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| VERDADEIRO
M E T O D O
D E E S T UIDA R,
P A R A

Ser util à Republica, e à Igreja:


PROPOR CIONA DO

Ao etilo, e necefidade de Portugal.


E X P O S T O

Em varias cartas , e/critas polo R. P. « * * Barbadinho


da Congrega/am de Italia , ao R. P. * * *
Doutor na Unizer/idade de Coimbra.
TOMO PRIMEIRO,

V A L E N S A
NA O FICINA DE ANTO NIO BA L L E .
ANO MDCCXLVI.
1. COM TODAS AS LICENSAS NECESARIAS, &c.
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AOS R EV ER EN D IS IMO S

PADRES MESTRES,
DA VENERAVEL RELIGIAM DA COMPANHIA
DE JEZllS.

No Reino, e Dominio de Portugal.


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•• … * .* .

A NTONIO BA L L E
OBZEQUIOZAMENTE SALIDA..
JAIEM à luz, Reverendi/imos Padres , as cartas
3, eruditas , de um autor moderno : as quais até
# agora corrèram manu/critas, por algumas maons:
#…mas chegando às minhas, e conhecendo eu, que
# podiam utilizar a muitos , me-revolvi impremi
| las . O argumento delas é efe. Certo Religiovo
1 da Univer/idade de Coimbra , omem mui douto,
como mofira nas fuas cartas; pedio a um Reli
giovo Italiano, feu amigo, que vivia em Lisboa s que lhe-dºje al
gumas infrufoens , em todo o genero de efludos , O que o dito
Barbadinho executa , em algumas cartas : explicando-lhe em cada
uma , o que lhe-parece : e acomodando tudo, ao efilo de Portugal.
Efe autor efcreveo-as, fêm nem menos fig|peitar , que fe poderiam
impremir : como confia de alguns periodos deflas, que nam impremi;
e de outras que confervo, em que declara com mais individuafam,
o motivo defla conre/pondencia : e explica varias coiRas , que aqui
nam fe-acham. Onde, para confolar o dito autor » que nam fei fe
ainda vive, e fazer o que dezejava ; nam impremi fenam as que
me-pareceram necefarias : e ainda nefas ocultei os nomes dos conref>
pondentes, e de algumas pefoas, que nelas Je-nomiavam : parecendo
me jufo e devido, nam revelar os Jegredos, des conrepondencias par
ticulares: principalmente, quando podia confeguir o fim, de utilizar
º Publico, fêm prejuizo de terceiro. As cartas encadeiam tam bem
"mas com outras, que fe-podem chamar, um metodo completo de e/º
tudos. podem fervir para todos; mas e/pecialmente
(2 2
A………… 43 3
das, ao efilo de Portugal : pois efie era º fim do autor. Trotefia
ele nas me/mas cartas ineditas , que nam dera em varias coizas,
melhor metodo 3 porque temia , que o feu amigº mo/tráfe as cartas,
a pejoas preocupadas : as quais nam fariam nada , Je lhe-acom/elhá
fè tudo , o que praticam em outros Reinos : e que por i/o fe-aco
modava ao goflo, do paiz em que efiava . E nam ce/ava de enco
mendar-lhe , que as-mam-lefe a omens, que interpreta/em mal as fitas
palavras ; e as-aplica/em » a outro /entido.
E querendo eu agora impremir efias cartas , a quem as-devo
dedicar, fenam a VV. RR. ? Prezumo, e com muita raçam º que fê
o autor ouvèfe de publicar efies e/critos , a ninguem mais os-ofere
ceria , que a efa fagrada Religiam : vifo mofirar a cada pafo , o
re/peito e venerafim , que lhe-prof/ava . E fendo eu nam menos
propen/0 , e obrigado a toda a Companhia ; quero tambem mofirar
lhe o meu reconhecimento, nefa pequena oferta . Se a minha pofi
bilidade defe mais, mais faria : mas as forjas nam, conre/pondem aos
dezejos : e VV. RR. coflumam eflimar mais a vontade , que as
ofertas . Alem difo , por todos os titulos deviam efas cartas , fer
confagradas ao feu nome . Sam VV. RR. aqueles , que só podem
ajudar , os pios dezejos defle autor : aqueles , que só tem forfas,
para fo: e finalmente aqueles, que mais que ninguem dezejam, o
adiantamento da Mocidade, e fê-can/am, para o-confeguir . Acre
cento , que o autor confefa , que tudo aprendèra º com a dire/am
defaos Rou a, polos s ,autfe- s -de
orelhe r. no a dizer , por
"tod os pet
titulose efle feuros
s liv dedºicator
. Evemafim •

". . Quam oportuna ocaziam fe-me-oferecia agora, de referir os louvores


defa veneravel Religiam, fe a modera/am , e umildade de VV. RR.
nam me-tapá/e a boca! quem tem dado mais, e mais ilufres eferi
tores a efe Reino, que a Companhia ? Quem tem promovido com mais
empenho os efludos , que os Jeus mefres ? Onde florecem as letras
com mais vigor, que hos feus Colegios ? Que omem douto tem avi
do em Portugal, que nam bebè/e os primeiros elementos, nas e/co
las defa Religiam ? Nam leio as iforias defe Reino , e Conquifas •
que nam veja a cada pafo, exemplos memoraveis , da grande pie
dade, da fuma erudifam, do inexplicavel Relo dos feus ReligioRos!
KV, RR, que abriram no-Oriente as portas , ao Evangelho", tem
- trabalhado com tal empenho , na vinha do Senhor ; que fe conta
mos fomente os Povos convertidos, tem conquifado para a Fé , e
tambem para o Reino , imperios va/lifimos . Nem fei a quem atri
bua maior gloria : fe às armas vitoriozas dos Portuguezes , no
Orientes fe às pias exortafoens, e fadigas , dos feus Mihonarios .
Mas fe é mais gloriozo o triumfo, que /e-confegue fem fangue º Jo
- -, /1767710
mente com a forfa da eloquencia , fem prejuizo dos Povos , e co"
grande utilidade da Republica : ficam VV. RR muito mais glo
rioços , que os mefinos ilufires Generais Portuguetes , pois confe
guiram a vitoria, nam dos corpos, mas dos animos . Vencèram VV.
RR. nam derramando o fangue dos outros , mas º proprio : e com
ele efcreveram o feu nome, nam só nos livros da fama , e deflas
ifiorias caducas ; mas no-me/mo livro, da-vida : e levantáram um
padram naquela patria, em que as virtudes fe-efimam a premeiam
je dignamente os fervifos : e a gloria dos vitoriozos nam morre .
Nam me-volto para a Africa, para a .America , que nam veja os
Religiozos da Companhia, convertendo os idolatras , ajudando os fi
eis, enfinando a todos. Ai mefino em Portugal , quem á que nam
feia obrigado, à Companhia; e nam experimente os influxos , defa
benigna Religiam ? Quem ja mais chegou , a uma das catas defa
Religiam, para bufcar um confefor, a qualquer ora da noite 3 que
nam ficáfe confotado ? um Pregador, para qualquer feflividade , que
nam foje obedecido, ainda fêm intereje ? quem foi pedir confelho ,
em materias de conciencia , que nam tivefe promta refpofia º quem
quiz um parecer efcrito , em qualquer materia que o-quize/e 5 que
nam torná/e fatisfeito ? Se olho para as prizoens, vejo os Religio
gos da-Companhia confolando os aflitos , procurando os livramentos,
confe/ando, e confortando a todos. Se olho para as prafas, e ruas
publicas, vejo os mefinos Religiozos, doutrinando os ignorantes, ex
citando a emulafam nos-meninos , atraindo com fuave maneira os
que pajam, para ouvirem a verdade Evangelica . Se olho para as
igrejas , vejo-or frequentes no confefionario , exortando os fieis em
dias determinados , exatifimos nas funfoens divinas , que celebram
com toda a magnificencia , e devo/am . Se olho para as e/colas ,
veio-os enfinando aos meninos com grande amor, e paciencia , nam
só as letras, mas a piedade, que em toda a ocaziam lhe-infpiram.
-4s. me/mas portarias das fitas cazas , enfinam com o exemplo ; nos
muitos martires, e doutos , que nelas vemos pintados ; que muda,
mas eficazmente perfuadem, Jeguir a mefina efirada : e enfinam com a
doutrina , nos livros que nelas incontramos, que fuavemente inclinam
a vontade , para abrafar a vida perfeita . Finalmente fe olho pa
ra qualquer Religiozo da Companhia , , vejo o retrato da continen
eia , da moderafam, da manfidam , da afabilidade , do re/peito:
coizas que me-infundem um fagrado terror. Bemdita Religiam , em
que o Prelado nam fe-diflingue do Sudito , fenam em ter mais
trabalho, e fuportar o peço, do governo economico . Ninguem afpi
ra aos governos : ninguem bufêa meios de confeguiles : final certo,
que fe-adminifiram com os olhos em Deus, e na fita obriga/am. Nas
a 3 á dif
á difiinfam de magiferios: nam á izenfam de graos . O mefino que
enfima a Teologia na cadeira, enfina o catechifmo nas prafas : o mef
mo que confe/a os Grandes, confefa os Pequenos : o me/mo Prelado
que manda aos mais, obedece, e ferve nas ocazioens a todos . Fi
nalmente todos confiram, para dar gloria a Deus, utilidade ao pro
ximo, e fervir no que podem à Republica. \

Nam quero trazer à memoria, o que efa fila Religiam tem fei
to, e faz, mas mais partes da Europa Catolica . Deixo de parte »
a inviolavel uniam que fempre teve , com a Sé Apofiolica : e as
perfiguifoens, e cenjuras criticas, que tem fofrido por eja cauka. Nem
menos falo na gloria, que reçulta à Companhia , de ver que tantas
Religioens, e Congregafoens, que Je-fundáram de/pois dela, todas a
tem tomado por treslado: e nam julgam merecer com jufifa , os lou
vores dos omens pios, fenam quando fe-avizinham mais, ao feu inf>
tituto . Efle é um milagre continuo daquele bemaventurado e/pirito,
que la no-Geo eflá fempre pedindo a Deus, pola propagafam, e au
mento da Religiam que ca deixou : unir tantas vontades, para imi
tarem uma Religiam , , que nam conta longa Jerie de feculos, mas
que é a mais moderna , entre as famoRas. Nam, nam quero refe
rir mais fingularidades . Intraria na verdade em uma materia vafº
tifima , que me-daria argumento, para muitos e dilatados panegiri
cos ; mas excederia os meus limites . Só confidero , o que fax em
portugal , e o que pratica no feu dominio . Efias coizas ocupan
de forte a minha ideia, e admirafam, que me-nam-permitem confi
derar o demais, aindaque feja grande e fingular. Nem tem que me
dizer, que as outras Religioens fagradas todas fê-can/am em obxe
quio da Igreja : enfinam muito, e edificam muito . Confefo, que to
das tem as fuas fingularidades : todas merecem fêr louvadas : to
das dam gloria a Deus , e fervem à Igreja : mas cadauma no
Jeu genero . Nam 'vejo alguma , que tenha todas as prerogativas,
que fe-acham juntas, na Religiam da Companhia : e que as-pratique,
nam por vaidade, nam por outro interefe mundano ; mas por amor
de Deus, e por caridade do proximo . Efiam todos os Portuguezes
tam perfuadidos, defla verdade, que quem quizefe dizer o contra
rio , feria publicamente efêarnecido. Os mefinos Monarcas de Portu
gal, que Jabem juflamente eflimar a virtude; nam coflumam intre
gar, a dire/am da Jua conciencia, fenam aos Religiokos da Compa
nhia. Defde que VV. RR, intráram nefes Reinos, confpiráram todos
efes soberanos a reconhecêlos, como prudentifimos diretores» da con
ciencia dos omens : e por ifo os-elegèram , para feus Confefores . Os
Principes, a Caza Real, os Grandes, a maior parte dos omens de
letras, e empregos, todos praticam o mefmo . Nam é pofivel } que
C
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fe-inganem tantos omens, de diferentes gerarchias , e de incontrados


interefês, fem que os-obrigue a experiencia , e a verdade. Em to
dos os feculos, e entre todos os omens de juizo , o confenfo de to
dos, foi argumento irrefragavel, da evidencia. Todos os omens pru
dentes louvam a VV. RR. todos os-engrandecem , todos os-bufcam, to
dos fe-fervem das fuas prendas , e virtudes : E afim Jam VV. RR.
tais como eles intendem . - -

Mas eu PP. RR, ja fai fóra do-meu argumento . Comefei uma


carta, e acho-me engolfado em um elogio : cai naquilo mefino que
dezejava evitar. Nam fei fe ofendi a fua modera/am , com as mi
nhãs exprefôens : que é verdade que nacem do corajam, e fim pro
feridas com toda a finceridade , de um bom amigo ; mas emfim fam
elogios. Nam obram VV. RR, polos louvores : mas por um fim mais
alto, mais grande, mais admiravel. Nam obram bem para o-pare
cerem, e paraque todos o-conhe/am; mas porque o feu inflituto afim
obriga : afim foram criados : vivem perfuadidos difo mefino : e nam
podem obrar de outra forte. Efe é º elogio, que aquele encarecido
Romano (I) deu la, ao feu Catam llticen/e, com adula/am excefiva :
mas que eu intendo, que só fê-pode aplicar a VV. RR. nam com li
zonja, mas com verdade notoria 3 porque o-digo publicamente, e a
todo o mundo. Afim é, nam obram bem os Religiozos da Companhia,
para agradar ao mundo, e confeguir os feus louvores: e dejando eu
fazer-lhe a vontade, nam devo opor-me aos feus dezejos. Verdade é,
que falando defa Religiam , dificultozamente podia deixar de expre
mir, alguma coiça do que intendo. Mas VV.R.R. nam mo-permitem;
eu me-defdigo, e dou por nam dito, quanto até aqui tenho fignifica
do . Só digo, que lhe-oferefo, e dedico as cartas de um autor, que con
forme julgáram os omens doutos, que as-lèram, conheceo o verdadeiro
modo de efludar : e para o-confeguir, deu excelentes doutrinas : e quem
as-ler com animo dezapaixonado, e tiver voto na materia, achará ne
las tudo o que é necefario, para aquifiar o bom gofo literarios que
ro dizer, um juizo critico, que enfine abrafar fomente º que fe-deve,
em todo o genero de efludos ...Acho melas algumas vezes, certas pa
lavras , e diverfidade na uniam dos-Pronomes , e outras particulas
com os Verbos circ, conforme o idiotifmo Italiano; que o autor pode
fer que mudá/e , fê lhe-puzefe a ultima mam : porque me-parece ,
que era bem informado da-lingua Portugueza, e nam pecou por-igno
rancia . Mas fe nelas á algumas coizas que emendar, e acreceutar,
quem melhor o-pode fazer , que Vy. RR. Comque ponho-as nas Juas
maons , e oferefô-as ao feu criterio : e só direi o que me-pertence »
º cerca da pregente edifam.
O all
(1) Velleio Paterculo.
O autor Jegue uma Ortografia particular, (que eu, movido das
me/mas raçuens, abra/ei ) e que ainda nam efá bem recebida, ne
fe Reino : e afim para nam parecer novidade , ferá precizo ler as
cartas, como /e-acham impre/as : ob/ervanda bem a primeira, na qual
dá raçam, da fua Ortografia . Mas como em outras cartas explica
varias coiças, que aqui nam /e-acham ; devo declarálas, paraque os
leitores formem conceito, das opinioens do autor. Em certa carta, ef>
crita entre a primeira, e fegunda do primeiro tomo, diz, que nam
olfiante que disèle (1), que a linha Je-pode pór entre as difoens, pa
ra evitar os equivos: v.g. na particula por , quando fignifica cauza,
para a-diflinguir do-verbo pôr: ou tambem nas particulas no, do,
da; para as-diflinguir dos fuflantivos nó, dó, e do verbo, dá, dás:
Contudo obfervando ao depois , que podia embarafar os principian
tes, ver as linhas nefas particulas, que fam frequentes; julgára mais
acertado, tirálas das ditas particulas : como tambem de todas as termina
foens plurais dos verbos : v.g. difera-mos, amaria-mos, quizer-mos, fi
zer-des c; c. pola raçam que eflas termina/oens fam mui frequentes, e
todos as-intendem mui bem . Acrecenta , que tambem nam fe-deve
por, naquelas palavras e verbos, em que Je-acrecenta uma letra,
para evitar a uniam de vogais, que fa/am equivocos . v.g. fazela,
Tuando vale o mefino, que fazer-a, ifo é, fazer efa coiza . Tam
bem quando fe-introduz o pronome no verbo: v. g. dirmeám , que
vale o me/mo que º diram-me : falosia, obrigalosia, que muitos e/-
crevem mal afim ; falofia, obrigalofia: porque a dita palavra com
poem-fe defias : faria-os obrigaria-os : acrecentando um l, para fa
3

cilitar a pronuncia das-vogais : onde feparando, ia, feparam uma


parte necefaria da palavra , e fazem erro. Nefles caços diz, que
bafia o acentº em fazêla , dirmeám, obrigalosia. Aindaque na pri
meira e Jemelhantes, quando Jam imperativos, faze-la, quere-la & c.
que valem, faze-a; quere-a. ; nam reprova que fe-ponha a linha,
para mofirar que é efdruxola , e que fe-pronuncia diferentemente 4
Afimque para facilitar a Ortografia, fomente deixa as ditas linhas
mefles caços. I. Na uniam dos pronomes com os verbos, ou das par
ticulas que fervem de pronomes , e fam diferentes das terminafoens
dos verbos : v. g. fazemos-lhe, lhes-fazem, nos-dizem, dizem-no º
o-dizem, as-querem ; II. Nos verbos impefoais, que unem com o re
ciproco : fazem-fe, chamam-fe, fe-nam-fazem : ou tambem neftes 3
nos-explicarmos, nos-virmos crc. e outras unioens fêmelhantes: co
mo no verbo á quando une com a particula fe : porque fempre fê
pronuncia unido: fe-á-de , ám-de & c. Tudo iflo advertira confuza
mente, no lugar apontado: mas aqui o-explica melhor. E com efei
- • t0
rõ tendo efêrito com as linhas, as primeiras trez cartas, nas fºguin
tes obferra as regras, que aqui dá . E devendo eu , ou tirar as
linhas de todas, ou polas em todas, para proceder coerente ; fegui
efia fegunda parte : aindaque em algum ptural de verbo, alguma
vez a-nam-puz. A quem nam agradar, obferve as regras que o no
fo autor dá; que eu tambem obfervo.
JAdverte na mefina carta o autor, que feria utilifimo , que os
omens doutos, feguindo a regra da pronuncia, puze/em i em muitos
verbos, e nomes que deles nacem, que fe-pronunciam geralmente com
i; e nam fe-podem pronunciar com e, fem fe-esforfar: v.g., empref>
tar, engrandecer, envergonhar cºrc. Diz porem, que ele só o-pra
ticou em poucos, e mais comuns, v.g. intrar, incontrar, inganar,
intender, ingenhar, importar, informar, e algum outro rarifimo.
O que fez , para nam e/candalizar de um jato os leitores , pouco
informados deflas coizas: mas acon/elhava, que pouco a pouco fe-in
troduzi/em com i. Como tambem fe-e/creve/em com e, alguns infinitos,
v. g. admetir, permetir, deferir, crc.nam obfante fe pronunciarem
com i, os prezentes & c.
Em algumas partes, de duas ou trez palavras compoem o autor
uma só: damefma, contantoque, namobitanteque. Outras vezes ef>
creve-as feparadas: com tanto que, nam obtante que, &c. o que
eu confervei na imprefam. Mas diz o autor que o-fez , para mofº
trar , que fe-podem unir, e feparar, como cadaum quizer : O que
fazem os feus Italianos, em varias palavras : e os me/mos Latinos em
Paulo minus, nihilo minus, quam ob rem, et enim é c. que efe
crevem ou feparadas, ou juntas, como lhe-parece mais elegante. Mas
o nojo autor comumente efêreve-as unidas.
* Algum erro de Ortografia fegundo os tais principios , fe-come
teo nefta edifam : o que moralmente nam fe-podia evitar, nam fendo o
me{mo autor, o que correge a imprefam. Efies parece-me que /è-podem
reduzir, a varios capitulos. I. Puzeram algumas vezes acento agudo,
em lugar do grave; e polo contrario : o que o autor diflingue mui bem.
II. Falta o acento em algumas palavras, em que o autor cofluma po s
lº, ou para evitar equivoco, ou para facilitar a pronuncia: v. g.
feria , verbo; e feria adjetivo: cfcrevêram, preterito remoto; e ef
creverám, futuro : fórma, nome da efcola ; e forma, nome de ar
tifice : circ, aindaque nefle particular o contexto, comumente tira o
equivoco. III. Acha-fe alguma linha, em parte onde nam devia 3 ou
falta onde devia : mas fam caços mais raros. IV. Varias vezes efere
"eram i, por e, em admitir, defirir, prefirir , permitir cyc, que
º autor fempre efêreve por e, admetir & c. conformando-fe, fºgun
" - •
o # flº
do diz, com a pronuncia comua, e facil, que fempre exprime }'(171010
rando em bem poucos. Polo contrario puzeram tambem e por i, em inga
no , incontrar, intrar, inganar cºc. que o autor fempre efêreve por i,
pola me/ma raçam da pronuncia . V. Falta alguma virgula onde devia ef>
tar, fegundo os principios do autor : e alguma fe-acrecentou. VI. Divi
diram algumas palavras mal no-fim das regras : v. 8. min-ha, con
hefo, mel-hor, ba-fta, &c. devendo porem o n, e 1 das primeiras
unir-/e com h ; e o s da Jegunda com o a . Em inco-gnito, per-ípeti
va, e outras poucas que tem origem Latina , ou /am quaçi Latinas 3 in
tendo que è melhor, dividilas nefa fórma, Jeguindo o efilo Latino.
Éfles erros fucederam mais frequentemente, nos principios de am
bos os tomos , que fe impremiam juntos : tempo em que o corretor
mam tinha toda a noticia , da Ortografia do autor . Mas como os
ditos erros nam pervertem o fentido do-difcurfo , por ifo os-nam
apontei nas erratas : E afim só apontei aqueles, que me-pareceram
que mudavam o fentido , ou {', eram totalmente contrarios, ao ef>
tilo do autor, ou comum da dita lingua. Com as reflexoens que aqui
aponto, pode o leitor cortez emendalos, quando sincontrarem : tendo
à vi/la efia regra : Que achando-fe diverfidade em alguma palavras
que às vezes tem uma letra, e n'outras ocazioens letra diferente 3
obferve o que é mais frequente ; e faiba, que ifo é o que o autor aprova.
JAdvirto alem difto, que os que impremiram o primeiro tomo»
nam tinham Ul vogal main/colo pequeno, e afim ferviram-/e defº
te U, para vogal ; e defioutro V, para confoante . No Jegundo
tomo comumente fe-difiinguem na figura . Tambem advirto , que
a minha imprenfa nam tinha efias duas linhas = , para por no
fim da-regra , na divizam forfida das-palavras : ( o que feria ne
cefario para diflinguir, o que o autor aponta, na primeira carta)
e afim puz fomente , a linha fimplex. o que advirto ao leitor, pa
raque nam efiranhe, faltarem aquelas duas linhas, que o autor en
comenda , e pratica : aindaque com uma só linha , muito bem fe
conhece, e diflingue o fentido. Finalmente advirto » que puz alguns
titulos das materias, no corpo de algumas cartas. v.g. na da Gra
tica, Medicina , &c. o que fiz , para facilitar a inteligencia aos
leitores, e diftinguir as materias. Ifio é , RR, PP, o que tenho que
advertir nefia carta, fobre a impre/am, e inteligencia das-ditas car
tas. O mais que fe-contem nelas, compendiei nos-fumarios, que puº
no principio de cadauma , e tambem fe-acham no-Index , de cada
tomo. Nem me pertence amim formar juiço delas , quando as-oferefo
a pefôas tam doutas , de quem eu devo receber os ditames - Onde
acabo a prezente carta , repetindo de novo a VV. RR. a venerafam
que lhe-tenbo , e dezejando-lhe as maiores felicidades , e a toda a
Jua Religiam .
IN
I N D E X
Do que contem as Cartas do primeiro Tomo.
C A R T A I.

Otivo defla conre/pondencia : e como fe-deve continuar. Mof


tra-fe, com o exemplo dos Antigos, a necefidade de uma Gra
matica Portugueza , para comefar os efludos. Dá-fé uma ideia, da
melhor Ortografia Portugueza: e refponde fe aos argumentos contra
rios. Que o Vocabulario do Padre Bluteau fe-deve reformar , para
utilidade da Mocidade. Pagina I.
- C A R T A II. .
D* que rexultam da Gramatica Latina , que comumente fê
enfima . Motivos porque nas e/colas de Portugal, nam fe-me
lbora de metodo - Nova ideia de uma Gramatica Latina facilifina,
com que, em um ano, Je pode aprender fundamentalmente Gramati
C4 C) C. Pag. 59.
C A R T A III.
Buzos que fe-introduziram em Portugal, no enfinar a lingua La
tina. Mao modo que os mefres tem , para infruir a Mocida
de . Propoem-/e o metodo, que fe-deve objervar, para Jaber com fun
damento, e facilidade, o que é pura Latinidade . Necefidade da Geo
grafia, Cronologia, e Ifioria, para poder intender os livros Latinos.
. Apontam-fe os autores , de que os mefres fe-devem fervir na Lati
nidade : e como devem fervir-fe deles; e explicálos com utilidade : e
as melhores edifoens . Aponta-fe o modo de cultivar a Memoria , e
exercitar o Latim nas e/colas. PaS-74
C A R T. A IV:
Ecefidade das linguas Orientais, principalmente Grega > e Ebrai
ca, para intender as letras limanas : mas muito principalmen
te , para a Teologia . Modo de as-aprender . Ultilidade da lingua
Franceza, e Italiana, para fer erudito com facilidade, e Jem defº
peça. Pag. I 12
C A R T v.A
D^{ da utilidade , e necefidade da Retorica. Mao metodo }
com que fe-trata em Portugal . Vicios dos Pregadores 3 que
fam totalmente ignorantes de Retorica. Que ab/olutamente deve dei
xar o antigo
go eftilo,
eftilo , quem quer
q /aber Retorica - CAR
Pag-I24
C A R T A VI.
Ontinua-fe a me/ma materia da Retorica. Fazem-fe algumas refle
xoens, fobre o que é verdadeira Retorica, e origem dela . Que
coiza Jejam figuras, e como devemos ugar delas. Dih erfidade dos e/-
tilos , e modo de os praticar : e vicios dos que os-nam-admitem , e
praticam. Qual Jeja o metodo de perfuadir. Qual o metodo dos pa
negiricos, e outros fermoens'. Como fe-deve enfimar Retorica aos ra
pazes» e ainda aos mefires. Algumas reflexoens, Jobre as obras do
Tº. Antonio Vieira . Pas- I 53 •
C A R T A VII.
.Ala-fe da Poezia. Os Portuguezes fam meros ver/ejadores. Pre
lº juizos dos mefires, de nam poetarem em Vulgar. %; coiza Jeja
ingenho bom , e mao . Efpecies de obras de mao ingenho , em que
cairam alguns Antigos, mas principalmente os Modernos. Necefidade
do Criterio, e Retorica, em toda a forte de Poezia . Trimeiro defei
to de Poezia, a inverofimilidade: exemplos. Segundo defeito, os ar
gumentos ridiculos. Reflexoens particulares, fobre as compozifoens pe
quenas Portugueças ; que nam podem dar nome, a um omem : de
feitos da Najam, provados com exemplos. Reflexoens fobre o Epigra
ma Latino, Elogios, inferijoens Lapidares , Eglogas , Odes, Satiras ,
poemas Epicos. Que os Portuguezes nam conheceram as leis, do poe
ma Epico : prova-fe com Camoens, Chagas , Botelho de Morais. Apon
ta-fe o metodo º com que fe-devem regular os rapazes , no-efiudo
da Poezia . Nova ideia de uma Arte Poetica , util para a Moci
dade. Pag-21 5
C A R T A VIII.
Rata-fe da Filorofia , Mao metodo com que fe-trata em Portu
gal. Advertencia das outras Nafoens, em procurar a Ciencia.
Necefidade da floria da FiloRofia, para fê-livrar de prejuizos. Ideia
da ferie filoz fica . Danos e impropriedades da Logica , que comu
mente fe-explica . Dá-/e uma ideia, da boa Logica. pag.276.

C AR
r………………………
#############
#############
b+3

CARTA PRIMEIRA. S U M A R I O. ,

Mº" defla conrefpondencia : e como fe-deve continuar . Mofº


tra-fe, com o exemplo dos--Antigos, a necefidade de uma Gra
matica Portugueza, para comefar os efludos. Dá-fé uma ideia,
da-melhor Ortografia Portugueza: e refponde-fe aos argumentos
contrarios . Que o Pocabulario do-Padre Bluteau fe-deve refor
mar, para utilidade da-Mocidade. •

EU amigo e fenhor . Nefta ultima carta, que


recebo de V. P. entre varias coizas que me--
| propoem, é a principal , o dezejo que tem ,
de que eu lhe-diga o meu parecer, fobre o me
todo dos-efludos defe Reino : e lhe-diga fe
riamente , fe me-parece racionavel, para for
mar omens, que fejam utis, para a Republica,
= e Religiam: ou que coiza fe-pode mudar, pa
ra confeguir o dito intento. Alem difto, quer tambem , que eu
lhe-dé alguma ideia, dos-efludos das-outras Nafoens, que eu tenho
viflo. Quanto às outras proguntas, parece-me que batantemente
refpondo, inviando-lhe o papel incluzo: no-qual achará, tudo o que
queria faber . Mas polo que refpeita ao negocio, dos-metodos dife
rentes de efludos, duvidei por-algum tempo, fe obedeceria a V. P.
e tinha algumas razoens, que me-pareciam forfozas; fupota a gran
de pratica que tenho, dete mundo, e dete Reino. Eu fou Eftran
geiro : e com dificuldade me-explicarei em uma língua, que nam {
mamei no-berfo . Que nas minhas cartas particulares, eu cometa
erros, a bondade de V. P. mos-defculpa.
- TOM.I. A mas ºfe eu efcrever
•matcºem
2 VER DA DE IR O M E TO DO
materia, que fe-pofa motrar a outrem 3 e me-fugir da-boca, algu
ma exprefam menos propria à averá centores tam dezumanos, que
me-condenem, por-efcrever em lingua alheia. tal-vez fem adver
tirem, que ifo etá fucedendo todos os dias, aos mefinos nacio
nais , que frequentemente os-cometem. Alem diflo, fempre foi
coiza odioza , dar regras em caza alheia : e lembrando-me eu de
alguns, que me-diferam muito mal, do-grande fervifo que fez ao
Reino o P. Bluteau, compondo o feu Vocabulario; via de longe,
a tempeftade que fê-levantaria contra mim, fe efte meu parecerti
vefe a infelicidade, de fair das-maons de V.P. Mas a maior razam
era , porque iflo, de emendar o mundo, e principalmente o que
rer arrancar certas opinioens, do-animo de omens envelhecidos ne
las, e confagradas ja por-um cofume, de que nam á memoria; é ne
gocio, que excede as forfas de um só omem: e principalmente de
um omem, de tam pouco merecimento, e autoridade como eu :
B V. P. que é tam verfado na Itoria, pode trazer à memoria,
mil exemplos destes, que deram , e ainda oje dam, ao mundo
Literario, materia de grande admirafam. Lembrou-me tambem, que
eu fou Religiozo, em uma Religiam, em que geralmente florecem
Pouco os efludos: e que, por-efte principio, nam faltariam omens »
ainda prezados de doutos, que, se chegafem a faber, de quem
eram as cartas, as-defprezafem; fem terem a paciencia, de exami
nar as minhas razoens: por fe-perfuadirem» que certos acidentes
exteriores, de emprego, veflido, &c. conduzem muito, para o me
recimento das-obras: e que, fem pizar os ladrilhos de certas Uni
verfidades, nam fe-pode fazer coiza boa -
Eftas, e outras coizas, que feme-ofereceram à memoria, me
tiveram, como lhe-dife, duvidozo . Finalmente as repetidas infº
tancias que V. P. me-faz: a fua grande autoridade : e as plauzi
veis razoens que me-alega, me-fizeram pegar na pena, para efere
ver o meu parecer. V. P.fegura-me certas coizas, que nam fam
de pouca confiderafam. Diz-me, que oje á muita gente do-feu Pa
recer, nam só entre os Seculares, mas tambem entre os Regu
lares: de que me-cita bons exemplos. Diz-me, que o bom gosto
nas Artes, e Ciencias, fe-comefou a introduzir em Portugal, no-feliz
reinado defle Auguto Monarca : o qual nifto tem ajudado mais
o Reino , que todos os feus antecefores. Finalmente promete-me»
que as minhas cartas, nam fairám da-fua mam, ao menos em meu
nome. Com eflas condifoens, obedefo a V. P. e me-gloreio muito »
que
D E E S T U D A R. 3

que um omem da-fua literatura,_nam defpreze o parecer, de um


fugeito de tam pouca doutrina. Dividirei o argumento 2 em va
rias cartas : e como as minhas ocupafoens , e moletias mo
permitirem, irei comunicando a V. P., as minhas reflexoens. De
vo porem, neta primeira carta , fazer algumas proteflas. Primeira:
Que eu nam acuzo, ou condeno, pefoa alguma delle Reino. Se às
vezes nam me-agradam as opinioens , nem por-ifo eftimo menos
os fugeitos, e autores. diftingo muito o merecimento pefoal, do
efilo de cada um , ou metodo que obterva : e pofo fazer efia
feparafam, fem ofender pefoa alguma .
Efta reflexam para V. P. é fuperfia, pois conhefe mui bem
o meu animo; e fabe, que eu só pego na Pena , para lhe-dar gof
to . Mas porque poderá ler efia carta , a algum ignorante, ou ma
levolo; que intenda, que eu, dizendo o que me-parece dos-eflu
dos, com iflo digo mal, da-Religiam da-Companhia de Jezu; que
nete Reino, é a que principalmente enfina a Mocidade: devo de
clarar, que nam é efe o meu animo . Eu venero efia Religiam
doutifima , por-agradecimento, e por-juflifa . Por-agradecimento,
porque efe pouco que fei , eles mo-enfináram : e aindaque nas
efcolas nam aprendefe tudo, aprendi-o converfando com eles par
ticularmente, e lendo os feus autores. Sempre confervei com eles,
intrinfeca amizade : e difto confervarei uma memoria fempiterna.
Por-juílifa, porque fendo todas as Religioens veneraveis; efia o-é
mais que todas, fegundo a minha opiniam . Parece que mandou
Deus à Igreja eftes Religiozos, unicamente para utilidade dos-pro
ximos. pois eles enfinam a doutrina, e piedade, com grande amor,
e trabalho: facrificam-fe polos Fieis, em todas as ocazioens: e fam
perpetuos defenfores da-lgreja Catolica , como confefam os mes
mos Erejes. Eftes fam os motivos da-minha venerafam , e par
cialidade por-eles. Mas afimcomo nem todos os Jezuitas, feguem
as mefimas opinioens de doutrina , mas permitem aos feus me{-
mos, a hiberdade de filozofar, dentro dos-límites do-juto ; e uns
fam contrarios de fentimentos a outros: Afimcomo alguns Jezui
tas Eftrangeiros, tem reprovado diante de mim, o metodo de Por
tugal; e alguns Portuguezes me-confesáram º que o-feguiam pcº
necefidade, e nam por eleifam; e confesáram limpamente, que fe
podia , e devia emendar em muitas coizas: (achará V. P. muitos,
que lhe-digam, que aquela Logica Carvalha, e Barreta, nam fe
deviam explicar nas efcolas, mas coizas mais utis: o que eu ouvi
A 2 ITUl1t2S
4 V E R DA DE IR O M E TO DO
muitas vezes) Afim tambem nam ferá maravilha , que eu me
desvie em muitas coizas, do-eftilo que feguem, os Religiozos da
Companhia nefte Reino : e reprove outras, que obfervam alguns
dos-feus autores. Para tudo teria exemplos na me{ma Companhia,
e tambem em Portugal. Mas nam me-é neceffario tanto : porque
os mefmos Jezuitas, reconhecem de antemam efla verdade; e fabem,
que, fem injuriar uma Religiam, pode um omem, fer de contra
rio parecer. Conhecem muito bem eftes doutos Religiozos, que
nefas diferenfas de pareceres, nam deve entrar o corafam, porque
eflam fóra da-füa jurifdifam: e fe-podem dar entre pefoas, mui
unidas de inclinafam. Os Jezuitas todos fam prudentes : e nenhum
omem Prudente ignora, e contrareia etas coizas . Os indivíduos
de uma comunidade, nem todos fam de igual talento : e as comu
nidades de uma Religiam, nem todas feguem o me{mo metodo :
Alem difo, aqui em Portugal, á muita outra gente que enfina.
os outros Religiozos, enfinam os feus, e os de fora. os mestres
feculares, tambem enfinam. E afim as minhas opinioens, podem ter
por-objeto, nam uma só pefoa. Ifto me-bafla advertir, a eflas pe
foas, que querem faber mais que os autores: e quererám expli
plicar , e interpretar mal as minhas palavras. Onde concluo, que
a todos venero , e eftimo mui particularmente : fomente direi ,
o que me-parece fe-devia fazer , para poder inftruir com fruto -
A fegunda coiza é: que eu nam me-canfarei, em efcrever Portu
guez elegante : mas me-fervirei das-palavras, de que comumente
me-firvo, no-difcurfo familiar. Nas materias de doutrina, por-for
fa devo fervir-me, de algumas palavras, que nam fam Portuguezas:
o que tambem fazem os Latinos, quando tratam femelhantes pon
tos. porque no-etado em que as coizas eflam, nam fe-fervindo
das-ditas palavras, nam é pofvel, explicar bem as materias. E afim
deve V. P. eftar preparado, para nam fe-admirar, de alguns ter
mos novos ; e para me-defculpar, os erros que pofa cometer -
Ocorre-me ainda terceira : e vem afer, que eu fuponho, que V.P.
me-difenfa , de citar todos os momentos autores , de que tiro
algumas das-noticias , que lhe-difer . com tanto que eu aponte»
o que é necefario, nam emporta quem o-diz. Bafta que eu di
ga, uma vez por todas, que a major parte do-que digo , experi
mentei eu me{mo: outras coizas, obfervei em terceira pefoa 3 ou
li em autor aprovado. V.P. olhe para a razam, em que eu me
fundo: porque ela deve valer mais, que a autoridade extrinfeca.

Tambem {
* D E º E S T U D A R; 5

Tambem incidentemente digo, nam a V.P. que fabe conhecer as


coizas; mas a algum, que pofa ler eftas cartas : que, fe algumas
vezes apontar como optimos, alguns autores Erejes; nam louvo
neles a fua particular religiam, mas a erudifam, ou metodo. Co
mumente avizarei, quais fam os Erejes , paraque nam fe-leiam,
fem lifenfa devida . Mas fe acazo me-efquecer entam advertilo,
aqui o-advirto para fempre. -

Comefo pois nefta carta, pola Gramatica: que é a porta dos


outros efludos: da-qual depende, a boa eleifam dos-mais. Porque
muitos nam intendem , o que fignifica efte nome, por-ifo nam fa
zem, grande progrefo na Gramatica. Eu, ainda que falo com V. P.
que o fabe, falarei daqui emdiante, como fe faláfe, com quem
o-nam-foubefe.
A Gramatica, é a arte de efcrever , e falar corretamente :
Todos aprendem a fua lingua no-berfo: mas fe acazo fe-conten
tam com efa noticia , nunca falarám como omens doutos . Os
primeiros meftres das-linguas vivas , comumente fam molheres,
ou gente de pouca literatura : de que vem , que fe-aprende a
propria lingua com muito erro , e palavra impropria , , e pola
maior parte palavras plebeias. E' necefario emendar com o eflu
do, os erros daquela primeira doutrina . Uma razam, aindaque
boa, um penfamento exquizito, expofto com palavras toftas , ou
que nam fignifiquem , o que fe quer ; dezagrada muito , e co
mumente nam perfüade . Contudo ifo por-muitos feculos, fe-con
tentàram os Omens, de falar, como primeiro lhe enfináram. Nam
foi fenam defpois do-terceiro milenario , que os Omens fe-apli
cáram a falar bem. Foram os Gregos os primeiros, de que a Iftoria
nos-aponta, que fe-aplicafem a efte efludo : e tal vez os unicos,
entre todos os Orientais. A fua Gramatica confiftia, em conhecer
bem as diferenfas das-letras : ler , efcrever, e falar bem . Expli
cavam tambem os Poetas; nos-quais aprendiam a Politica, e Reli
giam. O governo da-Grecia, que era quazi todo de Republica,
( nas quais as publicas afembleias do-Povo, deliberavam nos-ma
iores negocios) lhe-infpirou efe dezejo . conhecéram eles, quanto
cmportava falar bem , para falar em publico: e fe-aplicáram tanto
a ifo, que deram, e ainda oje dam, documentos a todo o mun
do . Talvez nifo foram mais efcrupulozos doque convinha : porque,
Para confervar a fua lingua pura, nam queriam aprender º lingua
alguma efirangeira. Eflavam tam fatisfeitos, das-bclezas da-fila lin
guia»
6 VER DA DE IR O METO DO
gua , que quazi defprezavam as outras todas . deforteque
quando os Romanos , depois de vencidos os Gregos, os-tranf.
portáram a Roma 3 avendo nefa tantos, e de diferentes gerar
chias, fe-obfervou (como nota um autor de bom juizo) que os
Romanos, aprenderam o Grego: mas nenhum Grego, etudou a
lingua Romana: aindaque com o uzo, alguma coiza intendefe. E
efle coflume, durava ainda nos-tempos de Cicero. -

Com a lingua Pafou da-Grecia para Roma, a inclinafam para


a Gramatica - Porque fe-obfervou º que a lingua Latina fe-comefou
a aperfeifoar, desde o tempo dos-Cipioens , e continuou até o
feculo de Augufto: que é juflamente o tempo, em que os Gre
gos, detruido º feu imperio , comunicáram a fila lingua aos Ro
manos. Pois aindaque, defde o tempo da-guerra com os Sanitas,
e outros Povos da-Magna Grecia , Polos anos de Roma 471. al
gum Romano comesáse a intender, e falar o Grego; foi raro : e
fomente para poder intendelos nas Embaixadas, e coizas femelhan
tes, é que o-aprendiam - namera vulgar efte etilo: o que só fuce
deo ao defpois . Foram os Romanos os primeiros, que aprende
ram voluntariamente lingua eftrangeira. o que nam confia, que
Povo algum, antes deles, tivefe feito. E nifto mefino, me-parecem
mais racionaveis: porque conhecendo a necefidade dela, para o eflu
do da-Filozofia, Matematica , e belas Letras , nam fe-envergon
háram de receber lifoens, daqueles mesmos a quem tinham ven
cido, e davam leis . Efte é um grande elogio, para uma Nafam
tam confiderada, como a Romana : conhecer que é vencida em
merecimento ; e confefar publicamente efe vencimento ; e pór o
remedio a efa falta. Paolo Emilio , aquele grande omem , que
deftruio na pefoa de Perfeo, o imperio de Macedonia , antes de
tornar para Roma , pedio aos Ateniezes , que lhe-bufcafem um
excelente Filozofo, para acabar de intruir, feus dois filhos. Ou
tros omens grandes , que por-brevidade nam aponto , feguiram
o feu exemplo . Lelio, e Cipiam Emiliano, que tanto rafináram
a lingua Romana , eram infeparaveis , dos-feus metres Gregos:
dos-quais nam sò aprendiam a Filozofia, mas tambem a Gramati
ca; e o modo de falar bem , e aperfeifoar a fua lingua . Os
Filozofos daquele tempo, nam fe-ocupavam fomente, com difcurfos
aereos de Logica; mas etendiam o feu conhecimento, para muitas
OutTaS COIZAS •
Mas, é neccfario confefar uma verdade; em todo o tempo ouve
di
D E E S T U D A R. 7

dificuldade , em fe-receberem coflumes novos , aindaque fofem


utis - os Velhos nam querem ceder dos-coftumes, que uma vez
efpozáram . Ifto vimos em Roma, no-confulado de Efrabo, e Mef>
fala : que publicáram um decreto, em que ordenavam aos Filo
zofos, e Retoricos, fairem de Roma (1). Catam o velho, que
temia, que os Romanos , pola Pola vaidade de quererem falar
bem , fervifem mal à Republica no-oficio das-armas 3 foi um
grande protetor difto. Mas a Verdade, por-mais que fe encubra,
fempre tranfpira. Trez Embaixadores Ateniezes, que, cinco ou
feis anos defpois do-tal decreto, vieram a Roma, namoráram to
dos com os feus difcurfos. e, nam obflante a repugnancia de Ca
tam, e de alguns outros, os efludos das belas Letras fe-introdu
ziram em Roma , e cada dia mais fe-aumentáram (2). A Grecia
foi reconhecida por-metra : e Atenas foi fempre reputada, a Uni
verfidade de Roma: aonde fe-mandavam os nobres Romanos, para
aprenderem o bom gofto . Os dois celebres Antonios , Atico,
Cicero pai , e filho , e muitos outros lá foram aprender o que
foubcram. e o que mais cauza admirafam, é , irem em tempo,
que as letras tinham defcaido na Grecia. tal era a boa opiniam que
tinham dela ! Outros muitos Gregos vinham a Roma, e publica
mente enfinavam, os efludos Gregos.
Com efte exemplo, pouco mais de um feculo antes de Crifto,
fe-abriram efcolas Latinas em Roma . as quais , ainda que com
alguma contrariedade , felizmente e com grande concurfo fe-con
tinuáram . Delas fairam omens mui grandes , que apuráram,
quanto puderam, a lingua propria. Tais foram Cota, Sulpicio,
Ortenfio, Marco Cicero , Caio Cezar, Marco Bruto , Mefala,
Afinio Pollio, e muitos outros que entam, e oje veneramos, co
momefres da-lingua Latina. A imitafam dos-Gregos, comesáram
os Romanos a aprender, a Gramatica da-fua lingua º no-mefino
tempo que aprendiam a Grega. A Gramatica, nam fe-reputava,
coiza de pouca emportancia : mas a-confideravam como baze da
Elequencia : e por-ifo a cla fe-aplicavam omens grandes; e nela
empregavam um tempo confideravel, os que queriam, fazer figura
na Republica. Os livros Retoricos de Cicero , principalmente os
{ICZ

( 1 ) Sueton. de cl. Rhet. C.I. li quodam nofiri homines dicendi


. ( 2 ) Auditis oratoribus Gra - fludio flagraverunt. Cicerºl. I. de
cis.» cognitisque eorum litteris, Orat. nun) x Iv.
*dhibiti/Que dotioribus, incredibi
8 VER DA DE IR O M E TO DO
trez de Oratore ad Quintum Fratrem º efpecialmente o ultimo: o
livro intitulado: Orator ad Marcum Brutum : e o de Oratoriis Par
titionibus : nam só enfinavam Retorica , mas principalmente falar
a fua lingua, com toda a Pureza, e grafa : que era uma parte
principal da-Retorica. Caio Julio Cezar, aquele grande omem em
armas, e letras, nam fe-envergonhou, de efcrever dois livros, fobre
a Analogia da-lingua Latina (1) . Marco Terencio Varram efere
veo comentarios doutifimos fobre a fua lingua , e uma Grama
tica. Continuou efte coflume, até o tempo de Quintiliano, e feu
dicipulo Plinio o mofo: o qual Quintiliano, alem de nos-explicar,
como fe-enfinava a Gramatica Latina ; ele me{mo nos-deixou uns
Elementos dela , no-primeiro livro das-fuas Inflituifoens . E é de
crer , que fe-continuafe efte etilo, até os principios do-quinto
feculo de Crifto; em que os Godos entráram em Roma: ou um
pouco defpois , em que os Oftrogodos fe-eftableceram na Italia,
c arruináram o imperio Latino : abrindo com ifto a porta aos Lon
gobardos , que nela domináram tantos anos . Deforteque com o
Imperio no-Occidente, fe-pode dizer, que fe arruinou a lingua La
tina: porque comefando a deftruir-fe, com a me{cla de outras pa
lavras , foi necefario emendála com o efludo, e fazer Gramatica
dela. -

Efte metodo de enfinar aos nacionais, a Gramatica da-fua lingua,


nam só praticáram os Antigos ; mas até em um feculo barbaro, qual
foi o de Carlo Magno, foi conhecido, e praticado : e o mefmo
Carlo no-dito VIII. feculo, efcreveo uma Gramatica Tudefca,
que era a lingua da-fua corte. Nos-feguintes feculos até o duo
decimo , em que a ignorancia tanto dominou , nam foi ignoto
ete uzo. Mas alguma Gramatica que fe-fazia, era para intender
o Latim - os livros eram rarítimos. a critica nenhuma . e afim
nam é maravilha, fe nam fe-aplicáram ao que deviam. Defde o
feculo duodecimo até todo o feculo decimofexto , reinou outra
Particular ignorancia, fobre o metodo. Muitos fe-aplicáram as le
tras , mas muito mal. só reinavam as agudezas, e o eftilo ridicu
lo . No-feculo pafado, é que refufcitou efte metodo, de enfinar
a Gramatica da-propria lingua. - 2 -
E, na verdade, o primeiro principio de todos os efludos de
ve fer, a Gramatica da-propria lingua. A razam porque nos-pa
rece tam dificultozo, o efludo da-Gramatica Latina, (alem de outros
• mo
( 1 ) A.Gel l I. c. x. - - • * •
D E E S T U D A R. | 9

motivos que em feu lugar, direi ) é, porque nos-perfiladimos,


que toda aquela machina de regras 2 é particular da-lingua Latina:
e nam á quem nos-advirta , quais fam as formas particulares de
fa lingua , a que chamam Idioti/mos : quais as comuas com as ou
tras . Se a um rapaz que comefa , explicafem , e moltrafem na
fua propria lingua, que á Verbo , Cazo , Adverbio &c. da-fua
que á
formas particulares de falar, deque fe-compoem; a Sintaxe
lingua : Se fem tantas regras , mas com mui fimplezes explica
foens, fizefem, comque os Principiantes refletifem, que, fem ad
virtirem , executam as regras, que fc-acham nos-livros : e ifto,
fem genero algum de preceitos, º mas polo ouvirem, e exercita
rem : Seguro a V. P. que abririam os olhos por-uma vez , e
intenderiam as coizas bem : e fe-facilitaria a percesám das-lin
guas todas .
Ifto fupoto, julgo que efe deve fer, o primeiro efludo da
Mocidade . e que a primeira coiza , que fe-lhe-deve aprezentar é,
uma Gramatica da-fua lingua, curta, e clara : porque nefte parti
cular, a voz do-Meftre, faz mais que os preceitos. E nam fe-devem
intimidar os rapazes, com mao modo, ou pancadas, como todos
os dias fucede : mas, com grande paciencia, explicar-lhe as regras:
e, fobre tudo, mofirar-lhe nos-feus mefmos difcurfos, ou em algum
livro vulgar, e carta bem efcrita, e facil; o exercicio, e a razam,
de todos efes preceitos . Se me-tocáfe o-fazelo , regularia tudo
delta maniera. Primeiro, explicaria brevemente as regras : e obri
galosia a repetir , as mefimas noticias gerais . Defpois, darlheia
um livro de Cartas, vg. as do-P. Antonio Vieira : efcolhendo as
mais facis : ou alguma iftoria pequena , digo, que tivefe capitu
los pequenos, e periodos nam mui compridos : e mandaria, que
a-lefem : e no-me{mo tempo apontaria, quais eram as partes da
orafam. o que fe-obferva, com grande facilidade. Ajuntaria a ifto,
as regras mais principais de Sintaxe: porque como tudo iflo, fe-á-de
recozer na Latinidade , bafla nefa ocaziam, uma noticia geral.
Feitos efles principios, enfinaria duas coizas, mui principais em
materia de linguas. a primeira é , a propriedade das-palavras :
motrando-lhe , a forfa de cadauma daquelas , que fam menos
comuas . a fegunda é , a naturalidade da-fraze : enfinando-lhe ,
que a afetafam, fe-deve fugir em tudo : e que fe-deve cuidar cm
explicar tudo, com palavras mui naturais. Alem diflo, enfinaria
aos rapazes, pronunciar bem, e ler expeditamente . Efte ponto »
TOM. I. B é mui
IO VER DA DE IR O ME TODO
é mui neceffario : achando-fe todos os dias omens feitos, que
lem foletrando, e cantando: e que dizem mil barbarifmos. o que
tudo procede , de nam terem tido mefres , que lhes-enfinafem
bem. Quando os rapazes eflive(em mais adiantados, obrigálofia ,
a efcrever algumas cartas, a diverfos afumtos - e introduziria entre
dois , uma conrefpondencia epitolar : enfinando-lhe os tratamen
tos, e modo de efcrever, a diverfas pefoas . Nefta ocaziam tem
lugar, enfinar-lhe a boa Ortografia, e Pontuafam. E incrivel, a uti
lidade que daqui rezulta, nam só para a inteligencia da-Latinidade;
mas para todos os efludos da-vida. Efle efludo pode-fe fazer, fem
trabalho algum: e fe-pode continuar no-mcfmo tempo, emque fe
explica o Latim: batando meia ora cada menhan, ler, e explicar
o Portuguez. Ifio fe-pratica oje, em algumas partes da-Europa .
e só os que nam tem juizo, para conhecerem a utilidade , que
daqui rezilta, é que negam, a necefidade defle metodo.
Mas aqui, deixe-me V. P. lamentar, e admirar, a negligencia
dos-Portuguezes em promover ; tudo o que é cultura de ingenho,
e utilidade da-Republica. Ainda até aqui, nam tem cuidado nefas
coizas : e ferá rarifimo, o que fouber, que efla Gramatica pode
fer util. Efpecialmente nóto ifto, fobre a falta de efcritos, para
inftruir um Secretario principiante. (falo dos-fecretarios dos-Gran
des, e de tudo o mais, fóra das-Secretarias Reais.) Nas-outras
Nafoens á livros, que enfinam a qualquer, a urbanidade e cere
monial do-feu Reino . Como efcrevem os Reis, e os Grandes
entre fi, e às pefoas de diferentes gerarchias mais inferiores. co
mo os inferiores efcrevem, a toda a forte de pefoas de maior
esfera, tanto Secular, como Ecleziatica. &c. apontam-fe os fobreferi
tos, e poem-fe algumas cartas para exemplo. Iflo enfina a todos;
e impede o fazer erros. Mas em Portugal, é defconhecido efte me
todo. Um fecretario de um Bifpo, ou Cardial , ou Fidalgo, ou
Dezembargador &c. governa-fe por-uma pura tradifam ; ou por
que afim vio alguma carta ; fem mais conhecimento da-materia -
Contantoque um mofo, tenha um carater comprido , e dezemba
rafado, a que eles chamam, letra de Secretaria, é o que bata =
Confefo a V. P. que ainda até aqui, nam vi fecretario algum defles,
que foubefe efcrever duas palavras, com juizo . que tecefe uma
carta, confiderando quem efcreve, e a quem efcreve: emque cir
cunflancia: fé com dependencia, ou fem ela: fe por-agradecimento
de alguma fineza, e atentam, ou por-outro motivo. Nam confi
deram
D E E S T U D A R . II

deram circunflancia alguma deflas: as quais porem deveriam con


fiderar muito 3 porque fazem a carta, mais, ou menos abundante
de atenfam : Sendo certo , que o Secretario, deve confervar o de
córo de feu amo : mas no-me{mo tempo deve procurar, que pa
refa mais cortez que pofa fer. Mas iflo, é o que eles nam inten
dem. e nada mais cuidam , que moltrar, nam digo a grandeza,
mas a foberba de quem cfcreve. Verá V. P. um pobre Cavalheiro
das-Províncias, do-qual fe Pode dizer, como dife aquele nofo ami
go = Eft res angufia domi = 3 efcrever uma carta, com mais fobe
rania e mageRade, que nam fará o Papa. porque efle, comumente
poem = Dileão filio = ; e aquele, comefará uma carta ex abrupto,
e imprudentemente, fem atenfam alguma. Os de maior gerarchia,
ainda fazem pior. e apenas fe achará um, que nam queira moftrar
na carta, que é mais, da-pefoa a quem cfcreve. Por-fóra, coflumam
pór = do-Bi/po Fulano: do-Marque? Sicrano = &c. á coiza mais
digna de rizo doque eta ! As cartas mandam-fe lacradas , para
que ninguem faiba , de quem fam; e nem fuípeite, o que contem:
e efles tais poem, e afinam-fe de fóra ! $# o-fafa o Secretario
de Eftado, ou outro Miniftro, que tem jurisdifam publica; é jufto:
paraque todos conhefam , de quem é a carta ; e , fe mais fuceder
perdela , quem a-achar, a-entregue ; e lhe-tenham o refpeito, que
é divido - mas que o-fafam os outros , e em negocios particu
lares , e que o-fafam por-grandeza, merece compaixam . Tenho
vito milhares de cartas, de Cardiais , Principes Soberanos de
outros Reinos, e muitos outros Gran-fenhores, e nenhum prati
cava efia rapaziada. Mas eu vi mais doque iflo: porque vi carta
de uma grande pefoa, que V. P. conhece, que efcrevia a outro
mui condecorado , que tinha no-fobrefcrito : A Fulano : Pondo
o fimplez nome, fem Senhor , nem titulo, &c. e dentro atinava
fe, fem lhe-fazer comprimento, como fe-faz nas Patentes.
Pertencem à clafe afima, os que carregam o fobrefcrito, com
todas as circunflancias de Pai, Primo, Cunhado &c. o que tudo
pode dar ocaziam, a abrir a carta por-curiozidade. O me{mo digo,
dos-que poem : Familiar do-S. Oficio, e outras coizas deflas . Ba
fa pór um titulo principal, ou, quando muito, dois maiores: os
mais ja fe-intendem, ou fe-fupoem. Eftes fam femelhantes àqueles,
de que ja falámos tantas vezes, que, no-titulo das-centuras dos
livros, poem uma enfiada de empregos velhos : Ex-Provincial: Ex
Difinidor: &c. e dos-quais V. P. dizia, com tanta grafa, que lhes
B 2 faltava
I2 VER DA DE IR O M E TO DO
faltava pór: Ex-Porteiro: Ex-Guardiam : Ex-Procurador. &c. O pior
é que nifto, caiem tambem os Seculares: e poem frequentemente:
Colegial que foi no-Colegio de S. Paulo: Lente que foi de Leis, ou
de Inflituta. &c. só lhes-falta acrecentar a propoziçam, e dizer:
Ex-Colegial: Ex-Leitor: Ex-Secretario: Ex-General: Ex-Coronel. Que
tendo os empregos, o-declarem 5 é mui juto : mas que ponham
os que tiveram , e fam inferiores aos que oje tem 3 é uma vai
dade mal fundada: e é querer fer eflimado, mais polos empregos,
que polo merecimento. Leia V. P. a iftoria , que efcreveo Alexan
dre Ferreira, e verá, que no-titulo da-obra, efcreve toda a fua
vida . Outros fazem dedicatorias de livros, a pefoas Grandes ,
e enchem boa meia folha de papel, de titulos : Capitam-mor de
cá . Alcaide-mor de lá : &c. Quando tivefem dito : Marque?, ou
Conde 3 Confelheiro, ou General &c. eftes titulos forvem todos os
outros. Defles fe-pode tambem dizer, que lhes-efqueceo efcrever,
todas as quintas, e cazas, que pofuem em diverfas Vilas, e Ci
dades, as pefoas a quem louvam, e dedicam as obras. |-

Em Italia, feria grande injuria, tratando-fe com um grande


Principe, por-lhe todos os titulos: porque era moftrar, que fam
menos conhecidos polo nome, e pefoa. A cazas, que tem muitos:
Principados, Marquezados, Condados: e nam fomente de titulo,
mas com inteira jurisdifam e domínio , pois tem o direito =
Kite & Necis: e contentam-fe com um só titulo, ou, quando
muito, dois: Vg. Lourenfo Colona, Duque de Paliano, Condelta
vel do-Reino de Napoles. Domingos Orfini, Duque de Gravina.
Profpero Conti , Duque de Poli . Eftas cazas tam antigas, que
algumas contam mais de mil anos, e tem dado, alem de infinitos
Cardiais, 13. Papas, outras cinco, à Igreja de Deus; nam fazem
vaidade defles ridiculos titulos; porque fabcm, que fam mui bem
conhecidas. Mas os """ e principalmente os Portuguezes, governam-fe
por-outros principios. Tem alem difo eftes Senhores por-injuria»
fe lhe-efcrevem por-fecretario; e quando nam vem toda a carta»
de Proprio caracter, tocam a fogo. Veja V. P. quam diferentes
fam, os coflumes efirangeiros ! Em Roma, aonde o ceremonial etá
tanto em vigor , que às vezes é excefivo , nam fe-faz cazo de
tal coiza º efcreve um Cardial a outro, por-fecretario. efcrevem os
inferiores &c, por-fecretario . Iflo nam prova defcortezia , mas
que um omem, é fumamente ocupado. nem pefoa alguma faz cazo
diflo. Somente fe-Pratica, cfcrever de proprio punho, quando é priº
• IllC112
D E E S T U D A R. I3
meira carta de ceremonia a pefoa grande, ou quando refpondo º
a quem efcreve de proprio punho : ou nº outros cazos afim …
Mas aqui, feria um cazo rezervado, praticar o contrario.
Ora tudo ifto, é intender mal as coizas : é falta de educa
fam: falta de livros bons : e é expor-fe ao rizo dos-omens de
juizo. lfto pois deve acautelar o metre, quando inftrue os rapa
zes. deve informar-fe das-coizas : enfinar-lhe como fe-devem re
gular : e finalmente dizer-lhe em poucas palavras aquilo , que,
por-falta de livros, fomente fe-pode faber, com uma longa expe
riencia. Eflas coizas devem-fe tratar, neftes primeiros etudos.
Defpois de ter efcrito ifto, me-veio á mam, uma Gramatica
Portugueza, compofia polo P. Argote, Teatino. Verdadeiramente
nam é Gramatica completa : mas o autor declara, que só dá re
gras, para facilitar a inteligencia da-lingua Latina. O juizo que
formo defla Gramatica, é ete. O autor, introduzindo um dialogo
enfadonho, dife, em muitas folhas, o que podia dizer, em poucas
regras. Os dialogos nam fervem mais, que de fazer mil repe
tifoens fem necefidade º fervem de canfar á memoria aos rapazes,
fem fruto : enfinando-os a falar como papagaio : viftoque nam .
intendem o que dizem - quando polo contrario poucos preceitos,
bem explicados com a viva voz do-Meftre, enfinam mais, com
menos trabalho . Ifto, quanto ao metodo. quanto às regras :
O que diz da-Analogia das-vozes, parece-me mui bem ; e pode-fe
enfinar com utilidade . A Sintaxe de concordar, pode pafar: a de
reger ; nada me-agrada . O P. Argote dezemparou o feu mefmo
metodo , por-feguir os erros de Manoel Alvares , e multiplicar
regras fem necefidade ; afinando regencias falfas : quando tudo
aquilo fe reduzia, a explicar a regencia dos-Cazos, polas regras
fundamentais ; que fam mui poucas . Ifio é o que deve cuidar
o Mefire : reduzindo as regras, às verdadeiras cauzas da-regencia:
apontando algum particular idiotifmo &c. porque ifto bafa: viflo
que a Gramatica Latina, tambem fe-deve explicar em Portuguez,
e com poucas regras. A terceira parte, da-fintaxe Figurada, ti
rando a extenfam, tambem pode pafar. Na quarta parte, o que
diz dos-Dialetos &c, pode pafar : aindaque tudo aquilo fe dizia,
em duas palavras. o que diz do-modo de reger a lingua Portu
gueza , é uma grande fuperfluidade , e pedanteria : vifloque nam
á me{tre tam tolo, que nam faiba , como á-de reger, uma carta
Portugueza. Ifto fe-faz, quando o efludante nas efcolas, vai lendo
a lingua
I4 V E R DA DE IR O M E TO DO
a lingua dita : e o metre lhe-explica, o dialeto da-proza, e do
verfo. Antes feria loucura, querer explicar ao principio, o dialeto
do-verfo. Porque os Poetas , que pola maior parte nam pezam
bem as coizas, fem excetuar o Camoens ; cairam na parvoice,
de aportuguezar mil palavras Latinas, fem necefidade alguma :
e afim nam é coiza Para rapazes . Antes, polo contrario, deve
o metre advertir-lhe, que efe etilo, nam fe deve uzar. Finalmen
te, a Ortografia do-P. Argote nada vale, como abaixo direi. Mas,
em
fre quanto nam aparece
uzar dela, com as outra, ou fe-reforma efia arte; pode o me
ditas cautelas. •

Devo tambem dizer a V. P. alguma coiza , fobre a Ortogra


fia Portugueza. notícia que me-parece mui necefaria, e que com
todo o cuidado fe-deve comunicar aos principiantes: pois da-falta
defla doutrina nace , que em toda a fua vida, efcrevam mal :
e, ainda defpois de eftarem em lugares de letras, é latima ver,
como muitos efcrevem . E etas reflexoens, fervirám para emendar,
o que diz o P. Argote, nas fuas Regras Portuguezas, e algum outro.
Ito fupoto, e compreendendo em pouco, o muito que outros
efcrevem nefta materia, digo, que os Portuguezes devem pronunciar,
como pronunciam os omens de melhor doutrina, da-Província de
Efremadura: e, poíto iflo, devem efcrever a fua lingua, da-me{ma
forte que a-pronunciam. Efta é uma fingularidade da-lingua Por
tugueza, que só fe-acha nela, na Italiana, e na Catelhana: ainda
que efla tenha fua variedade : ponho de parte a Latina , que
é morta. Daqui fica claro, que devem deferrar-fe da-lingua Por
tugueza, aquelas letras dobradas, que de nada fervem : os dois SS.
dois LL. dois PP. &c. Na pronuncia da-lingua, nam fe-ouve coiza
alguma, que fºfa dobrar, as ditas confoantes. Que fe-efcreva Ter
ra, Perra, com dois rr, intendo eu a razam : e o ouvido me
aviza, que a pronuncia é fortifima no-r. Pois quando nam é for
te, como em Pera, Caracol, efcreve-fe um só r. mas em Elle »
Eja, é coiza fuperflua : porque ou tenha um, ou dois ºs fempre
fe-á-de pronunciar, da-mefma forte. Nas linguas mortas, fafo efcru
pulo, de mudar uma letra: mas nas vivas, em que nós temos todo
o poder, e uzo, quando a boa pronuncia nam enfina o contrario,
fam fuperfluas as repetifoens.
Os nofos Italianos fomente dobram as letras, quando a pro
nuncia é diferentes e fam tam efcrupulozos obfervadores da-pro
nuncia, que nam à Nafam, que os-iguale . De que nace, a gran
- de
D E E S T U D A R. |- 15.
de dificuldade que os Eftrangeiros tem, em pronunciar bem a no
fa lingua, nam obtante fer labial. Porque nam tendo eles , ouvi
do tam eperto, para poder perceber 2 a diferente pronuncia das
letras dobradas; na pronuncia delas, fervem-fe de uma pronuncia
doce e fimplez ; a qual os-acuza , por-Efrangeiros . O mo
tivo que os Nofos tem, para pronunciarem afim, é uma antiga
tradifam, defde o tempo em que a lingua Latina, era viva e do
mefica entre os feus antepafados. pois é fem duvida, que os Ro
manos cuidavam muito, em pronunciar bem a fua lingua ; e que
os mefres, ensínavam ifto aos difcipulos com cuidado. Efta tra
difam confervou-fe fempre em Italia. e nacendo o Italiano, da
corrufam do-Latim, conferváram fempre as mefinas letras dobra
das , que os Latinos tem : e talvez acrecentáram mais alguma «
Donde vem, que os Italianos, achando no-Latim as letras dobra
das, pronunciáram-nas como dobradas : e , por-efte mefmo principio,
pronunciando o Italiano, com alguma femelhanfa do-Latim, dobrá
ram tambem as letras da-fua lingua . por cuja razam, fam nela:
defculpadas, as repetifoens. Os Francezes dobram algumas letras»
por-necefidade, para diftinguirem as pronuncias: outras dobram,
porque tomáram os ditos nomes, dos-Gregos, e Latinos, entre os
quais antigamente fe-pronunciavam, e efcreviam afim: como mof
tram os omens, que efcreveram nefa materia. Tambem nifto tem.
variado muito : e nam fam aprovados, polos melhores criticos .
E oje os Francezes mais doutos, regeitam muitas letras, que pa
recem efcuzadas, por fe-nam-pronunciarem : como adverte o P.Li
ma, na fua Arte Portugueza, e Franceza. Muitos Francezes fam.
de parecer, que fe-devam deferrar todas . e talvez com o tempo,
efcrevam como falam : vifloque ainda nam á muito tempo, que
efia lingua fe-comefou a purificar: o que nam excede o tempo, de
Luiz XIV. Mas concedamos-lhe o mefino, que oje concedemos, aos.
Ebreos , Caldeos &c. é certo, que a lingua Portugueza , todos
afentam, fe-deve efcrever como fe-pronuncia : e afim, nam deve
receber letras, que fe-nam-proferem .
Defle meu parecer, fam muitos Portuguezes de boa doutrina,
com quem tenho converfado neta materia : os quais nam po
diam fofrer , que, fendo a pronuncia a regra da-Ortografia , ain
da afim ouvefem omens prezados de doutos , que embrulhafem
* Ortografia, com a preocupafam de quererem feguir, a deriva
fam e origem. Se eu ouvefe de efcrever, tudo o que me ocor
• IC
Tó VER DA DE IR O M E TO DO
re nefta materia , ou tudo o que fe-Pode dizer nela, faria um
longo tratado º que feria contra o meo afumto, e tambem con
tra a necefidade da-materia, a refpeito de V.P. Direi fomente, o
que pertence ao meu argumento . Nam obtante que eu á mui
tos anos, viva neta opiniam º que a Ortografia comua é muito
má; e, com ela ideia º tenha feito um tratadinho dela, para uzo,
e regulamento, meus contudo nam me-atrevia, a declarar a todos,
o meu animo º como faso a V. P. fabendo, que ainda os mais
doutos fe-ririam º de que um Eftrangeiro, viefe dar regras, nefa
materia : Sem fe-lembrarem , que tambem os que nefles ulti
mos feculos, efcrevêram fobre a Ortografia Latina, eram Efran
geiros nela º femque por-ifo, fejam mal ouvidos. Mas agora, de
vendo dizer a V. P. o meu parecer nela , puz de parte, todos os
refpeitos politicos 3 e nam só quiz apontar, o que condeno; mas,
para o-fazer melhor , tive a curiozidade de ler, o que dife neta
materia o P. Bluteau - cuja leitura me-confirmou, no-meu propo
zito: , e me-convida, a abrir-me mais promtamente : porque al
fim vejo, que tenho mais padrinhos , doque nam cuidava (1).
Digo pois , que da-obfervafam que afima fiz , e maxima
que eflableci, fe-devem tirar as reflexoens, para as outras letras,
e para todas as mudanfas e correfoens da-Ortografia . E come
fando pola letra A , dobram alguns elta letra, em Menhaan, Vaan
circ. e defle parecer 2 é Duarte Nunes de Leam . Nam fe-pode
intender, a razam defles omens. Na pronuncia, nam fe-ouve aque
le fegundo A , e feria verdadeiro ridiculo , quem o-quizefe pro
nunciar - e afim porque fe-aja de efcrever , eu nam intendo.
O certo é, que a regra da-pronuncia º enfina o contrario . Da
qui pafando ao B, digo, que efia nam fe deve confervar, feitam
naqueles nomes , que efecialmente a-tem na pronuncia, como ob
faculo, obfante cºc. mas naqueles, que oje fe-pronunciam fem ela,
pa
( 1 ) O Bluteau no-Trologo que feria necefario, reformar a Or
do-Suplemento, falando com o leitor tografia Portugueza . Mar, con
Tfeudo-critico, confefa , que muitos becendo ifo, adotou no-feu Dicio
omens doutos, nam dobram as le nario, todas as variafoens de Orto
tras no-Portuguez: aindaque con grafia dos-autores ; como confefa
dena , que muitos nam obfervem, a no-Prologo do-Suplemento. O que
analogia e deriva/am do-Latim, e nam tem defculpa em um omem, que
Grego , que é a cofumada cantile efludou trinta anos,o argumento do
na dos-Velhos . Reconhece porem º Jeu livro .
ID E E S T U D A R. 17
parece-me efcrupulo demaziado. Sobre o G acha-fe alguma diverf
dade entre os mefmos Portuguezes , em que lugares deve entrar
quando tem cedilha , s . Comumente antes das-terminafoens em
aõ o-efcrevem , e mais em outras partes : fobre o que nam á
regra alguma mais , que o uzo . Niflo alguns fam tam eferu
pulozos.», que fe encontram efcrito com s , Sapato , fazem
um orrivel efpalhafato . Outros deterram o dito c, e em feu lu
gar efcrevem dois ss. Mas para falar a verdade , e examinar as
coizas fem paixam, tudo ifto fam iluzoens. Nenhuma diferenfa na
pronuncia fe-acha entre o c , e o s : fe alguem contareia ifto,
que me-fafa a merce de mo-provar : porque o meu ouvido, que
é baftantemente advertido , nam conhece efta diverfidade . Ifto
fupoto, pór dois ss, em lugar do e 2 é uma folenifima ridicula
ria , fem mais razam , que querer diflinguir-fe dos-outros. Mas
nam merecem mais indulgencia, os que fe-efcandalizam de lerem,
Sapato , Surrador & c. com º : porque na minha eftimafam afim
fe-deve efcrever. Eu verdadeiramente nam fei donde veio, que o
ga, fe-pronunciáfe sa : mas fe é permitido conjeturar em mate
ria tam ofcura, fuponho que foi º por-engano de quem efcrevia,
que pintava mal o s : e afim com o tempo tomáram-no por-c :
Porque a falar a verdade o c com cedilha fam dois cc contrapotos, e
que imitam baftantemente um s, afim $: onde continuando a pronun
cia do-s por-tradifam 3 e achando-fe efcrito o dito ; ; intendê
ram que era uma particular efpecie de c , e afim o-efcreveram.
Seja como for , o c , em tais cazos vale um s . e por-efta ra
zam cuido, que é mais mais proprio, e mais natural, fervir-fe des
ta letra fimplez , que do-dito c . Defta forte averia menos con
fuzam na Ortografia Portugueza , fe afentafem todos , a nam
efcrever antes de a , ou o , ou u, fenam um s, e nunca o di
to c . Dirmeám alguns, que tambem o c antes de e , ou i , va
le um s : e que ferá tambem neceffario defterralo, e convertelo
em s . Mas eu refPondo , que á mui diferente razam . Porque
o c, antes de e, ou i, tem o feu proprio foido , fem violen
cia alguma : e aindaque fe-pofa compenfar com s , contudo ne
fle cazo deve-fe permitir alguma coiza ao uzo , que o-introdu
zio . Nam afim o c antes de a : pois para fazer o foido que
eles querem , deve violentar-fe , fem ter analogia com as lin
guas, de que deriva a nofa Portugueza : e afim parece-me gran
de fuperfiuidade . Efte é o meu parecer : . Contudo fe alguem
Tom. I. C atei
18 VER DA DE IR O ME TO DO :
ateimáfe a fervir-fe do-dito c , nam faria difto um cazo rezer
vado : comtantoque confefafe , que igualmente fe-pode efêrever
com s : e que nam fe-efcandalizafe, de quem fizefe o contrario.
Defia regra , de efcrever conforme a pronuncia , crejo que
fe-pode achar excefam no-Ch . Tem efia letra afpirada com o b,
uma pronuncia em Portugal femelhante ao x . e afim dizemos
Choro, Chove Ó'c. como fe etivera efcrito, Xoro, Xove. Contu
do algumas vezes fe-deve pronunciar; como fe-fofe um k. o que
intendo dos-nomes qne vem do-Grego , e nos-quais fe-ouve o k
na pronuncia. vg. Architetura, Machina, Chimica &#c. O Bluteau
nam admite ifto, nos-Opu/culos ; e defende, que fempre o ch fe
deve pronunciar quãzi femelhantemente ao x . Mas ele me{mo
fe-contrareia no-Dicionario : pois diz , que em Portuguez fe-de
ve efcrever, Archanjo, Patriarcha cºc. com ch, aindaque fe-pro
nuncie o k: Tomára pois que me-defe a diverfa razam, porque
em outros nomes oriundos da-me{ma Grecia, fe-deva efcrever com
qui vig. Monarquia Crc. O certo é, que em ambas as partes a
razam é a me{ma. Antes parece-me , que com maior razam fe
deve fugir o qui : porque em Portuguez defpois do-q , fempre
fe-pronuncia o u , deforteque o q por-si só nam une com as vo
gais, fem fe-pronunciar o u. E como feria erro pronuncialo , em
Monarchia, Chimica & c. daqui vem que tambem é erro, efcreve
lo . A quem nam agradar eta minha opiniam, de efcrever eftes
nomes, por-ch, fou de parecer , que adóte o k dos-Gregos: pois
é melhor chamar de fóra, uma letra Etrangeira, doque efcrever
o q º que em Portugal geralmente tem diferente pronuncia : o
que nam fucede no-cb, que ja em muitas difoens etá recebido
em Portugal, com privilegios de k.
E nam obta, que a maior parte dos-Ortografos Portuguezes
digam, que o k é fuperfluo no-Portuguez : nam é o me{mo di
zelo , que provalo : aqui nam á meio , ou fe-deve admitir º
cb com privilegios de k , ou adotar o k, em feu lugar . Sei
que podem argumentar com Aquele, Aquilo &c., em que parece
nam fe-ouve o u : mas ifto provèm da-pronuncia , que o-toca
levemente , porque em todas as palavras Portuguezas o q faz
Pronunciar o u: Quando, Quanto circ. E principalmente avendo
fe de introduzir em difoens novas , ou Gregas, deve fempre ob
fervar-fe o uzo mais comum . Duarte Nunes poem fempre e an
tes de t , como em Doão , Dotirina circ. Defia …………… 2III
D E E S T U D A R. 19

zombam os omens de melhor juizo : e cuido que com razam:


pois fe aos nofos ouvidos é infoportavel , quem fala afim , por
que á-de fer toleravel , quem o-efcreve º Bluteau admite o tal
efilo alguma vez, para evitar o equivoco 3 v.g. Compatio; e Com
pato: mas eu nam Vejº niflo equivoco , pois na fegunda difam
o com , deve eflar feparado . Mas aindaque ouvefe equivoco , o
contexto o-tira. Outros em lugar do-c , fempre poem u , e di
zem, Auto &c. tambem efla afetafam é condenavel: porque Ato,
é mui boa palavra, e todos a-intendem. Em Douto &c. pode-fe
conceder alguma coiza ao uzo.
Coflumam muitos Portuguezes dobrar os ee finais em muitas
vozes, efpecialmente em Fée » Sée cºc. e alguns dobram-nos em
muitas outras palavras , inclinando-fe , fegundo dizem , a uma
antiga pronuncia . Mas ou feja antiga , ou feja de novo inven
fada, deve-fe fugir efia introdufam, pola me{ma razam que dife
mos , de fer contraria à pronuncia . Concorda o Bluteau dizen
do , que em algumas palavras fe-fupre, com um acento fobre o é.
Mas eu digo, que nam sò em algumas , mas em todas fe-deve
c{crever um só e . e quanto ao acento agudo, digo, que fe-lhe-de
ve pór , nam para moftrar, que falta um e ; mas para moftrar,
que fe-deve carregar a vogal ; porque afim enfina a pronuncia.
Pola me{ma razam da-pronuncia, fe-deve deferrar das-palavras
ou Portuguezas, ou aportuguezadas o Tºh, em lugar de F. Mui
tos Portuguezes introduzem , fem advertencia , em lugar do-f,
o dito pb ; outros dam longuifimas regras para diftinguir, quan
do fe-deve efcrever um, quando outro. mas uns e outros difcor
sem muito mal. O ph dos-Gregos era um p, afpirado com muita
forfa, e que alguma coiza declinava para f. e nam avendo em
Portugal femelhante pronuncia, é erro introduzir o dito p, quando
temos cá o f, que tem o feu proprio foido. Daqui vem que aindaque
Filoxofia , Triumfo &c. na fua origem tivefèm o ph , contudo
oje que fam palavras Portuguezas , nam só adotadas polos dou
tos, mas de que indiferentemente fe-fervem todos; devem-fe efcre
ver com fimplez f. Temos o exemplo nos-mefmos Latinos, que,
quando adotavam algumas palavras Eftrangeiras, pronunciavam-nas
com a pronuncia Romana : e davam-lhe as proprias declina foens
Latinas. Talvez lhe-confervavam algumas proprias letras, em aten
fam de ferem linguas vivas. E muitas vezes, para fe-livrarem da
impropriedade, efcreviam, e pronunciavam
• C- 2
as ditas letras em gO
Gre
2. O V E R D A D E IR O M E TO DO
go puro : como todos os momentos encontramos nos-feus efcritos;
principalmente nas cartas de Cicero, e alguns outros. Ela liber
dade de acomodar as palavras, ao efilo da-propria lingua, tive
ram fempre todos os Povos cultos : e devem ter tambem os Por
tuguezes . e afim fignificando o pb um p afpirado, com algum
foido de f = nam o-devemos uzar º vitoque nas palavras Portu
guezas, nam temos tal Pronuncia :
Quanto aos nomes, que ainda nam eflam em uzo por-todos,
mas que fomente uzam , ou para melhor dizer , algumas vezes
fe-fervem deles os literatos; deve-fe praticar outra regra. Se fam
nomes ( falo dos-Latinos , Gregos, Ebreos &c. ) de coizas par
tencentes a Artes, ou Ciencias , parece-me que fe-devem efere
ver, com as fuas letras originais. Vg.fe quizer-mos explicar, ou
efcrever os nomes pertencentes à Anatomia, que fam todos Gre
gos , fegundo o efilo do-Portuguez; efcreveremos palavras, que
fe-nam-intenderám: e afim é melhor , feguir a derivafam Grega .
O mefmo digo, de algumas partes da-Medicina, da-Filozofia &c.
Muitos defles nomes ou nam fe-podem efcrever de outra manei
ra, v.g. Pneumatologia &c. ou, aindaque fe-Pofam efcrever , nam
eftam geralmente recebidos , nem ainda polos mefmos eruditos :
e afim nam gozam, do-privilegio Portuguez. Se fam nomes Pro
prios, entra a me{ma regra: ou fam pouco uzados; e em tal ca
zo é obrigafam efcrevelos, com as fuas proprias letras. Onde nam
condeno quem efcreve, Homero, Herodoto, Herodes &c, aindaque
eftes trez, e outros femelhantes que citam ja muito em uzo, po
dem mui bem efcrever-fe fem h : o que ate os nofos Italianos
ja fazem: Mas fempre é mais defculpavel, fe em femelhantes no
mes fe-uzam letras da-origem. Quanto porem aos outros, que fer
vem de diferenciar as pefoas Portuguezas, e já eftam totalmente
naturalizados ; devem-fe veftir, com o traje de Portugal. E efte
uzo acho praticado, em todas as Nafoens de melhor doutrina .
Quazi todos os nomes da-Sagrada efcritura, fe-acham mudados na
nofa Vulgata . Vg. nós dizemos, o Mefias : e fe ouvefemos pro
nunciar como etá no-texto Ebreo, deveria-mos dizer, AMaxiaggh
com pronuncia forte , e gutural no-g. o que fizeram os Lati
nos , para adofar a pronuncia forte , e afpera dos-Ebreos . Tra
duzindo os Gregos efte nome , cfcreveram , Chriftos : os Lati
nos, Chriftus : de que nós tomámos a palavra, Crifio. Podia apon
tar mil exemplos, que deixo por-brevidade. Os Gregos quando
pro
* D E E S T U D A =R . " 2É

pronunciavam os nomes Latinos, faziam-no com o dialeto Grego!


e por-ifo nós achamos, que nas medalhas Gregas dos-Confules,
e Imperadores Romanos, os nomes etam transformados. Vg. efte
nome, Marcus Tullius Cicero, os Gregos efcreveram-no nas medalhas,
Markos Tyllios Kikeron , que tem baftante º diferenfa do-Latino -
Os Latinos, como ja difemos, davam a terminafam Latina, aos
nomes Gregos : e muitas vezes deitavam-lhe fóra algumas letras.
bafa abrir os Dicionarios, para reconhecer eta verdade. Os nofos
Italianos italianizam todos os nomes Eftrangeiros, que lhe-chegam
às maons , quando eles fam tais, que fe-Podem pronunciar à Ita
liana: e, feguindo a pronuncia Franceza, deterram da-efcritura,
os ditongos, e tritongos 3 pondo fomente a letra que conrefpon
de ao tal ditongo. outras Nafoens fazem o mefmo . Se pois em
todos os tempos ouve efta liberdade; tambem fe-deve praticar em
Portugal. E afim parece-me efcrupulo ridiculo, querer confervar.
em Ieronimo, o h, e y: e em Ioxé, o pb &c. tudo ifto fe-deve:
evitar, efcrevendo os nomes com as letras» com que-fexpronun
ciam em Portugal … * * ) . .* . . ,
o Emfim a regra é geral, que todos os nomes de origem an-,
tiga &c. ou fejam Proprios, ou Apelativos, que etam naturaliza
dos, e fam frequentemente uzurpados siou por-todos os omens,
como Ieronimo, Triumfo, &c. ou polo comum dos-doutos, como
Filoxofia, Teologia, Fizica, Metafixica, e mil outros; devem-fe ef>
crever como fe-pronunciam . Os nomes ditos que nam fam ge
ralmente uzados, v.g. Themifio , Theopompo &c. por-nam efcan
dalizar os ouvintes, ou confundir os ignorantes, é melhor efere
velos, com as letras originais. Os nomes, em que entra duvida
fe fam, ou nam uzados, podem-fe efcrever, com as letras da-lua
derivaíam 5 pois a duvida motra , que nam é uzual . Ifto digo
dos-nomes, que fam puramente antigos, ou que fe-derivam de lin
guas mortas, como a Latina, Grega, Ebraica, Caldaica &c. Quan
to pois aos nomes de linguas vivas , principalmente das-linguas
do-Norte, em que fe-acham muitas confoantes feguidas &c, acho
que é melhor , e às vezes preciza necefidade , efcrevelos com
todas as fuas letras: porque femito, nam fe-poderám diftinguir
e reconhecer, os Autores, as Cidades &c. e nacerá grande con
fuzam . Aquelas confoantes que a nós parecem fuperfluas , nam
o-fam para eles, porque as-pronunciam, fupondo-lhe vogais : on
de tirando-as, nem os-intenderemos pronunciar , nem os-fabere
mos procurar nos-livros . E{ta
22 VER DA DE IR. O ME TODO
Efta doutrina que atè aqui eflablecemos, deve-fe aplicar, a to
dos os outros cazos que ocorrerem, de quaifauer letras que fe
nam-pronunciam : E afim nam é necefario repetila efpecialmente, em
todas as palavras: pois qualquer por-fime{mo pode aplicála. On
de, feguindo a ordem do-Alfabeto, deve-fe deterrar o G. de Ma
dalena &c. Polo contrario deve confervar-fe em Significar , Ma
gnifico &c. porque na pronuncia s'exprime. __ -

A mefina razam perfuade, que nenhum Portuguez deve fer


vir-fe do-H, fenam quando tem diferente pronuncia... v.g. depois
de c, como em Chave, defpois de n, como em Minha &c., nun
ca porem quando fe-diz, He, Hei &c. Defla opiniam foram alguns
antigos Portuguezes; como Joam Franco Barreto na fua Ortogra
fias que quer fe efcrevam, fem h ; e o P. Bento Pereira na fua
Grammatica Lingue Lufitante, que concede, que cm algumas partes
fe-pode deixar. Muitos Portuguezes que atualmente vivem, e de
mui boa doutrina, defendem fortemente, que fe-exclua o b. e achei
um, que fomente o-admitia, quando diftinguia uma difam da-ou
tra. v.g. Ouve pode fignificar, teve , e tambem, eflá ouvindo: on
de no-fignificado de teve , punha-lhe o h, para nam cauzar con
fuzam. Conhefo, que o contexto moftra bem, em que fentido fe
toma: e fei que no-Latim, á infinitas palavras, que tem termi
nafoens equivocas, cujo verdadeiro fignificado fe-alcanfa, polo con
texto. E ainda no-Portuguez Amára, e Amará, fe acazo nam tem
acento, fomente fe-diftinguem polo contexto, da-mefina forte Cria
verbo que fignifica, Tirar do-nada : cria verbo que fignifica, Produ
gir a terra : cria verbo que fignifica, Dar leite às crian/as : e cria,
imperfeito do-verbo crer : nam fe-diflinguem fenam polo contexto:
o que tambem fucede em muitos outros. Digo fomente, que nam
condenaria, quem o-efcrevefe neftes cazos : aindaque eu pratique
comumente o contrario. Fóra daqui, julgo que nam fe-deve efere
ver, em nenhuma outra difam; porque todas fe-diftinguem mui bem,
fem efe final de afpirafam. O Bluteau, que no-Dicionario diz,
que em algumas partes fe-podia deixar de por o h no-principio ; em
outros lugares porem defende, a introduíam do-b, querendofe defº
culpar, com a lingua Italiana. Mas erra manifeflamente no-que
diz. porque nam só os omens mais doutos na lingua Italiana defe
terráram o h do-principio , e de muitas partes do-meio das-di
foens, deixando-o fomente defpois de c, e g, como em Bianche,

Paghes porque aqui é verdadeiramente afpirafam forte, e tem feu


par
/
particular foido : mas tambem a me{ma Academia da-Cruíça, no
eu vocabulario Compendiado e Correto, declara º que fomente, uza
do-b, para evitar algum equivoco: v.g. Hanno, Verbo que quer
dizer, tem 3 de Anno , nome que fignifica, o ano . Como tambem
em, Ho, Hai, Ha , inflexoens do-me{mo Verbo , para as-diftinguir
de algumas Particulas, que tem a me{ma terminafam ... aindaque
nefte cazo nam condenam º quem deixa o b. Quando muito ad
mitem o h, em Hui º Hoi º exclamafam de quem fe-queixa , ou
outro femelhante monofilabo: declarando porem, que aqui, e em
quatro vozes que apontam º sintroduzio por-erro antigo dos-im
prefores, e nam por-alguma fundada razam. O que é muito de
notar: fendoque os Tofcanos afpiram fortemente todos os mono
filabos , femque por-ifo efcrevam h. Fóra deflas circunflancias,
nenhum Italiano douto efcreve b : onde falfamente fe-ferve o Blu
teau do-feu exemplo.
Mas, deixando o que fazem os outros, e pafando ao que de
vem fazer os Portuguezes, digo, que nam devem efcrever b fe
nam, quando cauza diferente pronuncia, como em Minha, Dix-lhe
&c. O é quando é Verbo , muito bem fe-diftingue do-e Conjun
fam, pondo-lhe emfima um acento. Nem eu poío intender por
que razam é Verbo, deva efcrever-fe com h, e era, eram &c.
que fam inflexoens do-me{mo Verbo, fem ele. Tambem o ás, é,
Verbos que fignificam ter, mui bem fe-diftinguem de às , à Par
ticulas, com a diverfidade do-acento grave. Tudo ifto afim dif>
tinguem os nofos Italianos, que participam mais que ninguem da
lingua Latina, e que fam mui advertidos netas pronuncias. On
de é erro dizer, Huma , Humilde &c. mas deve-fe efcrever, Lima,
umilde &c. Nem é obfcura a razam: bata olhar para à pronun
cia, para faber, que é erro, pôr o b. Antigamente o b era fi
nal de uma forte afpirafam (1) . ( intendo por eta palavra aº
pirafam , deitar para fóra o ar que fe-recebeo , Para refrefcar
o interior , e ajudar a circulafam do-fangue : o que advir
to, porque me-parece, que entre muitos Portuguezes, nam e bem
certa a fignificafam defla palavra, afpirafam). Defte final pois fo
mente fe-ferviam, para fuprir as letras afpiradas dos-Gregos. On
de fomente s'efcrevia antes das-vogais , cuja pronuncia era bem
afpirada , e gutural , como- 1adverte
|- • -
Cicero (2) . e talvezd’efas
—, e ' )
antes•
(1) S.Aug.
Catullus Carm. l.1.confefs.
85. c.xvIII. (2) No livro,Orator ad M. Brº"
{M773 e •
'24 vERDADEIRO MET o Do
defas nam fe-punha . Mas no-tempo, da-pureza da-lingua Latina,
nunca os omens doutos efcreveram b depois de confoante , mas
fomente no-principio da-difam , e antes de vogal : e nam efere
viam Pulcher, mas Pulcer : nam Charitas, mas Caritas &c. O que
ainda oje vemos, nos-melhores manufcritos, e inferifoens lapida
res. Mas fe alguma vez a-punham defpois de confoante, fomen
te o-faziam nas palavras Gregas, ou que de lá traziam origem.
De que fica claro, que na lingua Portugueza, em que nam á af.
pirafam alguma nem forte, nem branda = nam fe-deve pôr aque
le final, que, só ferve de avizar o Leitor, que aquela letra de
ve fer afpirada : Somente do-u duvidei por-algum tempo, fe ad
mitia antes de fib: porque, a falar verdade, parece-me fer aque
la letra º que em Portugal, fe-Pronuncia, com alguma afpirafam ;
porque a me{ma natureza da-letra o-permite. mas dezenganáram
me os meus Italianos, que º fendo tam efcrupulozos obfervadores
da-pronuncia º nam poem b antes de difam alguma, que comece
por-u: falo dos-que efcrevem com a ultima perfeifam. Onde nem
menos os Portuguezes devem ter efcrupulo, de os-efèrever fem h.
Sobre as diferentes efpecies de II. é incrivel a bulha que al
guns fazem, cfpecialmente para determinar, quando fe-deve pôr
j rafgado , ao principio das-difoens . Cuido que efta grande bu
lha, fe-pode reduzir a duas palavras . Diftinguir o i vogal do
confoante, é mui necefario , para faber quando fere, ou nam fe
re a vogal. chamamos ra/gado, ao confoante 3 pequeno, ao vogal;
e diflinguem-fe pola figura . Quanto ao efcrevelos ao principio,
pouca dificuldade pode nacer , em quem efcreve em Portuguez;
vifloque rarifima palavra Portugueza comefa por-i vogal, antes de
outra vogal. Onde tirando º ia Verbo, indo Gerundio, ou outra
rarifima , que agora nam me-ocorre ; em todas as palavras Por
tuguezas, que comefam por-i antes de vogal , a dita letra é con
foante, e deve-fe efcrever_rafgada 5 ou de forma pequena , ou
maiufcula, fegundo a necefidade. Alguma dificuldade pode nacer,
no-principio das-palavras imprefas . Nefte cazo nam dezaprovo,
que o i de Joannes v. g. e outros femelhantes feja raígado, pa
ra evitar alguma confuzam. Mas ifto intende-fe nos-nomes de fór
ma pequena : porque nos-de fórma grande , que é a maiufcula
Romana, pouca necefidade temos de efcrever i rafgado no-prin
cipio : pois com o outro, igualmente fe-pronuncia bem. Quem Po
rem em ambas as partes quizefe pòr i raígado, namo-condena
ria:) .
D E E S T U D A R ; ºs
ria :) principalmente fe comefafem por-alguma das-duas Portugue
zas, que afima aponto . - , , , !

