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Agostinho, a alma e o preceito

"conhece-te a ti mesmo".

"Não se pode dizer, com lógica, que se tenha conhecimento de alguma coisa da qual se
desconhece a substância. Se ela se conhece é porque ela conhece a sua substância. Se ela se
conhece com certeza, é porque ela conhece com certeza a sua substância."

SANTO AGOSTINHO, A Trindade, livro X, 16 (trad. de Frei Agostino Belmonte, O.A. R.)

No livro X de sua obra De Trinitate Agostinho reflete sobre o significado para a alma da famosa
ordem "conhece-te a ti mesmo".

A alma parece ignorar-se, não saber de si. Mas isso não é verdadeiro. Quando a alma conhece
outras coisas, por esse mesmo ato, sabe que conhece. Ora, o ato de saber que se conhece
não advém do exterior, mas se dá de forma totalmente imediata no próprio ato de conhecer
que se conhece.

Ao conhecer o que quer que seja, a alma sabe, de uma maneira insofismável, que conhece e,
portanto, sabe de si mesma. Conhece a si mesma. No ato mesmo de conhecer, conhece que
conhece e, assim, conhece a si mesma como o conhecedor.

E ao buscar conhecer a si mesma, a alma não se ignora a si mesma totalmente. Sujeito e


objeto são o mesmo. O que busca conhecer é aquele que é conhecido no próprio ato da busca.

Mas, então, qual o sentido do preceito délfico?

Agostinho responde que ele foi dado para que a alma pense em si mesma e, dessa forma, viva
de acordo com sua natureza. Pois coisa diferente é conhecer algo e pensar sobre algo. Um
homem conhecedor de todas as ciências não poderá ser dito ignorante da gramática quando
nela não pensa, ou por se concentrar precipuamente na medicina.

O mesmo com a alma. Ela não se ignora, mas frequentemente não pensa em si mesma. A
alma deixa se governar por aquilo que deveria sujeitar e age como se esquecida de si mesma
justamente porque não toma a si própria como objeto de pensamento.
E qual a razão desse não pensar sobre si mesma? A alma se apega às imagens que guarda
dentro de si dos corpos do mundo externo. Coloca nelas todo o seu amor e como ela as forma
(essas imagens) de sua própria substância, apossa-se delas e nelas se enreda. Acaba por
assimilar-se a elas, tomando como sua natureza aquela dos objetos aos quais as imagens
representam. Daí que muitos filósofos afirmaram ser a alma corpórea, já que as imagens são
de corpos do mundo externo.

Afirma o bispo de Hipona:

"O que existe de mais presente à alma do que a própria alma? Mas como se habituou a colocar
amor nas coisas em que pensa com amor, ou seja, nas coisas sensíveis ou corporais, não
consegue pensar em si mesma sem essas imagens corporais. Daí nasce o vergonhoso erro de
ver-se impotente para afastar de si as imagens das coisas sensíveis, a fim de contemplar-se a
si mesma em sua pureza."

As imagens são obstáculos ao autoconhecimento completo da alma. O único meio de cumprir o


preceito délfico é justamente desapegar-se de tudo aquilo que a ela foi acrescentado, a saber,
as imagens. A alma não deixa de se conhecer, mas, ao apegar-se às imagens, confunde-se
com elas e com os objetos que elas representam.

Na sua imediatidade mais profunda, a alma é anterior a tais imagens e aos objetos externos.
De certa forma, ao confundir-se com elas, a alma desce ao nível daquilo que é compartilhado
até com os animais irracionais.

Que se deixe de lado tudo aquilo que a alma imagina sobre si e se concentre somente sobre o
que sabe com certeza sobre si mesma. O que ela sabe, então?

Sabe que existe e vive. Como poderia saber se não existisse? Como poderia saber se não
estivesse viva? O animal vive, mas não entende. O cadáver existe, mas não vive. A alma
existe, vive e entende. Sabe ainda que quer, que tem vontade. Sabe que recorda, que tem
memória.

