código simbólico de leitura e escrita.

Desta forma, o objetivo central do estudo é o de proceder a uma

espécie de resgate da célula Braille do seu nicho original, ou seja, a produção


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marcadamente tiflológica, para apreciá-la à luz de um conjunto de saberes capazes

de guiar-nos em uma nova linha de indagações e formulações sobre este pequeno

retângulo de seis pontos justapostos e suas implicações tanto na vida dos indivíduos

cegos como na cultura de um modo geral. Isto implica dizer que, para além do seu

lugar específico, o Braille necessita ocupar um lugar mais abrangente no âmbito da

cultura, a fim de que se possa tocar nos pontos de dialogicidade, existentes entre

percepção tátil e percepção visual, cujas veias parecem ter sido rompidas, seja por

um flagrante paradigma da disjunção que movimentou a ciência tradicional em suas

abordagens, seja por uma espécie de tendência à normalização que caracterizou o

debate contemporâneo sobre a cegueira, camuflando, por assim dizer, todo um

mundo relevante tátil que preside o ser/perceber/estar desses indivíduos na cultura.

Se a escrita pontográfica constitui-se como o eixo central da

investigação, ao mesmo tempo o código Braille permite que orbitem em torno de si

questões fundamentais acerca de outros aspectos envolvidos na realidade da

cegueira a exemplo da percepção tátil como campo autônomo particular, no qual se

estrutura uma visão diferente do mundo, mas nem por isso passível de exclusão ou

mesmo de inferiorização, tendências alimentadas por uma espécie de cultura

visuocêntrica predominante em nossa época.

De fato, a caracterização da especificidade do ser na cegueira é um

dos grandes desafios deste trabalho, ou por outra, compreender a especificidade da

percepção/atuação dos indivíduos na cultura, este parece ser também um dos

grandes desafios da própria ciência, conforme nos alertam Thompson, Varela e

Rosch:

[...] Se examinarmos a situação atual, com exceção de umas poucas


discussões acadêmicas mais amplas, as ciências cognitivas não têm tido
quase nada a dizer sobre o que significa ser humano em situações vividas
e cotidianas. Por outro lado, as tradições humanas que se concentraram na
análise, na compreensão e nas possibilidades de transformação da vida
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comum, precisam ser apresentadas num contexto que torne as acessíveis


à ciência. (THOMPSON; VARELA; ROSCH, 2003, p. 13).

A metodologia que norteou a investigação fixou-se, fundamentalmente,

em dois tipos de fontes bibliográficas: um acervo histórico que trata do surgimento e

da difusão da escrita em relevo e dados recolhidos em periódicos especializados em

publicações on line, conforme está referido na bibliografia. Para a análise semiótica

aplicada, a pesquisa bibliográfica privilegiou os aportes da semiótica peirceana,

sobretudo a partir dos trabalhos dos seus estudiosos, com ênfase nos trabalhos de

Lúcia Santaella (ver bibliografia).

Se a semiótica de Peirce foi central na análise aplicada ao código

Braille, tomamos de empréstimo também da semiótica da cultura concepções

importantes, a exemplo daquela sobre modelização secundária. Baseou-se, ainda,

esta análise, em todo um conjunto de perspectivas das ciências cognitivas, com

ênfase nas contribuições de Maturana e Varela, embora houvéssemos dialogado

com diversos outros autores, quando precisamos ilustrar ou reforçar alguns de

nossos argumentos.

Ao longo do trabalho, sempre que foi possível, mediante citações,

demos voz ao próprio habitante do complexo tátil, sobretudo quando se tratou de

reforçar a idéia da importância da escrita em relevo na vida dos indivíduos cingidos

pela condição da cegueira. Este foi também um modo de resgatar, mesmo de forma

indireta, vivências, experiências e percepções do próprio sujeito embebido na sua

condição de vida, aspectos fundamentais que muitas vezes a ciência nem sempre

leva em consideração nas suas abordagens.

Para as ilustrações, lançamos mão de visitas à internet, onde

buscamos em sítios especializados, imagens de instrumentos diretamente ligados à

produção do texto Braille. Dificuldades apresentaram-se no momento que


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necessitamos apresentar os pontos Braille e discutir suas nuances e especificidades

enquanto signos táteis. Para que o leitor pudesse ter uma melhor visibilidade dessas

ilustrações, adotamos os processos de digitalização e de produção de símbolos

Braille por conversão por meio da fonte Braille Médio (ver figuras 5, 6, 7 e 8).