A maior dificuldade confifte em determinar, quando fe-poem


G, quando I, antes de e, ou i, nas palavras Portuguezas. v.g.
Gente efcreve-fe com g: Ereje uns o-efcrevem com g, outros com i:
Ieronimo com i: Giro efcreve-fe com g : E outras vezes antes do-e
&c, poem-fe um j confoante : Para dar razam deflas variafoens,
tem alguns efcrito longas paginas : mas nenhuma Regra das-que
li , deixa de ter fuas excefoens. Dizem, que em Gente, Giro
&c. a derivafam aponta o g. concedo : mas que derivafam apon
a letra , que devemos efcrever em Ereje , e outros femelhan
tes , que nam tem analogia alguma, com as letras da-füa deri
vafam à O meu parecer é efte : Que os doutos, figam a de
rivafam Latina, efpecialmente no-principio ; e tanto nos-Apela
tivos, como Proprios, que fempre comefam por-i : tirando quan
do defpois fe-fegue outro i , que entam é melhor, converter o pri
meiro em g_2 como Ginja . Que - no-meio, uzem mais do-g,
que do-i: vitoque nifto tambem á diverfidade , ainda nos-que
derivam do-me{mo Latim. Mas, nam se-lembrando da-derivafam,
&c, poíam fervir-se indiferentemente de ambas . Os ignorantes
figam o coflume e a pràtica, dos-que melhor efcrevem. Nem de
vemos admirar-nos, fe em alguma letra nem todos concordem :
nam fendo pofivel, que convenham todos, em materia tam du
vidoza e arbitraria. -

Tambem fobre as terminafoens, an , e aõ , fazem alguns


longuifimas difputas , e mui fuperfluamente . Confefa : o Blu
teau na fua Proza Apologetica , que ja fairam livros inteiros,
para deitar fóra o aõ : e que outros lhe refpondèram dizendo,
que o til nam era letra, mas rifco . . O Bluteau protege a pofe
do-aõ . mas declara, que o til fupre a letra n : e defende conf
tantemente, que nam fe-deve tirar o til, porque a terminafam
aõ º fegundo ele diz, é mais engrafada, que o am; e por-efte
motivo deve-fe confervar : muito mais porque feria necefario tam
bem, defnaturalizar as palavras, Birimbao, Catimbao, Pao, &c. Mas
o Bluteau neta materia, deixou-fe guiar por-alguns prejuízos. Di
zer , que o til é rifco, e nam letra, é o me{mo, que nam dizer
nada. O certo é, que efte rifco faz , que eu pronuncie um n
demais, que as letras que ali vejo : onde, chamem-lhe como qui
zerem º é um verdadeiro n . Dizer, que a terminafam am, é di
TOM.I. D ferente
26 VER DA DE IR O M E TODO
ferente na pronuncia , de 2õ» é outro engano: pois em qualquer
difam Portugueza , que fe-ache a terminafam am, todos a-pro
nunciam como aõ : e Portuguezes mui doutos fervem-fe indife
rentemente de ambas; e cuido que com muita razam ; fe e que
a fegunda fe-deva tolerar .
Os que contrareiam ifto , nam intendem bem a materia;
Rem d'onde naceo º efa particular pronuncia em aõ. Quem bem
confidera o ponto, reconhece facilmente, que aquele fil, é um
rigorozo m final : e deveria efcrever-fe, Falaom: porque efcreven
do-fc defla forte, e pronunciando-fe deprefa, faz o mefimo foi
do , que Falaõ . Daqui naceo, aquela particular terminafam em aõ
dos-Portuguezes : porque com a prefa de pronunciarem, tocam
tam de Pafagem o o , que nam fe-ouve mais, que o m : o qual,
em vez de o pronunciarem com os beifos fechados, que é a fua
Propria pronuncia; pronunciam com um foido fanhozo do-nariz:
que é o eflilo prezente de pronunciar todo o m final, em Por
tugal: nam avendo aqui m , que fe-Pronuncie como deve fer.
Alemdeque baflava alguma reflexam º para conhecer iflo; acha
fe manifefta razam, para o-perfuadir. A plica ou til, deve figni
ficar alguma letra: de outra forte feria fuperflua, e nam produ
ziria algum efeito. Efta letra só pode fer m, ou n, e ambos fi
nais : Porque de outra forte fería, Falamo , ou Falano : o-que nam
pode fer . Onde fica claro, que Falam, é uma fincope de Fa
laom : e que tanto fe-pode efcrever um, como outro. Reconhe
ce-feito melhor nos-plurais. v.g. Maõ, faz maons : Paraõ, va
roens : nos-quais declaradamente fe-ve o m, ou n , fegundo a pro
nuncia . E eu creio, que antigamente neftes plurais, em vez de n,
punham m > e que a dificuldade de pronunciar o m junto com
o s = ou o fom do-nariz , que pouco a pouco fe-foi introduzin
do no-m, o-converteo em n netas terminafoens: Pois ainda oje
efcrevendo-fe com um m final, a pronuncia o-faz parecer , como
m . O que, como dife, é um idiotifino particular dos-Portugue
2CS » •

E eta é a razam, porque os Eftrangeiros, nam podem Pro


nunciar bem efas dezinencias; que naverdade fam feias, e afpc
ras terrivelmente: porque nam á quem lhe-explique, que o til de
«ó , é um m, que os Portuguezes, por-corrufam, pronunciam co
mo, um n = nam só no-fim, mas ainda no-meio das-palavras. Re
conheci ifto por-experiencia: pois tantoque dei cíta *# A

alguns 3
D E E S T U D A R., 27

alguns, e mofirei o vicio da-linguagem ; pronunciáram melhor,


que os outros. Daqui concluo, que as ditas terminafoens, «ã, e
am, podem-fe uzar indiferentemente à vifloque uma é fincope da
outra: tendo introduzido o uzo , nam. Pronunciar na fegunda, o
o. Onde dife um erro Inacio Garcez Ferreira, e alguns outros,
quando quizeram defender 2, que etas dezinencias eram diferen
tes no-foido: e quando ele lhe-chamou º fincopes das-Caftelhanas.
E nam fei, fe confirma tambem o que ate aqui dife , ver, que
na Provincia de Entre Doiro, e Minho, ainda oje fe-pronuncia,
em muitas deflas palavras, o o 3 pois dizem , Tabaliom, Eferi
vom &c.
Mas eu digo mais , e afento, que aindaque uma feja abre
viatura da-outra , emportava muito à lingua Portugueza, que fe
deitafe fóra o til, e a terminafam aõ, efcrevendo-fetudo extenfa
mente : e uma de duas, ou que fe-e{crevefe Falaom ; ou, abre
.viando, Falam. Introduzir a Primeira efcritura , feria mais difi
cultozo; porque efles amigos nam querem reformas utis: e afim
ferá melhor, preferir a fegunda am, que ja eftá recebida em Por
tugal. Certo é, que quando os Portuguezes cfcrevem, a dita termi
naíam am, pronunciam aõ : e tambem é certo , que muitos omens
doutos fervem-fe da-primeira terminafam. Efe modo de efcrever,
encoflava-fe mais para a pronuncia : e com ele fe-evitavam con
fuzoens. feria tambem a lingua mais facil de ler , e pronunciar,
aos Efrangeiros: pois baflava advertir-lhe, que entre, o a e m,
deve-fe pôr um o , e pronuncialo deprefa . Advertimos porem ,
que aindaque os Portuguezes tenham, efta pefima pronuncia na fua
lingua; quando porcm pronunciam a dita terminafam am, no-La
tim ; devem pronunciala com os beifos fechados , como em feu
lugar advertiremos: poifigue a lingua Latina nam eflá fugeita, às
fuas leis,
Querem alguns, que em Tempo, e cutras palavras, em lugar
do-m, fe-ponha n, porque afim foa. Cuido, que dizem mal: por
que aindaque alguns pronunciem o dito m , copo n , pronunciam
muito mal; pois nefa voz muito bem fe-ouve o m, e em outras
tambem . E aindaque em outras partes, nam feja tam fenfivel
o m, deve confervar-fe: pois fe ouvefemos de tirar todos os mm,
que nam fe-explicam bem » poucos mm ficariam em Portugal. Em
Contigo, Configo &c. podem tiralo. Contudo quem o-quizefe tirar
em todas as outras, nem por-ifo o-condenaria como erro.
• •• • • , • D 2 A ter
28 VER DA DE IR O M E TO DO
A terminafim am, tambem cauza duvidas, a muitos Portugue
zes : e eu julgo, que nam deve ter nenhuma. Acham-fe omens
que afentam, que nam á tal terminafam no-Portuguez, e defendem
ifto, com muita forfa . Se difefem, que a terminafam an, antiga
mente era am, nam diriam mal : mas querer defender, que oje
nam á tal terminafam º é dizer um erro . Diftinguem-fe oje os
nomes Femininos, dos-Mafculinos, com efla terminafam. Vg. Vam,
e Van : Irmam, e Irman . Nem me-digam, que o til é rifco,
e nam letra: pois ja afima moftrei, que o til é uma letra; e que
a pronuncia enfina, que á-de fer n . Por-efta razam concluo, que
ferá necefario, pôr o dito n exprefo, deitando fóra o til. Mui
tos Portuguezes doutos feguem efla opiniam : os quais rim-fe de
Duarte Nunes, que queria fe-dobrafem os aa , dizendo Vaã , Me
nahaã. - - •

Sobre o P, ja afima dife, que nam fe deve efcrever ph por


f: Agora digo, que nem menos fe-pode fofrer, o que muitos fa
zem, pôr p, antes de t, em muitas difoens - vg. Prompto &c.
Efta é uma afetafam pouco toleravel : vifloque a pronuncia Por
tugueza, tem ja deterrado efte p . Onde nam é a me{ma razam
do-b, ou do-g, ou do-d, que fe-confervam nas palavras, Ob/curo,
Significo, Adverte : porque efte, ouve-fe mui bem : e o p , nam
fe-ouve fem afetafam . E nam falta quem diga , que nas duas
primeiras palavras tem ja introduzido o uzo , deixar aquelas le
tras na pronuncia : o que eu nam condeno : como nem menos
condeno , quem as-pronuncia . Pode fer que com o tempo, fe
dcixem totalmente.
Quimera por-Chimera, defende Bluteau , e alguns outros : eu
julgo, que fem razam alguma; fendoque o qui, tem mui diferente
pronuncia , doque a que fe-ouve na palavra, Chimera. Ja afima dife,
que a quem nam agrada, efcrever eflas palavras, por-sh, é melhor,
uzar o pronuncia,
ferente k dos-Gregos,
naqualdoque o qui s que
exprefamente tem oemu.Portugal di
fe-ouve •

Introduzio o uzo em Portugal , dobrar os rr, quando tem


pronuncia forte : e parece-me que efte uzo fe-deve obfervar, nam
fazendo cazo , do-que aconfelham alguns, que um só r bafava.
Nam pofo fofrer, que o Bluteau na fua Proza Gramatonomi
ca, queira introduzir, no-principio das-palavras Portuguezas, o san
tes de confoante : e efcrever, Squeleto, Spafmo, Scena, Sciencia &e-
Efta corretam é tam fora do-efcolio, que nenhum Portuguez, que
I12II\
D E E S T U D A R, 23
nam feja Latino, faberá pronunciar aquele s, no-tal lugar : e o que
fouber Latim, ferá necefario, que pronuncie um e mui redondo.
A razam difto é , porque o s Portuguez , que nam é final, é um
verdadeiro fibilo ou letra fibilante, que faz ouvir a vogal ou an
tecedente, ou confequente. e afim, querer efcrevela fem vogal,
é mudar a pronuncia da-letra , e é fazer uma ridicularia ,
fundada unicamente em querer moftrar , que fabe a derivafam
daquelas palavras . Abrasáram algumas pefoas cegamente, a opi
niam do-Bluteau : mas nem por-ifo dam razam , ou fazem au
toridade neta materia . Onde, antes de confoante, nunca fe-deve
efcrever s fimplez.
Deve-fe com cuidado diftinguir o u vogal, do-confoante v>,
ou v , para nam originar duvidas. O que muitos nam fazem ,
ainda prezados de doutos : pois vejo efcrituras deles , que me
recem compaixam . Ifto porem nam só no-Portuguez, mas ainda
no-Latim é neceffario: Pois aindaque antigamente, (que os Ro
manos efcreviam com letras maiufculas ) todos os voº tinham
a me{ma figura : oje que, com muita razam, fe-introduzio efia
| necefidade, devemos, no-carater pequeno , diftinguir na figura
eítas duas letras , afimcomo as-diftinguimos na pronuncia. E fa
zem mui bem os Alemaens , que, ainda nas letras maiufculas ,
diftinguem o vogal, do-confoante, nos-livros imprefos.
Diz Alvaro Ferreira Vera, que nenhuma difam Portugueza,
deve acabar em x . Muitos porem acabam em x algumas palavras,
e entre elas, Felix, Simplex &c. O que eu fei é, que a pronun
cia Portugueza acaba em x, todas as palavras que acabam em si
quero dizer , que todo o s final pronunciam como x . de que
nam quero outra prova mais, que cada um obferve, como pronun
cia o s final 3 e que diferenfa tem do-s , que pronunciam no
meio das-difoens. O que fupoto, fe feja mais ## , acabar em x,
o que fe-Pronuncia como x, ou pronunciar diferentemente os ss
finais; eu o-deixo confiderar a V. P. Mas deixemos o s, na fua
Pofe : obfervo , que nam só o s final fe-pronuncia como x ,
mas tambem o % final : o que V. P. pode ver em , Dix, Luiz,
Fix Órc. E daqui cuido que naceo a facilidade, de pôr o ? , em
lugar de s final , naquelas vozes de que fe-formam outras: co
mo, Diz º dizes ; Fax, fazes; para por-efte meio fazer os plurais,
fomente com acrecentar es. O que eu nam condeno , mas antes
aprovo» e Pratico com o exemplo, e com a razam : e *###"
… fe-de
{
3o V E R DA DE IR O M E TO DO
fe-deve fazer. Nefta letra é digno de atenfam, o demaziado efcru
pulo de alguns , que magiftralmente decidem , que o x tem di
ferente pronuncia do-ch, antes de e , ou i. e que é erro dizer,
Xapeo; mas que fe-deve pronunciar, Chapeo, carregando muito no
ch, para o-diflinguir do x : e advertem, que é erro da-pronun
cia da-Efremadura, pronunciar o ch, como x . Mas, fem fazer ca
zo da-decizam defles Senhores , julgo, que devemos continuar, na
pronuncia da-Efremadura. Nam digo, que na efcritura converta
mos o ch , em x : deixo as coizas como fe-acham : só digo,
que na pronuncia, nam á diferenfa entre uma, e outra letra. Em
materia de pronuncia , fempre fe-devem preferir , os que fam
mais cultos e falam bem na Eftremadura, che todos os das-outras
Provincias juntas . Ora é certo, que os ditos pronunciam doce
mente como um x : e nem só eles , mas muitifimos de outras
Provincias, tem a me{ma pronuncia . Somente alguma diverfida
de achei nos-Beirenfes, que batem mais o dito c, encoftando-fe
à pronuncia Romana do-c_. Mas feja como for , eflas nam fam
razoens, para perfuadir um omem, a que pronuncie o dito ch ,
diferentemente do-x : quando a pronuncia comua eflá a feu fa
vor : a qual por-ifo me{mo que é mais füave , deve fer prefe
rida à outra. E faiba V.P. que notei outra coiza , e vem afer,
que os que querem pronunciar o ch, nam como x , esforfam-fe
deforte , que, na violencia comque pronunciam, mofiram bem,
que nam é efa a fua pronuncia . O dizer, que fe-devem diftin
guir na pronuncia, nem menos perfüade : porque eles mefmos ad
mitem que s» e c, antes de e, e i, pronunciam-fe da-mefma for
te : onde nam tem que fe-efcandalizar . E afim o dizerem eles,
é erro, nam faz forfa : devemos refponder-lhe , que eles fam os {
que erram. Advirto porem , que no-meio das-difocns introduzio
o uzo, nam pronunciar o x , como no-principio; mas fegundo o
efilo Latino, como fe fofe um cs brando , tocando ligeiramen
te o c : v. g. em Reflexam º Conexam crc. porque afim é mais
fuave - mas Paixam, ainda fe-conferva em toda a fua forfa ; e
nam fei qual outro.
O Y tem tantos apaixonados, principalmente entre os moder
nos Portuguezes º que quazi abuzam dele : e acham-fe livros, em
que fam mais os yy, que os ii : efpecialmence o Curvo na fua
JAtalaia dá-Kida.» e alguns outros . O Bluteau , feguindo a
Bento Pereira, diz, que fe-deve admetir nas palavras, para mo
ftrar
D E E S T U D A R . 3I

furar a origem remota delas, principalmente do-Grego &c. Como


fe fêm efia noticia , nam pudefemos faber Portuguez ! Tomára
porem que me-difefe, fe Meio, Cuidado, Saia & c. em que poem
o tal y , tem alguma analogia com a origem . Outros dam outras.
razoens , que nam merecem reflexam, nem efeofla . O certo é,
que efla volgal antigamente valia o mefmo , que o u, ou tinha
um foido mais femelhante a u , que a i - onde fe a-quizer-mos
tomar, no-feu antigo vigor, faremos uma voz defemelhante, à que
queremos pronunciar : e fe acazo deve valer um i fimplez, tomá
ra que me-difefem , por-qual razam a-poem , onde nam é necefaria.
Daqui vem, que é erro efcrever, Meyo, Ley Hey, Rey &c. tudo
ifto fe-deve efcrever fem y, porque nam fam nomes Gregos, mas
puros Portuguezes . Onde nam só os Portuguezes, mas os mefimos
nomes Gregos, quando eflam bem aportuguezados, como Idropexia,
Ulixes &c. fc-devem efcrever fem y. Confefo, que nam pude fofrer
º Bluteau, o qual, feguindo ao Pereira, quer, que a vogal i nam
feja fuficiente, para fazer ditongo com a , dizendo, Pai, Dai, & c.
mas que feja de necefidade pôr o y, para o ditongo ; Eite pare
cer nam necefita de confutafam : pois quemquer conhece , que
com ai , fe-pronuncia, da-me{ma forte que ay: onde o uzo ferve
de refpofia ; e nam temos necefidade do-y, para fazer o me{mo,
que fazemos com o i .
Pafo daqui ao Z, aquela letra defgrafada , que teve a in
felicidade de dezagradar , à maior parte dos-eferitores Portu
guezes defe feculo : os quais nam só a-defprezáram, para intro
duzir em feu lugar o s s mas alguns deles com decreto afentá
ram º que fe-devia deferrar do-meio das-difoens , c. prover o feu
lugar no-s . Efles Senhores efcrevem quazi tudo com s. Achará
V.P. em alguns dos-bem modernos *** Cezar, Fazer, Quixeram,
Miudeza, Reduzir, Fazenda &c. tudo efcrito com s. Entre cles achei
um º de mui boa fama,. que em uma orafam "" efcreve , Alte
$a , Solenizado com *: e pouco abaixo, U/urpáram » Lifônja com s.
Poem Riqueta , e logo Luminofo, Profu/am º poem Farem, e logo
Religio/o. Emfim a maior parte defes modernos doutifimos efere
vem º Alteza, Luzes, e outras poucas palavras com X: e tudo o
reflante, em que devia entrar o z, vai com s. O Vieira ; e ou
tros» que nam admitem tantos ss, contudo em algumas difoens
feguem o me{mo, e efcrevem vg. Brazil, com z, e Reside , com º
seu creio, que é necefaria mui pouca meditafam Para CCIT
conhe
?
3: V E R DA DE IR O ME TO DO
cer , que todos efles erram . Os Portuguezes tem a pronuncia"
do-k a{perifima: que creio lhe-ficou, da-comunicafam com os Moi
ros, e Arabios, que abundam muito difo : e eu acho em Por
tugual, muitos vocabulos deflas Nafoens: Onde tendo o s, e z, di
ferentifimas pronuncias, é erro fem defculpa, pôr o s, em lugar
do-7, quando efe deve ter toda a fua forfa , como no-princi
pio, ou meio das-difoens . Dezafio todos os Portuguezes, paraque
pronunciem eftas palavras diferentemente, vg. Luzes, e Lixonja ;
.Abrazado, e Plauzivel; Riqueza,e Religioxo. nam averá algum que
fe-atreva a dizer, que nas primeiras fe-ouve ? , e nas fegundas
s : mas em ambas as partes fe-ouve um º mui grande, e gordo.
Sendo pois efta pronuncia particular na lingua Portugueza, acha
V. P. que fe-pode fofrer, defterrar todos os xx , para introduzir
uma letra , que foa diferentemente ? a ifto chamo eu deftruir,
nam emendar, a boa Ortografia. Alem difo, eu acho em Portu
gal motivo, para dizer o contrario. ponhamos exemplo netas duas
palavras , Azeite, e…Aceite; ou tambem, Razam, e Raçam. Nin
guem dirá , que eflas duas palavras foam da-me{ma forte : por
que em tal cazo nam averia motivo, para as-diftinguir na pronun
cia. todos tambem conhecem , que o c , com cedilha ; , antes
de vogal, pronuncia-fe como s ; e que por-efa razam muitifimos
Portuguezes indiferentemente uzam delas. Daqui pois fegue-fe, que
fez, fe-deve pronunciar como s, os ditos pares de vocabulos devem
pronunciar-fe da-me{ma forte. Mas fem eu proguntar ifto a omens
doutos , mas fomente ao leigo da-cozinha de V. P. fei que me
refponderá, que Razam, e Raçam,fam coizas mui diferentes: Axei
te, e Aceite, nam menos : E afim nam tenho lugar de duvidºr,
que, pronunciando-fe diferentemente , devem tambem efcrever-fe,
com letras diferentes. Se concedem, que o 7 fe-deve confervar,
em algumas vozes , como todos concedem ; que razam á , para
o-nam-confervar nas outras ? Se dizem , que o dito s fe-deve
pronunciar, como R., merecem rizo quando querem pôr aquele, por
efle - ou deitem fóra efia letra do-alfabeto; ou efcrevam-na onde
deve entrar… Fazer o contrario, é defruir a pronuncia da-lingua,
ou batizar de novo as letras.
Somente Porei R em lugar des, no-fim de algumas difoens 3
de que fe-formam outras , como afima dife: porque o uzo in
troduzio efta pronuncia do-7, femelhante ao s. o que fufpeito que
provêm de uma Apocope, que fe-acha nas tais palavras : e que
all (1-1
D E E S T U D A R . 33

antigamente depois do-z fe-punha uma vogal : como á exemplo


em muitas linguas, e tambem na Portugueza - }
Lendo eu a efte intento o Bluteau nos-opufculos, (1) fiquei
confirmado, que poucos omens peníam bem, ainda dos-que tem
bom nome. Confefa, que muitos eram de Parecer, que s'efere
veie Filozofia, fempb: e que fempre fe:avia de feguir a pronun
cia , pois era efia a maior excelencia do-Portuguez 3 no-qual as
letras dobradas eram inutis. Que deta opiniam era Duarte Nu
les de Lcam, & Joam de Barros, nas fuas Ortografias ; e outros
muitos autores, que efcrevêram da-lingua. Contudo diz, que na
Academia do-Ericeira fe-afentára, que nem fempre fe-devia cfcre
ver como a pronuncia: Mas aqueles nomes que conhecidamente
encerravam origens fem corrufam, s'efcrevefem como na fua eti
mologia, quando as letras nam fofem como a pronuncia: e afim
Coro , e nam Choro : Monarquia , e nam Monarchia : E que os
xx s'evitafem muitas vezes, fervindo-fe do-s. Confefo a V.P. que
nam pude ler ifto fem rizo. Eu nunca li as obras do-Leam, ou
Harros , nem me-canfei em bufcalas : mas agora fico formando
melhor conceito deles. Polo contrario nam fei, quais eram os vo
tantes na dita conferencia: porem olhando para o que afentáram,
formo mao conceito do-feu juizo : pois conhecendo a razam, e
tendo bons autores , que os-apadrinhafem ; ainda afim quizeram
feguir os prejuizos e preocupafoens que mamáram, fomente por
ferem antigas. Ifto certamente nam é emendar a Ortografia. O
pior é, que o Bluteau conhecendo ifto me{mo , como em algu
mas partes confefa, deixa-fe guiar da-corrente. Afima moftrei, que
Monarchia, deve-fe efcrever com ch, vifloque afim efcrevem Ar
chanjo os contrarios &c, e nam tem diverfa razam , fem cairem
em uma fuperfluidade . Devendo pois deferrar o ch , é melhor
fervir-fe de k, mas nunca de q. O mais tambem ja fica adver
tido.
Certamente que o dizer o Bluteau , que nos-nomes fe-deve
obfervar, a Ortografia da-derivafam, como em Philo/ophia &c, por
que de outra forte nam fe-faberám bufcar nos-Dicionarios; é re
flexam que merece rizo: porquanto as derivafoens, só as-procu
Jam os doutos : e eftes bem as-fabem , os ignorantes , nem as--
TOM. I. E bufcam,

(1) Na 6, conferencia literaria aos 18 de Maio de órc. **

Em caça do-Conde da-Ericeira ,


34 VER DA DE IR O ME TO DO
bufcam, nem necefitam de bufcalas , aindaque queiram falar , e
efcrever puramente .
Até aqui tenho feito algumas reflexoens, principalmente fo
bre as coizas, que fe-devem deixar : agora farei outras, fobre
as que se-devem acrecentar. Nam cuide V.P. que eflas fam de
menor momento nefa materia: antes muitas vezes delas depende
o aumento, a pureza, e elegancia da-lingua Ponho em primei
ro lugar os Acentos: que creio, fam indifpenfavelmente necefarios,
para diftinguir muitas palavras . Nam podemos fem eles faber,
fe Amara, é preterito, ou futuro : e dame{ma forte em outras
muitas palavras. Tambem para diftinguir os Nomes, dos-Verbos,
vg. Pronuncia nome, de Pronuncia verbo. Afimque ele deve fer
todo o cuidado dos-metres : que devem advertir aos difcipulos,
em que partes fe-devem pôr º para bater com mais » ou menos
forfa as vogais , e diftinguir os tempos , e as vozes : vifloque
os Portuguezes nam. tem letras dobradas , que antigamente fer
viam a outros , para moftrar as diferentes pronuncias . Porque
eles com as dobradas , pronunciavam diferentemente : e os Por
tuguezes, tirando em pouquifimas palavras, Pronunciam como fe
eftivefe uma fimplez letra.
Nam ignora V.P. que as virgulas, pontos, e dois pontos , fo
ram inventados, para diftinguir melhor o difcurfo . Efle é um
dos-defeitos da-antiga efcritura , que tinha poucos finais defes:
e por-ifo é às vezes bem embrulhada . Muitas vezes verá V. P.
um ponto , defpois de cada palavra : o que faz grandifuma
confuzam. Outras vezes, o lugar em que punham o ponto, mofº
trava a diverfidade da-pontuafam: quero dizer , que o Polo na
cabefa», ou no-corpo, ou no-pé da-letra, moltrava que era vir
gola, dois pontos, e ponto. E como nam temos documentos bem
claros, ainda oje vareiam muitos os Gramaticos no-determi
nar, quando era ponto, e quando virgula &c. Com efeito eu vi
uma lapide antiga, na qual os pontos todos efiavam em um me{-
mo fitio, no-corpo das-letras: o que aumentava a confuzam. Os
Modernos mais advertidos inventáram eftes diverfos finais , Para
nam nos-enganar-mos nas pauzas, e no-fentido do-difcurfo - Mas
ainda nifto Procedèram devagar : e eu vi livros imprefos nos-Pri
meiros tempos» quero dizer, nos-fins do-feculo XV. e principios
do-XVI, nos-quais nam avia mais que virgulas, e todas dameº
ma figura : o que aumentava fenfivelmente o embarafo : fendo
I]C-
D E E S T U D A R. 35
recefário um grandifimo efludo, para diftinguir os fentidos , B
ifto fe-pratica ainda oje nos-originais das-Bulas Romanas , eferi
tos fem virgulas, nem pontos: os quais quem nam é pratico dos
eftilos da-Dataria, nam pode ler ; nam só polo carater Gotico,
mas pola Pontuafam. Os Modernos evitáram iflo, com a diferen
fa de figuras. Onde fendo os Acentos, os que tiram a confuzam
à pronuncia, e enfinam , como fe-devem diftinguir as partes do
difcurfo ; valem infinito prefo , e devem praticar-fe com cuida
do . Nam digo, que efcrupulozamente pratiquemos as trez fortes
de acentos : pois nem os me{mos Romanos fe-ferviam muito do
circumflexo , que com o tempo perdèram . bata uzar do-agudo,
que fe-efcreve afim (") para bater mais as filabas: do-grave nef.
te modo (") para as particulas, que fe-tocam menos : em algum
cazo quem quizefe podia pôr o circumflexo fobre o i, para dar
lugar ao ponto definia. Ifto é o que bafta.
Aos acentos feguem-fe as linhas , que fe-eferevem entre as
difoens, para as-juntar, ou dividir na pronuncia. Os Ebreos tam
bem tinham eflas linhas, e alguns Povos Europeos. Algum Por
tuguez a-uza. mas feria juflo que a-uzafem mais, e com regras
determinadas: pois ajuda muito a pronuncia, e diftingue muito as
difoens, principalmente as compofias. Julgo, que fe-deve uzar na
quelas, que compoem duas palavras perfeitas, que coflumam eflar
às vezes feparadas... v.g. Fazemos-lhe, lhes-fazem, nos-dizem , di
xem-no &c. Com iflo fe-motra, quando os Pronomes unem com
os Verbos, nam só no-fentido, mas na pronuncia ; e finalmen
te, quando muitas difoens na pronuncia compoem uma . Deve-fe
tambem pôr entre a Particula fe, quando é Pronome, e o Ver
bo. v.g. Se fe-fizer. o primeiro fê, é Conjunfam condicional: o
fegundo, é Pronome , e une com o Verbo. Onde a dita linha é
de grande utilidade, para moftrar as palavras , que devem pro
nunciar-fè unidas. v.g. o Nos, algumas vezes é Nominativo, Nós
fazemos 3 e pronuncia-fe feparado, e com acento forte : outras ve
zes é Cazo, v.g. nos-fazem: o que fe-diftingue mui bem com a di
ta linha . Tambem às vezes ferve, para diftinguir os tempos. v. g.
*Amáfe preterito , e Ama-fé prezente , com efla linha fe-diftin
guem : porque efta feparafam de vozes motra, que, quando che
gamos ao a, deve correr a pronuncia , para apanhar o fe : que
é o mefmo que dizer , deve nam parar no-a, nem carregalo: no
que fe-diftingue o tempo. Sei, que com os acentos fe podem dif>
E 2 tinguir
36 VER DA DE IR O ME TO DO
tinguir etas coizas, digo , efte ultimo cazo ; e por ifo digo,
que ou uma , ou outra coiza fe-deve praticar: aindaque eu, por
intender que fam necefarias, pratico ambas.
Quanto ao fe , nam só deve ter linha, quando fe-une ime
diatamente ao Verbo , mas tambem quando s'interrompe com a
Particula negativa - v. g. Je-mam-faz, quando vale o me{mo que,
nam fe-faz . Porque aindaque a Particula parefa que fepara; con
tudo no-dito cazo a negafam é unida ao Verbo , e faz com ele
um só corpo , e fentido: dame{ma forte que entre os Latinos,
a particula in unida aos Verbos. Onde a feparafam, é fomente
quanto à vita : e as duas linhas enfinam, que fe-deve pronunciar
tudo, como uma só palavra. Serve às vezes a dita linha nam só
para unir as palavras, que efe é o feu principal fim; mas para
evitar os equivocos. E afim poem-fe na Particula Por, quando fi
gnifica cauza &c. para diftinguila do-Verbo Pôr . tambem nas Par
ticulas no , do , da, para as-ditinguir dos-Suftantivos nó, e dó,
e do-Verbo dá , ou dás. Em todas eflas, e outras femelhantes,
milita a me{ma razam . nas quais porcm ferá jufto pôr acento,
quando deve fer .
Em outras partes tenho viflo uzar eflas linhas, que nam me
parecem de tanta necefidade . v.g. Fazemos: que algum douto efere
ve: Faze-mos: ou tambem quando uma confoante fe-converte nou
tra, para evitar o concurfo de muitas vogais : v.g. Fazé-la, Amá
la , que vale o me{mo que, Fazer-a, Amar-a . Mas nefles pri
meiras pefoas do-plural parece efcuzada, porque fe-intendem mui
to bem , e eflam muito em uzo. E o me{mo julgo, dos-fegun
dos exemplos : muito mais porque nefas cm que vai La , muitas
nam fe-acham feparadas às vezes , v.g. Quere-la &c. Mas quem
neles fegundos exemplos ateimáfe a praticala, nam faria erro. O
que porem me-parece afetafam é , querer feparar efla voz
Mente, dos-nomes com que faz Adverbio : Pia-mente , Antiga
mente & c. Na pronuncia deflas difoens, nam pode aver engano :
e quem as-fepara , intende mal as coizas.
. Podem opor-me uma dificuldade, vem afer, quando fe-divi
dem as palavras no-fim das-regras, como á-de conhecer quem co
peia º fe na feguinte regra deve pôr a palavra inteira , ou com
a dita linha . Mas a ito refpondo , que fe-conhece muito bem
defle modo : fe as palavras fe-dividem por-necefidade da-regra »
poem-feno-fim duas linhas afim = : quando fe-dividem naZ2II]
divi
D E E S T U D A R. 37

zam da-linha, bata pôr uma só linha . Primeiro exemplo afim :


Fa=zia: fegundo exemplo: FaR me . Se no-fim da-regra fe-acha o
Fa = com duas linhas , é final que na imprenfa, ou copia deve
ser inteira a difam: fe tem só uma linha, fucedendo ficar toda a
difam na feguinte regra, deve ter tambem a linha : e ifto é fa
cil de praticar.
Creio que ferá mui jufto, introduzir na lingua Portugueza, os
Apofirofes : que fam umas virgulas , que fe-efcrevem no-alto de
uma confoante antes da-vogal feguinte 3 para moftrar , que falta
uma vogal, e que a confoante fe-deve unir na pronuncia , com
a vogal da-feguinte difam . Digo na proza , porque no-verfo o
Camoens, e outros ja os-introduziram. Os nofos Italianos intro
duziram os Apofirofes, para abreviarem as difoens: viftoque, co
mendo-fe as ditas vogais na-pronuncia, é fuperfluo efcrevelas: baf.
tando ali pôr o final , de que deveriam eitar . O me{mo fazem
os Francezes : e cuido que º fem alguma cenfura, o-podem intro
duzir os Portuguezes . Onde ferá permetido efcrever , . Amor
d’ Antonio : Cam dº agua & c. A razam difto é , porque ou na
proza , ou no-verfo nam se-faz cazo daquela primeira vogal : e
afim podemo-nos difpenfar de a-efcrever. Em 2. lugar, porque nam
fe-perde com ifto o fentido , nem fe-faz equivoco. Em 3. por
que faz a pronuncia mais doce. o que principalmente fe-conhece,
quando as vogais fam femelhantes : no-qual cazo pronunciar dois
ee » ou dois aa , é aípero, e canfa. Afim cuido, que nefte cazo,
é necefario 3 nos-outros, mui agradavel o Apofºrofe. Nem illo é
tam novo em Portugal , que nam fe-achem vefligios defla uniam
na pronuncia: antes nam á coiza mais frequente. Confidere V.P.
elas palavras, Defe , Daquele, Dame/ma, e outras femelhantes 3 e
verá nelas o que digo. Antigamente efcrevia-fe, De efle, De aque
la º De a me{ma órc. o que facilmente alcanfa quem confideras
o que vale aquele d, e com que motivo fe-introduzio . Motrou
a efeeriencia, que, pronunciando efas particulas feparadas, ficava
afpera a pronuncia : e afim deitaram-nas fóra até da-cfcritura. O
que fupoto, o que eu aconfelho é, que pratiquem com as ou
tras difoens, que fe-unem na pronuncia, o mefmo que tem pra
ticado com eftas: e que em ambas as partes ponham o Apofirofe,
Para moltrar a vogal que falta ; e com ifto enfinar melhor a
compozifam das-difoens, fabelas conhecer , e buscar. Apoftarei eu,
que de dezmil omens Portuguezes , a um só nam veio nunca à
1Illa
38 V E R DA DE IR O METO DO
imaginafam, que Defe cºc. é compofia de De , e Efe. Proguntei
ifto a alguns , e nam me-fouberam refponder : e contudo fer
viam-fe indiferentemente defles termos. Eu teria uzado mais amiu
do dos-. Apofºrofes: mas como ainda nam eftam bem introduzidos,
temo que mc-nam-intendam. Pouco a Pouco devemos acoflumalos
a ifto.
Outra coiza tenho que repreender , na maior parte dos-Por
uguezes, e vem afer , que dividem muitas difoens, que deviam
eítas juntas . Vg. efcrevem » Ainda que º Para que , Com que,
Tor que, e outras conjunfoens femelhantes . Mas erram, porque
aquelas palavras quando fe-feguem umas a outras , devem eflar
unidas, e fazem uma só palavra : e até ifto pode fer necefario,
para fugir de equivocafoens. Se eu difer: Para que omem me-man
da ! Com que raçam me-perfuade! nefte cazo o que, é Relativo.
e deve eflar feparado . Mas quando fignifica o me{mo, que etfi,
ut , igitur, quia, como nas quatro afima apontadas ; deve eftar
junto: o que fervirá muito, para os-diftinguir ambos. Ifto mefmo
praticáram os Romanos . Attamen , Etenim , fam. compofios de
.At , tamen ; Et , enim. Quamobrem é compofio de trez difoens,
nenhuma das-quais é Adverbio: e contudo juntas fazem de mui
tos nomes um . E ifo mefmo devem fazer os Portuguezes nef>
tas difoens indeclinaveis : e ainda algumas vezes nas declinaveis,
que fe-unem com o Articulo &c. O que o uzo enfinará 3 e a
pratica dos-omens doutos confirmará.
Tambem fobre os Plurais feria necefario, eftablecer um uzo
confiante. O P. Bento Pereira diz, que o plural de al, é ais,
e nam aes . e parece que tem razam 3 porque a pronuncia mofira
um i, e nam um e . Mas nifto á tanta variedade, que uns efere
vem ais , outros aes : e o pior é, que o me{mo efcritor ferve-fe
às vezes, d'ambas as terminafoens. Um defles é o Bluteau: que,
tendo aprovado na Proza Gramatonomica a opiniam do-Pereira ,
contudo efcreve Mi/aes, e outros plurais femelhantes." Mas ja ad
verti , que o Bluteau é inconfiante na Ortografia . Mais contro
verfos fam, os que acabam em er , como Chanceler, cujo plural
querem muitos que feja Chancereis : e nifto tropefa muita gente
boa. Cuido, que é mais proprio, e mais chegado à analogia, Chan
celeres : e afim todos os mais. Dame{ma forte Almifcar, deve fazer,
.Almifcares. Tambem é mui duvidozo o plural de Simplex, como
tambem Feliz. Muitos efcrevem o primeiro com x, em ambos os
ITU
D E E S T U D A R. | 32
numeros : o que aumenta a confuzam . Outros efcrevem no-fin
gular, simplice : que Parece afetafam vergonhoza - Ou acabe em s,
ou z no-fingular, o plural deve acrecentar fomente um es : v.g.
simple/es, ou Simplexes: O mefino digo, dos-que afetam dizer no
fingular, Felice, e plural Felices. Digo, que no-fingular deve-fe di
zer Felix , ou com º , ou R 3 e no-plural Felizes : e afim dos
mais . as palavras Indice , e Index , ja oje fe-recebem indiferen
temente em Portugal. Que Brazil, fafa Braxis, eftá muito bem: .
mas que Malfim, Beleguim, fafam Malfis , Beleguis , como querem
alguns; é contra a pronuncia boa , que motra um n mui claro.
E afim efles em im, devem acabar em ins, Malfins. Os outros plurais
em aons, aens, e oems , é facil determinalos; advertindo as ano
malias que fe-acham nas tais regras , que nam fam poucas.
Mas nam pára a qui a reforma: deve-fe dar um pafo mais
adiante , e acrecentar muita coiza , em que é defeitoza a lin
gua Portugueza . Confifte a primeira, em adotar algumas pala
vras Efirangeiras, para explicar melhor o que quercinos. Nam acho
em Portugal palavra, que explique a idea que formam os nofos
Italianos, ( e ainda os Francezes) quando proferem etta palavra,
Tenjo : dizendo , . Um omem que penfa bem : Que penja mal & c.
Dizer, Ajuizar, nam explica: porque ajuizar é uma efpccie de
Penfar; mas nam compreende tudo quanto diz, Penfar. Nem me
nos ferve, Confiderar : porque confiderar é o me{mo que Meditar,
Examinar uma materia ; e Penfur diz mais. Um meu amigo, para
dezatar efte nó, fervio-fe de Penfamentear : mas parece afetado .
E mais proprio e natural, fervir-fe do-Verbo Penfar, que com
preende todas as operafoens do-intendimento. Onde, diremos que
um omem Penfa bem, quando fe-ferve de todas as qualidades da
mente ou intendimento, como deve fer.
A mefina dificuldade pode nacer em outras palavras . Aqui
confundem Iuizo , e Intendimento: fendo coizas muito diferentes.
Porque cada nome detes diftingue uma particular faculdade da-al
ma, efla de intender, aquela de julgar. A etas duas unem ou
tras duas , Ingenho , e Talento : as quais nam só fam diferentes
das-ditas, mas entre fi . Ingenho, fomente explica a facilidade que
temos , para unir diferentes ideias , de um modo que eleve.
Talento , , fignifica a capacidade tanto de intender , como de jul
gar.» e difcorrer . Seria bom, que fe-diftinguifem eftes fignifica
dos» e fe-explicafem aos rapazes, Para nam confundir as pala
- V12 S»
;
4O VER DA DE IR O M E TO DO
vras. Parece-me, que para explicar aquilo, a que os Latinos cha
mam, Mens , Intelligentia , e algumas vezes Intellečius , fe-podia
adotar em Portugal a palavra Mente , como fazem os nofos : a
qual explica melhor tudo . O uzo tem introduzido, que Intendi
mento feja finonimo de Mente.
A efas fe-podiam ajuntar outras muitas palavras Eftrangei
ras, que explicam melhor o que fe-quer dizer ; principalmente
quando fe-trata de Artes e Ciencias : cujos termos é necefario
uzar, mas com cautela. Nam digo, que fe-devam adotar cem mil
termos Latinos, que no-Portuguez fam inutis: antes condeno ifho
muito em baftantes Portuguezes, que enchem os feu efcritos, de
mil palavras Latinas fem tom nem fom, fomente para parecerem
eruditos. Efte é aquele vicio dos-pedantes ou ignorantes, a que
os nofos chamam, Tedanteria . O que digo é, que nam avendo
termo proprio em Portuguez, fe-pode, e deve bufcar fóra : e mui
tas vezes pode-fe bufcar fóra , nam tanto por-preciza necefidade,
quanto para maior ornato da-lingua: aqual é juto que nam feja
tam pobre, que nam tenha algumas ocazioens dois ou trez fino
nimos, para explicar as me{mas coizas: outras vezes para adofar
a pronuncia afpera de algumas vozes antiquadas: e fazer feja mais
bela , e mais fuave a lingua materna . Mas aqui é que eftá o
juizo , em fabelos adotar fem afetafam . Porei um , ou dois
exemplos . Em Portugal nam á nome proprio, para nomiar aque
le criado de libré, que acompanha feu amo a pé vizinho à car
ruagem , ou cavalo . Os nofos Italianos explicam ifto com uma
palavra, Staffiere , ou Palafreniere. Porque nam uzaremos defles
termos em Portugal ? Chamamos aqui Letrado , ao que advoga
nas cauzas : chamamos aos omens doutos, Letrados. Mas ifto é
uma impropriedade . Letrado, Douto, Erudito, Sabio, fam finoni
mos , mas de fignificafam mui generica . Aos que advogam, de
viam chamar Advogados : que é o feu nome proprio , ainda na
lingua Latina , como diz Quintiliano , e Afconio : Advocatus ,
i. e. Patronus , CauÍidicus . Adotáram os Portuguezes etas pala
vras , Berlinda, Paquebote , Eflufa , Sege & c. para diftinguir as
diferentes fortes de carruagens de que uzam : mas podiam ado
tar muitas mais : avendo aqui outras carruagens , que nam tem
nome proprio , que em outras partes o-tem. As artes Liberais,
Ciencias &c. tratando-fe em Portuguez , devem ter os feus no
mes Eftrangeiros, mas aportuguezados. Finalmente, fe eu ouvefe.
de
D E E S T U D A R . 4I

de efcrever tudo, o que me-ocorre nefa materia, faria um gro


fo volume : e afim contento-me, de apontar efles exemplos. O que
encomendo muito é, que com efte Pretexto, nam nos-encham a
lingua de Latinifinos» Francezifmos , e Italianifinos , como entre
outros fez. Inacio Garcez, nas Notas ao Camoens. -

Seria mui util, que os omens doutos introduzifem uma ter


minafam certa, em todos os Patronimicos de Provincias &c, no
que falta muito a língua Portugueza . A um omem das-Provin
cias, chamam Algarvio , a outro Alemtejam …, a outro Minhoto,
Beiram circ. E ainda efles nomes nam fam geralmente , e beni
gnamente recebidos 3 porque fe-reputam injuria . Mas o pior é,
quando pafamos aos Patronímicos de Cidades ; comumente nam
fe-acham ; mas dizem: Um omem d'Evora : Um d' Elvas circ. Nefte
cazo parece licito, fazer nomes novos, e dizer, Evorenfe, ou Ebo
renfe , Coimbrenfe , Portuenfe & c. E o me{mo dos-outros antece
dentes : os quais podem terminar-fe em duas maneiras: v.g. Al
garvienfe, ou, com outra dezinencia Romana, Algarviano: Alem
rejenje , Alentejano : Beirenje , Beirano &c. Nos-nomes de Pro
vincias Ultramarinas, deve-fe obtervar o me{mo . v. g. Brazi
leenfe cyc. Infolenfe, Indiano &c. - - - -
Em todo o cazo porem , tanto na introdufam de nomes no
vos , como na pronuncia dos-antigos, fempre fe-deve cuidar, em
adofar a pronuncia, e fazela, quanto mais puder fer, facil. Nif>
to pois á muito que condenar em Portugal, principalmente nef>
tes modernos eruditos ; que, querendo parecer elegantes, e mui
verfados na fua lingua , e origens dela 3 dizem coizas, que é
uma piedade ouvilos. Vig. Efcrevem , Volumoço: fendo Voluminozo
muito mais füave , e mais chegado à analogia Latina . Dizem,
Exceptas : fendo mais natural Excetuadas , que vem do-Verbo
Excetuar , que é mui Portugue? : quando polo contrario nam
, acho nela, o verbo Exceptar. Dizem, Eregia: que ofende os ou
"vidos com a pronuncia: fendo melhor Erexia, que é mais doce,
e nem por-ifo menos conforme ao Latim. Dizem, Pefoa comum :
que é uma verdadeira ridicularia : porque aindaque a palavra co
mum, fignifique coiza de muitos; deve ter as fuas duas termina
foens em Portuguez , afimcomo tem no-Latim , em que explica
diferentemente o Neutro: e o fuperlativo Communi/imus, tem trez
mui redondas. Onde deve diver-fe, Coiza , ou pefoa comua cºrc. Fi
TOM.(T.deixando por-agora outrasF reformas detes efcrupulo
nalmente, • • ZOS )

/

42. VER DA DE IR O M E TO DO
zos ) nóto que efcrevem Pai , Mai , ou com y, ou com i;
Quanto ao primeiro concordamos : mas nam no-fegundo : porque
na pronuncia ouve-fé um e, em mui redondo: e afim deve efêrever
fe Maem , porque afim pronunciam os omens de melhor doutri
na . Nem vale o dizer , que com iflo fe-conformam mais, com
outras femelhantes palavras Portuguezas: porque, como ja dife,
o uzo, fundado fobre a pronuncia mais doce, faz lei nefte par
ticular (1). Tambem eles dizem Catam, Varram & c. e no-me{mo
tempo dizem Cicero, Pollio cºc. e nam Ciceram, Polliam cºc, fen
do a me{ma razam . No-me{mo Latim , ou Italiano vemos, que
uma palavra fe-pronuncia de um modo , e outra , que vem da
me{ma origem, diferentemente. o que V. P, pode ver nos-livros de
Ciccro , que apontei afima , que traz exemplos de tudo : por
nam citar agora exemplos vulgares, que fam muitos. Afim afen
to, que, com efta regra diante dos-olhos» é que fe-deve emendar e
reformar a lingua.
Mas o que me-dá mais vontade de rir é º ver as cautelas
que praticam º para dizerem º 'Porco . Uns dizem, o Gado mais
a/querozo : outros dizem, Carne fuina: e louvam muito ifto em al
guns antigos efcritores . Tudo puerilidades . Porco nam é Pala
vra obcena : dizem-na os Latinos , e os nofos Italianos diante
do-Papa º Antes creio que «(queroRº , traz a memoria nam só
coiza fuja º como o porco º mas coiza que volta o eflomago -
Eflas delicadas orelhas pronunciam, figidade, efêremento, lefnas,
ratos , perferejos , piolhos , fugas , e outras coizas imundifimas
fem dificuldade: e acham-na grande em pronunciar, Porco. Que .
lhe-parce a V. P. a efquipafam º •

Finalmente devo advertir a V.P. que efles feus nacionais»


ainda falando, pronunciam mal muitas letras no-meio s mas prin
cipalmente nos-fins das-difcens. V.g. e final, pronunciam como i:
como em De-me , Por me cºc. todo o º final, acabam em u = v.g.
CII}

( 1 ) Impetratum ºf 4 confue- didiem ? Credo,quoderat infilavius.


tudine, ut peccare/uavitatis caufa Cicero. Orator . ad M. B. num.47.
liceret. & pomeridianas quadri- Et infra = Confule veritatem, re
gas, quam Pofmeridianas, liben- prehendet: refer ad aures, proba
tius dixerim: Ǽ mchercule, quam bunt. quare, cur ? ita/e dirent
mchercules . Non feire quidem» jumari , voluptati autem aurium
barbarum jam videtur : neftire dul- morigerari deket oratio.
cius , p/um meridiem cur non me- •
D E E S T U D A R. " 43
em Tempo , Como , Buxo cºc. cujos nomes quem quer pronunciar
à Portugueza, deve acabar em u - todo o m final , e no-meio,
como e . todo o e antes de a no-meio da-difam, pronunciam co
mo fc-fofe um tritongo - v.g. Ce4 , Vea : que pronunciam Ceia ,
Peia : namobílanteque na cfcritura, comumente nam ponham o i.
E nifto merecem rizo alguns Portuguezes , que nas fuas Orto
grafias imprefas enfinam, que na lingua Portugueza fe-devem pro
nunciar algumas letras , aindaque nam eftejam eftritas : e que
umas letras devem pronunciar-fé por-outras : v.g. achando-fe Óu
to Dous & c. fe-deve pronunciar o u, como i. Ifto º como digo,
é querer confirmar os rapazes, nos-feus erros . Deveriam polo
contrario dizer, que, pronunciando-fe o i em Gea, fe-deva efere
ver tambem com i, para fe-conformar com a pronuncia : Muito
mais porque eles efcrevem Meio , Veio , Correio com i , e a
me{ma razam milita, nos-que apontamos, e femelhantes . Damefina
…forte achando-fe efcrito Outo com u , deveriam enfinar aos rapa
zes , a conformar-fe com a efcritura , fe intendem que é arre
zoada : fe porem intendem , como na verdade é , que parece
apera e dura; deviam dizer, que fe-cfcrevèfe com i; e nam en
ganar os rapazes na pronuncia :
E na verdade nam pofo intender. , por-que razam, pronun
ciando os omens doutos nos-feus difcurfos , Dois , Oito, Oi
tenta , Toiros , Coitas & c. devam na efcritura mudalo em
u ; fe nam é por-fe-conformar com quatro velhos impertinentes,
que intendem e julgam mal das-coizas . Efte é o mefimo cazo
de Optumus, Maxumus, Dividundo, Faciundo, e outros femelhantes
dos-Latinos . Cicero , Cezar, Nepote , e outros omens cultos,
nam puderam fofrer aquela pronuncia 5 e convertêram aquele a
em i , para fazer filave a lingua : Saluftio, que nos-ultimos tempos
o-quiz confervar , foi criticado : e nem menos agradou Varram,
que era o protetor das-antiguidades . Onde deve ifto tambem fer
permetido na lingua Portugueza , que filha dame{ma maen , tem
as mesmas qualidades. Parece coiza galante, que efles omens, em
vez de facilitar aos Eftrangeiros, a pronuncia da-fua lingua ; só
bufquem meios de aumentar, a afpereza dela. Certamente que o
Camoens no-XVI. feculo, apurou muito a fua lingua, fervindo-fe
da-Italiana &c. e ifto devemos nós tambem fazer, emendando os
erros de Camoens, nam só no-que digo ; mas em outras coizas,
em que ele pecou, e eu podia advertir . Concluo dizendo, que
F 2 Tl2
44 VER DA DE IR O M E TO DO
na lingua Portugueza, nam só fe-devem tirar as letras fuperfluas,
cnde nam fe-pronunciam ; mas efcrever outras , que fe-pronun
ciam, e até aqui fe-deixavam . Onde, todas as vezes que fe-pro
nuncia o i entre e , e a 3 deve-fe efcrever . V.g. Cadeia , Ideia,
Ceia , Veia cºc. viftoque os Portuguezes efcrevem comumente,
Meia de cal/ar , meia duzia cºrc. e a razam é a me{ma em am
bas as partes . Por-efla me{ma razam fe-deve efcrever em todos
cs Verbos, como Leia, Tafeia & c. porque fe os-pronunciafem co
mo Ceo, Plebeo, Chapeo &c. nefle cazo era juflo que lho-tirafem:
.mas levardo o ina-pronuncia , tambem o-deve ter na efcritura.
Defla forte fomente, fe-pcderá introduzir uma Ortografia certa,
e geral , que nam necefite dar diverfas razoens em todas as pa
lavras. Repare V.P. que eles efcrevem Aia, Maia &#c. com i,
porque o fcm defla vogal é claro : e porque nam faram o mef>
.mo com outros nomes, que fam puros Portuguezes ?
Acho alem difto omens, que aconfelham, fe-tire de Arreca
dar, Arrematar cºc, o arre ; e fe-diga , recadar, º ematar . Sam
defe parecer o Bluteau, e algum outro . Mas eflas orelhas tam
delicadas e efcrupulozas, que fe-ofendem com tais minucias 3 nam
tem dificuldade, de fe-fervirem em todas as paginas defles termos,
Com noticia 3 & c. o que abunda no-Bluteau : ou , como diz o
Vieira, Por raçam », e outras tais. Parece-me, que eflas cacafonias
mencs fofriveis, fe-deveriam evitar; deixando as outras que nada
cfendem . Efle metodo de reformar a Ortografia, era melhor que
fe-ram-implemife. - -

Ora defe dano de pronunciar mal o Portuguez, de que até


aqui fizemos menfam 5 rezulta outro , de confervar no-Latim os
mefmos erros . onde feria mui util , que fe emendafem quanto
pudefem. Sei, que ifto tem fua dificuldade, porque os ignorantes
fam muitos , e pronunciam mal : mas Roma nam fe-fez em um
dia. Seja V. P. um dos-primeiros a dar exemplo : perfuada ifo
me{mo aos feus amigos : que os outros os-imitarám . Defte mo
do intrcduzirám em Portugal uma Ortografia , quanto mais po
der fer, confiante; o que até aqui nam tem avido : e afim fe
rá mais bela, e facil a pronuncia ; e mais armoniozos os verfos
Portuguezes.
lfto me-parece bafta advertir, fobre a Ortografia Portugue
za, viflo nam fazer tratado dela. muito mais, porque com ef>
tas poucas regras, fe-pode reponder, às outras dificuldades que
QCOT
D E E S T U D A R , 45

ocorrerám : Algumas cbfervafoens de menor momento, podem-fe


ver, nas Ortografias Portuguezas : tendo a advertencia, de nam
fe-deixar enganar, das-regras que dam , porque comumente fam
mui más. O P. Bento Pereira, que cuido foi dos-primeiros que
efcrevèram nefta materia , dá muito más regras 3 e só proprias
para defruir, o que cada um fabe. O Barreto, o Leam, o Ve
ra, tem algumas coizas boas, entre outras muito más. Na me{-
ma clafe ponho, o que diz o P.Argote, nas fuas Regras Portu
guezas; e algum outro. Tais autores copiaram-fe fielmente uns a
outros, fem examinarem a materia .
Sei que alguns, dam em razam do-que efcrevem, acharem
no afim efcrito, nos-antigos Portuguezes. Mas efla razam, é de
caboefquadra. Porque tratando-fe de linguas vivas, que nam ef
tavam purgadas polo pafado, mas que na nofa idade, fe-vam re
duzindo à perfeifam; e deta, da-qual no-nofo tempo, apareceo
o primeiro Vocabulario; nam devemos eftar, polo que diferam
os Velhos: mas examinar, fe á razam, para fe-dizer afim. Ob
ferve V. P. que os que afim repondem, contrareiam-fe na Pra
tica : porque nam uzam daquelas palavras tofcas, que ainda le
<mos nas leis antigas, nos-teflamentos, doafoens, e outros docu
mentos, que deixáram os Antigos . Seria uma ignorancia mani
fefta, e afetafam indefculpavel, falar oje com muitas palavras, de
que uzáram os antigos Portuguezes. E ifto , nam por-outra ra
zam º fenam porque a lingua fe-foi purgando , e os omens mais
capazes intendèram, que fe-devia falar de outra maneira . E fe
ifto fê-pratica, com inteiras palavras, porque o-nam-praticaremos,
com melhor pronuncia ?
Alem diflo, é ja coiza muito antiga , que o uzo e juizo
dos-omens doutos, e de boa eleifam, decida nefte particular. E
como ajam muitos Portuguezes inteligentes , que efcrevem polo
contrario 3 e afinam boa razam do-que dizem ; nam tem lugar
niflo, uma Preferifam fem fundamento. No-tempo de Cicero, a
lingua Romana tinha de idade, polo menos, uns fetecentos anos;
(contando fomente da-fundafam de Roma: porque fabemos, que
a lingua do-Latio é muito mais antiga) e contudo ele, e outros
omens doutos , a-purgáram muito bem . Obterve V. P. os fra
Ementos que temos, de Livio Andronico, Enio, Eflacio Cecilio, Pa
"riº &c. e as obras de Catam o velho , de Plauto; e achará,
Palavras dezuzadas, e mui totas; e, em algumas obras, uma com
pozifam
46 V E R DA DE IR O M E TO DO
pozifam languida, e fem grafa . Profiga mais para baixo 2, exa»
mine as obras de Terencio, Lucrecio, Varram, Catúlo, Saluftio &c.
achará neles a lingua mais mudada, e palavras mais Polidas. De
{à finalmente à ultima fineza da-idade de ouro da-Latinidade, que
ro dizer , aos que melhor faláram , no-feculo de Auguflo ; e
fempre lhe-crecerá a admirafam: , porque crece a mudanta - Pa
cuvio, e Eflacio tem tanta femelhanfa com Cicero, Cezar, Cornelio
Nepote, Virgilio, Oracio &c. como o dia com a noite - naqueles,
# é inculto: e neftes, tudo é polido, palavras, fraze, e me
todo, E mais todos entram na idade de oiro ! O me{mo Cice
ro, em alguns feus tratados, adverte, quanto trabalhára nefte par
ticular , para apurar a lingua . Oracio tambem adverte , que o
bom uzo, é o que emenda as linguas. Finalmente advertiram os
Gramaticos, e Oradores de melhor nome, que a Ortografia, eftá
fugeita ao colume (I); e um douto Latino, deixou efcrito nef>
ta materia : Antiquitatem po/lerior confuetudo vicit (2) . E nem
fomente encontrará V. P. palavras mudadas, mas novas. Os Ro
manos nam tinham palavras para tudo : e afim foi necefario to
malas pretadas: Principalmente em materias de Ciencias, e Ar
tes: as quais adotáram como Latinas. Efte é o privilegio das linº
guas vivas. Mas certamente nam conhece efte privilegio , quem
fe-efcandaliza , como vi alguns, de que fe-recebam palavras etran
geiras em Portugal . Se os Portuguezes as-nam-tem, que mal fa
zem, em pedilas aos outros ? Nam aprovo porem , o que mui
xos fazem, fervir-fe fêm tom nem fom, de vozes efirangeiras,
e palavras Puramente Latinas, tendo outras Portuguezas tam boas.
O que obfervo em muitos, que prezumem de Criticos, e Poe
tas : efpecialmente no-dito Inacio Garcez Ferreira. O que digo é,
que nam fe-achando proprias, nam é delito , procuralas em ou*
tras linguas
aíperas, fe-devem adofar.novas: e que , quando as proprias fam
3 ou fazelas • -

Ete me{mo uzo, de purgar as linguas, melhorando na boa


pronuncia, e enriquecelas com palavras novas, quando á neceli
dade 5 etá geralmente introduzido. Achei livros, ainda impreíos,
Inglezes, Francezes, Efpanhoes, e Italianos, com ínfinitas Pala"
vras, que ja oje nam efiam em uzo, e com um etilo de traze
pouco uzada. e lembro-me agora, ter vito á anos, um livro de
Ge
(1) Quintil. l.1c.1.Parro de lin- (2) Marius vião inus Af. de
gua L. l. 6. c3 alii . Ortographia.
D E E S T U D A R . 47
Genealogias de Flandres, efcrito polos anos de Crifo 14oo., em
um Francez tam embrulhado , que o-tinham imprimido , com a
verfam de Francez moderno a lado : fem o qual focorro , nam
era facil intendelo . Os nofos antigos Poetas tem palavras , que
oje fe-nam-recebem. Em Dante, e Petrarca, acham-fe coizas nam
mui finas; e tambem em outros . Os Modernos de todas eflas
Nafoens, melhoráram fobre os Antigos, e ferviram-fe do-feu di
reito, para emendar a lingua . os mefmos Portuguezes o-fizeram.
Finalmente ifto é tam claro, que me-envergonho de o-provar. E
com efeito, a efles que afim refpondem , ou afim argumentam,
feria mais acertado, nam-lhe-refponder. E fazer-lhe muito favor
nofirar, que tais argumentos tem refpofa. Mas eu o-fafo aqui,
porque a amizade de V.P. me-obriga a obedecelo: ceftrevo iflo,
mais para fatisfazer ò feu dezejo, doque à materia .
A outra razam, que outros afinam, para fe-defculparem dos
feus erros é, que umas vezes dobram as letras, para moftrarem
donde fe derivam: outras, para a fignificafam, quero dizer, os
diverfos tempos : E afim efcrevem E/critto com dois tr, para mof
trar, que vem de Scriptus: e Amaíle com dois ss, para o-diflin
guir do-prezente Ama-fe. Efla razam achará V. P. em alguns li
vros imprefos. Mas , com todo o refpeito que devo , a quem
uza dela, digo, que nada vale. A maior parte das-palavras Por
tuguezas» tem origem Latina: o que até as crianfas fabem: qui
zera pois que me-difefem , porque fe-devem dobrar em vinte,
ou trinta palavras, e nam nas mais ? Alem difo fe V. P. obter
va» muitas palavras Portuguezas, achará, que nam só tem ori
gem, mas fam puras Latinas. V.g. Aplaudo, Aplico &c. e nef
tas ferá tambem necefario dobrar os pp, e efcrever trez confo
antes feguidas, como no-Latim. Será tambem necefario pôr o s»
antes de Ciencia. e finalmente comefar muitas difoens, por-duas
confoantes, mn, pn, fp, pf; porque tudo ifto á no Latim - O c
antes de tº tambem fe-deve pòr, em muitas palavras, como em
Beneditio? Dollor, &c. E nam fei, fe, os que feguem o dito pa
recer º admitirám todos eftes acrecimos: o que nem menos o Ita
liano , que fe-Preza de filho primogenito do-Latim , admite em
tudo. Crece o argumento fe obtervamos , que o Portuguez tem
Palavras Arabias, Goticas, Inglezas, Tudefcas &c, o que fupoto,
fºrá necefário em cadauma, pôr a fua diferenfa original : ou ao
menos nas Latinas, para as-nam-confundir com as outras - Final
ImÇn{C
48 VE R: D A D E IR O ME TO DO
mente fe a tal razam valefe ; nam deveria quem uza dela; pôr
b, em é verbo , e outros defles: porque na fua origem nam os
tCIT] .

Mas, deixando cutras obfervafoens, com que podia provar,


a infufflencia das-ditas razoens ; dalei só uma, que prova por
todas : e efla efpecialmente ferve, contra aqueles Portuguezes que
dizem, que fe-devem dobrar muitas letras, porque fe-pronunciam
dobradas ; e exprefamente fe-ouvem os dois mm , em comum, e
outras femelhantes. Digo, que para refponder a eftes, bafa ci
tar-lhe o exemplo, da-lingua Italiana . Nam vi ainda Portuguez
algum (nam falo dos-que pafáram a Italia até a idade de 7 ou
8 anos: porque efles perdèram a fua lingua , e falam o Italiano,
como lingua propria) por-mais efludiozo , e diligente que fofe,
que aprendefe a pronuncia, principalmente Tofcana, ou Romana:
em que exprefamente fe-pronunciam as duas letras confoantes :
todos as-pronunciam como una fimplez - V. g. Diftinguem os no
fos Capello, que fignifica Cabelo, de Cappello , que fignifica Chapeo;
com pronunciar dois pp, e dois ll no-2. Nenhum Portuguez o-che
ga a diftinguir: e por-ifo fam logo conhecidos, por-Eftrangeiros :
O me{mo digo cm todas as outras dobradas . O mais que vi
foi, pronunciar os dois < , v.g. em Palazzo, Ragazzo: mas ifto
com muito esforfo , e pola razam º de que fe-pronunciam dife
rentemente : quero dizer, que os dois RR, pronunciam-fe como
ds : que º fe tivefêm foido igual , nam os-pronunciariam . Efta
experiencia confiante moftra, que é falfo dizer, que os Portu
guezes, na-fila pronuncia natural, e fem fazer um grande esforfo,
Pronunciem as dobradas. Do-que fe-fegue, que fam inutis as tais
letras. E em tal cazo entra a minha regra , que as letras inu
tis, fe-devem deferrar, da-lingua Portugueza.
Sobre a pontuafam , tenho pouco que advertir a V. P.
E' claro, que a Virgula foi inventada, para denotar a interrufam
que fe-faz, quando fe-toma a refpirafam: e para dar algua diftin
fam ao difcurfo, e impedir a equivocafam nele. Tem feu pro
Prio lugar, quando fe fazem diftinfoens de Nomes, ou de outras
palavras , que dependem do-me{mo Verbo , e fe-unem em uma
propozifam. v. g. Pedro foi foldado, capitam , coronel » e chegou
a fer general . Uza-fe tambem dela, antes da-Conjunfam copula
tiva, e adverfativa. v.g. Pedro, e Paulo partiram : Nem Pedro»
nem Paulo partio . Mas nam fe deve uzar, quando a
|- -
…" Cl12
D E !" E S T . U Dº A : R ', */ 49

eñá entre finonimos : v. g. Antonio tem eloquencia e facundia .


Tedro tem grande animo e valor. Porem muito bem fe-uza entre
propozifcens, que fignifiquem o mefino; a que Podemos chamar
finonimas. v.g. Cezar fubjogou tºdo o imperio Romano, e com a fê
rie das-fitas vitorias confeguio , que os Governadores , o-reconhece
fêm foberano . aindaque entre eftas, fendo longas, podefe efcre
ver ponto e virgula 3 ou dois pontos. ! # # •

Utilmente fê-uza da-virgula, para diftinguir e fazer mais cla


ro o difcurfo: o que fe-faz em trez cazos. I. feparando as pro
pozifoens, regidas pola mefina pefoa» ou coiza . v.g. Umas vezes
yi, outras chora . Tomou uma lanfa, e lhe-atrave/ou o peito. II. in
terrompendo o fentido , com outras Palavras... v. g. Deus, autor
do-mundo, é pai de mixericordia 5 e tem providencia das-criaturas,
mas quando a interrufam é comprida , é melhor pór-lhe ponto
e virgula 3 como abaixo diremos . III feparando aquelas propo
zifoens, emque a fegunda, é objeto da-primeira - v.g. Devejo ver,
como : fucederá o negocio . Quererá. Deus » , que, formam
fique • , º * *
Je-veri*
) … ) ----

. Finalmente fe às vezes nam fe-poem virgula, pode nacer con


fuzam no-difcurfo . v. g. Cuidando na minha aflijam, e ocupado
nefe penfamento , confixo fºi de caza - fenam ouvéfe virgula ,
em pênfamento , podia unir-fe com confuço , e cauzar nova con
fuzam . Mas nifto das-virgulas, é necefario ter muito cuidado ,
de nam fer excefivo : como fazem alguns , prezados de doutos,
que em cada palavra poem virgula - o excefo , e a falta igual
mente fê-devem evitar. - } * * * * . . . i < }* *

Tambem a parentezis, é efpecie de virgular e confife nefte


final, ( ) com o qual fe-compreendem algumas palavras . Efcreve
fe, quando dentro de uma propozifam, fe-inclue outra º fepara
da do-fentido; ou para excefam , ou declarafam de alguma coiza.
v.g. Deixo de dizer ( aindaque poderia com razam) as atrocidades
que cometeo . O Amor, (como achamos efcrito na Sagrada efêritu
ra) é tam forte como a morte. Porem, fei a interrufam, é breve,
batam duas virgulas. v.g. O Amor, como ja dife, é uma grande
paixam º ' .. … -- • * * *

Defpois da-virgula , feguem-fe os dois pontos . Efles fe


poem , quando o fentido da-orafam é completo, quanto à fuflan
cia 3 mas nam em quanto ao fato: quero dizer, quando o que
fº-efcreveo , faz por fi só, fentido perfeito ; deforteque po
º-TOM.I. "" | G dia
yo V ER DA DE IR O M E TO DO
dia-fe terminar, com um só ponto: mas quem efcreve, ainda tem.
alguma coiza que acrecentar º para melhor declarar a coiza , ou
expremir alguma circunflancia, com a qual fe-acabe de todo o pe
riodo. v.g. Recebi o douti/imo livro que v.m. me-mandou: para me
obrigar com flo ainda mais, doque efiava. Nele período, defpois
de mandou, efcrevem-fe dois pontos: porque o fentido , ja eftá
ccmpleto; mas ainda á que acrecentar... E eftes dois pontos fe
podem replicar, em um longuifimo difcurfo, tantas vezes, quan
tas o fentido da-orafam for fuficientemente completo . Mas a me
lhor regra que nifto fe-pode obtervar, é efia : Se a propozifam
que se-fegue, nam é muito independente da-antecedente, deve-fe
Pòr dois pontos. v. g. Efludar varias ciencias, no me/mo tempo ,
entes confunde, que doutrina :: como tambem o comer no-me/mo
tempo comeres diferentes, tanto nam engorda , que ofende . Mas fe
eu comesáse a fegunda, por-palavras. menos dependentes, deveria
pôr um ponto... v. g. Efludar varias ciencias 2 no-me/mo dia, antes
confunde, que enfima. Damefina forte, como divem os Medicos, mui
diferentes comeres no-efiomago, impedem a dige/lam - nefle cazo po
nho ponto, porque o fontido é mais feparado. Porem fe as pro
pozifõens fam. breves, intendo mais acertado, feparalas com uma
virgula. v. g. O efludar muitº junto faz confukam, como tambem
O comer muito . -

... O ponto, cofluma-fe pòr, no-fim do-periodo, e quando o fen


tido é totalmente completo. Nefle particular obfervo, que mui
tos em Portugal enfinam , que defpois de ponto, fempre fe-poem
letra grande. O que é um engano manifeflo; e contra a pratica
dos-que melhor efcrevem : que dizem, que quando os períodos
fam breves, e em certo modo dependem uns dos-outros a bafia
defpois de ponto, pôr letra pequena : e quando ifto fucede no
fim do-verfo , poem-fe dois pontos : vittoque o verfo feguinte
deve fempre comefar, por-letra grande. Onde os omens doutos
advertem , que nam só fe-pode efcrever letra pequena , depois
de ponto final; mas, tambem algumas vezes, depois de dois pon
tos, letra grande : quando o período é comprido » e fe-tem Poflo
muitas vezes dois pontos : ou tambem quando fe-introduz algu
ma pefoa que fala, ou coiza femelhante -
E aqui incidentemente advirto, que nifto de efcrever letra
grande, á um grande abuzo: avendo efcritores que a-efcrevem,
em mil coizas defnecefárias: o que ofende avifa. E afim, }"
- 2VCIICO
* (D E E S T U - D. A R., º $1
avendo razam forfoza, deve-fe efcrever letra pequena, que é mais
natural. As regras que nifto dam , os omens mais advertidos,
fe-reduzem a eflas . Poem-fe letra grande - I.: quando ºfe-comefa
o difcurfo . II, nos-nomes proprios, e fobrenomes tanto de Pe
foas, como Provincias, Cidades , Ilhas, Montes, Mares, Rios,
Ventos, e Animais ...III. nos-nomes de dignidade, ou abfiratos,
como Bi/pado , Papado &c. ou concretos , como Papa , Rei ,
JAbade, Conego, Senador &c.. mas nam fe-poem nos-de oficios in
feriores, como foldado , pintor, fapateiro . IV. nos-nomes ape
lativos-, quando º fe-tomam por-alguma coiza particular... v. g.
O Orador Romano , por-Cicero : o Doutor Angelico, por-S.To
maz :: Religiam, póla vida: Religioza &c. V. nos-nomes do-gene
ro, ou efecie , quando fignificam todo o genero , ou efpe
cie . v. g. A Terra , é redonda. Os Rios correm para o mar .
porque fignificando um individuo particular da-dita efpecie; v.g.
um bocado de terra &c. bafia letra pequena - "VI, as coizas inar
nimadas tomadas ccmo pefoas, ou Poloegenero. (v.g. A Ira é
uma grande paixam . O amor crgar os mais doutas &c, VII os
Adjetivos: tomados como Suflantivos. v.g. O −4migº» é outro eu.
O Forte, aumenta dº animo nos-perigos .…VIII.… os nomes que, fi
gnificam multidam .…vg. Senado, º Republica , Gabido º Turcos, In
glezes &c. IX., os nomes da-materia, de que principalmente fê
trata: v.g. A Incarnafam, a Simonia - ou tambem os nomes das
principais partes, em que fe-divide um todo. v.g., Nefle caço pe
cam alguns, por-gnorancia, ou por-Malicia. Por-Ignorancia, pe
cam aqueles &c. X. quando no-difcurfo ferintroduz alguma pefoa,
que fala. v.g. Voltando-fe entam para o retº S. Paulo, dife, Senhor,
que quereis que eu fafa ? mas fe odifcurfo que fe introduz, fofe
mui longo , feria mais acertado, feparalo com um ponto final.
E a palavra que, fe-fegue, defpois do-ponto interrogativo, nam
deve ter letra grande; porque nam comefa um fentido novo.
** !, -:Efias fam as regras?, eftablecidas polo melhor uzo. Contudo
á alguns, que ainda às vezes as-limitam , quando intendem, que
namº fam necefarias . v.g., Vindo juntos dois nomes, um generi
co; e outro particular, como Seita Turque/ca, Igreja Católica, Se
mador Romano, JAcademia Real, Concilio Toletano, Concilio Geral,
& c. deitam fóra a letra grande dos-primeiros , e fomente a-con
fervam nos-fegundos, que diftinguem os primeiros. Porque ainda
que em outras ocazioens', ……… fomente ºa palavra, Igreja ,
* +
.J 2 Con
52 VER DA DE IR O METO DO
Concilio; cºc. tenha letra grande ; neftes cazo porem , parece fer
efcuzada : o que eu aprovo. Outros ainda fazem mais, que, achan
do muitas deflas ultimas palavras, º que aponto , como Senador,
Conful, cºrc. efcrevem-nas com letra pequena: principalmente fe eftá
unida a algum fuflantivo Proprio... v. gr. Joannes, rex . Cicero con
ful. E ifto achamos mui praticado, em antigos manufcritos; e be
lifimas edifoens de livros modernos, emendadas por-omens mui dou
tos. Onde nam fe-deve condenar, fe algum o-praticar em alguma
conjuntura, para evitar tanta letra grande. -

… Outros ainda limitam , o que fe-diz nos-numeros V, e IX.


porque intendem , que nem fempre é necefaria, a dita letra gran
de . E em tal cazo , ou efcrevem letra grande , só na primeira
vez: ou poem uma rifca por-baixo º efcrevendo 5 o-que na im
prenfa convertem em letra curfiva: ou nam a-poem : Nam pare
cendo muito bem um papel , ; em que repetidas vezes fe-encon
tram as mefmas palavras, com letra grande : o que ofende a vifla.
* * Tornando, pois aos pontos: algumas vezes o periodo inteiro,
é acompanhado de admirafam, ou interrogafam: e em tal cazo o
ponto fe-acompanha, com o final Proporcionado. A admirafam,
nota-fe afim, (!), v.g. Morreo, caço admiravel! deze/perado. ou em
qualquer outra parte, em que, entre a admirafam , ou fimplez ex
clamafam. A interrogafam, ou progunta, diflingue-fe com efe fi
nal, (?) v.g. E porque nam, poderei eu fazer fio ? qual de vos ou
tros mo-pode impedir ? Muitas vezes fucede, que a interrogafam é
acompanhada de exclamaíam . v.g. O que grandes confequencias, fê
4m-de feguir de um tal fato! ou tambem: E como é pofivel, que te-oe
correfe, fazer ifo ? e nefles cazos, é licito pôr um , ou outro fi
nal, como melhor lhe-parecer. E porem de advertir, que quan
do a progunta é mui comprida, e que na longueza, perde a for
fa de progunta ; os omens mais doutos , nam, coflumam pôr-lhe
no-fim, o final de interrogafam: mas felho-poem, é no-principio,
ou no-fim do-primeiro periodo, ou nam lho-poem. V.g. Julgas
tuº, que á omens de tam pouca confidera/am , que figuam um tal
efilo, nem fa/am caço da palavra; nem procurem ileza a fua onra»
nem tenham diante dos-olhos efias circumflancias: as quais fe eu nam
tivefe, executado., totalmente me-faltaria aquela benevolencia , que
certamente me-mofiram, os que examinam as minhas afoens = . Nef>
te período, ou fe-deve pôr ponto de interrogaíam , defpois de
tu : ou, defrois de circunflancias; ou, em nenhuma parte : viº
- toque

D E E S T U D A R. . 53
toque o contexto motra bem, em que fentido fe-fala .
Finalmente deve-fe advertir , que á outra feparafam de pe
riodo, a que chamam Paragrafo : o qual fe-comefa , quando a
materia que fe-trata, fe-acabou ; e fe-pafa a outra materia. Mui
tas vezes fe-comefa paragrafo , quando o difcurfo tem fido com
prido, e, por-nam-fazer confuzam , é necefario varialo. o que
fucede, quando fobre a mcfma coiza , alego muitas razoens , ē
cada uma ocupa uma meia pagina . Em tal cazo, para evitar a
confuzam, e dar mais goflo, e repouzo a quem le; é juflo co
mefar paragrafo. O que porem fe-deve regular, pola prudencia de
quem efcreve : Pois tam enfadonho é, comefar paragrafo, depois
de trez folhas, como defpois de trez ou quatro regras. Caiem no
primeiro defes defeitos, alguns prezados de doutos: que, ouvin
do dizer, que os Antigos nam uzavam das-feparafoens de capitulos;
fem mais outra reflexam, fazem um longuifimo difcurfo, fem di
vizam de paragrafos: em modo tal, que fe-perde a refpirafam len
do-os. No-fegando, caiem muitos. Efcolaflicos, que de cada tex
to fazem um paragrafo. Uma, e outra coiza fe-deve evitar.
*-* Alem das-ditas pontuafoens; inventáram os efcritores, prin
cipalmente modernos, outra, a que chamam,º ponto e virgula - e
ifto" para variar a Pontuafam , e para evitar pôr tantas virgulas
feguidas, antes dos-dois pontos, nos-periodos longos. Efe pon
to e virgula , é uma pauza , maior que a virgula , e menor que
os dois pontos. Poem-fe, quando a orafam ja faz algum fentido;
mas nam o que bafia para fe-intender, de que fe-fala ; e ainda
a Primeira propozifam, º efpeta pola fegunda , para fe-poder inten
der. v. g. Aindaque eu nam, tenha, todo o dinheiro necefario, pa
ra a compra ; farei o pofivel, polo alcanfar: para concluir de uma
ve?» efe negocio. No-qual periodo, quando chegamos à palavra º
compra 3 ja temos algum fentido : e quer dizer, que nam tem di
nheiro para a compra . mas fica o fentido imperfeito , por-cauza
da-Palavra ainda: a qual faz que eu efpere, pola feguinte propo
zifam até alcanfar, onde faz fuficiente fentido. ! … º 1 -

Daqui fica claro , que ponto e virgula tem o feu proprio lu


gar, defPois das-prepozifoens, que comefam por-como, qual, quan
to º Je, aindaque cºc. as quais introduzem aquela dependencia »
que digo . Finalmente defois de qualquer prepozifam, em que
ºja Palavras, que unam com as palavras feguintes . Efpecialmente
fº-Poem» quando fe-fala de coizas opotas; ou quando pmeraíam
- •• • se-faz enu
54 VER DA DE IR O M E TO DO
merafam de muitas partes , e fo-efpecificam todas . v. g. Defiruia
caças , e templos ; o Jagrado , e profano ; o feu , e o alheio, cºrcº
Adverte-fe porem , que os períodos, os quais, fendo longos, po
dem receber ponto e virgula: se em cazo que fejam curtos , bafla
que tenham virgula 1# por-nam, fazer tam enfadonha a repetifam
dos-pontos e virgalasiº v.g. Nefe particular á duas opinioens: uma
é de Cujacia ; a outra Jeguem Joam André » e Ofiienfe . parecerá a
muitos, que em Cuiacio, baila uma virgula, o que eu nam, deza
provo : outros quererám ponto e virgula - e afim é livre a cada
um , fazer, o que lhe-agradar. Polo contrario, fe os periodos fofem
mui compridos, fe-deveria pôr ponto. v. g., fe eu difefe: Prova
feifio com duas razoens - …A primeira é, porque & c. neite cazo fe
a explicaíam defla primeira razam º se-etendefe até metade da-for
lha, ou ainda mais 5 no fim , deve-fe pôr ponto fomente : e mui
tas vezes pode fer necefario, comefar a fegunda razam , nam só
com letra grande, mas ainda em novo Paragrafo. Tambem quan
do fe-tempofio, algumas vezes, ponto e virgula 3 , coflumam os
omens doutos, efcrever dois pontos s aindaque o fentido, nam, fe
ja completo, quanto ao fato : para moítrari, º que fe-deve fazer
maior interrufam 3, e defcanfar quem le» e quem ouve … : #;">
... Ifto é, o que me-ocorre advertir, inefte particular e da-pon
tuafam . Devo porem declarar a V. P. que efta materia -, nam é
ponto matematico, que nam admite mais, ou menos : antes, po
lo contrario, depende muito, da-vontade de quem efcreve, Por
que caindaque todos convenham , na razam das-regras 3 quando
porem decemos aos cazos particulares , e a examinar º fenefte
ºu naquele cazo, deve entrar virgula, ou ponto e virgula &c,
acha-fe muitas º vezes diverfidade , ainda cntre os omens doutos
Eu nefte particular, própuz o que vejo praticar, aos que melhor
efcrevem ; e que fere{triba, na razam das-regras: mas nam con
denarei , quem fe-afaftar alguma vez deflas advertencias , com
tantoque nam fe-defvie, em º modo , que fafa defpropozitos - Eu
me{mo fou o primeiro, que as-mam-figo efcrupulozamente: antes
muitas vezes, em lugar de ponto e virgula, e{crevo virgula; em
vez de dois pontos, ponho virgula e ponto : e quando os períodos
fam curtos, nam tenho às vezes dificuldade , de efcrever virgu
la, em lugar de ponto : ou outra femelhante mudanfa - O que
fafo quando me-parece, que com efles finais , fica batantemen
te feparado o difcurfo , e livre de confuzam : e, porque vejo a
- - - -- que
_> D E E S T U D A R, ' 55

que muitos efcrevem dame{ma forte , e me-intenderám tambem.