Tudo isso a alma sabe de si de forma certa e imediata. É possível duvidar dessas coisas?

"(...) se duvida, vive; se duvida, lembra-se do motivo da dúvida; se duvida, entende que duvida;
se duvida, quer estar certo; se duvida, pensa; se duvida, sabe que não sabe; se duvida, julga
que não deve consentir temerariamente."

Ora, se a alma sabe com certeza tudo isso sobre si mesma, ela conhece sua substância, já
que conhecer é conhecer a substância. Se ela sabe com certeza que é X, X é sua substância e
tudo o que não for conhecido com a mesma evidência, não é a substância da alma.

Dizer que a alma talvez seja fogo não é dizer que, com certeza, ela é fogo. Um filósofo pode
imaginá-la como fogo, mas a certeza absoluta e imediata que a alma tem de si não é igual à
mera imaginação do que ela pode ser. A alma sabe que existe, vive, entende, quer e recorda.
Tudo o mais que não tenha a mesma certeza, é mera imaginação.

Ora, não foram poucos que viram nessa argumentação a origem do famoso cogito cartesiano.
O próprio Descartes teve que se haver com acusações de plágio advindas de seus
contemporâneos.

Embora não seja possível aqui analisar todas as coincidências e diferenças, uma pequena
observação se impõe. A despeito de suas semelhanças, o argumento agostiniano e o
argumento cartesiano partem de pontos diferentes. Descartes toma a dúvida metódica como o
solvente universal de onde só as verdades indubitáveis poderiam emergir incólumes. São
cenários céticos cada vez mais poderosos e abrangentes que separam aquilo que é claro e
distinto daquilo que é dubitável.
É certo que Agostinho defende uma purgação ou purificação das imagens com as quais a alma
se confunde. É certo também que só aparece à alma o que ela é depois desse processo de
separação. Mas isso não se dá sob a égide da dúvida.

É a certeza e imediatidade daquilo que a alma sabe sobre si quando pensa em si mesma que
garantem a indubitabilidade e não o inverso. O mundo externo não precisa ser colocado em
dúvida para se chegar ao que a alma é. Basta que as imagens sejam postas de lado, como
quem retira as camadas de poeira que recobrem um objeto valioso.

Por isso a dúvida só aparece no texto agostiniano parágrafos depois do estabelecimento das
verdades sobre a alma.

São Justino, filosofia e Revelação

"Porque tudo que de bom disseram e acharam os filósofos e legisladores foi por eles elaborado
segundo a participação que tiveram no Verbo, pela investigação e pela intuição. Mas como não
conheceram o Verbo inteiro, que é Cristo, se contradisseram também com freqüência entre si.
(...) Cada um deles falou bem, vendo aquilo que tinha afinidade com ele, da parte do Verbo
seminal divino que lhe coube; mas é evidente que em muitos pontos se contradisseram
mutuamente, e assim não alcançaram ciência infalível nem conhecimento irrefutável. Porém,
tudo que de bom está dito em todos eles, pertence-nos a nós, cristãos, pois adoramos e
amamos, depois de Deus, ao Verbo, que procede do mesmo Deus ingênito e inefável. (...) E
todos os escritores só puderam, obscuramente, ver a realidade graças à semente do Verbo
depositada neles."

SÃO JUSTINO, Apologia II

O filósofo e mártir cristão Justino, morto em Roma provavelmente no ano 165 D.C., lançou as
bases das relações entre a herança filosófica grega e o cristianismo que se desenvolveriam
plenamente ao longo da história do ocidente.

Mente inquieta, na busca pela verdade, freqüentou filósofos aristotélicos, platônicos,


pitagóricos e estóicos sem, contudo, achar em nenhum deles as respostas que buscava.
Segundo o próprio Justino, sua peregrinação teve fim quando, em Éfeso, um ancião lhe falou
sobre Cristo e os profetas.

