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OS DIREITOS HUMANOS COMO VALOR UNIVERSAL MARIA VICTORIA DE MESQUITA BENEVIDES “A democracia é um valor histérico ¢ universal", declarava sua- yemente Enrico Berlinguer em Moscou, durante as comemoragGes do 60° aniversdétio da Revolugao Russa. As palavras do clegante lider do antigo PCI, ao contrario do que se poderia imaginar — c apesar de algum constrangimento nos meios soviéticos — nao tiveram maior impacto em seu pais, porque os comunistas italianos ja se encontravam, & época (1977), em franco processo de aggiornamento, ou de "compromisso hist6rica”. No Brasil, essa discussio, provocada especialmente pelo filésofo Carlos Nelson Coutinho com 9 ensaio A democracia como valor universal (publicado em livra em 1980), repercutiu intensamente nos se- tores da esquerda, marxista e néio-marxista, com efeitos nfo apenas no pla- no das idéias como também no campo da militéncia. Coincidiu, alids, com um perfodo de efervescéncia polftica, no qual se destaca a criagio do Parti- do dos Trabalhadores e sua proposta de “socialismo democrdtico", que fompia com os dogmas da velha esquerda e a “instrumentalizagao" da de- mocracia, reavivancdo o debate tradicional entre “liberdades formais e li- berdadles reais". Tais consideragdes vém a propésito do recente livro do diplo- mata J.A.Lindgren Alves, Os direitos humaros come tenia global. A analo- gia parece-me pertinente, Ambos os autores, Coutinho e Lindgren, explici- tam um tipo de reflextio — especifica sobre democracia num caso, sobre direitos humanos, no outro —a partir do reconhecimento de valores histori- | Lindgren Alves, J.A. Os direitos inmnanos como tema global, $30 Paulo, Fundagao Atexan dre Gusmiio / Perspectiva, 1995. Apresentagiio de Antinio Augusto Cangudo Trindade ¢ preficio de Celso Lafer, 180 LUA NOVA N° — 9 camente siluados, pois herdeiros fidis da Revolugao Francesa, porém enten- dides como valores universais. Ou seja, os valores liberdade, igualdade e fra- ternidade -— ow solidariedade —- sio valores histdricos e, ao mesmo tempo, universais. No primeiro caso. tata-se de reconhecer a democracia como um valor em si, através da adesdo aos direitos iduais, is liberdades funda- mentais ¢ a0 pluralisino politico, além da exigéncia da igualdade sécio- econdmica c da solidariedade, to justamente caras a tradigéio socialista. No segundo caso, trata-se do reconhecimento da dndivisibilidade das direitos huumanos, ou seja, da imperiosa complementaridade entre direitos civis © politicos, direitos sécio-cconémicos ¢ direitos culturais. Nos dois casos observa-se uma ruptura expressiva com a re- flexiio e a pritica — politica ou diplomatica — alt entao precdominantes. No campo das esquerdas, a ruptura é bvia em relagdo as opgdes pelos di- ver'sos matizes da via leninista. No campo do debate oficial sobre os di tos humanos (ou seja, aquele que expde gavernos, ¢ nio as entidades de ativi ou ONGs), a ruptura é visivel na corrosio da idéia, ainda indis- putdvel, da soberania absoluta dos Estados, mesmo em questGes considera- das, desde a Deelaragdo de 1948, de "natureza universal" ‘a ruptura re- vela, sem dtivida, o grande significado que encerra a postulacio de wm valor universal — tanto para a idéia de democracia quanto para a idéia de direitos humanos. E vale a pena enfatizar, seguindo a mesma analogia, o reconhecimento, por consenso da comunidade internacional durante a Conferéncia de Viena, em 1993, da necessdria inter-relagao entre direitos humanos, democracia e desenvolvimento. Nao por acaso, a Declaragiio de Viena é © primeiro documento da ONU que consagra, explicitamente, a democracia como o regime politico mais favordvel a promocda e a protecdo dos direitos Iutmanes. Lindgren Alves esereve da perspectiva da diplomacia multilate- val ~- © que significa levar obrigatoriamente