Efta é a principal regra , em materia de pontuafam : evitar as
confuzoens, e procurar que os outros intendam, tudo quanto eu.
quero dizer. Devo porem dizer a V.P. que vejo muitos auto
res Portuguezes bem modernos, que fazem gala, de as-defprezar:
e publicam obras, nas quais em uma pagina tudo fam virgulas,
e apenas fe-acha um ponto. Epecialmente *** e outros que V.P.
bem conhece. O Conde da-Ericeira D. Francifco Xavier de Me
nezes tambem feguia efia doutrina : pois em algumas fuas apro
vafoens de livros, que tenho viflo, tudo fam virgulas : defor
teque ninguem o-pode ler feguidamente, porque canta a refpira
fam. E se ifto pode fer louvavel , eu o-deixo julgar aos deza
paixonados inteligentes. } -

… Muitas outras miudezas, fe-podiam advertir, tanto na ma


teria de Pontuafam, como de Ortografia : mas eflas ou fe-acham,
nas infrufoens imprefas a efte intento ; ou , fè nam fe-acham ,
como na verdade as-nam-vemos; aprendem-fe com o uzo : e quem
percebe bem , º as advertencias que temos dado , efcreverá fem
embarafo algum com perfeifam: e poderá rezolver, qualquer das
que ocorrerem . Eu nam determinei…, efcrever um tratado com
pleto: mas unicamente, fugerir a V. P. o que fe-acha mais bem
notado, nefa materia : e o que deve enfinar um mefire, ao dici
pulo , a quem explica a lingua Portugueza . Para V. P. é ifto.
fuperfluo: " e para os ignorantes , é ainda muito . mas eu tomo
a liberdade de falar com V. P. como com um principiante, por
que afim mo-tem ordenado . Somente acrecento , que ifto que
dife da-Pontuafam, fe-deve intender, nam só no-Portuguez, mas
no-Latim 3 e nas-mais-linguas, que defla nacèram- - *

Concluirei efla carta lembrando a V. P. , que , para facili


tarº efte efludo à Mocidade, feria necefario , que algum omem
douto, abreviáfe o Dicionario do-P. Bluteau, e o-reduzife à gran
deza» de um tomo em folha , ou dois em 4º Ninguem pode
olhar para a obra do-P. Bluteau , fem ficar efmurecido , pola
quantitade de volumes. Efe Religiozo era douto, e infatigavel:
e fez à nafam Portugueza um grande fervifo; compondo um Di
cionario , que ela nam tinha : e quem difer mal dele nefte par
ticular, é invejozo, ou ignorante. Mas tem alguns defeitos, que
feria necefario emendar : Era mui medrozo : e nam tinha meto
#-
do - O medo, reconhece-fe em cada pagina das-fuas obras.IIlalº
-

|
56 V E R DA DE IR O - M E TO DO
maltratado por-alguns . Portuguezes injuflamente ; e a cada pafo.
fe-queixa , c dá uma fatisfafam . Os Prologos , tanto na primei
ra Obra , como no-Suplemento , fam infoportaveis : e apoflarei,
que fe-nam-acha omemº, de tanta paciencia , e tam mao goflo ,
que os-pofa ler todos º feguidamente : porque a cada momento,
repete as mefimas coizas. E o pior é, que com dizer tanto, nam
explica o que deve : pois querendo um leitor faber , o que ele
faz no-Dicionario , e que razam dá da-obra ; nam fabe por-onde
á-de comefar . Com um só titulo dirigido ao leitor *** com
preendia todos, os que ele poem no-feu Prologo : e com um Pro
logo mui breve , dava razam de toda a obra . Os omens dou
tos, intendem mui bem as coizas: e fabem defculpar um autor,
que efcreve uma grofa obra : efecialmente um que efcreva um
Dicionario , que feja o primeiro que aparece naquela lingua :
Nam á pior trabalho que efle : e nam á algum que menos pa
refa grande …, a quem o-nam-provou , doque efte. Deforteque
chegou a dizer o douto Efcaligero ( 1 ) , que era pior efle tra
balho, que fer condenado às minas , como faziam os Romanos º
Comque a eftes , baftam poucas palavras : a os ignorantes » nam
fe-devem dar fatisfafoens, ou digam bem , ou mal . Nem menos
me-agrada o titulo da-obra , que é mui afetado , e cheio de fu
perfluidades. Ja fe-fabe que um Dicionario , compreende todas as
palavras º com que fe-explicam na dita lingua , todas as coizas
imaginaveis . E o exemplo que ele traz de Furetiere , . Moreri,
Hofman , que enchèram o titulo , de femelhantes coizas , nam.
defculpa os feus crros : porque fe-caza muito bem , que errem
dois omens de diferentes Nafoens, na me{ma materia. - }

Avulta tambem muito a obra , porque as explicafoens fam


longas , e o carater é mui grande . O que tudo fe-podia redu
zir, a menor extenfam : baftando um exemplo de um bom au
tor , e deitando fora tantos Latins , e citafoens fuperfluas . E
afim, todo aquele grande Vocabulario, fe-pode reduzir nas #"
| - 2S

(1) Si quem dira manet fºn- Nec rigidas »exent fofa metalla
tentia Judicis olim manus -
Damnatum aerumnis, fuppliciif@ue Lexica contexat, nam cetera quid
caput : morer º omnes
Hunc neque fabrili la/ent ergaflu-. Tanarum facies bic labor unus ba
alma/a> bet. Sylvarum Carm. 39.
D E E S T U D "A" R. . ' ' 37
das-imprefbens , a trez ou quatro volumes, felhe-tira{em o que
tem de fuperfluo: e feria tambem mais barato, e mais util à Re
publica . Mas, ainda defpois de tudo ifo 2 feria necefario, fazer
um Compendio , para uzo dos-rapazes . Que é o que os Nofos
tem feito , compendiando o Vocabulario da-Crufc4, quero dizer,
da-lingua Tofcana, (fam trez ou quatro volumes) em dois tomos
de 4? Mas nefte Dicionario, fe-deveria acautelar outra coiza, em
que caio o P. Bluteau ; que foi,_nam diflinguir as palavras boas,
de algumas plebeias, e antigas. Ele ajuntou tudo: se ainda mui
tas palavras Latinas , que muitos Portuguezes modernos afetada
mente aportuguezáram . E efte é o maior defeito que eu acho,
naquele Dicionario . porque nam enfina a falar bem Portuguez;
como o da-nofa Cruíca, que nam tem, fenam o que é puro Tof>
cano ; e nota às vezes o que é antigo , ou poetico & c. Sci, que
alguma diverfidade fe-acha : porque os nofos autores, que fazem
texto, fam os que efcrevêram , em um feculo determinado : e afim
tudo o que é moderno, entre nós é, barbaro. Polo contrarioca
lingua Portugueza, como á pouco tempo que comefou a aperfei
foar-fe, nam pode excluir, tudo o que é moderno. Contudo, de
veria o P. Bluteau, nam abrafar fenam os autores , que faláram
melhor . v. g. defde o fim do-feculo pafado para cá: ou encur
tar mais o tempo. E ainda nefes , que talvez nam feram iguais
em tudo, efcolher, o que é mais racionavel: e nam tudo o que
aportuguezáram alguns defes , prezados de eruditos ; que, por
forfa , querem introduzir , uma mixtura de Portuguez, com La
tim. Temos o exemplo da-Academia Franceza, a qual no-feu Di
cionario, nam poz as vozes plebejas, e antigas ; mas as puras, e
que oje falam os omens cultos . Aindaque , como diz o Senhor
de Furetier, (1) é juíto, que fe fafa um Dicionario à parte, das
vozes antigas, e baixas : paraque , por-meio dele , pofamos in
tender » os antigos documentos . Ifto fizeram muitos na lingua
Latina , compondo fomente Vocabularios da-inferior Latinidade,
como V/ho , Izidoro , Spelman , Du Cange : o qual ultimo fez
tambem outro , para o Grego inferior . E ifo me{mo deveria
ter feito Bluteau : pondo em um volume , as palavras boas ; no
outro , as antigas &c. O certo é, que os Nofos no-Compendio
da-Cruíça, fomente puzeram as puras : e advertiram as que fam
poeticas a e nam tem lugar na Proza . O me{mo Bluteau em cer
** TOM. I. H ta par
"A • * - - - • • •• •+ :)
(1) Pref. du Dicionaire Univerfel.?: " " ..." …". … , :
j8 V E R DA DE IR O M E TO DO
ta parte (1), reconhece a necefidade defle diftinto livro ; c deu
uma ideia dele, nos-Catalogos que traz, no Suplemento . Mas fe
o dito P. o-nam-fez , porque quiz compreender , tudo o que
fe-acha em Portuguez º ou por outro motivo; no-Compendio po
rem do-dito Dicionario, nam fe-deviam efcrever, fenam palavras
puras e boas, e fegundo a pronuncia mais filave. E.g. nam efere
ver Devagam, porque o dife, o Vieira : mofirando a analogia, que
fe-deve dizer Devo/am : muito mais , porque afim o-pronunciam
os doutos, e é mais agradavel . O mefimo digo, de outo &c.
porque efêrevendo muitos omens doutos comumente , Oitenta ;
nam acho que tenham boa difparidade , para , no-me{mo livro,
efcreverem, Outo: como V. P. verá em muitos livros modernos .
E afim a pronuncia melhor , fendo apadrinhada por-omens dou
tos, deve fer preferida. Tambem fe-devia no-dito cazo , emen
dar a Ortografia do-Bluteau", que é variante : e eftablecer uma
certa, e fempre a melhor . Efle Compendio feria mui necefario,
os que quizefem majores notícias , podiam procurálas no-Voca
bulario grande. Ifto é o que me-ocorre. V. P. conferve-me a fua
Guarde &c.a, e rogue a Deus por-mim nos-feus facrificios... - Deus
benevolenci •

• • - - - |-

- --

. CAR
(1) Prozas Academic. fol. 26.
- ••

$9

CARTA SE GUINDA,
S U M A R I O. -

D .Anos que reçultam da-Gramatica Latina , que comumente fê


enfima. Motivos porque nas-e/colas de Portugal, nam fe-melho
ra de metodo - Nova ideia de uma Gramatica Latina facilifima,
com que, em um ano, Je pode aprender fundamentalmente Gra
matica C2 c.

ESPOIS do-efludo da-Gramatica Vulgar, fegue-fe


o da-Latina. e defa direi a V.P. o meu pa
recer, na prezente carta . Quando entrei nefte
Reino , e vi a quantidade de Cartapacios , e
Artes, que eram necefarias, para eludar fomen
te a Gramatica ; fiquei paímado. Falando com
V. P. algumas vezes, me-lembro , que lhe-to
= quei efe ponto: e que nam lhe dezagradáram
as minhas reflexoens, fobre efia materia . Sei, que em outras par
tes , onde fe-explica a Gramatica de Manoel Alvares , tambem
lhe-acrecentam algum livrinho : mas tantos como em Portugal,
nunca vi. As declinafoens dos-Nomes, e Verbos eftudam, pola Gra
matica Latina. a efta fe-fegue um Cartapacio Portuguez, de Ru
dimentos. defpeis outro, para Generos, e Tºreteritos, muito bem com
prido . a efte um de Sintaxe, bem grande. defpois um livro , a
que chamam Chorro: e outro, a que chamam Promtuario: polo qual
fe-aprendem os efcolios de Nomes e Verbos . e nam fei que mais
livro á . E parece-lhe a V. P. pouca materia de admirafam, quan
do tudo aquilo, fe-pode compreender, em um livrinho em 12 º e
nam mui grande ? Defpois difo ouvi dizer, que ocupavam feis, e
fete anos efludando Gramatica : e que a maior parte defes dici
pulos , defpois de todo efe tempo , nam era capaz de explicar
por-fi só , as mais facis cartas de Cicero . Confefo a V.P. que
|nam intendi ifto, nem de-donde proviefe o dano. Alguns fugeitos,
bem inteligentes de politica, me deram algumas razoens, que nam
<Pareciam inverofimeis . Mas eu,
* --- - - …
#" aprovar, ou reprovar algu
2 IIl2
6O VER D A D E IR O M E TO DO
ma delas, e tambem fem me-demorar com efa materia 5 difcorre
rei fobre o merecimento da-Gramatica Latina 5 e fobre o modo,
com que fe-deve aprender.
* Ora convem todos os omens de bom juizo, e que tem vif.
to paizes Eftrangeiros, e lido fobre ifto alguma coiza , convem,
digo, que qualquer Gramatica de uma lingua , que nam é na
çional, fe-deve explicar na lingua, que um omem fabe. Se V.P.
quizefe aprender Grego, e para efte efeito lhe-defem uma Gra
matica toda Grega , e um metre que fomente faláfe Grego;
poderia, à forfa de acenos, vir a intender alguma palavra; mas
nam feria pofivel, que aprendefe Grego: o mefino fucederia, em
qualquer outra lingua eftrangeira . e fe algum ateimafe, que fo
mente daquela forte , fe-podia aprender Grego , diriamos, que
era louco. Pois fuponha V.P. que eftamos no-cazo. E coiza di
gna de admirafam , que muitos omens defle Reino , queiram
aprender Francez, Tudefco, Italiano,de uma forte, e o Latim de ou
tra muito diferente. Aprendem aquelas linguas com um metre,
que as-fala ambas , e explica a lingua incognita , por-meio da
quela que eles conhecem e falam : e com uma só Gramatica fe
poem em eflado, de intenderem os autores bem, e, junto com
o exercicio , de falarem Francez correntemente . E tomára que
me-difefem , porque nam fe-deve praticar o mefmo , no-Latim:
e porque razam fe-aja de carregar, a memoria dos-pobres eflu
dantes, com uma infinidade de verfos Latinos, e outras coizas,
que nam fervem para nada nefte mundo ? Chega efte prejuizo a
tal extremo , que o P. Bento Pereira , efcrevo uma Ortografia
Portugueza, em Latim . Deforteque quem nam intende Latim, fe
gundo o dito P., nam pode efcrever corretamente Portuguez . .
Os defenfores defe metodo, nam alegam outra razam mais,
que ferem os verfos, mais facis de fe-confervarem na memoria:
e que em todo o tempo, a eles fe-pode recorrer, para ter pre
zentes as regras. Mas efla razam, é pueril, e ridicula. Primei
ramente fe alguma coiza valèfe , deveria praticar-fe com verfos
Portuguezes : porque só efes intendem os eftudantes . E qual
é o efludante que intende , os verfos Latinos das-regras, prin
cipalmente fendo tam embrulhados, como os do-P.Manoel Alvares?
O certo é, que proguntando eu a alguns rapazes, a explicafam
deles , nenhum ma-foube dar - E eisaqui temos , que para os
rapazes, nam fervem os tais verfos . Se pois falamos *#*
•• • - - 2C112 Ilº
* D E E S T U D A R . 6I
adiantados, efles fabem Latim, polo exercício de ler, efcrever,
e falar : comaue nam tem necefidade , de recorrer a femelhan
tes regras. E fe querem examinar, alguma dificuldade de Gra
matica, vam confultar os Criticos, que ºs explicam: nam as fim
plezes Gramaticas, que nem menos as-tocam : e talvez etable
cem principios, contrarios à mefma foluíam.
Finalmente a Gramatica Latina para os Portuguezes, deve fer
em Portuguez . E ifto parece quiz dizer o P. Mancel Alvares,
na advertencia que faz aos meftres, no-fim das-declinafoens dos
Verbos (1). aindaque ele praticafe o contrario, do-que aconfelha:
pois deveria, nam ter dado o exemplo, introduzindo uma Gra
matica puramente Latina. A outra coiza que fe-deve reprovar é,
que obriguem os rapazes, a aprender trez fortes de regras: em
verfo, em proza Latina, e em proza Vulgar : como adverte bem
o dito Padre . Ifto, quando nam lhe-queiramos dar outro nome,
é perder tempo , fem utilidade , e com prejuizo grande .: fem
aver outra razam, que feguir um coflume envelhecido, aindaque
prejudicial. Mas o que mais me-admirou nefte particular ? e cla
ramente me-moftrou, quanto pode nos-Omens a preoccupafam dos
primeiros efludos, foi, ver que o Sargentomór Manoel Coelho,
que parecia fer mais alumiado netas materias , pertendendo dif>
tinguir-fe do-Comum, dando aos principiantes , uma facil expli
cafam das-oito partes da-orafam; ainda afim caie na fimplicidade,
de pôr primeiro a regra em Latim para um rapaz , que ainda
nam tem noticia da-dita lingua , mas que aprende os primeiros
elementos. Tal é a forfa de um mao coflume , que cega ainda
aqueles, que querem dezembrulhar-fe dele! Efta reflexam é fuf
tancial: mas ainda á outras de maior momento . Entremos bem
dentro na Gramatica .
Toda a Gramatica Latina fe-reduz a explicar, a natureza» e
acidentes das-oito vozes, que podem entrar na orafam ou difcur
fo : e o modo de as-unir, e compor os periodos. E ifto deve-fe
fazer com a maior clareza, e mais breves regras, que fe pude
rem excogitar . O que certamente nam fe-confegue com a Grama
- 11C2

(1) Patrio fermone tantum de- fôluta oratione precepta memoriter


claranda Rudimenta, Genera, De- recitare cogantur. Quod etiam in
clinationes, Anomala, Prateri- syntaxi, quando ea primum expli
ta.» Supina: me fimulcº ligata o catur, objervandum ef .
62 V E R DA DE IR O M E TO DO
tica uzual : porque nam á coiza mais confuza , nem mais cheia
de excefoens, que a dita Gramatica, como todos vem. #

O mundo eflava mui falto de noticias, e de metodo, antes


do-feculo pafado. Defde o reftablecimento das-letras Umanas na Eu
ropa, direi melhor, no Ocidente, que podemos fixar nos-princi
pios do-feculo XV. melhor direi , defde a invenfam da-Imprenfa
no-meio do-dito feculo ; até o fim do-XVI. nam tiveram os omens
tempo de cuidar, cm dar metodo proprio às Letras, e Ciencias.
Nam fizeram pouco aqueles primeiros doutos , em procurar ma
nufcritos, e impremir os antigos autores, mais corretamente que pu
defe fer. Achamos alguns, no fim do-XV. e no-XVI. feculo, que
foram letrados à forfa de efludo, mas nam de metodo . Temos
tambem alguns omens, que fouberam bem Latim nefe feculo , por
que liam muito polos bons autores: nam porque tivefem achado a
chave, de ir para diante com facilidade , e explanar as dificulda
des de Gramatica, aos efludantes. Finalmente efa gloria cítava re
zervada, para o feculo XVII. Os pafados feguiam uns a outros,
fem mais eleifam , que o coflume . viam , e efludavam com os
olhos, e juizo alheio. Mas no-principio do-feculo XVII. aparecèram
alguns, que quizeram fervir-fe do-proprio : e foi-lhes facil; con
hecer os erros dos-antecedentes, porque eram grandes . Afim fe
abriram os olhos ao mundo, em todo o fentido. um conhecimen
to facilitou outro . e eifaqui aberta a porta ao metodo . De-me
V. P. omens, que queiram examinar as materias com razam , que
nam inculquem um autor, porque feus metres lho-diferam , mas
porque é digno de feguir-fe ; que eu lhe-prometo , adiantamento
nas Ciencias todas. A feu tempo difcorrerei das-outras : agora con
tinuemos com a Gramatica .
Tinha no-tempo do-Concílio de Trento o douto Julio Cezar
E/caligero, cometado a examinar a Latinidade, feguindo o exem
plo, e lunies do-famozo Agoflinho Saturnio; o qual tinha ja no
tado varios erros, nos-outros Gramaticos. Efcaligero, dando um
pafo adiante, publicou um livro, com o título = De Caufis Lin
gue Latine: em que doutifimamente expoem o feu fentimento »
fobre os elementos da-Gramatica : mas nam toca a conftruifam
das-Partes. A leitura defle livro, abrio os olhos a Francifco San
ches , que era um profefor celebre de letras Umanas, na Univer
fidade de Salamanca. Efe douto empreendeu no-feguinte feculo»
com o me{mo título, a explicafam da-confiruifam das-partes da
. .. . ora- .
D E E S T U D A R. 63
orafam: e com tanta felicidade, que defcobrio as verdadeiras cau
zas, até àquele tempo ignoradas . Efle livro incontrou em Sala
manca, e trouxe para Roma, (1) nos-principios do-feculo pafado,
o famozo Gafpar Scioppio, Conde de Claravale, de nafam Tudefca:
aquele grande omem em letras Sagradas e Profanas; e que em
pregou toda a fua vida, em efludos gramaticos. O livro de San
chez fez todo o cfeito, que podia e perar-fe. Scioppio (que nam
cofumava dizer bem , daquilo que o-nam-merecia ; antes, polos
feus inimigos, é tachado, como cenfor dezumano) cedendo à evi
dencia das-razoens » profeguio o mefmo metodo de Sanches :
iluftrou , e reformou a fila doutrina : e compoz a primeira Gra
matica, que apareceo fegundo os tais principios. No-mefmo tem
po o famozo Gerardo Joam Voffio em Olanda , tam benemerito
das-letras Umanas, e Sagradas, explicou ainda melhor o dito me
todo º feguindo cm tudo Sanches, e Scioppio; os quais ou copeia,
ou iluftra -
Efla é , e ferá (empre , a Epoca famoza da-Latinidade ,
e Gramatica . A efles trez grandes omens , feguiram em tudo
e por-tudo os melhores Gramaticos, que defpois ouveram : e de
vem feguir, os que tem juizo para conhecer, como fe deve eflu
dar a Latinidade . Por-Franfa, Alemanha, Olanda, Italia, e ou
tras partes fe-dilatou efte metodo : e alguns efcrevêram belifimas
Gramaticas, fegundo os tais principios. A razam porque nam fe
Propagou mais é º porque pola maior parte os efludos da-Moci
dade , fam dirigidos por-alguns Religiozos, que feguem outras
opinioens. Os doutifimos Jezuitas, enfinam grande parte da-Moci
dade , em varias partes da-Europa: e nam querendo apartar-fe»
do-feu Manoel Alvares , rejeitáram todas as novas Gramaticas -
Alguns defles Religiozos, que trato familiarmente, e eflimo mui
to Pola fua doutrina , e piedade ; me-diferam claramente , que
bem viam º que o Alvares era confuzo, e difuzo; e que as ou
tras eram melhores : nem fe-podia negar, que os principios de
Scioppio fofem claros, e certos : mas que o P. Geral nam que
ria, fe-apartafem do-P. Alvares, por-fer Religiozo da-Companhia.
Efle é o motivo, porque o P. Alvares fe-confervou, nas efcolas
dos-tais Religiozos : e efla tambem a origem da-tenacidade, com
que muitos, feguem, aquilo refmo que condenam.
Os outros Religiozos, aindaque nam fejam Jezuitas, tem as
|- mefmas
(*) Veja-fe a fua Gramatica da-edifam de Scavenio, na Prefa/am -
64 V E R DA DE IR O ME TO DO
mefinas obrigafoens , e opinioens : A maior parte, cuida pouco
nifo: e vam vivendo, como feus me{tres lhe-enfináram. Nam tem
noticia dos-melhores autores, que á na materia : cuidam, que no
mundo nam á outra Gramatica , fóra que a do-P. Alvares. E to
dos cfles, contentando-fe de intender, um pouco de Latim bom,
ou mao, nam cuidam em faber Gramatica. Os mefres Seculares,
pola maior parte, fam ignorantifimos, e puros pedantes. e defla
forte de gente nunca efperou aumento , a republica Literaria º
E necefario porem confefar, que fóra de Portugal, aindaque per
ziflam algumas deflas razoens, muitifimos Religiozos, e Seculares
enfinam, fegundo os verdadeiros principios. Comque, confiderado
bem tudo iflo, nam tem que fe-maravilhar V. P. de que um me-.
todo, que louvam tanto os omens doutos, tenha tido tam mao
recebimento , em varias partes . Mas eflas Gramaticas que tem
faido, aindaque figam os mefmos principios, nem todas fe expli
cam com igual clareza. Eu direi o que achei nas melhores, e o
como fe-pode ordenar uma Gramatica, util para a Mocidade.
A Gramatica deve-fe dividir, em dois volumes. No-primei
ro, devem-fe tratar aquelas coizas, que indifpenfavelmente devem
eftudar os principiantes. no-fegundo, aquelas reflexoens, que fam
mais proprias para os adiantados , c para os metres: como fam
as dificuldades de Gramatica, e as razoens daquelas regras, que
parecem menos comuas . Explico agora a primeira parte . Efta
primeira parte (podemos-lhe chamar pura Gramatica : porque
a fegunda, fam comentos fobre ela) divide-fe naturalmente, em
quatro partes : Etimologia , Sintaxe, Ortografia, e Prozodia. a pri
meira trata das-Vozes: a fegunda da-Uniam delas: a terceira das
Letras: a quarta da-Quantidade das-filabas.
- E T I M O L O G I .A ,
Na primeira parte, trata-fe da-origem e diferenfa das-vozes
Latinas, que podem entrar na orafam, por-fua ordem. Primeiro,
explica-fe o Nome, e fuas efpecies . O Nome, tem trez acidentes,
que fam, Genero, Cazo, Termina/am. Os Generos, que tanta bu
lha fazem nas efcolas, explicam-fe com toda a brevidade . á re
gras gerais da-fignifica/am, e particulares da-terminafam. Na pri
meira regra, poem-fe todos os que pertencem ao Mafculino . v.g.
Sam do-Ma/culino, os nomes de Omens &c. 2. Sam do-Feminino , os
nomes de Molheres, Naos &c. 3. Sam do-Neutro, os nomes de Le
tras , Frutas &c, Tambem as particulares, fe-reduzem a tres +

* * . . . - " " …
- • - ** -
---- ….V.8°
D E E S T U D A R- 6;
v. g. Sam do-Ma/culino os nomes em O, como sermº: em il, como
Mugil &c. Acabado ito , poem-fe um efcolio que diga : Nomes
ue fam do-Ma/culino, por-excefam das-outras regras. v.g. Cometa ,
4dria, Harpago , Splen &c. O me{mo metodo fe-pode praticar
no-Feminino, e Neutro - E com feis regras , fe-explicam todos
os Generos: e fe-acaba eta grande barafunda de Cartapacios. Se
pois o eftudante quizer faber a razam, porque alguns nomes, que
pareciam de um genero, fe-atribuem a outro; pode ir ver, a fe
gunda parte da-Gramatica . ***
Segue-fe explicar, quantos Cazos tem o Nomê. e em 3° lu
gar a Declina/am: moftrando quantas á : e em cada uma delas ,
quais fam a Latinas, quais as Gregas. Tudo ifto fe-pode dizer,
com muita clareza e brevidade; baftando alegar um exemplo, em
cada efpecie de terminafoens, que podem entrar em cada decli
nafam. Com efte metodo, em uma vita de olhos, percebe o eflu
dante os nomes, que pertencem a cada declinafam. Defpois, po
dem-fe explicar os Nomes Compofios, os Anomalos de genero »
de numero, de cazo, e de declinafam. A fegunda efpecie de No
me, é o Adjetivo. E aqui tem lugar explicar, as diverfas efe
cies de Adjetivos: Pozitivos, Comparativos &c, as fuas declinafoens,
e anomalias .
O Pronome , tem feu lugar defpois do-Nome : porque tam3
bem é , uma efpecie de Adjetivo . Onde deve explicar-fe logo »
a fua diverfidade: e as declinafoens dos-Simplezes, e Compofios .
O Verbo, é a mais dificultoza parte, nas Gramaticas vulga
res: e por-ifo pede grande atenfam. Explicadas as divizoens dos
Verbos; e apontado, que á quatro Declinafoens ou Conjugafoens:
fegue-fe logo, explicar os Preteritos - v. g. A primeira, tem no
infinito a longo antes de re : "no-Preterito faz, avi : no-Supino
atum: ut amo, amavi, amatum, amâre. Tiram-fe os Verbos em
bo, ut Cubo : em co, ut Mico &c. E ifto fe-obfervará em todas
as Conjugafoens. Defia forte conclue-fe em poucas palavras, toda
aquela grande arenga de Preteritos, que nam tem fim nas efcolas
de Portugal. Se pois o efludante nam quer aprender, toda aque
la enfiada de Verbos, nam emporta: bafta que aprenda um exem
Plo, e faiba bufcar os outros: porque a pratica enfina o demais.
Seguem-fe as Declina/oens dos-Verbos , a que vulgarmente
chamam, Linguagens. E aqui achamos baflantes erros , nas Gra
maticas comuas, e tambem confuzoens: porque mandam aprender
TOM. I. I aOS
65 VER DA DE IR O ME TODO
aos rapazes, coizas totalmente fuperfluas; e nam explicam as ne
cefarias, Quanto ao Indicativo , concordamos com Manoel Alva
res: só dizemos º que aquele Preterito plus quam perfeito, é uma
arenga, que nenhum efludante intende; nem os mefres explicam.
Deve-fe explicar afim : Amavi, é Preterito perfeito proximo; que
afirma uma coiza º fimplezmente pafada : Amaveram, é Preterito
perfeito remoto, que nam só fe-intende de uma coiza pafada; mas
que ja era pafada, antes de outra, de que eu falo como pafada.
Dizemos mais, que aquele Futuro perfeito, nam o-á no mundo:
pois efia voz, é o me{mo Futuro fegundo, que ele poem no-Con
juntivo . •• |-

. Alem dos-primeiros tempos do-Indicativo, tem o Verbo, fe


gundo Prezente, que é Amem: fegundo Imperfeito, que é Ama
rem: fegundo Perfeito, que é…Amaverim: fegundo Preterito re
moto, que é Amaviffèm: fegundo Futuro, que é Amavero. Mas
ifto pode-fe explicar em Portuguez, com diverfas palavras. A eftas
fegundas vozes, ou fegundo modo, podemos chamar Conjuntivo :
porque pola maior parte, une-fe com outras partes. Daqui vem,
que é erro , pôr nas Gramaticas :. Modo Optativo » Conjuntivo ,
Totencial, Permifixo : porque por-efte eflilo, podem-fe acrecentar
muitos outros Modos : fendo certo , que , ajuntando-lhe novas
Particulas, nacem diferentes modos de fe-explicar. Bafta advertir
ao eftudante, que aquele Amem, pode-fe tomar, em diverfos fen
tidos: o que fe-conhece, polo contexto da-orafam. tudo o mais
é tempo perdido, e é enfinar uma falfidade: pois nam á tais mo
dos feparados : fendo que a linguagem, ou a voz fempre é a melº
ma, Amem, quando fignifica pofibilidade, e quando fignifica per
mifam º nam fe-diftingue mais, que polo contexto. E ifto bafta
va que brevemente fe-advertife, apontando um exemplo: Porque
o mais enfina a lifam, c reflexam fobre os bons autores. •

. O terceiro Modo é o Imperativo: a que podemos chamar»


por-diftinfam, Trezente terceiro: Ama. Futuro terceiro : Amatº,
" … O Infinito, é aquele , a que verdadeiramente devemos cha
mar». Impe/oal : pois nam tem determinado numero , ou pefoa }

ou tempo &c. Efte tem uma voz : a que, aindaque impropria:


mente, podemos chamar, Prezente, e Imperfeito: que é Amare.
a qual tem todas as fignificafoens do-Prezente, e Imperfeito primei
ros. Para os outros Preteritos ferve, Amamife . Tem Futuro.»
que é Amaturum efe ; e outro Futuro remoto, que é Amatur"
- • *** fuife -
*#:
••• D E E S T U D A R. . 67

fuife . Gerundios, Supinos, e Participios . Ifto poto, deve-fe ex


fe-formam os tempos. E nifto fe-compreende, a pri
plicar, comodas-Linguag
meira parte ens. -• - -

Seguem-fe os Verbos Anomalos, quero dizer, os que nam


tem analogia, com as quatro Conjugafoens : fam Volo, Nolo, Ma
lo, Feru, Eo, Edo, Fio, Memini &c. Aio, Inquam , Forem. E nifto
fe-encerra tudo, o que fe-diz do-Verbo. ",

Os Gramaticos, fazem aqui uma barafunda de explicafoens,


e divizoens , em Neutros, Comuns ». Depoentes, Diminutivos, Fre
quentativos, Denominativos, Imitativos &c, mas tudo ifto é fuper
fluo. Todos os Verbos, tirando dois, fam Ativos, ou Pafivos i.
porque ou fignificam asám, ou paixam : e a etas efpecies fe-re
duzem os apontados. Bafta advertir, o que fignificam. etas pa
lavras, e a que conjugafam pertencem os ditos verbos: apontan
do um exemplo de cada um. o que porem melhor fe-faz, no
exercicio da-leitura, e tradufam. \ -

Ao Verbo, fegue-fe o Participio: que aqui fe-deve explicar:


com as fuas divizoens . notando quais fam os Verbos que os-tem:
quais os em que faltam: quais deles formam Comparativos, e Su
perlativos . •

No-Adverbio , deve-fe explicar e apontar , os que fam de


proguntar, os que fignificam tempo , lugar ; e outras diferentes
efpecies deles. Deípois, a Prepoxifam: motrando as que fam fe
paraveis, e as que fe-nam-{eparam . Como tambem advertir, que,
coiza acrecentam ao Nome, e Verbo, e{tas Prepozifoens, Sobre
a Interjeitam, deve moftrar, quais fam as que fignificam, os di-.
ferentes afetos do-animo , , para o efludante poder fervir-fe na
ocaziam . A Conjunfam., tambem tem fuas efpecies", que fim
Conjuntiva, e Disjuntiva, condicional, concefiva &c. e etas todas
devemos apontar : alegando exemplos em cada uma . •

Defpois da-Etimologia das-vozes , tem lugar explicar o Me


taplafºno : que vale o mefino que dizer, certas figuras, Polas quais
fe-acrecentam , ou diminuem as letras das-difoens : v. g. Gnavus
pro Navus &c. Noticia é efia fumamente util para intender , as
diferentes vozes Latinas. E nifto fe-compreende, tudo o que de
ve faber-fe fobre a Etimologia , com a maior clareza, e brevi
dade imaginavel.
••
• • s : N T a X E. . . . .
DefPois, fegue-fe a sintaxe . E a qui é maior a dificulda
I 2 de :
68 VER DA DE IR O ME TODO
de : porque fe a Etimologia , nas Gramaticas ordinarias, é con
fuza 3 a Sintaxe delas é a me{ma confuzam . é necefario variar
muito do-comum, para enfinar verdadeira Sintaxe . Nam tenho
tempo para provar o que digo: mas feguro a V. P. que o que
efcrevo, é ja provado evidentemente, polos autores que aponto,
e outros - que os-comentáram : e que º fe a necefidade o Pedife ,
com pouco trabalho mofiraria tudo : porque tenho vito o que
bafta. E afim apontarei fomente, as rezolufoens. -

A Sintaxe enfina a unir as vozes, para fazer a orafam : e ;


por-meio deta, formar um bem regulado difcurfo. A contruifam
ou uniam ou é Regular, que fegue as regras da-Arte : ou Figu
rada , que fe-defyia delas , mas funda-fe na autoridade dos-bons
efcritores. A conftruifam Regular funda-fe na Concordancia, ou na
Regencia. Chamo Concordancia, quando às partes concordam º em
alguma coiza comua. v.g. o Suftantivo concorda com outro Suftan
tivo em cazo, que é comum a ambos . Nas Concordancias acha
mos alguns erros comuns, que em breve apontaremos.
Nam fe-devem admetir mais concordancias , ( nam falo da
quela entre dois Suftantivos ) que de Sufantivo com Adjetivo :
Kerbo com o Nome . O Adjetivo concorda com o Suftantivo em
numero, e caço, que fam comuns a ambos: nam em genero º por
que o Adjetivo namº tem genero , mas fomente o Suftantivo :
poem-fè porem o Adjetivo em uma terminafam , conrefpondente
ao genero do-Suftantivo . Alem difto o Adjetivo, nam concorda
com o Suftantivo proprio, v.g. Petrus: mas com o Suftantivo co
mum, v.g. Homo : e vale o me{mo dizer: Petrus efi bonus : que
fè difefe-mos: Petrus efi homo bonus : vel artifex , vel magifler
bonus &c. Quando nam á nome comum -, recorre-fe aos nomes,
Res» Falium, Opus, Negotium, e outros femelhantes, que antiga
mente tinham, fignificafam mais extenfa, que a que oje lhe-dam.
Damefima forte quando Ovidio dife: Nox, o Amor, cºr Vinum
mil moderabile fuadent ; deve-fe intender afim : non fuadent fatium,
vel opus , vel negotium moderabile . Virgílio umas vezes dife. :
Prenefie altum: intendendo Oppidum. outras vezes: Prenefe fub
infº: intendendo fub ipfa Civitate. Podia tambem dizer: Prenefie
altus : intendendo Locus. Terencio dife : Eunuchum fuam , inten
dendo Coemediam , ou Fabulam 3 porque Eunuchus é mafculino. -
Deixo outros exemplos, com que fe-motra, que a concordancia
fempre é com o Suflantivo comum,
|- A in
D E E S T U D A R.” 69
A infinitos exemplos que provam , que o Relativo concorda
com o fufequente exprefo , ou fuprefo, em numero, caçº , e ter
minafam conref'ondente ao genero : dame{ma forte que outro
Adjetivo ... Temos exemplo bem claro em Cicero , do-expreto :
Ego tibi illam Aciliam legem reflituo, qua lege fimul accu/afli (1):
e em outra parte (2) : Sequitur enim caput , {" capite non per
mifit . Cezar abunda muito detes modos de falar, porque afetava
clareza. Acham-fe exemplos do-fuprefo: Populo ut placerent, quas
fecifet fabulas (3): i. e. Populo ut placerent fabule, quas fabu
las fecifet . Do-que fica claro , que o Relativo concorda , em
:
\
genero, numero , e cazo, como dizem comumente, com o feu
fufequente , que é o me{mo antecedente repetido. Ito baita por
agora -
A fegunda concordancia, é do-Verbo com o Nome: os quais
concordam em numero, que é comum a ambos ; nam em pefoa ,
porque etta é fomente do-Verbo : mas poem-fe o Verbo em uma
terminafam , conrefpondente à pefoa, que o Nome fignifica. De
vem-fe porem advertir algumas coizas . I. A primeira, e fegunda
pefoa do-Verbo, raras vezes fe-confirue com o Nome exprefo, fe
nam por-diftinfam, ou emfaze . II. A terceira pefoa do-Verbo , con
ftruc-fe tambem com um Verbo infinito. v.g. Scire tuum nihileft:
pro , fcientia tua. Tambem algumas vezes fem nome exprefo: v.g.
.Aiunt , fupple, bomines. Tonat, fup. Deus. outras vezes com o No
minativo: Saxa pluunt. Tambem fe-uza do-Nome, fem Verbo ex
prefo: Rari quippe boni. i. e. funt. III. No-Verbo com o Nome,
tem lugar a Figura Sintefis, que parece , que difcorda do-Nome
exprefo: mas a verdade é que concorda, com o finonimo oculto
v. g. Pars epulis onerant men/as : onde o Verbo concorda, com o
finonimo oculto , Plurimi. Tem tambem lugar a figura zeugma ,
em que o Verbo concorda, com o mais vizinho : Tu quid ego ,
º populus mecum defideret, audi. Tem tambcm lugar a Silepfi,
emque o Verbo concorda, com o mais digno: Si tu , & Tullia
lux nofira valetis, ego; & Juavi/imus Cicero valemus.
IV. Porque o Adjetivo fignifica acidente, nam pode eftar só
fem fuftantivo 2, que fignifique a fuflancia. o mefimo digo das-ter
minafoens do-Verbo que fignifica , movimento de alguma # 3
{ * # :; . C @11ÍIl

(1) In Ver. att. 3: |- (3) Terent, in Andria -


(2) 2. …Agrar.
7o VERDADE IR O MET Q:D O
e afim fempre fe-fubintende a dita coiza - Nam á Orafam fem Ver
bo, e Nome, fe o Verbo é finito, o fupoto é Nominativo : fe.
é infinito, é Acuzativo . A Letra, Silaba , Voz, e Orafam, pode
fer fupoto do-Verbo , e do-Adjetivo. V. Do-fobredito fe-inferem.
varias coizas. E' falfo, que os Nomes de numero, come tres, or
decem, concordem entre fi. E falfo, que os Adverbios, e Conjun=
foens concordem com o Indicativo » Optativo &c. deve-fe dizer,
que fe-conftrue um com outro . E nifto com pouca diferenfa fe
comprende, tudo o que fe-diz da-Sintaxe de concordar. -

, , A Regencia, é a que moftra o feu efeito , em outra coiza


que rege. Quatro fam as vozes que regem outras : Nome, Ver
bo, Participio , e Prepozifam . E falfo , o que fe-enfina comu
mente, que o Adverbio, Conjunfam , Interjeifam, Verbo pafivo,
Participio pafivo, Gerundio, Nome adjetivo, reja, e pefa cazo:
porque o cazo que fe-acha com eles, é regido de uma parte fu
prefas pola figura Ellipfis -
regencia ou é Gramatical º que fegue as regras da-arte :
ou Figurada, que fe-defyia delas . E porque a regencia fe-exer
cita, nos-Cazos do-Nome, daqui vem º que toda a Sintaxe de Re
gencia fe reduz, à explicaçam defes feis Cazos. v.g. no-Nominati
vo aponta-fe, quando entra na orafam. defpois, quais fam as par
tes da-orafam, que fe-confirmem com ele, ou fimplez, ou dobra
brado. O me{mo digo de todos os outros Cazos : na explicafam.
dos-quais deve-fe muito advertir, de moftrar quais fam as partes,
que verdadeiramente os-regem : e nam enganar os eftudantes, com
as doutrinas das-Gramaticas vulgares. V.g. o Genitivo é cazo fo
mente regido , por-um Suflantivo exprefo , ou fuprefo: ou por
uma parte, que efleja em lugar de Suftantivo . E pois necefario
mofirar-lhe, que fe-enganam os outros, que atribuem o tal Ge
nitivo, a outras partes da-orafam. Com efle metodo , explica-fe,
mui brevemente a Sintaxe , e mui folidamente : porque fe-redu
zem todas as conftruifoens figuradas , ao modo de falar regular :
e fe-defcobrem os verdadeiros principios da-Regencia : poítos os
quais , dezaparecem todos aqueles Apendices , e Limitafoens da
Gramatica uzual: as quais nam de outra coiza nacem , fenam de
eftablecer principios falfos. Depois, explica-fe a Gramatica Figuº
rada : efe-aponta o fundamento da-Figura , e como fe-pode re
duzir à conftruifam natural - porque fem efia inteligencia , nam
fe-pode ir para diante na Gramatica. • R
|- • OR
º D E E s T"U D A R. | ' | 71
:r ORTOGRAFIA, E PROzoDI-4 - *: *":" . :
As outras duas partes da-Gramatica fam mais facis, porque
menos contrariadas. A notícia das-Letras, e Ortografia, é fumamen
te necefaria , para efcrever bem , e ler correntemente nam só a
moderna, mas tambem a antiga efcritura e em que vareiam muito
as letras. O mefmo digo da-Prozodia, ou quantidade das-filabas,
Tambem nifto é necefario, uzar melhor metodo, que o da Gra
matica comua: e conhefo eu muito bem , que
com mais clareza - • }
fe podem dizer,
º r •

Eifaqui tem V.P. uma idea do-que finto, fobre a Gramati


tica. Parece-me baftante o que dife, paraque veja V.P. quanto
trabalho encurtaria uma Gramatica , concebida neftes termos : e
uns principios tam claros, como os em que se-funda. Nam pofo
dilatar-me mais nefta materia , porque feria compor Gramatica ;
e o meu argumento nam é efe . Eu fei, quem tem compofto uma
Gramatica, pouco diferente da-ideia que propuzemos : e tem com
pofto outro particular efcrito, com que fe-aprende Gramatica mais
facilmente, e em menos tempo : os quais podia publicar , para
utilidade defe Reino . Dois nofos amigos lhe-pediram infante»
mente, que a-impremife: mas ele defculpa-fe fempre com dizer »
que é mais facil, conquitar um novo mundo; doque defperfua
dir os Velhos, da-antiga Gramatica. Cita alguns exemplos com que
moftra, que a paixam obra neftes particulares mais, que o jui
zo: e lamenta-fe muito, que fe-tenham reprovado tantas coizas,
fem as-lerem, nem intenderem . - -

O que eu pofo fegurar a V. P. é , que com efte metodo,


aprende-fe em um ano mais Gramatica, doque nam fabem mui
tos, que a enfinam trinta anos, ou pasáram nela toda a fua viº
da . E erro perfuadir-fe, que um omem ou deva , ou pofa ter
Prezentes todas as regras, que fe-acham na Gramatica do-P.Alva
res. A experiencia deveria dezenganar, os que efludáram por ela;
e moftrar-lhe , que aquele efludo morre com a efcola. Um eflu
dante, defois de feis ou fete anos de Manoel Alvares, fe aca
2o nam le os antigos Latinos, e procura intendèlos; ou nam pa
fa para a Filozofia , onde a necefidade o-obriga a intendèlos , e
falar a tal lingua 3 fica toda a fua vida ignorante de Latim,
com toda a fua Gramatica. Porem fe acazo fegue o exercicio do
Latim º de tal forte fe-familiariza com a lingua, como fe fora
nacional 3 e comefa a falar por-uzo. Aqui nam é necefário mais
Pro
7: VERDADEIRO - ME TOD o
prova; que Proguntálo a efes mefimos leitores. apenas confervam
umas ideias gerais , das-regras de Gramatica. Onde fica claro }
que tudo aquilo é fuperfluo . O metodo porem que aponto , é
mais facil de fe-confervar na memoria, porque é natural: e che
ga à origem das-coizas - Mas em um e outro fiftema é verdade,
que preceitos fem uzo, nada valem. Onde deve o efludante, nam
só aprender a Gramatica, mas exercitar efas regras no-difcurfo,
na leitura , e na compofizam : defcobrindo em toda a leitura as
regras , que na Gramatica lhe-infinúam : no-que deve ter igual
cuidado o mefire, que o efludante. No-primeiro ano, deve en
finarlhe. Gramatica : o que fe-pode fazer com muita facilidade.
No-fegundo, traduzir os autores mais facis; como algumas Cartas
de Cicero, as Fabulas de Fedro , Terencio , Cornelio Nepote.
procurando que o efludante afine a regencia das-partes, e defeu
bra nefes livros, os Principios que efludou: e intendendo as ou
tras particularidades mais reconditas da-Gramatica : as quais nam
fam para o primeiro ano.
Mas, para proceder nifto com utilidade, deve o metre orde
nar ao efludante , que ja vio uma vez a Sintaxe , que efcreva,
em Portuguez, polas palavras que melhor lhe-parecer, mas femº
pre diferentes daquelas, que efiam na regra, a razam de algu
ma regra 5 apontando um exemplo , e explicando as partes to
das defe exemplo . Pode tambem o metre tomar , um periodo
de duas regras , em algum autor claro ; e dalo ao rapaz , para
que o-explique em uma folha de papel : pondo nela toda a re
gencia gramatical , fem, deixar nem menos uma virgula, por-ex
plicar . E quando o rapaz aprezenta a fua carta , examinálo de
tudo , o que nela fe-contem 3 para ver fe verdadeiramente o-in
tende. E ifto mefmo fe-pode praticar ao principio, quando tra
duzem os autores. Efte modo de efludar, nam enfada os princi
piantes, vito darem-lhe tempo para confiderar, o que ám-de ef>
crever . Ao principio, deve fer em caza : quando fam adianta
dos, na efcola. Alem difo o efludante , para efcrever a fua ex
plicafam, é necefario que leia, e intenda bem a regra: que bufº
que no-Dicionario, o fignificado das-palavras: e defla forte é que
a-imprime bem na memoria. Quando o efludante for adiantado ,
entam é que fe pode obrigar, a repetilo de memoria: mas nem
fempre : Pois algumas vezes é bom, dar-lhe o periodo, paraque
fafa a explicafam por-papel: Com a diferenfa porem, que fe } pe
I1OGO
D E E S T U D A R . 73
riodo avia fer de quatro regras, feja de feis, ou oito . Expli
cando ifho por-efcrito , é incrível , quanto fe-intende melhor :
principalmente fe o metre, quanto lhe-tomar conta, fizer as pro
guntas necefarias 3 emendar os erros , e explicar tudo como de
VC • Mas efla carta ja é mais comprida ,
• doque eu queria fazé
la: porem pofo fegurar a V.P. que ainda me-fica muito que di
zer. Contudo do-que tenho efcrito , fica bem claro , o que eu
intendo: e para V.P. é mais que baftante . Fico às ordens de
V. P. como feu criado.

ToM I. K CAR
74 " A

CARTA TE R C E IRA.
S U M A R I O.

A Buzos que fe-introduziram em Portugal, no-enfinar a lingua La


tina. Mao modo que os mefres tem º para infruir a Mocida
de. Propoem-fé o metodo, que fe-deve objervar º para Jaber com
fundamento , e facilidade o que é pura Latinidade . Necefidade
da-Geografia , Cronologia , e floria , para poder intender os
livros Latinos . Apontam-/e os autorcs , de que os mefres fe
devem fervir na Latinidade : e como devem Jervir-fe deles ; e
explicáios com utilidade ; e as melhores edifoens.. Aponta-fe º
modo de cultivar a Memoria » e exercitar º Latim nas e/colas
EU amigo e fenhor, Tardei em efêrever a V.P.
porque tive legitimas ocupafoens. Continuanº
do pois o fio das-minhas reflexoens, da-Gra
matica pafo para a Latinidade : porque me
perfuado , que efle mefmo caminho deve fe
guir o efludante , que quer ter perfeita noti
cia, da-lingua Latina. Efta noticia certamente
= nam fe-confegue, com a pura Gramatica : mas
com a continua lifam de bons autores , e reflexam fobre as fuas
melhores obras. Aliud eft grammatice, aliud latine loqui : adver
tio ja no-feu tempo Quintiliano. e com muita razam : porque a
efcrupuloza fugeifam às regras da-Gramatica impede , faber falar
a lingua. A Gramatica é a porta, pola qual fe-entra na Latini
dade: e quem pára no-veflibulo, nam pode ver as fingularidades
do-Palacio. Quantos omens acha V.P. que, com terem fido me
fres de Gramatica muitos anos, faibam pegar na pena , e efere
ver, uma pagina em bom Latim º refPonder a uma carta com
facilidade? e fazer qualquer outra coiza, em que feja necefario,
uzar da-lingua Latina ? Eu conhefo infinitos fugeitos, que pasá
ram a fua vida nefte exercicio, e quando ám-de efcrever Latim,
fervem-fe de exprefoens em tudo barbaras , e indignas do-feu
nam
exercicio . Outros , aindaque tenham eleifam de palavras , fe
|-
- - -•
D E E S T U D A R. 75

fe-defem dos-idiotismos da-fua lingua: que é o me{mo que falar


Portuguez, com palavras Latinas. Uma vez que obtervam, aque
la regencia gramatical que efludáram , parece-lhe que fazem a
fua obrigafam . Os que fe-querem apartar defleuzo , declinam
para outro extremo viciozo , que é a afetafam : e nam bufcam,
fenam palavras grandes e fonoras , fº/quitedalia verba , com as
quais atroem os ouvintes , ou leitores . E daqui entam nace,
aquele eflilo ridiculo, que tanto dominou nos-fcculos da-ignoran
cia; e oje em Italia chamamos , efilo do feculo XVI.
A efles ultimos chama o comum dos-Gramaticos, grandes La
tinos. E um louvar a Deus, ver a prezunfam de uns, e a igno
rancia de outros. Achei-me prezente em algumas orafoens Latinas,
que fe-recitáram fobre diverfos afumtos ; e nam podia asás admi
rar, a afetafam, e cftilo dezigual, que reinava em toda a orafam.
Defpois difo, li muitas compozifoens, feitas por-efes mefimos : li
muitas pofilas de diverfos leitores, que tinham pafado com lou
vor, por-aqueles bancos : e em tudo notei o me{mo defeito . E
tudo ifho provêm, de fc-contentarem com a erudifam de quatro
temas, que lhe-mandam compor : e de nam fe-internarem na li
fam dos-bons autores , e que efcrevêram no-tempo da mais pura
Latinidade . E coiza impofivel , que um omem que tenha toma
do o goto ? à verdadeira Latinidade , com facilidade o-perca ,
Ainda quando trata afumtos umildes , e argumentos em que à
obrigado fervir-fe, de exprefoens barbaras, v.g. na Filozofia, ou
Teologia Peripatetica ; ou ainda quando depreza o falar elegan
te; la moftra fempre, o conhecimento que posúe daquela lingua.
Nos-feus efcritos conhecem muito bem os omens inteligentes, o
que ele podia fazer . caiem-lhe da-pena palavras proprias . um
etilo facil e natural é o carater das-filas obras . Motra a expe
riencia o que digo : e convem nifto os omens de alguma dou
trina : Daqui vem , que os que querem fazer progrefo na La
tinidade , procuram logo um autor facil e elegante , como qual
quer dos-que na minha ultima apontei; e deforte fe-familiarizam
com ele , que tomam e imitam a fua fraze , e modo de falar.
Quem quer falar uma lingua, deve converfar com os omens que
a-falam bem . ora os que oje falam bem Latim , fam efes quatro
livros , que nos-deixou a Antiguidade : e com eles é necefario
converfar tanto, que aprendamos o que fe-pode aprender.
Pode tambem aver perigo , na lifam defes mefinos bons liv
K 2 TOS?
76 VER DA DE IR O M E TO DO
ros: e pode fuceder, que com bons livros, fe-faiba mal Latim:
Digo ifto, polo que tenho obfervado , em grande parte dete Rei
no. Omens á, que lem indiferentemente, todos os livros antigos;
e pola vaidade de quererem faber tudo; nam fabem nada. For
mam um eftilo dezigual , que nam é de feculo algum : e com
grande trabalho, nam confeguem o fim que queriam. Nefe de
feito, nam só caiem os pouco doutos ; mas chegáram a cair, omens
de grande doutrina. Eraímo, que foi um omem tam douto como
V.P. fabe, é cenfurado nette ponto. A grande lifam que tinha,
dos-antigos autores, e Padres, impedio-lhe formar um eflilo de
terminado. Contudo ifo, nam fei fe achará V. P. muitos no-feu
Reino, que efcrevam como ele. O certo é, que Erafimo nam lia
os Antigos por-vaidade , mas por-necefidade dos-feus efludos:
mas etes de quem eu falo, nam fe-livram dete pecado. Outros,
furtam indiferentemente , de todos os autores que lem , para po
derem encher as fuas compozifoens : fervido-fe imprudentemente,
defes livros de Frafeologia : fem advertirem , que fempre á-de
fer capa de romendos: e que os diverfos mantimentos primeiro
fe-ám-de digirir , para fe-converterem cm uma fuflancia , que
feja uniforme e fimplez.
A outra razam que á , para que fe-pofam enganar , é a
diverfidade de etilo , e merecimento defes mefinos Antigos.
Quanto ao etilo , é certo que os querem fer Iftoricos , faram
mal em ler as Filipicas de Cicero , as Comedias de Terencio,
os Epigramas de Catúlo , e outras femelhantes compozifoens :
porque nam conduzem ao feu fim ; aindaque fejam efcritas, no
feculo da-bela Latinidade . omefino digo das-outras proporciona
damente. Podem-fe ler eftes autores: mas cada um deve aplicar
fe ao que é infigne , na materia que ele trata . Se bem oufo
dizer, que Terencio ferve-fe das-exprefoens, no-feu proprio figni
ficado: que Cezar falou melhor, que nenhum dos-Romanos: nem
por-ifo ei-de logo meter Cezar , e Terencio em toda a parte -
para o conhecimento da-lingua, todos me-podem fervir : nam afim
para o exercicio particular, que eu quero. Quanto ao merecimen
to é certo , que nem todos os Antigos fam iguais . antes mui
tos que efcrevêram no-feculo de Augufo, e em tempo de Tibe
rio, fizeram-no com tal negligencia, que mal tem lugar, na ida
de de prata da-lingua Latina; e fem injuria fe-podem colocar » na
idade de bronze . Efta
D E E S T U D A R. 77
Efla advertencia é mais necefaria em Portugal» que em ou
tros Reinos : porque os metres aqui, tem pouca notícia deflas
coizas. Nas efcolas da-Latinidade , verá V.P.traduzir livros, de
merecimento mui dezigual : e pafar de um para outro fem elei
fam, nem advertencia , fomente para encher tempo, e completar
o ano. Na 3. e 4. em que os rapazes comefam a traduzir º ex
plicam pola menhan, as Filipicas de Cicero &c. e de tarde, a Enei
de, ou Ovidio de Trift. Na 2. e 3. pola menhan, Suetonio 3 de
tarde Oracio . Mas eu vi mais : vi um metre que explicava aos
dicipulos, as Orafoens de Cicero, Marcial , e o The/aurus Poeti
{ cus. E que coiza boa pode fair daqui ? Nam enfinam aos eflu
dantes , qual é o merecimento de cada autor , que lhe-mandam
traduzir: e como pode o efludante advinhálo? Alem difo, aqui
lo de explicar no-mefmo tempo, prova, e ver/0, e ifto a prin
cipiantes, nam pode menos, que produzir monfliuozidades. O Po
bre efludante, com a memoria cheia de tam diferentes efpecies »
nam pode diftinguir o branco, do-negro : nem chegar a conhecer
bem, qual é o eflilo da-proza , e qual o do-verfo . Muito pior
ainda é , comefar por-tais livros: porque as Filipicas , e Eneide,
nam é Latim para rapazes , mas para omens feitos . por-eftes
livros devem acabar o efludo , e nam principiálo . Tambem o
Suetonio, nam é livro proprio da-Efcola, porque nam efcreve com
a pureza dos-outros da-idade de oiro - era melhor Livio , Ne
pote &c. que, alem da-pureza de lingua , fam perfeitos modelos
de eloquencia. Outros mandam traduzir lifoens do-Breviario, ou
Concilio de Trento : dizendo que fam necefarias , para quem
á-de feguir a Igreja . E ifto tambem é uma folenifima loucura.
Cada lifam do-Breviario é de feu autor , e de eflilo diferente -
Ainda das-que fe-tiram da-Efcritura, fe-deve dizer o mefmo: umas
fam ofturas , que fam as dos-livros profeticos 3 outras mais cla
ras º que fam as dos-ifloricos : e o Latim delas nam é bom,
porque a fraze é barbara. E querer, que um efludante traduza
iflo» é querer , que nam faiba Latim. Tambem o Concilio nam
é proprio, para dar boa doutrina : porque fe-ferve de um etilo
Forenfe proprio de Roma, que nam é Latino. Se o-fazem para
intender eftes livros, é fuperfluo explicálos . Nam á omem ne
nhum tam decepado, que, fe intende bem Latim, nam intenda
as Bulas 3 aindaque nunca as-tenha lido . Eftar o verbo vizinho
ou diflante , nam muda, ou dificulta o fentido, a quem le todo
o pe
78 V E R DA DE IR O M E TO DO
o período: e quem tem alguma pratica delas , intende-as mara
vilhozamente, aindaque feja mao Latino , como vi muitas vezes
em Roma . O que fupoto , é muito mao emprego , obrigar o
efludante a traduzir Bulas, ou Conflituifoens : e principalmente
a traduzilas palavra por-palavra , como fazem efles mefres . O
Ecleziaftico, nam é necefario que traduza , bafta que as-intenda.
Antes é muito mal feito », obrigálos a traduzir afim : porque o
tal Latim nam fe-deve traduzir ad verbum , mas ad fenfum . O
que baflava que o me{tre advertife , quando quizefe dar-lhe al
guma notícia difo : pois em tal cazo bafaria , que mandáfe ler
alguns períodos, e explicar o fentido. Ito bafia: o mais é per
der tempo . •

Contudo ifo fam poucos os que conhecem, que com iflo fe


perde o tempo: antes blazonam , quando procuram embrulhar os
rapazes, com coizas ofcuras . Achava-me eu em uma parte , em
que certo M. de Filozofia , para examinar um rapaz , man
dou-lhe , traduzir aquelas palavras de S. Paulo ad Cor. Aemulor
enim vos Dei emulatione &c. que era o capitulo da-Ora, que efla
va rezando. O rapaz, que nam era mao efludante, traduzio li
teralmente : mas como nam fazia bom fentido , o meftre dito
deu grandes rizadas, e fez efcarneo do-rapaz . Eu calei-me por
prudencia : mas tive meus impetos de lhe-dizer , V.P. ri-fe de
um pobre rapaz , que nam é obrigado a faber , o fentido da
Efcritura , nem os ebrai/mos , que fe-acham na Vulgata : e eu
apoflarei , que V. P. é o primeiro que nam intende, o que ni
fo diz S. Paulo. Com efeito fe eu apertava os negalhos, efta
va certo, que feria mui mao interprete, da-dita Epiftola. O cer
to é, que nam á maior parvoice, que mandar traduzir palavras
ofcuras : e que efta pedanteria fe-devia deterrar de lugares ,
onde fe-fabe falar. Alem diflo, é obrigado o efludante, a com
por varios períodos , a que chamam orafoens : repetir uma
quantidade de regras Latinas , e Portuguezas : e fe o po
bre rapaz nam, pode refponder a tudo , em vez de lhe aliviar o
pezo, e moftrar-lhe a efirada, e animálo a profeguila , dam-lhe
muita palmatoada; e obrigam-no a odiar, todo o genero de eflu
dos . De que nace, aquela grande ignorancia, que fe-obferva ne
fles paizes. } - +

Daqui fica claro, que com tal metodo , pouco fe-Pode faber
de Latim. E latima que os Profefores, nam cheguem a conhecer
por
D E E S T U D A R, 79

por-uma vez, o ridiculo defe cofume. Todos os primeiros eflu


dos naturalmente dezagradam , porque fam canfados : e paraque
avemos enfatiar mais os pobres rapazes ? Um omem confumado
nos-efludos , quando efluda uma lingua efirangeira, v.g. Grego,
Ebraico, ou Caldaico, nam pode menos que enfafliar-fe, daque
les primeiros elementos . Tém grande dezejo de fabèla : conhece
o metodo de aprender a dita lingua : reconhece a necefidade que
tem dela, para intender as Efcrituras Santas: contudo ifo quando
fe-aplica a ela, mil vezes deita fóra os mefmos livros: e nam-fe
acha com rezoluíam, de tornar a fervir-fe deles. Falo pola expe
riencia propria , e pola de alguns amigos, que fe-aplicáram às lin
guas efirangeiras. E nam acha V.P. que é uma crueldade, cafti
gar rigorozamente um rapaz , porque nam intende logo a lingua
Latina ? que de fi me{mo é dificultoza , e ainda o-parcce mais,
na confuzam comque lha-explicam . Ifto é o mefino , que meter
um omem, em uma caza fem luz , e dar-lhe pancadas , porque
nam acerta com a porta.
V. P. eftá em uma Univerfidade, onde é facil dezenganar
fe com os feus olhos . Entre no-Colegio das-Artes, corra as
efcolas baixas 3 e verá as muitas palmatoadas , que fe-mandam
dar aos pobres principiantes . Penetre porem com a confiderafam,
o interior das-efcolas : examine fe o metre lhe-enfina, o que de
ve enfinar: fe lhe-facilita o caminho, para intendela: fenam lhe
carrega a memoria, com coizas desnecefariifimas: e achará tudo o
contrario. O que fupofio, todo efte pezo eflá fóra, da-esfera de
um principiante. Ora nam á lei que obrigue um omem, a fazer
mais do-que pode : e que cafligue os defeitos, que fe-nam-podem
evitar. Nam nego, que deve aver caftigo: mas deve fer Propor
cionado. Um eludante que impede, que os outros efludem: que
faz rapaziadas pezadas &c. é juflo que feja cattigado : e º aven
do reincidencia º que feja defpedido. Seria bom, que nefa fua Uni
verfidade, fe-defe um rigorozo cafligo, ainda de morte, aos que
injuflamente acometem os Novatos ; e fazem outras infolencias.
A brandura comque fe-tem procedido nefte particular, talvez foi
cauza, do-que ao defpois fe-fez, e ainda fe-faz.. Nefe particular
feria eu inexoravel: porque a paz publica , que o Principe pro
mete » aos que concorrem para tais exercicios, pede-o afim: e em
outros Reinos, executam-no com todo o rigor. Falo fomente do
cañigo que fe dá, por-cauza de nam acertar com os efludos - º
… . " CIIlUl
8o VER DA DE IR O M E TO DO
emulafam , a repreenfam , e algum outro cafligo defe genero faz
mais, que os que fe-Praticam . E neccfario ter muita paciencia
com os rapazes, e enfinálos, bem :_nam feguindo a opiniam da
quele Bifo de Vizco D. Ricardo Rotel, que em um exame re
provou XVI. efludantes afio, porque pronunciáram Idolum, com a
fegunda breve. lfto só faz º quem nam conhece o que deve. Um
omem pode ignorar » a quantidade de muitas filabas , e fer um
grande Latino. Todos os dias fe-oferecem duvidas na quantidade
delas, aos omens doutos: principalmente naquelas palavras , que
tem origem Grega : na qual lingua o O, e E fam de duas fortes,
breves, e longos, Efte rigor é centiravel. deve-fe praticar outro
eftilo.
Acho ainda mais outro inconveniente, para faber Latim, pra
ticado nas efcolas : que é º compor muito naquela materia , que
intendem mui pouco. Um pobre efludante ainda nam intende La
tim, e ja lhe-dam varios temas, que fam certas orafoens vulga
res, para traduzir na lingua Latina. ou dam a orafam Portugue
za, com partes Latinas 3 ou uma fentenfa Latina, para eles a-di
latarcm, e provarem. Mas um e outro metodo, é um erro ma
ficho. Que coiza boa á-de fazer um rapaz, que ainda nam fabe
Latim ? Dar as partes conrefpondentes ao Portuguez , e obrigar
o cfludante, a que fe-firva delas em uma orafam longa; é o mef
mo que querer , que ele figa os defpropozitos do-feu metre a
Ainda quando o efludante acertáfe com tudo, nam acertaria com
os idiotifmos, ifto é, com os modos de falar, que fam proprios
da-lingua Latina : e falaria Portuguez, com palavras Latinas. Po
de-fe permetir o dar as partes, em uma breve orafam ; e ifto a
um rapaz que comefa: mas nam fe-deve obrigar outro mais adian
tado, a feguir tal metodo :
Devia o me{tre enfinar ao dicipulo , compor bem uma ora
fam Portugueza breve , uma carta , um comprimento , ou coiza
femelhante . Para ifto tem o efludante, toda a facilidade pofivel,
porque o-faz cm uma lingua que fabe ; e na qual o me{tre po
de claramente moftrar-lhe os erros. Quando o efludante foubéfe
fazer ifto bem, entam lhe-aconfelharia , que a-convertèfe em La
tim, deixando-lhe toda a liberdade da-compozifam. Emendados os
erros de Gramatica, fe os-ouvèfe, emendaria os erros da-lingua:
e lhe-moftraria, a diferenfa que á , entre cflas duas linguas : e
a diverfidade que aparece, entre efcrever fegundo as "g. de
1'2-
D E E S T. U D A R . s.
Oramatica, e fegundo o etilo da-boa Latinidade. Mas niño pro
cederia com advertencia. Primeiro, nam procuraria que efêrevefem,
fenam em eflilo familiar e facil - defpois, fegundo o adiantamen
to que tivefem , pafaria aos argumentos ou afumtos mais dificulto
zos; os quais explicaria muito bem . Defla forte, acompanhando
a tradufam com a compozifam º facilitaria muito o efludo, e con
{eguiria promtamente o intento.
Defle eftilo rezultariam muitas utilidades . Primeiramente,
fairiam os omens da-efcola , nam só fabendo a lingua Latina,
mas tambem a fila. E latima, que omens que pasáram tantos
anos , nas efcolas pequenas, e grandes , omens que eflam oje en
finando a outros, e ocupam cargos de Letras, e Politica ; nam
faibam cfcrever uma carta ! Pois ifto é coiza , que fucede todos
os dias. Eu me lembro, que V.P. (e-queixou ja difto : e me-di
fe, que achava muitos Religiozos, que tinham o me{mo defei
to: e reconheceo comigo, que a origem defles danos era, a que
aponto. Cometem-fe mil erros de Gramatica , na propria lingua,
e infinitos de Ortografia. Preparam-fe muitos para cfcrever uma
carta, como para fazer um ato publico . Procuram palavras bem
dezuzadas, ou eftrangeiras; e verbos que nam á no mundo. E
com ifto compoem uma carta, fumamente afetada , e de um efi
lo, que é mais declamatorio , que epiftolar . Efles fam os que
fabem mais : e os que fabem menos, pedem a efles , que lhas
composham. E tudo itto provêm, de nam terem uzo de compor
na fua lingua : e de nam terem quem lhe-enfine, qual é o efilo
de Carta, qual o de Orafam : e nam aver uma alma criflan, que
lhe-perfuada , que a afetafam deve-fe evitar, em todos os generos
de eloquencia, mas muito principalmente, no-etilo familiar
A fegunda utilidade é , fobre a inteligencia da-lingua Lati
na . Um rapaz que de fua cabefa efcreve uma carta , ou com
Primento» ou oferecimento Portuguez, com palavras proprias 3 ja
fabe, o que á-de dizer em Latim; só lhe-falta, ter as palavras La
tinas , para as-colocar . A ifo pois deve fuprir o metre . Su
ponho , que lhe-tem ja enfinado à Gramatica : e tambem a tradu
zir de Latim º em Portuguez, para intender os termos : e fupon
do eles Principios, facilmente o rapaz intenderá, quais fam as
Palavras» de que á-de uzar º ou ao menos ferá facil ao mefire,
mofirar-lhas : Eu no principio feguiria efta regra. Comporia dian
te dele em Latim, parte da-dita carta, ou toda : e lhe daria a ra
TOM.I, L ZaIll
32 V E R DA DE IR O M E TO DO
zam do-que fazia : explicando-lhe , porque uzo daquele verbo,
e nam de outro : porque uzo daquela fraze, mais doque outra.
Capacitando-o , que a todas as palavras Portuguezas , nam pode
conrefponder uma Latina: mas é necefario uzar de perifrave, ou
rodeio de palavras, para as-poder explicar. Ele é o defeito que
nós achamos, no-metodo de dar as partes : porque nam conref
pondendo elas fempre umas a outras, por-forfa á-de fair uma
embrulhada . Sabido tudo ifho , darlheia a incumbencia, de ef
crever a dita carta em Latim, fem lhe-moftrar, a que eu tinha
compoflo: e pedirlheia a razam, de tudo o que tinha feito.
Alem difto , com efte metodo aprende-fe o que fignifica,
efcrever Latim com propriedade. Um metre que fe-contenta, com
a Arte do-P.Alvares, e com a noticia do-Dicionario do-P.Bento
Pereira , nam fabe diflinguir entre muitos finonimos , qual é o
proprio, para o que quer explicar. Figuro um exemplo . Tenho
necefidade de uzar , do-Verbo Pedir : para ifto ocorrem logo mil
Verbos: Pofulo, Pofco, Peto, Flagito, Efflagito, Oro, Rogo, Precor, Ob
fecro, e alguns outros. Quem fabe pouco, intende que fam ri
gorozos finonimos ; e nam tem dificuldade, de fervir-fe indiferen
temente de todos : mas quem fabe mais , conhece que nem to
dos o-fam: Porem que alguns daqueles Verbos, fignificam mais,
ou menos : v.g. Poflulo_{ignifica pedir aquilo , que fe-me-deve :
poflulare jure . Flagito fignifica pedir com inflancia, e injurioza
mente . Efflagito pedir com grande inflancia 3 e acrecenta fobre
Flagito, algúma coiza. O me{mo dos-outros com fua proporfam.
Do-que fica claro, que querendo eu explicar º que Pefo com in
flancia 3 direi muito mal : Vebementer po/iulo . cum clamore & ma
gna infantia objecro .bafa que diga, Flagito . O mefino digo,
em diverfas outras materias. Ifto nam enfina o Alvares, nem o
Pereira : mas ifto deve enfinar o me{tre º mofirando ao efludan
te, quais fam os vocabulos proprios, para explicar o que quer.
Defla forte acoftuma-fe o rapaz defde o principio, a fervir-fe de
termos proprios, e frazes naturais à Lingua : E com ifto infen
fivelmente toma o goflo da-boa Latinidade, e da-fua me{ma lin
gua : e aprende as leis da-Tradufam, mui ncccfarias a quem á
de ler» e fervir-fe de autores eftrangeiros.
Dirmeá V.P. que eu pefo muito : e que ifto nam é facil,
praticálo nas efcolas : porque nem todos os mefres , tem a eru
difam que aponto 3 e nem todos os efludantes , fam capazes de
fa
D E E S T U D A R, º S3
fa doutrina : E eu refpondo, que nam á coiza mais facil de fe
executar. Ponha-me V. P. nas efcolas outra Arte : um bom Ca
lepino dos-modernos , reduzidos à grandeza do-Dicionario do-P.
Pereira; que tudo fe-remedeia . Eftas duas coizas fam fumamen
te necefarias . A Arte comua, enfina muita coiza má: e a Pro
zodia, tem muito erro. Nam diftingue as idades dos-vocabulos:
mas com uma fimplez efirelinha quer, que nós fufpeitemos mal,
de tudo o que dezagradou ao corretor : o qual às vezes erra ,
como ouvi queixar os mefmos Jezuitas . Alem difo , deterra
da-Latinidade muitos nomes, que fam Latinos; e introduz outros,
puramente barbaros. Nam explica a forfa das-vozes: nem mofira
com exemplos, os fignificados proprios, e figurados de cada pa
lavra : alem de muitas outras coizas, que fe-podem notar. E afim
feria necefario, compor um Dicionario pequeno para os rapazes;
ou fervir-fe de algum eftrangeiro . v. g. o de Danet , ou ainda
melhor , o que ultimamente fe-compoz em Turin, por-ordem d'El
Rei de Sardanha, para uzo das-efcolas : que fam dois tomos in
4° Italiano e Latim , Latim e Italiano : e traduzir as palavras
Italianas em bom Portuguez . Eftablecido ifto , conhefo eu entre
os doutífimos Jezuitas, mofos de toda a erudifam, e capacidade,
proprios para executarem dignamente, efle emprego. Comque, ti
re V.P. das-efcolas , os que fabem pouco ; e em feu lugar po
nha efloutros : prefcreva-lhe o metodo apontado : fafa com que
o executem fem epikeas, (como fez ultimamente o dito Duque de
Saboia aos feus fuditos, determinado-lhe o metodo, de enfinar La
tim, e Leis &c.) e verá, com que facilidade fe-reformam as ef
colas. Todos os efludantes, afim como fam capazes de fofrerem º
aquele mao metodo, com mais razam receberám outro , que feja
mais claro e facil, e feguiloám com mais boa vontade. O dano
defla era confifle em quererem, que um efludante, que fabe pou
co, e a quem nam enfinam a faber mais , moftre que fabe mui
to; e º para o-moftrar , componha muito . Eu nam pefo tanto.
Suponho que tem ja , um bom ano de Gramatica , e que tem
pafado parte do fegundo ano , traduzindo de Latim em Portu
guez : onde nam me parece que pefo muito , fe quero que no
reflo do-ano, fe-empreguem em compor Latim, polo metodo que
afima digo . Efle tal efludante nam e novifo , mas adiantado 3 e
Pode com fruto aplicar-fe a efe etudo . Falando-lhe em Portu
guez , e compondo polo metodo que
L 2
aponto 5 muda-fe de *3S •

84 VER D A D E IR O M E TO DO
Nas efcolas comuas fabe-fe pouco, quando os-obrigam a compor:
v.g. na quarta , e terceira , em que comefam a traduzir de La
tim, em Portuguez; nefa mcfma clafe, e no-mefmo tempo come
fam a fazer tema . E iflo nam pode produzir bom efeito . Mas
nefe fiftema , quando fe-compoem , ja o negocio elá adiantado :
e vai-fe adiantando mais , com a dita compozifam.
. Acha-fe tambem outro inconveniente bem grande, nefas efco
las , fobre ifto da-compozifam , que é º obrigar os efludantes a
fazerem , ou indireitarem verfos rotos : e cafligálos rigorozamen
te, fe os-nam-fazem . deforteque ou fejam , ou nam aptos para
a Poezia, todos ám-de fazer , o mefino numero de verfos. Mo
fira pouco intender de verfos, quem pratica ifto: porque nam é
facil, obrigar o entuziafino a que venha , quando quer o metre.
Mas o que mais é para rir é , que fafam illo omens, que pre
zumem muito de fer Poetas , e matam gente com as fuas poe
zias. Falando com alguns mefres nefle particular , refponderam
me que o-faziam , para que os efludantes tivefem alguma erudi
fam, dos-Poetas Latinos. Proguntei-lhe , que necefidade avia de
fa noticia : refPonderam-me : Que era necefaria , para a inteli
gencia da-lingua Latina. Poiflue , continuei eu, quando V.V.P.P.
intendefem bem Cicero , Cezar, Cornelio Nepote, Livio, Taterculo
&c., e pudefem cxplicálos com facilidade , e efcrever como eles;
tinham medo de nam faber Latim; ou feria necefario, recorrer a
efes Poctas ? Aqui nam fouberam que reponder mais, doque re
correr ao coflume, das-Univerfidades da-Europa . Mas eu , que
nam queria deixar fugir a preza , pedi-lhe , que me-provafem,
que nefas Univerfidades, enque fe-fabe enfinar, (avemos de con
cordar, que á algumas que feguem , o eflilo de Portugal, ainda
que mais moderado ) explicavam os Poetas , só para intender a
lingua : ou que obrigavam os eftudantes » a que fizefem verfos
como eles. Aqui ficáram calados. E, na verdade, era dificil coi
za, que quem nunca faira de Portugal, ou nam tinha examinado
com grande atenfam, os etudos efirangeiros, difcorrefe fundadamen
te fobre eles.
Mas a verdade é , que nam á coiza mais contraria à boa
razam º que efla pratica de fazer verfos. Os omens nam tem ca
pacidade igual ; e nem todos fam capazes de tudo : antes às ve
zes acham-fe mofos tam rudes , que dificultozamente podem in
tender o Latim . E como ám-de cfles compor verfos *# ?CIlº
D E E S T U D A R. 85
Afentamos, que , para a inteligencia da-lingua Latina, é loucura,
obrigar a fazer verfos. O mais que podem fazer , e que eu nam
reprovo, é , quando o efludante fabe bem a lingua Latina, man
dar-lhe traduzir, alguns dos-Poetas antigos melhores, como Lucre
cio , Virgilio, Ovidia , Oracio, Catúlo , e algum outro: mas ra
ro ; porque niflo fe-compreende o melhor . E ifto para mo
ftrar , as frazes particulares dos-Poetas , e tambem o bom goflo
da-lingua. fendo certo que alguns defles efcreveram º com purifi
ma Latinidade, como Virgilio nas Georgicas, e Eglogas: Oracio
nas Epifolas, e Satiras : Ovidio nas Epitolas às Damas iluftres.
Quanto ao Verfo, é querer perder tempo, obrigar os omens
a fazèlos : e feria melhor, empregar aquele tempo, em coiza mais
util. Ouveram omens doutifimos, e os-á prezentemente, que nam
fabiam fazer verfos. No-tempo de Cicero avia omens, que faziam
veifos , com grande facilidade » e infignes na dita profifam : e
contudoifo cítavam mui longe , do-merecimento de Cicero . Efte
grande omem nam ignorava , o como fe-faziam os verfos: c com
efeito alguns fez, cujos fragmentos ainda oje exiflem : mas o feu
talento, e a fua maior propenfam era, para a Retoria . Nam que
eu julgue , que os verfos de Cicero fejam maos 3 como muitos
ignorantes , e que querem falar do-que nam intendem , fe-per
fuadem . Os verfos de Cicero , principalmente os Fenomenos de
-Arata , fam tam elegantes e tam belos , como os de Lucrecio:
nem eu acho diverfidade fenfivel entre uns , e outros : e igual
mente admiro ambos , principalmente olhando para a materia, fo
bre que compuzeram . Pois fe todos admiram em Lucrecio, ex
plicar com tanta naturalidade, coizas tam dificultozas, confervan
do a elegancia, e o efpirito de Poeta ; o me{mo louvor , e po
las mefinas razoens, compete a Cicero : o qual com a frequen
cia de ler , e emendar Lucrecio , tinha aquiflado a mefina faci
lidade, e etilo . Para conhecer o que nifto podia Cicero, bafia
lelo nas partes, em que nam é violentado, pola efterilidade da
materia. Nam fei fefe-podem achar na Antiguidade, verfos mais.
armoniozos, que os que ainda oje lemos , do-livro fegundo do
feu Confulado. Efte bocado fomente moftra bem , na minha ef>
timafam, o que Cicero podia . Nem obíla, que Marcial, Juvenal,
guintiliano, zombafem de um certo verfo de Cicero: iflo, como
nota bem o doutifimo Turnebo (1) , nada prova , O que nam
• agra
(I) Adver/ar. l.7. c.19,
86 V E R DA DE IR O M E TO DO
agradava a eftes, agradava no-tempo de Augufto: e muitos omens
grandes , (como advertio um grande critico daqueles tempos )
eftimavam mais os Antigos , que outros bem nomiados (1). Se
em muitas partes , Cicero nam fe-afemelha a Virgilio , nem por
ifo perde nada do-feu merecimento . Nem menos é femelhan
te Oracio nas fuas Satiras , e Epiftolas : nem em tudo Lucrecio;
e com tudo fam famozos Poetas : e a naturalidade com que fe
explicam, e acomodam o verfo exametro, a tudo o que querem,
é mais eflimada, entre os criticos de bom goto , doque a ele
vafam de Virgilio . O etilo daquele tempo pedia , grande natu
ralidade nas-compozifoens. E nam falta quem cenfure Virgilio, em
fer tam elevado e artificiozo nos-verfos: no-que alguma coiza fe
desvia de Omero . Contudo ninguem nega, que , fe na Eneide,
e Georgica obfervou bem o decoro; e futtentou a dignidade do
argumento ; nas Eglogas pecou muito, porque nam obferva a fim
.plicidade natural no-etilo, paftoril : mas procura que falem os pa
flores, com toda a civilidade, e arrogancia de cidadoens : o que
nam é verofimel . Mas , tornando a Cicero , ficaria prejudica
da a Republica de tam grande talento , fe , pola Poezia , dei
xáfe a Oratoria . Conheceo aquele grande omem o feu talento :
cultivou-o : e faio aquele oraculo , que entam venerou Roma»
e oje admira o mundo. Efta, é uma grande lifam para os Mo
dernos, confultar o talento; e nunca violentar a natureza. On
de nefte particular, deve-fe confultar , a inclinafam dos-rapazes :
e avendo-a, explicar-lhe brevemente, as diferentes fortes de com
Pozifoens metricas : nam os-ocupando fenam em afumtos brevi
fimos : deixando-lhe toda a liberdade no-compor : mas emendan
do-os, e dando-lhe diftintamente, a razam da-emenda .
Até aqui tenho falado a V.P. em alguns abuzos, das-efcolas
defle Reino , que impedem faber a lingua Latina . Agora falarei
nos-requizitos, para a inteligencia da-dita lingua : a falta dos-quais,
Ila IIl

(1) As palavras de Furio Al ut magis huic molliori filo acquie


bino citado por-Macrobio, fam ef> Jceret. Itaque minime defuerunt,
tas. Nemo debet antiquiores Poe imperantibus etiam 14/palianis, qut
tas ea ratione viliores putare, quod Lucretium pro Virgilio, & Luci
eorum verfils nobis feabri videntur. lium pro Horatio legerent. Petrus
Ille enim filus maxime tunc place Crinitus, de Poetis Latinis.
bat : diuque laboravit ctas Jecuta,

D E E S T U D A R . 87
nam fe deve contar, entre os menores abuzos : e tambem apon
tarei o modo , comque fe-deve regular, o efludo do Latim; e a
eleifam de livros , para o-confeguir com brevidade . Parecerá um
paradoxo, fe eu difer a V.P. que, ainda obtervando tudo quanto afi
ma digo, nam fe-pode faber Latim, (nam digo com toda a perfeifam;
porque uma lingua morta, nam fe-chega a faber bem: mas fabelo no
melhor modo pofivel) fem alguma notícia da-Geografia, e Crono
logia, e das-Antiguidades, em que entram os Coflumes, a Fabu
la &c. e contudo , nam á coiza mais verdadeira doque efia . Eu
nam quero fair do-livro mais uzual , que nas efcolas fe explica ,
que é Quinto Curcio . Nele ocorrem todos os momentos nomes,
de Gentes , de Povos , Regioens , Cidades &c. fala-fe de guer
ras entre Nafoens e Nafoens . E que conceito á-de formar do
efcritor, aquele que o-explica, fe ele nam fabe, fe diz bem , ou
mal º porque , ignorando a Geografia , nam fabe , nem chega a
compreender , em que parte do-mundo, eflejam as tais Gentes,
fe vizinhas, ou diftantes. Como á-de o leitor intender º as con
quitas de Alexandre , fe ele nam fabe por-onde foi , que Na
foens venceo, que dificuldades fuperou ? Alem difo, fucede mui
tas vezes, que efe efcritor, que o efludante le, fe-enganáfe nos
lugares : e ifto entam é erro fobre erro , que o leitor nam po
derá decifrar. Nam é ifto cazo metafizico, mas engano bem co
mum em muitos efcritores . Q. Curcio enganou-fe muitas vezes,
por-ignorancia da Geografia: Tºlinio, e alguns outros: como admi
ravelmente mofira o douto Jozé Efcaligero, nos-Prolegomenos de
Manilio . O me{mo Manilio, (*, Lucano, Floro erráram al
gumas vezes na Geografia, e podem cauzar o me{mo erro no-ju
zo, de quem for ignorante dela.
. Dirmeá V. P. que efle conhecimento, parece fer mais nece
fário , para nam fe-enganar na leitura dos-autores, doque. Para in
tender a lingua: para a Critica, e nam para a Latinidade . Con
fefo, que para a Critica, é de indifyenfavel necefidade: mas o que
digo é , que nam pode o efludante, intender com facilidade um
autor, que trata a ifloria de um conquiflador, fem a notícia dos
Paizes de que fala : e nem menos o-poderá intender com goflo.
Polo contrario, fe é informado, aindaque fuperficialmente, defla
noticia, percebe maravilhozamente o fato : facilita-fe a inteligen
cia do-autor : e por-efe meio a da-dita lingua . Um mofo , que
ignora totalmente a Geografia , toma limpamente um * de
1•
88 VER D A D E IR O M E TO DO
Cidade , polo de um Reino , e polo de uma Pefoa : e outros.
defles enganos , que vam acompanhados, da-ignorancia da-lingua .
Quem nam fouber v.g. que Napoles, é nome de uma Cidade, e de
um Reino juntamente ; nam só confundirá os termos , mas tam
bem as coizas, que a ambas fe-aplicam . E ifto nam é fomente
dano da-Ifloria, mas tambem impedimento , para a inteligencia da
lingua Latina. Acham-fe alem difo muitas Cidades do-me{mo no
me, em Regioens bem diflantes. v. g. a antiga Geografia moftra
nos na Azia muitas, com o nome de Alexandria, de Seleucia, de
Ecbatana, e bem longe umas de outras. O que quem nam fabe,
perfuade-fe, que fe-fala fomente de uma : e nam intende a ma
teria de que fe-fala . E defles exemplos , de que abunda muito
a Iftoria antiga , fe-colhe a necefidade da Geografia, ainda para
a lingua ... Seria coiza ridicula , que um omem lefe Q. Curcio ,
para intender as palavras , e nam para o fentido da-Itoria : ou
que , fem a inteligencia defla , prezumife que poderia alcanfar,
a propriedade das-palavras . Muito mais fendo certo , que com
o focorro da-lfloria , fe-intendem muitas coizas, que fem ela é im
pofivel intender ; e a inteligencia do-contexto abre a porta, para
fe-intenderem muitos nomes. E bem vulgar aquele lugar de Lu
cano, (1) em que, falando dos-Arabios, que fairam do-feu paíz,
diz = Umbras mirati memorum non ire finifras = ; o que, fem Geo
grafia, é impofivel intender. Virgilio diz lá em certa parte (2):
Gens inimica mihi Tyrrhenum navigat equor = : Como fe-pode fa
ber fem Geografia , que coiza é aquele mar Tirreno º quem
a-ignora , pode-o tomar polo mar Baltico, ou Etiopico, ou Tacifico.
De que vimos a concluir, que, alem do-fentido iftorico, a me{-
ma propriedade das-palavras Latinas, nam fe-alcanfa em varias oca
zioens, fem Geografia.
Parece-me pois , que uma breve noticia da-Geografia , deve
fer o preludio, da-lifam dos-autores. A obfervafam das-principais
Cidades, de que fala o autor, que fe-á-de ler: das-viagens , que
fizeram os conquifladores : os fins e limites dos-feus imperios :
ifto deve primeiro obtervar-fe. Mas porque efla notícia feria de
minuta, fe a-nam-unifem com a noticia, da-Geografia de toda a ter
ra; deve-fe aprender efla notícia brevemente em um Mapamundo:
ajuntando-lhe a noticia da-Esfera Armilar: das-divizoens do-Ceo,
• • C da

(1) L.3. v.248. • (2) .Aeneid. I. v.67.