Embora um sincero convertido, não deixou de ensinar filosofia e, pela primeira vez no nascente
cristianismo, dedicou-se à tarefa de determinar as justas relações entre Cristo e os filósofos,
entre a Revelação e a filosofia.
Ora, para Justino nada do que é verdadeiro pode estar separado, em sua origem, da Verdade
em si mesma que é o Verbo encarnado, Jesus de Nazaré. E uma vez que que tudo o que é
verdadeiro vêm de Cristo e os filósofos disseram verdades, então estes só o puderam fazer por
uma participação na verdade do Verbo.

Tal participação é imperfeita obviamente, pois nenhum deles conheceu a verdade plena, uma
vez que esta só pode ser conhecida pela Revelação. Mas ainda assim, Justino diz, Sócrates
conheceu parcialmente o Cristo, pois buscava a verdade.

Justino pode então afirmar que tudo o que de verdade foi dito pelos antigos gregos pertence,
por direito, ao cristianismo. Se toda verdade procede do Verbo e os cristãos adoram o Verbo
procedente do Deus ingênito, então toda e qualquer verdade lhes pertence. Não há conflito
fundamental entre os filósofos e Cristo. Duas verdades não podem se contradizer.

Por outro lado, os erros dos filósofos gregos lhes pertencem, pois não lhes foi dado a graça
dos profetas que, sem ajuda de raciocínio ou demonstração, conheciam diretamente a verdade
e a transmitiam ao povo israelita. Aristóteles e Platão se contradizem mutuamente? Pudera,
eles não são os profetas! Eles disseram verdades mas jamais souberam A Verdade.

Dessa forma, Justino fornece o critério para o julgamento do conhecimento profano: tudo o que
concorda com a Revelação deve ser assumido pelo cristão como sua herança legítima,
enquanto tudo o que estiver em desacordo com a Revelação deve ser posto de lado. A questão
não é de simples e obtusa rejeição do raciocínio filosófico, mas de uma justa hierarquização
dos saberes.

Pode-se dizer que, ainda que sempre existissem vozes discordantes e hostis à filosofia, a
doutrina de Justino saiu vitoriosa nas complexas relações entre o cristianismo e a herança
grega que se estabeleceram nos séculos seguintes. O testemunho dos gênios de Santo
Agostinho, Santo Tomás de Aquino e outros luminares do pensamento medieval mostrou o
quanto esse diálogo foi frutífero.

Aristóteles, Plotino e Agostinho


sobre o tempo

"É em ti, meu espírito, que eu meço o tempo. Não me perturbes, ou melhor, não te perturbes
com o tumulto de tuas impressões. É em ti, repito, que meço os tempos. Meço, enquanto está
presente, a impressão que as coisas gravam em ti no momento em que passam, e que
permanece mesmo depois de passadas, e não as coisas que passaram para que a impressão
se reproduzisse. É essa impressão que meço, quando meço os tempos."
SANTO AGOSTINHO, Confissões, XI, 27

Aristóteles escreve sobre o tempo no livro IV da Física e lá ele defende que a resposta mais
fácil sobre o tempo, a de que tempo é movimento, está errada. Contudo, o tempo está ligado
ao movimento, mas não se identifica com ele. Isso porque, entre outras coisas, o movimento
pode ser mais rápido ou mais lento e o tempo, em tese, não.

Mas há outro problema. Como para Aristóteles tudo o que é, tudo o que tem ser, é limitado,
como conceber o tempo se ele, em tese, é infinito? O infinito quantitativo em ato não pode
existir, pois seria contraditório algo totalmente atualizado e, ainda assim, infinito, ou seja, algo a
que sempre algo mais pode ser acrescido.