em conta inleresses geo- politicos, posigées governamentais e juridicas, além da precisio nas infor- magées sobre tratados, convengdes, alinhamentos ¢ realinhamentos em determinadas conjunturas regionais ¢ mundiais. O acompanhamento dessa exposicao exige do leitor um mfnimo de conhecimento sobre nossa historia lomitica, pelo menos desde a Guerra Fria. Mas o grande mérito deste livro é trazer para o conhecimento é o debate mais amplo a temética, de crescente relevincia, sobre @ insergiio brasileira no plano internacional da promogio ¢ protegio dos direitos humanos. O novo e alvissareiro dado é que tal insergao niio se di apenas com nosso pais sendo a parte “cobrado- ra” (frente, por exemplo, & supremacia do Primeiro Mundo), ou, como ocorre com freqiiéncia, sendo réu de graves violagées de clireitos humanos. Nilo é seu objetivo fazer um inventério de uossos crimes, j& muilo conhe- OS DIREETOS HUMANOS 181 cidos, mas Lindgren refere-se, por exemplo, as trigicas dentincias sobre wabalho escravo; assassinatos de criancas, de indigenas, de trabalhador is ¢ seus defensores; tortura e massacre de presos; grupos de ex~- terminio; racismo e discriminagées diversas; devastagfio do meio-ambiente elc, que siio, desgragadamente, as principais noticias do pais no exterior. O dado novo ¢ alvissareiro, insisto, é a inserefio do Brasil como parte "propositora” (sem de de ser cobradora ou ré, em oulras oca- sides), na medida em que nossos representantes vém participando ativa- mente das reunides e deliberagdes da Comissfio de Direitos Humenos da ONU. Participagdes que contaram, alids, com a presenga lticida do autor, como na tltima Conferéncia de Viena. Nesse scntido, 0 livro é util nao apenas para os estudiosos de area juridica ou diplomitica e de nossa historia contemporinea, mas para politicos —- governattes © represen- tantes — ¢ para os membros das virias organi#agdes de defesa dos direitos humanos. Como militante da Comissao Justiga e Paz incluo-me entre estes lltimos, os quais, como diz o autor, somos obcecados por uma ética de principios, "naturalmente imaximalistas ¢ imediatistas”, atuando “com outras dificuldades, no raro mais dramaticas, mas sem Os constrangimen- tos inerentes ao exercicio da diplomacia" (pag. XLID. O que nfo nos im- pede, é claro, de perceber a importéncia da atuagio politica ¢ diplomatica bras ‘a, quando apgiada nos principios baseados naqueles valores uni- versais consagrades em Viena. Um lutador da causa, como Paulo Sérgio Pinheiro, tem acompanhado essa atuag%o e testemunhado seus avancos, embora em neahum momento esmorecga o grau das dentincias e de seus “escritos indignados". Consideragdes pessoais & parte, o que signica discutir direitos humanos como um “tema global"? Significa, noe plano das idéias, a adesdo aum campo comum de valores que — independentemente de quaisquer varidveis, individuais ou coletivas, decorrentes de sexo, raga, etnia, nacio- nalidade, religiao, nivel de instrugdo, julgamento moral, opgio politica ¢ classe social — definem a inumanidade, a dignidade de iodo ser humano. Tais valores tanscendem, hoje, o quadro histérico do anticolonialismo ¢ do anti-racismo (embora os incorporem, é evidente), além dos direitos & das liberdades j4 consagradas no liberalismo classico, para abranger o di- reito & paz, ao desenvolvimento, A cultura, 4 postulagdo de uma nova or- dem politica ¢ cconémica mais solidiria, De certa forma, a dignidade do ser humano esta implicita na afirmagio singela, porém seminal, de Hannah Arendt, sobre o direito a ter direitos. Creio ter entendido, a partir do texto, que falar em “globalizagio” dos direitos humanos é a mesma coi que situd-los como "um tema global". A globalizagfio (termo tio usade hoje, no campo das relagGes comerciais) pode significar, por exemplo, a

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