D E E S T U D A R. · 89
e da-Terra &c. O que com grande facilidade fe-pode fazer: pois,
como diz um omem douto, efle etudo nam pede mais, doque
olhos, e alguma memoria. Na Esfera Armilar conhece-fe, a difpo
zifam do-Ceo, refpetivamente à Terra: no-Globo, a dos-Reinos:
e em uma carta particular , a da-Provincia , ou Reino de que
fe-trata. Advertindo, que quando fe-falar em alguma Cidade, de
ve-fe notar , de quais delas fe-mudáram os nomes antigos , em
alguns modernos . Acham-fe cartas , que apontam os antigos no
mes, das-Cidades da-Grecia, e Italia : e etas fam, as que prin
cipalmente fe-deverám notar, para intender os efcritores antigos,
que faláram deflas Regioens. Sophianus defcreveo bem, a antiga
Grecia : e Cluverius, a antiga Italia. E ifto é precizo faber , com
parando os nomes daquelas antigas Cidades , com os das-moder
nas 3 e procurando nas cartas modernas, os fitios das-antigas Ci
dades, muitas das-quais ja nam exiftem . Celario publicou um be-,
lifimo Compendio da-antiga Geografia, em 2. volumes de 4° Tam
bem compuzeram Introdufoens Latinas Cluverio , principalmente
para a antiga ; e Luitz . Quem quizefe maiores notícias dever
ria ler, o Petrus Bertius = Theatrum Geographie Veteris. fol.&c.
e efte me{mo autor compoz: Veteris Geographie Tabule. fol. &c.
Efte autor , que efcreveo nos-principios do-feculo pafado , é fa=
mozo . Oje á muitos modernos que efcrevêram bem, em Fran
cez, ou Italiano. Duple/fis, e Buffier efcrevêram bons Compendios 3
que temos oje nas ditas duas linguas . Jacobo Ode fez tambem
um belo compendio Latino: e é mais moderno. Os Senhores San
fon, e de l'Isle compuzeram cartas Geograficas, nam só de todas
as partes do-mundo, mas efpecialmente, das-antigas divizoens do
Imperio Grego , e Romano &c. E ifto é o que deve fazer o me{tre,
c enfinálo quando é necefario: porque defla forte, acoflumando os
rapazes a bufcar na carta, que deve ter na efcola, a dita Cida
de 3 imprime-fe a Geografia na memoria, como quem brinca. :
Em fegundo lugar entra logo a Cronologia, que nam é me
nos necefaria , para intender os autores, e fugir os anacroni/mos,
ou confuzam de tempos . Nam é necefario neftes principios en
trar, nas difputas que á , fobre os principios dos-Reinos &c. ito
é negocio, que pede grande efludo, e doutrina, e fe-rezerva para
outra idade. Bafta apegar-fe ao calculo mais recebido e comum,
que poem a vinda de Crifo no-ano 4ooo. da-criafam do-Mundo:
a que chamam o calculo de Uíjerius, por-fer efe autor, o que o
TOM. I. M CX
\
9o VER DA DE IR O ME TO DO
explicou melhor. Aqui pois é necefario ler, em um breve com
pendio , a ferie dos-tempos , desde o principio do-Mundo , até
agora: notando os maiores fucefos, em que ano acontecèram : v.g.
Diluvio de Noé , Vocafam de Abram , Saida dos-Ebleos do
Egito , Deftruifam do-primeiro Templo de Jeruzalem , Vinda de
Crifto º Paz da-Igreja &c. Efpecialmente deve notar o que empor
ta, para a inteligencia dos-autores, que quer explicar : e fempre
que mudar de autor, deve notar, em que tempo efcreveo , e de
que tempo efcreveo . para o que nam fervem pouco, os Diciona
rios Ifloricos de Hofman , e Moreri &c.
Quanto aos Compendios de Iftoria á tantos, que é fuperfluo,
que eu aponte nenhum . Nefle principio deve-fe bufcar, o mais
breve. Por-ifo me-parece, que o Petavio é mui longo . o Celario
é bom , mas tambem nam é curto . Tur/elino , e alguns outros
efcrevem bem ; mas em Latim. o Boffuet parece-me melhor para
o principio; e acha-fe em Italiano, ou Francez . Tambem o Va
lemont, no-primeiro tomo , traz uma carta Cronologica geral, que
pode bafar para o intento . E como efle volume eftá traduzido
em Portuguez, parece-me, que por-ele deve ler o efludante : e o
metre pode fervir-fe, de quaifiquer dos-apontados afima, que fam
dos-melhores. Em quanto nam aparece alguma ittoria Portugueza,
proporcionada aos rapazes, que efludam nas efcolas: aos quais bafia
dizer , o que é fomente precizo, fem tantos rodeios: o que me
dizem eflá atualmente fazendo , um omem douto meu conhe
cido .
E füperfluo que eu moftre , a confuzam que nace , no jui
zo dos-pobres principiantes, por-falta de alguma noticia de Crono
logia : e quanto podem errar , fe derem credito a tudo , o que
dizem os antigos efcritores. Eles erráram em muitas partes, por
nam terem notícia dos-tempos : e para nós nam cairmos nos-mef>
mos erros, é que julgam todos os omens doutos, que fam nece
farios, eftes requizitos. Um omem que ouve falar em Alexandre
Macedonio, e nam fabe, em que tempo ele floreceo 3 confundiloá
com muita facilidade, com Alexandre Severo Imperador dos-Ro
manos. Filipe Macedonio, e Filipe Romano nam fe-diflinguem po
lo nome , mas polo diverfo tempo em que florecêram -. os dois
Romanos tambem foram Reis de Macedonia : e a diverfidade eflá,
em que foram juntamente, Imperadores Romanos , e florecêram
alguns feculos depois dos-primeiros. Efta confuzam *# >

- quando
To E E S T U D "A R. | 91 -

quando fe-fala de omens do-me{mo nome , da-me{ma Nafam , e


talvez do-me{mo tempo : Ouveram alguns Marcos Catoens, Marcos
.Antonios, Marcos Brutos, Marcos Valerios, Marcos Ciceros , "Apios
Claudios &c. todos Romanos, e alguns contemporaneos . E quem
nam diftingue iflo, nam pode formar conceito das-coizas . Iflo fu
pofio, alguma tintura de Cronologia é necefaria, para intender a
ifloria:
tim, dos-que a inteligencia
e, femefcrevèram lingua.nam fe-pode intender o La
neta defa, • •

Para facilitar efte efludo é grande fegredo, ter em caza uma


carta Cronologica, de que fe-tem feito algumas Latinas, em duas
folhas grandes de papel. Acham-fe umas jradas das-obras do-P.
Tetavio, Latinas : efias, com a diferenfa de poucos anos antes de
Criflo, uniformam-fe com as de uferius. O Delfini fez umas em
Roma, fegundo a Cronologia do-újerius, em 4 folhas grandes,
que eu tenho, e fam boas. Lanceloti fez outras em Pariz, fegun
do a Vulgata, quero dizer, fegundo o ufferius : e fam otimas,
principalmente depois de Criflo. O P. Pedro de S.Catarina Reli
giozo Bernardo, fez outras em Franfa, feguindo o UÍjerius : fam
boas, aindaque alguma coiza extenfas . O Mufanzio Jezuita Ita
liano fez umas, em quatro folhas grandes , fe me-nam-engano»
porque averá anos que as-vi ; em que fegue a Cronologia do
Labbé Jezuita , que poem a vinda de Crifto no-ano 4o53._do
Mundo: mas nam fam más . Outro Jezuita, que é o P. Ca/ini ,
acrecentou-as por-ordem de Benedito XIII. O Sanfon , e Perizº
nio &c. compendiáram tambem taboas boas . As do-Senhor Lan
gloit fam otimas, mas cuido que nam fam para rapazes 3 porque
unem os trez calculos Grego, Ebraico, Samaritano : o que car
rega muito a memoria. O ponto eflá que o efludante abráfe , uma
Cronologia certa : e nam mude de cartas todos os dias ; mas me"
ta umas na memoria . Toda a diverfidade eflá, antes da-vinda de
Criflo: porque defpois dele todos concordam, e é rarifima a di
fenfam . Se algum curiozo traduzife, umas deflas melhores taboas,
em Portuguez, para uzo da-Mocidade , emendando-as em alguma
parte, e acomodando-as à necefidade do-Reino ; faria grande fer
vifo à Republica . Eu comecei á tempos efle trabalho , e tinha
ideiado uma carta mui facil: mas impedido com outras ocupafoens,
nam pude acabála fe V. P. tiver goflo; porheei a ultima mam.
Feito iflo, deve-fe ler um compendio de Ifloria . Nefte Princi
pio bafia o valemont, que já fe-acha
M 2
em Portuguez; e o mettre
I1O
22 V E R DA DE IR O METO DO
no-emtanto pode ler um compendio da-Iftoria univerfal : v. g. o
que fez o Cluverio em 4° que é bom : e principalmente o que fe
impremio em 1672. que é mais correto: E preparar-fe para faber
explicar, etas noticias aos dicipulos, quando falam na Cronologia.
Mas difto falaremos em outra ocaziam . •

Quanto pois às antiguidades Gregas , e Romanas , ou aos


Uzos , e Cottumes deflas Nafoens ; fam indifoenfaveis para per
ceber, os autores antigos. Um defes efcritores nam efcrevia pa
ra nós, mas para os feus : aos quais eram notorios os coflumes,
nam só publicos, mas tambem privados da-fua Nafam. onde alu
dindo aos ditos, nam fe-canfa em os-explicar. Entam intendiam
no todos: mas oje nam. e é necefario para o-intender-mos, que
procuremos efta noticia naqueles, que as-recolhêram. Um Itori
co que na prezente era , contando as virtudes de um fervo de
Deus, disèfe, que celebrava Mifa todos os dias , tinha Extaxis
&c. como falava com gente, que o-intendia, nam tinha necefida
de , de fe-explicar. Se pudefe fuceder, que daqui a mil anos nam
ouvefe Mifa, ou aquele livro caife em maons de outra Nafam,
que nam tivefe noticia de Mifa 3 é certo , que nam intenderia,
o que fe-dizia 5 ainda que intendefe a lingua : e feria necefario,
que primeiro intendèfe, que coiza era Mifa, e outros defles no
mes; para dizer , que intendia bem a iftoria , em que fe-acha
vam eflas exprefoens.
OS antigos. efcritores em quazi todas as paginas, aludem aos
feus coflumes civis, e ecleziaíticos. Falam de Flamines, JAugures,
Taterpatratos, Sacrificios, Apoteozes, Veftais &c. Encontram-fe mil
nomes Pertencentes à guerra, Tribunus Militum, Tribunus Tºlebis,
Centurio.» Quinquagenarius, Decanus, Triarius, Primipilus &c. co
mo tambem de machinas, e aparelhos belicos de muitas efpecies.
A cada pafo fe-tropefa com o nome, de Conful, Proconful, Tra
tor, Propretor , Quefior, Legatus, Edilis &c. cada emprego dos
quais tinha feu particular exercicio ; fem a notícia do-qual, nam
é Pofivel intender, a forfã da-expretam que o-fignifica. Quem nam
fabe» que os Confules, que prezidiam aquele ano no-Senado, eram
os mefinos aquem fe-difiribuiam as Províncias, onde fe-fazia a guer
ra 3 e a quem fe-entregava o governo do-exercito ; nam poderá
intender º cºmo uma dignidade, que parcce civil, fe-introduza nas
materias militares. Quem nam fabe, que no-tempo dos-Confules,
ouveram Tribunos Militares , os quais governáram a Republica
CII]
- " D E E S T U D A R. 93
em lugar dos-Confules, com imperio confular; e continuáram mui
tos anos com fuas interrufoens; intenderá , que Tribunus Milita
ris nam era magitrado; mas valia o mefmo, que Tribunus Mili
tum: que conrefpondia aos Coroneis dos-nofos Regimentos. Quem
nam tem lido, que no-me{mo ano fe-elegiam muitos Confules, e
Proconfules, ou muitos Tribunos Militares, para abrangerem a to
das as necefidades da-Republica ; jutamente fe-perfuadirá, que,
em fe-falando de Conful , difcorre-fe dame{ma e unica pefoa.
Quem nam fouber, que os Pretores mandavam-fe para as provin
cias pequenas, com imperio confular; intenderá , que fe-fala fo
mente do-Pretor Urbano, ou Peregrino, que adminiftravam a juf
tifa em Roma . Finalmente só os ignorantes , é que podem ne
gar efta necefidade: os doutos todos a-reconhecem.
Nós nam temos Iftoricos Latinos que efcrevefem , os feus
cotumes patrios : fam os Gregos de quem recebemos, o que oje
fabemos: porque como os Gregos efcreviam º para os feus Gregos,
aos quais nam eram notos, os etilos Romanos; tinham cuidado
de lhe-advertir, tudo o que era necefario , para a inteligencia da
Ifloria. Polibio deixou-nos uma particular defcrifam, da-Diciplina
militar , dos-Cofiumes dome/licos , das-Leis publicas dos-Romanos.
Dionizio de Halicarna/o , dos-Sacrificios, Magi/trados, e toda a po
litica da-Religiam, e do-Eftado. Plutarco tambem nos-enfina mui
ta coiza. Mas como nem todos fam capazes, de lerem eftes au
tores , por-ifo ferá bom recorrer, aos Compendios. Joam RO/ino
fez uma boa colefam das-Antiguidades Romanas, em Latim: que
oje fe-acha acrecentada por-Dempflerus . Eftima-fe pola brevidade, a
Republica Romana do-Cantelio : mas eu intendo que é melhor o
Neuport =Rituum qui olim apud Romanos &c. Quem quizer maiores
noticias pode-as ler, no-Corpus Antiquitatum Romanarum do-Grevio,
em 12. tomos fol. que compreende todos, os que efcrevêram nef>
ta materia : e onde pode confultar-fe alguma dificuldade, que ocor
rer .
Tambem é bom , ter alguma notícia das-Religioens diverfãs
dos-Antigos : e para ifto pode fervir , Alexander Sardi = de Mo
ribus, & Ritibus Gentium . 12 º ou Joannes Bohemus Aubanus de
eodem 16° ou Van-Dalen= de Oraculis Ethnicorum. 4º o mcfmo de
Idolatria 4º obra moderna: ou o Barclai = Icon Animorum , pa-.
ra os coflumes das-Nafoens: ou o P. Pomei = Pantheon Mythicum.
Nam aponto outros livros , porque fam em linguas vulgares
• eftran
94 V E R DA DE IR O M E TO DO
eftrangeiras : aindaque eftes º talvez fejam os melhores , porque
expoem tudo com clareza , e brevidade . O mefino digo da-Fa
bula, a que aludem todos os momentos, os Antigos. E necefá
rio faber º efia mitologia dos-Antigos, para os-intender ; e buscar
autores que a-expliquem º fem a qual notícia, falarám muito, e
nam faberám nada . Dos-Modernos é melhor , o Jovet = Ifloria
de todas as Religioens do-Mundo = 3. tomos de 4 º que fe-acha em
Francez, ou Italiano .
Efta noticia é necefaria , fenam aos rapazes, que fe-divertem
com outras coizas, ao menos aos metres, que explicam os ditos
autores : e , fe a-nam-tiverem , por-forfa ám-de dizer muito des
propozito : e moftrarám enfinar, o que nam chegáram a intender.
Ja fei, que chegando V.P. a efte emportante ponto, me-progunta
rá, qual metre conhefo eu , que tenha toda efia erudifam : ou
fe me-perfuado, que um rapaz, que faie das-efcolas, e que nam
tem no-corpo mais, que quatro anos de Filozofia, afim ou afado,
quando entra a enfinar nas efcolas baixas ; feja capaz defla dou
trina tam necefaria, para fazer bem a fua obrigafam ? A ifo ref
pondo, que quanto à capacidade, ninguem lha-pode negar : pois
efte pezo nam é maior, que as fuas forfas. Baftaria que o-obri
gafem , e enfinafem a efludar ifto que digo, moftrando-lhe a ne
cetidade que á de o-intender, para poder fazer a fua obrigafam ;
que ele faria tudo, o que era necefario. E fe acazo introduzifem,
elte metodo nas efcolas, e o-protegefe quem pode fazêlo, conti
nuarfeia , damcfma forte que fe-conferva , o metodo ordinario .
Reconhefo, que feria alguma coiza dificultozo, perfuadir a mui
tos omens mofos, que, aindaque enfinem o Latim, nam só tem
pouca notícia dele, mas nem menos tem notícia, do-que é nece
fario, para o-faber: o que feria facil provar-lhe, fazendo-lhe uma
exata lifta dos-requizitos ; e proguntando-lhe, fe os-pofuiam. Mas
emfim tudo fe-vence, tratando-fe com pefoas de juizo, piedade,
e docilidade : e as razoens que apontamos, poderiam obrar muito,
fe tivefem a paciencia, de as-quererem ler, e intender.
Suponho pois que o efludante , tem alguma noticia, do-que
afima apontamos, ou que polo menos a-tem o metre , que feja
capaz de lho-explicar em poucas palavras; e apontar-lhe os livros,
onde fe-podem beber eflas notícias : (as quais podem-fe ir apren
dendo no-me{mo tempo, que fe-explicam os autores, explicando uma
era cada menham, alguma parte delas) Apontarei agora o COII]

modo,
, D E E S T U D A R . 9J

com que fe-deve regular, no-eftudo da-Latinidade . Em primeiro


lugar , deve fomente procurar de faber , a propriedade dos-vo
cabulos : para o que deve bufcar"autores , que falafem mui
naturalmente , e com eftilo familiar . Para ifto nam á me
lbores autores que Plauto, e Terencio : porque ainda-que em al
guns lugares fejam , ou parefam ofcuros; falam porem com etilo
familiar, e com fraze naturalifima, e longe de ornamentos: que
é toda a dificuldade na inteligencia da-lingua . Certamente Teren
cio é um autor , que nam tem prefo , pola pureza da-lingua : e
tambem é certo , que eftes Comicos parecem mais Prozadores ,
que Poetas : Onde nam pofo asás rir-me, quando oufo a alguns me
fres refponder 2 que Terencio nam é para rapazes , porque é efcu
ro. Os que afim falam , nam leram Terencio, nem fabem Latim.
Proguntára-lhe cu, fe é mais ofcuro Terencio, que Oracio : ou fe
prezumem eles, que efte , e Virgilio fejam mais claros, e pro
prios para rapazes , doque um Comico . Se bem confiderafem
eftes, quanto é necefario para dizer , que intendem O acio , e a
Eneide; certamente julgariam diferentemente . Mas com eftes omens
nam falamos . O certo é , que Cicero julgou , (1) que a poezia
Comica, nam fe-diftingia da-Proza , fenam em fer efcrita como
verfo: mas nam na dificuldade . e tambem ninguem duvida , que
a Proza é mais facil, que qualquer Poema.
Em todo o cazo devem-fe ler eftes autores, com os Comen
tarios : e o me{tre deve fuprir com a explicafam ; nam traduzindo
muito ; mas efe pouco com tal clareza , que nam fique dificul
dade alguma ao rapaz. Quem nam fouber explicar bem Terencio,
pode contentar-fe com Fedro . Efte autor tratou argumentos fim
plezes, que fam certas fabulas, com uma difam pura e natural:
e, aindaque Poeta , parece Prozador ; e para principiantes é fa
mozo . E etimada a edifam, que o douto Gronovio nos-deu, de
Tlauto . Sobre Terencio muitos tem efèrito, mas nem todos bem.
Com razam fe-dife, que Farnabio, e Minelio, afetando brevidade,
deixáram mil coizas emportantes . Madame le Fevre publicou a
mais bela tradufam, e notas fobre Terencio, que até o feu tem
po
(1) Itaque video vifilm efè non- tur, potius poema putandum, quam
nullis , . Platonis , 6 Democrici comicorum poetarim : apud quos,
locutionem, etfi abfit a verfu, ta- nifi quod verficuli funt, nihil ef
men º quod incitatius feratur, or aliud quotidiani dijimile fermonis .
claril/imis verborum luminibus uta- Cicer de Oratad M.B. num 2o.
96 VER DA DEIR O M E TO DO
po tinha aparecido : mas é em Francez, lingua que nem todos
intendem : como tambem Monfieur le Fevre feu Pai, tinha iluf.
trado eruditamente Fedro - No-eftado prezente fervirmeia da-edi
fam de qualquer deles: ad ufum Delphini, &c. que Parece fer a
mais toleravel, das-modernas. •

Eftes primeiros autores nam fe-devem ler correndo , como


muitos fazem, 5 mas devem-fe ler > e reler atentifimamente. v.g.
lendo Fedro deve o metre, nam deixar de explicar coiza alguma,
que feja necefaria, para intender a lingua. Onde deve notar e ex
Plicar, todas as dificuldades de Sintaxe: porque aindaque na Gra
matica fe-expliquem, fomente lendo os autores fe-intendem bem.
E terá cuidado, de reduzir a contruifam embarafada e figurada,
ao modo de falar natural: explicando a Figura, em que fé-funda.
Depois, notará a Propriedade das-palavras . E quando encontrar
algumas, que parefam finonimas, deve enfinar, fe verdadeiramente
o-fam, ou que coiza acrecentam . Em terceiro lugar deve enfinar
lhe , a pronunciar bem o Latim : que é o que comumente nam
fabem em Portugal: pois ainda os mefmos metres, pronunciam as
palavras corrutamente . v. g. Em Omnis nam proferem o m : os tt
finais pronunciam como dd: o m final pronunciam como n : e en
tre e, e a fempre pronunciam fuperfluamente um i. v. g. Meam,
Deam &c. os ss finais como x . O que fem duvida é grande defei
to da-pronuncia: deixando por-agora outros erros , que fe-podem
notar. Alem difo oferecendo-felhe algum termo, do-Latim antigo,
deve enfinar, o modo antigo de pronunciar. v.g. Maxumus, Mili
tiai &c. Eftas noticias dam muita erudifam, a quem efluda o La
tim : e como muitos nam fazem cazo delas, por-ifo ignoram, o
que é Latim , e todos os momentos encontram , dificuldades no
vas. Ifto que digo de Fedro, deve-fe intender de qualquer outro
autor : Mas ifo é o que muitos nam intendem : antes querem
ler muito, intendendo poco ; doque faber bem a lingua, com um
só livro. De que vem , que a Mocidade nam aprende nada, com
o feu metodo : pafam-fe os anos nas efcolas baixas , que fe-de
viam empregar, em coizas mais utis: pois na verdade quem nam.
reflete º como deve , no-que le , tanto emporta que leia Cicero,
como cs atos de Maria Parda.
O que emporta muito no-principio é , nam das aos rapazes
livros , que tenham períodos longos : mas breves, e com fraze
natural. Por-cfla razam alguns Italianos doutos, e defpois deles os
Fran
D E E S T U D A R. " 97

Francezes, aconfelham, que no-principio devem-fe fugir, as iflo


rias difuzas, os Oradores, e coizas femelhantes: epecialmente os
Pcetas Eroicos &c, e que é melhor, tirar de Cicero, e outros au
tores elegantes e claros 3 tirar, digo, alguns paragrafos melhores:
indireitar as frazes, e tranfpozifoens dos-Verbos : e polas na or
dem natural. Sendo breves, e elegantes, podem os rapazes intendê
las, e tirar dai grande utilidade. A experiencia motrou-me, que
diziam bem : pois vendo eu, que alguns rapazes nam intendiam,
os difcurfos compridos , e as figuras da-oralam ; feita efia expe
riencia, intendèram tudo facilmente.
Mas iflo que a eftes aconfelho, acha-fé feito ja por-omens dou
tos: os quais efcolheram entre os autores , as coizas mais facis, e
melhores, e reduziram-nas a capitulos diferentes : v. g. às quatro
virtudes principais: Para que os rapazes, nam só aprendam a lin
gua, mas tambem o moral das-afoens. A maior parte fam de Ci
cero: mas tambem fe-acham de outros autores . Sam trez livri
nhos pequeninos, imprefos em Pariz : e tambem fe imprimiram em
Italia na Cidade de Pezaro, em 174o. Efes livros valem um mun
do , e tem aproveitado a infinitas pefoas : e quem ajudáfe com
eles os feus dicipulos, conheceria a verdade do-que dizemos. E
por-efta mefima razam digo, que a leitura dos-Comicos , é infi
nitamente util aos rapazes: v. g. a de Terencio . todos os perio
dos fam breves: rarifima vez fe-acha tranfpozifam mui oftura : e
os modos de falar , fam tirados do-eflilo comum : motivo polo
qual, fem trabalho fe-intendem. Plauto tambem feria bom : mas
como tem bafartes palavras antigas, ou efcritas no-antigo modo,
nam é tam proprio , para principiantes. Oracio nam o-aconfelho:
nem outros femelhantes, que pedem maior eruditam . Em lugar
de Oracio refles principios, aconfelharia Catúlo, que é nam só pu
rifimo Latinifa , mas mui natural, e com infinitas grafas. De
vem-fé
do feparar, eosdiligencia.
o cuidado, poemas impudicos, e explicar os outros, com to
• *

Mas, fípondo que o mefire, nam tem os ditos livros, direi


o que deve fazer, defpois da-leitura de Fedro, e Terencio. De
verá pois explicar em outra clafe, as cartas de Cicero, a que cha
mam Familiares , com os comentarios de Manucio , ou ad ufum
Delibini , que fam otimas: nam todas juntas, mas faltíadas. On
de deverá preferir , as que efcreve a fua molher Terencia , e a
ºu liberto Tiro : como tambem as de recomendafam. Lilas fam
TOM.I. N 2S
- 98 VER DA DE IR O METO DO
as mais naturais, breves, e claras: defortequenam enfadam o ef>
tudante : porque fam compolas naquele etilo familiar , que to
dos intendem. Vi nam á muito tempo uma pequena colefam, def.
tas mais facis epitolas de Cicero, cuido que imprefas em Pado
va; que eram otimas, para efles principios. Depois, na me{ma
clafe pode ler, os Itoricos mais facis : como fam Caio Cezar, cor
nelio Nepote, Veleio Paterculo . Efles trez efcrevèram no-feculo da
mais pura Latinidade, e fam incomparaveis: principalmente os dois
primeiros, que fam fumamente naturais, e claros. Mas etes au
tores nam fe-devem ler feguidos : fim interrompidos , e tirando
deles os lugares mais fingulares. Se o efludante, tiver feito apro
veitamento no-Terencio, e tiver ja lido alguns extratos, reduzidos
à ordem natural ; bafta explicar-lhe efles autores , fem mudar a
ordem das-palavras: paraque pouco a pouco das-coizas facis, vá
intrando nas dificultozas. E terá o metre a advertencia, de nam
obrigar fempre os rapazes, a que traduzam de repente: mas em
dias alternados. E comumente deve ordenar-lhe, que efèrevam em
caza a fua traduíam: e quando vierem à efcola, fará que dem a
razam, de tudo o que traduziram. Efte modo de enfinar, aprovei
ta muito, e imprime as coizas na memoria. Polo contrario o me
todo comum, de dizer de cór, é falar como papagaio, e expofº
to a mil enganos. Onde deverá o me{tre cuidar muito, em que
efcrevam as fuas tradufoens; pois com o tempo ferve ifto , para
enfinar a traduzir bem: que é o que muitos nam fabem.
Quando o efludante chega a efte eflado , pode-lhe ordenar ,
que componha alguma coiza : mas fempre afumtos breves : Pola
maior parte tirados das-obras, que traduz: o que pode fazer trez
vezes na femana. Eu comecaria polas cartas: que é um modo de
compor facil. Uma ou duas vezes darlheia as partes: tendo cui
dado de efcrever primeiro, uma carta Portugueza pequena , e com
ordem natural. Ou traduzir uma pequena de Cicero, que feria o
mais acertado: obrigando-os a que compuzefem outra femelhante,
fem porem fe-fervir em tudo, das-me{mas palavras, e fraze. Def
Pois, daria outra carta facil, fem partes: obrigando-o a que as
bufcáfe - e enfinando-lhe o modo. Em 3 ° lugar daria uma carta
mais elegante, fem a ordem natural: porque fe acazo fe-coflumam,
a cfcrever o Latim conrepondente ao Vulgar, nunca faberám fa
zer outra coiza. Defpois difo, Pafaria a outro afumto mais difi
cultozo, e fempre breve . v. g. a diferifam , ou carater, de uma
pefoa
D E E S T U D A R. 99

pefoa determinada : no-que é fingular Paleio Paterculo - ou obri


galosia a referir, algum pequeno fucefo : dando-lhe primeiro o Por
tuguez ; e deixando-lhe a incumbencia, de pôr o Latim . Iflo é
quanto pode fazer um rapaz, no-dito tempo: e fe o-chega a fa
zer, nam faz pouco . Com o tempo, e quando for lendo outros
autores mais dificultozos , é que lhe-podem dar outros afumtos :
porque o rapaz, em quanto eftiver na Latinidade, deve fazer duas
coizas, compor, e traduzir. Deve porem o mefre fugir, de lhe
dar penfamentos e fentenfas ofcuras, por-tema 3 porque as-nam-in
tendem : e nefte tempo nada mais fe-procura, que enfinar-lhe que
coiza é, pura Latinidade. Quando o metre ler as compozifcens,
deve emendálas, e dar-lhe a razam, de tudo o que faz. Ao prin
cipio fomente cuidar , na propriedade : com o tempo enfinar-lhe
tambem , o que é elegancia, e particular idiotifino da-lingua La
tina: motrando-lhe como fe-deve traduzir, tanto de Latim em Por
tuguez, como de Portuguez em Latim. Seria bom que o me{tre
algumas vezes, traduzife ele me{mo, algum pafo de Cicero &c. e o
propuzefe ao efludante por-tema : nam lhe-deixando ver o origi
nal, fenam defpois de feita a compozifam: paraque afim reconhe
cefe o mofo a diverfidade, entre o que tinha feito , e devia fazer.
Mas ifto fomente fe-pode fazer, nas clafes altas, e quando ja o ra
paz tem notícia baftante, da-Latinidade: porque defla forte, é que
fe-aprende, qual é o eftilo dos-bons autores.
Pode, defpois dos-ditos autores, explicar os Iforicos mais di
ficultozos : que fam Tito Livio, Saluflio, ou tambem Quinto Cur
cio, O qual Curcio, aindaque fe-fuponha ter efcrito , no-reinado
de Vefpaziano, que era a idade de prata; ou, como diz ScioP
pio, o principio da-idade de bronze da-lingua Latina s contudo, é
e{crito com a mais pura Latinidade do-feculo de Auguftos e o ef>
tilo é belifimo . Livio é mais copiozo, e magetozo, e digno da
grandeza do-Imperio Romano. Quanto a Salufio, convem todos,
que as fuas frequentes Ellipfis, e o demaziado laconifmo, fazem-no
duro; e ofcuro : mas é efcritor de fumo pezo, e fingular eloquen
cía. Nam me-parece porem, proprio para rapazes, polas muitas
e mui fortes metaforas, e bafante ofcuridade. Onde o meu pa
recer feria, que dos-dois primeiros, fe-tirafem alguns lugares ef
colhidos, para fe-explicarem aos principiantes . Na me{ma ultima
dafe podem-fe explicar, alguns extratos das-orafoens de Cicero, prin
cipalmente das-mais facis, que fam:
• N Pro2 Archia Poeta : Pro
JMálege
IOO VER DA DE IR O ME TO DO
Afanilia: Pro Marcello : e as Catilinarias. Mas obrigar um rapaz,
a que as-vá traduzindo feguidamente, e inteiramente, como cof.
tumam muitos, é intender mal o negocio. Nenhum omem pode
ler com goflo: uma inteira orafam de Cicero, fenam é um gran
de Latino, e Rctorico : e á orafocns de Cicero tam longas, v.g.
as Verrinas, que ainda um omem douto, nam as-le, fem fe-can
far. Ler uma pagina oje , e no-feguinte dia outra; é ainda pior:
porque fe-perde o fentido, e nam fe-intende o que fe-explica : de
que nace o enfado, nam só nos-rapazes, mas nos-grandes. Onde
o melhor é, procurar alguns pafos breves, e efcolhidos: uma def
crifam : um inteiro argumento: um inteiro periodo do-exordio. O
me{mo digo, daqueles que explicam , o Somnium Scipionis, o livro
de Senetiute, Amicitia , &c. quem faz iflo , nam intende o que
faz. Os ditos livros nam fe-podem intender, fem faber a ifloria:
da-antiga Filozofia : o que nam deve , nem pode um rapaz. Eu,
tendo lido algumas vezes Cicero inteiramente, só o-cheguei a in
tender, (fe é que o-intendo) quando li em Laercio, e Plutarco,
a ifloria das-fetas dos-Filozofos . Os que introduziram o eflilo co
mum, e que achamos no-livro a que chamam , Seletta , certamen
te ou nam refletiram , ou nam intendiam iflo : porque dam aos
rapazes, livros muito diferentes , e que só fam para omens adian
tados . Saluflio nam é para rapazes. Ouviram dizer, que os livros
pequenos de Cicero, eram perfeitifimos no-feu genero; e fem mais
reflexam os-traduzem. Mas polo mefmo principio deviam explicar,
os livros de Oratore ad Q. Fratrem : Orator ad M. Brutum: e os:
trez de Oficiis : que fam a melhor coiza que ele fez, nefte gene
ro. Acho porem outras razoens, que fe-devem atender, quando
fe-fala com principiantes. |-

Quando o rapaz traduz eftes autores mais dificultozos, com


a me{ma ordem que fe-acha neles, entam é precizo , que efere
va a fua tradufam. A razam é , porque elles autores uzam de
muitas tranfpozifoens , frazes , e figuras , as quais nem fempre
fe-podem traduzir, literalmente : e afim querer que um rapaz , de
repente ache o verbo, ou perifraze propria, é loucura: e vale o
me{mo que ignorar, que coiza feja tradufam. Os mefres ao feu,
bofete, muitas vezes nam acham, a palavra propria , para a boa
tradufam : como mofira bem o famozo Monfieur Huet, no-feu li-,
vro = de Claris Interpretibus = ; em que aponta os defeitos, em
que caíram os omens grandes : E feito fucede aos doutos 3 co",
* ** * • * •
|- ITO
D E E S T U D A R. IO I

mo é pofivel, que o-fafa derepente um principiante ? O que fi


poto, deve o metre dar-lhe tempo, para efcrever em caza a fua
tradufām : ou ao menos na efcola. E defpois enfinar-lhe , como
fe-deve traduzir bem de Latim em Portuguez: porque intendido
iflo bem, conhece-fe como fe-devem converter as mefmas frazes
Portuguezas, em outras Latinas: ao que chamamos, boa Latinida
de . Por-efta razam digo, que o que fez aquele livro , a que cha
mam, Pai Velho; que poem a tradufam de Virgilio , ou o que
quer que é, palavra por-palavra 3 merecia fer afoitado polas ruas
publicas: e tambem os metres , que fe-fervem dele: e o livro,
queimado em prafa publica - Nam á coiza mais prejudicial para
a Mocidade , que femelhantes livros : pois motrando enfinar a
traduzir, fam a cauza, de que fe-nam-faiba . O pior é , que os
me{tres praticam o me{mo, que diz o livro, nas fuas tradufoens.
Cujo metodo é tal, que ou os rapazes c{lcjam dez, ou vinte anos
nas efcolas , nunca intenderám Latim : como na-verdade fucede :
pois traduzindo todos Virgilio, nenhum o-intende. Achei-me em
certa parte , emque um celebre metre traduzia, o principio do
quarto livro da-Eneida : At Regina gravi jamdudum faucia cura.
&c, palavra por-palavra : e tam pago de si mefino , como fe fo
fe, o melhor interprete do-mundo. Dife eu a um dicipulo, que
efcrevefe a tradufam do-feu metre, e defpois lha-moftráfe, pro
guntando-lhe º fe era boa aquela tradufam. Afim o fez : e o mef>
tre º cuidando que era coiza do-dicipulo, foi o primeiro que di
fe» que nam preftava para nada. Pois efta , replicou o dicipulo»
é a que V.P. ontem dife. Envergonhado o metre, quiz faber, quem.
lhe-dera o confelho, e repondeo: Que uma coiza era, compor na
banca » e outra, explicar na efcola. Que parvoice ! efla propozifam.
vale o mefino que dizer: Que na banca fe-deve compor bem : e na
e/cola explicar mal . A falar a verdade quem explica a rapazes o
dito livro , ou coiza femelhante , fabe mui pouco ; porque pola
maior parte aquelas palavras , nam fe-devem tomar no-proprio.
fertido, mas metaforicamente : e explicálas fegundo o fentido do
Poeta . E por-ette motivo torno a dizer, que os Poetas , princi
palmente Eroicos, nam fam para rapazes, que efludam Latim. Con
fefo a V.P. que ainda nam ouvi um mefre, que na efcola difefe:
Efla palavra, nam fe-pode traduzir bem: é necefario explicáta afim.
mas, todos feguem o comum etilo, que é muito maô - Onde a
minha regra geral é eta: Quando oufo um metre, que, CâI}*
-
expli
I O2 V E R DA DE IR O M E TO DO
cando livros eloquentes, traduz afim : Petrus Pedro : Amat, ama:
Joannem, a Joam ; fem mais outro exame afento, que nam fabe
Latim. Deve o meftre praticar outro eflilo, fe quer que aprovei
te aos efludantes : e o melhor é , o que aponto . Ifto bafta por
agora, fobre a tradufām.
Quando digo, que fc-devem ler eftes livros, nam quero di
zer , que fe-leiam todos : mas um , ou outro dos-que aponto ;
que fam os melhores, e mais proporcionados ao nofo cazo. Mas }
tambem é certo, que, lendo-os como digo , quazi fe-podem ler
todos. O principal ponto eflá, em feguir a ordem que infinúo :
porque fem ela, nacerá confuzam e impedimento, como todos os
dias obfervamos no-metodo vulgar : fendo certo, que primeiro fe
devem ler , os que faláram a lingua naturalmente, doque os que
abundam muito de metaforas , e mil outros ornamentos dificul
tozos . Mas nem menos ifto bafta , fe o metre nam explicar o
que deve. Onde o ponto de toda a confideram confifte , no-mo
do da-explicafam. Quando pois o efludante eftiver adiantado, de
ve o metre, alem das-coizas que afima apontei, explicar outras.
v.g. a fintaxe dificultoza: a forfa das-palavras : o modo de pro
nunciar antigo : e notar outras coizas, que fe-encontrarem. Por
que os rapazes das-efcolas maiores devem faber , nam só o que
é Latim puro, mas tambem as outras particularidades, que confti
tuem a elegancia . Acham-fe autores, que fe-fervem de palavras
Latinas, e contudo nam tem aquela particular grafa, a que cha
mam os inteligentes, boa Latinidade. Confifte eita às vezes, em
uma fraze inteira : tambem em um diminutivo , ou frequentati
vo &c. coizas que dam infinita grafa ao eftilo Latino ; e fre
quentemente fe-acham, nos-melhores autores Latinos, como Teren
cio, Cicero &c. Onde, efte deve fer o cuidado do-metre º motrá
las quando ocorrem : e notar a particular grafa que tem, naque
le lugar. Deve tambem notar o modo, com que os bons autores
comefam , ou acabam o difcurfo, ou os unem entre fi, quando
compoem uma orafam inteira . Efta uniam confifte às vezes, em
uma conjunfam : às vezes, em outra particula. E efle é o par
ticular eftilo da-boa Latinidade : que necefariamente fe-deve en
finar aos rapazes, paraque o-executem, quando compoem. Alem
difio : quando encontrar alguma exprefam ofcura , ou porque é
fundada em uma fabula , ou coiza femelhante , deve explicála.
Defia forte fe-intenderám os autores , é fe-poderá tirar provei
[O
D E E S T U D A R. Io3
to da-fua leitura . E ifto é o que um mcfire douto faz º com
muito goflo , porque conhece a utilidade , que daqui rezulta : e
só entam pode repreender com jutifa os rapazes, quando da-fua
parte faz tudo o que deve , para os-enfinar.
Mas antes de concluir itto , quero dizer alguma coiza , fobre
as edifoens defes mefmos autores , que tambem é notícia util.
Em todo o cazo devem-fe procurar, as melhores edifoens deltas.
obras, as mais corretas, e com boas notas. Todos os livros co
mentados ad ufum Delphini, aindaque uns fejam melhores que ou
tros, comumente , e principalmente para o nofo cazo, fam bons.
mas devem fer da-edifam de Pariz , ou de Olanda : porque as
de Italia modernas, nam prefiam para nada. Emporta muito ter
o texto correto, para fe-nam-enganar, nete particular. Os Olan
dezes fam famozos. As edifoens de Grevio, e Gronovio, e ou
tros omens doutos , aindaque nam tenham notas , ( mas quazi
todas as-tem ) fam corretifimas . a edifam de Cicero por-Ver
burgio, cum notis variorum , em Olanda é exatifima . Em Ingla
terra tambem fizeram algumas boas : e a imprenfa de Inglaterra,
e Pariz é mais negra, que a de Olanda : e por-ifo agrada mais.
lfto que digo das-edifoens, fe-intenda, nam só dos-Prozadores ,
mas dos-Poetas. O que porem encomendo muito ao efludante é,
que, neftes principios , fe quer faber Latim, leia poucos livros:
mas efes que efcolher, leia-os tantas vezes , e com tanta aten
fam , como fe ouvefem de fer eles, o feu unico efludo. na fe
gunda vez achará menores dificuldades : e afim nas outras. Iflo
bata, para fer um grande Latino. Nem aconfelharei a rapaz al
gum, que leia os Poetas. Para faber Latim, é efcuzado, e fer
ve de impedimento: na Retorica é melhor que fe-leiam : mas é
melhor quando fam grandes . Porem por-nam deixar de dar me
todo» na leitura dos-autores, direi brevemente o modo : e fervi
rá º Para os que fe-quizerem aplicar totalmente a ifo.
Digo Pois, que os que quizerem aplicar-fe à leitura dos-Poe
tas , podem fazêlo , deficis de ter feito efas preparafoens : pro
curando fêmente, cs mais efimados polos doutos. Para intender
eftes é necefario , ler algum tratado , que explique a Mitologia
dos Antigos : e que nos-de uma noticia breve das-fabulas, à que
eles todos os momentos aludem. Iito poto, deve-fe ler Ovidia nas
MetamorfoRes, e Fafios, em que explica toda a Mitologia: defpois
as Eroidas , que fam as fuas melhores obras , e as mais facis -
aS
to, v ER DA DEIRO ME TODO
as outras podem-fe rezervar para outro tempo. Defpois, ler Vir
gilio todo atentifimamente: ao qual deve feguir Oracio, nas fuas
Odes; melhor direi, todo, porque é um autor inimitavel . Que
rem muitos, que com efle fe-leia , Gracio Falifco, Olimpio, e Ne
mefiano, Poetas Bucolicos : ainda que na verdade fejam muito in
feriores, a Oracio. E finalmente, Efacio, e Lucano. lfto bafia pa
ra ter , uma grande notícia de Poetas : principalmente lendo-fe,
com a devida atenfam. E quem tiver bem efludado os ditos, po
de, fem mais metre, ler qualquer dos-outros , que fe-oferecer:
mas apontarei alguns. Quem pois quizer ler amores, veja Ovidio,
de Arte amandi , Cathlo, Tibúlo , Tropercio : que fam todos no
feu genero famozos. Os melhores fatiricos fam, depois de Ora
cio , que é o meftre ; Juvenal, e Perfio . Marcial é um autor,
que entre mil coizas infulfas , tem algumas boas . agradam mais
aos omens inteligentes de Poezia , e Latinidade os Epigramas de
Catilo. Quanto a Lucrecio, e Manilio, fam juntamente Filozofos,
e Pcetas : e o primeiro fempre teve , e ainda conferva , muitos
admiradores; e é um puro Latinifla. Nifto fe compreende, o me
lhor da-Antiguidade.
Sobre as edifoens á pouco que dizer . Todos efles autores
foram comentados, para uzo do-Delfim de Franfa, por-ordem de
Luiz XIV. Eflas edifoens fam melhores que as antecedentes : e as
concordancias que fc-fizeram, de cada um defles autores , valem
infinito, para a inteligencia dos-vocabulos da-lingua : pois moftram
os diferentes uzos, e a forfa das-exprefoens. Alem das-Delfinas, á
outras edifoens anteriores , que tem feu merecimento. Por-pouco
que um omem fe-familiarize com os livros, e confulte os Biblio
tecarios imprefos, e trate os omens que fam verdadeiramente dou
tos; confeguirá todas as noticias necefarias, para fe-regular na elei
fam dos-livros , e edifoens . Mas quem quizer ler eftes autores»
advirto-lhe , que os-nam-leia feguidos , fim interrompidos : pois
nem tudo neles é igualmente bom. Onde, devem-fe colher as coi
zas melhores: porque efla forte de leitura agrada: uma longa lei
tura enfaília , e só ferve para um omem, que nam fafa outra coi
za - Nam aconfelho, que fe-expliquem Poetas nefas efcolas: mas
que aja uma ou duas feparadas, em que fomente fe-trate ella
II]a[C112 ·

. E ja che falamos de livos, recefarios para a inteligencia do


Latim, deve tambem o efludante faber, de quais fe-deve fervir.»
- - - para
D E E S T U D A R. Ioy
para compor &c. Nifto á muito abuzo ; porque comumente al
guns aconfelham livros, que nam pretam . O Cardial Adriano=
de Sermone Latino; Huberto Gifanio, nas fuas Obfervafoens, Tomaz
Linacer, fam autores famozos, para enfinar o modo, de efcrever
bem: principalmente o ultimo. Enrique Eflevam, e o Volfio, efere
veram bem fobre as palavras, que nam fam Latinas, ou que o-pa
recem . O Ducange fez um belo Dicionario, de Infima Latinita
te: que oje fe-acha mui acrecentado, polos Beneditinos de S. Mau
ro, e cuido que fam, alguns feis tomos de folha. O Dicionario
Etimologico de Vojiº, pode dar grande e fundada noticia, da-La
<tinidade . Nizolio, e Carlos Efievam, compoz cadaum feu Diciona
rio , para as vozes que fe-acham em Cicero : mas o ultimo é me
lhor , que o primeiro . Para ter notícia de toda a Latinidade »
e ver o uzo dos-vocabulos, é necefario confultar, o Tezoiro da
Lingua Latina, de Roberto Eflevam. 4. tom. para os rapazes, Pode
fervir o Calepino de Facciolati , que é mais breve . Para ver as
diferenfas das-palavras, é utilifimo Auzonio Popma , e o P. Va
pa/or Jezuita , e tambem o Borrichio. Para faber o uzo , e for
fa das-Particulas da-Latinidade, é famozo o Stevwechio, e defpois
dele o P. Turfelino, da-edifam do Facciolati. Os metres podem ler.
o Tomafio, e Schwyartio, que fam amplifimos. As Frafeologias nam
as-aconfelho a ninguem : mas das-melhores, é a de Manucio, que
compendiou as de Terencio, e Tullio : e melhor que efle, o Pa
reo, que acrecentou as de Plauto : e fez mais outras obras utis,
para a Latinidade . Acham-fe mais alguns autores, como o Scho
rus, Cellarius &c, que efcrevêram nefas materias : mas efles que
apontamos, fam os melhores. E eflas noticias bafam ao princi
piante": as outras aprenderá com o tempo. -

Tenho dito o meu parecer , fobre o modo facil de apren


der, a boa Latinidade. Mas antes que acabe, direi a V.P. º que
para confeguir efe fim , e faber compor com facilidade , conduz
muito º ter a memoria cheia de muitas efpecies. Sem ela nada vale
a aplicafam: vifloque a nofa ciencia nada mais é, que a fimplez
memoria , do-que temos efludado. Ninguem duvida, que a mcmo
ria com o cxercício fe-aperfeifoa-, principalmente nos-rapazes : e
que todo o trabalho, que niflo fe-põem na mocidade, ferve mui
to , para quem á-de feguir os efludos. Mas a dificuldade eflá º
em faber cultivar a memoria . Quem obriga os rapazes , a apren
der muito verfo, e muita arenga; faz-lhe mal, cuidando fazer-lhe
TOM.I. O bem
IO6 VER DA DE IR O M E T O DO
bem . Eu comparo a memoria, cheia de femelhantes ideias, a uma
livraria grande , cujos livros nam eflam nas etantes, mas amon
toados no-meio, e Polos cantos : quem nela procura um livro de
terminado, namo-encontra: mas ofrecem-felhe cem mil, que na
da fazem ao cazo. Dame{ma forte a memoria mal regulada: quan
do lhe-pedem uma ideia, ofrece tantas, e tam fóra do-propozito;
que é o retrato da-confuzam: de que nace , que nunca fe-apren
dem bem, as outras Ciencias. Ifto fupoto, deve cuidar o metre,
em cxercitar a memoria dos-principiantes , em algumas determina
das materias . Primeiro , acoflumálos a dizerem em breves pala
vras alifam, que ám-de explicar. Defpois, explicará aos ditos, al
guns pafos feletos de autores, principalmente Poetas: v.g. alguma
das-fabulas de Fedro , ou Ovidio : mas curtas , e fempre agrada
neis; pois só afim entram . Neftas , os rapazes devem dizer pri
meiro, o que contem: defpois, poco a pouco ir repetindo, todas as
palavras: com o tempo pode-fe aumentar, o numero dos-verfos :
E efte exercicio pode-fe fazer dois, ou trez dias da-femana. Quan
do o rapaz tem algum exercicio; entam tem lugar, fervir-fe de me
todo , nas coizas que decóra. Onde tera cuidado de lhe-enfinar,
algumas defcrifoens, algumas exortafoens, ou breves orafoens &c,
mas primeiro explicar-lhas bem : pois fem ifo é querer , que pro
nunciem como Papagaios . Nifto nam devem moleftar os rapazes,
com pancadas: mas animálos com premios , a que decorem bem
algumas coizas: remunerando ou louvando, os-que o-fazem melhor:
fempre coizas utis, e que pofam fervir com o tempo. Mas de
ve cuidar muito o metre, de nam permetir aos rapazes , a lei
tura defes livros de Fra/eologia, antes bandilos, como coiza mui
prejudicial. Sam càpas de romendos, cadaum de fua-cor , que
nam podem fazer coiza boa - cauzam preguifa aos eftudantes : e
arruinam o bom goto da-Latinidade. Devem-fe efcolher as defº
crifoens &c. nos-mefmos livros que efludam : e mandar-lhe apren
der as frazes, nos-mesmos autores que traduzem. O mais é ma
drafaria, e ignorancia.
Tenho ainda outra reflexam que fazer: é efia, fobre o fa
lar Latim nas efcolas. Nifto á dois vicios : alguns falam fempre a
fua lingua : de que vem, que faiem das-efcolas, fem faber dizer,
um comprimento Latino: e efle é o defeito, que reina em Por
tugal . Outros , que pola maior parte fam Polacos , Ungaros »
Alemaens, obrigam a falar fempre Latim: ainda antes de intende
TCIT]
D E E S T U D A R . Io7
rem bem Latim. Tambem iRo é um grande defeito : Pois fe os que
fabemos bem Latim, nam podemos falar com dezembarafo 3 que
fará um rapaz, que ainda o-nam-fabe! Efta é a razam.» Por-que
vemos muitos defes Efrangeiros, ( e eu vi tambem molheres) que
falam Latim corrente... mas que Latim ? um Latim tal º que é
melhor nam intendèlo. Para falar Latim deprefa, fervem-fe de fra
zes barbaras, e termos vulgares: e enchem a cabela com aquilo,
em modo tal, que em nenhum tempo podem deixar º o dito eflilo -
Nam fei que grafa tem canfar-fe , para efcrever Latim bem » e
canfar-fe tambem, para falar Latim mal: nem menos intendo, que
necefidade aja, de falar femelhante Latim. Quem á-de fazer jor
nadas, por-paizes Eftrangeiros, fe fabe bem Latim, nunca tem di
ficuldade em fe-explicar, fe acazo tem algum uzo - que o-fale
mais ou menos deprefa, ifo nada emporta - Nem menos aprovo»
aquela afetafam de alguns Portuguezes, que , querendo falar La
tim com algum Efrangeiro, eflam meia ora a confiderar, um Pe
riodo Ciceroniano: e deprezam as vozes vulgares. Efte tambem
é outro defeito confideravel . Se os que falam Portuguez afeta
do , nam fe-podem fuportar 3 que faram os que falam com afe
tafam, o Latim ? O Latim das-converfafoens deve fer, o mais na
tural de todos . o ponto eflá ter palavras puras: a fintaxe delas
deve fer natural, e clara . V.P. nam verá afetafoens em Terencio,
ou Plauto, ou Fedro, porque falavam com eftilo familiar. A lin
gua Latina tem ifto de bom, que fe-caza com a elevafam, e na
turalidade. Onde, devemos faber aplicar o eflilo, à materia 3 para
confeguir, o fim, de falar com muita naturalidade , e nam falar
mal. -,

Ito fuppofio, parece-me que deve aver nas efcolas, algum exer
cicio de Latim: mas requerem-fe algumas cautelas. Primeiro , nam
fe-deve falar Latim, fenam na ultima efcola da-Latinidade, ou da
Retorica: quando ja os rapazes, intendem bem o Latim. Em fe
gundo lugar, nam devem falar Latim fempre, mas em dias determi
nados. Primeiro, podem enfinar-lhe a dizer, alguns comprimentos de
uma, e outra parte: defpois, pode-fe introduzir algum Dialogo »
fobi e a materia que fe-eftuda : em que de uma parte, um rapaz pro
gunte alguma coiza: da-outra, refponda outro, fempre em Latim º
Mas primeiro deve o metre explicar, como ifto fe-deve fazer : e
fer ele o primeiro, a dar exemplo. E nam deve obrigar todos, a que
falem no-me{mo dia : mas comefar polos melhores: defpois por-turº
2 I]O
Io8 V E R DA DE IR O M E TO DO
no os outros, em dias determinados: avizando-os primeiro, para
que venham preparados. Deforteque cada eftudante oufa falar mui
tas vezes, os outros : e afim vá aprendendo, para quando lhe-che
gar á fua vez. Pode o meftre falar a miudo, algumas coizas La
tinas, com algum dos-eftudantes, que forem mais capazes , ain
da fóra dos-dias afinados: tendo cuidado, de falar bem ; e enfi
nar-lhe fempre , o como fe-deve falar . Defta forte pode ajudar
muito, os eftudantes: principalmente fe fouber excitar entre eles,
a emulafam , louvando muito os que o-fazem bem , e remune
rando-os. Efte é o verdadeiro metodo, de enfinar a falar Latim.
Comefando defla forte, mais facilmente o falarám, nas efcolas da
Filozofia : e defte modo aquiftarám aquela facilidade, que é nece
faria , a quem á-de feguir as letras. -

… Ifto é o que me-ocorre dizer , fobre o efludo da-lingua La


tima : poderia acrecentar muita coiza 3 mas eflas baflam , para o |
que fe-quer . Prouvcra a Deus , que eflas fe-puzefem em execu
fam ; entam me-diria V.P. fe me-enganava eu no-meu conceito.
1Deixando para a vita outras razoens, com que podia perfuadir, o
que digo ; infinuarei uma bem clara. Entre tantos que fe-aplicam,
ao efludo da-Lingua Latina , motre-me V.P. qnantos fam capazes
de fe-apontarem, como exemplo de boa Latinidade. Examine V.P.
quantos autores tem cá, nos-feus paizes, que componham Latim,
como milhares , que eu pofo apontar, nos-Reinos etrangeiros ; e
ainda alguns em Efpanha, que efcrevéram afombrozamente. Se me
moftrar um ou dois, que nam ignoro que aja º afente que o-nam
trouxeram das-efcolas ; mas cutou-lhe boas fadigas em caza - ou
Italvez porque fairam fóra do-Reino , e tratáram, com quem lhe
abrife os olhos, como o Bifpo Ozorio &c. Quazi todos os outros
falam Latim das-efcolas. E tantas teftemunhas, que todos os dias
faiem das-efcolas, provam bem, que cita ignorancia, é influencia
do-mao metodo.
Dito podia eu citar muitos, e muitos exemplos, fe mo
nam-impedife a modefia. *** porque aindaque tenham doutrina;
e talento, o mao metodo que bebéram na mocidade, impede o
aproveitamento. Certo Religiozo douto, devendo dar conta de fi,
em um congrefo erudito, queixando-fe de lhe-nam-terem dado, cer
tos papeis, concluia afim : Que ad nofiram faciunt bifioriam monu
menta omnia : fire fcripta, five tranferipta, five pra/cripta; five con
gefia , five dige/ta, five indigefia 3 peto, expeto, repeto: po/co ex
- po
D E . E ST U D A R. . Io9
po/co» repo/co: quero, exquiro, requiro º flagito, efflagito: oro, pe
roro. Todo o corpo do-difcurfo era femelhante . Nam fei fe (e-
pode fazer, coiza pior: e apoflarei eu, que os feus Religiozos dou
tos, feram os Primeiros, a condenar efte Latim. O pior é, que
afetando tanto, faber a forfa dos-Verbos, enganou-fe em alguns |
Porque o flagito, e effiagito, nam só fignificam, pedir com ifancia,
mas pedir com injuria (I), e com pouca vergonha: o que fupo
nho, ele nam quiz dizer. Tambem o peroro, nunca ouvi, nem achei
em autor Latino, que fignificáfe pedir. tambem Orare monumenta,
é fraze que nunca achei nos-Latinos. Os primeiros trez nomes fi
gnificam a me{ma coiza , no-nofo cazo : pois ele nam pedia cazas,
nem eftatuas ; mas coizas efcritas: e afim o five, parece mal inferido.
Dame{ma forte o congefia , nam, fe-opoem , a digefia , e indigefia;
pois a cadaum defles fe-pode aplicar : fendoque é generica. As
outras examinará V.P. com mais vagar , º que eu nam tenho . E
nam fomente os que fe aplicam, a diferentes materias, mas aque
les mefinos, que fe-empregam na Latinidade, muitas vezes nam fam
iguais. v. g. Antonio Rodriguez da-Cofia , Confelheiro do-Vltramar,
que efcrevia Latim com muita facilidade , efquecido ás vezes de
fimefmo., efcreve algumas cartas Latinas, fóra do-etilo familiar,
que parefem orafoens academicas . Mas pior que efte , o Mar
quez Manoel Teles da-Silva, e o Conde de Vilarmaior , os quais
ambos tropefam terrivelmente nefta materia , de elevafam afetada.
O primeiro, na carta com que aprova, os Epigramas do-P. Reis,
que comefa Cum nullum &c. uza de um eflilo, que ainda nam vi
coiza mais impropria: O fegundo, nas cartas que efcreve, a An
tonio Roiz da-Cofia , é afetado por-um novo modo ; e inclina
muito para a declamafam, demora-fe muito com os lugares comuns,
e nam obferva, o verdadeiro efiilo epiflolar &c. Confefo a V.P. que
lendo, e examinando Cicero , nam achei nele nem orafoens, nem
cartas afetadas. Somente na idade de prata é, que comefo a ver,
a afetafam, porque ja degenerava a eloquencia. De que concluo,
que os que lem bem polos Antigos, e fabem imitálos, efcrevem
• COIIl

(1) Expediatione promifi tui rogarent. Cicero Epift. famil. l.9.


moveor, ut admoneamte, non ut, ep. 8. -

flagitem : mifi autem ad te qua- Quintil. —Eflagitafiquotidiano


fl{0}" admonitores, non nimis vere- convitio, ut libros jam emittere
cundos : qui metuo , ne te forte inciperem crc.
flagitent : ego autem mandavi, ut .
I IO VER DA DE IR O M E TO DO
com muita naturalidade, e no-me{mo tempo fublimidade . Quan
do porem nam fe-lem os Antigos», ou, lendo-fe, nam fe-faz como
fe-deve; nam fe-Pode fazer coiza boa - o que, come afima dizia,
nace do-mao metodo, de quem enfina.
Quando em um paiz, florecem com grande aplicafam as Ar
tes, é coiza obtervavel», que faiem muitos excelentes. No-tempo
de Cicero , nam só ele falava bem Latim 3 mas avia uma infini
dade que o-falavam º com a me{ma pureza, e grafa ; e mui
tos Oradores, de grande merecimento. Se V.P. tira das-cartas de
Cicero, os nomes de muitos, que lhas-efcrevêram; entre clas, e as
de Cicero, nam achará diferenfa alguma. O bom goflo naquele tem
po, era tam rafinado, que Cezar, e -4tico, repreenderam alguma pa
lavra de Cicero: e o modo de orar defle ultimo , nam agradava
a Bruto, a Calvo » e Pollio, que eram omens doutifimos . Toda
a mageftade , e pureza da-lingua de Tito Livio, namo-livrou, de fer
cenfurado em Roma º por-aqueles delicados criticos. O grande Af
nio Pollio achou nefte efcritor, certas palavras, e etilo do-paiz em
que nacêra 3 que os omens cultos de Roma, nam lhe-queriam per
doar. tal era o delicado goto daqueles Senadores, e Cortezoens!
Os mefmos Romanos, tinham um demaziado efcrupulo, nefte pon
to . Um Comico» que no-teatro errava uma filaba, e um acen
to, levava grandifimas furriadas (1). tal era a fineza do-juizo da
quela Republica !
Se damos um pafo mais atraz, e entramos em Atenas, on
as Artes, e Ciencias tanto florecêram, que dali fe-efpalháram, po
lo reflo da-Europa; acharemos , que nefa grande efcola , até a
gente Plebeia, Polo coflume de ouvir orar, e falar bem em Pu
blico, aqueles grandes Oradores; tinha aquiflado, um tam exqui
zito goflo da-lingua, que quando os Oradores fubiam à tribuna,
temiam ofender, com alguma menos boa exprefam , orelhas tam
delicadas. Avia muitos anos, que o Filozofo Teofrafiro abitava em
Atenas, e tinha feito um particularifimo efludo , de falar a fua
lingua , fegundo o dialeto de Atenas : comtudo ifo diz a Ifio
ria» que da-pronuncia de uma palavra, conheceo que era efiran
geiro uma molher , que vendia legumes em Atenas (2). Acha
mos na ifloria Grega, mil outros exemplos, que confirmam º quam
geral
(1) At in his (numeris).fi paul- Bione longius; theatra tota recla
lum modo ofen/um ef , ut aut con- mant. Cicero l.3. de Oratore n. 5o
tratione brevius fieret, aut produ- - (2) Cicero,de Claris Oratorm 46s
D E E S T U D A R. I II

geral era , o bom goto da-eloquencia, entre os Gregos. Nas afem


bleias publicas da-Grecia , em que fe-recitavam Poemas , e Ito
rias ao Povo ; fabemos, que muitas vezes regeitáram algumas, por
nam chegarem , à fineza de outras. Dionizio o velho, Rei de Sa
ragofa nam era mao Poeta : viftoque com uma das-fuas compozi
foens, alcanfou o Premio» nos-jogos da-Grecia, digo , nos-jogos
Olimpicos : mas Porque mandára primeiro duas, que nam chegavam
ao merecimento, da-terceira, foi efcarnecido por toda a afembleia ]
Deixo outros Antigos. -

E, fe decemos a eftes ultimos feculos, e ao prezente, po


fo moftrar a V. P. com toda a evidencia, que em Londres, Am
fterdam, Leiden , Pariz, Roma, Napoles, Padoa, Bolonha, Piza,
e outras muitas partes, onde fe-cultivam os bons etudos ; os que
neles fam inftruidos, por-pouco que faibam , aquiflam um parti
cular goto, em todo o genero : e que nefes mefmos empregos de
Ciencias, e Artes, á infinitos omens excelentes. Do-que manifef>
tamente fe-prova, que onde fe-enfina bem, fempre á omens gran
des: e que onde os-nam-á, é uma prova manifefta, do-maome
todos de quem enfina.
#Tenho dito a V. P., quanto a brevidade de uma carta per
mite, o que me-parece deve fazer, quem quer faber Latim . Po
deriá acrecentar outras coizas; mas efas fam fomente necefarias, aos
que querem fer infignes, nas letras umanas. Para V.P. que é tam
verfado nelas, o que digo, parece ainda fuperfluo: e para os-ou
tros, muito mais : vitoque nam acho muitos, que queiram eta
gloria, e queiram confeguila, com efles meios. Comque páro aqui:
E dezejando a V. P. felicifimas fetas, e boas intradas de anos 5
com todo o corafam me-afino &c.