Sobre o infinito Aristóteles afirma:

"O infinito mostra-se, então, algo totalmente diferente do que usualmente se diz dele. Ele não é
aquilo fora do qual não há nada, mas aquilo que sempre tem algo fora de si." (Física, III, 6,
207a)

Ou seja, o infinito não poderia ser um todo, já que, sendo infinito, tem partes sempre sendo
acrescidas ao que ele já é. Não é difícil perceber que Aristóteles está aqui pensando o infinito
em termos de sucessão quantitativa, onde há sempre atualização de potenciais. O modelo é a
cadeia sucessiva dos números que, a qualquer número dado, pode sempre se adicionar um
número posterior a ele.

Todavia, há um erro a ser evitado no entendimento dessa afirmação aristotélica. Ainda que
haja sempre mais uma unidade a ser somada à cadeia sucessiva, isso não significa que a
cadeia seja formada por unidades indivisíveis atuais. A razão é simples. Unidades indivisíveis
são, necessariamente, inextensas e, mesmo quando postas uma ao lado da outra, não geram
uma linha.

Pontos inextensos não têm dimensão e, portanto, não têm partes e, por conseguinte, como
poderiam juntar-se a outros pontos a não ser nas suas partes que se tocam mutuamente?
Assim, entre dois pontos inextensos, logicamente haveria lugar para infinitos pontos inextensos
que jamais se tocariam.

Daí que, ao contrário do que afirmavam os paradoxos de Zenão, as extensões não são feitas
de pontos inextensos, já que, se assim fosse, haveriam pontos infinitos entre quaisquer dois
pontos escolhidos. Toda extensão é "feita" de extensões e pode ser dividida infinitamente em
extensões e só pode ser acrescida à extensões.

Mas, o tempo não é infinito? Então ele não é uma extensão, posto que não tem limites para ser
considerado um extenso. Aristóteles resolve isso mostrando que o tempo é uma sucessão e,
nesse sentido, uma extensão, cujas partes estão em potência, mas atualizam-se. Ou seja, o
tempo é uma extensão potencialmente infinita. Ao contrário de uma extensão qualquer, cujos
pontos potenciais estão todos atualizados simultaneamente, o tempo tem extensão atual
limitada, mas potencial ilimitada.

Assim, o tempo tem ser, pois tem limites, embora sempre ultrapassáveis. De fato, não há como
imaginar um fim para o tempo, nem no recuo no passado e nem na projeção no futuro. Desse
modo, o tempo é limitado, porém potencialmente infinito.

Resolvido o ser do tempo por sua limitação atual e infinitude potencial sucessiva, Aristóteles
mostra que se o tempo é uma extensão, pode ser medido e se pode ser medido é numerável.
Que é medir? Medir é impor sempre de novo um padrão qualquer a uma extensão dada. Como
se mede o tempo? O tempo é mensurável quando se determinam dois "agoras". Toda vez que
alguém diz "agora" e, de novo, repete "agora", ela marca um tempo. Como tempo é extensão,
necessariamente tempo é período entre dois limites.

Em outros termos, tempo é algo que se dá entre dois agoras, dois limites. E, como toda
extensão, seus limites não são, eles mesmos extensos. Por exemplo, penso numa linha
iniciando em um ponto e terminando em outro, então necessariamente seus limites, os pontos,
são inextensos.

Da mesma forma, os "agora" que compõem o tempo são, eles mesmos inextensos. São
instantes sem duração, já que, se durassem, seriam período de tempo. Para que o tempo
apareça, se constitua como ser, é necessário que ele seja um período, uma extensão, e seus
limites não podem ser eles mesmos extensões.

Ora, o tempo acaba se constituindo por aquilo que ele não é, já que os limites, os "agora" não
são períodos, não são tempo. Da mesma forma, uma linha só se constitui como extensão
porque é limitada por dois pontos que, necessariamente, não são eles mesmos extensos.

Isso não entra em contradição com o que é dito acima sobre as extensões não serem feitas de
inextensos? Não, diria Aristóteles, pois uma coisa é o período ou a extensão que, por seu
caráter limitado, implica limites inextensos e outra bem diferente é dizer que os extensos são
feitos de inextensos atuais, ou seja, que uma linha é feita de pontos inextensos.