De um modo geral, diríamos que o trabalho acha-se marcado por duas

tendências básicas: uma eminentemente histórica, dada à especificidade da

temática; outra teórico-exploratória, evidenciada sobretudo nos capítulos semióticos.

Ao caracterizarmos a escrita em relevo como objeto semiótico,

fundávamos um lugar para a análise dessa temática específica dentro dessa

importante corrente de pensamento. O trajeto percorrido ao longo do trabalho

inaugurou o capítulo semiótico sobre escrita em relevo e percepção tátil, apontou

pistas para aprofundamentos analíticos, ao mesmo tempo que interconectou

relevantes campos de dialogicidade, unindo a temática Braille à problemática da

cognição humana e ao próprio campo da comunicação e da cultura.

Em sua estrutura, o estudo aponta quatro eixos básicos de análise:

1− A abordagem histórica, desenvolvida no primeiro capítulo do

trabalho, onde faremos uma panorâmica contextual do surgimento do código,

estabelecendo a estrita filiação da escrita pontográfica à história da escritura, assim

como restabeleceremos os laços existentes entre o código de Braille e o campo da

comunicação propriamente dito, naqueles aspectos voltados à história dos meios de

transporte e de registro da informação em seus mais variados níveis.

2 − A abordagem semiótica, realizada no segundo e terceiro capítulos,

permite a análise do código Braille, do ponto de vista dos contributos teóricos da

semiótica peirceana, e de algumas das concepções da semiótica da cultura, aptas a


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evidenciar a intersemiose existente entre esta escrita e a escrita convencional.

Caracteriza o código Braille como sistema de tradução intersemiótica, propiciando o

acesso desses indivíduos a outros sistemas de modelização secundária, a exemplo

da arte e, mais particularmente, da literatura.4

Se, nesses quase duzentos anos de utilização do Braille, já é possível

levantar e mapear um capítulo inteiro das regras e estratégias de produção e

distribuição do texto em relevo, do mesmo modo ver-se-á como a abordagem

lingüístico-semiótica pode recuperar, na análise do uso da escrita em relevo, estudos

importantes sobre afasias e outros fenômenos que encontram manifestações nas

formas como os indivíduos cegos apropriam-se da leitura e da escrita.

3 − A abordagem neuro-cognitiva e cultural, explorada no quarto

capítulo, investiga a qualidade da percepção tátil, descontaminando-a de uma série

de visões pré-concebidas, instituídas tanto na cultura de senso comum, quanto no

âmago do debate filosófico-científico. Comenta uma tendência contemporânea que

aparece em algumas das produções científicas sobre a cegueira, as quais tentam

minimizar os efeitos dessa condição sensorial, não reconhecendo a diferença que

preside o ser/perceber/estar desses indivíduos no mundo. Retoma o surgimento do

Braille como uma estratégia que refinou e qualificou esse modo de percepção,

dando maior relevo ao que estamos chamando de mundividência tátil ou

munditactência.

4 − No quinto capítulo, uma última abordagem nos permite retomar o

debate a respeito do tema sob um ângulo novo, avaliando o código Braille no

contexto atual pontuando, mesmo que de modo sucinto, o diálogo desse sistema

com as tecnologias de produção e distribuição do texto. De que maneira as novas

4
Para uma melhor compreensão desta concepção, adotada pelos semioticistas da escola de Tártu,
ver sobretudo o capítulo 3 deste trabalho.
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tecnologias podem representar um estado de transição da utilização do código

Braille como um meio natural de leitura e escrita das pessoas cegas? De que modo

se pode pensar a questão da longevidade do código Braille como um código apto a

atender às necessidades das pessoas cegas, no que toca aos processos de

codificação e decodificação dos outros códigos da cultura?

As questões aparentemente simples contêm pistas para futuras

pesquisas, ao mesmo tempo que exibem o dinamismo e a complexidade de uma

teia de sistemas e significações culturais que se tecem no movimento da própria

vida.

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