CAR
Hi: VER DA DE IR O ME TODO --

Esg & &#x2 && Sè, &k= Sk2s8SM2, &ka &gs

CARTA Q U A R T A.
& S U M A R I O.
# -

Ecefidade das-linguas Orientais, principalmente Grega, e Ebrai


ca, para intender as letras llmanas: mas muito principalmen
te , para a Teologia . Modo de as-aprender. Utilidade da-lin
gua Franceza, e Italiana, para Jer erudito com facilidade, e
fem defeza .

que eu neta carta, pasáfe direitamente à Rei


torica; e comesáfe a difCorrer fobre aquela ma
teria, que nos-ocupou bafiante tempo; e nos
deu ocaziam, para fazer muitas, e mui utis
reflexoens . Tambem efa era a minha inten
fam ; fe me-nam ocorrefe outra coiza , que
julgo fer igualmente necefaria : e que nam nos
ocupará, fenam uma carta, e nam mui longa. Falo do-eftudo das
linguas Orientais : que muitos defprezam, porque nam tem juizo,
para conhecer o bom , rezoluíam para o-emprender , e metodo
para o-confeguir . Eu nam falarei de todas : mas das-duas mais
principais, e que todos os omens doutos reputam, que fam fu
mamente necefarias : e como tais fe-enfinam, em quazi todos os
etudos, da-Europa culta: tais fam a Grega, e Ebraica. +

Sam eflas duas linguas em Portugal, totalmente defconhecidas,


ainda nas-Univerfidades: o que é mui obfervavel : porque Uni
verfidade deve compreender, todo o genero de efludos. Os Ef
panhoes conhecèram muito bem, cfta necefidade: e vemos que nas
principais das-füas Univerfidades enfinam, nam só efias, mas ou
tras Orientais. Mas em Portugal obfervo, que nam á noticia de
las. Nefe colegio das-Artes, dizem que á uma cadeira de Gre
go: mas como fe a-nam-ouvefe, porque nam tem exercicio. Os
Seculares, que algumas vezes entram na aula, é para fe-diverti
rem. Os Jezuitas mofos, fam na verdade obrigados, a frequentar
por-algum tempo, a dita efcola; e nos-dias fantos le-fe um #-
tulO3
" ". D . E, " E S T U D "A"R... / 1 I3
tulo de S. Joam Crizoftomo, ou coiza que o valha: mas como to-º
dos eftes mofos, efiam na opiniam, que aquilo para nada ferve;
nenhum fe-aplica a ela. Depois de quatro anos de efludo, me
dife um, que nam fabia mais, que efta palavra : º Ssos. Achei ou
tro, que fabia o Padre nofo, e Ave Maria : e defles, acham-fe
alguns: mas nenhum o fabia efcrever derepente . Finalmente nam
achei algum, que foubèfe explicar, quatro regras de Grego, nam
digo eu de algum Poeta, ou coiza dificultoza 3 mas nem menos
do-Teflamento Novo , ou algum S. Padre facil . E ifto obfervei
ainda naqueles, que tinham fido mefres de Grego: (nam por
falta de capacidade: mas de aplicafam ) e fafa V. P. a experien
cia, que achará, que nam minto. Os outros todos , ou fejam:
Regulares, ou Seculares, nam tem mais noticia do-Grego , que
do-Kyrie Eleifon : e do-Ebreo, só conhecem a palavra Aleluia, Amen,
e alguns nomes proprios de omens, ou Cidades, que fe acham
na Vulgata , ainda-que transfigurados : e contentam-fe com efia
noticia : Antes rim-fe muito, fe acazo lhe-dizem, que é um ef>
tudo necefario. Mas a verdade é, que aos Teologos é indifpen
favelmente necefario, fabèlo; -fenam a todos, ao menos aos que
fe-internam na Teologia, e a-enfinam. Senam diga-me V. P.fe.
nacèfe uma dificuldade, fobre a inteligencia do-texto Ebreo , ou
Grego, ou de algum S. Padre ; como muitas vezes fucede, con
verfando com os Erejes, ou difputando entre os Catoliccs , a quem
fe-á-de proguntar º ferá necefario efcrever, a Franfa, Roma, Ve
neza, Napoles &c, para faber a refpofta ? que coiza mais ver
gonhoza ! E que diriam aqueles Teologos, ºfe ouvifem, que aqui
nam avia, quem os-intendèfe ? Mas difto, falaremos, em outra parº
te. Por-agora só digo, que afim como ao Teologo é necefario »
intender Latim, para ler a Vulgata Latina; afim tambem é neº
cefario , intender os textos Originais , de que efa Vulgata fe-ti
TOll • - - - " *-* - - -- - . . . … ". : - •

Perfiladem-fe muitos, e alguns mo-confesáram , que só a Vul


gata merece autoridade. ito é, porque nam efludáram a materia
Convem todos os Teologos de boa doutrina, que o Concilio Triº
dentino, quando declarou …Autentica, a nota Vulgata , só a-prefer
rio , às outras Vulgatas Latinas: mas nam a-preferio, nem a-com
parou com as Fontes, Grega, e Ebraica. De que vem, que ef>
tas confervam oje, toda a fua autoridade : e por-elas fe-emendou
a --Vulgata,
TOM.I.no-tempo de Sixto V., e PClemente VIII. e aindaºjº
• fe
114 VER DA DE IR O ME TODO
fe-pode emendar, em varias coizas, que nela advertem os omens dou
tos. E por-efte Principio fica claro, que pode aver grande utili
dade, e ####" em confultar as ditas Fontes. •

Alem da-Efcritura, temos os SS.Padres da-Igreja Grega, que


efcrevêram na fila lingua . O Teologo todos os infantes tem ne
cefidade, de confultar eles Originais: porque as Verfoens nem fem
pre fam fieis . Muito mais porque nam fe-ignoram as controver
fias, que todos: os dias nacem , nas efcolas Catolicas , fobre as
palavras dos-Padres, e dos-Concilios . Alem difo , o Jurifla tem
necefidade do-Grego, para alcanfar o verdadeiro fentido, de mui
tas conflituifoens Imperiais ; que foram efcritas em Grego. O Ca
monita o me{mo: vitoque deve procurar, as fontes da-Diciplina
Ecleziaftica: a qual pola maior parte , determinou-fe nos-Concílios:
muitos dos-quais celebráram-feno-Oriente : e ainda algum no-Oci
dente, em Grego ; como o Florentino no-tempo de Eugenio IV,
Tambem para intender, o Decreto de Graciano, que fe-funda to
do , fobre a antiga Diciplina : e os mefmos PP. Gregos. O Me
dico tem necefidade do-Grego , para intender as obras, de Ipocra
tes : para ver o que dife Galeno , e Areteo de Capadocia; que,
defpois de Ipocrates, foi o melhor Medico dos-feus tempos.: e al
guns outros. E tambem necefaria ao Medico, para intender a Ana
tomia, e fuas partes, cujos nomes fam Gregos: nam avendo Cien
cia, em que fe-encontrem mais nomes Gregos: como tambem pa
ra intender os nomes, de muitas infermidades. Nifto cuido que con
virám fem dificuldade, os mefmos Peripateticos, fe quizerem exa
minar o cazo. Mas eu pafo adiante, e digo, que as Letras Uma
nas, e ainda a me{ma Latinidade, nam fe-Pode intender bem, fem
alguma noticia do-Grego. Os Romanos adotáram infinitos termos
Gregos: cuja propria fignificafam nam fe-alcanfa, fem faber o Gre
go. As mefmas declinafoens, a dezinencia de muitos Verbos º pé
dem alguma
miliariza comerudifam
o LatimGrega
. . mas ifto* só
* *
o-intende, quem fe-fa
|- •

Quanto pois ao efludo do Grego, e Ebraico, nam é ele tam


embarafado, como o-pintam. Os Meflres podiam brevemente dar,
alguma noticia do-Grego: nam fe-canfando em explicar º todos os
Preceitos de Gramatica (efte é o defeito de muitos Profefores ).
Bafla ao principio faber, as declinafoens, e conjugafoens, fem fa
lar nos-dialetos - as anomalias podem-fe deixar; e bata que com
o tempo fe-obfervem , quando fe-vai lendo. As outras *# da
* I'aº
:D E E S T U D. A. R. " 1 15
Gramatica bata velas uma vez, para as-faber procurar -, quando
ferá necefario. Defpois, toma-fe um autor , que tenha junto a
verfam Latina : e em cada voz fe-deve obfervar, fe é raiz, ou
nam : e, quando duvidar, procurálo no-Dicionario. Em um mez,
ou dois, pode confeguir, baftante noticia detes principios. Defois,
com o focorro do-Dicionario, e da-verfam, deve comefar a expli
cafam, de algum autor facil. Os Iforicos , e Prozadores devem
fer preferidos, aos Poetas ; como mais dificultozos . Um omem
douto enfina, que fe-deve feguir efte metodo. I º Ler os Efira
tagemas de Polyeno, que fam mui claros: os Dialogos de Lucia
no , e principalmente os Characteres Ethici, de Teofrafo; que é
elegantifimo. 2º os dois famozos Iftoricos, Xenofonte, e Erodoto:
que encerram as delicadezas, e grafa, da-lingua Atica. 3 ° a etes
podem feguir-fe Tucidides Itorico; Ifócrates, e Demoflenes Orado
res; e Platam, Filozofo o mais eloquente, e culto da-Antigui
dade . Quem chegar a intender bem eftes , tenha a confolafam s"
que fabe bem Grego. Pode-fe aprender alguma noticia, dos-coflu
mes Gregos, nas obras de Ubbo Emmius, e Joannes Meurfius, que
fam os quer melhor explicáram, as antiguidades Gregas. Outros.
querem, que fe-comece polo Evangelho de S. Lucas, e Atos dos
«Apofiolos 3 ou polas fabulas de E/opo : defpois Luciano, Erodoto.»
Xenofonte, I/ocrates : e no-fim Omero, e Plutarco, e alguma coi
za de Demoflenes . Um , e outro defes metodos fe-pode feguir :
mas agrada-me mais o primeiro. O principal ponto eflá, que nef>
tes principios, quando fe-acham lugares dificultozos, deve-fe pa
far adiante : e ler os autores faltiados , por-nam enfatiar os ra
pazes. • -+

Sobre os Poetas , nam me-canfo em dizer muito : porque


quem tem noticia da-lingua , tem ja baftante luz para ver º co
mo fe-á-de regular, na fila lifam. Concordam os omens da-profi
fam» que o melhor Poeta, e mais claro é, Arifiofanes: mas é
baftantemente obceno. Onde, quem nam fouber ler tais coizas,
fem perigo; deverá pafar a Omero , e Efiodo , que fam os mais
facis entre os Eroicos, e que fe-fervem de exprefoens, mais cla
ras. Verdade é , que neftes Poetas, á uma dificuldade nam pe
quena, que confifte, na variedade de dialetos, e inflexoens, e mu
danfas de palavras, proprias-dos Poetas : mas a ifto fe-fupre com
º Dicionario, que explica diftintamente, eflas palavras. Aconfe
lham os doutos, que, antes de ler. Omero , leia-fe o
" • • P 2
***
e
II 6 VER DA DE IR O METO DO
Feithio = Antiquitates Homerica : no-qual ele defcreve a ifloria, º
dos-tempos Eroicos, de que trata Omero. Dos-Poetas Eroicos po
de-fe pafar, aos Bucolicos, que fam Mofcho, Bion , Theocrito ; para
aprender o dialeto Dorico, em que efcrevem ; fervindo-fe do-pe
queno Dicionario, de Schrevelius. A melhor edifam defles auto
res é, a de Daniel Heinfio: em que, alem das-defle, fe-acham tam
bem as notas, de Scaligero, e Cafaubon . Depois pode ler, os Poe
tas Tragicos : entre os quais os mais facis , e judiciozos fam ,
Euripides, e Sophocles: porque os outros, só os-podem intender ,
os que fam bem praticos da-lingua. E como fuponho, que o cítu
dante nefte tempo, (ifto nam fe-faz nas primeiras efcolas : mas
quando um é ja adiantado no-Látim) terá ja noticia, das-leis da
Poezia; pode, lendo etes autores, ir defcobrindo, e bebendo na
fua fonte pura, as grafas da-Poezia, em todos os generos. |-

Uma coiza porem é necefario advertir º nam, só aos dicipulos,


mas tambem aos metres, porque nefte defeito caiem muitos pro
fefores publicos : e vem afer, que nam fe-canfem em mandar com
por, aos pobres rapazes: porque efla lingua º que oje é morta,
nam é necefario falála, bata intendèla com facilidade. Encontram
fe muitos, que explicam aos rapazes, trez, ou quatro regras de
Grego , e obrigam-nos a compor, paginas inteiras. Onde vem a
cair no-me{mo defeito, que em outra carta ja dife, (falando da
lingua Latina) de quererem, que os rapazes afejam metres, naque
la materia, na qual nam chegáram ainda afer, dicipulos . Em uma
palavra: a experiencia enfina, que é abfolutamente necefario, in
tender Grego : e que é inutil, o efcrevelo; quando um omem
nam eftá empregado em coizas, que o-pefam. }
Sobre as Gramaticas , á oje tantas , que é fuperfluo , que
eu diga coiza alguma. Muitos fam apaixonados, pola de Clenar
do , com as notas de Antefignam : porque nela, fe-acha com facili
dade, o que só com grande trabalho fe-bufca, em outros livros:
e tambem enfina o uzo da-Gramatica , reduzindo-a aos preceitos
gerais: o que iluftra muito o intendimento. Mas oje afentam to
dos º que a de Lanceloto, a que chamam de Porto real, é a mais
facil, e as reflexoens mais folidas. mas é em Francez, ou Italia
no , e nam é para o cazo. Alem deflas, á infinitas, mais moder
nas º que fam mui boas , e Latinas . Um amigo nofo compoz a
Gramatica Grega , e Ebraica , cada uma em duas folhas de pa
pel grande º com uma clareza inimitavel, para um principiante.
•, . , - ** PrO
-O D E E S T U D A R. 1 17
Procuro que a-imprima, para utilidade dos-Portuguezes. é fem du
vida a mais facil, que tenho viflo neta materia. No-cazo que o
eftudante nam tenha , quem o-aconfelhe, na eleifam de livros; de
ve fempre apegar-fe a uma Gramatica, das-mais modernas, e mais
breves: principalmente compoftas por-alguns feculares , Inglezes,
Olandezes , Alemaens , e alguns Francezes . Porque como efles
nam feguem as leis , que obrigam alguns Regulares , a nam fe
defviarem, dos-feus antigos metodos 3 procuram fempre, melhorar
no-metodo , e na inteligencia : como a experiencia me-tem mof
trado . E netas letras Umanas é fem duvida , que os Seculares
excedem muito , aos Regulares. *

Sobre o Dicionario, parece-me que o efludante deve fervir


fe, do-Scapula, que cotuma reduzir todos os derivados, à füa raiz.
Ifto ao principio cauza dificuldade , porque fe-ignora, que coiza
os derivados acrecentam , fobre a raiz ; para os-poder feparar, e
procurar no-feu lugar . Mas nefte cazo bafla procurar º no-fim do
Lexicon , a voz como fe-acha , que ali fe-enfina , de que raiz
vem, e aonde fe-deve procurar. E defla forte aprende um omem,
o verdadeiro modo de feparar os derivados das-filas raizes : e
fica com a inteligencia, de uma quantidade de termos: coiza que
vale infinitamente neta lingua . Se o efludante pouco a pouco
aprendèfe de memoria, as raizes ; facilitaria muito efte efludo, e
intenderia mais deprefa os derivados . O ponto todo eftá em nam
deixar totalmente efte efludo , por-todo o decurfo da Latinidade,
e Retorica : porque aindaque sò expliquem, duas regras cada dia,
no-cabo de um ano, adianta-fe muito. -

A Gramatica Ebraica é muito mais facil, que a Grega, An


tigamente efcreviam os Ebreos, fem vogais : e o verdadeiro mo
do de pronunciar, pafava de pais a filhos, por-tradifam: e ainda
oje a Biblia, que fe-conferva nas fuas finagogas ou efcolas, coflu
ma efcrever-fe fem vogais, como eu vi muitas vezes. Mas def
poifque os Ebreos, tornáram do-cativeiro de Babilonia, e, com
permifam. de Artaxerxes Longimano, reftablecèram a Igreja Judai
ca, e todos os ritos da-fila antiga religiam: entam , fegundo fez
Prezume, fe-inventáram os ditos, pontos, ou vogais. Certa coir
za é º que nefe tempo os Ebreos, tinham perdido a fila lingua,
e só intendiam a Caldeia. Onde nas finagogas, que entam fe-in
troduziram º era necefario , que um interprete explicáfe em Cal
deo, as palavras da Biblia, que outro proferia e ia em Ebreo. E
•• • •
+ …"
, , , , *, *, …... COmO ,
* * * **
I 18 V E R DA DE IR O M E TODO
como uma lingua morta, nam fe-Pode aprender, nem enfinar, fem
vogais; fica claro, que os doutores, que com Efdras public áram,
uma edifam correta da-lei, os-inventáram , para poderem en finála,
aos que ignoravam a lingua . E porem provavel, que entam fo
mente inventafem, as cinco vogais: enam tantas, como ao defpois
fe-uzáram. Efta noticia confervou-fe, nas efcolas dos-Gramaticos,
ou efcolas de ler : (entre os Ebreos avia efcolas de Gramatica;
e outras de Teologia) mas nam nas efcolas de Teologia : porque
os omens doutos, que ja fabiam a lingua , nam necefitavam di
fo. Mas defpois da-ultima detruifam de Jerufalem , no-ano 7o. de
Crifto, tendo-fe efpalhado os Ebreos, por-todo o imperio Roma
no; e muito principalmente, defpois da-difperfam que tiveram, no
tempo de Adriano; acrecentando-fe todos os dias as tradifoens, foi
necefario efcrevelas , para fe-poderem confervar na memoria , e
chegarem a todos . Ifto fizeram eles, polos anos de Criflo 15o. :
cujo libro chamam Mifhá ; que é um corpo de toda a doutrina
dos-Ebreos, ritos, ceremonias, e religiam . A efta fizeram dois
comentarios: um em Babilonia , polos anos de Crifo 3oo, : ou
tro em Jeruzalem 2oo. anos quazi defpois . E defle Comento , e
da-Mifná, fe-compoem os dois Talmudes, que ainda oje temos.
' lito fupotlo, vendo os doutores, que os pontos dos-Gramaticos
eram utis, para confervar a antiga maneira de ler; adotáram os di
tos pontos, e comesáram a fervir-fe deles, pouco mais ou menos,
no-feculo quinto de Criflo. Muitos fufpeitam , que fe-deve ifto
aos doutores, da-efcola de Tiberiades. Seja como for, o que fa
bemos de certo é, que defde efe tempo,comesáram a efcrever certos
finais, debaixo, e defima das-confoantes; paraque tobos os Ehreos,
pronunciafem as vozes Ebraicas, fegundo a antiga tradifam . De
entam para cá é, que á notícia exprefa, das-vogais (1). Mas co
mo os Ebreos fempre foram mifteriozos; para ocultar o verdadei
ro fentido do-texto Ebreo, inventáram tanta vogal que nam fe-le,
entre outras que fe-lem; que efta é oje a maior dificuldade, deíta
lingua. Umas vezes a mefma vogal le-fe: outras, nam fe-lé : umas
vezes converte-fe em outra ; e talvez nam fe-converte : e ifto
embarafa muito os principiantes.
Intendido ifto, o metodo de aprender o Ebraico é,

*#*CT

(1) Veja-fe Ludovicus Cappellus J. Buxtorf. Filium. , -


in Arcano puntiuationis, contra
D E E S T U D A R. II 9
der a conhecer, e unir as letras, e proferir as difoens : porque
a pronuncia diligente fomente é necefaria , aos que querem falar,
nam aos que fomente a-querem intender. Deixando ao Principio,
aquela infinidade de excefoens , fobre a mudanía de Pontos, &c.
deixados os infinitos acentos, que para nada fervem : bata ter no
tícia, das-regras gerais, para faber ler , e pronunciar facilmente.
Daqui pafa-fe às declinafoens dos-Nomes, e feus diverfoseftados.
A maior dificuldade eflá, nos-Verbos: Porque tem terminafam maf
culina, e feminina, o que ao principio parece imbarafado : ain
daque com o tempo, ajude muito para intender, com quem, e de
quem fe-fala; fe com omem , ou com molher . Deve pois faber
diltintamente, quais fam os verbos quie/centes , e defetivos . As
anomalias deles podem-fe deixar, porque fe-aprendem com o uzo.
Efta lingua nam tem fintaxe particular : e todos os idiotifmos
aprendem-fe em meia ora . Daqui deve pafar a ler a Biblia, ten
do fempre prezente um Dicionario , v.g. o Compendio Hebraico
Chaldaico de Buxtorfio . E utiliffimo fervirfe do-texto Ebreo, com
a veríam literal de Pagnino, correta por-Montano : porque alem
de que fe-aprende, a propria fignificafam dos-vocabulos, tem à mar
gem, boas notas de Gramatica, e aponta as raizes. O que ajuda
muito um principiante , Principalmente fea-quer bufcar, no-Lexi
con: e é muito necefario faber, quais fam as raizes, para ter fu
ficiente noticia , da-lingua. Com o tempo obferva-fe a Sintaxe da
lingua, e os idiotifmos, ou maneiras proprias de fe-explicar, di
ferentemente das-outras linguas: o que fe-reduz a poucos pontos,
e fe-aprende do-contexto.
Os livros que primeiro fe-devem ler, fam os mais facis , co
mo o Pentateuco , os livros dos-Juízes, e Reis , Paralipomenon •
Os Profeticos, e Sapienciais podem rezervar-fe, para outro tempo,
por-ferem mais ofcuros. Mas para intender efles livros, é necefa
rio preparar-fe com a lifam , das-antiguidades Ebraicas . O fe
nhor de Fleury publicou um tratradinho, dos-coflumes dos-Ifraeli
tas, em Francezº que tambem fe-acha em Italiano: que me-pa
rece proporcionado, para um principiante : e é efcrito com grande
atenfam. Podem tambem fervir, a Politia Judaica = de Bertramo:
Refpublica Hebreorum = de Sigonio , ou de Cuneo, que fam mui
to boas - Nam aponto livros de maior erudifam, porque nam fer
Vem º Para efles principios. Se a ifo que dizemos, ajuntar cada dia, a
lifam de um capitulo da-Efcritura, e confultar nas coizas * que
Ul
12ô VER DA DE IR O ME TO DO
duvidar, a verfam Grega dos-LXX. ; ou as Concordancias de Con=
rado Kirker , poderá confeguir facilmente, bafiante noticia da-lin
gua Ebraica. Ifto digo, para um principiante : porque para os Teo
logos de profifam, a feu tempo direi, que mais é necefário, nefa
materia. Ele efludo, como tambem o da-lingua Grega, uma vez
que fe-intendeo, pode continuar-fe em dias alternados , por-todo
o tempo dos-outros efludos , fem perturbafam alguma : porque a
efas linguas bafla confagrar, as oras menos preciozas do-dia.
Ifto é, o que muita gente nam intende, ou nam quer inten
der, neftes paizes: porque quando nam tem, outra razam que dar,
alegam a dificuldade da-dita lingua, e a pouca utilidade, que de
la fe-tira: aqual nam bafta, para compenfar o trabalho , que fe
experimenta em aprendela . Seguro a V. P. que com grande ad
mirafam minha , ouvi ifto a alguns , de quem formára bom con
ceito; e que totalmente fe-defyaneceo , com efte difcurfo . Nam
acho que falafem afim, alguns antigos-Portuguezes, que cuido fa
biam um pouco mais , do-que efles , que agora refpondem afim.
antes polo contrario acho , que alguns Religiozos antigos , apli
cáram-fe a eflas linguas com cuidado , e por-ifo fam mais conhe
cidos, no-mundo literario, do-que eftes, com quem prezentemen
te converfamos. "Eu atribúo ifto , à maior compunicafam que en
tam avia , com os doutos das-Nafoens efirangeiras : pois só acho
vefligios de maior erudifam, quando a efte Reino vinham enfinar,
os Eftrangeiros: ou quando os Portuguezes iam aprender, e enfi
nar, fóra dele. Polo contrario defpoifque fe-deixou, efte comercio
literario, vejo as coizas mui mudadas. • • *

* Nam podem fer ocultos a V. P. os nomes de alguns deles.


O P. Jeronimo Oleafiro, Dominicano Lisboenfe, que cuido fe-cha
máfe Jeronimo da-Zambuja, compoz um comentario Ebraico ao Pen
tateuco, e cuido que a outros livros mais , fe-nam me-engano 5
poifque averá anos, que vi eta obra. Acho tambem citado um
"certo D. Pedro, Conego Regular, e um Fr. Eitor Pinto, Jeronimia
no , ambos Portuguezes, por-omens mui verfados, na lingua Ebrai
ca: ainda-que eu nam pofo, formar juizo das-tais obras , por
que as-nam-vi. Mas tenho motivo para fufpeitar, que fofem omens
"doutos 2 vifloque aprendiam as linguas originais, para comenta
'rem a E{critura. Tambem achei um Religiozo meu, quero dizer
Obfervante, chamado Fr. Francifco de S.Luiz, Lisboenfe, poterior
aos ditos; que floreceo no-tempo do-Concilio de Trentos e, al
+
guns
D E E S T U D A R . 12 1
guns anos defpois. Efte tal compoz em Italia, uma Gramatica Ebre
ia, com o título = Globus Canonum & Arcanorum Lingue San
tie, & Sacrae Scripture = ; que é um livro bem voluminozo em
43 e que dedicou ao Cardial de Medici, imprefo em Roma 1586.
Efte tal autor » ( que, fegundo diz, fora no-feculo leitor de Leis
em Coimbra , e Salamanca ; e fe-metèra Frade em Efpanha) dá
a intender, que compuzera o livro em Italia : declarando , que
de cincoenta anos aprendèra o Ebraico, que ao defpois foram as
fuas delicias. Onde perfuade com muitas palavras , a necefidade
da-dita lingua ; efe-enfatia, contra os que a-regeitam. Com efei
to o omem parece bem informado, da-dita lingua: aindaque caife
no-defeito, dos-Gramaticos do-feu tempo; quero dizer, em fazer
uma confuzifima e mui enfadonha Gramatica ; na qual quiz epi
logar , quanto achou em Elias Levita, e outros Rabinos : como
tambem em varios autores, que o precederam. Mas efle era de
feito daquele tempo, em que nam fabiam, que coiza era bom me
tudo . Contudo é verdade , que o dito P. fez um grande Pro
grefo, na dita lingua, em uma idade maior; naqual tambem ef
tudou Teologia: e entre ocupafoens de predicas, e outras femc
lhantes, fegundo diz, nunca deixou, efte efludo tam util.
Eita noticia que dou do-tal autor, é porque ignoro» feV.
P. tem notícia dele, viflo efcrever longe de Portugal. Acrecen
to a efte, o P.Macedo, Portuguez, e da-me{ma Religiam: omem
de Prodigioza memoria, (aindaque nam de igual juizo) fegundo
moltrou nas fuas famozas concluzoens , que defendeo em Vene
za, de que V. P. tem boa notícia: que fabia a lingua Grega ,
fegundo me-diferam alguns dos-feus Religiozos, da-me{ma Provin
C13 - •

Do-Grego tambem no-feculo 16° avia mais noticia, que nam


á oje, nefte Reino. Polos temposdo-Concilio de Trento, um tal
Joºm Vaz , que foi metre de Umanidades em Salamanca , fabia
bem Latim, e Grego: e no-mefmo tempo Fernando Soares» (que
cºmpoz uma Gramatica Latina, para uzo do-Duque de Braganfa,
imprefa em Evora no-ano 1572. ) era fuficientemente informado,
do-Grego. Ajunto a eftes, o Bipo Jeronimo Ozorio, o qual nam
só aprendeo fóra de Portugal Latim bem, mas teve baftante no
t1C1a do-Grego , e Ebreo : e podia nomiar alguns outros , que

agora nam me-ocorrem. Doque fe-fegue, que naqueles tempos »


os metres
TOM. Portuguezes,
I. nam feguiam o parecer, que agora[2II)

vejº
122 VE-R DA DE IR O ME TO DO
tam comum , deque eflas linguas Orientais devam defprezar-fe.
Onde , com eftes exemplos, podiam muitos aplicar-fe, a coizas mais
utis à Republica . Eu apontei algum exemplo: Pode fer que ajam
muitos mais, e de linguas peregrinas: porque eu nam efcrevo ef
ta ifloria.
Seria tambem juto, que o efludante com o tempo, aprendê
fe Francez, ou Italiano , para poder ler as maravilhozas obras,
que nefas linguas fe-tem compofo , em todas as Ciencias ; de
que nam temos, tradufoens Latinas . Antigamente intendiam os
doutos, que era necefario faber Latim , para faber as Ciencias:
mas no-feculo Pafado, e nefte prezente, dezenganou-fe o mundo,
e fe-perfuadio, que as Ciencias fe-podem tratar, em todas as lín
guas. Parece-me que com muita razam : porque a maior dificul
dade das-Ciencias confifte, em ferem efcritas em Latim, lingua que
os rapazes nam intendem bem. Onde mam só fabem mal a mate
ria, mas o tempo que deviam empregar, em a-eftudar, ocupam em
perceber a lingua . Com ela advertencia, os Inglezes, Olandezes,
Francezes , Alemaens &c. comesáram a tratar todas as Ciencias,
em Vulgar . Efta oje é a moda. Os melhores livros acham-fe ef
critos, em Vulgar : e qualquer omem que faiba ler , pode intender
na prezente era, todas as Ciencias. Nam que ifto feja totalmente,
ideia nova: porque me-lembro, ter lido uma carta de Taulo Ma
nucio , efcrita a Diogo Hurtado de Mendonfa Embaixador Ceza
reo, dedicando-lhe os livros Filozoficos de Cicero; emque fe-diz,
que o maior impedimento das-Ciencias é , ferem tratadas em lin
guas efirangeiras, digo, Latina &c. O que o dito Manucio, com
toda a paixam que tinha à lingua Latina , nam dezaprova . De
forteque ja no-feculo 16° , emque o mundo comefou a abrir os
olhos, em muitas coizas, penfavam afim : o que porem fomente
fe-executou, neftes ultimos tempos. De certo tempo a efia parte º
os nofos Italianos comesáram a feguir, o metodo dos-Tranfmonta
nos. Comefou ifto, traduzindo os livros Inglezes, e Francezes:
defpois, pasáram a compor originalmente. Deforteque quem oje
quer ter, muitas noticias boas com facilidade, deve intender Fran
cez, ou Italiano. Efte efludo nam pede grande tempo , podendo
fervir-fe dos-livros Latinos, que tem a tradufam literal Franceza;
como fam o Terencio, e Oracio, de Madame D'Acier, e de um Je
zuita &c. E efles mefmos autores Latinos, fe-acham traduzidos em
verfo Italiano, defronte do-Latim, por-dois omens mui doutos de
Ita
D E E S T U D A R. 123
Italia , O Italiano é mais facil. Mas nam intenda V.P. que eu fou
tam inexoravel, que queira carregar os pobres rapazes, com tanto
pezo. nada aponto º que nam vife executar a muitos rapazes : e
pofo afirmar a V.P. que efles etudos, nam fam dificultozos em fi
mefmo: o mao metodo os-pinta dificultozos. Contudo nam obri
go: aponto fomente a utilidade. Quando o eftudante nam fe-ache,
com
Fico efte diffozifam
às ordens de V.º P.
podecomo
rezerválo para tempo
feu criado &c. mais defcanfado,

Q- 2 CAR
I24 V E R D A D E IR O M E TO DO

C A R T A Q U INTA.
Ifcorre-fe da-utilidade , e necefidade da-Retorica . Mao metodo
com que fe-trata em Portugal . Vicios dos-Pregadores : que
fam totalmente ignorantes de Retorica. Que ab/olutamente deve
deixar o antigo efiilo, quem quer faber Retorica.
INALMENTE é tempo, de pafar-mos à Reto
rica: para com ela completar os efludos, das
efcolas baixas. Sei que V.P. tem goto, de ou
vir-me falar dos-outros : e me-faz a merce nef>
ta fua dizer, que imprime as minhas cartas,
na memoria: mas fei tambem » que de todos
os efludos das-Umanidades , de nenhum tem
mais empenho, que da-Retorica. Pois fe bem
me-lembro das-nofás converfafoens, conheci entam em V. P. um
ardente dezejo , de me-ouvir falar nefa materia ; e de querer
inftruir-fe, dos-particulares etilos de Retorica , e muito princi
palmente dos-fermoens, de outros paizes: porque me-dife, que nam
lhe-agradava, o eftilo defle Reino: o qual muitas vezes feguira,
por-necefidade. Nefta carta direi brevemente, o que me ocorre,
fobre os defeitos, e tambem fobre o modo de os-evitar .
A Retorica naceo na Grecia, como todos os outros melho
res cludos : e de la fe-efpalhou, polas mais partes da-Europa. E
mais moderna, que a Gramatica: mas teve a mefima origem . Que
rendo os omens na Grecia, perfuadir aos Povos, varias coizas 3
foi necefario que obfervafem, como eles fe-perfuadiam ; e quais eram
os meios, comque fe-moviam, as paixoens do-animo . De que na
ceo eita arte, a que chamam Retorica: que é quazi tam antiga,
como a Filozofia; quero dizer , que comefou a florecer , defpois
da-metade do-quarto milenario . Agradou efla erudifam aos Ro
manos, que fe-reguláram polo mefmo metodo : e tanto fe-entre
gáram a ela , que, fe nam excederam aos Gregos, na ciencia;
fem->"duvida excederam-nos na aplicafam, e exercício : porque
Ver
na
D E E S T U D A R. I25

verdade chegáram a namorar-fe, da-fila galantaria, e utilidade. Dos


Romanos a-recebêram os outros Povos, e Nafoens : entre as quais
as que moftráram mais juizo, aplicáram-fe a ela com cuidado, po
los mefmos motivos .
E, na verdade, nam á coiza mais util, que a Retorica: mas
nam á alguma º que com mais negligencia fe-trate, nefte Reino. Se
V. P. obtervar , o que os metres enfinam nas efcolas , achará,
que é uma embrulhada, que nenhum omem , quanto mais rapaz,
pode intender . Primeiramente, enfinam a Retorica , em Latim.
Erro confideravel.: porque nada tem a Retorica, com o Latim:
fendoque os feus preceitos compreendem , e fe-exercitam em to
das as linguas. Daqui nace o primeiro dano, que é , que os ra
pazes nam a-intendem, porque ainda nam intendem Latim : e na
ce tambem o primeiro engano, que é , perfuadirem-fe os ditos ra
pazes, que, a Retorica só ferve, para as orafoens Latinas. Afim
me-refpondêram muitos, nam so rapazes, mas tambem facerdotes.
Do-que eu conclui, que faiem da-Retorica, como nela intráram:
e examinando as Retoricas, que eles aprendem , fiquei tambem
perfiladido , ferem elas tais , que nam podiam produzir , outro
fruto.
E, valha a verdade, nam só os rapazes que efludam , mas
nam fei fe os me{mos metres , vivem perfuadidos defla razam:
porque obfervo, que falando-lhe muito, em exemplos Latinos, nam
fe-fervem dos-vulgares, para moftrar o artificio da-Retorica . Co
mo fe os preceitos só fervifem , para compor Latim , e orafoens
eftudadas : ou como fe nas linguas vulgares , nos-difcurfos fami
liares, nam pudefem ter lugar, os preceitos da-Arte ! E com ifto
ficam novamente perfuadidos os efludantes , que só para orafoens
Latinas, ferve a Retorica. … .. .
Mas por-pouco que fe-examine, o que é Retorica, acharfeá,
que é Arte de perfuadir : e por confequencia, que é a unica coi
za , que fe-acha, e ferve no-comercio umano ; e a mais necefa
ria para ele. Onde quem diz, que só ferve para perfuadir na ca
deira º ou no-pulpito; conhece pouco, o que é Retorica. Confe
fo , que nos-pulpitos, e cadeiras faz a Retorica gala, de todas os
feus ornamentos: mas nam fe-limita neles : todo o lugar é tea
tro Para a Retorica . Nam agrada um livro , fe nam é efcrito
com arte : nam perfuade um difcurfo , fe nam é formado com
metodo º finalmente uma carta, uma refpofta , todo o exercício
-- da
126 VER DA DE IR O M E TO DO
da-lingua , necefita da-diretam da-Retorica . A me{ma Filozofia,
ferve-fe utilmente da-elegancia. A Teologia tem necefidade dela;
porque (como adverte um omem douto ) nam pode explicar as
verdades efpirituais, que fam o feu objeto , fenam veftindo-as de
palavras fentifiveis, com que as-Perfilada - A Lei, ou Civil , ou
Canonica , nam fe-pode difpenfar, da-Retorica . Como á-de orar
um Advogago , informar o Juiz , defender o Reo ; fe ele nam
fabe, em que lugar devem cflar as Provas» ou de que prova á-de
fervir-fe, para aclarar a verdade da-fua cauza , e excitar os afe
tos do-Juiz ? Como á-de compor uma efcritura, fe ele "nam fabe,
o metodo de a-tecer, de dilatar os argumentos, e fervir-fe das
fuas proprias razoens ?
O difcurfo de um omem defpido de todo o artificio , nam
pode menos, que fer um Cahos. Poderá ter boas razoens: exco
gitar provas mui fortes : mas fe as-nam-fabc difpor com ordem,
quem poderá intendêlo ? quem fe-perfuadirá delas ? A difpozifam
das-partes , dá nova alma ao todo : convida a conhecer as pro
porfoens : moftra a relafam e dependencia, que umas tem das-ou
tras : coloca na fua jufla proporfam , o que de outra forte nam
fe-poderia intender. Os diamantes, os rubis, e outras pedras pre
ciozas fam belas , e fervem de grande ornamento : mas fegundo
o lugar cm que eflam. Encafloadas com artificio, motram toda a .
fua galantaria , e dam novo luftre à mefma Prata, e oiro que as
rodeia ; e ornam muito as pefoas, que as-trazem : poítas porem
fem ordem em um monte, ou mifluradas com outras pedras, nam
parecem preciozas, mas ou pedras groteiras, ou criftais. Os afros,
que compoem a beleza do-Univerfo, nam tem em fime{mos, be
leza alguma : mas a proporfam os-faz viflozos. Quem vife a Lua
de perto, acharia um globo , fem diverfidade alguma defle ter
refle: o mefino digo, dos-outros planetas opacos. Quem exami
náfe de vizinho o Sol , nam veria mais, que uma fogueira : o
mefino digo, dos-outros igneos. Mas todos eftes vafos globos ,
poítos na fua juíta proporfam, fazem tal efeito, moftram tam
extraordinaria beleza 3 que é um famozo argumento , para ver,
a fuprema mam que os-criou . O Sol poto no-centro do-Univer
fo, fegundo a ipoteze ( que agora fuponho ) de Copernico , dá
luz aos mais planetas, alma ao Mundo, vigor à terra , utilidade
aos omens , c gloria ao feu criador r. Se fe-chegáfe mais vizin
ho a nós, queimaria tudo : e acabava-fe o Mundo. E eifaqui o
efeito, da-boa proporfam e ordem . Um
D E E S T U D A R.. 127
Um omem douto advertidamente chamou à Retorica, a Per
fpetiva da-raçam : porque na ordem inteletual faz o mefino, que
a Perípetiva , nas diflancias locais . Em uma taboa liza , ideia a
pintura um Palacio, com imenfa profundidade : e muitas vezes com
tal artificio , e tam femelhante ao natural , que fe-enganam os
olhos. Nam fam as cores que originam, efta delicioza equivoca
fam 3 porque com uma só cor , fe-confegue o mefino intento :
mas a difpozifam das-partes , o faber pór cada uma na fua jufla
diflancia, o faber-lhe dar as fombras, com proporfam da-arte, pro
duz efte maravilhozo efeito: e faz que eu veja, reconhefa , e ad
mire , o que de outra forte nam poderia ver . Efte mefino é o
cazo da-Retoriea. Ela tem forfa tal, que me-obriga a defcobrir,
o que eu de outra forte nam veria . Os materiais podem fer
fimplezes, as razoens mui fingelas ; mas a difpozifam delas fará
efeitos tais, que fem ela nam fe-confeguiriam. eu verei , e in
tenderei, o que fem ela nam é facil intender. Ora de tolta eta
doutrina fe-conclúe , a extenfam da-Retorica : porque fendo ela
a que dá alma, a todos os difcurfos; e novo pezo, a todas as ra
zoens; fica claro, que tem lugar em toda a parte , em que fe
arrezoa e difcorre .
Dirmeám , e ja mo-diferam alguns, que efte difcurfo é diri
gido, a introduzir um eflilo afetado nas converfafoens; e carregar
todos com o pezo, de falar por-tropos e figuras: nam proferir dif>
curfo, que nam feja fegundo as regras da-arte : cuja afetafam é
pior, que falar fem Retorica. Mas eta objefam é igualmente diflan
te, da-boa razam, que do-meu intento; e é unicamente fundada,
em nam faber, que coiza é Retorica . Permita-me V.P. que eu
mc-dilate alguma coiza, nefte particular, para explicar o que digo,
o que devo » e livrar a muita gente, defe prejuízo.
Os rapazes, que efludam neftes paizes , nam fabem nada de
Retorica º Porque lha-nam-enfinam : Os que fam adiantados , e
continuáram os efludos, fabem ainda menos; porque bebêram prin
cípios, tam contrarios à boa razam, que ficam impofibilitados, Pa
ra fe-emendarem. Em todo efte difcurfo proteto , que nam falo
daqueles omens, que com raro juizo, e fina critica fe-dezenganáram,
das-preocupafoens comuas, e foguem outra efirada: dos-quais eu co
nhefo alguns: falo fomente do-Comum, e falo fundado nas fuas obras:
nas quais fe-reconhece a verdade, de quanto digo. Eftam todos per
fuadidos, que a Eloquencia confite na afetañm, e fingularidade:
e, por
128 VER DA DE IR O M E TO DO
e, por-efta regra, querendo fer eloquentes, procuram de fer mui
afetados nas palavras, mui fingulares nas ideias , e mui fóra de
propozito nas aplicafoens . Tem V.P. mui... belo exemplo nos-fer
moens : que eu, para maior clareza, dividirei em varias efpecies ,
Encomenda-fe um fermam v.g. de Exequias, de um General.
O meu bom Pregador mofira aqui, tcdo o feu ingenho , e elo
quencia. Saie logo um texto da-Efcritura, para tema : e á-de fer
do-teflamento Velho, porque á-de fer profetico. No-fermam mof>
tra o Pregador , que eflava revelado, na cfcritura da-Antiga igre
ja , que aquele General avia fazer famozas afoens : e nam só
afoens in genere eroicas, mas efpecialmente eflava revelado , que
avia ganhar a batalha do-Canal, ou das-Linhas de Elvas. E ifto
eflava profetizado, com tanta individuafam, que nam fe-podia de
zejar mais. Depois , vai recolhendo as outras profecias, da-vida
daquele General. Moftra , que a batalha de Saul contra os Fili
fleos, era figura da-grande batalha , que o feu eroe ganhou. Se
fucedeo, que nefa batalha algum piquete º défe principio à afam;
fe era em partes montuozas ; nam deixa de obfervar , que tudo
ifo tinha ja fucedido a Jonatas, e ao feu efcudeiro : onde vem,
que até aquela circunflancia , eflava profetizada . Pafa adiante, e
comefa a levantar, e requintar penfamentos. Diz, que o feu eroe,
era maior que Saul, nam só de corpo, mas tambem de animo:
que era mais afortunado que David: mais prudente que Salamam:
E fe nam á logo um texto claro , com que fe-prove ifo , nam
falta um expozitor , que diga uma palavra , da-qual o Pregador
conclue manifeflamente, que o texto nam fe-pode intender, de ou
tra forte. •

Daqui pafa um pouco mais para baixo. Mofra, que Alexan


dre Magno, em fua comparafam , era um ridiculo : que o feu
eroe tinha um corafam, ao menos, como metade da-America: que
fez coizas, que a ninguem vieram à imaginafam : e que fomen
te a ele fe-pode aplicar o , Siluit terra in con/petiu ejus. Se tem
alguma noticia de-Ifloria, nam deixa de moftrar, que Julio Cezar º
Paulo Emilio, Quinto Fabio, Anibal, Pirro, &c. podiam fer feus
dicipulos . E outras coizas deflas , que fe o dito General fofe
vivo , e as-ouvife, nam podia deixar de envergonharfe, de tal pa
negirico . Ifio quanto ao afumto . Quanto à difpozifam: Defpois
de um grande exordio , e comumente improprio , divide o fer
mam em trez Pontos: raras vezes em dois : rarifimas conclue com
UlIT]
<=m=-

D E E S T U D A R - * I29

um só difcurfo. Promete moftrar em cada um , que o feu eroe


teve uma fingularidade, a maior do-mundo: o que tudo quer tirar, da
Sagrada efcritura. Pede a grafa, paraque Deus lhe-infpire, o que
deve dizer, em materia de tanta importancia : e profegue o fer
mam, na fórma dita .
Se pois as exequias fam de Molher , faie logo , o Mulierem
fortem quis inveniet? e nam a-tendo achado o Sabio, afirma ele;
que a gloria de achar efia mulher, etava rezervada à fua dili
gencia. E, aindaque a Senhora fofe Religioza , e de animo paci
fico; nam pode deixar de intrar, o fato de Judita; em que ele
moftra, que a dita Senhora é Judita: a fua efpada eram as dici
plinas, e cilicios: Olofernes era a figura do-mundo, que ela ma
tou, e protrou com facilidade, &c. Mas como na efcritura Anti
ga, á poucos exemplos de molheres eroicas, recorre logo à Nova,
e la vai bufcar , a Molher do-Dragam , e outras deflas figuras.
Finalmente, difcorre das-virtudes da-dita Senhora, polo eftilo das=
do-General.
Nam me-negará V.P. que efla é a pratica defle Reino: por
que lhe-moftrarei, muitos livros impreíos, em que fe-acham eftes
fermoens; e de omens que tiveram , e confervam grande fama -
Progunto agora: acha V.P. que ifo é pregar º que é faber dif>
correr ? que é fer eloquente ? Em primeiro lugar, o tema da-Eferi
tura, e as provas tiradas dela, fam erro de toda a confiderafam.
Efles Pregadores nam devem ter lido, o concilio de Trento (1), que
Proibe º uzar das-palavras fagradas, aplicadas a coiza profana : nam
devem faber, que é expretamente proibido, explicar a Efcritura,
fenam fegundo a expozifam, dos-SS.PP, da-Igreja. Concedo , que
um expozitor moderno, disèfe alguma propozifam, que fe-pudefe
aplicar ao afumto : por-ifo ei-de feguila? quantos detes expozito
res» nam, vemos todos os dias, que nam fabem o que dizem º que
TOM. I. OII]CII]

(1) Quia nonnulli Sacrarum feri tollendam bujufinodi irreverentiam,


pturar um verba & fententias, ad probibet S. Synodus, ne quifquam
profana queque detorquent ; ad quomodolibet verba feriptura Sa
/currilia, fcilicet, fabulo/a, va tre ad hºc, & fimilia audeat ufur
374 3 adulationes , detratiiones, fu pare: atque bujufmodi temerato
Perflitiones, impias é diabolicas res Óº violatores verbi Dei, juris
incantationes, divinationes, fôr o arbitrii panis per Epikopos
fºs » libellos etiam famofos : ad coerceantur. Trident. SeíS. I.
13o V E R DA DE IR O METO DO
omem prudente faz cazo, de femelhantes efcritores, que nam fun
dam a fua expozifam, na doutrina da-Igreja º Depois difo, quem
poderá defender aquelas provas; tiradas da-Efcritura ? Ou quer o
Pregador dizer , que os fatos da-Antiga igreja, eram figura do-feu
afumto; e efta é uma propozifam temeraria, por-nam lhe-dar outro
ncme; e contraria à comuna doutrina dos-Padres, e da-Igreja : ou
nam fe-perfüade diflo ; e nam fe-livra da-centura, fulminada por
muitos canones, por-abuzar imprudentemente, de palavras facrosan
tas. Porque eu nam acho , que femclhante aplicafam feja outra
coiza mais, que aplicar com grande irreverencia, umas palavras
fantas, a um fentido, para que nam foram proferidas : e a um
fentido indigno , profano, e falfo: que é o me{mo, que condena
o Concilio.
Refpondem alguns, que ifto quando muito prova, que a apli
cafam nam é boa ; por-fer de coiza fagrada, a uma profana : mas
nam prova, que no-fermam nam fe-obferváram , os preceitos da
Oratoria. Mas efia me{ma refofa mofira, que nam intendem, que
coiza é Retorica. Se a Retorica é arte de perfuadir, quem mais
fe-perfüadio com provas, que nam fazem ao cazo ? Que omem de
juizo á-de intender, que aquele General foi grande, porque Saul
o-foi tambem º que parenteíco tem uma coiza , com outra ? E co
mo a obrigafam daquele panegírifta feja, moftrar, e engrandecer,
as virtudes do-feu eroe; todas as provas que tirar da-Efcritura,
nam concluem para o feu intento. Conhefo, que alguma vez fe
pode alegar , um pafo da-Efcritura , dame{ma forte que fe-cita um
pafo, da-ifloria Profana : porque a ifloria da-Efcritura, tambem na
materia de Política enfina muito : mas nefie fentido nam fe-fer
vem, os Oradores defle Reino, como é coiza notoria: porem fim,
no-fentido de profecia . Se pois aquele pafo, nada faz ao cazo º
com que razam o-alega ? Pode-fe chamar Orador, um omem que
fe-funda em razoens, que nam conduzem, para o feu intento ? Te
mos ja , que a efecmem falta, a principal parte de Orador, que
é Inº entio: o faber bufcar razoens proprias, para o feu intento, e
que provem o que ele quer. Peca logo na aplicafam : e nifo mef>
mO Peca, contra a Retorica .
Suponha V.P. que da-outra parte eflava outro Orador, que
refordele aos argumentos. fuponha que o cazo fucedia no-Egito,
aonde antigamente fe-expunham os cadaveres, diante dos-juizes»
Para ferem julgados . Um publico acuzador, referia todos #*
Clº
D E E S T U D A R. I3 1
feitos , e refpondia aos louvores, que nam eram fundados. Se o
omem era de boa fama, dava-fe a fentenfa a feu favor, e enter
rava-fe com onra e panegírico , acompanhado de grandes louvo
res do-Povo : fe era condenado, privava-fe de fepultura, e a fua
memoria ficava abominavcl (1): Que coiza julga V.P. que diria o
nofo Pregador, nefle cazo º parece-me, que ficaria convencido de
falfidade , o Orador; e envergonhada á fama do-eroe, que ele nam
foubera defender.
Ora efmeuce V.P. as mais partes daquele fermam , e verá
quantas faltas de Retorica , ali fe-incontram. Que má difpozifam
dos-argumentos ! que arrafada confirmafam das-provas! Ifto é fu
pondo, que o pafo que ele cita , tenha alguma femelhanfa, com
o que quer provar . Mas nam ve V. P. quartas coizas os Pre
gadores inculcam , que de nenhum modo fe-feguem, do-texto ?
Efle é o fegundo ponto, que nam me-parece de pouco momento,
nefa materia : e ifto melhor fe-conhece, quando querem efquadri
nhar, as palavras dos-Profetas, ou dos-livros cientificos . Primeira
mente tomam umas palavras troncadas, ( que fe fofem inteiras,
cram contrarias ao afumto ) e delas deduzem o feu penfamento.
E que diz V.P. a efte modo de comentar º parece-me que ifto é
aquilo me{mo, a que, em bom Portuguez, fe-chama , impoflura:
porque é tirar penfamentos de um texto, que nam diz tal coiza .
Deípois, recorrem a um expozitor, ou S. Padre , o qual talvez
guiado do-furor do-feu zelo, ou com excefo retorico ; dife algu
ma propozifam , que , para nam fer erezia , é necefário tomála
muitos furos abaixo, do-que foa : no-que concordam todos os Cri
ticos, e Teologos. Aqui o meu Pregador » fem perder nem me
nos uma filaba , traduz a propozifam como fe-acha : e nela Le
vanta uma machina de paradoxos, com que pertende provar, coi
zas mui verdadeiras, e fezudas . Nam cito exemplos, porque falo
com V.P. que fabe mui bem, de quem eu falo . E averá quem
me-negue, que ifto é faltar à Retorica ? averá quem fe-atreva a
dizer, que ifto é faber elogiar ? Se os argumentos fam verdadei
ros, fempre fam fóra do-afumto : fe o-nam-fam, nam deixam de
fer impofturas : e nam fei qual deflas, é pior falta de Retorica.
Mas profigamos o exame , e vejamos o que fazem, nos-outros
afumtos.
R. 2 Saie

(1) Diodor. Sic. l.1. fêã.2.


132 v ER DA DE IR O MET o D o
Saie um fermam de asám de grafas a Deus, por-algum gran
de beneficio concedido à como faude, batalha &c. ou por-alguma
asám má cafligada, com gloria de Deus; como o roubo do-Sacra
mento em S.Engracia, Ato da-Fé &c. Intende V.P. que por-mu
darem de afumto, mudam de metodo º nam fenhor : e a pratica mof>
tra o contrario . O argumento dos-primeiros dois fermoens deve
fer, dar grafas a Deus , por-tam efpecial beneficio : e excitar a
piedade dos-Fieis, para que o-louvem, por-ete favor que fez. Ef.
te é o afumto: e a ele fim deve o Pregador dirigir, todos os
feus particulares argumentos. Mas ifo é o que ele nam faz . O
que ele cuida é, bufcar algum conceito futil, e fingular, com que
pofa dizer alguma novidade, e moftrar o feu, ingenho. Eu li um
fermam do *** que pertencia a uma defles clafes : em que o Pre
gador, por-querer dizer uma novidade teologica , dife uma ere
zia: que fomente o-mam-foi na fua boca, porque nam intendeo,
o que dife: aindaque tivefe baftantes anos, enfinado Teologia. La
achou porem um S.Padre moderno, que cuido fofe S. Bernardo,
que lhe-deo materia ao conceito. Mas a verdade é , que o dito
S. que frequentemente uza de iperboles, nam dife literalmente, o
que ele fupoz. Mas fofe o que fofe, o fermam teve mil aplau
zos, e impremio-fe com onra "*". Ja fe-fabc , que a faude ou
batalha, á de fer profetizada , na Efcritura do-Antigo teftamento,
ou polo menos do-Evangelho, e com finais mui particulares: por
que fegundo efles autores, nam á fermam fem tema fagrado, fe
ja o que for . Se o tema nam calfa bem, nam falta quem o ef
tenda: que efte é o comum refugio, de todos eftes fenhores.
Contou-me pefoa mui verdadeira, que, achando-fe em cer
ta Cidade defe Reino, fucedêra, que a molher de um tangedor
de rabeca, fazendo voto por-uma infermidade perigoza , quando
fe-vira livre , quizera agradecer ao Santo, o tal beneficio , com
uma fefta etrondoza, e com fermam . O dito amigo conhecia o
Pregador : e incontrando-fe com ele, dife-lhe : Que tema toma vo
sè º ao que ele refpondeo, Ja tenho efcolhido as palavras : Sur
ge » aftende Bethel 3 fac ibi altare &c. Reproguntou o meu ami
go? Que conexam tem ifo, com o que vosê quer dizer ? ao que
o Pregador refpondeo feriamente : O texto é otimo: porque que
Jacob era rabequifa, ifo provo eu logo, com dez expozitores. E
com efeito o fermam, faio femelhante à promefa.
Eu mefino affi uma vez a um fermam, de asám de grafas,
por
porque Deus concedera chuva , defpois de uma grande eflerilida
de . E necefario advertir, que fe-tinham feito varias procifoens,
com imagens milagrozas, femque Deus ouvife, os clamores do-Po
vo. Na ultima, leváram um Crifto com a cruz; e fucedeo, que
pouco defpois choveo alguma coiza . O meu Pregador , que ti
nha fama de grande letrado, prometeo mofirar no-fermam, que
a chuva nam podia vir, por-outro eftilo. E provou iflo, com a nu
vem de Elias: a qual afimque a pareceo, desfez-fe o ceo em tem
petades. Motrou pois, com dois expozitores modernos, que aque
la nuvem , era Crifto com a cruz às coftas . Faltavam algumas
circunflancias, entre as quais era, a da-tempetade feguida; que ca
nam tinha exemplo . Remediou o omem a ifto , prometendo em
pouco tempo, a tempeflade . (o que podia feguramente profeti
tizar; porque defois de uma grande elevafam de vapores, uma
vez que eftes comefam a mover-fe , é claro , que ám-de cair )
Sucedeo o cazo da-grande chuva : e o meu Pregador , alem da
fama de Orador , faio com a de Profeta 3 que lhe-frutou muito
bem. Os que fabiam pouco, etavam paímados, da-felicidade de in
genho do-omem : mas um dos-que eftavam no-confefo , e tinha
pezado bem o formam, falou-me em diferente maneira. E defles
fermoens, pudera eu citar infinitos .
Se o fermam é do-dezagravo do-Sacramento, ja fe fabe, que
fomente pregará bem, quem moftrar, que á textos exprefifimos,
em que fe-declara , que no-ano N. fendo Bifeo N. Mordomo da
fefla N. às tantas oras do-dia , avia fuceder a dita coiza . Mas
nam bafta iflo, é porem necefario, algum novo penfamento, que
comumente prova tudo o contrario, do-que quer perfuadir. E aqui
devem intrar, todas as outras circunflancias, que apontámos. Nam
fc-lembra o Pregador, que o afumto fempre é o me{mo: que é,
dar grafas a Deus, por-defcobrir, com altifima providencia, os fa
crilegos: e com ifo moftrar, a fua mifericordia, manfidam, e juf
aifa : e que efte afumto fempre fe-deve inculcar , variando uni
camente as palavras, com mais ou menos ingenho, fegundo o ca
bedal de quem fala . Nam adverte, que faria muito maior im
Prefám, pintar a atrocidade daquele delito, de uma parte ; e da
outra, as infinitas virtudes, que Deus quiz motrar, naquele caf
tigo. Nada difto lembra ao Pregador. o que emporta é, fubti
lizar bem. Mas o que dali fe-fegue é, fair o auditorio tam per
filadido, da-pouca capacidade do-Pregador, como pouco perfuadido,
do-que ele determinára perfuadir-lhe. E que
134 V E R DA DE IR O ME TO DO
E que nam diz um detes amigos, quando fe-lhe-encomenda um
fermam de Intrada, ou Profifam de Freira ! Aquele fermam na
da mais é, doque um panegírico da-eleifam , e perfeveranfa da
Freira, e outras boas qualidades , acompanhado de uma exorta
fam , para perfeverar na virtude . Ilto é o que deve dizer o
Pregador : mas ifto é o que nenhum diz . O que importa é,
motrar, que eta Freira era tanto do-agrado de Deus, que man
dou ao mundo um , ou muitos efcritores Sagrados, para lhe-com
porem a vida, muitos feculos antes de nacer . Um amigo meu teve
a incumbencia, de um defles fermoens: e logo lhe-advertiram, que
teria mui boa paga, fe acháfe na Efcritura, toda a vida da-Freira.
Ela era Dominicana, e mui devota do-Rozario: tinha fido Pupi
la alguns anos, no-dito Convento: o fermam era na oitava da-fef>
ta do-Rozario . Ele, que fomente queria um bom prezente, to
mou as palavras do-capitulo IV. do-Cantico: Veni de Libano fon
fa mea, veni de Libano, veni: coronaberis. Motrou, que a Frei
ra tivera tres efiados, de Pupila, Novifa, e Profefa : e que a ca
daum conrefpondia fua vocaíam , e feu veni , com que Deus
a-chamava, por-boca de Salamam . Que o Libano, reprezentava o
Mundo, donde Deus a-chamava para o Clauftro. Coronaberis, ex
plicava a Religiam , que é toda confâgrada ao Rozario: e que no
me{mo Rozario , que é uma coroa de rozas , achava o premio
da-fua eleifam, e obediencia . Acomodou novamente ifto ao Roza
rio , divedido em mifterios dolorozos, gozozos, e gloriozos; ca
da efpecie dos-quais conrefpondia, aos feus trez efiados : oqne ele
provou º com textos exprefifimos . Deforteque a concluzam do-ne
gocio foi º que todas as circunflancias da-vida da-Freira, eftavam
profetizadas com tanta clareza , por-Salamam 3 que qualquer cego
reconheceria, que aquele texto fomente falava, da-Senhora D. Fu
lana, filha de Fulano, moradora em tal parte, Freira em eflou
tra, &c. O que eu fei é , que toda efia metafizica frutou, cinco
moedas, e um bom prezente : e que as Freiras nam cabiam na
pele de contentes; E ifto fucede todos os dias: e alguma vez eu
o-tenho prezenciado, nefías feflas.
Se o fermam é do-Ato da-Fe, comumente declinam para dois
extremos: ou nam chegam a dizer, o que devem ; ou dizem mui
to mais, do-que nam devem. O Santo Oficio juflamente manda
pregar , àqueles omens penitenciados, para os-alumiar na fua ce
gueira : e ela é uma ideia facrofanta. Mas eu nam fei, fe os tais
Ju
- D E E S T U D A R. - 135
Judeos ficam perfuadidos: o que fei é , que os fermoens que eu
leio , Lam fam proprios» para os-perfuadir . Avemos afentar em
primeiro lugar nito, que efles Judeos Portuguezes, fam ignoran
tifimos difo me{mo , que querem profefar . Nam fabem mais,
fenam que o Sabado fe-deve guardar : e outras notícias gerais. de
lingua Ebraica nada fabem: mcnos de Caldaica: que fam as duas
linguas, em que cflam efcritos, os ritos e columes Judaicos. Ito
é fem duvida: e quem ouve os procefos, conhece claramente, qual
é a fua ignorancia nefle ponto - Quanto à ignorancia dos-ritos
Judaicos , nam é necefario alegar, teftemunhas Orientais, nem ir
bufcar os Rabinos, Maimonides , Jacob Baal-aturim , Jo/eph Caro
&c. bafia que V. P. leia o Sigonio , Menochio , Cuneo , Reimero,
Spencero, que efcrevêram eruditamente, de Republica Hebreorum :
ou algum dos-outros, que tratáram das-efcolas, e ritos, como Sel
dem, Godwwin &c. e ficará mui bem perfuadido , que eftes feus
Portuguezes , nam fabem que coiza é fer Judeo : e fam Judeos,
mais por-genio depravado, que por-erudifam.
Ifto fupoto , alguns Pregadores , como o Cranganor , para
moftrarcm a fua erudifam Rabinica , entram em certas materias
dificultozas, e procuram noticias mui particulares, tiradas dos-que
impugnáram os Rabinos 3 para mofirarem aos Judeos , o feu in
gano. Copeiam fielmente , toda a noticia que fe-lhe-oferece, na
tal materia : nam fem fe-inganar algumas vezes , como fucedeo
- ao dito Cranganor = que por-nam ter inteligencia, das-ditas lin
guas, nem da-iftoria Judaica, nem ter nunca aberto o Talmud ;
fervio-fe algumas vezes de argumentos , que tem mui boas ref
poflas . ( devemos confefar em obzequio da-verdade, que entre
os Ebreos ouveram fempre, omens mui doutos, que propuzeram
tais dificuldades fobre a Efcritura , que fazem füar muitos Cato
licos doutifimos , para lhe-refponder . onde fem exquizita eru
difam , é melhor nam tocar , femelhantes materias ) Finalmente
à forfa de ajuntarem notícias, em lugar de um fermam , fazem
um tratado Contra Judaos. O que digo, com boa paz do-dito Ar
cebispo, e feus apaixonados : porque nam quero diminuir-lhe a
cílimafam: mas fomente trazelo para exemplo, do-que aponto.
O que fe-fegue daqui é, que com todo efte trabalho, nem fazem
fermam , nem podem perfüadir, pois nam proporcionam as provas, ao
afümto. Porque inculcar erudifam Rabinica, a omens totalmente igno
rantes deflas materias, é manifeflamente zombardo-feu emprego , e
- do
135 VER DA DE IR O M E TO DO
do-auditorio : e tanto vale ifto , como fe lhe-pregafem em Per
fiano, ou difcorrefem em diferente materia . Alem difo, á gran
de diverfidade, entre uma difputa, e um fermam ; entre uma di
fertafam, e uma exortafam: e perde o feu tempo e a fua fama,
quem confunde eftes dois nomes, e o fignificado deles. Ora eif
aqui tem V. P. o que fazem eftes, com quererem dizer muito.
Os outros , que afima apontamos, feguirem diverfa eftrada,
nam fei fe os-chame, mais condenaveis. Eftes fam aqueles , que
querem pregar aos Judeos , polo etilo dos-outros fermoens, com
conceitos futis, e penfamentos exquizitos. E nam é necefario mui
to para intender , que fe os Catolicos Romanos, que efludamos
aquela doutrina, que eles inculcam ; os-nam-intendemos , e nos
dezagradam muito , que coiza fucederá, aos Judeos ? Ouve às ve
zes V. P. propor um afumto, que parece ao intento : fegue com
o penfamento, o Pregador no-feu difcurfo: e quando nam fe-pre
cata , efte o-dezempára , e infere uma confequencia tal , que
obriga a rir. Seguro a V. P. que , tendo lido alguma coiza nef>
ta materia , e tendo obfervado muito ; fomente nefte genero achei,
um fermam Portuguez, que fe-pudefe ler : aindaque tambem car
regava no-filogifmo, e intrava bem dentro na Metafizica : mas foi
o que vi menos mao .
Mas, colhamos as velas , parece a V. P. que efte modo de
pregar é louvavel, ou toleravel ? parece-lhe, que eftá fóra da-ju
rifdifam, de uma arrezoada critica ? O nam proporcionar as pro
vas ao auditorio , ou feja dizendo-lhe , o que eles nam chegam
a intender 3 ou falando-lhe com ideias , de que ninguem fe-pode
perfuadir 3 é erro da-primeira esfera. Temos outro modo de pre
gar, aos Ebreos idiotas, deixando de parte, toda a verdade efpe
culativa, e fervindo-fe unicamente, de exemplos fenfiveis: os quais,
bem difcorridos , produzem efeitos , que talvez fe-nam-alcanfam,
com erudifam mui exquizita .
De todos os argumentos , que fe-oferecem para perfuadir º a
extinfam da-Antiga igreja, deve o orador efcolher, os menos em
brulhados 3 e perfuadilos, com a forfã da-füa eloquencia . Nifo é
que confifte a arte, em dilatar os argumentos, que nam fam re
conditos . A vinda de Crifto ao mundo, é oje bem clara : e para
o-fer mais , é necefario ter cuidado, em difpor os-argumentos, e
fugir das-futilezas . Nam á verdade mais notoria, que a exifen
cia de um Deus: e é obtervafam dos-melhores Filozofos, e Teo
logos,
D E E S T U D A R. 37.
logos, que os antigos Padres para a-provarem , nam fe-ferviam
de futilezas inauditas: mas contentavam-fe com a prova mais tri
vial, que é, a exiftencia do-Mundo, e principalmente defe nofo
globo terrefle. Efta unica prova, bem explicada e efmeufada , con
venceo o intendimento umano muito mais , doque nam fizeram,
defpois do-undecimo feculo, todas as futilezas dos-Dialeticos : e
ainda oje os melhores Filozofos afentam, que só nela nam fe-acham
fofifinas. Ifto é ao que nós chamamos, faber conhecer o mereci
mento das-provas , e faber manejar a eloquencia . Mas os nofos
Pregadores, intendem o contrario : e só cuidam em procurar ideias,
que a ninguem tenham ocorrido : e por-ifo nacem aqueles ferº
moens , de que o mundo Literario fe-ri.
A outra efpecie de fermoens , em que com mais facilidade,
fe-dizem defropozitos, fam os Panegiricos de Santos. Efta efpe
cie compreende, muitas fortes de fermocns : nos-quais á infinitas
coizas , que condenar. Ouvirá V. P. coizas, que cauzam orror .
v.g. Devem pregar um fermam de S. Antonio : em que deviam
referir, as virtudes do-Santo : iluftrálas com o artificio da-Retorica;
para animar os fieis a imitálo . Mas ifto , que era a obrigafam
do-Panigirifa , parece coiza mui trivial, aos Pregadores mcder
nos . Julgariam que ficavam dezacreditados , fe-dizefem só ella
verdade . E necefario levantar machina : e fazer uma trepefa»
compofia de mil ridicularias . Dividem pois o fermam, nas-trez.
Partes folitas : em cada uma das-quais prometem provar coizas»
que nada tem de verofimel. v.g. Que S. Antonio nam foi omem,
mas anjo : e a efte feguem-fe outros pontos , dame{ma efpecie.
Concluem pois, que fe a Fé nam efludáfe cautelas , chegariam a
dizer, que fe equivocava com Deus. Eu tenho ouvido iflo, al
gumas vezes : e contou-me pefoa de muita autoridade , que ou
vira ele me{mo, em certa Cidade do-Reino , propor efles trez
Pontos: Que o Santo de que pregava, era grande omem : grande
anjo: e grande Deus. e que tudo ifto avia de fair, do-Evangelho.
E fegurou-me a dita pefôa, que, ouvindo iflo, faira da-igreja,
fem querer efperar polas provas: tam efcandalizado ficou !
. Lembra-me ao intento, o que efcreve um autor, mui acre
ditado em Portugal. Pregava ele de S. Antonio, com o cofluma
do tema, Vos efiis, lux mundi ; e querendo dizer alguma coiza
fingular, tirou efe afümto: = Que uma vez que S. Antonio na
ceo em Portugal, nam fora verdadeiro Portuguez, fe nam fora luk
TOM.I. S • • do
138, VER DA DE IR O ME TODO
do-mundo º porque o fer luz do-mundo nos-outros omens , é só pri
vilegio da-Grafa : nos-Portuguezes , é tambem obriga/am da-Natu
reça F - Pareceo-me argumento nam só fingular, mas inaudito, que
rer fazer que os Portuguezes, fofem Apotolos por-natureza: mui
to mais , porque fe o Pregador prováfe o que prometia , tam
longe eflava, de fazer ao Santo um Panegirico, que lhe-prepara
va uma Satira: e defmentia com as fuas provas , aquelas fingula
ridades , que queria defcobrir no-Santo : pois quando muito fe
diria, que pregava de todos os Portuguezes . Com etta opiniam
examinei as provas: as quais fe-reduziam a ifto. Que Crifto conf
tituira os Portuguezes , Apoftolos das-Nafoens efirangeiras: e que
afim o-prometêra, a El-Rei D. Afonfo I. e, como fe nam ouvê
fe, quem negáfe tal coiza , chama-lhe verdade autentica . A ifo
acrecenta, uma profecia de S. Tomé, ( nam fei em que archivo
a-achou ) que os Infieis fe-conquitariam na India, com as armas
de Portugal: nam com as de ferro, mas com as do-efcudo , que
fam as Quinas : as quais Crifto , diz ele, deu aos Portuguezes»
por-armas. E como S. Antonio era Portuguez , avia conquif
tar Infieis , como fez : e avia conquittálos com as Quinas *
que nam só de Portugal, mas tambem fam as armas, da minhº
Religiam .
Pareceo duro ao Pregador dizer, que os Indios fe-aviam con
quitar com as Quinas, e nam com as epadas: mas a iÍto º achou
ele genuina folufam, na faida que os Ebreos fizeram, do-Egito.
Pondéra, que , fendo-lhe proibidas as armas, diga a Vulgata, 1):
.Armati afcenderunt filii Ifrael de terra Aegypti = . Examina pois,
que armas eram eftas : e logo as-acha, no-original Ebreo º que
diz: A/cenderunt filii Ifrael quini, o quini = A fim, diz o Pre
gador , fairam os Ebreos com quinas 3 pois efas lhe-fervirám de *

armas, afcenderunt armati. Confirma ifto, com as cinco Pedras de


David, das-quais afirma, que eram as cinco chagas de Crifo º tiº
radas da-torrente do-feu fangue , com as quais derrubou o gi
gante . Efta é a virtude das quinas. Por-ifo S. Antonio feguio aº
bandeiras das-quinas, para móftrar que era Portuguez, derruban
do com elas, o Filifleo da-Erezia. Até aqui o Pregador.
Efta em fuftancia é a primeira prova do-dito fermam 3, nº
qual achará V. P. materia, para mil reflexoens. Deixo as iftoricas»
pois é bem claro, que fam mui ligeiras provas, para afirmar tal Para
doxo -
(1) Exodi XIII. 18.
D E E s T U D A R. 139
doxo . Efta aparifam ao Rei D. Afonfo : a redoma de vidro
cheia de olio, que veio do-Ceo a Clodoveo : e outras deflas coi
zas, que fe-acham nas iflorias , fam boas para divertir rapazes :
e os Críticos as-confervam todas, no-mesmo armario, em que guar
dam as penas da-Fenix. Mas nam pofo perdoar-lhe, a má inter
pretafam 2. e aplicafam do texto . Efte autor certamente nam leo
o texto Ebreo , ou fe o leo, nam o-chegou a intender : porque
o texre diz uma coiza , muito diferente, doque ele füpoem . E
verdade, que o texto Ebreo ferve-fe de uma palavra, (…) que em
Latim quer dizer , Quintati: come fe diferamos, de cinco em cin
co: mas efte modo de falar nam é proprio ; é translato , e de
duzido do-eftilo belico . Donde vem , que explicando os antigos
Ebreos, a dita exprefam » afentam-todos que quer fignificar, ar
mados. Só diverfificam, para explicar particularmente, a forfã da
dita palavra. Kimchi diz afim : Cingidos de armas, na quinta costa.
eutros explicam : Cingidos com cinco generos de armas. Sepharadi
verte : Quinque turmis afcenderunt, fub quatuor vexillis. Nam Moi
fes cum fenioribus Ifrael, in medio quatuor turmarum manebat. Alem
difo , todos os comens mais doutos na lingua Ebreia, expondo a .………
dita exprefam , defpois de porem o termo proprio e literal, que º
é Quintati, acrecentam, id eft, Accinti, Expediti: que é o mef> … -
mo que, Armati, Parati. Deforteque com grándifima advertencia
o tradutor da-Vulgata dife , Armati . B quer dizer o Ebreo * ……..
que os Ifraelitas fairam armados , e em fórma de batalha ; prom-\">.*
tos para acometerem, e fe-defenderem. E ifto é coiza certa, en- *:
tre os doutos . . .

O que fupofo , veja V.P. que parentefco tem ifto, com as


quinas. Alem difo , fuponhamos que verdadeiramente fe-devia in
tender , de cinco em cinco : que tiramos daqui para o intento ?
Poderia dizer o texto, que iam quini, o quini : mas nunca di
fe: ideº armati» quia quini & quini ; e é pefima Logica aquela,
que de duas coizas fem conexam, tira tal confequencia. Tambem
é falfo dizer , que os Ebreos fairam dezarmados : quando lemos
o contrario: pois nam só as batalhas que deram , mas as obras
que fizeram no-campo, motram bem, que nam só armas, mas to
da a forte de intrumentos, leváram do-Egito. Ja nam falo na apli
cafam da-profecia, a S. Antonio : pois fe S. Tomê falou das-In
dias , que tem ifo que fazer, com S. Antonio , que pregou na
… .. … S. 2 . •
- Eu
(-) = von
14ó V E R D A D E IR O ME TO DO
Europa ? Nam falo nas pedras de David, cuja aplicafam tem tan
ta proporfam, como á entre um , e cinco .
Iflo que unicamente difemos, bafta paraque V.P. intenda, o
conceito que fe-deve fazer , de femelhantes fermoens : os quais
nada mais fam, que um mero jogo de palavras , fem verdade,
nem verofimilidade alguma: e que fe-desfazem em vento, quando
fe-examinam de perto. Eu parei no-primeiio ponto : avia ainda
quatro que examinar: mas efes deixo eu, à fua confiderafam. Ora
intende V.P. que o Santo fica elogiado, com tal panegírico : que
o auditorio ficará perfuadido: que o Orador merece fer louvado,
por-tal fermam ? Sei a refpota que V.P. me-á-de dar , porque }
fabe dar às coizas, a fua jufla etimafam: mas nem todos fam do
feu parecer - e apoftarei eu , e V.P. nam mo-negará , que mais
gente efluda, Polo tal autor » doque pola Efcritura , e SS. Pa- -

dres. -

O mefmo autor em outra parte, devendo pregar de S. Bar


tolomeo , e fucedendo ifto em uma Cidade, em que fe-eftava pa
ra eleger » um grande Prelado, que nam tinha conexam com a fef>
ta; tomou por-tema etas palavras , de S. Lucas : Elegit duodecim
ex ipfis , quos cy Apofiolos nominavit : e em vez de pregar de
S. Bartolomeo , pregou das-obrigafoens das-eleifoens : fem dizer
em todo o corpo do-fermam , una só palavra de S. Bartolomeo =
No-ultimo paragrafo, lembrou-fe da-fua falta: e, para remediar o
cazo, diz mui fecamente, que tudo o que difera, fe-devia aplicar,
ao dito Santo. Porque fendo ele o fexto Apofiolo, eflava no me
io , que é o lugar de mais autoridade : E a razam diflo era º
porque conrepondendo ele à 6.º pedra da-nova Jeruzalem , que
era o Sardio; eta no-Racional de Âram, era a primeira: onde fi
. cava claro, que o fexto Apofolo, devia fer o primeiro. Acha no
va femelhanfa entre S. Bartolomeo , e o Sardio : porque efla º
fegundo Plinio, é de cor de carne viva : e confeguintemente , um
belo retrato de S. Bartolomeo, que ficou em carne viva , e fem
pele … E tornando das-peles vivas, às eleifoens , acaba o fermam,
damefima forte que o-comefou.
Progunto agora: que outra coiza avia ele dizer , fe pregáfe
das-eleifoens ? Nam ignora V.P. que os fermoens panegíricos, perten
cem ao genero demonfirativo, e quem jamais pode fofrer, que um Ora
dor » que deve elogiar Pedro, faláfe de Paulo ? Julga V.P. que fe
pode chamar jufla digrefam s nam falar uma palavra no-afumto º
- para
D E E S T U D A R. I41
para fê-meter em materia alheia ; e que por-titulo nenhum pera
tencia ao Pregador ? Mas examinemos efe pouco que diz, de S. Bar
tolomeo: eu nam acho ali coiza, que nam feja inverofimel. Aqui
lo de querer , que S. Bartolomco fofe criado Apofiolo na 6.a elei
fam, é falfo 3 porque tal nam diz o Evangelho . O que eu acho
no-Evangelho é º que Crifto, defpois do-jejum de 4o. dias, pafando
defronte de Joam, e dizendo efte: Ecce Agnus Dei: dois féus dici
pulos feguiram Criflo: um deles era André , que incontrando de
tarde, feu irmam Simam , o-conduzio a Crifto. No-dia feguinte Crif>
to chamou Filipe : e efle, incontrando Natanael, convidou-o para
feguir Criflo... Pouco defPois, tornando Crifto de Cafarnaum, tor
nou a chamar Simam, e André; que provavelmente fe-tinham apar
tado de Crifto, para exercitarem o feu oficio : e nunca mais fe
apartáram dele: e no-mefmo caminho chamou Jacob, e Joam. Se
pois Natanael é o mefmo que Bartolomeo, como alguns doutos
modernos (1) conjeturam , com muito fundamento ; em tal cazo
é o 4° eleito: ou o fegundo, fazendo outra contra. Se Natanael
é diferente de Bartolomeo, como diz S. Agoftino (2) , e Grego
rio Magno (3), nefte cazo devemos confefar, que nam fabemos,
quando foi chamado Bartolomeo. O certo é , que o Evangelho
nam explica , circunflancia alguma da-fua vocafam , e da-fua vi
da , com o nome, de Bartolomeo. Nem menos da-Itoria temos,
como morreo Bartolomeo ; avendo grande difearidade de parece
res: aindaque a mais comua é , que morrèfe esfolado. O motivo
que teve o Pregador foi, ver que em S.Lucas, defpois das-ditas
palavras , nomeia-fe em 6° lugar Bartolomeo : e afim intendeo,
que foram todos eleitos, naquela ocaziam. Um bocadinho que fou
bèfe mais de Iftoria, lhe-pouparia efte erro , tam centuravel em
um Teologo. Mas aindaque ifto afim fofe; nam batava para lhe
chamar, a 6 º eleifam, por-fer uma só : e muito menos deveria
efta circunflancia, dar materia a um fermam.
A outra coiza º que o 6° Apotolo fofe mais nobre, que o
primeiro , é uma ideia nova : o que só poderia intender-fe , fe
puzefe-mos os Apoftolos em linha, ou dobrafe-mos a linha em an
gulo . Defpois difo feguirfeia , nam que o 6° era mais nobre que
- • o pri

, (I) Rupert.in Johann, 1. =Toflat, , (2) Aug. in Johann. Homil. 7,


in Matth.X. = Janfen. = Alapide c% in Pf: 55.
Harm. in Johann. 1. cºrc. (3) In Job. XXXII. If : ;
I42 VER DA DE IR O M E TO DO
o primeiro: mas fim, que 63 e primeiro era o mefmo. E ja em
lugar de XII, que entam fe-nomeiam , fe-reduzem os Apofolos
a XI. Tambem aquilo de querer , que S. Bartolomeo feja major,
que S. Pedro, nam fei fe fe-Pode fofrer . Mas pior que tudo é o
cazo, da-pedra Sardio . Se efta, por-fer de cor de carne, fe-chama
carnerina, tanta femelhanfa tem com Bartolomeo , como com os
mais Apofiolos: porque todos eram de carne , e carne vivente.
Mas o nofo Pregador fundou-te na palavra, viva : que aplicada
à carne , fignifica em Portuguez , (mas nam na lingua de Plinio )
carne fem pele : e dai é que tirou o penfamento : que , como
afima dizia, fe-reduz, a um mero jogo de palavras. Efe é o cof
tume defes Pregadores: quando fe-examinam as fuas provas, com
fangue frio; nada mais fam, que um mero trocadilho de palavras,
fem verdade, nem ainda verofimilidade: fem a qual é certo, que
ninguem fe-pode perfuadir. Ora eu podia citar detes exemplos, a
milhares , e fem fair do-me{mo Pregador : mas é coiza enfado
nha, e tambem efcuzada , para quem , como V. P., tem tanta
pratica defles panegíricos .
Se o panegirico é de N. Senhora , parece a efles tais , que
nam á coiza, que nam feja licito dizer, em obzequio feu: Sem
advertirem, que a Santifima Virgem, fe-daria por-mais bem fervi
da , fem tais fermoens, com a fimplez relafam, das-fuas grandes
virtudes. O pior é , que á autores, que fomentam eftes fermoens,
com livros bem grandes compofios ao intento, a que chamam con
ceitos predicaveis. Os Efpanhoes abundam muito diflo: e ajuntam
uma infinidade de paradoxos, que cuidam provar, com algumas
exprefoens figuradas, que fe-acham nos-SS. Padres. Achei um Ef
panhol, chamado Bartolomeo de los Rios, que compoz um grofo vo
lume, todo tecido deflas iperboles. Ele prova, que N.Senhora é
meza do-Sacramento: é pam: é vinho: é Crifto em carne. final
mente diz tanta coiza infolita , que nam fei como puderam vir
à imaginafam, de um omem prudente. E tudo ifto tira de umas
iperboles, de S. Anfelmo, Bernardo, e alguns afceticos mais mo
dernos. Eftranho modo de provar ! fervir-fe das-figuras de que
uzáram os Padres, feparálas do-contexto, para provar uma pro
pozifam abfoluta. Se valèfe efla Logica, e Retorica, com as mef>
mas palavras da-Efcritura, fe-poderia provar muita coiza falfa, e ri
dicula. Nós temos em S.Joam, uma pelbole bem famoza. (1) Suns
- (1J/-

(1) XXI. 25. }


D E E S T U D A R. 143
autem c%" alia multa º que fecit Jefus : que fi feribantur per fin
gula, nec ipfumº arbitror, mundum capere poje eos, qui Jeriben
difunt, libros = . $#* daqui quizefe provar mui feriamente,
que uma livraria grande como o Mundo, nam compreenderia, to
das as afoens de Criflo» feria louco: porque todos os Padres in
tendem o texto, iperbolicamente : e a Efcritura abunda muito, def
tas exprefoens. O me{mo digo, das-exprefoens figuradas dos-Pa
dres. Comque, femelhantes autores fam a origem, de todos eftes
danos : porque os ignorantes , que nam fabem diftinguir o bran
co do-negro, fervem-fe de femelhantes livros, como de oraculos."
Mas, fem bufcar exemplos de longe, tornemos ao meu Pre
gador afima, e verá V.P. Provas bem eficazes, do-que lhe digo."
Pregava ele da-Afumfam da-Senhora, na igreja de N. S. da-Glo
ria; com o tema, Maria optimam partem elegit. Protefia em pri
meiro lugar, que nam lhe-agrada coiza alguma , do-que tem di
to os PP. e Expozitores todos : e que quer , coiza mais fina.
Os Padres o mais que diferam foi: Que Maria efcolheo a maior
gloria, entre todos os bemaventurados. o nofo Pregador parecen
dolhe, que ; dizendo aquilo, diziam uma bagatela 3 fobe de Pon
to, e diz: Que a comparafam de gloria a gloria, nam fe-deve fa
zer só, entre a gloria de Maria , e a gloria de todas as outras
criaturas umanas, e angelicas : fenam com a gloria do-me/mo Criador
delas , a quem Maria criou . A palavra optimam (continua ele )
a tudo fe-efende: porque fendo fuperlativa, poem as coizas no-fupre
mo lugar: do-qual fe-nam-exclue Deus, antes fe-inclue efêncialmen
te . Nefle tam remontado fentido pertendo provar , e mofirar oje,
que a gloria de Maria , comparada com a gloria do-mefino Deus ;
e fazendo da gloria de Deus, e da-gloria de Maria, duas partes 3
a melhor parte, é a de Maria = . Até aqui o Pregador .
Baftava a propozifam do-afumto , para provar o que digo:
mas pefo a V. P. um bocadinho de fofrimento, para ouvir a ex
Pozifam, e a primeira prova . Aindaque a gloria de Deus» (diz
ele ) é infinitamente maior, que a de Maria ; a melhor parte que
pode efcolher uma maen é, que a gloria de feu filho feja a maior.
Como Maria é maem de Deus, e Deus filho de Maria ; mais fe-glo
reia a Senhora, de que Jeu filho goze, efa infinidade de gloria, dº
que, Je a gozára em fi me/ma. É daqui fê-fegue , que confiderada
º gloria de Deus , e a gloria de Maria, em duas partes; porque 4
parte de Deus é a maxima; a parte de Maria é a otima =. Pofº
IO
144 VER DA DE IR O ME TO DO
to iflo, prova com Seneca, Ovidio , Plutarco, e Claudiano , que
os Filhos podem vencer os Pais, em beneficios, e em gloria : e
que ifto é, o que mais deve dezejar um Pai. De que conclue :
que fe entre a gloria de Deus, e de fita maen, fora a efcolha da
mefma Senhora, o que a Senhora avia e/colher para fi é, que feu
Filho a-excedèfe , e vencèfe na me/ma gloria 5 como verdadeiramen
te a-excede e vence = . Defpois difto produz alguns Padres, que,
efcrevendo a diverfas pefoas, dezejavam, que os Filhos deles ex
cedefem aos proprios Pais : traz outros exemplos da-Efcritura; e
conclue com uma prova teologica, que diz o contrario , do-que
ele quer provar. Efte o fermam em breve: no-qual nam á pou
co, que obtervar.
Primeiramente o afumto que tira é tal, que fe tivefe a in
felicidade, de o-provar direitamente, dizia uma erezia . cauza or
ror fomente ouvir propolo. A explicafam é pior , que o mefmo
afumto. N. Senhora nam podia efcolher uma coiza , emque nam
entra liberdade : como é , fer a gloria de um tal filho maior,
que a da maen: porque ifo era necefario. Teve a Senhora liber
dade para aceitar, ou nam aceitar, o fer maen de Crifo : mas
nada de liberdade, fobre a gloria. Na fupozifam impofivel, que à
Senhora defem a efcolher, o tomar para fi a gloria toda do-Fi
lho 3 ou contentar-fe de ter um filho, que a-tivefe afim; eu nam.
fei o que a Senhora diria: nem pertence ao Pregador, advinhálos
E verofimcl , que a Senhora nam deixaria de efcolher para fi,
uma gloria de tanta dignidade. Mas de fupozifoens impofiveis, que
omem prudente tirou jamais, confequencias abfolutas ? Fica - logo,
claro , que aqui nam ouveram, duas partes de gloria : entre as
quais a da-Maen fofe maior, que a do-Filho. E quanto a etas
futilezas metafizicas, nam provam, nem concluem coiza algumas.
quando fe-á-de perfuadir, alguma coiza verdadeira.
Quanto à prova teologica, é ela tal, que me-envergonho fai
fe da-boca, de quem eftudou Teologia. Propoem as palavras de
S. Paulo (1): Non rapinam arbitratus efi, fe efe a qualem Deo: fed.
Jemetipfum exinanivit , formam fervi accipiens, in fimilitudinem ho
minum fačius, Ó habitu inventus efi ut homo ... propter quod cº
Deus exaltavit illum; cºr dedit illi nomen, quod efi fupra omneno
men = . Daqui deduz , Que recebeo o Filho do-Pai, por-ver
dadeira e propria eleifam, o oficio e dignidade de Redemtor do
. . . . gºº e .
(o ad Philip II 6.
D E E S T U D "A R . I45
genero Umano , fazendo-fe juntamente omem : e com efla nova,
é inefavel dignidade, recebeo um nome fobre todo o nome, que
é o nome de Jezus : mais fublime e veneravel, polo que é, e po
lo que fignifica , que o mefmo nome de Deus : In nomine Jefu
omne genuflečiatur. Recebeo a poteftade judiciaria : Pater non ju
dicat quemquam : fed omne judicium dedit Filio . Recebeo o pri
meiro trono , entre as pefoas da-SS. Trindade : Dixit Dominus
IDomino meo , fede a dextris meis . Se pois o Padre podia tomar
tudo ifho para {i, porque o-nam-tomou todo º por-nenhuma outra
razam, fenam porque era filho.... intendendo, que quando fo
fem de feu filho, entam eram mais fuas : e que mais e melhor
as-gozava nele, que em fi me{mo = . Sam palavras do-Pregador.
Aplica ifto à Senhora, e conclue , Que por-ifo elegeo a melhor
parte : Maria optimam partem elegit. ".
Nam me-quero demorar muito nefte exame , porque feria
nunca acabar : direi fomente de pafagem , que o nofo Pregador
com todo efle difcurfo desfaz, quanto pertendêra moftrar. Con
cedamos-lhe tudo de barato , e que o Filho teve maior gloria
que o Pai . &c. progunto : ou daqui fe-fegue , que defa maior
gloria do-Filho , rezultou no-Pai maior gloria, doque tinha o
Filho , ou nam ? Se rezultou maior gloria 3 ficam definen
tidas todas as provas do-Pregador, com que quer moftrar , que
o Filho excede ao Pai, na-gloria. Se nam rezultou maior gloria;
nunca fe-pode dizer, que o Pai efcolheo meliorem, immo & opti
mam partem. paraque ferve pois toda aquela arenga , fe. nam á
de provar, o que quer ? De toda efia metafizica pois, com que
o Pregador enche o fermam , o que fe-fegue é º que fe-contra
diz a fi me{mo.
Mas quem poderá admetir, as provas do-Pregador, tomadas
literalmente, como ele as toma ? Em primeiro lugar é falfo, que
o Pai defe ao Filho, com propria eleifam fomente fua, a gran
deza de Redemtor : porque fendo a Encarnafam, obra ad extra,
como lhe-chamam os Teologos , todas as trez pefoas com uma
unica vontade, concorrèram para ela. E ifto nam fam Teologias
exquizitas : mas os primeiros elementos da-Fé . Polo contrario, o
nofo Pregador fupoem mui diftintamente , que o Pai tinha uma
vontade, e o Filho outra: porque fem efia fupozifam, nam cor
re, o argumento. E femelhante fupozifam, nam fei como os Qua
lificadores a-deixáram pafar . Em fegundo lugar é falfo , que º
TOM.I. T I]OITIC
146 VERDADEIRO ME TODO
nome de Jerus feia maior , que o nome de Deus. Aquele fupra
emne momen nam fe-intende, compreendendo o nome de Deus. E'
falfo, que o Pai abjudica/e de fi, a poteflade judiciaria. E falfo,
que o Filho tenha o primeiro trono, entre as pefoas da-SS,Trin
dade . Todos aqueles textos, fe-devem intender, com feu gram
de fal, fegundo a expozifam dos-antigos Santos, e doutrina da
Igreja. E falfo finalmente, que a gloria do-Filho, que lhe-rezul
ta da-redemfam, feja maior que a do-Pai. Ora tudo ifho era ne
cefario, que fofe verdade, paraque a paridade fofe boa, e Pro
váfe, o que o Pregador queria.
Alguns me-refpondêram ja , que as palavras dos-textos mof.
travam, o que o Pregador dizia: e que nos-fermoens nam fe-deve
procurar º rigor teologico. Efta é a cantilena comua, detes apai
xonados por-tais fermoens. A ifo ja refpondi varias vezes, e nef>
ta me{ma carta. O que dali fe-fegue é , que tais fermoens fam
trocadilhos de palavras: e que páram na fuperficie, fem profun
darem o fentido. Semelhantes nifto a outro feimam, que eu li,
em que o autor, para Provar a negrura da-Morte, trazia o texto:
Lanarum nigre nullum colorem imbihunt . como fe bafáfe alguma
femelhanfa de palavras , para provar Penfamentos graves ! Tam
bem é falfo dizer , que nos-fermoens nam fe-deve bufcar, rigor
teologico. Eu intendo por.efte nome, verdade teologica : e fupof
to ifto confiantemente defendo, que nenhum fermam fe-deve to
lerar entre Catolicos, que tenha propozifoens contrarias, à dita
verdade. As ampliafoens, as iperboles, as delicadezas, podem ter
lugar nas orafoens: mas devem fer de outra qualidade, que as que
aponto. Eu deixei o fermam quazi no-fim, em que avia outro
penfamento, bem galante: mas nam tenho tempo, para me-demorar
canto, com etas coizas. Do-que até aqui tenho dito, cuido fica
rá V.P. perfuadido, do-que afirmo, fe quizer ter o trabalho, de
ajuntar as minhas reflexoens, com a leitura do-tal fermam .***
Efta materia de Panegiricos é tam ampla , que feria necefa
rio um grande volume, para tocar levemente, o que lhe-perten
ce. Acham-fe porem outros panegíricos, que rigorozamente o-fam»
e eu confidero divedidos, em varias clafes. Compreende a primei
ra aqueles, que tratam de varias afoens de Crifo , como Man
dato, Sacramento, Refurrei/am, Acenjam &c. Aqui é onde os Pre
gadores lambicam o ingenho , para dizerem coizas mui fingula
res: e aqui é onde fe-moftra, a quinta efência de toda a futileza
Aque
D E E S T U D A R. 149
Aquele, cum dilexijet filos, in finem dilexit : tem-fe efpremido de
cantas maneiras, que eu ja nam fei , que coiza boa pode bo
tar de fi: e Pregador conhefo eu, que, aplicando o texto a mui
diferente afumto , em lugar de pregar de Crifo º Pregou de
fi. Nas provas porem concordam etes fermoens, com os an
tecedentes, com a unica diferenfa de mais , ou menos . Sobre
o da-Refurreifam, ja fe-fabe, que os melhores Pregadores dizem
fuas galantarias, e nam poucas parvoices, improprias daquele luº
gar, e da-materia que tratam: como tambem pouco decentes, a
qualquer outro lugar fezudo. Ajunto a efia, outra quinta, efecie
de fermoens, tambem panegiricos, que fam os louvores de algu
mas obras pias, como Publicafam do Jubileo, Obras de Mizerieor
dia, Procifoens &c. Efles ja fabemos, que fem profecia nam po
dem pafar: porque como ja dife a V. P. muitas vezes, ette é um
pecado nacional defes paizes, para o qual ainda até aqui, nam
ouve redemfam. Com o que afima dife dos-outros, pode-fe inten
derº, o que fe-deve dizer defles . o defeito é geral : e afim a
refpofta fempre é a mefma .
lanto aos fermoens das-Domingas de Quarefma, e Mifoens,
devo confefar º que tem menos defeitos, que os outros: porem
fempre confervam os efenciais. Tambem neles (de Quarefma) á fu
tilezas, afumtos impropriifimos, pefima difpozifam de provas, e ou
tras coizas deflas . O que verdadeiramente nam pofo fofrer é,
que efles feus Pregadores Portuguezes, procurem fingularizar-fe, com
efquipaticos afumtos, nos-me{mos fermoens da-Quarefma . O Prega
dor da-menhan , dizem que explica o Evangelho : o de tarde,
toma um afumto mais geral, que diltribue em finco Domingas,
fem fe-fugeitar ao Evangelho do-dia . Aqui pois move a compai
xam ouvir, o que alguns excogitam , e quanto trabalham para
defcobrir na Efcritura, um numero de cinco, que feja acomoda
vel, ao dito afumto . Uns, vam bufcar, as cinco pedras de David:
para atirar ao auditorio , uma feixada efpiritual cada Dominga .
Afumto improprio, e só coiza digna de um menino, que nam in
tende, o que é eloquencia: fendo certo, que dezemparam logo o
feixo, para falarem em outra materia. Outros, vam bufcar no
Cardial Ugo, que afeta fer moral, e mifteriozo , algumas pala
vras gerais, que pofam calfar às cinco Domingas. Tudo ifho fam
arengas : mas eftes ainda fam mais toleraveis . Os que eu nam
Pofo fofrer fam, os que, faindo Tfora2 do-numero de cinco #"
• C-º
»48 - VER DA DE IR O ME TO DO
fe-quererem fingularizar dos outros , tomam ideias mais impro
prias. Tal foi um Pregador de boa fama , que ouvi, o qual te
mou por-afumto, explicar o Racional de Aram, ou aquele pano
que trazia o Sumo Sacerdote dos-Ebreos , no-peito, em dias de
funfam , com doze pedras preciozas cravadas , em que eflavam
efculpidos, os nomes das-doze tribus. Efte titulo de fermam agra
dou muito, aos que tem o juizo nos-cotovelos, que fam os mais.
Concorri eu tambem » para ouvir o fermam, porque cazualmente
naquele dia, achava-me na dita Cidade: e como ja fe-falava mui
to nas tais Domingas, que foram pregadas em outra parte, fui
ouvir, que afumto tirava do-Racional: e como acomodava as do
ze pedras, com as cinco Domingas. Com efeito o meu bom Pre
gador, efcolheo entre as pedras, as-que lhe pareceram, e regeitou
as outras. Galante modo de explicar, o Racional de Aram ! Do
ferma m. nada digo , porque a coiza fala de fi. Saindo eu para
fora , incontrei um Religiozo da-Companhia meu amigo , e um
dos-omens de melhor juizo, que eu tenho cá viflo; o qual aper
tando-me a mam, me-dife: Amigo , o Racional é uma pete: o
Pobre Aram nam efperava, que o-tratafem tam mal: e concluio di
zendo , que tudo aquilo era uma parvoife.
Com efeito eu nam acho, que proporfam tenha uma coiza,
com outra : ou para que ei-de ir bufcar um titúlo , que nada
tem que fazer, com o fermam - Nam fei como eftes Pregadores
ingenhozos, nam tem bufcado, os cinco efcudos das-armas de Por
tugal , ou as cinco quinas: em que fe-podia dizer, muita coiza
boa. Nam fei como nam fe-tem apegado, às cinco torres de Lif>
boa, a de S.Giam , do-Bugio, de Belem, a Torre Velha, e o
Forte da-caza da-India : daqui podiam fair muitos tiros efpiri
tuais , e fe-podia dizer, muita coiza bonita. Nam fei como nam
explicam, os cinco dedos da-mam, e mil outras coizas, que fe
podem compreender, debaixo defla ideia de cinco .
Mas, a falar a verdade, tudo ifto fam rapaziadas : e os que
procuram eftes afumtos , nam fabem o feu oficio , nem de que
cor é º pregar . Eu intendo que o Pregador de tarde , deve ti
rar do-Evangelo , um afumto proprio para o auditorio . Nem
me-digam º que o de menham ja explicou o Evangelho. os que
afim falam º nam fabem que coiza é Efcritura . O me{mo Evan
gelho, pode dar infinitos afumtos. Nam é necefario, que todos fe
firvam das-me{mas palavras : podem-fe efcolher outras : procurar
• OS
D E E S T U D A R. " 149
os SS. Padres , e tirar um afumto proprio : para ifo fervem os
Expozitores. Na quinta Dominga de Quarefma, todos fe-fervem
das-palavras: Si Veritatem dico vobis &c e pregam da-Verdade em
geral. Um omem que eu conheci, pregando em um Convento de
Freiras , tomou as ultimas palavras : Tulerunt ergo lapides ut ja
cerent in eum. Jefus autem ab/condit fe , c2 exivit de templo. Da
qui tirou efte afümto: Que Crifto nefa asám quizera enfinar-nos,
com quanta diligencia devemos fugir , de profanar os Templos.
porque nam só fe-efcondeo Crifto : mas fugio . Com a primeira
asám , evitava a profanafam com a obra , impedindo a morte:
com o fair , evitava a profanafam com a intentam , fugindo da
prezenfa de omens; que ainda confervavam os dezejos, de o-pro
fanar. Acomodou ifto ao intento, motrando, quanto Deus abo
minava, a profanafam dos-Templos. Nam avia afumto mais proprio,
ao lugar: porque nam avia lugar mais profanado com afoens, e
intenfoens pecaminozas . Efte era um afumto novo : nam futil, e
ridiculo ; mas verdadeiro, e mui proprio : E ifho chama-fe pre
gar : o mais, é falar de alto . Quem tem ingenho , e leitura ,
pode tirar infinitos afumtos, do-mefmo Evangelho, acomodados ao
feu cazo . -