Em qualquer extensão, posso apontar para qualquer lugar dentro de seus limites e dividí-la
naquele ponto. "Ponto" aí será o novo limite que constituirá uma nova extensão. Mas, com isso,
não digo que a extensão é feita de pontos atuais, ou seja, pontos existentes antes de qualquer
divisão, como partes ou peças que existiam antes de serem juntas em um todo.

Para Aristóteles, dizer que uma extensão é feita de pontos inextensos atuais é hipostasiar,
coisificar, dar substância e independência a algo que não é mais do que um limite possível ou
atual de algo realmente existente.

É claro que a geometria trabalha com pontos, linhas e superfícies, e, em certo sentido, todas
essas entidades só são entidades justamente porque a mente humana as abstrai das coisas
concretas, ou seja, as cria na mente como entes independentes, enquanto no real, elas não
são. Tornar pontos, linhas e superfícies entes reais, separados e independentes seria cometer
um erro categorial grosseiro, atribuindo realidade àquilo que só pode subsistir em entes reais,
como cadeiras, homens, etc.

Voltando à questão do tempo, se ele está intimamente ligado ao movimento, à mudança, e se o


movimento é mensurável, numerável, e se o tempo só surge na limitação entre dois "agora", o
tempo será número de mudança com respeito a um anterior e a um posterior.

Segundo Sir David Ross, o tempo para Aristóteles é número no sentido de ser numerável,
mensurável. Seria o aspecto mensurável do movimento. O tempo seria então a quantidade
advinda pela imposição de um padrão a um movimento qualquer entre dois pontos-limite. A
pergunta é, então, se há movimento quando não há quem faça essa medição. Aristóteles diz
que sim, já que sabemos que há movimento mesmo quando não há quem o perceba.

Plotino critica essa definição de Aristóteles por se ater somente ao aspecto quantitativo-
mensurável do tempo. Antes de ser número de mudança entre dois "agora", o tempo seria mais
propriamente algo mensurado pelo movimento. Isso porque só medimos o tempo a partir de um
outro movimento.

Por exemplo, medimos nossa vida pelo movimento da Terra em torno do Sol. Temos mais ou
menos tempo de vida de acordo com quantas voltas da Terra em torno do Sol testemunhamos.
Ou seja, nosso tempo é resultado da mensuração a partir de um outro movimento tomado
como padrão. Por outro lado, é bom lembrar, o movimento padrão é ele mesmo tempo, pois
pode ser medido por outro movimento tomado como padrão.

No livro XI de Confissões, Agostinho, neoplatônico cristão como é, toma a questão onde


Plotino a deixa, e aprofunda-a numa direção nova, repondo a questão sobre o ser do tempo: se
o tempo é uma sucessão na qual o passado não é mais e o futuro ainda não é, o que é o
presente?
É claro que posso falar do presente de várias formas. Posso dizer: "os jogos estão
acontecendo" e isso será presente por toda a extensão do evento esportivo. Mas, quando
queremos ser mais precisos e dizer o que é o presente, ele vai se reduzindo cada vez mais, de
dias para horas, de horas para minutos, de minutos para segundos, de segundos para
microsegundos até se tornar um instante, nunc stans, sem duração. O "agora" de Aristóteles.

Mas, se é assim, que ser tem o tempo? Ontologicamente, o passado já não é, o futuro ainda
não é, mas o presente não é algo que dure, algo que tenha limites precisos, ao contrário, ele é
o contrário do período, da extensão. Ele é o inextenso par excellence!Sendo assim, há tempo?
É claro que há, pois ninguém duvida que se pode medí-lo. Mas, c'os diabos!, que há para medir
se o passado não é, o futuro não é ainda e o presente é inextenso?

Eis que a solução, a mesma nominalmente que a de Plotino, se apresenta a Agostinho. O


passado é tornado presente na memória e o futuro na expectativa. Ou seja, é na alma que o
tempo torna-se mensurável, já que a alma, por assim dizer, distende-se no passado pela
memória, vive o instante inextenso do presente e espera o futuro. É a atenção distendida da
alma na extensão que vai da memória à expectativa que torna o tempo algo mensurável. O
tempo é uma distensão da alma.