* Mas quando o Pregador nam quizefe, fervir-fe do-Evangelho,


pouco importaria : baftava que efcolhefe um Vicio , para o-con
denar, em cada Dominga, digo dos-que mais reinam naquela Ci
dade . Porque os fermoens de Quarefma, fam rigoroza mifam : e
fe-deve bufcar, argumento proprio para ifto. Quero ainda conce
der, que cada um defes cinco fermoens, deva ter relafam, com
os outros , e compor um corpo de doutrina : digo ainda nefte
cazo , que é facil a um omem de juizo , bufcar um argumento
natural, e folido, que fe-pofa divedir em cinco partes 3 para ex
Plicar cada parte, em fua tarde : Sem dizer ridicularias e futile
zas 3 mas coizas, verdadeiras, utis , e graves : e aplicando fem
pre o fermam, à necefidade do-auditorio. Efte é o defeito geral,
da-maior parte defles Pregadores , que comumente fe-fervem de
ideias gerais, que nam calfam bem ao auditorio ; e de que nam
fetira fruto algum. pois tam ridiculo é, falando a omens doutos,
querer-lhe explicar, as pefoas da-Trindade &c. como falando a pe
foas ignorantes, fervir-fe de ideias efpeculativas; ou, falando às
Freiras, pregar da-politica de Machiavelo, e aos Rufticos, do
Principium quo indivinis : da-Exifencia definitiva e circunferitiva
- - *. . 774
15o VER DA DE IR O M E TO DO
na Eucarifia &c. como eu ja ouvi a alguns pregadores, e me{-
tres . A ifo chama-fe, nam faber o decoro , quero dizer, nam
faber tratar a materia , nem aplicar os argumentos aos ouvintes:
coiza que condenam os Retoricos ( 1 ).
Tambem notei em certos Pregadores , alem dos-ditos , cer
tos defeitos, que nam fam de pequena confiderafam . Omens á,
que aplicam os fermoens , às fuas particulares intenfoens 3 e em
lugar de pregarem, do-que devem , pregam de si: E como o te
ma nam dá para iflo, dezempáram logo o afumto , para mete
rem outros peníamentos mui alheios : e querendo dizer tudo,
nam dizem coiza que valha . Alguns , defpedem-feno-fermam,
das-pefoas fuas conhecidas: * * * outros, fazem fatira aos Prela
dos , ou ao governo politico da-Cidade &c. ou º a pefoas parti
culares, ou aos feus me{mos ouvintes . E nefte ultimo ponto,
nam só caiem os ignorantes, mas pola maior parte, os de maior
doutrina , e prezumfam : e por ifo às vezes as provas, fam tam
arrafadas , que é uma piedade ouvilos . Eu quero conceder de
barato, que feja verdade o que dizem: mas nam é aquele o feu
lugar : e fempre tem promto o argumento: V. P. foi chamado pa
ra pregar difto , e nam daquilo . Efte nam é pequeno defeito de
Retorica : pois é alienar os animos dos-ouvintes : de que fe-fea
gue , nam fe-Poder obter a perfuazam.
Efles fam os defeitos mais gerais , mas comuns, de todos
eftes feus Pregadores. Dos-quais fe-conclue claramente, que lhes
falta a principal parte da-Retorica , que è a Invenfam : da-qual
falta nacem, todos os outros defeitos, que impedem o bom gofº
to da eloquencia « Criados defde a primeira mocidade, com aque
le pefimo etilo, de bufcar conceitos exquizitos, e divedir a ora
fam cm tantas partes , quantos eles fam ; perdem os melhores
argumentos, que lhe-dariam materia, para tecer uma orafam conti
Illl2º

(1) Eflautem quid deceat ora ef , aut fêntentiarum : fêmperque


tori videndum , non in fententiis in omni parte orationis, ut vitº »
folumº Jed etiam in verbis. Non quid deceat , efi confiderandum:
enim omnis fortuna, non omnis bo quod in re de qua agiturpofitum efi
nos º non omnis aučioritas , non & in perfonis eorum , qui dicunt »
omnis etas, nec vero locus, aut é? eorum , qui audiunt = . Cicer
tempus º aut auditor omnis, eodem Orat. num. 2 I. -

aut verborum genere tratiandus


D E E S T U D A R, IjI
nuada; que perfuadife o auditorio , e fofe digna de fé-ouvir :
Nam reprovo as divizoens, quando fam necefarias , e a materia
as-pede: reprovo fim muito, o acomodar a materia às divizoens,
para fazer a coflumada trepefa.
Defta falta, de nam_faber bufcar as provas, nace a fegunda,
e tam importante, da-Diff'ozifam. Pois nam tendo argumentos pro
prios, nam podem dif?olos cm maneira , que formem uma ora
fam unida: na qual o exordio, ou feja unido, ou feparado, for
me um perfeito corpo com o todo : e em que as partes obfer
vem, a fua juíta proporfam, e tal , que umas firvam de aclarar
as outras: e conduzam para o fim, de perfuadir o que fe-quer.
Defta mefma falta nace, a da-Locu/am : fendo certo, que quem
nam acha um argumento, acomodado ao que quer, mas vai buf
cando futilezas; nam incontra com palavras proprias, Para expre
mir um pentamento fezudo, e nobre : nem acha aquelas que
fam necefarias , para ornar com armonia os penfamentos ; defor
teque fafam uma orafam armonioza , e agradavel, fem fer afeta
da : o que nam tem pouca dificuldade (1) . De que vem , que co
mumente enchem o difcurfo, de mil tropos e figuras, fóra do-feu
lugar; que mottram, o pouco talento do-Pregador, e a ignorancia,
da-fua propria lingua . Nace daqui tambem , nam faber efcrever
uma carta, ou formar qualquer outro difcurfo, que pofa perfua-,
dir . Finalmente nace, o nam faber difcorrer com propriedade, em
materia alguma . Leia V. P. as cartas que fe-acham de Frei Pe
dro de Sá, e Frei Lucas de Santa Catarina , e outros femelhan
tes: leia os feus difcurfos: e verá, que cartas, orafoens, fermoens
&c. tudo é o mefino. Nam fe-acha mais, que equivocos, pala
vras fem fignificado , penfamentos invero{imeis , encarecimentos
inauditos, em uma palavra, uma lingua nova, que ferve para to
da a forte de afumtos , fem diftinfam . Os ignorantes gotam
muito difto » e copeiam efla forte de papeis, com todo o cuida
do , e acumulam quantos podem : mas os que verdadeiramente
intendem a materia , nam podem menos que rir-fe, de tais eferi
tos s dos-quais toda a alma criflan deve fugir, como contrarios,
à boa

(1) Atgue illud primum videa- nec.tamen fat operofe : nam efet
mas º quale fit, quod vel maxime cum infinitus, tum puerilis labor •
defiderar diligentiam, ut fiat quafi Cicer. Orat. num.44.
frutiura quedam » ( verborum)
152 V E R DA DE IR O M E TO DO
à boa eloquencia. A razam de tudo ifho é a me{ma: porque quem
bebe aquele eflilo, de futilezas, afetafoens, e fingularidades ; nam
fabe diflinguir os efilos, proprios des-diverfos argumentos , que
fe-lhe-oferecem : e afim nam fabe , nem pode fazer coiza boa ,
nem chegar a perfiladir ninguem.
E uma prova manifefla diflo , a infinita diflancia que eles
poem , , entre fermam funebre na Igreja , e orafam funebre na
Academia . Nefta nam á tema : comumente nam á divizam de
pontos : nam á textos da-Efcritura : á menos futilezas : e acha
fe um difcurfo continuado , ainda-que cheio de mil improprieda
des, e ridiculos encarecimentos : No-outro acha-fe tudo o contra
rio. De que provêm efla grande mudanta º eu o-direi: De nam
faber, o que é Retorica: porque os preceitos em ambas as par
tes, fam os mefmos. No-pulpito, pofo uzar de mais asám do-cor
po; e animar com a voz o difcurfo: na-academia recito com mais
brandura. Mas o papel em ambas as partes é o me{mo : e do
que fe-faz na academia , Podiam eles inferir, o que devem fazer
no-pulpito .
Porem aqui me-parece, que oufo dizer a V. P. que ja que
apontei os defeitos , aponte o modo de os-emendar . Mas ifto;
P. muito reverendo, nam é negocio que fe-pofa fazer, com tanta
brevidade , pois pederia um tratado inteiro. O que tenho dito,
bafava para um omem de juizo : e a lifam dos-bons autores º com
pletaria tudo . Contudoifo , para obedecer a V. P. nam deixarei
de fazer alguma reflexam , adquerida parte com a lifam dos-ou
tros , parte com a minha propria experiencia , e reflexam : as
quais V. P. aplicará, aos cazos particulares . Mas como ifo pede
mais tempo , quero rezerválo para outra carta : e acabo efla»
com&c.pedir a V. P. , me-conferve na fila grafa . Deus guar
de • - •

CAR
* D E E S T U D A R. | 1 53

C A R T A SE XT A.
ontinua-fº a mefina materia da-Retorica: Fazem fe algumas refie
xoens, fobre o que é verdadeira Retorica, e origem dela - Que
coiza fejam figuras , e como devemos 4xar delas . Diverfidade
dos-efilos, e modo de os-praticar : e vicios dos-que os-nam-ad
mitem, e praticam. Qual feia o metodo de perfiladir . Qual o
metodo dos-panegiricos, e outros fermoens. Como fe-deve enfinar
Retorica
fobre as aos
obrasrapazes, e ainda Vieira.
do-P. Antonio aos mefres . Algumas reflexoens,

-
-->==
======#====
*#r======
—====== === = AM intenda V. P. que ci-de faltar à promefa:
pois nam só com promtidam , mas com mui
to gofto executarei nefa carta, o que prometi
na ultima : e direi o como fe-devem intender,
as coizas que dife, para emendar os defeitos,
que neftes Retoricos vulgares s” incontram : e
que eu apontei na carta pafada . Digo pois »
º que o primeiro, e mais importante ponto que
deve advertir , quem quer formar , o bom goflo literario , é,
fugir totalmente detas Retoricas comuas, nam só manufcritas,
mas tambem imprefas. Eftou perfuadido, que elas fêm a primei
ra ruina dos-efludos : porque infpiram mui maos principios , e
nam enfinam o que devem . Oufo louvar muito neftes paizes, o
Candidatus Rhetoricae do-P. Pomei , o Ariadne Rhetorum do=Juglar
&c. e meflres conhefo eu , que nam tem mais noticia da-Reto
rica º que a que dá o dito livro, ou outro femelhante. Ifto po
rem é mera iluzam : porque para nam faber nada , nam á me
lhores livros, que os ditos. Efes, e outros tais autores, fazem uma
enumerafam das-partes da-Retorica, mui feca e defcarnada , pro
Poem mil quefoens , e nam rezolvem nenhuma bem ... todo o
livro confifte cm divizoens , c fubdivizoens, que enfadam antes
ºes intenderem. Mas o pior é, quando enfinam a fervir-fe, dos
lugares Retoricos : quando mofiram
V os diverfos modos , de am
pliar
• •

+ •A+



154. V E R DA DE IR O M E TO DO"
pliar um argumento : dizem mil coizas inutis, e que mais facil
mente s' aprendem, lendo os bons autores, que efludando as tais.
obfervafoens . " - - - |-

Efte em carne é o defeito, em que caiem os Logicos Peri


pateticos, quando fe-dilatam, muito, fobre a fárma filogifica , e
ponte dos-afnos : defpois de dizerem muito º fam. obrigados a re
conhecer, que nada, daquilo ferve … para coiza alguma: e que na
pratica do-argumentar , nam só fam inutis, º mas até impofiveis
as tais regras. Nam achei até aqui Peripatetico algum, que, de
vendo em algum ato publico, provar de repente alguma propozi
fam , que lhe-duvidafem ; fe-fervife de tal metodo : nem menos.
achei omem algum, que, fenam intendeo, e etudou bem a ma
teria, que á-de tratar ; fervindo-fe unicamente dos-lugares Reto
ricos , fizefè coiza capaz . Chama-fé. Perder inutilmente o feu
tempo, querer enfinar todas aquelas arengas : das-quais unicamen
te rezulta, a defyanecida opiniam de uma ciencia, que nam tem.
Os rapazes que efludáram aquilo, perfiladem-fe, que fam. Reto
ricos da-primeira esfera: que podem » com a ajuda de quatro adje
tivos e finonimos, e quatro defcrifoens afetadifimas, arengar de
repente , em qualquer materia - Intendem, que nam á orafam, que
nam obferve a difeozifam » que eles lem na fua Retorica . jul
gam, que nam á difcurfo oratorio, femtodas aquelas mexerofadas.
Finalmente, como nam lhe-explicam , o verdadeiro uzo, da-Reto
rica, e artificio da-verdadeira eloquencia 3 perfuadem-fe, que só
nos-difcurfos academicos, tem ela lugar. De que nace, que def
pois de perderem bem tempo nas efcolas, a que chamam de Re
torica, ficam totalmente ignorantes dela -
Iflo. fupoto, é necefario deterrar uma, e admetir outra for
te de Retorica. Ja afentamos, que a Retorica deve fer em Por
tuguez, para os que nacèram em Portugal : porque afim s” inten
dem os preceitos : e na fua me{ma lingua fe-motram, os exem
plos. Nam avemos de carregar os rapazes, com dois pezos : in
tender a lingua, e intender a Retorica : tambem nam avemos fin
gir os Omens, como nam fam; imaginando rapazes mui agudos,
e effertos. Tudo ifto é iluzam. Os rapazes fam de diverfas ca
pacidades : e muitos fam rudes . comumente aprendem Retorica,
quando ainda nam intendem bem Latim. E afim, é necefario fa
lar-lhe em Portuguez: muito mais , porque ou queiram fer Pre
gadores» ou Advogados, ou lítoricos &c. tudo ifto fe-faz cá em
Por
D E E S T U D A R. I j;
Portuguez : e é loucura enfinar em Latim uma coiza , que pola
maior parte, fe á-de executar , em Vulgar. Efla é a primeira re
grado-Metodo, facilitar a inteligencia. Nam tenho até aqui vif
to, (pode fer que aja) Retorica Portugueza imprefa . Certo fu
geito moltrou-me á tempos, alguns apontamentos que fizera : mas
nam mereciam o nome de Retorica , tenho viflo varios livros de
conceitos : mas nam era coiza, que merecêfe ler-fe. Sei porem »
que atualmente fe-copeia, uma Retorica Portugueza, que me-pa
rece propria para formar, o bom gofto da-Eloquencia . Um ami
go meu mui particular a-compoz, para uzo feu. pedio-me noticia,
dos-melhores autores nefta materia : e deles copiou , o que con
conduzia, para o feu intento. uzou comigo a amizade, de con
fultar-me na difpozifam dela. teve a moderafam de ouvir, e nam
defprezar , as minhas reflexoens . cuido que felizmente confeguio,
o feu intento : devo fazer efia jufifa, à fua grande capacidade .
Nam fei , fe a-determina divulgar: o que fe puder fer, procu
rarei de a-comunicar a V. P. feguro, de que nam lhe-dezagrada
rá. Mas, tornando ao fio das-minhas reflexoens:
. Ja dife ao principio, que fendo a Retorica, arte de perfüa
dir, tinha lugar em todo o difcurfo, que feja proferido com efle
fim. Doque fe-fegue, que a Retorica tem tanta extenfam , quan
ta qualquer lingua: o que muitos nam intendem , ainda dos-que
lem as Retoricas. Parece paradoxo a muitos, detes enfarinhados
nos-eftudos, dizer-fe, que n'uma carta , que é efcrita com eftilo
fimplez; n'uma Poezia , na Iftoria , e n um difcurfo familiar
&c. deve ter lugar a Retorica . E ifto provêm de intenderem ,
que a Retorica confifte , em figuras mui dezuzadas, tropos mui
eftudados &c, e afim parece-lhe, que nam fe-caza uma coiza com
outra. Masque
heceriam, por-pouco que efles
tudo fe-deve tais,
tomar examinafcm
, em a materia 5 con
diverfo fentido. •

Nam á lingua nefte mundo, tam fecunda de palavras , que


pofa expremir, todas as ideias do-intendimento: A fecundidade que
tem a mente, em formar conceitos, e a facilidade com que de uma
mefma coiza , fórma infinitas ideias, é tal; que pode empobrecer,
todas as linguas do-mundo. Seriam necefarias muitas palavras, pa
ra um omem poder dizer fofrivelmente, o que intende. Mas ifto
pediria tempo infinito, e o comercio umano fe-faria infoportavel.
Conheceram os Omens muito bem ifto, e cuidáram em lhe-pór o
remedio . Daqui naceo a necefidade de fervir-fe , de …………
V 2. O
136 V E R DA DE IR O ME TO DO
do de expremir, que , aindaque nam diga tudo , excite diverfas
ideias no-intendimento , e poupe o trabalho, de proferir muitas
palavras . A experiencia moftrou , que as nofas ideias tem uma
certa uniam, com que mutuamente fe-ajudam: proferida uma das
quais , todas as outras fe-aprezentam . Ifto afim poto, os Omens
fouberam aproveitar-fe, defla experiencia ; e comesáram a fervir-fe
de um nome por-outro, para poder excitar a ideia, do-que que
riam . Um nome que fignificava uma coiza , aplicou-fe para fi
gnificar outra 3 e fe-tranfportou da-fila fignificafam propria para
outra , por-cauza de certo refpeito, ou relasám , ou ordem , ou
nexo, que uma coiza tem com outra . A ifo chamáram Tropo,
palavra Grega, que fignifica tran/pozifam: e etcs modos de falar,
chamáram-fe Figuras: as quais podem fer infinitas: mas os Reto
ricos as-reduziram a pequeno numero, contando as mais uzuais:
e deflas fe-faz memoria, nas comuas Retoricas, com diverfos no
IIICS » •

Efes Tropos , Metaforas , ou Metonimias , que fignificam o


mefino, tem grande uzo, e fam necefarias em todas as linguas,
e ornam muito : nam só porque encurtam o difcurfo , e fazem
mais gotoza a converfafam 5 mas tambem porque exprimem me
lhor , o que fe-quer dizer, doque outras palavras . Diz mais às
vezes, uma só metafora, que um longo difcurfo : e com uma só
palavra, é mais bem intendido um omem, doque com a fecundida
de de infinitas . Quem ouve dizer , que Alexandre era um raio
da-guerra ; a ideia do-raio , que é uma coiza fenfivel , exprime
bem o grande poder, com que efte omem fugeitava tudo : a velo
cidade das-fuas conquifas : o cco das-füas vitorias ; que atroava
tudo, e ainda as mais remotas Nafoens. Efte jutamente é o ca
rater de Alexandre : como ja a Efcritura tinha delineado . Uma
só ideia excita mil outras, ao intento. E como os Omens eflam
acoflumados, a etas imagens fenfiveis; os tropos que delas fe de
duzem, valem infinito. Apenas o comum dos-Omens pode inten
der, e julgar de outra forte. • •

Sam boas, afim é: mas o uzo é que as-faz racionaveis : que


ro dizer , que fe-devem uzar em tempo, e lugar proprio , c quan
do o difcurfo o-pede. O que nam advertindo os ignorantes, fer
vem-fe pouco fabiamente das-Figuras; e com muito efludo, falam
bem mal. Nam á maior beleza em uma cara, que os olhos: mas
fe um roto nacêfe com mais de dois ; fe chegáfe a ter meia du

Zla»
D E E S T U D A R: . 157
zia, feria um montro. Deve aver figuras : mas á-de aver pro
porfam, cleifam, difpozifam: ou feja no-difcurfo familiar, ou na
ifloria , ou na Cadeira. Ele é o grande fegredo do-falar bem :
o qual como muitos , fegundo adverti, nam chegam a penetrar,
quando ouvem falar em Tropos, tremem de pés e cabefa : e per
fiadem-fe, que é algum enima fingularifimo º rezervado para algum
ato publico, ou coiza femelhante. ••

Como as palavras fam as que fignificam, o que paía dentro


d'alma, ouve necelidade de Procurar palavras, para expremir, nam
só o que a alma conhece, mas tambem o que quer; ao que cha
mamos, afetos da-alma, ou paixoens. O Omem nem fempre fe-acha,
na mefima difeozifam de animo: mas efporiado de alguma coiza, fã
ie fóra de fi, e entam fala de outra maneira, mui diferente. As
exprefoens com que fe declara illo, fe-chamam Figuras; com a di
ferenfa, que os Tropos fam figuras das-vozes : e eflas que aqui
digo, fam figuras do-animo. E incrivel, a diverfidade deflas vo
zes do-animo . Um omem agitado, nam só no-exterior do-rofto,
moftra a fua perturbafam, mas tambem no-modo do-feu difcurfo.
As paixoens violentas , alteram a bela armonia dos-umores : en
grofam os objetos : impedem que a alma de a devida atentam,
ao que julga : no-me{mo inflante a-tranfportam, de uma coiza pa
ra outra: fam como o mar alterado, que joga a pela com um na
vio . Onde, agitadas com tanta confuzam, as fibras do-cerebro, a
alma , que em virtude daquela armonioza dependencia, que efla
bleceo Deus entre ela e o corpo 3 deve conhecer todas as imagens,
que elas lhe-prezentam ; nam tem , fe me-é licito explicar afim,
repouzo algum . A alma agitada, imprime novo movimento nas
fibras, e eflas na machina : de que nacem as palavras : com as
quais dando-fe dezafogo à ira, que moveo a machina, fe-dá tam
bem repouzo, à alma. - - -

Sendo pois as nofas palavras, confequencias dos-movimentos


d'alma» e conrefpondendo perfeitamente, aos nofos penfamentos;
é claro , que o difcurfo de um omem, que eflá fumamente agitado,
deve fer dezigual . Algumas vezes parece efle omem difuzo , e
fórma uma exata pintura, das-coizas que fam objeto, da-fua pai
xam: e cuidando que o-nam-intendem bem, repete a mefma coi
za, em cem diferentes maneiras. Algumas vezes interrompe o dif
ºurº, e fêPára as palavras umas das-outras, dizendo de uma só.
vez º bailantes coizas. Muitas vezes vareia o difcurfo, com mil
Pro
158 VER DA DE IR O - M E TO DO
Proguntas, com exclamafoens, com frequentifimas digrefoens. Fi
nalmente um difcurfo defles vareia-fe, com infinitos modos de fa
lar : os quais modos fam tam proprios, daquelas paixoens d’onde
nacem, que, ouvindo-os proferir, fica um omem formando, jufta
ideia da-paixam. Eftas pois fam as tanto celebres Figuras do-animos
as quais nenhuma outra coiza fam mais, que modos de falar par
ticulares, e diferentes dos-modos de falar natural e uzual.
Eftas Figuras, que fam as naturais Pinturas das-paixoens, fam
fumamente utis, e necefarias no-comercio umano. Um pintor fa
mozo , ( dife um grande Retorico , de quem eu aqui figo as
pizadas ) que quer delinear um painel ifloriado , nam só pin
ta as figuras, que devem intrar no-quadro ; mas procura, que
cada uma efteja naquele ato , que exprima , o paraque ele ali
a-poem: nem só iflo, mas até no-rofto lhe-pinta, aqueles aciden
tes, que denotam a paixam, de que fam produzidos. Explico-me
melhor. Um omem agitado, e alterado com a colera, nam tem
o rofto fereno ; mas fica palido : abre uns olhos , que parecem
cheios de fogo : carrega a vizeira: finalmente moftra no-rofto mil
acidentes, que fam os carateres da-Colera. Ifto pois é o que pro
cura imitar, o pintor : e fe chega a imitálo bem , só efle é o
bom pintor . O Retorico nam tem cores, com que imitar a na
tureza, como o pintor: mas tem palavras, para imitar aquelas,
que profere um omem dominado da-paixam, que ele quer perfua
dir: e como efas paixoens tenham, diferentes carateres 3 é nece
fario que fe-firva de diferentes Figuras, para as-expremir (1).
Alem

(1) Sicigitur dicet, ut propo- muniat : utin eo ip/0, in quo re


nat quid ditiurus fit : ut cum tran- prehendatur, culpam in adver/a-
fºgerit jam aliquid, definiat : ut rium conferat . Ut frpe cum his»
fe p/e revocet : ut quod dixit ite- qui audiunt , nonnunquam etiam
ret : ut argumentum ratione con cum adverfario quafi deliberet: um
cludat : ut interrogando urgeat : ut hominum fermones more/que deferi
rurfus quafi ad interrogata fibi ipfe bat : ut muta quedam loquentia in
re/pondeat : ut contra, ac dicat, ducat : ut ab eo quod agitur aver
accipi & fentiri velit: ut addubitet tat animos : utfap e in hilaritatem
quid potius aut quomodo dicat : ut rifumye convertat : ut ante occuper
dividat in partes : ut aliquid re quod videat opponi: ut compares
linquat ac negligat ; ut ante pre fimilitudines; ut utatur exemplis =
J{#

D E E S T U D A R. I 59.
Alem diflo, ninguem pode perfiladir outro, fem que excite
nele aquela paixam, que lhe quer períuadir: porque as paixoens
fam os inftrumentos; e , para me-fervir de uma exprefam filo
zofica, as machinas que abalam a alma, e a-inclinam para onde
querem. Ora para excitar etas, paixoens nos-outros, é necefario,
que um amem fe-moftre dominado, da-me{ma paixam: (1) porque,
fupota aquela particular difpozifam, e femelhanfa dos nofos cor
pos, deixamo-nos perfuadir daquela Paixam, que vemos nos-ou
tros: dos-mefmos fentimentos: dos-mefmos afetos: fenam fe-acha
algum obtaculo, que empefa o curfo da-natureza. Naturalmente
inclinamos a ter compaixam, de uma pefôa , que moftra efiar fu
mamente aflita: rimos quando nos-achamos, em um grande diver
timento dos-fêntidos. Polo contrario, nam choramos, nem mof
tramos compaixam » de uma pefoa que ri , aindaque verdadeira
mente feja miferavel. E necefario ter um animo mui nobre, para
fe-veflir dos-fentimentos, e necefidades dos-outros, femque lhas-ex
ponham. Nam obram os Omens comumente afim : obram porem
afim , quando recebem o movimento, do-impulfo das-paixoens -
Efta é a fimpatia das-paixoens: (fe acazo tal voz, fignifica coiza
alguma ) e daqui fe-motra bem , a necefidade das-Figuras, para
efeito de perfuadir . -

Namme-canfarei, em dar o numero das-Figuras, e explicar


o que fignificam, e quando feuza delas. Diflo. abundam muito,
as Retoricas ordinarias: aindaque fam poucas, que o-expliquem de
um modo, que fe-pofa, perceber . As Figuras fam infinitas : mas
as Retoricos reduzem-nas, a umas certas regras gerais, e mais co
muas. Direi fomente, que eftas. Figuras, fam as verdadeiras ar
II]2S•

uraliud alii tribuens difertiat : ut vitarem fires petet : fepe etiam res
interpellatorem coercear: ut aliquid dicendo fubliciet oculis : /rpe/upra
reticere fe dicat; ut denuntiet, quid feret, quam fieri po/it.: fignifica
caveant: ut liberius quid audeat : tio fepe erit maior, quam oratio :
utira/catur etiam : ut objurget ali fepe bilaritas, fape vite, natu
quando: ut deprecetur, ut/uppli rarumque imitatio=.. Cicero.Orat.
cet , ut medeatur, ut a propofito n. 4o.
declinet aliquantulum, ut optet, (1) Nec umquam is, qui audiret,
ut execretur: utfat is, apud quos incenderetur, mifi ardens ad eum
dicet, familiaris. Atque alias etiam perveniret.
n-38- oratio . Cicer. Orat.

dicendi quafi virtutes/equatur; bre
/*

16o VER DA DE IR O ME TO DO
mas da-alma, com que ela faz guerra às outras almas ; ou ven
ce, ou é vencida : e produzem juntamente mil outros efeitos.
Primeiramente, elas declaram aquelas verdades, que fam ofcuras;
e excitam nos-Omens a atenfam, para as-perceber. Aquela grande
repetifam, aqueles muitos finonimos, nam fam inutis na Retori
ca (1): antes fam de infinito prefo : porque mofiram o que fe
pertende em tanta luz , e de tantas partes ; que é impofivel o
ignorálo: imprimem com tanta forfa uma verdade, defcobrem to
das as circunflancias com tanta clareza; que é impofivel nam ad
metilas. Mas no-mefmo tempo etas Figuras , fe fam bem natu
rais, e fe pintam bem a origem de que nacem ; movem de tal
forte a alma, que a-arrafam e conduzem , para aquele objeto,
de que fe-fez a imagem (2). E como a alma nam pode ver uma
verdade clara, fem a-receber ; daqui nace , que por-forfa admite
o objeto, e confente : e temos o omem perfuadido. •

Eftas fam as Figuras, que fam a bazeda-Eloquencia . Mas


nam intenda V. P. que eu quero perfuadir indiferentemente, toda
a forte de Figuras, e uzo delas : efiou mui longe difo, e defen
do confiantemente, que só no-bom uzo delas, é que eflá a Elo
quencia, principalmente fublime . Ifto é o que eu dezejára refle
tifem comigo algumas pefoas, que, por-nam-advertirem efte im
portante ponto, dam à luz partos monfiruozos. Se as nofas pai
xoens fam mal ordenadas ; fe nam fe-excitam quando deve fer;
é coiza clara º que as Figuras só fervirám , de pintar a confuzam
das-nofás ideias , e a pouca eleifam do-nofo juizo - Um omem
que s'enfada quando nam deve 3 que em um difcurfo Placido, in
troduz mil Figuras fortes 3 que progunta ; que refponde ; que ex
clama; e mofira grande paixam , aindaque nam aja de perfuadir,
ou difputar com alguem: é um verdadeiro louco, que guiado, da
fua deftemperada imaginafam, empunha a efpada, para combater
com um inimigo imaginario . Pois efte é o retrato de muitos au
tores, que julgam nam ferem bons efcritores , fe nam uzam de
todas as futilezas d'arte: Semelhantes nifto a um omemVII]C13

de Pro>

(1) Sic igitur dicet ille, quem (2) Hoc (genus dicendi) vehe
expetimus, ut ver/et Jºpe multis mens, incenfim, incitatum, quo.
modis eandem, ó unam rem: «º cauffe eripiuntur: quod cum rapide.
hercat in cadem, commoreturque fertur, fuflineri nullo patio pote/l:
fºntentia cyc. Cicero.Orator não. Idem, ibid.n.37.
D E E S T U D A R. 161
víncia ; com que eu jantei uma vez, que Para moftrar que tive
ra boa educafam, comia as uvas com o garfo -
Outros, que devem perfuadir, e tem materia para empregar,
boa Retorica; só efludam palavras, que tenham cadencia armonio
za, mas tam afetada , que pola maior parte degenera em ver
fo. Fazem mil reflexoens inutilifimas: procuram falar fempre Por
fentenfas: cuidam em introduzir conceitos futis, e divizoens im
portunas : com as quais arengas nam procuram perfuadir º mas
agradar , e confeguir fama de eloquentes . E efles eu os reputº
muito mais ignorantes, que os primeiros, pola fua afetafam . O
certo é, que uns e outros nam intendem, nem o fim , nem os
limites da-Retorica : e que em lugar de eflimafam , confeguem
defprezo .
- As Figuras devem-fe empregar, em toda a ocaziam . Temos Fi
guras para tudo: negocios graves, mediocres, e para a me{ma con
veríafam familiar . Bafta perfuadir-fe, de uma importante verdade,
que é , que a Figura nam fe-deve procurar , mas naturalmente
aprezentar-fe: porque, como tenho motrado , fam confequencias
das-paixoens. Obferve V. P. um omem ruftico, que nam feja to
talmente eflupido, ou uma molher de juizo, mas nam doutora:
entre com eles em um difcurfo familiar , fobre alguma materia,
que lhe-pertenfa : dificulte-lhe conceder-lhe alguma coiza , que a
eles parefa verdadeira , ou que na realidade, o-feja : e obferve
miudamente, quantas Figuras introduzem no-difcurfo. E finalmen
te» achará mais forfa, nas fuas razoens, quando fam em materia
verdadeira, doque nos-difcurfos, de muitos Oradores de fama. Eu
fiz efia experiencia muitas vezes: e fempre tirei por-fruto, da
minha meditafam, que as Figuras ám-de fer naturais : e que fo
mente fe-fala bem, quando fe-fala animado, de algum verdadeiro
intere{e 2 e fe-deixa guiar, de uma paixam arrezoada .
V. P. obfervará ifto, nos-feus proprios difcurfos, ainda naque
les, que parecem menos confiderados, e que fam proferidos, qua
zi por-impulfo da-natureza. As coleras nam fam iguais , nem as
paixoens: e afim á Figuras neftes mefimos difcurfos. Fazem-fe an
titeres º por-cauza de grandes movimentos, e tambem por-ligeiras
comofoens. O dezejo que um omem tem, de expremir-fe, e de
Perfuadir as coizas que diz, tem várias deflas Figuras. Na con
verfafam mais placida, repetem-fe fem reparo, os mefmos termos
muitas vezes . fervimo-nos de diverfas exprefoens, para fignificar
TOM. I. X P » P o me{-
162 VER DA DE IR O METO DO
o mefmo . permitem os mais efcrupulozos criticos, fazer alguma
breve defcrifam , e Procurar alguma femelhanfa, para explicar me
lhor a materia . Pode-fe Proguntar o parecer dos-que ouvem, fo
bre o que fe-profere ; e moíbrar-lhe, que é necefario refletir, fo
bre algumas das-circunflancias alegadas . Tudo ifto pratica-fe to
das as oras, ou fe-pode praticar, fem enfado de quem ouve , e
fem incorrer na centura, de quem obterva. Ora as Figuras nam
fam verdes nem azuis, fam em carne eflas me{mas que aponta
mos, e outras a eftas. femelhantes. E eifaqui , que nam só nas
orafoens, e difcurfos efludados, mas em todo o difcurfo, tem lu
gar as Figuras. Em uma palavra, primeiro ouveram Figuras, do
que ouvèfe arte de Retorica: aqual nada mais é , doque a ob
fervafam das-naturais Figuras. E afim todo o efludo de um omem,
verdadeiramente eloquente, confifte, em obtervar bem, a necefi
dade da-materia 5 - e intrar tanto dentro nela , que pofa formar
um difcurfo natural , mas no-me{mo tempo eficaz : e em que as
Figuras fujam-lhe da-boca, fem que ele vá detraz delas, para or
nar o difcurfo. Muito necefario é, efludar a natureza: etudar o
carater das-Paixoens : falar naturalmente : que só afim fe-fala elo
quente, e sò afim fe-perfuade . Efte é o primeiro Ponto, ou o
mais importante, em materia de Retorica.
O fegundo, e de nam menor confequencia, eflá, em faber
proporcionar o eflilo, ao argumento que fe-trata. Confifte o ef>
tilo, em certas maneiras de s'explicar, e certas particulares ex
prefoens , que cada omem uza : as quais comumente feguem o
impeto do-fogo, que cadaum tem : nam fe achando dois omens, que
fejam perfeitamente iguais no-eftilo, como nem menos no-tempe
ramento . Digo pois, que o eftilo fe-deve regular , fegundo a
materia , que fe-trata (I). As exprefoens magnificas e nobres, or
nam as coizas, de uma certa mageftade, e mofiram o grande con
ceito que delas fórma, quem afim fala: fe a materia nada tem de
extraordinario , antes é fumamente vil 3 impropriamente fe-lhe
aplicam, tais exprefoens. Polo contrario, as coizas que fe-podem
confiderar fem comofam, devem-fe dizer com eflilo fimplez: ou
[T3S

(1) I ergo erit eloquens, qui ad cendum, ita dicet; ut nec fatura
id, quodcumque decebit ; poterit jejume, nec grandia minute º nec
accommodare orationem. Quod cnm item contra: Jed eritrebus pf; par
flat:erit, tum, ut quidque erit di- & equalis oratio.Cicer.Orat.n.36.
D E E S T U D A R . 163
tras mais efludadamente: o que faz a variedade de efilos : que
os mettres da-arte reduzem comumente, a trez. Querem dizer ,
que ou o difcurfo é fumamente nobre, ou fumamente trivial, ou
mediocre : à primeira , conrefponde o etilo fublime : à fegunda.»
o etilo fimplez: à terceira, o mediocre . A prudencia e inteli
gencia com que fe-devem aplicar, eftes trez generos d’eloque ncia,
é o principal emprego , do-Retorico.
S U B L I M E :
Quando fe-quer dar uma alta ideia, de alguma coiza , é ne
cefario refletir no-me Ímo tempo, em muitas circunflancias . Por
muito nobre que feja o fugeito, de que fe-trata , pode ter mil
imperfeifoens: onde é necefario procurar, de o-por à vita d'aque
la parte , que melhor parece; para poder impremir, uma juíta
ideia da-fua grandeza: Procurando quanto pode fer, de lhe-cobrir,
ou disfarfar os defeitos, fem prejuízo da-verdade : voltando-o e
revoltando-o de todas as melhores partes, para poder moftrar º até
as minimas perfeifoens que tem : e tendo muito cuidado, de nam
fair com alguma exprefam , ou penfamento, que deftrua o que fe
tem fabricado. Caiem nefte defeito infinitas pefoas, ainda d'aque
las, que nam fam decepadas: Oradores , Ifloricos &c, mas fobre
tudo os Poetas: que, por-forfa do-confoante , ou da-quantidade
do-verfo, dizem mil coizas ou mal ditas, ou mal aplicadas. Li
um foneto de certo Efpanhol , que defcrevia um nariz grande :
o qual, defpois de ter dito muita coiza do-dito nariz , conclue
desfazendo, quanto encarecèra. Porei fomente os tercetos.
Erafe um efpolon de uma galera.
Erafe uma piramide de Egito.
Las doze Tribus de narizes era.
Erafe um narizi/imo infinito.
Muchi/ima nariz, nariz tan fiera,
Que "en la cara de Anás fuera delito .
Defrois dos-quatro verfos antecedentes, em que exagerava terri
velmente o tal nariz, faie com uma frioleira, que deftrue tudo.
Admetida de grafa, a comua opiniam do-vulgo, de que os Ju
deos tem narizes grandes : admetida novamente a frioleira , de
que Anás, por-fer Pontifice, o-devefe ter maior : é certo, que
nam teria um nariz maior , que todo o corpo . Demos-lhe, que
fofe tam grande : que proporfam tem ifto , com uma piramide,
e nariz infinito ? Defes exemplos acho a cada pafo : de que con
- - X 2 cluo ,
164 VER DA DE IR O ME TO DO
cluo, que efles nam fabem, as leis da-Retorica, nem da-Poezia.
Quanto ás exprefoens , aindaque as-dezejo nobres, e com
armonia fonora ; devem Porem uzar-fe, com moderafam. Pruden
temente fe-comparou um difcurfo, no-genero fublime, com um pa
lacio magnifico: nefte á-de aver cazas para os amos, para os cria
dos, e tambem eftrevarias para os cavalos. Eflas nam ám-de fer,
como as anticameras, nem ornadas como os gabinetes : mas ám
de ter certa magnificencia ruftica, e proporfam ao todo : ám-de
fer todas as partes no-feu genero, belas, grandes , mageRozas.
Um palacio que tem um portam pequenino , parece coiza Mou
rifca, e nam de Architeto inteligente - tudo á-de fer grande, mas
no-mefmo tempo proporcionado . Dame{ma forte em um difcur
fo , nem todos os penfamentos podem fer exquizitos , ou a lo
cufam fublime: á-de aver penfamentos bons , exquizitos , e me
diocres : a locutam damcfma forte , em alguns lugares fublime;
v. g. nas perorafoens , e exagerafocns &c. em outras mediocre;
v.g. nos-exordios, nas confirmafoens de provas &c, e em outras
fimplez e natural, como nas narrafoens, e outros lugares . Mas
todas etas coizas ám-de ter proporfam entre f : devem fer or
nadas e veftidas daquela tal grandeza , que moftre ferem partes,
de uma coiza grande . Afim fe-compoem , um difcurfo perfeito .
Efta magnificencia de exprefoens grandiozas , e armoniozas,
convem ao etilo fublime, com a diftribuifam dita, de aplicar as
melhores, às coizas que merecem maior atenfam. Tambem no-ef
tilo fublime devem intrar, reflexoens judiciozas, e varias fenten
fas, que excitcm a atenfam. Nele tem feu proprio lugar, as Fi
guras grandes : Sendo certo, que um argumento nobre, nam fe
pode tratar, fem alguma particular comofam : de que nace aque
le modo de expremir-fe, em que confiftem as Figuras . Devem
porem praticarfe, fegundo as obfervafoens afima feitas.
Efta porem é a maior dificuldade, do-etilo Sublime: e fam
poucos os omens, que faibam abrafar, uma diftribuifam moderada
de ornamentos, no-difcurfo. A maior parte dos-que efcrevem , fam
como aquelas pefoas, que nam tem educafam de Corte. Eflas» Pa
ra fe-moftrarem bem informadas , e de boa eleifam 3 carregam
tanto os veftidos de oiro , e a cabefa de joias ; que em lugar
de parecerem bem , ofendem a vita. O pior é, que no-defeito
que repreendemos, caiem tambem os que fam da-Corte, como os
que fam de fóra : e é mais dificultozo emendar-fe . Um omem
- que
D E E S T U D A R. 165
que tem má eleifam no-veftir, tem tantos cenfores à vita, que
à forfa de critica , e de obtervafam, confegue a emenda. Nam
afim o que efcreve : fam poucos os que cenfurem º porque fam
pouquifimos os que faibam, como fe-deve cenfurar . Alem difo,
nam á algum, que prezuma tam mal do-feu juizo, que leia por
livros , que lhe-moftrem , as füas imperfeifoens. Bufca fomente
aqueles, que mais lhe-agradam, e fam mais uzuais: e em vez de
s'emendar, confirma-fe na fua má eleifam. V. P. nam achará um
Pregador, que eflude por-Cicero, Demoftenes, M. Seneca, Quintiliano:
ou leia alguns, dos-que compuzeram boas reflexoens, fobre as di
tas obras: achará porem muitos, que efludam por-fermonarios, e
muito maos : e eftes nam podem efcrever melhor, doque lem nos
tais autores .
Outros efcritores , querendo-fe diftinguir do-Comum , nam
goftam fenam, de exprefoens grandes : e de tal forte fe-deixam
guiar, por-eíte furor 3 que nam produzem palavra, que nam feja
de pé e meio 3 e que nam acabe defloiro , como uma bomba -
As palavras e fraze natural, o modo de s'expremir uzual, ain
daque feja o mais proprio da-materia , nada vale . defprezam tu
do , o que nam é efirondozo. Nenhum detes dirá: Tetrus ama
vit Joannem : nam fenhor: mas querem perifraze : Accidit ut Pe
trus amore profequeretur Joannem 3 ou alguma fraze mais compri
da. Efles omens vem todas as coizas, por-microfcopio: tudo lhe
parece gigante{co: ou , para melhor dizer, tudo transformam. A
fua cabefa é como a de D. Quixote : a quem moinhos pareciam
palacios ; e nam avia coiza para ele , que nam fofe magetoza :
Daqui nace, que tudo exprimem pola me{ma maneira. o difcur
fo comefa por-Figura , e acaba em Figura. Efte é o vicio comum.
detes paizes: mas muito principalmente dos-Poetas, e Oradores.
E{tes omens confundem o Eloquente, com o Arrogante 3 a
Exagerafam com a Inverofimilidade : fem advertirem , que fam
coizas bem diferentes . Ora efte é o verdadeiro carater da-igno
rancia: tanto mais dificultozo de s" evitar, quanto é certo , que
muitos omens grandes em outro genero , tem caido nefte defei
to . Efte é o ponto que fe-deve advertir, com mais circunfpefam:
efte o defeito que fe-deve fugir, com mais cautela . O que fe
confegue primeiro , com alguma reflexam judicioza : fegundo,
com a difam de bons autores , que falem como devem , e pro
Porcionem o etilo, ao afumto. Nam á coiza mais ridicula, doque
Ulilla
166 V E R DA DE IR O M E TODO #
uma grande afetafim de palavras fonoras , em coizas onde nam
devem intrar (1) . Em lugar de engrandecerem quem fala, mof.
tram a pobreza do-feu intendimento: que nam tendo cabedal, de
dar palavras para tudo , Pede-as empretadas , ou furta fem ad
vertencia, as que incontra .
Verá tambem V. P. que muitos, querendo falar elegante, aca
bam tudo em tom de verfo : Porque nam chego a amar , nam
pofo padecer ; e com efe arº e er , ir, e or; e confomancias fe
melhantes, vam enchendo o difturfo, que deveriam cuidar de or
nar , com bons penfamentos e conceitos. Ifto é mais vulgar, do
que V. P. imagina : e acha-fe muita gente de bigode, que chama
a ifo elegancia. Eu fei que o numero oratorio, ou armonia dos
periodos, de que Cicero fala em varios lugares , é uma grande
beleza, em todo o difcurfo, principalmente oratorio (2): mas fei,
que é muito diferente, do-que condeno . Nam á regra exata, para
o numero oratorio: a orelha é a que enfina , quando-o período
é armoniozo (3) . Mas é necefario que tenha mui más orelhas,
quem nam dittingue , que as confonancias que apontamos , em
lugar de agradarem , ofendem , e fam uma afetafam . Em Por
tugal fam rarifimos, os que obtervam o numero, ainda nos-difcur
fos efludados. Ou afetam verfo, e ifto é vicio (4): ou declinam pa
ra outro extremo , que é a languideza , e tambem ifto é vicio
infoportavel . A mediania é que fe-bufca ; e quem bem intende
o que

(1) Quam enim indecorum ef de judices : & quod illa ad intelligen


fillicidiis cum apud unum judicem tiam referuntur, bec ad volupta
dicas, ampli/imis verbis, cºlocis tem : in illis ratio invenit, in bis
uti communibus : de maieflate po
fenfus artem . = Ibidem num. 49.
puli Romani /ummife, cy Jubtili (4) Nam circuitus ille quem Je
ter ? Cicer. Orat. num 2 1. pejam diximus, incitatior numero
(2) Omnino duo funt que con ip/o fertur & labitur, quoad per
diant orationem : verborum, nume veniat ad finem, cºr infifat. Per
rorumque Jucanditas . In verbis fpicuum efigitur, numeris adfiri
inefi quafi materia quadam: in nu tiam orationem efe debere, care
mero autem expolitio. Cicer.Orat. reverfibus.... Inculcamus autem
num. 55. per imprudentiam fape etiam mi
(3) Sed quia rerum verborum nus ufitatos , fed tamen verfus ;
que judicium prudentie efi: vocum vitio/um genus , cº longa animf.
autem, & numerorum aures funt provifione fugiendum = Ibid.n.56s
º D E E S T U D A R. 167
o que é numero, nas cartas, e no-difcurfo famíliar, fem advertir
o-pratica . Para ifo quer-fe boa orelha, acoltumada a ouvir ler,
e pronunciar bem. Pecam alem diflo, em fazer periodos tam com
pridos, que nam fe podem ler de um jato : o que tambem é fal
ta de numero . A lifam dos-bons livros remedeia ifto , e intro
duz um omem , na verdadeira eftrada da-Eloquencia . Mas é ne
cefario, lelos fem prejuízos, e com animo de aprender. O eftilo
Sublime tem feu proprio lugar , nas orafoens , e fermoens : na
Poezia Eroica, e Tragica: é pode às vezes ter lugar, na Itoria,
quando s” introduzem a falar, algumas pefoas. As orafoens de Ci
cero, os poemas Epicos de Omero, e Virgilio, fam de etilo fu
blime . * -

S I M Tº L. E Z . # • •• •

Ao eflilo Sublime contrapomos , o efilo Simplex ou umil


de . Afim como as coizas grandes , devem explicar-fe magnifi
camente ; afim o que é umilde, deve-fe dizer com eftilo mui fim
Plez , e modo d' expremir mui natural. As exprefoens do-efilo
fimplez fam tiradas , dos-modos mais comuns de falar a lingua :
e ifto nam fe-pode fazer, fem perfeito conhecimento, da-dita lin
gua. Efta é º fegundo os metres d'arte, a grande dificuldade , do
eftilo fimplez. Facil coiza é a um omem », de alguma literatura =
ornar o difcurfo com figuras: antes todos propendemos para ifo:
nam só porque o difcurfo s" encurta ; mas porque talvez nos
explicamos melhor, com uma figura, doque com muitas palavras.
Polo contrario , Para nos-explicarmos naturalmente e fem figura º
é necefario bufcar o termo proprio, que exprima o que fe-quer :
o qual nem fempre fe-acha , ou ao menos, nam fem dificuldade :
e fempre fe-quer perfeita inteligencia da-lingua, para o-executar -
Alem diflo, as Figuras encantam o leitor , e impedem-lhe pene
trar e defcobrir os vicios, que fe-cobrem, com tam ricos veti
dos . Nam afim no-eftilo fimplez , o qual, como nam faz Pom
pa de ornamentos, deixa confiderar miudamente, todos os pen
famentos do-efcritor. Por-ifo fe-diz, que o etilo fimplez é, o la
pis Lydius do-Juizo, - •

Ito que digo, das-exprefoens comuas e naturais, deve-fe inten


der com proporfam. Nam quero dizer, que, um omem civil fale,
como a Plebe ; mas que fale naturalmente . A materia do-etilo
umilde, nam pede elevafam de figuras &c, mas nem por-ifo fe-de
ve expremir º com aquelas tofcas palavras, de que uza o Povo igno
1'21'l-
168 VER DA DE IR O ME TO E O
mante . Nam é o me{mo eftilo baixo, que etilo fimplez: o efti
lo baixo, fam modos de falar dos-ignorantes e pouco cultos : o efli
lo fimplez, é modo de falar natural e fem ornamentos; mas com
palavras proprias, e puras. Pode um penfamento, ter eftilo fubli
me , e nam fer penfamento fublime : e pode achar-fe um penfã
mento fublime, com eftilo fimplez. Explico-me . Para fer fubli
me o eflilo , bafta que eu vita um penfamento , e o-orne com
figuras proprias, aindaque o penfamento nada tenha, de fublime.
Pólo contrario, chamamos fimplezmente fublime, (com os Retori
cos) àquela beleza e galantaria de um penfamento, que agrada e
eleva o leitor, aindaque feja proferida, com as mais fimplezes pa
lavras . Deforteque o fublime pode-fe achar, em um só penfamen
to, ou figura &c. Importa muito intender, e diftinguir ifto, pa
ra nam fer enfandonho nas converfafoens , e nas obras que pe
dem eftilo umilde. V. P. tem um bom exemplo de eftilo fimplez,
nas Cartas familiares de Cicero , principalmente nas que cfcreve
aos de fua caza - nas Eglogas &c. de Virgilio : nas Fabulas de
Fedro : Cartas de Plinio a algumas pefoas : e outras obras da
Antiguidade . Em Portuguez as Cartas do-P. Vieira, tirando al
gumas que degeneram em fermam &c. podem-fe ler, para o eftilo
fimplez. E eflas fam as melhoras obras, do-dito Religiozo -
- M E D I O C R E .
Do-que a V. P. tenho dito fica claro , qual é o efi
lo Mediocre: aquele digo , que partecipa de um e outro eftilo :
Tambem efle eftilo nam é pouco dificultozo: porque é necefario,
confervar uma mediania , que nam de genere em viciozos extremos:
e fam poucos aqueles, que conhecem as coizas, na fua jufla pro
porfam, e formam aquela ideia, que merecem . Ja dife , que a
materia é a que determina , qual á-de fer o eftilo : e afim uma
materia mediocre, pede um eflilo proporcionado . A maior parte
das-coizas de que falamos , fam mediocres : e daqui vem , que
nefte eftilo de falar , deve-fe empregar um omem, que quer fa
lar bem 3 - e confeguir fama, de omem eloquente. Um omem de
juizo º que conhece as coizas como fam, fórma delas ideias juflas,
e verdadeiras; e as-explica com as palavras, que fam mais pro
prias : D onde vem, que o etilo mediocre compete propriamente,
às Ciencias todas, à ifloria, e outros coizas dº efe genero: nas
quais fe-reprezentam coizas nam vis , mas mediocres ; porem re
prezentam-fe, dame{ma forte que fam, e com palavras proprias
Tank
D E E S T U D A R. 169
Tambem as cartas de negocios graves º ou eruditas ; e aquelas
de ceremonia a pefoas grandes &c. cofumam fer nefte eftilo.
E porem de advertir, que o etilo mediocre, admite todos os or
namentos dº arte: beleza de figuras, metaforas, Penfamentos finos,
belas diferifoens, armonia do-numero , e da-cadencia : Contudo
nam tem a vivacidade, e grandeza do-fublime. Participa de um e
out-o, fem fe-afemelhar a nenhum. tem mais forfa e abundancia
que o fimplez; menos elevafam que o fublime : e profegue com
pafo igual, e mui brandamente. Alegam-fe por-bons exemplos nef
te genero, as Georgicas de Virgilio: a maior Parte das-cartas de
Cicero a Pomponio Atico : &c. os Comentarios de Cezar &c.
aindaque efles, por-nam terem ornamentos , quazi Pertencem ao
fimplez: as vidas de Cornelio Nepote… &c. •

Quem bem intende ifto, fica perfeitamente infruido do-mo


do, com que deve aplicar-fe, a diferentes materias. O eftilo da
Ifloria pede clareza, e brevidade. aquela, para explicar todos os
acidentes da-materia : efia, paraque , fem longas frazes, que fuf
pendem a atenfam, defcreva as coizas que deve, com um fio de
difcurfo continuado , e fem fer interrompido com aqueles movi
mentos, que conflituem o Orador (I). Porque ncfle cazo nam
pode confèrvar, uma certa inalterabilidade, e quietafam de animo,
que é tam necefaria, para nam inclinar mais para uma parte, que
para outra ; e dizer as coizas com verdade i, e fem exagerafam:
Pode porem o Iflorico , moftrar a fua eloquencia , no-1eferir as
arengas, que s” introduzem na Iftoria 5 no-pintar as paixoens &c.
mas tudo ifto com advertencia , e fem perder de vifa a verda
de . E pois a Itoria aquela materia na qual, depois da Orato
ria, mais fe moftra , a eloquencia vigoroza .
Em fegundo lugar fica claro, qual deve fer o eflilo Dogmati
co» ou Dida/calico , a que por-outro nome chamamos, etilo Cienti
fico : Aqui nam fe-trata de perfuadir, omens apaixonados , exci
tando as armas, comaue a alma fe-move para efia , ou aquela par
te. O primeiro poflulado que fe-poem , no-principio dos-Tratados
modernos é º que o leitor fe-difpa, de todo o genero de prejui
TOM. I. Y ZOS»

(*) In bifloria & narratur or- trata quedam c% fluens expetitur,


mate? cºregio farpe aut pugna de- non hec contorta & acris oratio -
ciones C2 interponuntur
/cribitur: etiam
hortationes. fed his …Cicer. Orator, num, 2o.
in con- •
17o VER DA DE IR O M E TO DO
zos, e paixoens : e que examine as razoens, como merecem . On
de fupondo-fe um leitor docil, nam é necefario , feguir o efilo
veemente (I). Mas nifto á mais , e menos, fegundo as Ciencias.
A Geometria , que explica verdades claras , e que nam intere
fam ninguem, deve-fe tratar placidifimamente, com aquelas pala
vras, que fam precizamente necefarias, para a explicafam dos-ter
mos &c. A Logica , Fizica , Metafizica pedem ja um eftilo mais
ornado ; ja fe-difuta com omens, que tem fuas prevenfoens: as
verdades nam fam tam claras: é permetido fervir-fe de um eftilo
mais nervozo. Principalmente na era prezente, em que a Filozo
fia, defpida daquela antiga e ridicula feveridade, trata-fe oje em
todas as linguas, e com vocabulos proprios, e fe-familiariza com
todos. Onde pode tratar-fe em eftilo familiar, por-carta, em dia
logo , ou de outra maneira ; emque pode ter lugar, um genero
de eloquencia mais ornada . A Teologia pode fer tratada , com
eftilo mais elevado. Somos interefados em defender, a verdade da
religiam, contra os Ateos, e Infieis, e Erejes. Efe intere{e nam
e menos, que acender em nós, alguma paixam bem devida -
Onde nam é maravilha, fe algumas vezes nos-tranfportamos - fa
lando de Teologia , e feguimos um etilo mais elevado e viril.
?Nam digo, que tudo fe aja de tratar, em eftilo oratorio , ou que
fe-devem defender as queftoens, com ironias &c, e nam com ra
zoens folidas : feria ifo um erro confideravel, e mui condena
vel: digo fomente, que ja é permetido, fervir-fe de alguma figu
ra, e uzar de etilo mais elegante. Os antigos Padres uzáram defe
te eftilo , quem mais, e quem menos. E oje todos os omens de
melhor doutrina, nam defprezando a fórma da-Efcola» uzam Po
rem dela com tanta moderafam, que comumente expoem as fiºs
fºntenfas, fêm aquele efilo das-efcolas, que até aqui reinava ..9
que faz que feja mais bela a Teologia : mais concludente o dife
curfo : e poem à vida , e na fua luz todas as razoens: Porque
só afim as-intendem todos , e fe-evitam palavras, que nada fi
gnificam nas efcolas . Quanto às outras Ciencias profanas • Pola
II]2º

(1) Mollis efi enim oratio Phi- bet, nihil invidum, nibil atrox ?
lofotborum cº umbratilis, nec fen- nihil mirabile, nihil afiutum. Ca
tentiis, nec verbis jnfirutiapopu- fia, verecunda? virgo incorrupta
laribus, nec juntia numeris, fed quodammodo. Cicer. Orator. n.198
foluta liberius . Nihil iratum ha
D E E S T U D A R; 171
maior parte tratam-fe mais placidamente º fegundo a necefidade
da-materia .
Em terceiro lugar fica claro, qual é o eftilo dos-Poetas. Que
rem os Poetas, (diz um Retorico) agradar, e elevar o animo dos
ouvintes, com coizas extraordinarias e maravilhozas : e nam po
dendo chegar ao fim que fe-propoem, fenam fuflentando a fubli
midade das-coizas que dizem , com o fublime das-palavras que
uzana ; daqui vem , que nam fe-fugeitam às leis do-uzo comum ;
mas formam, para fe-explicar , um idioma novo . Tudo neles é
grande e extraordinario; imaginafam, conceito , e palavras. Da
qui nace, que as figuras devem fer, as fuas mimozas, Alem difo,
como as verdades abtratas nam agradam , porem fim as coizas,
que entram polos fentidos; fica claro, que querendo o Poeta agra
dar, deve procurar metaforas, com que reprezente as coizas fen
fiveis, e quazi palpaveis : porque afim é que imprimem , uma
particular comoíam . Efe é o principio, que obrigou os antigos
Poetas, a romperem com certas ideias, que nos-parecem chimeras.
Cada Virtude, e cada Paixam na Poezia, é uma Deuza: porque
a defcrifam deflas Deuzas tam medonhas, ou tam engrafadas, faz
outra imprefam no-animo , doque a fimplez palavra. de Virtude
ou Vicio. • - *

Ef! Deus in nobis, agitante calefcimus illo. •

Quando uma vez s'efquenta, a imaginafam do-Poeta, nam fala co


mo os demais omens: e afim nam é maravilha, que encha o dif
curfo de Figuras, e ingenhe tantas fabulas e fingimentos. Iflo é
tam proprio dos-Poetas, que até os fagrados Poetas, para fe-ex
plicarem, fervem-fe de todo o genero de metaforas . Ifto porem
deve intender-fe dos-poemas, que tem por-objeto, materia grande:
os divertimentos dos-paflores, que compoem as Eglogas; as iflo
rias que dam materia às Comedias; e mil outras poezias, que fe
podem confiderar com menos paixam, devem fer tratadas , por
outro cítilo . A regra geral, que ao principio demos, é infalivel,
e confifte niflo: A qualidade da-materia deve determinar o eflilo,
aindaque pofa fer mais ou menos ornado : o que s'intenda tan
toda-Proza , como do-Verfo . Ifto quanto ao eftilo. quanto pois
às regras do-Poema , nam é aqui o proprio lugar , de as-expli
car: porque eu nam fafo tratado, mas reflexoens.
Dirmeám alguns, que eflas advertencias conduzem , para fa
zer uma obra folida, mas nam para a-fazer bela, e ornada: que
2. é a
172 VER DA DE IR O ME TO DO
é o principal emprego da-Retorica . E com efeito efia é a coflu
mada cantilena, defles vulgares Oradores, que ignoram as belezas
da-arte. Em algumas partes, temos notado efe defeito : e aqui,
para o-confutar melhor , faremos outra advertencia . Digo pois,
que cfe ingano comum , fica fuficientemente afima convencido :
fendo certo, que nam fe-requerem outras regras, para falar com
elegancia, e ornato, doque as que afima démos, para falar com
propriedade. A mefmifina coiza fe-pode expremir, com diverfos
nomes, fegundo o modo com que fe-confidera . A maior beleza
e ornamento de uma compozifam, aquilo que eleva um leitor ra
cionavel e judiciozo, (que fam os que podem fazer lei) é a exa
fam, e propriedade com que fe-acha difpofa, e executada uma
obra . Quem nam intende efle ponto, é novifo na Retorica. Mas,
declarando ifto melhor aos principiantes:
Tem a Retorica ornamentos naturais , e artificiais : aqueles
entram necefariamente em qualquer obra: efles com parcimonia -
O primeiro ornamento é a verdade , ou femelhanfa das-palavras
com as ideias, e objeto delas. A mais medonha cobra pintada,
agrada: as coizas mais ordinarias , quando fam bem explicadas»
nam podem dezagradar. Deve o difcurfo ter Primeiramente º cla
reza nas exprefoens, para poder infinuar-feno-animo 3 armonia»
e facil pronuncia . Eftes fam os naturais . Entre os artificiais,
poem-fe as Figuras todas, os Tropos, as magnificas exprefoens,
as aluzoens » alguma ingenhoza aplicafam &c. as quais fam às ve
zes tambem recebidas, como a me{ma verdade : e elevam a alma
com o encanto oculto da-grandeza, para a qual ela tem propen
fam natural. Nefles é em que fe-deve empregar o juizo, difri
buindo-os com muita parcimonia, e boa eleifam. Nenhuma coiza
orna, que nam feja racionavel: quando os ornamentos fam repe
tidos , ou eflam muito juntos , fam importunos , e dezagradam
muito : confundem a vita , e cobrem toda a beleza do-fugeito -
Ja nifto falámos larguifimamente. Finalmente quando o ornamen
to, nam fe-funda em verdade, aindaque um pouco encarecida 3 é
uma afetáfam ridicula, que moftra nacer, de um ingenho mui tri
vial: Os ignorantes fam, os que procuram com cuidado, cflas ri
dicularias.» para aquitar fama de doutos por-efla via, vito que
a-nam-podem por-outra. + - .

Outro defeito ainda acho, em que comumente caiem, e vem


afer, encher o difcurfo de alegafoens importunas , de pafos La
t1110$3
D E E S T U D A R. 173
tinos, de verfinhos, e outras coizas que incontram . Podem as
as aluzoens, alegafoens &c. ter lugar , quando á necefidade de
ouvir as palavras, na me{ma lingua original; ou para moftrar a
finceridade, de quem as-cita; ou a elegancia, de quem as-efcreveo;
o que raras vezes fucede: tudo o mais é tempo perdido, e tra
balho mui efcuzado. Efle dezejo de parecer erudito, com a re
petifam de mil pafos de autores., tem alucinado infinita gente.
Conheci um , que nam abria a boca, que nam repetife um ver
fo de Marcial, de Juvenal &c. Examine V.P. efte ponto, e acha
rá , que o defeito é mais geral , doque nam parece . Conhefo
pouquífimos efludantes defa Univerfidade, falo principalmente dos
Opozitores, e dos-que tem prezunfam de literatura ; cuja conver
fafam feja toleravel. Para dizerem, que agora é dia 3 fairám com
um, e talvez muitos textos do-Digefto, ou Codigo &c. Nam dei
xam pafar coiza , que nam ornem com algum verfinho moderno :
e quem fabe mais difto, é mais ciente. Aquele, Erubefcimus fine
lege loqui, intendem-no tam nú e crú, que é uma piedade. Tam
bem entre os Religiozos, nam falta defla fazenda: aquele , tan
| dem, item , a parte rei, cum hoc quod, hoc unum ef: ; e outras
deflas palavras, fam mui frequentes nos-feus difcurfos: e tambem
feus textos da-Efcritura, e feus verfinhos Latinos. Ifto entra em
todas as converfäfoens, aindaque fejam de idiotas , e molheres :
antes nefe cazo melhor, porque fe-grangeia fama fem embarafo.
Efte mao modo de penfar , e difcorrer , pafou ja das-con
verfafoens, para as compozifoens : e por-ifo V. P. vetantos difcur
fos, ou fermoens, ou orafoens , que fe-nam-podem fofrer . Te
nho lido mil orafoens modernas *** e rarifima achei , em que
nam intráfe Plinio o mofo, claro ou oculto: mas pola maior par
te entra claro: e às vezes a orafam tem mais palavras de Plinio,
doque de quem a-compoz. Ouviram dizer , que o Panegirico de
Plinio» é o mais fuportavel, que nos-deixou a Antiguidade ; e fem
mais exame , enchem tudo de Plinio . Outros pafam do-Panegiri
co às Cartas: um defles é o P. " " que no-elogio funebre de Ju
lio de Melo, faz uma ifloria, em que introduz muitos periodos,
tirados de varias cartas de Plinio , que dizem o me{mo, que ele
repete . Efte modo de elogiar , é totalmente novo , e ignoto à
Antiguidade: mas nem por-fer novo cuido que agradará, aos que
intendem a materia . Neftcs Panegiricos achará V. P. duas coizas
comumente : uma , é Plínio, e algum autor femelhante; a6

#"
O SO }
I74 VER D A D E IR O M E TO DO
é o Sol, com as Eftrelas. Mais vara menos vara, aqui vem dar
todos . Seria porem melhor , que eftes autores puzefem departe,
Plinio; e difefem alguma coiza de fua caza: e nam dezenquieta
fem as ERrelas , trazendo-as para uma coiza , para a qual nam
calfam bem . Nam é efte o modo de elogiar. difto fe-rim todos
os omens que fabem .
Até as aprovafoens dos-livros , andam cheias defles textos,
às vezes arrafadifimos , e talvez tirados da-Efcritura , para pro
var uma frioleira . Os que nam trazem textos , introduzem ra
zoens bem defnecefarias, e difundem-fe em elogios, tam excefiva
mente encarecidos , que ninguem os-pode ler fcm nauzea . Ain
daque difefem a verdade , e bem ; fempre era um grande defeito,
e impropriedade. Vi á anos a vida do-Infante D. Luiz, em 4 ?
efcrita polo Conde de Vimiozo , da-qual as aprovafoens, fem en
carecimento algum, compoem metade do-volume . E nam só fa
zem iño nos-livros; mas em papeis avulfos , e breves . Vi uma
Egloga, efcrita por-um certo Felipe Jozé da-Gama, no-nacimento
de um neto de Joam Alvares da-Cofla s. cujas aprovafoens eram
maiores, que a obra. O pior é , que tinha uma aprovafam do
Conde da-Ericeira, D.Francifco Xavier de Menezes, que caia na
mefina fimplicidade. Com efeito º efle era o carater do-dito Con
de : que, para motrar que fabia muito, carregava as fuas pintu
ras, com tantos ornamentos, e doutrina, que pareciam ridiculas.
Ele era um omem erudito : mas ignorava totalmente aquilo , a
que chamam modo º metodo , e criterio . comtantoque falàfe
muito , nam lhe-importava fe dizia bem . E naverdade na dita
aprovafam da-Egloga , tem coizas indignas . Deixa logo o argu
mento, e paía a defcobrir entre Joam Alvares da-Cofa e Afinio
Pollio, grande uniformidade. defpois, difunde-fe fobre os louvores
da-Poezia . finalmente faz uma felada tal, que nam vi coiza mais
confuza . Eu nam difputo agora , fe a dita Egloga merece efes
louvores : concedo tudo de grafa : o que digo é, que fe-explica
va em duas palavras : e é grande impropriedade fazer uma cen
fura eterna iftoriada, para uma brevifima Egloga. Certamente o
P. Eflacio de Almeida, que em materia de Poezia Latina, cuido
Aque fabe alguma coiza mais, que o dito Conde ; motrou o feu
juizo na aprovafam, contentando-fe com dizer, que era digna de
s' impremir. E ifto deviam tambem fazer os outros : deixando de
fazer Panegíricos, a coizas que nam merecem , ou que merecem
pne
D E E S T U D A R. 175
menos : e fazêlos de um modo , que merece mais rizo a erudi
fam que trazem, que a que lhe-falta. O P. D. Manol Caietano
de Souza, tambem feguia efia opiniam. Compoz o Sargentomór
Manoel Coelho, uma Explicafam das-oito partes da-orafam : mas
tam pequenina, que nem menos fe-lhe-deve chamar livro, mas cader
ninho. (foi imprefa em Lisboa, no-ano 1726) Sucede que D. Manoel
aprova efia obras e aqui, tomando as coizas defde o principio, faz
uma longuifima cenfura, e em catalogo dos-Gramaticos do-Reino &c.
Tudo coizas defhecefarias ! E fei eu, que, fe ouvèfe de impre
mir-fe em outro Reino, fe-contentariam com efcrever , Imprima
tur. Com efla advertencia osferve V. P., as aprovafoens dos-li
vros, e verá, que ainda nam digo metade, do-que devia. Nefte
particular de aprovafoens, nam vi omem em Portugal mais mo
derado, que Fr.Manoel Guilherme : fugia quanto podia de men
tiras e afetafoens 3 e claramente dizia, o feu parecer . Mas oje fu
cede o contrario: porque às vezes fazem-fe empenhos, para de
terminar os cenfores: e efles tais , nam cenfuram o livro , mas
agradecem a eleifam . E fei eu tambem , que quando o P.***
impremio a fua obra ** tendo feito um Teologo, a cenfura difu
za; foram-lhe pedir novamente , que fe-dilatáfe mais, e louváfe
a obra com maior extenfam. E nam podendo livrar-fe do-empe
nho, que era forte ; acrecentou alguns finonimos, para fatisfazer
às partes: o que fei da-me{ma boca do-cenfor . Onde com efles
exemplos, nam devemos admirar-nos , fe incontramos os elogios
tam frequentemente ***
Mas , tornando à dita erudifam afetada , digo , que a efte
modo de ornar e difcorrer , chamam os Retoricos , ornamentos
fal/ôs . Porque os outros, podem ter lugar no-difcurfo, e só fe
procura a parcimonia : eftes, de nenhum modo devem intrar ne
le-Ja gran tempo é º que os omens de juizo clamáram, contra
efte abuzo : Principalmente porque, bem examinada a coiza , é
uma folenifima impoflura, e azilo de ignorancia: fendo certo, que
efles tais nunca tem menos erudifam, que quando mofiram ter
tanta . Quem ouve aquela machina de textos, perfuade-fe que
é um omem º de erudifam infinitá: mas nada menos : e eu pofo
jurar de muitos , que nam abriram os livros que citam , ainda
que fejam bem uzuais. Remedeiam-fe com o Theatrum Vite Hu
manº: Polyantea de Langio, e outros defles armazens , em que
Polo A. B.C. acham-fe as materias, dipoflas. De que vem, que
OS
A 17 V E R DA DE IR O M E TO D O
os omens inteligentes nam podem menos, que rir-fe de tais com
pozifoens. Lembro-me, que um leitor de certa Religiam, que
rendo perfuadir-me, que um feu amigo fabia Latim perfeitamen
te; dizia-me, que lia fempre por-Plutarco : e carregava muito em
Plutarco. Ouvi efia muzica algum tempo; e nam podendo fofrer
mais, proguntei-lhe , fe Plutarco era bom Latino. Aqui o omem:
Toi/que, ifo tem duvida ? na Antiguidade nam acha V. P. um La
tino, como Plutarco . O que daqui fe-feguio foi , ficar eu for
mando mui mao conceito, dele, e do-feu amigo. De um, por-di
zer o que nam fabia: pois fe tivefe aberto Plutarco, ou acharia
o texto Grego com a verfam Latina; ou tendo fomente a ver
fam, acharia no-frontificio, o nome do-tradutor. Do-outro, por
que aindaque a tradufam, nam feja barbara, contudo nam é livro
para fe-imitar: falo da-verfam de Curferio, e Xilandro, &c.
Tambem nam, é pequeno defeito, a grande repetifam de fen
tenfas» fem necefidade. Perfüadem-fe muitos , que, falando por
fentenfas , ficam graduados como futilifimos , e fundadífimos le
trados. Lêram em Seneca Filozofo, ou Lucano, ou Tacito, ou
algum femelhante, uma quantidade defas fentenfas; e, fem mais
exame , nem advertencia , adotam aquele etilo ; e deitam mais
fentenfas pola boca fóra , que uma carranca de xafariz nam dei
ta agua. Verdadeiramente é um divertimento, bem digno de fe
procurar em oras ociozas, ter uma converfafam com um defles.
Eu gozei efa felicidade algumas vezes : e nam me-podia fatisfazer
de obfervar , aquela circunfpefam magifiral, com que proferem as
palavras, em tom decizivo, e com toda a magiftralidade, de um
Padre de Concilio. Ja eu lhe-perdoára a materia : o que nam po
fo fofer é, o modo com que fe-explicam . Se eles tivefem ob
fervado e intendido , que aquele mefino Seneca foi o primeiro,
que comefou a perverter , o bom gofto da-Latinidade , com tam
enfadonhas fentenfas : com as quais perdeo cntre os feus , e en
tre todos os que fe-feguiram de alguma eflimafam ; aquele con
ceito, que poderia aquiflar , fe fofe mais parco de ornamentos:
faberiam entam, com que olhos fe-devem ler, certos autores. Mas
eu falo em um fupofio, que me-parece falfo, e vem afer, que
efles tais profiram, verdadeiras fentenfas : falam como fe fofe por
fentenfas 3 mas nam fei fe o que dizem, merece efe nome. Por
que a Sentenfa deve , em poucas palavras, dizer muito, e dize
lo com modo fingular: o que raras vezes fe-acha neles.
- - Note
D E E S T U D A R. 177
Note tambem V. P. outro defeito de eloquencia , no-mefmo
frontificio dos-livros . Eflam eftes feus autores », tam Preocupa
dos pôlas efquipafoens , que nam fe-contentam 2 de Pór o titulo
do-livro claro : mas ou inventam um efirambotico , ou acrecen
tam algum epiteto, que ofcurece o negocio . v. g. Criftais, d'al
ma, fraçe do-cora/am: Fenix renacida : Alivio de trifes, confola
fam de queixoços : e outras coizas deflas, que quando eu as-leio,
me-vem à memoria, o Belorofonte literario, Clypeus Mundi, e ou
tros titulos ridículos, que só citavam bem, na boca de D.Quixo
te de la Mancha . E ifto nam só achará V. P. entre os An
tigos, mas entre efles Modernos . Traduz um Bacharel os Epi
gramas do-P.Reis, em verfo Portuguez, e dá-lhe efle titulo: Ima
gens conceituozas. Ora, falemos fem paixam, intende V. P. que,
lendo-fe eftes titulos, poderá um omem advinhar, o que contem
efles livros ? Eu nam tenho dificuldade em apoflar, que nam : e
digo mais , que efte autor nam intendeo, o que quer dizer aque
le titulo: pois, a falar verdade, nam á maior defPropozito, que
a uniam daquelas duas palavras, para explicar a dita verfam. E
ponho agora de parte a loucura, de traduzir em Portuguez, epi
gramas defles Latinos, cuja galantaria nam confifte, em um con
ceito nobre ; mas em palavrinhas, ou equivocos , que perdem o
pico , na tradufam. Mas nam pára nifto o abuzo : antes chegou
a termos, de fe-nam-chamarem as coizas , com os feus nomes,
Porem com outros muito diferentes . Vi concluzoens de Logica,
que fe-intitulavam: Regnum.Algarbienfe in quatuor vicos diflintium:
Kicus primus, de Signis : fecundus, de Enunciatione &c. que fe-podia
intender, fer uma carta geografica. Outras de Filozofia intitula
vam-fe : Pigmenta Philo/ophica . Finalmente chamavam-lhe como
queriam . E iflo é mui frequente, nas efcolas da-Companhia : e
nam faltou ja quem me-disèfe, que eram titulos ingenhozos. Ef
tes titulos ? Conclufiones , Propofitiones , Thefes, nam prefiam ja
Para nada: fim coizas dos-antigos, e nomes mui ordinarios. E que
chamamas
tas, V. de
P. afalar
iflo,emfenam jurar ,oudeChinez
Perfiano, nam dizer
? as coizas direi

E fe V. P. examinar efe defeito, achará, que fam poucos


os, autores, que nam caiam nele. Outros acrecentam epitetos afe
tados: v.g., Regras da-lingua Portugueça , Efelho da-lingua Lati
ma, deixando agora muitos outros, que podia acrecentar . Con
tudo TOM.I.
eu intendo, que era mais natural,
Z e nobre dizer : Regras
• da
179 vERDADEIRO ME TO DO
da-Gramatica Tortugueza, para introduzir os rapazes, na Gramati
ca Latina : ou ainda mais breve , e melhor : Introdu/am para a
Gramatica Latina : e falando afim, todos o-intenderiam. Que fi
zefem ifto nos-dois ultimos feculos, paciencia : mas agora , que
o mundo abrio os olhos, e todos procuram explicar-fe bem ; nam
fe-pode fofrer; e vale o mefmo que motrar º que nam intendem
em que confifte, a elegancia da-lingua, e a forfa da-eloquencia.
Os feicentifas fam os que cairam, neta ridicularia : os antigos
doutos todos a-evitàram : e fe algum fe-desviou dela , nam teve
fequazes , e deve fer reprovado. Os titulos dos-Antigos, todos
fam fimplezes: Cornelius Celfus, de Re Medica : Caii Julii Cefaris,
de Bello Gallico &c. Ciceronis Orationes, Epifole, de Finibus bono
rum &c. e outros a eftes femelhantes. Eftas palavras motram bem,
o de que fe-trata: e aquela nobre fimplicidade encanta mais, que
todas as afetafoens, a quem intende, que coiza é Eloquencia. Os
Modernos doutos, quando nam fam anonimos, que querem brin
car; fervem-{e de titulos fezudos , breves , e claros : e nifto é
em que oje fe-cuida. Com efeito nos-titulos fe-moftra, o juizo
do-autor. Eles fam os que apontam a materia : e devem nam di
zer mentiras, e falar em lingua, que todos intendam.
Pertencem a efia clafe , os que nas Concluzoens publicas,
poem por-quetam principal uma coiza , que nam fignifica nada,
e nam pertence à materia . Confefo a V. P. que quando a pri
meira vez, vi nefte Reino etas concluzoens, fiquei pafmado : e
quando vi , que a dita quefam nam fe-difuta , nem ferve de
nada, ainda me-admirei mais. Um detes imprime umas Conclu
zoens de Logica: dedica-as a Crifto Crucificado : ( porque eftes
mofos tem tanta devofam, que em nenhum lugar a-podem encu
brir) e poem por-quetam principal : Se ficou mais gloriozo Crif>
to na cruz , que no-Tabor . Outro faz umas concluzoens de
Materia Primeira, e poem por-quetam : Utrum in Lune concavo
degant homines ? Finalmente é bem raro aquele, que poem quef
tam principal, tirada das-concluzoens : mas ou da-dedicatoria, ou
de outra coiza, que nam fignifica nada. E eftarám às vezes fe
manas inteiras, lambicando o ingenho , para excogitar uma quef
tam futilifima, que calfe bem à dedicatoria. E que chama V. P.
a ilo º fenam dizer mentiras: fervir-fe de palavras que nam fi
gnificam nada : improprias ao argumento: só para moftrar , que
tem ingenho. Saiem eles logo dizendo , que é um coflume anti
gO
D E E S T U D A R. 179

go: E eu refpondo , que é mao coflume : e que fe-deve cmen


dar. Na minha Italia Poem-fe as concluzoens fimplezmente, fem
efles rodeios. Se as concluzoens fam dedicadas a Cardiais, ou Bi
pos, ou outras pefoas grandes 5 cfles vam afitir em publico,
afentados defronte do-Defendente : o qual porem eflá na cadeira:
e ali faz ao princípio um comprimento Latino, à pefoa a quem
dedica, breve, e claro : e procura falar em lingua , que todos
intendam , e moftrar a fua doutrina fem futilezas , nem coizas
que merefam

rizadas.
Nem intenda V.P. que efles defeitos que aqui aponto, fam
de um ou dois autores: nam fenhor, fam gerais. Leia V.P. ef>
tas obras Portuguezas modernas , principalmente orafoens Acade
micas, em que fazem oflentafam, de toda a erudifam e adverten
cia; e confirmará o que digo. """ Entre os modernos, o Con
de da-Ericeira tem muito ditto, como ja difemos. Comefa as fuas
coizas com uns rodeios , e umas ofcuridades, que fem comentos
nam fe-intendem. Daqui pafa a acarretar, tudo quanto leo : e co
mumente dezempara o afumto, para dizer o que lhe-ocorre . v.g.
No-elogio Funebre de Francifco Dionizio de Almeida diz , que
tomava por-empenho , defcrever o elogio de Tito Pomponio Ati
co, que morròra no-dito dia . Mas fem falar em Atico , mete
outras noticias eftrangeiras, e diz mui pouco do-defunto . Pro
mete encarecer a perda do-defunto : mas nada difto faz. O mef
mo Conde no-elogio do-Papa Inocencio XIII. declara logo, que nam
feguirá os preceitos da-Retorica , mas da-Ifloria : e com efeito
faz um catalogo difuzifimo e infoportavel, da-gerafam do-dito Pa
pa: e dete nam diz nada. Devendo porem faber , que a obri
gafam fua era, exaltar as virtudes do-feu croe, e nam as dos-pa
fados. Pois afimcomo nenhuma molher feifima merece fer louvada,
porque é filha, de uma molher mui bonita: antes polo contrario,
a fermozura da-maen dá ocaziam , paraque nos-admiremos da-fi-
lha: afim tambem as virtudes dos-pafados, nam fervem de pane
girico aos prezentes: é necefario moftrar , que efles excedem os
feus maiores , nas mefmas afoens. Do-que fica claro, que o dito
Conde fabia pouco, elogiar. E nam fc-podia efperar menos, de
um omem que protefla, de nam feguir a Retorica . E quantos
parentes, quero dizer, apaixonados, nam vemos defle fidalgo ! Mas
fem nomiar mais ninguem, provarei tudo com outra orafam, fei
ta na morte, de D. Manoel Caietano de Souza : da-qual porem
Z z nam
18o VER DA DE IR O ME TO DO
nam fei quem é o autor, nem onde foi imprefã ; porque uma
que achei em certa parte , e ainda confervo, nam tem as primei
ras folhas, e comefa na folha 7. Mas feja quem for, é moder
no : vifloque o Souza morreo á pouco tempo : e fe V. P. a-tem
lido, achará uma grande Prova do-que digo.
Efte omem faz uma orafam, que é um grofo volume . Pri
meiro defeito do-panegírico. Confefo, que afifti a muitas e dife
rentes exequias, de Pontifices, Imperadores, Reis, Principes fo
beranos, Cardiais, e Senhores grandes : e nunca vi alguma, que
chegáfe à metade deta . Mas ifto é nada . tudo o que ele diz
do-tal Souza, podia-fe reduzir à quarta parte , e ainda feria lon
ga. Confite pois efte grande volume , emque o tal Panegirita,
para motrar que era erudito, verteo nela, quanta erudifam tinha .
Explicarmeei fe difer , que ali fe-acha o Teatro de los Diofes , e
Theatrum Vite Humanº , em corpo e alma. Nam diz coiza alguma,
para que nam traga um bocado de antiguidade , comumente ar
raftada. v.g. Para dizer , que o Souza unia a piedade com a cien
cia (1); introduz a parentezis de uma pagina, em que entra Ale
xandre, Cezar, Cipiam &c. Para dizer , que o dito nam quize
ra moftrar a fua ciencia, fenam em Lisboa (2) ; nomeia Univer
fidades fem tom nem fom ; faltando de Bolonha aos Paizes Bai
xos: de Pariz outra vez a Padua : de Efpanha a Germania &c. e
a cada pafo mete fabulas, fem pés nem cabefa . E efte juflamen
te é o defeito, que eu afima condenava. Sobre o que me-lembro
das-grafas, de um omem mui douto, que foi Monfenhor Sergar
di : Efle quando fe-achava em alguma parte, em que algum def
tes, que tinham lido alguma fabula, ou ifloria, a-queriam intro
duzir ou bem ou mal; dizia-lhe galantemente: Diga, meu fenhor,
diga tudo o que tem efudado, efia noite.
Nam falo ja em alguns erros de ifloria : como dizer, Que a
barca de S. Pedro navcgou polo Tibre : Que por-ele tambem in
tráram, as Trojananas galés de Eneas : e outros femelhantes (2).
Um bocadinho que efludáfe mais de Iftoria , e Geografia , lhe
moftraria, como as coizas ou foram , ou nam foram : e lhe-en
finaria, que o lugar em que dezembarcou Eneas, nam foi o Ti
bre º Polo qual nunca navegou. Chama aos Romanos, decenden
tes de Eneas, e Afcanio . como fe Eneas fofe o Noé dos-Lavi
nios»
(1) Pag. 27. (3) Pag. 55.
(2) Pag. 46.
D E E S T U D A R. 18I
nios, Albanos, e Romanos! Mas a ifto chamo eu venialidades :
o que nam pofo fofrer, fam outras falfidades , que diz naquele
panegírico ; principalmente quando quer fair º fóra de Portugal.
Nefe cazo o omem transforma tudo . Um comprimento feito a
D. Manoel Caietano , uma carta efcrita mais cortezmente , fam
autenticas provas, da-füa imenfa literatura. Que pouco informado
é, da-politica dos-outros Reinos, efe Panegirifla! e quam pouco
fabe diflinguir, o encarecer uma coiza , e o inventala ! Pode o
Retorico dilatar , e exagerar muito um argumento : mas fempre
dentro dos-limites da-verofimilidade . Ora é uma parvoice mani
feita dizer, Que o Souza foi a Roma, para e/pantar todo o or
be literario: Que em todo o mundo fê-ouviam , os brados da-fita fa
ma : Que a Europa fu/penf, e admirada confe/ou , que excedia a
fua me/ma fama Cyc. (1): Que a Europa confe/ou , que a fila eru
difam era maior , que todos os encarecimentos , com que o-celebra
vam no-mundo, as me/mas cem bocas da-Fama (2) . Hto fam men
tiras mui manifeflas : e a ifto chama-fe fatirizar, e nam, elogiar :
Nam pára aqui a galhofa : diz, Que nam fe-fabe em Portugal,
que cs Reinos efirangeiros defem, neftes ultimos tempos, um omem,
que fe-pofa comparar ao Souza (3). Que o-mam-faiba ele , con
cedo: vitoque pola fila orafam , motra faber muui pouco : mas
que o-ignorem outros Portuguezes, nego redondamente . Conhe
fo eu omens, que fabem diftinguir muito bem D. Manoel Caie
tano, de infinitos omens, muito mais doutos que ele.
Eu creio que D. Manoel Caietano foi douto, e foube mais,
doque o comum dos-Portuguezes : aindaque eu nam pofo julgar
por-experiencia, porque nunca o-tratei : mas polas fuas obras o
difcorro : mas nam fam elas tais, que ponham um omem", na pri
meira esfera dos-doutos. E fei eu muito bem , que a fua Expe
ditio Hi/panica, é mui pouco eftimada em muitas partes : e que
nam pode obrigar, os omens mais doutos, e de uma critica pur
gada 3 a que mudafem de opiniam, fobre a vinda de Santiago:
e eu fou um daqueles, que ainda nam fe pode perfuadir, das
fuas razoens . Mas querèlo comparar, com outros grandes omens
da-Europa, é motrar, que nam intende efe oficio . Que feme
lhanfa tem o P. Souza, com
.
Petavio, Sirmondo, Launoi,
* * * * • •
Ar
- naud• •

(1) Pag. 57. (3) Pag. 53


(2) Pag. 66. - - - /
182 vERDADEIR o METoDo
naud d’ Andilly, Valois, Morin, Huet, Bofuet, Tomaffin, No
ris, Calmet, Mabillon, e outros muitos Catolicos ? ou com algum
dos-Erejes, como Grotio, Scaligero, Uílcrio , Selden , J. Gerar
do Voffio, Daniel Heinfio , Dallé, Samuel Petit, Saumaife, Bo
chart, Lightfoot , Hottinger , Joam Gronovio , Luiz de Dieu,
e outros muitos que deixo ? os quais todos vivêram no-feculo
pafado, e muitos deles alcansáram D. Manoel Caietano , e mor
rèram nefte feculo ? Que femelhanfa, torno adizer, em vaflidam
de notícias, em antiguidades , linguas orientais , Teologia &c. ?
tanta como o dia com a noite . Efles é que foram conhecidos,
cm todo o mundo douto , e feram eternamente venerados. Bem
moftra efte Panegírifa , que nam fabe que coiza é erudifam, quan
do fala defla forte. Nam falo na Filozofia, pois todos fabem, que
omens floreceram , no-fim do-feculo Pafado, e no-prezente : dos
quais a D. Manol Caietano , ( que dizem era Peripatetico, ou
aindaque o-nam-fofe ) á bem legoas de diflancia . Em tudo fe
moftra o Panegirifa , pouco informado do-mundo : e , polo que
vejo, cuido que era algum pobre Religiozo , que nunca faira de
Portugal; e afim vivia mui fatisfeito da-fua terra : pois chega a
dizer, que as Univerfidades de Portugal , até no-edifiçio , exce
dem muito , as dos-outros Reinos (I). No-que moftra intender tan
to de Architetura , como de erudifam. Mui diferentemente me
falou um Portuguez, que eltivera em Roma, e tinha outros co
nhecimentos: o qual confefou limpamente, que em materia de bom
goflo, valia mais uma só janela da-Sapiencia , ou Univerfidade Ro
mana , ou do-Colegio Romano dos-Jezuitas , que todas as Uni
vertidades, e Colegios de Portugal: e nam era encarecida a pro
pozifam . Efle é o motivo , meu amigo e fenhor , porque os
Efrangeiros nam crem , em nenhum # panegiricos : porque
dizem , que os Portuguezes , namobílanteque comumente fejam
invejozos , e digam mal uns dos-outros 3 quando porem tomam
o empenho de elogiar º mentem dezencaixadamente, e tudo trans
formam : e até dizem mal dos-outros todos , para elogiar o feu
eroe . Se louvam um Santo, nam só nam á Santo igual ao feu;
mas quazi chegam a dizer mal, dos-outros todos . O me{mo faz
o nofo Panegírita. . . . . . • • • •

Que um omem fafa uma orafam mui mal : que fe-explique


1Il

(1) Tag. 49.


D E E S T U D A R. 183
infelizmente : que introduza na-orafam, quantas coizas leo: que
ignore o eftilo de elogiar, e amplificar os argumentos : que feja
languido e fem grafa na compozifam : que nam faiba manejar a
fua lingua : que ignore a colocafam das-palavras, e armonia dos
períodos : como faz ele Panegírita ; nam feria grande coiza : o
que nam pofo fofrer é; que tenha prczumfăm definedida, e que
diga mal dos-outros, e dº aquilo que nam intende. O que fe-faz
netas orafoens, e com efecialidade o autor defla . Para dizer, que
o Souza eftudou em Portugal, e nam fóra dele ; emprega quatro
boas paginas (1), dizendo mal, dos-que vam eltudar fóra de Por
tugal : porquanto cá em Portugal, fegundo ele diz, tudo fe-acha,
e muito melhor, que nos-outros Reinos. Os mefmos livros: omens
mais doutos : Univertidades melhores , e mais florentes da-Euro
pa : Portugal é o Reino da-Sabedoria , do-qual os Etrangeiros
podiam participar com mais razam , doque os Portuguezes deles :
e outras femelhantes. E que diz V. P. a efia propozifam º á coi
za mais etupida ! E concedem-fe licenfas, a femelhantes efcritos |
Senhor Panegírita , refponderia eu , nam bata ter os livros, é
necefario intendêlos : e ifo é o que os praguentos dizem , que
muitos cá nam fabem . Todos os Latinos nas efcolas lem Cicero;
e poucos o-intendem ; e muito menos o-imitam. Mas, fuponha
mos que o-fabcm alguns 3 Porventura , fäbem-no ou enfinam-no
nefas Univerfidades º nam fenhor, que eu prezenciei tudo o con
trario. Alem difo , aqui nam á exercicio de linguas , Filozofia
boa , Matematicas , Teologias Pozitivas &c. Iftoria , Medicina
verdadeira , e outras faculdades : fe me-nacer alguma duvida , a
quem o-ei-de proguntar ? Alem difo , efa falta de exercício é
cauza, de que fe-ignorem muitos livros : pois é certo , que em
Portugal , nam fe-conhecem livros bons , que fam bem vulgares
em outros Reinos : e o Panegírifa é um deles ; que por-nam
conhecer os autores, diz muita falidade, no-feu Panegirico. Def>
pois que fe-fundou a Academia da-Ifloria, quantos livros nam fe
conhecem , que antigamente fe-ignoravam ? Concedo , que fe em
Portugal fe-introduzifem outros efludos , com o andar do-tempo
fariam o mcfmo º que nos-outros paizes : mas como ainda cíta
mos, mui longe defa epoca, nam é maravilha , que muitos vam
efludar fóra, o que cá fe-nam-fabe. Prouvera a Deus, que fo
fèm

(1) Tag. 47.48.49.52.51.


184 V ER DA DE IR O M E TO DO
fem muitos mais : e que efludafem bem : e viefem introduzir efe
bom goflo» em Portugal.
Quanto ao que diz o Panegírita , que os Efrangeiros po
diam aprender, dos-Portuguezes; tem muita razam: mas deixo a
V. P. o-determinar, fe á-de fer em armas, ou letras. Se ele fou
bèfe o conceito , que aqueles tem dos-Portuguezes, ficaria mui ad
mirado. E para nam bufcar exemplos remotos, direi a V.P. que
eu falei em certa Cidade, com um Religiozo, que viera infruir
em Rilhafoles, os ordinandos : e me-dife, que ficára paímado, de
ver a ignorancia defles paizes, principalmente dos-Clerigos: mui
tos dos-quais , nam obtante terem fama de doutos, necefitavam
aprender, os primeiros rudimentos da-Fé . Efe falava por-expe
riencia 3 pois eflivera dois anos em Portugal : era alemdifo um
omem de virtude , e mui moderado no-falar . Veja V. P. que
conceito eles tem diflo. Pode-fe notar no-me{mo Panegírita, a in
coerencia : Quando lhe-tem conta, para avultar a ciencia do-Sou
za; Roma é uma Cidade cheia de omens doutos : a Arcadia é
uma coiza famozifima: é um congrefo de Virgilios , e Oracios.
Quando nam lhe-tem conta , os Eftrangeiros nam fabem nada:
e tudo podem aprender, dos-Portuguezes. quem intenderá tal omem!
Em uma palavra, efte omem cuido nam fez coiza pior , na fua
vida. Todas as comparafoens que faz, fam arrafadas, c inverofi
meis: as exclamafoens, que frequentemeete introduz, fóra do-pro
pozito, e do-lugar: as parentezis longuifimas, fuperfluas, e info
portaveis: a fraze afetada, mas fem elevafam ou nobreza 3 repe
tindo em cada regra a Ilufirifima, a um Religiozo, e a um mor
to . Finalmente nam fabe dar forfa, aos argumentos que traz, di
latando-os com artificio retorico.
. Mas nam quero falar mais nefa materia, porque parece que
fafo grande cazo, de uma coiza que o-nam-merece. é fazer gran
de favor ao autor, criticar-lhe os defeitos, que fam infinitos. An
tes devo pedir a V. P. perdam, de o-ter demorado, com feme
lhante orafam : o que fiz por-duas razoens : Primeira , paraque
V. P. vife, a infinita diflancia que poem, entre fermam funcbre
na igreja , e orafam funebre na academia : como fe os preceitos
da-Retorica fofem diferentes ! Segunda, paraque vife pintados em
uma só orafam , todos ós defeitos que lhe-tenho apontado º rei
narem nefles paizes: pois fendo efte um dos-modernos , caie em
todos eles, nam dizendo o que deve ; e dizendo o que nam
• • VC •
de
D E E S T U D A R. 185
ve. Os quais fam mui confideraveis defeitos, de Retorica .
O que até aqui tenho expofto a V. P. battantemente moftra,
o que eu tinha propofto : e dá uma verdadeira ideia, do-que é
Retorica , em que fe-deve uzar , e como fe-deve uzar . E com
efeito menos ainda bataa : poif@ue tendo V. P. grande compreen
fam de materias, e mais que tudo, formando juizo exato das-coi
zas ; nam-lhe-podem fer ocultas, etas que aponto ; e nam pode
deixar de falar , com belífima Retorica . Mas á juizos tam
fepultados na materia, que nam podem confiderar outras coizas,
fenam aquelas que uma vez viram : nem receberám a verdade
mais clara, e demonftrada , fe nam é propofta com aqueles ter
mos, e por-aquele metodo, que uma vez ouviram . Ilto me-obri
ga a fazer alguma reflexam, fobre as partes da-Retorica, ou fo
bre eflas Retoricas uzuais, e principalmente fobre o eflilo do-pul
pito: vifloque neftes paizes, para ifo inclinam mais : e nifto é que
necefitam, de melhor diretam ; para os-livrar daqueles ridiculos
prejuizos, de que efiam cheios.
M E TO DO D E Tº E R S U A D I R.
Manifefla loucura é perfuadir-fe, que é necefario faber tudo,
o que dizem as Retoricas , para fer Orador (1) . Ja adverti a
V. P. que eftas Retoricas comuas , eram pola maior parte uma
lifta de nomes, e divizoens , impertinentes de fe-aprenderem , e
dificultozas para fe-confervarem : mas tudo ifto podia fuceder,
aindaque a materia fofe boa. Porem eu nam paro aqui, mas di
go , que nam só polo modo com que o-dizem , mas ifo me{mo
que dizem, tem pouquifina ou nenhuma utilidade ; e nada con
duz para o fim , de falar, bem, e perfuadir. E digo da-maior
Parte delas, o que lá dife Cicero de outra Retorica, que efcrevê
ra Cleantes.» Que para nam faber falar , nam avia coiza melhor
(2) . Sam finco as partes da-Retorica: Procurar meios de perfüa
dir: difolos: falálos bem : efludálos de memoria : e pronunciá
los com as I.afocns que fe-devem. A Aifo
TOM. a ajuntam, os trez meios
de •

(1) Ego hane vim intelligo efe fed artificium ex eloquentia natum.
in preceptis omnibus, non ut ea Cicer. i. 1. de Orat. num.32.
Jecuti oratores, eloquentie laudem (2) Scripfit artem Rhetoricam
Jiut adepti: Jed que fua fonte bo- Ceantes, fed fic, ut fiquis obmu
mine, eloquentes facerent, ea que/ te/cere concupierit, nihil aliud le
dam objervaíle,
efe nom atque ex
eloquentiam id egipe, Sic
artificio, gere debeat.
num. 7. Cicer.lib.I. de Olat

186 VER DA DE IR O M ET O D O
de perfüadir , que fam as provas , os coflumes , e as paixoens
dos-ouvintes. Dizem alem difo , que qualquer difcurfo oratorio
deve ter exordio : defpois , narrar o fato : depois proválo , e
refponder aos motivos contrarios: finalmente perorafam , na qual
fe-faz um epilogo dos-motivos. » e fe-excita novamente, o animo
dos-ouvintes. Tudo ifho é verdade: mas fe pararmos aqui, pou
co faberemos de Retorica « Eu direi alguma coiza da-Inven/am :
fobre as outras, reporto-me a efes livros comuns 3 e só tocarei, o
que me-fornecefario - -

Para bufcar argumentos ou provas , que perfiladam, o que


pertende o Orador , propoem os Retoricos uma lifta de nomes,
aque chamam, lugares comuns: os quais enfinam, confiderar o ar
gumento de tantas partes» e voltálo de tantas maneiras, que feja
facil, dizer muita coizado-tal fugeito. Confefo, que eflas con
fiderafoens genericas , dam materia para falar muito ; e em tal
ou qual cazo, podem nam fer inutis : mas º feguindo o parecer
dos-omens de exata critica , conflantemente digo , que efles lu
gares nada menos enfinam, que a falar bem: fuminifiram ideias.
gerais, palavras fem fullancia, narizes de cera, que fe-aplicam a
tudo, e nam, perfuadem nada em particular. Um defles que cre
muito nos-Topicos, falará uma ora inteira, fem dizer coiza algu
ma com propozito: jutamente como os Logicos da-Efcola. Eles
efcrevem longuifimos tratados de Syllºgismo , dam mil regras, pa
ra difcorrer com propriedade, e fem falencia ; e para provar tu
do o que ocorrer. A ouvilos na cadeira, julgará um omem , que
fam letrados univerfais : mas introduza-os V. P. em um difcurfo
particular, e verá , que tudo aquilo é palhada. : concluirám um
difcurfo pior, doque nam fará, um oficial ignorante. Muitas ve
zes nam fabem nem comesálo, nem acabálo: efe lhe-metem a pe
na na mam, é latima ver , como efcrevem as fuas razoens. O
me{mo Cicero , que tam apaixonado era pola Retorica , e feus
preceitos, que efcreveo um livro dos-Topicos; contudo reconhe
ce, que éque
em modo necefario muito juizo
nam digamos , para
parvoices (1).fe-fervir detes lugares, •

• Quem
(1) Judicium igitur adhihebit : difciplinis exculta funt. Sed ut fê
nec inveniet Jolum quid dicat, fed getes facunde cº: uberes, non folum
etiam expender: Nihil enim efi fe- fruges, verum herbas etiam efun
racius ingenii, iis prºfertim, que dunt inimicilimas frugibus: ter

fic in
D E E S T U D A R. 187
Quem pois reflete nifto, intende o conceito que fe-deve fa
zer, de femelhantes lugares. Se nam fofe permetido falar, fenam
naquilo que fe-fabe , a maior parte defles, que fazem, profifam
de falar em publico, ficaria calada. Ninguem é capaz de difcor
rer em uma materia ; fe é que a-nam-tem efludado fundamental
mente : e nunca poderá deduzir º boas confequencias, fe acazo nam
posde bem, os principios :. Pode um Fizico eflar cheio de filogif
mos, até os olhos; ter lido quantas ridicularias fe-tem dito, fo
bre os apetites da-Materia ; fe acazo nam tem bem examinado,
as experiencias : nem poderá explicar, qualquer uzual fenomeno.
Pode um Teologo faber, a quinta c{encia da-fórma filogifica ; mas
fe nam fabe bem , em que textos fe-fundam os Dogmas, nam fe
rá Teologo fenam de nome .
Iflo fupofo , a primeira e importantifima regra da-Inven
fam é, intender bem a materia, que fe-trata (1): porque só afim
facilmente fe-incontram , os argumentos proporcionados ao fugeito:
e tam facilmente fe-incontram 2 que naturalmente fe-aprezentam ,
caiem da-boca, e da-pena . Efle é o grande defeito, defes Pre
gadores Portuguezes, Propoem-lhe uma materia , que eles ignoram:
e em lugar de efludarem o que devem , formam logo ideia ,
do-que querem dizer se defpois procuram os textos, que fafam ao
intento : e fe os-nam-acham , violentamente os-arratam : porque
finalmente, feja como for, deve-fe provar, o que fe-propoz. Ora
a Eftritura nem fempre dá textos literais, para confirmar todas
as chimeras, que os Pregadores propoem : e afim é necefário re
correr , a algum detes comentadores Peripateticos : Inuitos dos
quais adotam nos-comentarios, as futilezas : e ; fe falta efe, nun
ca falta um detes Afceticos , que provam tudo o que querem :
e temos o fermam feito. Se o Pregador tivefe efludado a mate
ria, conheceria , que verdades importantes , como fam'48"da-re
ligiam , nam fe-podem provar com futilezas, mas com razoens
fólidas : razoens folidas nam fe-podem achar, para provar concei
tcs 1ídiculos : de que vem 3 que necefariamente um omem que
• - ** * * Aa > - - *fabe -.

terdum ex his locis aut levia que- (2) Volo enim prius habeat ora
dam, aut caufis aliena, anthon torrem, de qui dicat, dignam au
utilia gigmuntur : quorum ab ora- .ribus eruditis, quam cogiter, quibus
toris judicio deletius magnus adhi- verbis quidque dicat, aut quomº
bebitar alioqui. Cicer. Orator. "do. Idem, ibid, num. 34.-* *
nuyam, J 5 •
188 VER DA DE IR O METO DO
fabc a materia , deve defbrezar eftas puerilidades ; e confiderar
todos os fermonarios, talhados por efla medida, como livros que
nam fe-devem ler.
ue feria do-mundo Retorico, fe todos os omens um dia,
abrifem os olhos ! Eu feguro a V.P. que de cemmil livros, que
fe-acham neta materia, pouquífimos fe-poderiam confervar ; e al
guns deles, só por-fazer favor, aos feus autores. Pois aquilo que
entam fariam todos , devem oje fazer os omens, que fe-querem
aproveitar a fi, e aos outros. Quando eu era rapaz , e fomen
te conhecia os autores polo fobrefcrito, confiderava mais felizes,
e doutos aqueles omens, que pofuiam mais livros, doque os que
tinham menos: porque, dizia eu, aqueles gozam a lifam, de mais
autores, e de mais omens infignes. Naquele tempo, E/critor, e
Doutor, eram finonimos no-meu Vocabulario . Eu, era um daque
les, (que por-nofos pecados, ainda vemos oje tantos) que media
a Ciencia a palmos : quanto mais livros, mais ciencia : e o li
vro maior fempre me-parecia, tezoiro mais preciozo . Mas def
pois que me-familiarizei, com aqueles mortos: que revolvi muitas,
e grandes livrarias: que confultei omens doutifimos: que li aten
tamente os Criticos : e finalmente que tomei o trabalho de exa
minar, com os proprios olhos, o merecimento de muitas das-di
tas obras: transformei-me nefte particular : e formo tam diferen
te conceito do-mundo 3 que fe explicáfe tudo o que intendo, nam
confervaria tam boa conrefpondencia, com tanta gente. Ora ifto
que fe-Pode dizer, de toda a forte de livros, aplico eu oje aos
fermonarios, e outros que tratam de Retorica : e conclúo, que
pouquifimos defles livros fe-podem ler , e ainda efes com cui
dado . - •

E coiza digna de obtervar, que netes paizes, a maior par


te dos-que efludam, confundem o Ingenho, com o Juizo : o Juiço,
com a Doutrina : efia, com o Criterio : fendo coizas na verdade
bem diferentes. Pode um omem fer ingenhozo, porque pode unir
diferentes ideias que elevem , ao que chamamos Ingenbo ; e nam
ter uma oitava de Juizo : porque finalmente o Juizo é aquela fa
culdade da-alma, que fepára uma coiza da-outra , e conhece ca
dauma, como é em fi . Pode efte omem ter Juizo , e nam ter
Doutrina, porque nam tem efludado. Pode ter alguma Doutrina,
e nam ter aquela que é necefaria, para formar bom Criterio . Iflo
parece-me bem claro , Mas nam o-intendem afim aqueles , que
_-
por
D E E S T U D A R. · 189
por-verem um, que ideiou varias chimeras, e formou algumas ide
ias futis, mas ridiculas; logo o-batizam, por-omem de juizo , c
grande doutor. E daqui entam nace, que as ideias daquele tal
ómem, fam recebidas com mais refpeito, doque nam eram as rc{-
potas, em Delfos . Mas, tornando ao argumento. :
Para perfuadir , quer-fe em primeiro lugar º boa Logica, que
dê os verdadeiros ditames, para julgar bem (1): cm fegundo lu
gar, um juizo claro , que os execute. Sem efles primeiros prin
cipios, fam fuperfluos todos os ditames: Da-Logica em feu lugar,
falaremos. Decendo, pois ao particular digo, que só a verdade ou

xerofimilidade, é a que pode perfuadir um omcm 3 e é aquela va
lente arma, com que nos-acomete a raçam . Ninguem deixa de fe
perfuadir, de uma verdade clara. Verdade é que muitos fe-per
fuadem, da-aparencia: mas tambem é certo , que os-move a ver
dade, que nela imaginam . Afimque só a verdade é a que per
fuade, quando fe-lhe-dá atenfam. A forfa que os omens fazem,
para divertir os olhos do-intendimento, para outra parte; é a que
impede, que a verdade nam triumfe , produzindo o feu efeito»
que é a perfüazam . Nifto é que eftá o empenho do-Orador,
em defcobrir a verdade: motrála em toda a fua clareza : e ma
nifeflar o erro opofto . Niflo fe-diftingue o verdadeiro. Orador,
do-Declamador . Efte, contentando-fe das-aparencias, vete o erro
com a mafcara da-verdade : o Orador porem defcobre se manifetta
o erro, e poem a verdade em toda a fua luz. " . * - -

Orar nam é inganar» é fim introduzir no-animo, alguma ver


dade importante. Mas muitas vezes os Oradores, tem mais nece
fidade , de convencer o erro, . doque eftablecer alguma verdade
notoria. Ninguem toma o trabalho de perfuadir , que Deus caf
tiga , e premeia : ifto fabem todos os ouvintes: o ponto eftá em
mover os omens à penitencia, moftrando o grande erro, de a-de
ferir para a ora da-morte... Em defcobrir o erro , é que deve
cuidar muito o Orador . Os omens nam fe-inganam nas confe
1 * * * *º*, quen
(1) Effe igitur perfeãe eloquen- - Et infra = Nec vero dialeticis
tis puto, non eam /olum facultatem modo fit infrutius,fed habeat omnes
babere, que fit ejus propria, fu- Tbilofopbic notos, ó trañatos lo
Je º lateque dicendi ; fedetiam vi- cos. ... nihil, inquam, fine ea
einam ejus atque finitimam, diale- frientia, quam dixi, graviter, am
#icorum/cientiam afilmere, Cicer. ple, copiofe dici cºr explicari po
Orat. n. 32, teft .
19o VER DA DE IR O M E TO DO
quencias, porque comumente deduzem-nas muito bem : o em que
fe-inganam é , nos-principios 3 porque, por-falta de exame, rece
bem uns falfos , como fe fofem verdadeiros . Deve pois o Ora
dor , moftrar a falidade defles principios - deve moftrar-lhe em
que diferam bem, e em que faláram inganados . Defla forte mof>
trando-lhe a verdade , fe a materia o-pede 5 ou, fe é notoria,
defcobrindo-lhe bem o erro, fe-confegue o fim da-perfüazam.
Mas nam bafta ifto, para perfuadir: e fam necefarias outras
circunftancias, para introduzir no-animo, a verdade. A primeira é,
a atenfam. Que importa , que o Sol alumeie o Mundo , fe eu
de propozito me-retiro em uma caza ofcura ; ou polo menos, nam
dou º ateníam aos objetos , que fe-me-propoem º Damefma forte
importa pouco , que a verdade feja notoria, e o erro muito bem
convencido; fe eu nam fafo ateníam para uma , nem para outra
coiza . Deve pois com cuidado o Orador, excitar a atenfam : e
como as coizas ordinarias » nam confeguem iflo, mas fim a fingu
laridade e novidade; deve o Orador, veftir ifo mefino que diz,
de uma certa novidade , que o-reprezente fingular . As Figuras
dam efla novidade às coizas: e por-ifo elas fam, as que movem
muito a atenfam: dando a intender , que o objeto é novo , é
grande, é fingular. Certo amigo meu , defcrevendo a cara de uma
molher, igualmente feia, e defwanecidas foube dar tal novidade a
efte afumto, oque é bem umilde, e efterils que com gofto fe-lia
a detrifam, do-principio até o fim. Porei aqui um foneto , que
fez ao dito afirmto , e que tem o me{mo artificio. - -

i <" "i … Es
-….…… A tua mas
! ".feia: é bela que
vifadeforte, orroroza ·
a feialdade. |- • •
- -

- . - o Mas tens fortuna tal, que a enormidade - . .


r… … … Te-confegue os tributos # formoza. {
- 3 - … Cara "tam feia , coiza tum pa/moça
: -i, - - . Todas obferram, e more a raridade . " |-

-i … … . Nam de/perta o comum, -a -curridade :" - - - *

-~ Serrara, é que te-adilla vaidoça - - - -

* *** * …Ama-fe o Belo, e cega o mefmo afeto. "


… " … O Feio, pois mam liga o penfamento , - } * *

* - - Deixa miudamente ver o objeto.


º Ifo faz, que Je-objerve efe portento .
. . . Quantos ºfá, obrigada, a ele apeto; ,, …
º , , , , , . Se no-enorme te-dá merecimento !... * * * * * * *
* * … O ou-º º
{ D E E S T U ; D. A. R. I9 I

O outro importante ponto, de excitar a atenfam é, nam mof


trar o objeto, que fe-propoem, fenam quando a atenfam , ja nam
é necefaria . Embedido o omem da-curiozidade , de faber o que
fe-propocm, vendo fempre coizas novas, e que prometem defpois
de fi, outras maiores ; vai feguindo com a confiderafam o Orador,
atéque lhe-explique, a inteira fuflancia do-negocio. Afim fe-con
ferva o ouvinte atento 3 e, eflando atento, fe-lhe-introduzem , as
verdades que fe-querem . Nos-Poetas de algum nome verá V. P.
efle artificio, bem executado: e tambem em muitos Prozadores.
O me{mo Gracian no-feu Criticon, ingenha deforte a narrafam,
das-figuras que introduz , que acaba o capitulo , quando fe-á-de
explicar, algum grande fato: e rezervando a foluíam, para o fe
guinte, conduz o leitor, defde o principio até o fim, fempre com
curiozidade de ler. Efte tambem é o artificio mais comum , das
orafoens de Cicero, e de alguns Oradores modernos, que o-fou
beram imitar: como eruditamente adverte, um grande Retorico
da-minha Religiam (1). E nitto é que fe-diflingue o Orador, do
Filozofo. Ambos tem por-objeto , a Verdade : mas o Filozofo
nam coftuma, mover a vontade : contenta-fe, de expor as razoens:
porem fe acazo nam, acha um leitor, fem prejuízos e preocupa
foens, nam conclue nada. Mas o Orador move as paixoens: ex
cita a curiozidade : moftra a verdade de tantos modos, com tan
ta clareza, com tanta eficacia: desfaz os prejuizos com tanto ef
tudo , que finalmente convence o ouvinte. - *

O 3° ponto importante é, faber ganhar a vontade, ou infi


nuar-fe, no-animo dos-ouvintes. A Verdade, diz o proverbio, é
amargoza : e uma verdade nua e crua, propofla a uma pefoa, que
as-nam-coze bem, é dura de digerir - Deve pois o Rétorico, in
finuar-fe galantemente , no-animo dos-ouvintes : propondo-lhe a
verdade, veflida de um tal modo, que ele a-admita, quazi fem
advertir. V.P. ja fabe, que as pirolas de quinaquina, e outras tais
amargozas , fe-cobrem com marmelada , ou obreia branca , para
fe-engulirem fem dificuldade. Eu fei muito bem, que efte nego
ció, nam eftá na esfera, de todos os Pregadores. Requer gran
de pratica do-mundo : grande cohecimento dos-omens: do-mcdo
com que obram, e com que fe-excitam as paixoens : finalmente
uma Filozofia particular, que defcubra a origem de tcdos os mo
vimentos

(1) Fra Gianangelo Serra, Capucinho de Faença, na fua Retorica cºc.•


192 V E R DA DE IR O ME TO DO
vimentos do-animo: lifam de bons autores : e perfeita fagacidade:
qualidades todas que pouquifimos chegam a conhecer , quanto
mais pofuir. |-

Julga-fe comumente, e nam fem razam, que o conceito que


os ouvintes tem , da-virtude e merecimento do-Pregador; conduz
muito , para fe-perfuadirem. Quem vai ouvir um omem, de quem
é fama comua, fer muito fanto, ou muito douto 3 vai meio con
vertido, ou perfuadido . Em todas as Aldeias, á-de aver um bar
beiro, que julgue de fermoens: o qual é eftimado, como o omem
mais inteligente. Os Aldeioens talvez nam ouvem , o que diz o
Pregador ; mas eflam atentifimos aos movimentos, que faz o bar
beiro : fe efte aprova o difcurfo, o Pregador é famozo. Afim fe
vive nam só nas Aldeias, mas tambem nas Cidades. Sam poucos
os omens capazes, de julgarem por-fi : mas vem , ouvem , e julgam,
polos fentidos dos-outros. A prevenfam pois com que fe-ouve um
omem , é aquela que , entre a maior parte dos-omens , decide
do-feu merecimento: e efla tal opiniam de merecimento, é a que
faz receber com agrado, os difcurfos: os quais, quando nam acham
opozifam no-animo, produzem todo o feu efeito. E afim deve o
Pregador, moftrar-fe digno de o-fer : deve pregar primeiro com
as obras, que só entam os feus difcurfos, feram bem recebidos,
e os feus ouvintes ficarám perfuadidos, do-que lhe-propoem. Mas
devem eflas virtudes fer verdadeiras, porque fem ifo, nada con
clúem .
Em 4° lugar, deve cuidar muito o Orador, em nam ofen
der com palavras, os feus ouvintes . Os Omens nam goflam, de
reprenfoens publicas : e parece que com razam . Tudo fe-pode
perfuadir, com bom modo : e facilmente concordamos no-que nos
dizerm, fe ouvimos as razoens , propoflas com amizade , e com
brandura : e propoflas por-um omem , que nam faz vaidade da
Eloquencia:
ve dela, paraque nam oftenta
nos-inclinar triumfos:
, para mas que. utilmente
onde devemos " •
fe-fer
Em quinto lugar , é necefario tambem, moftrar aos ouvintes
a utilidade, daquilo que lhe-propoem º mofirar-fe parcial dos-feus
interefes , para os-poder trazer, para a parte contraria. Nós facil
mente damos orelhas àqueles , que intendemos obram, polo noso
me{mo motivo ; e eflam, perfuadidos , da-me{ma paixam . Por-ifo
é muitas vezes necefario, nam condenar tudo quanto eles dizem:
louvar alguma parte , para podermos condenar a outra, com mais
efica
D E E S T U D "A R. 193
eficacia, e efeito. E necefario , faber dizer mal nas ocazioens, mo
dificando a centura, com alguns elogios . Obfervei fempre , que
um omem que nega tudo, ou concede tudo, nam conclúe nada.
Devemos dar lugar à prevenfam 3 e algumas vezes dar tempo à
colera: esfogada a qual, cntam é que pode ter lugar , a Perfüa
zam . Para ifo requer-fe doutrina, prudencia, afabilidade, e ou
tras muitas virtudes.
Deve em 6° lugar, faber excitar propriamente, as paixoens;
e infpirar aquelas que fam proprias, para mover o Omem. Sam
as paixoens as que nos-movem: e nam á coiza , que nam pofa
fazer um omem, fe-acazo fe-lhe-excitou, a Paixam proporcionada.
Nifto pois é que deve efludar o Orador: infpirando aquelas, que
fam necefarias , Para abrafar a verdade que propoem . Para ifto
é necefario, efludar bem as paixoens do animo; porque, fem ef>
tas machinas, é certo, que nada obram os Omens. Iflo que até
aqui temos dito, abrafa todo o genero de orafoens, e fermoens:
mas efpecialmente fe-devem notar algumas coizas, para a eloquen
cia do-pulpito: que compreende duas fortes de orafcens, Panegi
ricas, e Morais. •

Em primeiro lugar é uma ridicularia e impropriedade, tomar


um texto da-Efcritura, para fazer um panegírico Funebre . Nam
é o afumto, explicar a Efcritura: mas fim engrandecer, as vir
tudes todas daquele omem 3 paraque todos o-imitem : e confolar
o auditorio da-fua perda, com a vifta dos-monumentos, das-füas
fingulares prerogativas. Onde deve-fe defcrever a vida dele; to
mando as afoens mais famozas, e deixando menudencias ridiculas,
que nam dam maior ideia, da-dita pefoa. Devem-fe narrar , e
engrandecer as afoens : deve-fe na exagerafam empregar todo o
artificio da Retorica ; fem degenerar naquelas ridicularias, que to
dos os momentos vemos : a Ittoria , o exemplo pode dar novo
luftre, às me{mas virtudes. Mas fempre devemos ter diante dos
olhos, que uma coiza é orafam, em que fe-perfüade, a execufam
da-virtude 5 e outra panegírico: naquela tem lugar, os textos da
Efcritura ; nefta de nenhuma forte. Em uma palavra, todo o ar
tificio que fe-deve praticar , em todas as orafoens exornativas,
que ou louvam , ou vituperam 3 confifte em narrar, e amplificar.
Deforteque, para nam fazer iftoria, deve nam só narrar; mas de
tal forte diftribuir a narrafam º que defpois de narrar um fato,
ou uma ferie de fatos, que Pertenfem açº me{mo ponto.; os-am
TOM.I. B b - plifi
194 VER DA DE IR O M E TODO
plifique.: e afim moftre o feu juizo, na narrafam ; e a fila elo
quencia; na amplificafam (1). Como todas as orafoens do-genero de
monfirativo, tenham eftado de comparafam, porque nam fe-difpu
ta, an res fit, mas quanta fit : deve fer o principal artificio do
Orador, introduzir a controverfia conjetural; com que manifefte,
a grandeza da-asám, confiderando miudamente todas as coizas, que
a-podem relevar. Defpois, conjeturar das-virtudes pafadas, o que
ele faria nefas, ou em outras circunflancias &c. Podem tambem
nettes panegíricos ter lugar, diverfos outros artificios, de contro
verfia Definitiva, Translativa, e Judicial ; praticados polos anti
gos Retoricos: os quais conduzem muito, para efte me{mo fim .
Quanto à difpozifam dos-argumentos, aconfelha Cicero, que
primeiro fe-toquem , os bens externos, quero dizer , da-gerafam :
defpois, os do-corpo, e os do-animo . Quanto às afoens, que ou
fe-figa a ordem dos-tempos, ou fe-reduzam a diverfos titulos de
virtudes (2). Defta forte narrando, e amplificando, fe-poderá for
mar, um panegirico perfeito -
Pafando daqui aos panegiricos de Santos , em quanto fe-pu
derem evitar temas, ferá mais arrezoado: mas quando ou o cof
tume , ou o genio obrigue , a tomar algumas palavras da-Eferi
tura ; nam é necefario, efquadrinhar profecias, nem procurar de
acomodalas literalmente : bata que as ditas tenham alguma ana
logia, com a materia de que fe-trata. Pode-fe feguir a fentenfa
da-Efcritura, para comefar o fermam ; fem a-introduzir novamen
te » no-corpo #. Ifto tenho vito fazer, a omens muito gran
des: e parece-me que um tal exemplo, fe-deve preferir aos ou
tros. No-corpo da-obra, deve-fe feguir o me{mo eflilo, das-ou
tras orafoens laudatorias; narrar, e amplificar. Mas como a vi
da dos-Santos, principalmente antigos, e ja nota a todos à Para
CV1tar

(1) Conficitur autem genus hoc (2) Deinde ef? ad fačia venien
difiionis narrandis exponendi/que dum = quorum colocatio eft triplex:
fattis, fine ullis argumentationibus; aut enim temporum fervandus eft
ad animi motus leniter tratiandos ordo : aut imprimis recentillimum
magis , quam ad fidem faciendam » quodque dicendum: aut multa cº"
aut confirmandam accommodate.Non varia fatia in propria virtutum ge
enim dubia firmantur: fed que cer mera funt dirigenda. Ciceroibi
tasaut pro certis pofita funt, augen dem n.23.
tur. Cicero de Partit.Orat. n.21.
D E E S T U D A R , 195
evitar o fafio a efles delicados , pode efcolher uma , ou duas
afoens mais famozas , e delas formar o feu panegirico . E efte
metodo é o mais frequente , quando fe-fala em Santos antigos:
cujas afoens todas ou fam bem notas, ou deles fomente fabemos,
uma ou outra virtude, mas publica a todo o mundo: ou algum
grande privilegio, concedido por-Deus ao dito omem: e efe o
engrandecem, com todo o artificio da-Retorica. Mas nos-moder
nos, cuja vida nam é mui notoria , é melhor , feguir a ordem
dos-tempos , ou virtudes , e explicar toda a vida do-Beato . O
grande Orador Paulo Segneri, pregando de S.Eflevam, engrande
ce a virtude defle Martir, com varias confiderafoens. I? fer S.Ef
tevam o primeiro , que defe a vida pola Fé. 2º tela dado por
uma fé, que entam comefava, e era ainda defconhecida . 3º tejº.
dado nam só fem efperanfa, de receber aplauzos, mas com cer
teza moral, de experimentar oprobrios e derrizoens . 4º ter da
do o proprio fangue por-um, de quem nam tinha recebido, tam
privilegiados favores , como receberam os Apofiolos . 5º porque
uma tal asám mereceo, comunicar a Paulo, e outros que o per
feguiam, a fua me{ma fé . Com efte exemplo , fe-podem tecer
mil panegiricos: advertíndo muito, que eftes pontos, nam fe-de
vem provar feparadamente, como fazem nefte Reino; porque ef>
te metodo detrue, a uniformidade do-fermam, e impede o exer
cicio oratorio : mas de um fe-deve pafar a outro, de modo tal
que , fem advertir o ouvinte , fe-veja introduzido na confidera
fam, de uma nova prerogativa 3 com que o Pregador vai requin
tando, as virtudes que narra ; e feguidamente o conduz ao fim,
de o-perfuadir, que é grande o fugeito, de que fe-trata. E nif>
to fe-compreende tudo , o que pertence ao genero laudatorio,
quero dizer, aos fermoens em que fe-leuva alguma pe{ba, ou al
guma asám de piedade.
A outra efpecie de fermoens , a que chamam Morais , po
dem em certo modo pertencer, ao genero demontrativo: o qual
nam só compreende, os que louvam alguma asám , mas os que
vitupêram outras: como fam os morais, que pintam o Vicio mui
feio , para mover os Omens , a que abrafem a Virtude opota.
Mas como nifto entra a perfuazam, e admoeftafam, que fam pro
Prias do-genero deliberativo; podemos chamar-lhe, mixtos de am
bos os generos. Mas chamem-lhe como quizerem , o me{mo ar
*#b
tíficio , que afima difemos, nos-outros 3 deve
2
……… C
196 VER DA DE IR O M E TO D O
fe nefles , com fua proporfam : quero dizer , que fe-tome um
afümto fingular, e proprio do-que fe-quer dizer ; e que fe-buf
quem argumentos, e fe-dilatem demaneira, que fempre fe-vá fu
bindo 3 para chegar a perfuadir-fe, o que fe-quer . Iflo fupoto
deve o Pregador, fugir de dois extremos: um, de querer agra
dar muito, dizendo galantarias , e enchendo a orafam de penía
mentos futis, de aplicafoens chimericas , e outras coizas deflas:
outro, de nam querer agradar coiza alguma, como fazem certos
mifionarios, que propoem as verdades tam nuas e cruas, que in
finitamente dezagradam. Contra os primeiros, ja afima dife algu
ma coiza , repreendendo as afetafoens, onde nam entram : fendo
certo que nam entram tais coizas , em materias tam fezudas e
graves. Mas porque á muita gente, que, querendo fugir do-pri
meiro defeito, caie no-ultimo 3 e para cubrir a propria ignoran
cia, defpreza todos os ornamentos da-Retorica; é necefario mof
etrar a efles, o feu
pios. ingano , com o exemplo dos-omens doutos»•

O Pregador Evangelico deve inftruir, e mover : e nam fe-in


finuando, no-animo dos-ouvintes, nam confeguirá o perfüadilos -
Onde , diz com muita razam S.Agoftinho (1) , que o Orador
Criflam, deve faber uzar, dos-livros dos-Etnicos; principalmente
dos-Retoricos, para agradar, e perfuadir : o que prova com exem
plos, de muitos Padres, que fizeram o mefmo. Semelhante pen
famento expoem S. Jeronimo, efcrevendo a Magno Orador Roma
no : e S. Gregorio Nazianzeno diz mui claramente (2) , que to
dos os feus efludos profanos tinha deixado , menos a Retorica:
na qual experimentava todos os dias, infinitas utilidades ; e que
dela fe-fervira, e fervia fempre. S. Bazilio, S.Ambrozio, e ou
tros SS. mui doutos nas letras profanas, praticáram o mefmo : e
nas fuas obras conhecemos nós, como podemos uzar, dos-tais au
tores . Onde deve o Pregador, ter fempre na memoria, aquelas
palavras de S.Agoflinho no-lugar citado : Volumus non folum intelli
genter, fed libenter audiri. e em outra parte : Nolumus faflidiri etiam
quod fubmife dicamus .. ..., Illa quoque eloquentia generis tempera
ti º apud eloquentem Ecclefia/licum, nec inormata relinquitur, nec inde
center ornatur. Deve alem difo o Pregador, nam só inftruir, e agra
dar ; mas Principalmente mover : o que confeguirá por-meio do
— . . gene

(1) De Dotir. Chrift, lib. 1, n.6o. (2) Orat. 3


D E E S T U D A R. ; 197
genero fublime, e patetico, quando fe-trata de perfiladir º as obras
Boas : porque no-faber mover é que confifte, o verdadeiro triun
fo da-eloquencia . E para fazer ifto, nam fe-requerem º como jà
dife, futilezas , mas razoens fortes, e bem difpofias, e exagera
das . &c. •

Ito é obrigafam . Quanto ao meio de o-confeguir : deve ,


defpois de bom fundamento, nas letras umanas º ter grande lifam
da-Efcritura, e dos-Padres que apontamos : cujas homilias enfinam,
como fe-deve pregar, para tirar fruto. Nam creio» que, aja Pre
gador ou Mifonario, que queira fer mais fanto, mais douto, e
mas zelante, da-onra de Deus ; que os que apontamos », e ou
tros femelhantes, como S. Joam Crizoflomo &c. e tendo eles Pra
ticado ifto , com tanto louvor; eles tambem devem fer» os nofos
metres . Efpecialmente fe-deve ler S. Agoflinho , nos-livros de
Dočirina Chriftiana, onde explica bem a materia .
Mas porque a maior parte defles, prezados de Criticos, e Re
toricos, que nam fabem a ifloria Ecleziafica, nem Literaria 3 in
tenderám, que efles Padres só cuidavam na virtude , e nam fam
bons para fe-imitarem, na eloquencia &c. ferá necefario explicar
lhe em breve, quem eles eram. Bazilio Cefareenfe, ou Magno, de
quem aqui falamos, etudou muitos anos, na mais famoza efcola,
que era Atenas. foi um dos-mais famozos Filozofos, Gramatico,
e Retorico infignifimo . as fuas homilias fam um perfeitifimo mo
delo de eloquencia : e o grande Photio chega a dizer, que fe-po
dem igualar, a Demoflenes. Leva a palma principalmente, nos-Pa
negíricos. Gregorio Niffeno feguio as pafadas, de feu irmam Bazilio .
foi publico profefor de Retorica, e infigne Filozofo: e tam amante
das-letras profanas, e efpecialmente da-Retorica , que S. Grego
gorio Nazianzeno, amigo comum de ambos, na carta 43. conde
na , ele feu nimio cfludo. O eftilo dele é fublime, e juntamen
te agradavel - S. Gregorio Nazianzeno foi condicipulo, e amigo
de S. Bazilio. Na eloquencia querem muitos, que cxceda ao me{-
mo Bazilio . finalmente é tam fublime na pureza , e elegancia;
que o grande Erafmo diz, que nam fe-pode traduzir bem em La
tim, por-cauza da-magnificencia &c. S. Ambrozio era eruditifimo
em Grego, e Latim, mais doque comumente fe-nam-cre. o feu
cfilo é concizo, e agudo, e quazi femelhante ao de Seneca; ain
daque melhor. Nam era grande Retorico: mas é fluido, e pro
Prio Para convencer os erros com doutrina , piedade , ##
3ClC •
198 VER DA DE IR O ME TO DO
dade. S. Jeronimo todos fabem que era um omem eloquentifimo,
em Latim , e Grego &c. e mui verfado nos-livros dos-Etnicos,
e na Filozofia Grega, e Ifloria ; e fumamente veemente: Onde pode
fe aprender nele, muita coiza boa : S. Agoflinho aindaque nem na
pureza da-lingua , nem no-etilo feja igual a Jeronimo, e outros
afima; contudo na futileza, e-no-me{mo tempo na profundidade
do-juizo, talvez o-excede. Certamente que aindaque fofe, profefor
de Retorica, nam fez grande aproveitamento; nem chegou à eru
difam dos-outros. Mas dele se-pode aprender muito: principalmen
te nos-ditos livros de Dočirina Chriftiana , emque enfina que do
tes fe-requerem , para interpretar bem as Efcrituras ; e fazer as
outras obrigafoens de um Ecleziaflico. Afimque dele fe-podem apren
der, muitos ditames . S. Joam Crizofomo tambem era doutifimo.
Alem da-pureza da-lingua , que parece um verdadeiro Atico, une
trez coizas admiravelmente 3 que fam a facundia , a erudifam, e
a facilidade: deforteque ninguem tratou as materias, com mais
clareza, e naturalidade. Alem difo é fpgular nifto , que acomo
dou a fua doutrina, à capacidade dos-ouvintes; e por-ifo agrada a
todos : em modo que para Pregar ao povo , as fuas obras enfi
nam muito. Efles fam os Santos, que propomos ao efludante; e
nam só porque fam santos , e mui verfados nas doutrinas fagra
das; mas e{pecialmente porque o-fam nas profanas : com as quais
formáram o bom goto, e intendèram melhor as fagradas . Por
que muitos nam tem, eftes principios de letras umanas , aplica
das às divinas 3 por-ífo vemos tantos Pregadores , que nam fa
bem abrir a boca. E porque nas mefmas letras umanas", muitos
as-nam-efludáram como deviam, nem chegáram a conhecer, qual
era o bom goto, da-Eloquencia; por-ifo tambem V.P. ve todos
os dias omens , que nam só nam fabem , fazer um papel fofri
velmente ; mas nem menos conhecer nos-outros, as delicadezas da
Oratoria. Deforteque fe acazo lhe-moftram, uma orafam bem fei
ta; nam lhe agrada : ou só vam bufcar nela , as toizas menos
fofriveis; palavrinhas , e coizas femelhantes : fem olharem para o
todo da-orafam, para a proporfam, e difpozifam das-partes , o
modo de dilatar os argumentos, de aclarar uma verdade ; a vero
fimilidade dos-mefmos argumentos , c outras particularidades, em
que confifle a eloquencia. A efe modo pois de examinar, como
eles fazem º chamo eu, julgar com os cotovelos : e tudo ifto nace,
de terem efludado mal.
Tam
D E E S T U D A R. 199

Tambem outra coiza importante, deve advertir o Pregador,


que fam as afoens . parece ifto nada , e é uma principal parte na
Oratoria . Nifto pecam baftantemente em Portugal . Vemos Pre
gadores, que peneiram no-pulpito , movendo os brafos e maons
orizontalmente , com afetafam vergonhoza - vemos outros , que
amafam, e dam eftocadas com os brafos, arregafando as mangas,
e fazendo mil coizas e pofturas improprias. Nam pode V.P. crer,
quanto ifto desfigura ó Orador , e esfria o animo dos-que o-ou
vem . Um papel bom , quando é mal reprezentado, nam valena
da : o que todos os dias experimentamos . Bem nota é a ifloria
de Demoftenes, o qual tendo ja deze{perado, de poder orar em
publico, pola infelicidade da-fua pronuncia; um Comediante o ani
mou, com a efperanfa de reprezentar bem : e deo-lhe tais lifoens,
que foi a cauza principal, do-grande nome , e aceitafam que ao
defpois teve .
Os Romanos, que fabiam quanto importava, reprezentar bem
o feu papel , deforte fe-exercitavam nifto , que tomavam lifoens
dos-Comediantes; como o me{mo Cicero de fi confefa. E com efei
to, nam podiam tomar melhores mefres : porque os Comicos eram
tam infignes nifto, que falavam fomente, com as afoens. Nos-ulti
mos tempos da-Republica, fe-introduziram nos teatros , os Pan
tonimos : que era uma efpecie de Comediantes, que com as afoens
fomente explicavam , o que outro, que eflava imovel no-fim do
teatro, dizia. Deforteque um falava; e o Pantomimo animava com
a asám, a exprefam do-outro. Tal era a diligencia , com que
fabiam com a asám , acompanhar os movimentos do-animo! Iflo
faziam aqueles que fabiam, que coiza era Retorica : e ifto deve
fazer qualquer omem, que á-de orar em publico •
Os nofos Italianos fam os unicos , entre todas as Nafoens,
que melhor exprimam com a asám , o que dizem : e nam só
quando oram, mas tambem quando recitam verfos . Os Inglezes
nam fe-movem , quando recitam : os Francezes esfogueteiam , e
cantam: os Efpanhoes choram: outros tem outros defeitos. Mas
Pola maior parte convem todos, que os Italianos , fam os mais
exprefivos: e um grande ingenho Francez, do-feculo pafado, che
gou a dizer, que os nofos Italianos naturalmente eram, Comedian
tes. Porem em Portugal, á muita falta diflo. Dos-Pregadores é
notorio » que nam só lhe-falta a asám , mas até o tom da-voz,
que nam acompanha com a asám. Confefo a V.P. que ………… C
-

2OO V E R D A D E IR O M E TO DO
de fofrer a afetafam º com que muitos pregam a Paixam , ôu
as Lagrimas. Efludam uma voz flebile, mas com modo tal, que
em lugar de fazer chorar, provoca o rizo : muito mais fe confi
deramos o que dizem, com a dita voz flebile . Eles circunfere
vem o etilo patetico, na dita voz : e afentam que ela bafta, para
mover. Loucuras ! O me{mo digo , quando fazem a exclamaí.m
para o Sepulcro, nos-fermoens de Quarefma. todo o ponto c{lá,
em gritar muito: pedir mil mizerico dias : e com ito fe-conten
tam. Mas a falar a verdade, eftes nam fabem o feu oficio . O
cftilo patetico , é a coiza mais dificultoza , da-Retorica , como
confefa Cicero (1) : e nele é que confifte o triumfo , e aplauzo
da-eloquencia. Nam é pequena dificuldade, ou para melhor dizer,
é coiza admiravel, que as palavras que profere um omem, ajam
de mover em mil ouvintes, os mefmos fentimentos, que quer o
Orador : amor da-Virtude : odio do-Vicio : aborrecimento de fi
me{mo! Que cuida V.P. que ferá necefario , para confeguir iflo?
E' necefaria doutrina admiravel : particular conhecimento das-pai
xoens umanas 3 como fe-excitam, e adormecem : afoens proprias:
e em uma palavra, faber uzar das-Figuras, na ultima perfeitam :
e ifto nam fe-faz com voz flebile, nem com gritarias, mas com
outras virtudes oratorias. Nam digo , que quem prega eftes fer
moens, efleja rindo: digo fim , que deixe aquelas afetafoens , e
reconhefa em que confifte, o mover os animos : qual é a asám,
qual a voz proporcionada.
Mas pior que tudo é , quando recitam verfos: rarifimo vi,
que pronunciáfe verfo bem. Comumente vam detraz do-confoan-.
te, e fazem pauza, nam no-fim do-fentido , mas no-fim do-ver
fo : o que é erro manifeflo. Parece ifto pior , quando 1ecitam
verfos Latinos, nos-quais nam á confoante: de que vem , que um
carmen pronunciado por-um deles, e por-outro que o-faiba animar
com a voz, e asám , parece diferente . Efte defeito deve emen
dar o omem, que quér fer perfeito . deve exercitar-fe em caza,
diante de algum amigo bem informado ; para ver , fe expremio
bem, a asám que quer . Só afim confeguirá , fer ouvido com
goflo.
Mas eu quero parar, nefte ponto : porque fe deixo correr a
pená , em lugar de reflexoens, efcreverei um tratado de Retori
C2 •

(1) Cicer, de Orat. n.37.


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D E E S T U D A R. 2O I

ca. Reconhefo que já cai, no-me{mo defeito que condeno : mas


a materia é tam fecunda, e as reflexoens ocorrêram-me, com tan
ta promtidam º que nam pude deixar, de as-admetir . Direi po
rem a V. P., que lendo o que tenho efcrito, acho que é fuficien
te, para introduzir um mofono-eftudo, da-verdadeira Eloquencia.
e quem fe-capacitar bem deflas reflexoens ; e comefar a ler os
bons autores, tanto Latinos, como Vulgares ; e obfervar neles, o
artificio das-orafoens ; fem ler mais outra Retorica , pode fair
gravifimo Orador . Efla prezunfam nam nace de mim , mas da
mefma qualidade dos-preceitos: os quais fam tam antigos , como
os Oradores : que é o mefmo que dizer , fam os mefmos que
executou Demoftenes , e Efchines , e Ifocrates : que nos-deixou
efcritos Ariftoteles , Demetrio, e Longino: que praticcu e enfinou
com tanto louvor Cicero, M. Seneca, e Quintiliano, e outros autores
antigos. As Retoricas comuas nam apontam, fenam alguns nomes,
que eu aqui nam quiz apontar: fem faber os quais, pode um omem
fer, muito bom Retorico, fe fouber imitar eftes treslados. Como
tambem pode um omem, com exata lifam de bons livros, difcor
rer bem , fem faber as efpecies de filogismos , que apontam os
Logicos -
Nefte pouco que tenho propofio, cuido que cheguei, ao ver
dadeiro principio da-Eloquencia . Nam apontei o artificio , dos
divel fos elados de controverfias oratorias; porque nam era efe o
meu argumento; nem tambem fe-acha , nas Retoricas ordinarias:
e fomente fe-pode aprender, nos-mefmos autores originais. O meu
Religiozo que afima aponto, explica muito bem efles artificios,
dando os exemplos originais : mas tambem fe-demora com minu
cias : e como efcreve em lingua eftrangeira, nam é para o cazo.
Outros , de que eu me-aproveitei mui bem , tambem efcrevem
em linguas efirangeiras, ou fam difuzifimos . Nefte cazo para di
zer a V. P. o meu parecer, aconfelho ao efludante Portuguez,
que nam, tem alguma boa Retorica Portugueza 3 que , defpois de
intender bem , o que aqui lhe-aponto, tome alguma ideia, da-difri
buifam da-orafam 3 a faber , exordio, narrafam, provas, epilo
go: que leia brevemente, o nome das-figuras das-palavras, e do
animo: o que o metre facilmente podia explicar. Pofto iflo, fe
gue-fe ler um autor Portuguez, no-qual pofa fazer, as reflexº ens
necefarias: Mas aqui efla a dificuldade : e eu que nam cofumo
inganar ninguem, devendo dizer-lhe finceramente o que intendo;
TOM.I. C c digo
2oz VER DA DE IR O ME TO DO
digo, que nam acho algum, que pofa fer modelo.
Dos-fermoens nam tenho que dizer, fendoque ja expliquei,
o que eram. As orafoens Academicas» que fe-lem nos-Anonimos
&c. nam merecem que fe-leiam . Algum elogio da-Academia
Real, que é mais toleravel º peca Por-outro Principio : porque
é mera iftoria , fem artificio algum retorico . * * * E aos que
refpondem , que tambem os Francezes praticam o mefmo , nos
elogios dos-feus Academicos ; refpondo o me{mo : que os ditos
elogios famiflorias, é nam panegiricos : e afim o-julgam-todos,
os que tem voto na materia . Li nam á muitos dias o do-Car
dial de Polignac , que teve ultimamente feus aplauzos : e achei
que o autor, fe ouvèfe de efcrever a ifloria do-dito, nam fe-fer
viria , nem de outras palavras , nem penfamentos , nem frazes.
Com efeito eu julgo , que aqueles omens nam querem fazer ou
tra coiza, que explicar em breve , a vida, e merecimentos dos
feus Academicos . Onde como eles nos-difpenfem , de lhecha
mar orafam , ou panegirico ; concedemos-lhe tudo o mais : mas
devemos porem reconhecer , que nam fam obras no-genero Ora
torio: e que nam fam para fe-imitarem. Onde nefte cazo deve o
me{tre, tomar fobre fi o trabalho, de explicar tudo em Cicero:
fervindo-fe para ifto do-P. Cigne Jezuita : o qual, feguindo o me
todo de um certo Inglez , faz a analize das-orafoens de Cicero.
E afim nelas deve o meftre, moftrar o artificio da-Oratoria, fa
zendo as feguintes reflexoens. Notar primeiro a forfa das-razoens,
difeoflas com boa ordem, unidas naturalmente, e amplificadas com
artificio. Notar a verofimilidade das-ideias: a pureza e elegancia
das-palavras: a moderafam e propriedade dos-epitetos: o numero
oratorio, que confifte em certa colocafam armonioza de palavras»
mas que nam degenere em verfo: a introdufam das-figuras, quan
do é necefario excitar as paixoens : as precaufoens que obterva »
para nam dezagradar. Obfervando bem iflo, na lifam dos-autores»
baftava para confeguir, o bom goflo da-Eloquencia.
Deve porem unir-fe com iflo, o exercicio. Onde o me{tre com
Porá, uma breve orafam Portugueza, fegundo as regras da-arte:
e moftrará nela aos dicipulos , o artificio e galantaria dela. Fa
zendo-fe ifto em Portuguez , facilmente fe-aprende : e só afim
podem cles, intender bem os preceitos , e executálos. Ifto nam
fazem em Portugal os metres, e quazi fc-envergonham 2 de efere
ver em Portuguez: fem advertirem, que a Retorica neftes paizes»
-
mais
D E E S T U-D A R. 2O3

mais fe-exercita em Vulgar , que em Latim. Mas por-efla razam


fucede, que faiem todos da-Retorica, fem faberem dela mais, que
o nome. Porem, tornando ao efludante , tendo-lhe propoflo um
modelo , de fazer uma breve orafam ; ferá necefario exercitálo.
Iflo facilmente fe-faz, propondo-lhe na efcola um afümto, e pro
guntando-lhe, o que eles diriam em tal cazo , para defender v.g.
ou acuzar aquela pefoa . Certamente um rapaz com a logica na
tural, dirá algumas razoens, que lhe-ocorrem: pois vemos, que
a nenhum rapaz faltam razoens , para fe-defculpar dos-erros que
faz , quando o-querem cafligar . A um rapaz pode dar, a in
cumbencia de acuzar , e a outro de defender. Dcípois que am
bos tem dito o feu parecer , deverá o mcfire, f miniftrar alguma
razam mais ; é ordenar aos rapazes, que as-eftrevam , e fafam as
fuas orafoens , do-melhor modo que puderem . Iflo feito , deve
o mefire emendar os erros, tanto de lingua, como de Retorica;
dando-lhe razam, de tudo o que faz : e variando fucefivamente
os afumtos . Defta forte aprende-fe mais Retorica , em uma fe
mana , doque polo metodo vulgar, em dez anos.
Quando o efludante fabe bem , que coiza é Retorica , no
reflo do-ano fe-pode empregar, em compor orafoens Latinas: ou
traduzindo, as que compoz em Portuguez, o que é mais acerta
do ao principio : ou compondo outras novas . Para quem ja in
ter de Latim, e fabe compor bem em Portuguez, ifo é um diver
timento, fem ter dificuldade alguma. Terá pois o metre cuida
do , de lhe-encomendar , que leia os trez livros de Oratore de
Cicero, e Orator ad M. Brutum, como tambem o de Oratoriis Par
titionibus: os quais dois ultimos fam a quinta efencia , de toda a
Retorica. Encomende-lhe que fê-familiarize, com as Orafoens de
Cicero, para aprender os feus modos de explicar. As outras re
flexoens fam iguais, em ambas as línguas, com fua proporfam :
e tambem o modo de emendar os defeitos , que os efludantes
cometem . Defla forte é fem duvida que em um ano, podiam fa
ber muito facilmente Retorica, e mui folidamente.
Quanto aos metres, fou de parecer, que leiam atentamente,
nam só os ditos livros, que apontamos de Cicero, e alguns ou
tros, pertencentes tambem à Retorica ; mas os de Quintiliano,
em que faz belífimas reflexoens, fobre ela . Valla diz (1) , que
Cc 2 nin

(1) L. I. Antidot, in Tog.


2O4 V E R DA DE IR O M E TO DO
ninguem pode, intender bem Quintiliano, fem primeiro faber bem
Cicero : nem menos feguir perfeitamente Cicero , fem obedecer
aos preceitos, de Quintiliano. O certo é, que Quintiliano é um
Retorico infigne , e um grande Critico, que toda a fua vida em
Pregou em refletir , e enfinar : e tem maravilhoza eloquencia :
e dele podem tirar os metres, as necefarias reflexoens, para co
municar a feu tempo , aos rapazes . Se o meftre quizefe , mais
alguma noticia particular , e ver as fontes, de toda a Retorica ;
devia ler os livros Retoricos de Ariftoteles, que é o me{tre nef
ta materia , e os ditos fam a fua melhor obra : nela bebêram to
dos . Podia fervir-fe da-verfam Latina , fe nam intendèfe o Gre
go . A efte ajunto um famozo Critico, e Retorico, que é Dio
nizio Longino , no-feu tratadinho de Sublimi filo : em que faz
admiraveis reflexoens, fervindo-fe tambem da-Verfam (1). E quem
quizefe mais, podia ler o Demetrio Falereo : aindaque nos-outros
acha-fe tudo. A eftes quatro, Ariftoteles, Cicero, Quintiliano, e
Longino, fe-reduz tudo o que á melhor na Antiguidade, fobre a
Retorica. Aconfelharia tambem ao metre , que lefe os panegiri
cos Latinos, que temos dos-Antigos, comefando em Plinio, e pa
fando aos outros que fe intitulam, Tanegyrici Veteres à que cuido
fam uns quinze, compoftos no-quarto, e quinto feculo: nam pa
ra os-feguir em tudo : mas para os-conferir com os antigos , ver
em que diferem , e aproveitar-fe deles , em alguma coiza menos
má . Advertindo nefles ultimos , que o que aconfelhamos nam é
a lingua , que tem feus defeitos; mas algum peníamento &c. Re
toricas modernas nam aconfelho nenhuma , nem a dicipulos, nem
a me{tres : tirando o Voffio , nas fuas Inflituifoens Oratorias»
que é famozo : o qual podiam ler uns , e outros , quando qui
zefem particularizar, alguma noticia . Aindaque quem le , e in
tende bem , o livro Orator de Cicero, nam necefita mais : mas co
mo é breve , pode-fe permetir, ler alguma coiza mais .
Aconfelharia tambem, que aprendefem bem a lingua Italiana,
para lerem as famozas tradufoens que fe-acham, dos-Antigos Ora
dores Gregos, e Romanos, feitas por-omens infignes : como tam
bem para lerem as belifimas obras , em materia de Eloquencia à
que os nofos Italianos tem produzido, e produzem todos os dias.
Nin

(1) Imprimio-fe efe autor, quilli Fabri, Salmuri anno 1663s


Grace & Latine, cum motis Tana- in 8:
D E E S T U E) A R . 2o5

Ninguem nos-difputa a prerogativa, de que a Eloquencia fempre


fe-confervou, em Italia. Os Francezes, que nam cedem facilmen
te, no-particular de literatura, fazem-nos efte elogio . E ainda
que eles abundem de omens doutos, nefa faculdade 5 vemos que
na Italia fe-confervou fempre, com mais extenfam , e pureza. Quem
le o P. Paulo Segneri Jezuita , o Cardial Caffini Capucinho , e
ainda o me{mo Monfenhor Barberini , tambem Capuchinho , e
mil outros de diverfas Religioens, e Seculares fem numero 3 pa
rece-lhe que converfa, com o mefmo Cicero : porque formados
fobre efles antigos modelos , em nada fe-diftinguem , dos-origi
nais. Acrecenta-fe a ifto a lingua , que, defpois da-Latina , é a
mais bela, e armonica, para a Eloquencia . Tem mais os Mo
dernos, outra circunflancia ; vem afer , que tendo-fe aplicado a
diverfas materias, nam só profanas, mas fagradas, de que nam á
vefligio, nos-antigos Retoricos; fizeram aos nofos olhos mais fa
miliar efia faculdade, e mais facil de fe-imitar: porque dam be
lifimos exemplos, em tudo. Defta forte familiarizando-fe muito,
com os Antigos , e Modernos ; obfervando em que diferem, e
em que fam louvados; fe-pode confeguir , a verdadeira Eloquen
cia .
Conhefo, que fe eu faláfe com outra pefoa , que nam fofe
V. P. fe-efcandalizaria muito , que eu nam aconfelháfe aqui , a
leitura do-P. Vieira , do-Baram Conego Regular , do-Bifpo de
Martiria, do-Arcebifo de Cranganor, e de alguns outros , que
nam aponto 3 perfuadindo-fe , que efles omens fam originais , de
toda a eflimafam. E nam fei fe V.P., aindaque fuperior no-cri
terio aos outros , intende , que algum deles podia ter lugar,
cntre outros que louvo . Mas eu , meu amigo e fenhor , nam
tenho nifto parcialidade alguma; e julgo , fegundo o que inten
do , na minha conciencia. Verdadeiramente é coiza indigna , de
todo o omem ingenuo, quanto mais de um Religiozo 3 defprezar
autores» que o-nam-merefam, e fejam em fimefinos dignos, de to
do o louvor: mas nam é menos indigno, a provar um efcritor,
contra aquilo que intendo. Eu ja fiz a minha folene proteta,
na Primeira carta, e nefa da-Retorica tambem; que nam perten
dia defraudar ninguem, da-füa jufla eflimafam: e novamente aqui
repito º que efimo infinitamente qualquer detes Religiozos : mas
eu os diflingo muito das-fuas obras, que nada etimo.
E comefando polo mais famozo, o P. Vieira teve mui bom
talen
2O6 V E R DA DE IR O M E TO DO
talento; grande facilidade para fe-explicar ; falou mui bem a fua lin
gua; e nas filas cartas é autor» que fe-Pode ler com goflo, e utilidade.
Quanto aos fermcensº e orafoens, deixou-fe arrebatar, do-efilo
do-feu tempo; e talvez foi aquele que com o feu exemplo, deu
materia a tanta futileza º que fam as que defruem a Eloquencia.
Nos-feus feimocns , nam achará V. P. artificio algum retorico,
nem uma Eloquencia que perfuada. Muitos , que goftam daque
las galantarias, lendo-o fairám divertidos: mas nel hum cmem de
juizo exato, fairá perfiladido delas. Sam daquelas teias de amanha,
bonitas para fe-cbfel varem, mas que nem plendem ninguem. Eu
comparo efla forte de fermoers , aos equivocos: que parecem bo
nitos , quando fe-cuvem a primeira vez , mas quando fe-exami
nam de perto, nam concluem nada. Porque finalmente fe V. P.
le os tais fermoens, e examina as provas e artificio delas 3 ve
1á muitas coizas, que cheiram a Metafizica das-eícolas: mas nam
achará alguma, das-que afima aponto, como necefarias. Os exem
plos que afima apontei , fam comumente tirados , dos-feus
fermoens : e com eles à vifla , poderá V. P. conhecer , quan
tas coizas eu deixei , que podia apontar . Se pois iflo fe-cha
ma pregar , e pregar bem, eu o-deixo confiderar , aos dezapai
xonados.
O dezejo que o P. Antonio Vieira , em quazi todos os fer
moens mofira , de agradar ao Publico , ainda quando às vezes
o-critica; deixa bem compreender, que fe conformava muito, com
o eflilo corruto do-feu feculo . Tinha ingenho , imaginaíam fe
cunda, e deixando-fe conduzir, do-impeto do-feu fogo, ou talvez
procurando de excitar em fi, uma efpecie de entuziafmo, rompia nas
primeiras ideias, que lhe-ocorriam; que fempre eram futis, polo coflu
me que tinha, de ideiar afim . Eu falo com V.P. que tem grande no
ticia dos-ditos fermoens, em virtude da-qual conhece, com que ra
zam eu-digo iflo: que fe-faláfe com outro, feria mui facil, provar
tudo quanto efcrevo. Mas nam pofo deixar de infinuar, que a maior
prova do-que proponho, é a fua decantada cbra , Clavis Prophe
tarum : de que nos-dá uma ideia , no-livro que intitula , Ifioria
do-Futuro. Nefle livro acha V.P., uma chimera mui bem ideiada,
e que a ninguem mais ocorreo . Promete provar primeiro , que
á-de aver no-mundo, um novo Imperio : moftrar , que Imperio.
á-de fer: determinar, as fuas grandezas e felicidades : explicar,
por-que meios fe-á-de introduzir: individuar, em que terra, em
que
D E E S T U D A R. zo7

que tempo , e em que pefoa á-de comefar efte Imperio (1) ; o


qual á-de fer tam grande como todo o mundo , femiperbole,
nem finedoche (2) . Prova ifo , fegundo diz, com uma profecia
de S. Frei Gil : com o juramento d' El-Rei D. Afonfo: e com
outras provas defle calibre . Diz tambem , que a maior parte,
á-de fair da-Efcritura 3 na qual eltam reveladas, todas eflas coizas.
Quanto ao Imperador, aindaque claramente o-nam-explica, dá mui
to bem a intender, que fairá de Portugal ; porque aos Portu
guezes é que propoem º efas felicidades . Alem difto em outra
parte (3) declara mui bem , que efle Imperador ferá o filho pri
mogenito, do-Serenifimo Rei D. Pedro II. e pretende proválo com
os mefmos fundamentos, com que prova o Imperio , na Iftoria
do-Futuro. E nas cartas que efcreve, a algumas pefoas, lhe-ex
plica, que as felicidades de Portugal, efiam muito vizinhas.
Eu nam entro aqui a difputar , fe efles fundamentos, ( nam
falo das-Efcrituras, pois é loucura perfüadir-fe, que falam em tal
materia) fejam baftantes, para afirmar tal paradoxo: é bem claro,
que ifto tem aparencias de comedia ; e bem parece obra feita,
para divertir o tempo. Mas aindaque fofe verdade, que as con
quitas feitas, eftivefem tam diftintamente profetizadas, na Sagra
da efcritura ; e depois do-fucefo fe-intendefem; fica em pé a difi
culdade, de tirar da-Efcritura, as conquiflas futuras, dete novo
Imperador. E quanto aos expozitores que ele aponta, e às pro
fecias defes modernos, em que fe-funda; creio nam faremos inju
ria ao P. Vieira, fe nos-rirmos de todas efas provas, efperando,
que as-procure mais fundadas. Mas o que digo a V. P. é , que
na difpozifam dete livro preambulo, fe-ve o eftilo do-P. Antonio
Vieira: porque tudo prova com a Efcritura. Ainda as coizas mais
triviais, as profanas, e a mefma jutifima exaltafam de D. Joam
IV. ele as-quer provar aos Epanhoes , com as Efcrituras . O
Prior é º que pola major parte, funda-fe em palavrinhas da-Vulga
ta. E ele é mui mao modo de interpretar : porque nam tendo
Deus falado em Latim , mas em Ebraico , Caldaico , e alguma
coiza em Grego ; é necefario faber efas linguas , para alcanfar,
a verdadeira inteligencia do-original . Sem etas preparafoens,
nenhum
(1) Ifloria do-Futuro Cap. III, dezempenhada.S.VIII. =Sermam
num. 27. da-Palavra do-Pregadorempenha
(2) Ibidem. num. 32: da , e defendida. S. II.
(3) Sermam da-Palavra de Deus
2o8 VER DA DE IR O M E TO DO
nenhum interprete fe-mete a dizer , coizas novas: moftrando a ex
periencia, que comunemente fe-inganam , e só podem dizer, fu
tilezas pouco fofriveis.
E eu creio que nam fam mui toleraveis , as que ele aqui
efcreve: obfervardo-fe fuma contrariedade , na interpretafam que
dá, aos feus mefmos fundamentos . Umas vezes , a decimafexta
gerafam ? é o Cardial Rei D. Enrique : (2) e ainda lhe-faz a
merce, de nam contar a vida d'El-Rei D. Alfonfo I. que cuido
devia fer o primeiro, no catalogo. Outras vezes , a decima(exta
gerafam é D. Joam IV. ; e D. Pedro II, é a prole atenuada (3): e
como ao dito Reinam fe-pode aplicar , a palavra atenuada ;
procura aplicála a feu filho , o Principe entam nacido . Lifoue
morre o tal Principe ainda menino: Nefte cazo o nofo interprete ex
cogita a faida, de lhe-ir dar no-Ceo, a inveftidura do-Imperio (4):
e comefa com outra metafizica pior , que a primeira. Finalmen
te defpois de muitas obfervafoens , fica defmentida a verdade,
do-juramento d'El-Rei D. Alfonfo: e o Imperio do-mundo, que
tam claramente eflava profetizado, e prometido ao tal Principe,
lá vai polos ares : e nem menos á aparencia , que fe-torne outra
vez a reftablecer: pois do-tempo em que ele efcrevia até efle, vam
bons 8o. anos; e ainda nam vemos aparencias difo. Eifaqui tem
V. P. o que fam todas eflas chimeras , da-Ifloria do-Futuro ; e
das-coizas que tem parentefco, com ela.
Ora elas futilezas do-P. Vieira, cuido que tem arruinado,
muita gente: porque formando grande conceito , do-feu talento;
o-imitáram tanto à letra , que nada agradou, que nam cheiráfe
ao me{mo eflilo . Ja é coiza muito antiga , que em materia de
literatura , um omem feja o treslado, para que olhem os outros
do-feu tempo . Quando em uma Cidade um fugeito confegue ,
fama de eloquente , os outros o-imitam ; e às vezes por-fe
culos inteiros, fe-conferva o me{mo eftilo (I). Aquele Seneca a
quem chamam o Filozofo, nam fe-duvida, que tinha grande in
- genho •

(2) Ifloria do-Futuro . C. VIII,(4) Palavra do-Pregador em


771/. I22 • penhada, e defendida. 4). III.
(3) Palavra de Deus empenha- (1) Hac vitia unus aliquis in
da.S.VIII. num 4° = Sermam da- ducit, fub quo eloquentia ef : ce
Talavra de Deus devempenhada. teri imitantur , & alter alteri
y. II. tradunt - Seneca Epift. II5.
D E E S T U D A R. | 2O9

genho; e doutrina : mas querendo-fe fingularizar , entre os ante


cedentes, comefou a fazer um eftilo tam florido ; que foi a pri
meira cauza, de fe-perder o bom goflo da-Eloquencia , que rei
nára no-tempo de Augufo. Multae in eo clara que fententiae : ( diz
um Orador grande ) multa etiam morum gratia legenda : Jed in elo
quendo corrupta pleraque : atque eo perniciofilima , quod abundant
dulcibus vitiis. Kelles eum fuo igenio dixife , alieno judicio . nam
fi aliqua contempffet, fi parum concupifet, fi non omnia fua amaf
fet, fi rerum pondera minuti/imis fententiis non fregiÍjet 3 confenfu
potius eruditorum, quam puerorum amore comprobaretur (1). Palavras
que me-parecem cortadas, para o P. Antonio Vieira: do-qual creio
que fe-pode dizer , que fe , fervindo-fe do-feu ingenho , feguife
outro eflilo ; feria um grande omem: quando porem nam fe-ocu
páfe com o argumento, da-Ifloria do-Futuro.
E daqui compreenderá V.P. que conceito fe-deve formar, da
queles muitos epitetos, com que os apaixonados o-louvam. Cha
mam-lhe , Mefire do-pulpito: Principe dos-Oradores: Mefire univerfal
de todos os declamadores Evangelicos : Aguia Evangelica : e mil coi
zas deflas. Outros lem as fuas obras de joelhos, em final de ref
peito : e á omens de tam pouca confiderafam , que imprimem
efas notícias (2); e nam fe-envergonham de dizer , Que o mundo
fem contradifam, lhe-deo a coroa , de Principe dos-Oradores . Mas
efte cenfor , que nam fez maior jornada , que de Lisboa a Ma
drid ; nam era juiz competente, nefa materia : nam só , porque
tinha vito pouco mundo º mas porque tendo fomente converfado,
com os que liam o Vieira de joelhos ; e nam fendo a Eloquen
cia, e belas Letras profifam fua , fegundo mofira 3 tinha impedi
mento dirimente, para votar com acerto . Iflo Pois que digo def
tes º aplico a todos os outros. Criados com o prejuízo, de que
o Vieira foi, um grande Orador; e ouvindo fempre repetir ifto
aos velhos, que bebêram aquela doutrina; nam é maravilha, que
digam tantas coizas dele, e que o-imitem tam cegamente.
º V.P. Pode fazer uma experiencia, que eu ja fiz, e vem afer:
quando ouvir a um defes, gabar muito o Vieira, e louválo com
alguns dos-ditos epitetos; fafa-me a merce de lhe-proguntar primei
Jamente, emque confifte fer grande Orador: defpois, que lhe-ex
TOM.I. . . Dd Pli
. (1) Ouintiliana: • mo, das-Cartas do-Vieira , por

(2) *Aprovafam do-primeiro to- Alexandre Ferreira.