Resta saber se essa alma é a alma individual ou uma alma do mundo, como em Plotino. Disso
depende a objetividade do tempo. Já Aristóteles havia se colocado a questão da objetividade
do tempo, pois se o encaramos primordialmente sob seu aspecto mensurável, fica difícil
escapar da conclusão de que, ausente aquele que mede, o tempo existiria?

Aristóteles decididamente opta pela realidade do tempo independente daquele que o mede, já
que há movimento independente de que o testemunhe e, então, havendo movimento, há
tempo. Agostinho fala certamente da alma individual, mas não pretende que o tempo seja
subjetivo. Há quem defenda que esteja subjacente aí uma aceitação tácita de uma alma do
mundo, como em Plotino. Só ela daria objetividade ao tempo, na medida em que ela distende-
se da "memória" à "expectativa". O tempo seria, assim, o produto da distensão da Alma do
mundo e, como todas as coisas, dela dependeria para existir.

Agostinho, Plotino, tempo e


eternidade
"Não houve portanto um tempo em que nada fizeste, porque o próprio tempo foi feito por ti. E
se não há um tempo eterno contigo, porque tu és estável, e se o tempo fosse estável não seria
tempo."

SANTO AGOSTINHO, Confissões, XI, 13

O livro XI de Confissões pertence ao grupo dos três últimos capítulos da famosa obra de
Agostinho que são dedicados a uma reflexão que é mais característicamente filosófica do que
os capítulos que os antecedem. Neles, o bispo de Hipona pretende meditar sobre os versos
iniciais do Gênesis e, dentro de sua concepção do âmbito próprio da filosofia, utilizar a razão
para compreender, até onde é possível, o sentido das Escrituras Sagradas.

A primeira pergunta que se impõe a Agostinho deriva-se diretamente do primeiro verso


do Gênesis: "No princípio, Deus criou o céu e a terra."

Ora, se Deus criou o céu e a terra, que antes não existiam, então houve um tempo em que o
mundo não existia? Ou, em outros termos, se Deus criou o mundo, que antes da criação não
existia, então que fazia Deus antes de criar o mundo?

Mas, se Deus nada fazia e, de repente, em um determinado ponto, inicia a criação, então Ele
claramente passa por mudança e se passa por mudança, só pode fazê-lo no tempo. A
sucessão de dois momentos distintos, um no qual o mundo não existia e outro no qual passa a
existir, constitui necessariamente tempo,

Deus estaria no tempo? Se Ele está no tempo, então é limitado, já que aquilo que está no
tempo sofre mudança e mudança significa que algo que não era efetivo efetivou-se, passou a
ser.

A resposta de Agostinho é que Deus não está no tempo, logo não sofre as vicissitudes dos
entes temporais. A eternidade não é um mero recuo potencialmente infinito no passado ou um
avanço potencialmente infinito no futuro, como é a eternidade do mundo em Aristóteles.

Dizer que algo é eterno não é dizer que esse algo sempre existiu, que não se pode encontrar
nenhum ponto no passado antes do qual ele não existisse. O mundo bem pode ter sempre
existido, como queria Aristóteles, mas, ainda assim, sempre existiu porque não há um ponto no
passado que não seja antecedido por um ponto anterior.

Para Agostinho, a eternidade não é existir para sempre e desde sempre no tempo, mas algo
radicalmente diferente disso. Longe de ser um gênero de permanência no tempo, a eternidade
é a negação do tempo. Aquilo que é eterno não tem parte no tempo, não é tempo e não pode
ser pensado em categorias temporais.

O que é, então, a eternidade? "Na eternidade nada passa, tudo é presente, ao passo que o
tempo nunca é todo presente."

O eterno é aquilo que não passa, que tem a si mesmo inteiro todo presente de uma só vez e no
qual nada jamais pode se atualizar. O ente temporal sempre está mudando, sempre está se
tornando algo que, de certa forma, não era antes. Ele atualiza-se, para usar a terminologia
aristotélica, atualiza potencialidades, passa constantemente do que não era para o que é
agora.

O ser temporal realiza o que ele é no processo constante e ordenado de efetivação daquilo que
ainda não é e pode ser. O ser eterno simplesmente é, sem nada para tornar-se.

Estudiosos apontam que a resposta de Agostinho pode provir de Plotino, já que o bispo de
Hipona leu o sábio de Alexandria com admiração e respeito. Com efeito, na terceira Enéada,
Plotino opõe o tempo à eternidade e define esta última nos seguintes termos:
"(...) uma vida que nunca varia, jamais se tornando o que anteriormente não era, a coisa
imutavelmente ela mesma, não seccionada por nenhum intervalo. (...) Aquilo que nunca foi e
nem vai ser, mas que simplesmente possui ser. Aquilo o qual possui existência estável, sem
nunca estar em processo de mudança e sem ter jamais mudado - eis a Eternidade. Chegamos
assim a um definição: a Vida - instantaneamente inteira, completa, em nenhum ponto
seccionada em período ou parte - a qual pertence ao Autêntico Existente por sua própria
existência, isso é o que procuramos - isso é Eternidade." Enéadas III, VII, 3

Ora, se Deus é eterno e, portanto, não muda, então a única resposta para a pergunta "o que
fazia Deus antes de criar o mundo?" é a seguinte: Ele nada fazia. Por outro lado, uma vez que,
no caso de Deus, fazer implica fazer uma criatura, que sentido poderá ter a afirmação de que
Deus fazia algo antes de fazer algo?

No capítulo XI, capítulo 6, da Cidade de Deus, Agostinho afirma:

"Pois se eternidade e tempo são corretamente distinguidos pelo seguinte, que o tempo não
existe sem algum movimento e transição, enquanto que na eternidade não há mudança, quem
não vê que não poderia ter havido tempo não tivesse alguma criatura sido feita, a qual por
algum movimento teria dado nascimento à mudança - as várias partes do qual movimento e
mudança, não podendo ser simultâneos, sucedem um ao outro - e assim, nesses curtos e
longos intervalos de duração, o tempo teria nascido?"

Mundo e tempo são intrinsecamente ligados, pois o mundo não é nada mais do que o conjunto
total dos entes que mudam. Há tempo porque há seres que mudam. Por conseguinte, Deus
não podia fazer nada antes de criar o mundo, já que ainda não havia criado o mundo. Mas, na
verdade, nem sequer faz qualquer sentido dizer "antes da criação do mundo", já que só há
tempo no mundo e o mundo implica tempo.

Portanto, a pergunta sobre o que Deus fazia antes de criar o mundo é, rigorosamente, sem
sentido. Mundo implica tempo e tempo implica mundo. O que está fora do mundo não está no
tempo e, obviamente, não pode ser pensado em termos de antes e depois.

Se não há nenhuma criatura cujo movimento possa ser medido, como falar de tempo? Não há
um antes do mundo justamente porque não há um antes do tempo. Há Deus eterno, sem
mudança ou passagem. Há o mundo, cuja existência implica tempo, dado que os entes
mundanos mudam e passam.

Do mesmo modo, não faz sentido perguntar quando Deus criou o mundo. Perguntar quando
Deus criou o mundo é supor um tempo anterior ao mundo e, por conseguinte, um tempo
anterior ao tempo.

Nós, entes temporais, mundanos, só podemos intuir, de forma sempre parcial, fugidia e
obscura, a natureza da eternidade na contemplação do instante, do átimo inextenso que logo
se perde e torna-se tempo. Como indaga Agostinho, "quem poderá deter esse pensamento e
fixá-lo um instante, a fim de que colha por um momento o esplendor da Tua sempre imutável
eternidade?"

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