2 Io VER DA DE IR O M ET O D O

plique, que qualidades oratorias fam, as que excedem no-P.Viei


ra. Se lhe-refponder bem ao primeiro ponto , etou certo, que
nam refponderá ao fegundo: mas a experiencia motrará , que o
primeiro nam terá refpota . Eu aindaque nam cofumo ofender
ninguem , e muito menos na fua cara ; achando-me porem com
certa pefoa, que me-dife maravilhas do-tal autor , rezolvi-me a
fazer-lhe efta progunta. Leu V.M. bem as obras de Lyfias, Ifocra
tes , Ifeus, Demoftenes , Efchines, Teofrafto , e Cicero, e tu
do o que á de bom na Antiguidade º obfervou miudamente as
delicadezas, e fingularidades daqueles ; e a diferenfa que fe-acha
entre eles, e Plinio, e alguns outros mais inferiores, como Na
zario, Auzonio, Pacato &c. º leu os antigos Retoricos, Ariflo
teles, Cicero, Quintiliano &c. ou algum defles modernos, que deram
belífimos preceitos, como Voffio, Cavalcanti, e Platina : e outros
que nas fuas orafoens os-cxecutáram , como Policiano , Mureto,
Vavaflor, Cuneo, Gravina, Paolino, Politi &c. ? Diz, nam fenhor.
Pois fem tais preparafoens , conclui eu º nam entro em difcurfo
com V. M. fobre eftas materias , porque nos-nam-intenderemos.
Onde vem V. P. a conhecer , que as aprovafoens detes omens,
nam devem
Orador, o P.fazer forfa a ninguem ,, para
Vieira. .
reconhecer por-grande

Eu que tenho vifto mais algum mundo : e falado com baf


tante gente douta : e conhecido em Roma omens , que tinham
tratado, com os que ouviram o P. Vieira : nam achei nada do
que oufo dizer dele. Bem fim , que foi um Religiozo etimavel,
polas fuas prendas, e virtudes: o que tudo pode eitar, femfer
metre dos-Oradores. Falei com muitos Religiozos dá-Companhia,
que tinham dele perfeita notícia; e me-faláram como de um omem,
que era etimado em Portugal , mas nam em Roma . Acrecente
V.P. a itto, que muitos opufculos do-Vieira , foram compofios
em Italiano : e até os mefmos fermoens fe-acham traduzidos nele,
por-um feu apaixonado , ao menos um tomo que vi á anos : e
afim pode-fe julgar, com todo o conhecimento da-materia . Vejo
fim, que os mefinos Jezuitas, e todos os omens doutos, reconhe
cem o merecimento, do-P.Paulo Segneri Jezuita, e de varios outros
Oradores dame{ma, e de diferente Religiam; que fam reconhecidos
e venerados, como Oradores da-primeira esfera: e que tanto fe-difº
tinguem dos-fermoens do-Vieira , como o dia da-noite . De que
venho a concluir , que quatro Portuguezes, ou Efpanhoes, que
• di
D E E S T U D A R . . 2. I I

dizem o contrario, nam podem fazer mudar de conceito, ao mun


do inteligente . - " -

Ainda nas fuas mefimas cartas, que louvo , acho coizas que
reprovar. Defe numero é a afetafam, de repetir em cada regra »
e tratamento da-pefoa, com quem fala. Pois aindaque nos-difcur
fos familiares, pofa ter às vezes lugar ifo , nas cartas , é enta
donho: e as pefoas, e Nafoens cultas , fogem todas defe vicio -
Nem vale o-dizer, que em Latim fe-cotuma : porque na tal lin
gua, nam ofende os ouvidos 3 viftoque o tratamento, comumentº
nam fe-diftingue, das-diverfas inflexoens do-Verbo. Os nofos Ita
lianos, que participam mais do-Latim, uzam da-Palavra Ella º Pa
ra evitarem aquela repetifam : e ainda efia com moderafam. E oje
os que efcrevem melhor, defpois de darem o tratamento , uma ou
duas vezes, ou em carta particular, ou prologo de livro ; fervem
fe da-palavra Vofira, que fe-refere a Alteza , Eminencia , Santida
de, Excelencia &c. nam só porque efia Elipfi , nam prejudica ,
ao refpeito que fe-deve, aos Senhores grandes ; mas porque fendo
mais fimplez e natural, é tambem mais nobre ; e fe-evita a ridi
cula afetafam de alguns modernos , chegando-fe mais ao eflilo ,
da-Antiguidade. E, valha a verdade, efte periodo : Excelentifimº
fenhor, a excelentifima pefôa de Vo/a Excelencia guarde Deus , co
mo Portugal , e os criados de Vo/a Excelencia a vemos mifler : com
que o Vieira fecha muitas cartas, ao Marquez de Gouveia, e ou
tras pefoas; nam fe-pode ler fem nauzea : achando-fe muitas ve
zes , em quatro regras das-fuas cartas , cinco vezes Vo/a Senho
ria &c.
O fegundo reparo caie, fobre a fetafam de muitos periodos,
# que o me{mo coletor delas nam oculta, quan
e cartas inteiras
do diz, que muitas nam publicára, por-nam ferem tanto naturais.
De que eu cuido , nam fe-pode produzir melhor prova º que a
carta que o P. Argote publicou, nas fuas Regras Portuguezas; e
que é efcrita ao Cardial Lancafiro : a qual é compofla naquele
eftilo, que chamamos dos-Seicentos. Bafta ler o primeiro periodo:
Com melhor faudes, que o ano pafado ; e com menos vida , porque
ele pa/ou : a fegunda parte do-qual , é noticia mui digna º de fe
mandar a um Cardial, porque é coiza mui recondita . O que fe
fegue no-fegundo paragrafo, fam, Sepulturas do-fegredo : refurrei
Joens da-confianfa : exequias no-templo do-dezingano : efatuas da-in
- D doje 2tem ranfo. E nam {
gratidam , e coizas femelhantes, que • C
fe
212 VERDADEIR O MEr o D o
fe-pode perdoar , a um omem douto como o P. Argote, o trazer
a tal carta , para exemplo de contrufam facil , e boa locufam.
Conhefo, que muitas vezes as cartas dame{ma pefoa , nam fam
iguais: ou porque algumas cfcreveo , quando era mofo , e fabia
pouco ; ou porque as-fez muito em prefa. Conhefo ifto, e o-per
doo: o que reprovo é º que o coletor nam foubèfe feparar umas,
das-outras, impremindo as melhores. -

E aqui noto incidentemente , que o que fez o prologo da


colefam , que eu ignoro quem fofe , dife uma falfidade, quando
afirmou 3 Que nas linguas vulgares, tem todas as Nafoens e/critores,
mas nam em grande numero, defle eflilo. Eu lhe-pofo nomiar, fo
mente na Italiana, nam digo duzias, mas centos : publicadas mui
tos e muitos anos antes, que faifem à luz , as do-Vieira : e en
tre eftes efcritores, muitos de purifima locufam, e etilo inimita
vel. E o que mais é de admirar, omens que tratáram as Cien
cias, mas principalmente todas as partes da-melhor Filozofia; com
tal clareza, propriedade, e metodo, que envergonham os Filozo
fos da-Efcola: os quais, empregados toda a fua vida nela, expli
cam-fe muito mal. Na lingua Franceza, á infinitos tomos de car
tas, em todas as materias ; e alguns famozos . Deixo a Ingleza º
e Olandeza, nas quais fei que fe-tem feguido , efte eflilo . On
de, nam avendo coiza mais uzual, que efles efcritores 3 motra-fe
o tal coletor, mui pouco informado do-mundo . |-

O terceiro reparo que fafo é , fobre a Ortografia, que na


da me-agrada. Nelas acho mui praticado aquele eftilo, que fe-de
ve deferrar, da-lingua Portugueza; e vem afer, a duplicafam ef>
cuzada, de muitas confoantes; e mil outras, que na minha pri
meira carta moftrei a V.P. que nam deviam feguir, os omens
doutos. Onde perfüado-me, que nefte particular , tam longe eflá
de fer omem infigne , que eu o-nam-porei por-exemplar , a um
principante. •

ra eifaqui tem V. P. que as mefinas cartas do-Vieira , que


eu julgo ferem a fua melhor obra ; aindaque tenham muita coiza
boa, fejam facis, e as palavras nam fejam más à contudo , nam
merecem aqueles cegos, e encarecidos louvores, que lhe-dam efles
apaixonados: os quais ou etam preocupados, polas me{mas opinio
ens 3 ou julgam por-cabefa alheia ; e nunca tiveram a paciencia,
de examinar bem a materia. Defeito mui antigo nefles centores :
que aprovam os livros comumente, fem os-lerem: e nam fe-con
tCIl{2Ill
/

D E E S T U D A R , 2 13
tentam de aproválos, mas os-elogiam, e tam encarecidamente , que
perdem toda a fé. Deixo aos omens de melhor juizo, fazer a
analize das-tais obras, com mais tempo, que eu nam tenho.
- Mas eu ja vejo, que mc-tenho aberto muito com V.P. o que
fiz, confiado na nofa amizade . Certamente nam difera tanto com
outro: pois fei certamente, que quem nam tiver examinado ifto,
me-terá quazi por-louco. Eu fempre fugi, defla forte de conver
fafoens, com pefoas que fabem pouco: porque me-enfina a expe
riencia, que fe-perde o tempo, e o conceito. Mate-me Deus com
gente, que me-intenda : e que me-nam condene, fem perceber as
minhas razoens , e refponder a elas . Porque aquilo de reprovar
um cfcritor, fomente porque impugna os defeitos, de que eu gof
to ; fem ter o fofrimento de examinar, as dificuldades que pro
poem; aindaque feja uzo mui comum , nam fei porem fe é con
cludente. Emfim com V.P. nam á efle perigo : porque eu fei mui
to bem, que ao feu talento , nada fe-encobre : e que mais para
exercitar o feu juizo, doque para aprender alguma coiza nova, é
que tem a bondade, de me-confultar.
Mas fempre devo declarar-lhe , que o juizo que formo das
obras , do-P.Antonio Vieira ; deve fer intendido, com todo o ref
peito devido, à fua memoria: Eu cílimo muito efte Religiozo,
polas fuas virtudes , e capacidade. Vejo nas fuas cartas retratado,
um animo grande : um dezintere{e nobre : uma viva paixam po
los aumentos do-feu Reino : e ardente dezejo de fe-facrificar por
ele : e, para nam ócultar coiza alguma , vejo a fuma ingratidam
dos-feus nacionais, que conrefpondèram a tantas finezas, com afoens
indignas : e nam só nam fouberam eflimar , tam grande omem,
mas pozitivamente o-opremiram , e a fua família . Eftas circunflan
cias todas mo-pintam, mais etimavel: e fe eu vivefe no feu tem
po» feria o feu maior amigo. Deve tambem o que digo inten
der-fe, fem a minima ofeza da-Religiam da-Companhia : a qual
tem produzido, tantos omens grandes nefte genero , que fem dor
alguma pode ouvir declarar, que um dos-feus Religiozos , nam
iguala , nem chega, à gloria de muitos outros : o que provêm
menos do-talento , que do-infeliz etilo daquele tempo, que nam
conhecia, outro gofto de Eloquencia. Dame{ma forte que, Plinio
Cecilio , aindaque tivefe talento, e indole infigne ; nam pode me
nos que participar, do-efilo do-feu feculo; que degenerava mui
to, da-mageflade da-primeira Eloquencia . Unicamente devo ad
- VCI[II"
2 I4 V E R D A D E IR O M E TO DO
vertir ifto a V. P., para jufticar o meu proceder, contra aquela
acuzafam, que me-podiam fazer aqueles, que , ouvindo-me falar
d’eloquencia Portugueza, vifem que nam citava , o P. Vieira.
O conceito que formo , dos-fermoens e orafoens do-Vieira,
com mais razam fe-deve aplicar, a todos os outros fermonarios;
que V. P. conhece, eftarem muitos furos abaixo do-Vieira. Digo
pois, que o Orador , que quer avultar no-mundo literario, deve
deixar todos os fermonarios Portuguezes, ou Efpanhoes ; e feguir
a eftrada que afima lhe-abrimos: que parece fer, a verdadeira ef>
trada da-Eloquencia : e ifto parece-me que bata , para regular o
metodo da-Oratoria. Deve a iito ajuntar , o continuo exercicio
de compor: e exercitar-fe juntamente em particular , para poder
falar em publico: fendo certo que o exercicio de compor , e fa
lar conduz muito, para beber os principios, e fabèlos uzar a feu
tempo, com dezembarafo. Perdoe-me V. P. a extenfam defa, que
defde o principio eu previ , que feria comprida : e conferve-me
muito na fua memoria. Deus guarde &c.

|- - •
CAR
D E E S T U D A R. 2 15

C A R T A S E T I M. A.

F* # da-Poezia. Os Portuguezes fam meros verfejadores: Pre


juizos dos-mefres, de nam poetarem em Vulgar. Que coiza feja
ingenho bom , e mao . Epecies de obras de mao ingenho , em
que cairam alguns Antigos, mas principalmente os Modernos.
Necefidade do-criterio, e Retorica, em toda a forte de Poezia.
Trimeiro defeito de Poezia, a inverofimilidade : exemplos . Se
gundo defeito, os argumentos ridiculos. Reflexoens particulares,
Jobre as compoxifoens pequenas Portuguezas ; que nam. podem
dar nome , a um omem : defeitos da-Nafam , provados com
exemplos. Reflexoens fobre o Epigrama Latino, Elogios, inferi
Joens Lapidares, Eglogas, Odes, Satiras, poemas Epicos. Que
os Portuguezes nam conheceram as leis, do-poema Epico : pro
va-fe com Camoens , Chagas, Botelho de Morais . Aponta-fe o
metodo , com que fe-devem regular os rapazes º no-efludo da
Tºoezia . Nova ideia de uma Arte Poetica , util para a Moci
dade .

# CARTA que V. P. me-mandou neta femana,


é deu-me particular confolafam ; porque vi nela a
imagem, da-fua foberana prudencia, do-feu cri
terio exatifimo, e da-fua inimitavel ingenuida
de . Mas ifo é pouco : vi nela executado, tu
do o que efte genero pode permetir, em ma
teria de Retorica. V. P. quiz dar-me dois con
tra: c mofirar-me , que as minhas reflexoens
eram fuperfluas : pois avia um omem nefte mundo , que fabia
executar primorozamente, tudo aquilo . Mas difo mefino me-re
zulfa, grande gloria . Ou V. P. o-fez, porque eu lho-avizei ; e
nefte cazo , que gloria nam ferá a minha , de ter um dicipulo
defla qualidade ?. ou o-fez porque afim o intendia, fem que lho
avizáfe 3 e fico igualmente gloriozo, vendo que as minhas refle
xoens fe-conformam, com as de uma pefoa , que eu etimo tan
{Q •

216 V E R DA DE IR O M E TODO
to. Ponho de parte os outros comprimentos, que me-faz : por
que nam quero uzurpar, o que nam merefo. O que eu efcrevi,
nam é meu, mas o que enfináram os omens mais infignes, nefa
faculdade : de cuja lifam eu o-tirei. a eftes é, que V. P. o-deve
agradecer : e a mim, só a boa vontade que tenho, de o-fervir.
• No-fim da-fua carta , repete V. P. uma circunflancia , que
ja me-pedio em outra fila : vem afer, que diga alguma coiza , da
Poezia. Eu me-lembro mui bem , da-fua petifam : a qual nam dei
xei por-efquecimento », mas com fuma advertencia : vifloque só
depois da-Retorica, fe-deve tratar da-Poezia : a qual nada mais
é, que uma Eloquencia mais ornada. Só me-refa uma dificulda
de, quero dizer, fe poderei eu dezempenhar, o que V. P. me-en
comenda . Eu tenho pouca noticia de Poetas Portuguezes : ou
nam tenho toda , a que é necefaria , para formar juizo exato
deles . Defde que li alguns , os-defprezei quazi todos , porque
me-nam-agradáram . Contudo lembrando-me , que a medida do
verfo Portuguez, é a me{ma do-Italiano ; e que as regras em to
do o mundo culto, fam as me{mas $ direi alguma coiza que me
ocorre : fe errar , deverá defculpar-me; lembrando-fe que só o
fafo, para lhe-obedecer .
Digo pois , que o eflilo dos-Poetas defe 'feu Reino, e def
ta fua lingua , pouquifimo me agrada: porque é totalmente con
trario, ao que fizeram os melhores modelos da-Antiguidade, e ao
que enfina a boa razam. A razam difto é, porque os que fe-me
tem a compor, nam fabem que coiza é compor: onde , quando
muito fam Verfificadores, mas nam Poetas . E diflo nam queira
V. P. melhor prova que ver, que nenhum até aqui fe-rezolveo a
efcrever, uma boa arte Poetica Portugueza : todos fe-rcmedeiam
com efla Efpanhola, que é muito má fazenda. Certo meu conhe
cido me-moftrou á tempos, uma manufcrita : mas nada mais era,
que um compendio da dita Efpanhola; em que fomente fe-trata,
das-medidas dos-verfos, e combinafcens de confoantes: o que eflá
mui longe de fe-chamar, arte Poetica. Onde concluo, que ainda:
nam vi livro Portuguez , que enfináfc um omem , a inventar , e
julgar bem ; e formar um poema como deve fer. De que nace,
que os que querem poetar , o-fazem fegundo a forfa da-fua ima
ginafam: enam produzem coiza, digna de fe-ver. Com efeito ve
rá V. P. muitos, que quando efcrevem dez verfos, lhe-chamam
Decima : e quando unem quatorze , chamam-lhe Someto : # afim -
2S
D E E S T U D A R. 217
das-mais compozifoens . Deforteque compoem antes de faberem,
o que devem dizer, e como o-devem dizer: e quando tem for
mado uma caraminhola , em trajes de Poezia , ficam mui fatis
feitos; e comefam a dizer mal , de tudo o que nam intendem :
Deftes fe-acham, nam duzias, mas centos.
De nam terem profundado a materia, nacem todos os defei
tos da-Poezia : de que fe-acham infinitos na Efpanha , e tambem
em Portugal. Geralmente intendem , que o-compor bem confifle,
em dizer bem futilezas; e inventar coizas , que a ninguem ocor
refem: e com efta ideia produzem partos, verdadeiramente monf
truozos ; e que eles mefmos , quando os-examinam fem calor ,
dezaprovam. Os metres de Retorica, em cujas efcolas é que fe
faz algum poema, e que deviam enfinar eftas coizas; fam os pri
meiros que fe-calam, e deixam fazer, o que cadaum quer . En
vergonham-fe , de poetar em Portuguez : e tem por-pecado mor
tal, ou coiza pouco decoroza, fazêlo na dita lingua. Imaginafoens,
e prejuízos ridiculos! A Poezia nam é pecadora: a aplicafam é a
que a-pode fazer condenavel , fe nam é reta : e como ifo pode
fuceder tanto na proza, como no-verfo ; dai vem, que eftes que
julgam afim, nunca deviam efcrever em Portuguez. Em todos os
tempos os omens de virtude , fe-aplicáram a efte exercicio . Os
Santos Padres mais doutos , compuzeram muita coiza em verfo.
S. Bazilio, S. Gregorio Nazianzeno foram grandes Poetas. O pri
meiro, compoz exprefamente um tratado, no-qual enfinava o mo
do , de ler os Poetas com utilidade. O fegundo, vendo que Ju
liano Apoftata Imperador Romano, proibira aos Criflaons, ler os
Poetas Etnicos; compoz algumas poezias, imitando Omero, Pin
daro, Euripides, Menandro &c. para inftrufam da-mocidade Crif
tan -- E ifto nam cfizeram cm Perfiano , ou Arabio ; mas na
fua lingua materna , que era a Grega. O me{mo fez Apolinario
Bifo de Laodicea, e alguns outros. S. Inacio de Loyola, e ou
tros modernos tambem fizeram , verfos vulgares . Se damos um
Pafo atraz, acharemos , que muitos efcritores Sagrados , efcrevê
ram em verfo . O que é tam claro , que ninguem pode menos
que rir-fe de ver , que um Portuguez fe-envergonhe , de poetar
na-füa língua, fazendo-o em Latim. Como fe na lingua Latina,
nam fe-pudefem dizer todas as loucuras, que fe-dizem na Portu
gueza ! De que vem, que, fegundo o efilo das-efcolas, um Por
tuguez é obrigado
TOM. I. a nam faber, que
- • difto,
E e coiza é Poezia. Alemaqui
a 18 V E R D A D E IR O ME TO DO
aquilo que lhe-enfinam de Latim, nada mais é, que a medida de
quatro verfos , e fazer alguma breve compozifam. Deforteque em
nenhuma lingua fc-fazem, as reflexoens necefarias, para fer bom
Poeta . Antes praticando-fe na Latina, uma forte de verfos feitos
à moderna, com muitas futilezas, e conceitozinhos, efle eflilo fe
difunde, nas compozifoens Portuguezas, com geral dano da-Poezia.
Duas fam as partes , que compoem o Poeta, Ingenho , e Jui
zo. Ingenho para faber inventar, e unir ideias femelhantes, e agra
daveis : Juízo para as-faber aplicar, onde deve . E nefas duas partes
pecam, nam só os modernos, e mediocres Poetas ; mas pecáram
ainda os artigos , e grandes omens ; nos-quais nem tudo é igual :
como moftram aqueles , que criticáram com juizo , os Antigos :
Achamos omens com muito ingenho , e com pouco juizo : por
que etas duas coizas • Podem-fe unir muito bem : , e para nam
Parecer falfa, a minha propozifam , permita-me V.P. que me-ex
plique melhor. O Ingenho confifte , em faber unir ideias feme
lhantes º com promtidam , e grafa 3 para formar pinturas que
agradem, e elevem a imaginafam : deforteque nam bata que fe
jam femelhantes ; é necefario que divirtam , e arrebatem . v. g.
Quando o Poeta diz , que a garganta da-fua amada , é branca
como a neve ? niflo nam aparece ingenho : fe Porem acrecenta»
que é igualmente fria , niflo eflá o ingenho . Polo contrario o
Juizo , é aquela faculdade da-alma , que peza exatamente todas
as ideias : fepára umas das-outras : nam fe-deixa inganar da-feme
lhanfa : e atribúe a cada uma, o que é feu. Ito, pede uma exa
ta meditafam , e prudencia fundada : aquilo , só pede uma me
moria cheia de muitas , e diferentes ideias . E daqui vem »
que vemos frequentemente, omens de imaginafam fecunda, e in
genho vivo 5 fem um efcrupulo de juizo : antes comumente, tem
menos juizo, os que tem mais ingenho : motivo polo qual Pro
duzem obras, que merecem rizo. Os que nam diflinguem itto»
confundem Ingenbo, e Juizo : e chamam omens de juizo, aos que
dizem mil ridicularias , e produzem infinitas monfiruozidades º c
deípropozitadas imaginafoens. • "

O verdadeiro ingenho pois , é uma femelhanfa de ideias»


que diverte , e eleva . Polo contrario o falfo ingenho confifte»
na fêmelhanfa de algumas letras, como os Anagramas, Cronogra
mas &c, às vezes na femelhanfa de algumas filabas, como os Ecos,
e alguns confoantes infulfos: outras vezes na femelhanza de algu
* * .. . . mas
D E E S T U D A R. . . 219
mas palavras, como os Equivocos &c. finalmente confifte tambem,
em compozifoens inteiras, que aparecem com diferentes figuras ou
pinturas, como abaixo diremos.
Deflas duas efecies de ingenho bom , e mao -, fe-compoem
uma terceira, que participa de ambas 3 a que alguns doutos chaº
máram Ingenho mixto : que confife , , parte na femelhanfa, das
ideias, e parte das-palavras. v. g. Imagina o Poeta» que o Amor
tem, femelhanfas de fogo : e une eftas duas ideias» na fua ima
ginafam . Serve-fe das-palavras de fogo , e chama 3 para explicar
efta paixam do-animo : e como elas tem fignificafam incerta »
rezulta daqui um todo , que tem parte de ingenho , e parte de
aparencia : o qual é mais ou menos eflimado º fegundo que do
mina mais ou menos, um que outro: quero dizer» fegundo que
a femelhanfa caie mais , fobre as ideias, que fobre as palavras -
Na idade de oiro da-Latinidade, apenas fe-acha vefligio difo, ti
rando em Ovidio , que tem alguma coiza : na idade de prata.»
Marcial cuido que foi o inventor : e neftes ultimos feculos, nam
fe-ve outra coiza. : --
… Mas a verdade é, que um conceito que nam é jufto, nem
fundado fobre a natureza das-coizas, nam Pode fer belo : porque
o fundamento de todo o conceito ingenhozo, é a verdade: nem
fe-deve eflimar algum , quando nam fe-reconhefa nele , veitigio
de bcm juizo . E como os Antigos obferváram muito ifho , por
ifo neles fe-obferva , certa maneira natural de efcrever , e certa
fimplicidade nobre, que tanto, os-faz admiraveis. Polo contrario,
os que nam tem ingenho para fazerem, que um conceito brilhe,
com a fira propria luz, fem a-pedir cmpreftada; vem-fe obrigados,
procurar i toda a forte de ornamentos , e apegar-fe a quaifauer
agudezas boas, ou más; para com elas fazerem figura, e parece
derem ingenhozos. Nas obras dos-Antigos nam diftinguem o bom,
nem o mao : abrafam os mefmos erros , como fe fofem maravi
lhas: fem advertirem , que aindaque fofem nofos mefres , nam
os-devemos feguir, com os olhos fechados: mas abrafar neles, o
que nam repugna à boa razam. * * *

* Defe principio naceram ; aquelas ridiculas compozifoens, que


tanto reináram , no-feculo da-ignorancia , digo no-fim do-fectilo
XVI. de Crifto, e metade do-XVII. e deferradas dos-paizes mais,
cultos", ainda oje fe-confervam em Portugal , e nas mais Efpa
Ilhas . Os omens daqueles feculos iguorantes., nam obferváram
*-*- E e 2 | nos
*2 2O VER DA DE IR O M E TO DO
nos-Antigos o bom, mas o mao . Viram , que neles fe-achavam
vefligios, de um mao ingenho 3 e efe foi o que abrasáram : de
forteque ainda oje tem os doutos grande trabalho , em deferrar
ifto, da-mente dos-omens. Alguns Poetas Gregos ridículos , au
torizáram efte uzo . Atribue-fe a Theocrito , mas falfamente ,
uma efpecie defles poemas, a que nós podemos chamar pintados,
ou figurados. Reprezenta um , o Ovo ; outro, uma Machadinha ;
outro, um Altar &c. Ifto é uma puerilidade, indigna de um Poe
- ta tam grande , como Theocrito . Certamente para fazer feme
lhantes verfos , deve o Poeta andar detraz , nam do-bom con
ceito, mas da-palavra longa , ou curta : - vitoque os verfos nam
fam , de igual medida e grandeza . Efte pefimo goto fe-rettable
ceo, no-feculo pafado, nam só no-verfo, mas tambem na Proza.
Eu vi um Ecce Homo, feito de letrinhas miudas; que continham
o tetamento Novo. vi um retrato do-Imperador Jozé , cuja ca
beleira, e veftido era feito de verfos . finalmente acha-fe muito
difto, nos-Poetas tolos do-feculo XVI. e XVII.
O que me admira nefte particular é , que o Padre Bluteau,
que nacèra em um Reino, no-qual fe-fabe, que coiza é Eloquen
cia, e bom goflo; quizefe introduzir tambem iflo, em Portugal -
Li averá anos um papel avulfo, que ele compuzera nas exequias »
da-Rainha D. Maria de Saboia, molher d'El-Rei D. Pedro II. e
o-intitulou Protheus doloris ; em que fe-continha baftante difto -
Avia um epitafio piramidal , cujo artificio confiftia, em ter algumas
regras mais compridas que outras. Avia tambem variedade de dif
ticos, em que fe-aludia às letras todas do-A. B. C.: e muita def
ta ridicula fazenda. Tinha tambem uma enfiada daqueles titulos»
que ele cofluma pór nos-feus prologos, e que embrulham o eflo
mago, aos leitores de perfeito juizo. Com efeito eu ja dife a V.P.
que efle era o efilo, do-tal Religiozo : metodo , criterio , bom
goflo, nam fabia de que cor era ... é o mais cantado efcritor, que
eu tenho viflo . Na verdade era infatigavel, em algumas coizas:
mas nam era autor para fe-imitar : porque bebêra deforte , efle
eftilo de Portugal; que até em Pariz quiz defender a um Cardial,
que o efilo de pregar dos-Portuguezes, era excelente : o que cuido
ter lido, em uma das-fuas obras predicaveis. Emfim tudo ifto é
efeito, de mao goto, e nenhum criterio. -
Daqui tambem nacèram, as outras compozifoens mais ridicu
las . Conta a Ifioria , de um certo Tryphiodoro à que compoz
- UTIla
D E E S T U D A R. 2.2 I

uma Ode, fobre os trabalhos de Ulizes; e dividio efte poema em


24. livros , a que deo o nome das-24. letras do-Alfabeto , pola
razam contraria : viftoque no-primeiro livro , faltava o A. no-fe
gundo, o B. &c. e em nenhum fe-achava a palavra , que tivefe
a dita letra do-titulo . Eu vi uma compozifam moderna , que fe
guia o mefmo metodo . Certamente nam á coiza mais ridicula,
que efles Lipogramas . Seria um belo divertimento, obfervar efte
Poeta, empenhado a revolver todos os Dicionarios; só para deitar
fóra, a letra efcomungada. Seria necefario , deprezar a voz mais
propria, e mais elegante; fomente por-ter a defgrafa, de fe-achar
nela, a dita letra . Mas que coiza feria a tal compozifam ! que
palavras ridiculas ! que fraze inaudita ! que conceitos improprios !
Foi fortuna , que o tal autor teve poucos fequazes, na Antigui
dade. -

. . Dos-Enigmas de palavras , entre os Povos do-Oriente acha


mos muito. Era entre eles, uma principal parte da-fabedoria ; fa
ber propor , e decifrar os Enigmas . Os mefmos Reis fe-diver
tiam, em Propor uns a outros, eflas advinhafoens : e às vezes nos
convites, efle era o ultimo prato. Mas defes omens nam falamos,
porque ignoráram , o que era bom goflo. Mas ainda entre os Gre
gos ouve algum, que fez algum enigma : mas foram raros , como
moftra o nofo Lilio Gregorio Gyraldi , nos-feus Opufculos . Os
Romanos mais advertidos, fugiram diflo . Sobre a outra forte de
Enigmas pintados &c. algum vefligio vemos , nos-Antigos ; mas
eles tinham outro diferente motivo . Em Roma era proibido,
que um particular puzefe a fua efigie , que era o me{mo que a
fua arma , no-dinheiro corrente . Caio Cezar, que era o Prove
dor da-Caza da-moeda , mandou efculpir nelas , a figura de um
Elefante: porque a palavra Cezar cm lingua Punica , fignifica Ele
fante … Tambem entre os Gregos, principalmente Ateniezes, era
Proibido. feveramente, que os eflatuarios, e artifices puzefem o feu
nome, nas efatuas &c. Mas dois Architetos, tendo feito um gran
de palacio, efculpiram em varias partes , uma Lagartixa , e uma
Ran , que eram os feus nomes. Obfervei eu tambem muitas vezes,
na famoza eflatua equefire de bronze, do-Imperador Marco Aure
lio, que fe-acha em Roma na prafa do-Capitolio; que as crins do
cavalo entre as orelhas, reprezentavam uma coruja: que fem du
vida era o nome do-autor : que verofimelmente era Ateniez, vi -
toque em Atenas avia grande abundancia delas . Mas ifo que os
• •

- Anti
2.2.2. VER DA DEIRO, M E TODO
Antigos fizeram, por-necefidade -, alguns Modernos o-fazem; por
eleitam : e fe-canfam em inventar um enigma, como em fazer al
suma obra eloquente. Nam Pofo deixar de efcrever aqui um epi
tafio, que cita um autor de bom juizo, que fe-Poz na lapide feº
pulcral. O morto chamava-fe: Nicolao -Antonia Simeoni: e queren
do-lhe fazer um epitafio ingenhozo -, efcrevêram ifto : Hic jaces
Barium, Pataviam, de Nunc dimittis - Barium aludia a S.Nicolao
Arcebispo de Bari : Patavium a S.Antonio de Padua : e Nunc di
mittis ao canto do-velho Simeam. Veja V.P. que tal era o enigma,
e que tal feria o autor ! Diflo ainda oje fe-acha muito, entre os
ignorantes: e eu tenho viflo baflante, em Portugal . Intrei uma :
vez na caza , de certo cavalheiro Portuguez , que eflava lenda
em livro de Epigramas Latinos» in 4° proguntei-lhe, que coiza
lia : e refpondeo-me, Que lia o melhor Epigramatifa, e o me
lher Enigmatico. Que o autor era um Portuguez moderno , o
qual em cada Epigrama ocultára um enigma, com tanto efludo =
que toda aquela menhan Procurára decifrar um, fem o-confeguir.
Que ja tinha alcanfado º o fegredo de outros: e que reconhecia,
que neles avia muito ingenho . Ofereceo-fe para me-empretar a
livro, e decifrar algum. Eu agradeci a atenfam : e repondi-lhe ,
que tinha mais que fazer : e que, nam queria priválo do-goflo,
nho!fe-ocupar
de coizas tamtaisingenhozas.
em publique
e á quem livros, nefte ifo chama-fe inge
E afeculo! •

..…. Ponho na me{ma clafe os Ecos , Equivocos, Anagramas, Acro/-


ticos, Cronogramas, Confoantes forfados, Laberintas &c. Tudo ifho
aindaque tivefe feus vefligios 2 cm alguns menos advertidos da
Antiguidades refucitou , ou fe-inventou , nos-feculos da-ignoran
cia . Eu fei que Ovidio, em uma parte das-fuas Metamorfozes» -
quando fala da-Ninfa Eco , antes de fer, mudada em puro eco,
introduz algum. Mas alem de que o-pedia, a necefidade da-ma
teria; viflo fer ela o argumento , da-lua defcrifam; os omens de
juízo rim-fe, da-fua puerilidade: fendo certo que Ovidio, caio em
muitos defeitos, e efcreveo com mais facilidade , que reflexam º
Mas nam fe-pode fofrer, que omens modernos, e que mofiráram
doutrina em muitas coizas, caifem nefarapaziada , condenavel ain
da em um rapaz: e que fizefêm compozifoens, expretamente para
moftrar º que fabiam fazer eco. Eu vi ecos, que repondiam em
Latim, e outras linguas: e tive compaixam do-Poeta, que fe-can
sára com aquilo . Os Equivocos nam os acho na Antiguidade, fê
-iru/A •
parados
* - D E - E S T U D A R. r 223

parados dos-Enigmas, tirando rarifimo , que em outra parte di


rei : fam inventam moderna. V. P.fabe muito bem, que só rei
máram, no-tempo da-ignorancia; e que os Efpanhoes , e Portu
guezes mais advertidos » fogem oje deles. Com efeito nam á coiº
za mais ridicula, que chamar conceito, a um ingano : e procu
rar aquilo, que fe-devia evitar. Quando eu li algumas das-Jor
nadas, de Jeronimo Baia , tive compaixam do-dito Religiozo : e
afentei, que a jornada que devia fazer, era de fua caza para o
Ofpital. Efta forte de Poetas fam doidos , aindaque nam furio
zos. Mas nam cuide V.P. que ifto eftá totalmente reprovado : eu
ainda conhefo, quem o-pratica: e quando fe-lhe-oferece ocaziam,
de dizer um equivocozinho , banham-fe em agua de Cordova.
Nam falo dos-idiotas, porque efles nam cuidam nifo: mas defes
chamados doutos, Frades, Seculares, Sacerdotes, Efludantes &c.
entre efles acha-fe muito diflo: porque nam fe-incontra uma al
ma criflan. , que dezinganadamente lhe diga , que aquilo é uma
parvoice • • •

Mas o pior é, que ja o Equívoco pafou do-Portuguez, pa


ra o Latim: e muitos que deviam faber, que coiza era Latim º
nam fazem efcrupulo, de introduzirem nele equivocos 3 compon
do um Latim novo, cheio de todos eflas arengas. Um autor de
credito, a quem eu eflimei muito, pola fua doutrina, e piedade»
tambem tropefou neta materia; compondo uma defcrifam do-Ceo»
Por-cquivocos. - Efta obra, que fora prometida anos antes , com
diferente titulo 5 teve muita gente em grande efperanía 3 e eu fui
um deles : mas depois que a-li, confirmei-me no-conceito em que
eftava, de que nam é obra para efte feculo; mas cento cincoen
ta anos antes, feria um prodígio. Todo o artificio confife, em
ter bufcado nomes de Santos, que fignifiquem varios oficios da
Republica , de que fe-acham carros nos-martirologios &c, e defº
crever uma Cidade ideial, introduzindo em feus lugares, os ditos
nomes ... Contudoifo efia obra teve mil adoradores , e apologif"
tas 3 que mofiram abrafar, a me{ma opiniam. Eu porem que de
zejo cooperar, para o credito defe omem, quizera que fe-nam
tivefe Publicado: porque me parece , que nam é digna de efiar
ao pê, de outras obras do-me{mo autor: e que defender o con
trario, é mofirar mais paixam, que dicernimento: e defle meu pa»
recer foram, os Efrangeiros de juizo, a quem a-moftrei. Mas o
que ele fez em uma só materia , fazem outros em todaZ13ÍIl
J
a oca
=
224 VER DA DE IR O M E TO DO
ziam: e defculpam-fe com um ou dois Eftrangeiros, que fam os
gavadinhos. Como fe os E{trangeiros, nam fizefem tambem parvoi
ces ! ou como fe naquelas Nafoens nam ouvefe , quem abominá
fe tal metodo ! Com efeito o Tezauro, mas principalmente o Ju
glar , de quem fe-fervem nete genero de equivocos, e agudezas;
é infoportavel : e tem fido o que arruinou muita gente, que nam
peza bem o que abrafa . Ele compoz uma certa coiza , a que
chama Elogios: feitos em um Latim, que nam fe-fabe de que fe
culo é 3 porque é todo cheio de futilezas, e equivocos 3 e cada
palavra fe-deve tomar, em fentido diferente doque foa : O pri
meiro Elogio feito ao Verbo Eterno, comefa #
. Amicus filentii Deus ef: .
Semel in tota actermitate locutus Deus,
Uno omnia dixit in Verbo.
Trima fui fecunditate facundus, 1

Iffa fui conceptione fit parens.


Veja V. P. o que aqui vai ! A palavra filentium é aqui tam im
propria, que nam pode fer mais : porque filentium é um termo
relativo , que fignifica etar calado , ou quieto ; quem primeiro
falou, ou fez rumor : e ifto nam fe-pode aplicar ao P. Eterno, o
qual fempre fala a mefma palavra , que entam falou. Onde nam á
coiza mais contraria ao filencio , que o falar do-Eterno Pai: e,
feguindo a futileza do Juglar, deve-fe dizer, que nam á quem
feja, mais amigo de falar º porque nunca fe-cala. A palavra fêmel
tambem é impropria. Ela nam fignifica uma coiza , que fempre
fe-faz : mas que fe-faz uma vez só : e no-nofo cazo , que já é
pafada: e ifto nem menos fe-pode aplicar, ao Padre. Tambem o
nome locutus, rigorozamente falando , nam fignifica , quem pro
nuncia uma palavra , como ele fupoem 5 mas quem faz um difcur
fo . Uno omnia dixit in Verbo , nam é fraze Latina , no-fentido
em que ele a-toma: porque uno verbo, ou verbo dicere, de que
uzam os Latinos 5 nam fignifica , pronunciar uma voz , como fu
poem o elogio; mas dizer poucas palavras, e explicar muito em
Pouco : a palavra Verbum , aqui é rigorozo equivoco . Prima fui
fecunditate, nam fei o que quer dizer: porque eu nam acho, que
o Padre Eterno geráfe mais, que um filho: e a palavra prima é
relativa . Alem difo a palavra fecunditas , nam fignifica, gerar
uma só vez 5 mas muitas, e fer fertil; e nem menos ifto fe-apli
• C3 3
- •

C D E E S T U D A R. " 22;
ta, ao P.Eterno . O me{mo digo da-palavra facundus , que nam
*{ignifica º quem pronuncia uma só palavra 3 mas quem é eloquen
te, e fabe fazer muitos e bons difcurfos : e tudo iflo eftá longe
do-fentido, em que o-toma Juglar. A palavra conceptio, é outro
equivoco . Ela nam fignifica, conhecer e intender alguma coiza;
mas compreender, como um vazo compreende o licor , que lhe
deitam : e nefte fentido fe-transfere , para explicar o modo, com
que o utero das-molheres , recebe a femente 3 de que rezulta a
gerafam. Significa tambem , excogitar : e em nenhum defles fen
tidos fe-pode aplicar, ao P. Eterno : pois nem o Pai excogita o
Filho 3 nem fe-concebe a fi , mas ao Filho . Afimque toda efia
arenga fe-reduz, a um trocadilho e jogo de palavras: como V. P.
poderá reconhecer, fe quizer ler o dito autor. • …

- E que diriam os nofos antigos Romanos , fe vifem abuzar


da-mageflade dos-Elogios: defruir a naturalidade , e fimplicidade
da-lingua Latina : perverter a propriedade das-fuas exprefoens º
fomente para dizer quatro futilezas , que nam concluem nada ?
Contudo ifo efte autor, bandido de outros Reinos , achou mui
tos imitadores, e idolatras nefte : aos quais ferá mais facil per
fuadir , que os antigos Romanos nam fouberam º efcrever com
elegancia ; doque que o P. Juglar nam feja, um milagre de dou
trina, e facundia. Mas permita-me V. P. repetir o verfinho, quifque
fuos patiniur manes: o certo é , que efte eflilo, com mais razam fe
deve evitar no-Latim , que no-Portuguez. * . . .
Os Anagramas fam invenfam nova, e tambem agradam mui
to, neftes paizes. Que divertimento nam é , ver um perfeito ana
gramatifa , dezentranhar daquela palavra , mil coizas diferentes !
Eles convertem o branco em negro ; o dia em noite ; o omem
em befta. Se o tempo que aplicam, a efia rapaziada, o-aplicafem
a coiza feria 3 podiam fazer um poema Epico bem grande . Acham
fe alem diflo metres , que fomentam ifto ; dando premios aos
rapazes» que nas efcolas, ouvindo alguma palavra, defcobrem ne
la um anagrama puro. Seria ifo nada, fefe-contivefe dentro das
efcolas: mas o mao é , que faie para fóra , e fe-introduz nos
difcurfos graves ... Afifti uma vez a um fermam da-Conceifam, pre
gado polo P. *** o qual fora muitos anos metre , e tinha fa
na de grande Teologo 3 que provou o que dife., com anagra
mas º tirados do-nome da-Senhora , e de algumas palavras do
Evangelho
…TOM.-I.Creio que é necefaria mui
F f pouca reflexam º nhecer
• para co
226 VER DA DE IR O ME TO DO
nhecer o ridiculo, defe eflilo. Os Acroflicos fam primofcomirmaons
dos-Anagramas, e nacèram no-mefino feculo . Acham-fe ingenhos
mariolas tam infatigaveis , que no-me{mo Soneto poem trez ve
zes , o mefmo nome : duas nas extremidades , e uma no-meio.
Para fazer ifto ja V. P. fabe , quantas palavras é necefario voltar,
e revoltar . E como as palavras fe-bufcam , Polo comprimento,
&c. fegue-fe que fe-ám-de defprezar as melhores ; só para achar
aquela , em que efteja aquela letra inicial , e aquele nume
ro de filabas. E daqui fica claro , que coiza pode fer, a dita
compozifam. Os Ebreos depois do-Talmud , fam os que fe-apli
cáram a etas ridicularias , de Anagramas &c, mas fomente para
achar mifterios, nas Efcrituras. Porem eftes modernos, procuram
fomente o divertimento.
Dos-Cronogramas vi algum em Portugal, mas raro . Os Tu
defcos fam infoportaveis neta materia, e tambem os Ebreos mo
dernos - Confifle pois o Cronograma, em pór no-principio, ou fim
de um livro , ou em alguma inferifam , certas palavras ; parte
das-quais letras fejam maiufculas: as quais juntas declarem a era,
em que foi feito o livro. Omens - á , que perdem mezes , para
bufcar as ditas palavras. Onde , quando V. P. vir algumas deflas
infcrifoens, em medalhas, ou livros ; nas quais entre letras miu
das fe-achem majuículas; nam fe-canfe em bufcar o conceito, que
nam á : bufque o ano, do-milezimo corrente.
Mais vulgar é "em Portugal , outra forte de ingenho falfo,
a que chamam Confoantes forfados . Quando querem experimentar
um omem , fe tem ingenho ; dam-lhe confoantes efiramboticos,
paraque complete os verfos : e como ifto feja o me{mo , que
obrigar um omem, a que diga defropozitos ; ja fe-fabe que fa
iem compozifcens , indignas de fe-verem . Se um omem quando
quer fazer um Soneto , polos confoantes de outro , ao mefmo
afumto, e fem fe-incontrar no-me{mo conceito; lhe-cufla: fe def
Pois que um Pocta faz , uma boa quadra de um Soneto = nam
acha às vezes os confoantes propriosº para a fegunda 3 e para cx
Plicar o que tem ideiado: confidere V. P. que coiza poderá fazer »
quando o-brigam , a dizer defpropozitos ? O me{mo digo, quando
dam os motes com finais dezuzados, e que nam tem outras vo
zes confoantes . Sempre me-parece o ridículo efte eflilo : e nunca
pude fofrer , que vindo quatro amigos , elogiar outro em um
oiteiro s lhe-ajam de dar motes , para os-tormentar . ifo é re
ÇOÍIl
* D E E S T U D A R, 227
compenfar uma fineza com uma injuria; e querer uma fatira, em
lugar de louvor , Deviam dar ao Poeta , fomente º afilmto à e
deixar-lhe a liberdade, de fazer a Decima como quize(e: porque
o entuziafmo deve ter , liberdade na expretam º fem a qual nam
é pofivel, deixar de dizer parvoifes. Ou, em cazo de lhe-darem
o mote, devia fer com algum final, que tivefe muitas vozes eon
foantes da-lingua : paraque pudefe contrafazer-fe menos, e produ
zir coizas dignas, Porem fempre direi , que é efeito de um in
genho mui mao , dar confoantes efiramboticos : e que todo o
omem de juizo deve fugir, defla rapaziada .
Em outros Reinos, fempre fe-deixa a liberdade, a quem glo
za: e na minha Italia, onde fabem que coiza é Poetar à a efles
glozadores, a que la chamam Improvizadores, nunca dam motes,
mas só o afumto . E por-ifo á alguns , e vi tambem molheres,
que difcorriam prodigiozamente : e cujas obras eftritas , merece
riam grande louvor. Efpecialmente incontrei um omem, de men
te tam fecunda , que polo efpacio de trez oras defpois de jantar,
fez continuamente verfos ; variando eu fempre os afimtos. Ver
fejava em oitava rima , conforme o coflume dos-verfejadores de
Italia : e com tanta promtidam ; que cheguei a fufpeitar , que as
trazia efludadas : deforteque me-vi obrigado, a variar infinita
mente os argumentos : mas o omem fempre era o me{mo : e o
profluvio de palavras nam tinha limite . Notei efpecialmente duas
coizas fingulares: nunca errou verfo, ou na quantidade, ou no
confoante : e nam uzava de palavras fem fignificado, de que fre
-quentemente uzam os Poetas; mas dizia coizas bem ditas , e de
fuftancia . Mas efte grande omem , querendo-lhe eu dar um mo
te, nam fe-quiz fugeitar a glozálo . Nele fiz algumas reflexoens,
das-que a V. P. aponto .
Vemos ainda outra coiza pior , que é , introduzir os con
foantes , ou rimas, no-verfo Latino . Nos-feculos dá-ignorancia,
ouve um Poeta defles, que reduzio a metade da-Eneida, em verfo
Latino rimado . Acham-fé ainda alguns Imnos ecleziaticos, fei
tos no-undecimo, duodecimo, e feguinte feculo, com confoantes
e toantes. vi alguns Portuguezes, que goflavam diflo. Mas tudo
é efeito de fuma ignorancia; e é nam conhecer, qual é a bele
za º e armonia da-lingua Latina. Ingenhos ordinarios, que nam
Podem chegar à galantaria, dos-antigos e bons Poetas ; querem
fè fingularizar, com tal eflilo : eF fpor-ifo
• 2 fe-devem defprezar
- - Tam -
|
228 V E R-D A D E IR O ME TO DO
- Tambem os Laberintos de letras, fam mui mimozos em Portugal:
e Poeta conhece V.P., que etimou mais um laberinto que fez, doque
fe fizera alguma famoza compozifam. Outros tem por-coiza gran
de , fazer laberintos de quartetos, difpofios em certa figura, de
forteque fe-lem por-todas as partes 3 e fempre confervam, a me{ma
confonancia. Outros fazem verfos, que fe-lem para diante, e pa=
ratraz: de uma parte, fazem um fentido : da-outra , outro con
trario : empregam nifto tempo confideravel, nam só em fazêlo,
mas em decifrálo : e chamam a ifto, emprego de fublime ingenho,
Que omens ! O fimplez nome de laberinto bafta , para deprezar
efta forte de compozifoens : olhar para eles, deve confirmar efte
propozito. Decifrado um laberinto de letras , comumente acha
fe o nome de uma pefoa, e nada mais : e onde eftá aqui o in
genho ? Cufla às vezes ao Poeta, fazer um laberinto de um quar
teto, um mez; e como nam pode chegar a encobrir a compozi
fam, de modo que outro em um abrir de olhos, a-nam-decifre à
todo o ingenho do-Poeta, que lhe-cultou um mez, excede outro,
com um abrir de olhos . Os outros laberintos de quartetos &c.
nenhum tem conceito : porque nam podem unir-fe duas coizas,
poetar bem, e poetar em laberinto. E afim com muito trabalho
confegue o Poeta , que os outros conhefam 3 que ele nam fabe
fazer, verfos, bons. . . . - - - - " … "+ +

* - Igualmente é eflimada nefte paiz , uma efpecie de Sonetos,


em que fe-repete a mefma palavra , em todos os verfos: que é
e me{mo que a galantaria, dos-confoantes forfados. Porque obri
gado o Poeta, a introduzir a dita palavra em cada verfo, nam
Pode ideiar livremente; nem unir um verfo com outro 5 nem fair
com alguma compozifam, que feja digna .Podia citar mil cxem
plos: mas nam queira V.P. nenhum melhor 3 que o Soneto que
fe-atribue ao Chagas, e comefa : . * . * . * * * *
* . * O tempo ja de fi me-pede conta. • •

Em todos os verfos entra, a palavra tempo : que é uma embrulha


da terrivel : e o conceito do-fim confifte nifto : + -

7 . E que fe-chega o tempo de dar conta.


que é em carne o me{mo primeiro verfo . E onde acha V.P. a
galantaria ? o me{mo digo dos-outros. E tuto ifto provêm, de
que tais Poetas intendem , que o-fazer um Soneto fegundo as
leis comuas, é coiza ridicula; e afim querem , efquipafam parti
cular . . . . … -- … - - - • +
• • •• • • Se
* Dº E : E S T U D A R . 229

- Se os omens confiderafem, que coiza era a Poezia: fe tive


fem bem a intendidos os principios dela: fe quizefem decifrar, em
que confifte a beleza e armonia, que nos-eleva , quando ouvimos
um bom poema : nam podiam menos , que defprezar todas etas
compozifoens; que fam indignas, até dos-proprios rapazes. Só os
que nam fabem, que coiza é ingenho, fe-aplicam a eflas ridicu
darias . Dezefperando de chegar, à mage[tade dos-antigos compozi
tores; nam acháram outro meio de ferem atendidos , que fazen
do ridicularias . Sucedeo-lhe o me{mo , que aos Godos , com a
Architetura: nam: tendo fido inftruidos nas boas artes, como fo
ram os Gregos, e Romanos 3 e nam podendo chegar , à nobre
{implicidade da-antiga Architetura: ornáram as fuas fabricas , de
tudo o que lhe-ofereceo, a fua mal regulada imaginafam. Defor
teque os omens, que no-feculo prezente obfervam, os monumen
tos que nos-ficáram, detes barbaros ; nam cefam de admirar, a
pouca proporfam – que fe-defcobre , em todas as fuas fabricas : e
o mao goflo que aparece, em todos os feus ornamentos. Muitos
deles viviam em Roma : tinham debaixo dos-olhos , as famozas
fabricas dos-Romanos: e defprezando tudo ifto, produziam monfº
truozidades. Afim fam os autores deflas Poezias : tem os bons li
vros: podiam neles obfervar, o que devem : e defprezam tudo if
to, para feguirem fantaflicas imaginafõens. Onde dife com galan
taria, um autor moderno; que fe a gloria de belo ingenho, fe
confeguira fomente, com o trabalho que empregam, naquelas ri
dicularias ; ele nam queria fer Belo ingenho : pois era melhor;
fer forfado da-galè, que confeguilo com tanto cufo. E eu acre
cento, que fe eflivefé na minha mam, condenaria efles tais Poe
tas, a pafarcm a fua vida fazendo Acroflicos, Anagramas, Labe
rintos 3 retirados do-comercio - dos-omens
4eus, inventos. - - - - *3 * e felicitar-fe com os
• •

-* * * * . ..

- Tenho ainda outra coiza que advertir, que tambem é efei


to, de mao ingenho; e fam aqueles ditos, que chamam agudos,
e jogos de palavras ; que fe-acham frequentemente nos-Prozado
res, e frequentifimamente nos-Poetas . Verá V. P. pefoas , que
cuidam dizer_grafas, e coizas ingenhozas ; e dizem inflpidas ri
dicularias . Outros , fervem-fe de uma palavra com um c, que
Poila com um l, fignifica coiza diferente , e daqui formam uma
caraminhola , a que chamam ingenho ; e ficam mui fatisfeitos,
dº fua agudeza. O pior e lá, em que á omens que
"… --
*#"
ODIC
23o V ER DA DE IR O ME TO DO
fobre a agudeza; e quizeram enfinar iflo, aos leitores . Li á anos
um livrinho pequeno, de um Efpanhol» que cuido era Gracian;
e fe-intitulava Tratado de la Agudeça : lembro-me que o autor no
prologo, dezejava ao livro a boa fortuna, de cair em maons, de
quem o-intendèfe. Polos meus pecados eu fui um , dos-que nam
fe-cansáram em intendelo: porque logo intendi, que o livro nam
merecia que fe-lefe. Querer enfinar a dizer grafas , e agudezas;
é o me{mo que querer enfinar, a mudar a natureza: quem nam
é proprio para eflas coizas , nam as pode aprender . As grafas,
poia maior parte º tem beleza repetiva : em boca de uns , tem
grafa; na dos-outros, nam: a agudeza quando nam é pura, é o
me{mo . Pola maior parte » as que pafam com efleº nome , nam
merefem efe titulo: fam meros jogos de palavras, que agradam
infinitamente aos ignorantes. Nefle particular a verdadeira regra
é efia: Se o conceito traduzido em outra lingua , conferva a mef>
ma forfa; pode-fe chamar penfamento ou agudo , ou ingenho
zo, fegundo as circunflancias: fe a-perde º pronuncie V. P. livre
mente, que é uma ridicularia : e que só pode ter lugar , entre
gente que gofla daquilo : • •

Acham-fe, é verdade, nos-Antigos muitas , e mui infulfas.


Arifloteles na fua Retorica aponta algumas, a que chama. Paraº
gramas. Cicero no livro 2° de Oratore, tratando das-facecias do
Oi ador , indica outras muitas : e ele me{mo em varias partes
das-fuas obras , ferve-fe delas : porque efte era o feu defeito,
fer mui faceto : e com as filas facecias aquillava, perigozos ini
migos. Mas devo dizer , em obzequio da-verdade, que as que
ele aponta, quazi todas fam frioleiras, e ridicularias ; que nam
merecem nome, de penfameito ingenhozo : e fe V. P. me-nam
cre, leia o dito livro, e achará que lhe-digo a verdade . Eflas
venialidades em que caíram eftes grandes omens, fam recompenfa
das com infinitas boas qualidades» que neles vemos: e fam tam
bem defculpaveis, por-outro principio; que é a falta de Critica,
que tiveram os Antigos . Aqueles ingenhos elevados dos-primei
ros autores, nam faziam todas as reflexoens necefarias, para pro
cederem com exatam: Polo contrario, os que os-feguiram, ainda
que inferiores na grandeza de ingenho, excedem no-metodo, e na
critica : e fouberam evitar, os defeitos dos-primeiros. . .
Omero é grande, é natural, tem penfamentos elevadifimos,
e excede niflo a Virgilio : contudo efe , que efcreveo defpois º

21Il
D E E S T U D A R. 23 r
aindaque tenha menos, natureza , motra mais arte que Omero :
pois foube evitar um defeito, que frequentemente fc-acha em Ome
ro, que é , amontoar fuperfluos epitetos , e às vezes infulfos :
como tambem as digrefoens, e coloquios infipidos, fem necefidade
alguma . Cicero no-feu livro de Claris Oratoribus , em que cen
fura, tudo o que ouve de bom na Antiguidade ; traz belifimas
reflexoens, fobre os defeitos de alguns Oradores : e bem procu
rou nas fuas obras, fugir dos-tais defeitos. Contudo Quintiliano,
que floreceo um feculo e meio defpois, aindaque muitos furos
abaixo, do-merecimento de Cicero 3 advertio coizas, que a Cice
ro tinham fugido. A verdade é , que os efcritores que efcrevê
ram, defpois dos-primeiros; refletindo fobre as primeiras obras,
examináram melhor , que coiza era bom ingenho ; e deram regras,
que os primeiros ignoravam. Quintiliano é um defles: mas fobre
todos Dionizio Longino, que floreceo no-meio do-3 * feculo crifº
tam . Efte omem , que alem de Filozofo , e Retorico , era um
Perfeitifimo Critico; enfinou no-tratado , que nos-deixou de Su
blimi filo, como fe-devia julgar netas materias : e que coiza fe
devia chamar Ingenho : e todo o mundo douto, concordou com ele.
A ignorancia, que pouco defpois fe-introduzio no-Imperio ; fez com
que fe-efquece{em , defle metodo de julgar : o qual fe reftableceo
nos-fins do-feculo XVI, mas principalmente no-pafado , e no-pre
zente 3 em que as coizas fe-eftimam º nam polo que parecem »
mas Polo que fam. Mas como nem todos tem juizo, para inten
derem as coizas; daqui nace , que nefte me{mo feculo XVII. e
ainda Prezente, fe-acham pefoas, que confundem as ditas coizas; e que,
fe acazo chegam a ler os Antigos, nam fabem advertir , o que
neles fe-deve imitar, ou defprezar : e por-ifo chamam penfamen
tos ingenhozos a coizas, que eflam mui longe difo: o que fre
quentifimamente fe-incontra, nefte Reino.
Um defles Poetas , obfervando as deprezantes maneiras de
olhar, da-fila Dama , e convencido no-mefino tempo, da-eficacia
que os feus olhos tinham , para inípirar-lhe amor , os-confidera
como efpelhos uflorios, feitos de caramelo : mas podendo ele vi
ver º nos-maiores ardores que o-abrazavam 3 conclue, que a zona
torrida é abitavel . Quando a fua Dama tem lido a carta, que
lhe:ºfcreveo, com fumo de limam, pota ao calor do-fogo, lhe
Pºde, que a-torne a ler, à luz das-chamas de amor. Quando ela
chºrº, dezeja que um filave calor, excitado polo

.………# de{-
{1121"
232 V E R DA DE IR O M E TO DO
tilar aquelas lagrimas , pafadas polo alambique do-feu corafim.
Quando ela eflá, auzente, acha-fe alem do-otantezimo grao de la
titude; quero dizer, quarenta graos mais vizinho do-Polo , do
que quando fe-acha com ela : O feu amor ambiciozo é um fogo,
que fobe naturalmente para fima : o feu amor afortunado , pare
ce-fe com os raios do-Sol : e o feu amor dezafortunado, afeme
lha-fe às chamas do-inferno. Quando o amor lhe-tira o fono , é
uma chama , de que nam faie fumo : e quando a prudencia o
combate , é um fogo afoprado polo vento . O feu corafam é
um Etna , que em vez da-oficina de Vulcano , oculta aquela de
Cupido . "As vezes , o corafam do-Poeta acha-fe I evado, no
peito de todas as belas : outras vezes afado , na vizinhanfa
dos-feus olhos. Umas vezes, afoga-fe dentro das-lagrimas; e no
mefmo tempo arde, entre os brafos de amor: femelhante a cfles
foguetes de nova invenfam , que ardem , e efloiram debaixo da
agua . Em todo efle diftufo vé V.P. que o Poeta fupcem, que
o amor é verdadeiro fogo de cozinha ; e que une eflas duas.
ideias, fogo, e amor 5 para delas deduzir , todos os feus concei
tos; a que ele chama futis, e ingenhozos. Ifto agrada ao comum
dos-omens, namobfanteque feja uma fantazia impropria, e efirava
gante. Porem ja eu lhe-perdoára efte ingenho mixto ; fe uzafem
dele com moderafam: o que nam pofo fofrer é , que fem pru
dencia o-introduzam por-tudo : e nos-queiram perfuadir , que é
grande ingenho, chamar-a uma coiza com diverfo nome : e que
*) a dita coiza é tal, como a-pintam . * * * * . . +

. Acho tambem mui radicado neftes paizes, (aindaque tambem


em alguns efirangeiros) aquilo de fervir-fe fem reflexam, das-di
vindades dos-Pagaons , em toda a forte de poemas, Sagrados, e
Profanos : e cuidam muitos , que fazendo ao principio a folita
protefia, de que os-nomeiam no-etilo poetico ; tem feito a fua
obrigafam . Pcde-fer que a-tenham com a religiam : mas certa
mente nam a-tem, com os bons Poetas. Com grafa dife: um omem
douto, que toda a ciencia de muitos modernos Poetas, nam pa
fava, das-Metamorfozes de Ovidio. A verdade é, que os Poetas
modernos, fam prodigos defla mitologia. Se louvam uma molher
formoza , ocupam-fe mais em defcrever Elena , ou Venus; Leda,
ou Europa; doque a dita beleza. Se elogiam tem eroe, entra lo
go Mavorte , e Alcides; e pola maior parte nam faiem daqui.
Mas ifto é fem duvida ridicularia . Em um poema burleko, tem
- - grafa
D E E S T U D A R, 233
grafa a dita mitologia , porque só fe-trata de divertir , com a
aplicafam: mas em um poema ferio, é fantazia condenavel. Que
o-fizc{em os Etnicos, tinham defculpa na fua cegueira : mas que
o-fafa um Catolico , em cuja religiam nada fignificam , tais no
mes: que introduza D. Joam de Cafiro , como grande amigo de
Marte ; e eflablefa boa conrefpondencia, entre Belona, e Diniz de
Melo 5 é um erro que nam fe-pcde perdoar a um Poeta, que Pa
fa de 15 anos. Os que nam fabem engrandecer, as verdadeiras
virtudes; é que recorrem às fabulas, para ornamento do-feu Poe
II12 •

Nunca pude fofrer um Poeta, no-principio de um poema mo


derno, invocar as Muzas, e Apolo; para lhe-infpirarem os pen
famentos: mandar Mercurio, com algum defpacho de importan
cia : obrigar Minerva, a que tome a figura, de algum confelhei
ro : chamar do-Inferno Plutam, para excitar difcordias, entre al
gumas pefoas: nam permetir tempeftades , femque Venus vá pe
dir a Eolo, que fafá das-fuas : nam confentir perda de batalha,
femque o Defino atire alguma, das-fuas folitas pedradas. Ifto é
uma afetafam, digna de compaixam. Nós temos na nofa religiam
coizas, que podem fuprir, a todas as ideias dos-Antigos . Te
mos Deus, temos Anjos, temos Santos, que nos-podem infpirar
o bem : e temos Diabos, para infpirar o mal. O Poeta moftra
ria mais ingenho, fe ele fizefe os feus verfos ; doque pedindo a
Apolo, que lhos-infpire. Um furiozo vento excitado polo Diabo,
Pode fazer o mefmo efpalhafato , em uma armada , que Eolo,
com todas as fuas Furias. Para dar razam de uma batalha perdi
da » é mais natural e verdadeiro , recorrer à polvora , balas, e
prudencia do-General; doque ao Defino, ou Fado, que fam pa
lavras fem fignificado. O Diabo nam é menos prejudicial, à paz
e quietafam, dos-Omens, que pode fer Plutam, com Cloto; e as
fuas companheiras. Quem dece ao Inferno, para tirar de lá La
chefis, e outras deflas Furias; nam lhe-era mais barato, tirar um
diabrete, para concluir tudo aquilo ? Os Gregos nam fe-ferviram
das-divindades dos-Ebreos , ou Sirios , para explicarem as fuas
coizas; mas daquelas que eflavam eflablecidas, no-feu paiz: E por
Que avemos nós fervir-nos das-Gregas , tendo outras melhores ?
O que füpofio, merecem rizo os Poetas, que fe-ocupam com ef.
taº ridicularias: porque ou querem fignificar com aqueles nomes,
alguma coiza se ifo é facrificar o feu catechifino, à mitologia
TOM.I. Gg dos
234 VER DA DE IR O M E TO DO
dos-Antigos: ou nam fignificam coiza alguma ; e novamente mere
cem rizo, por-falarem em coizas, que nam pode aver : e é per
der a vero{imilidade do-poema , fervindo-fe de coizas, e vozes,
que ninguem pode intender. Que o Poeta em uma metafora, em
uma femelhanfa, ou em alguma breve aluzam, tocáfe algum def
tes pontos; poderfeia alguma vez perdoar : mas introduzilos em
todo o corpo do-poema , como faz o Camoens na Luziada , que
introduz Venus, e Baco por-toda a parte, fem deferifam alguma;
ou tambem o Chagas , e o comum dete Reino 3 ifto é moftrar;
que nam tem juizo ou dicernimento , na aplicafam dos-ornamen
tos poeticos. E é muito de admirar, que os que fabem tambem
defcrever Venus, e Baco ; nam faibam defcrever, um omem feu
contemporaneo , fem recorrer à Antiguidade. Pode-fe porem fo
frer , que o Poeta fale com as coizas inanimadas , como com
pefoas : v. g. com os Ceos, Terra , Elementos , Morte &c.
e fafa outras deflas figuras de Retorica : ifto nam ofende nem
a religiam , nem a boa razam : aquilo"; ofende ambas as coi
ZaS •

Eftes defeitos nos-Poetas fucedem, porque lhe-faltam os dois


principais requizitos , Criterio, e Retorica . Chamo Criterio, a
uma boa Logica natural , exercitada na lifam de bons autores:
Retorica ja fe-fabe, que é a arte de perfuadir, fem a qual nam
fe-pode fer bom Poeta: a qual fupoem Juizo, e Criterio. A fim
Plez propozifam deítes dois requizitos bafta, para atarantar etes
Poetas ordinarios : os quais fe-rim de todo o corafam , quando
ouvem dizer , que fem ter fingular Retorica , nam fe-pode fer
bom Poeta; ou ao menos intender, o artificio da-Poezia . Eftes
ingenhos das-duzias, páram na fuperficie das-coizas. Julgam que Re
torica, é falar em proza ; Poezia, falar em verfo. Mas os omens
que intendem a arte, rim-fe ainda mais, da-fua ignorancia. Cuido
que facilmente perfuadirei a V.P. o que digo, fe lhe-puzer dian
te dos-olhos, que coiza é Poezia ; e iíto a que chamamos, arte
Poetica.
A Poezia é uma viva defcrifam das-coizas, que nela fe-tra
tam : outros lhe-chamam pintura que fala, e imita o me{mo que
faria a natureza; e com que agrada aos omens . O artificio da
Poezia tem por-fim, agradar : e por-ifo só fe-emprega em dar re
gras , com que pofa ocupar goftozamente um ingenho . A ifo
confagram os Poetas, todo o feu ingenho , e juizo . Se bufcam
- argu
D E E S T U D A R. 235

argumento elevado, é para agradar, com a ideia de grandeza: fe


procuram imitar a verdade, é para agradar, com a galantaria da
imitafam : fe nam dizem coizas contrarias às nofas inclinafoens »
ifo mefmo é para agradar : fe propoem movimentos apaixonados,
com que pintam ao vivo, diferentes afetos da-alma; tambem ifo
é para agradar : deforteque efte é o idolo , do-artificio poetico -
E como ifto nam fe-pode confeguir , fem faber procurar penfa
mentos, ou argumentos proprios, para mover as nofas paixoens:
faber fervir-fe de palavras proprias, para pintar aquela coiza que
fe-quer; o que encerra as Figuras da-voz, e do-animo: Fica bem
claro , que para fazer tudo , o que pede a arte , fe-requer boa
Retorica. Mas efta razam fe-intenderá melhor, fe-obfervarmos as
diferentes efpecies, de Poezia.
Todo o Poema fe-divide em Dramatico, e Narrativo. Com
preende o Dramatico, a Comedia, Tragedia, e tudo o mais em
que os que entram no-Poema ; reprezentam com a viva asám,
tudo, o que fe-diz : o Narrativo compreende , todas as mais
efpecies de poemas , em que fe-faz difcurfo , fem asám vi
va . Eflas fam infinitas; mas ainda fe-reduzem, a duas principais
efpecies: uma, compreende as poezias , que fe-cantam : outra,
aquelas que fe-lem . Na primeira , entram as Odes , Imnos, e
todas as efpecies de cantigas: na fegunda, entram todas as outras
compozifoens: que ainda fe-dividem em trez, Doutrinais, Iflori
cas, e Oratorias. Nefles trez generos fe-tem compoto, famozifi
mos poemas. v.g. O poema de Lucrecio, é um tratado em que ex
Poem , a Fizica de Epicuro : os Fenomenos de Arato, que Cice
ro traduzio em Latim, fam um tratado de Aftronomia; o mef>
mo digo do-Poeta Manilio : as Georgicas de Virgilio 2 fam um
tratado de Re rufica : os Faftos de Ovidio , fam a iftoria das
antiguidades Romanas : e o poema de Lucano, é uma ifloria das
guerras civis. O que fupofo, quem pode negar , que um trata
do de Doutrina, ou de Ifloria, pede uma exata noticia de Re
torica ? E com efeito para efcrever femelhantes tratados em ver
fo, nam dezejam os mefres outra erudifam ; fenam a que é ne
cefaria , para efcrever em proza ; tirando alguma expretam me
tr1Ca .

Pafando ao 3° genero, tudo o que os Oradores fazem, no


genero demonfrativo; que compreende os louvores, e vituperios,
de uma determinada pefoa, ou asám ; 2fazem tambem os Poetas.
Gg Os
236 V E R DA DE IRO, M E TO DO
Os Epitalamios fam louvores , que fe-dam a uma pefoa , no-dia
do-matrimonio : os Epicedios fam louvores , defpois de morto :
as Apoteofes fam quando fe-louvam deforte, que fe-finge colocá
rem-fe, entre os Deuzes: e tudo ifto é em carne, um panegíri
co. As Satiras fam repreenfam do-vicio ; e tambem pertencem ao
genero demontrativo. as me{mas cartas fe-efcreveram antigamente,
em verfo: de que nos-deixou bons exemplos , Ovídio &c. Nam
ignora V.P. que a eftes trez generos fe-reduzem , todas as com
pozifoens , nam só Latinas , mas Vulgares . Fazem-fe Sonetos,
Silvas, Quintilhas, Elegias &c. em louvor , e vituperio : efere
vem-fe Cartas em Silvas, Decimas , Tercetos , Quartetos , Ro
mances &c. finalmente todos os difcurfos de proza, fe-podem re
duzir em verfo. E afim a me{ma Retorica que é necefaria, pa
ra regular os nofos difcurfos, na Proza , o-é tambem , no-poe
ma. Onde vem , que a Poezia , é uma Retorica mais florida :
e a quem falta eta, nam pode fer bom Poeta. Como é polivel,
que o Poeta exprima na Elegia , a fua Paixam , deforteque mo
va; fe ele nam fabe , a arte de mover º como pode nos-dialo
gos expremir , o que cadaum quer , e deve dizer ; fe ele nam
fabe o que deve , e como o-deve dizer ? Torno às Comedias, e
Tragedias , e delas progunto o mefmo : Como pode o Poeta fa
zer, que cadaum dos-reprezentantes exprima , a paixam de que
eRá pofuido ; fe ele nam fabe, que coiza é paixam , nem como
fe-move ? nam pode fer que um omem , que ignore ifto , fafa
uma Comedia boa . Tambem a Tragedia nam contifle fomente,
em inventar um argumento nobre : em faber cmbrulhar uma quan
tidade de fucefos, que cauzem maravilha, quando fe dezintrigam:
mas fobre tudo é necefaria a propriedade , e carater , em cada
parte ; para mover o animo: o que pede, particular Retorica -
Quanto ao poema Epico , é certo que compreende , todas
as outras efpecics de poemas narrativos : e nele fe-pode empre
gar, tudo o que á de fino na Retorica. O principal afumto de
le é , um panegírico . Nele fe-acham arengas famozas : algumas
fam deliberativas, outras judiciais. acham-fe acuzafoens &c, acha
fe a ifloria do-eroe . acham-fe muitos conceitos de doutrina , e
outra erudifam. entram nele cartas, epigramas , dialogos : e fi
nalmente tudo o que á melhor, na Poezia. Motivo porque fe-di
fe , que era a coiza mais dificultoza , da-arte Poetica . Onde,
compreendendo todas as outras e pecies de Poezia , fe
- •
*#elas
UIT13
D E E S T U D A R4 237

delas pede Retorica, que fará o poema Epico ? "-

Daqui fica claro , que conceito fe-deve formar , defles vul


gares Poetas, que V. P. incontrará todos os dias . Eles nam fa
bem, que coiza é Retorica, e bom gofo em materia nenhuma ;
como lhe-moftrei na minha ultima carta : e afim que coiza boa
podem fazer, na Poezia ? Se fazem alguma coiza menos má , é
porque cazualmente fucedeo , ou afim o-lèram em em algum livro,
d’ onde o-roubáram: mas ignoram a razam , porque afim fe-faz - …"
E iflo nam é fer Poeta , nem para la vai.. E nam cuide V. P.
que falo por-conjetura : mas com experiencias mui certas : e ja
me-fucedeo pedir a um metre º que explicava um pafo de Vir
gilio a um dicipulo 3 que me-explicáfe a mim, porque fe fervira
o Poeta daquelas exprefoens : e nam só nam mo-explicou , mas
nem menos me-intendeo. Deforteque incontrando-fe todos os dias,
tantos Poetas; nam á coiza mais rara, que um Poeta. -

- E com efeito o fegredo particular da-Poezia , principalmente


Eroica , nam o-pode conhecer , fenam quem é bom Retorico -
Confifte ele., fegundo dizem os metres da-arte , em faber pro
por deforte, o argumento que fe-efcolheo 3 que só aparefa, o que
tem de extraordinario , e nenhum defeito : e em faber infpirar
ao leitor, curiozidade de ler todo o poema: nam declarando tu
do logo , mas confuzamente : fazendo nacer uma dificuldade da
outra, paraque fe-efporeie o dezejo : dilatando a leitura, e en
chendo a iftoria, por-meio dos-Epizodios; paraque o leitor nam
perca de mira, o feu principal argumento: e finalmente nam de
zatando o nó da-dificuldade, fenam quando tem conduzido o lei
tor, ao fim do-poema. Tudo ifto pode V. P. obfervar, na Enei
da de Virgilio, ou na JeruRalem do-Taffo. Eles propoem ao prin
cipio em breve , o argumento da-fua obra ; e prometem coizas
grandes . Nam comefam polo principio da-vida do-eroe ; mas por
uma asám famoza, que empreendeo no-meio da-fua vida: da-qual
com artificio particular , fazem recuar o leitor , até os primeiros
trabalhos do-feu eroe. Uma dificuldade excita outra : demaneira
que o leitor nunca fe-canfa , na leitura . E que outra coiza fa
zem os Retoricos , quando querem excitar, a atenfam dos-feus
ouvintes ? Ja eu dife a V. P. que efe era o principal artificio,
das-Orafoens de Cicero , e ainda de muitos Oradores da-Anti
guidade donde concluo, que só um bom Retorico o-pode fazer.
Alem difo os Retoricos encomendam muito, que o Orador nam
diga,
238 V E R DA DE IR O M E TO DO
diga , fenam coizas vero{imeis : porque com falfidades manifes
tas, ninguem fe-eleva . E ifto mefino dizem, todos os bons Poe
tas: antes nada mais cuidam , que reprefentar verofimel, tudo o
que propoem . Deforteque quanto mais fe examina a Poezia,
tanto mais claramente fe-reconhefe, a Retorica.
E eta é a razam º porque vemos todos os dias , que mui
tos, querendo fer Poetas, fam uns ridiculos: porque lhe-falta o
principal fundamento 3 que é , faber Pezar as coizas, e dar a ca
da uma o feu prefo : obfervando aquilo, a que os Latinos cha
mam, decorum : que confifte no-introduzir cada um , a falar fe
gundo o feu carater. Todos os defeitos apontados, fam efenciais,
e frequentes: mas efte ultimo da-inverofimilidade , é mais geral,
doque fe-nam-intende . Acham-fe poucos Poetas , que nam pe
quem contra iflo: pecam no-Drama , e pecam no-Epico : ainda
que nefte menos ; Porque fam rarifimos os que compoem, poe
mas Epicos . Mas em toda a outra forte de poema Narrativo ,
fam mui frequentes em Portugal. Nas Comedias pouco caiem os
Portuguezes, porque nam fe-aplicam a elas: raras vi, fóra das-de
Camoens : mas os Efpanhoes caiem muito nifto . Verá V. P. um
paflor, que fala com mais filozofia e prudencia, que um Cipiam
Nafica , ou Catam Uticenfe . Acham-fe relafoens, com encareci
mentos tam defºropozitados, que nam merecem outro nome , que
uma enfiada de manifeftas mentiras. Algumas vezes, um omem vul
gar faz uma Decima, ou Oitava derepente: outras vezes, dá me
lhores confelhos , que um confumado Jurifconfulto . Finalmente
em tudo fe-ve pintada, a inverofimilidade . Nam digo eu só Cal
deron , mas o mefino D. Antonio de Solis ; que em outras coizas
moftrou mais juizo, que Calderon ; neta o-perde . E finalmente
todos os Efpanhoes fam o mefino : porque tropefam a cada pafo
na futileza , que é impropria na boca, de femelhantes pefoas : e
tambem impropria da-Comedia: que nada mais é, que uma ima
gem da-vida, propofla aos olhos dos-omens , para repreender as
afoens ridiculas dos-mefmos .
Dos-Efpanhoes o-aprendèram os Portuguezes : e comumente
fe-perfuadem, que quem futiliza melhor, e diz coizas menos ve
rofimeis, é melhor Poeta . Metaforas mui fóra de propozito,
encarecimentos inauditos, fam os feus mimozos. Ouvigavar mui
to um Soneto do-Chagas , feito a um cavalo do-Conde de Sabu
gal, pola metafora da-Muzica, e comefa afim : G
4
D E E s T U D A R. 239
Galhardo bruto, teu acorde alento
Muzica é nova, com que aos olhos cantas : .
Tºois na armonia de eadencias tantas, - º

E clave o freio; é fôlfa o movimento. |

Mas eu confiderando o tal Epigrama acho , que é uma completa


parvoife, defde a primeira palavra, até a ultima. Nam acho ne
le, conceito algum : as palavras fam improprias : e muitas nam
tem fignificafam certa : e nam conclue com penfamento que eleve,
que é a obrigafam do-Epigramma . Nam fei como o dito Poeta
nam fez outro, a um burro de Valada, ou macho de Almagro 5
pola metafora da-Logica , ou Geometria. Podia defcobrir na fe
riedade defles animais , femelhanfas de um omem qhe filozófa:
no-feu pafo grave, o fundado do-juizo: tambem nas fuas orelhas,
femelhanfas de uma fefam conica: no-corpo, vefligios de um pa
ralelogramo: no-movimento, a ideia de varias linhas : e nas unhas,
uma porfam de circulo : com outras ridicularias deflas . As me
taforas podem ter lugar ; mas nam devem fer cítas, que famar
rafaditimas: Ito nam intendem os que o-louvam : mas ifto de
viam intender, os que prezumem fer Poetas.
O outro ponto dos-encarecimentos, é frequentifimo neftes
Paizes . Nam á coiza mais comua, entre eftes chamados Poetas ».
doque encarecimentos incriveis; e fervir-fe de palavras, que nam
fignificam nada. E fem fair do-Chagas, que parece a muitos, que é
bom Poeta; confidere V. P., o que ele diz nefte Soneto, feito
a um pé pequeno de uma Dama.
Jnfiante de jazmin , concepto breve,
..Atomo de azuzena prefumido;
Pues os juzgam las ancias del fêntido,
So/pecha de crifial, fuflo de nieve.
No pie, mentira fois : pues como aleve,
Ni verdad en un punto aveis cumplido.
*Antes creo que e/crupulo aveis fido:
Tues de Jer, o nó fer, la duda os mueve.
Como, fi idea fois de dios tan claros,
Haxeis los ojos fé para creeros,
T haveis la vifia fé para miraros ?
To me refuelvo em fin que he de perderos. * - -
'Pues fi el veros es folo imaginaros;
Siendo imaginacion, como be de veros?
Efte
24o *V E R DA DE IR O M E TO DO
Efte Soneto tem tido mil aplauzos : e ja achei quem me-di
fe, que era onde podia chegar , o ingenho umano. Contudo ifo
eu defendo , que os que o-louvam º Proguntados polas palavras
do-Soneto 3 ám-de confefar, que o-nam-intendem . Primeiramente
eftas palavras, infante de jaRmim º concepto breve , atomo pre
fumido, fo/pecha de crifial, fu/to de nieve, ancias del fentido: fam
frazes que nada fignificam : e nam só em Portuguez, mas em
nenhuma lingua. Dezafio todos efles poetas Portuguezes, paraque
me-digam, fe ouvifem um omem falar em Proza daquela forte, fe
o-intenderiam : pois é bem claro , que o que nada fignifica em
proza, muito menos fignifica no-verfo. E temos, que o Primeiro
quarteto nada fignifica : porque querendo ele fignificar , um pé
pequeno; ferve-fe de termos, que nam fignificam ifo . Na fegun
da quadra fobe de ponto o encarecimento : e nam fe-contentando
de dizer , que é pequeno , e é um ponto ; acrecenta , que nam á
tal pé no-mundo; pois fomente fica a duvida, feo-ouve, ou nam
ouve. Nos-tercetos desfaz, quanto tinha dito . Primeiro afenta,
que o pé fe-ve : defpois diz , que nam é afim , e que fomente
fe-pode faber por-tradifam , que á tal pé ; e conclue , que nam
exifle fenam na imaginafam, e nam é pofivel que fe-veja. Efta é
a analize do-dito Soneto. Ora diga-me V.P. polo amor de Deus,
fe intende o que quer dizer, efte Poeta. Primeiramente, ele nam
confeguio o feu fim , que era mofirar, que o pé da-fua Dama era
pequeno: provou mais doque queria ; e moftrou , que nam avia
tal pé. Alem difo nam adverte , a inverofimilidade do-conceito -
Nam confifle a beleza de uma figura , em ter um ponto por-pé ;
antes ifto é deformidade : confifte, em ter um pé proporcionado:
e nas-molheres, a fua proporfam é º que o pé feja mais peque
no . E eu intendo, que a Dama ficaria mais contente, de ter um
pé grande 3 doque de nam ter pés , e necefitar de moletas.
Dirmeá V. P. que o Poeta deve fingir , e inventar alguma
coiza, para louvar: concedo: mas nam devem fer femelhantes par
voices, que em vez de agradar , fazem nauzea. Podem-fe dizer
muitas coizas daquele pé: moftrar, que para o complemento da
beleza, nam á proporfam melhor , que um pé pequeno: que nifº
to excede ela muito , todas as mais fenhoras : que a fua bran
cura» e delicadeza é inimitavel: que tem toda a grafa que fe-Po
de imaginar, em femelhante parte do-corpo . Ifto, quanto ao fe
rio. Pafando ao burlefco, podem-fe dizer mil outras coizas: }po
C
< D E E S T U D A R. . 24 1
de o Poeta inventar, alguma coiza galantes com que adorne efles
conceitos. Afim torno a dizer , que os que louvam o Sonetos
fem confiderarem ifto, namo-intendem .
Se V.P. examina o motivo, de todos eftes encarecimentos;
achará que provêm, do-que no-principio apontamos . Todo o pon
to defles Poetas eflá, em fingularizar-fe, feja como for : e afim
bufcam argumentos efquipaticos , os quais obrigam a procurar 3
conceitos defpropozitados. E unido a ifto , que eles fabem pou
co, o que quer dizer elogiar 5 daqui vem , que amontoam con
ceitos inverofimeis; e fervem-fe de exprefoens, que nada fignifi
cam: as quais ou por-forfa do-confoante, ou da-novidade, agra
dam aos ignorantes. Que o Poeta disèfe maos conceitos ; ainda
que fofe um grande defeito, era mais toleravel: mas que , por
querer dizer coizas peregrinas, diga parvoices , e contrariedades 5
e fale em uma lingua, que ninguem intende; ifto fim que fe-cha
ma, grande defeito de Poezia . Conhefo , que os finonimos fam
às vezes necefarios: que os epitetos dam muita galantaria, nos
poemas: mas com algumas condifoens. 1: ám-de fer coizas, que
fignifiquem. 2 º diftribuidos com moderafam . Mas eflas duas coi
zas fam, as que pola maior parte ignoram, efles Poetas: e com
tantoque configam o confoante , nam reparam, em tudo o mais.
Mas fobre todos, efte tal Frei Antonio das-Chagas , caio niflo:
quazi todas as fuas obras, confiftem em palavras, fem conceito,
e fem fignificado. Os Romances fam menos maos : tambem o Sa
co, da-Jeruzalem Celefe, aindaque cheio de aluzoens mui deflem
peradas, pode pafar: os Sonetos quazi todos fam pefle: e o mef>
mo digo da-Filis, que muitos louvam , porque a-nam-intendem.
Sei que fe V. P. ler ifto ao P.*** me-terá por-um Cafre, que
nam intende º que coiza é Poezia : mas eu nam falo fem Prova:
e quando ele me-fouber refironder, entam lhe-darei razam
Bafta que V. P. leia os titulos, de muitos Sonetos; para co
nhecer o que digo. Quando eu leio efas inferifoens: = Achando
na beleza de Filis, raram para deixála = aos olhos de Filis, com ne
voas = finexa de mam amar a Filis = fazendo merito da-ouradia =
duvidas de declarar-fe = fazendo razam do-atrevimento = confuzam
do-feu amor = faindo Filis de noite ao campo = : e outros afum
tos femelhantes; ja fei, que as compozifoens fam parvoifes : e com
efeito compare V. P. os do-Chagas, com efles titulos; e veja fe
concordam, e fe os-intende. O mefino, lhe-digo do-Pina, e ou
. * TOM. I. Hh {IOS
242 V E R DA DE IR O ME TODO
tros femelhantes , Perfuada-fe V. P. que um afumto mao , á-de
Produzir más obras: porque fe um argumento fecundo , tratado
por-um omem que fabe , às vezes nam faie bem ; que fará um
infecundo º Principalmente tratado , por-quem nam fabe elogiar ?
E necefario ter muito ingenho, e juizo, para faber tratar bem,
femelhantes argumentos. E porque muitos nam tem, eflas duas cir
cunflancias 3 por-ifo nacem eflas compozifoens, de que nós nos-ri
II]O5 - -
Mas paíemos dos-Sonetos , ao poema Epico , à famoza Filis
do-dito Chagas; e verá V. P. que nada mais é, que uma enfiada
de antitezes, que nada fignificam : e que só agradam a eftes, que
fe divertem com confoantes Gregos , fem intenderem o que lhe
agrada: Tudo ifto fe-ve, no-principio do-poema: oufa V.P. a pri
meira Oitava.
To que en la flor de mis primeros años
Cantè de Amor, las dulces tiranias;
T em los echizos de agradables daños
Menti las boras, y engañè los dias :
Aora em numerofos defengaños,
Si llanto fon las confomancias mias;
De la beldad que fue de Grecia e/panto,
Lloro el amor , y la tragedia canto.
Nefta oitava acham-fe mil coizas galantes : dulces tiranias = agra
dables da aos = menti las horas = e outras coizas deflas, que jogam
os murros. Efpecialmente confidero , a ellrutura da-Oitava . Na
Primeira quadra diz iflo: Que ele , que no principio da fua idade,
fizera ver/os amatorios , e afim pasára os dias : Efta parte pedia
outra fegunda, em que disete : Que agora, dezinganado daquelas
puerilidades, fe-ocupava em fazer, um poema Epicº, e ferio. Afim
comefa Virgilio a fila Eneide, e outros Poctas: mas ifto é o que
nam diz o nofo Chagas. Parece-me, que na palavra numerofos, quei
ra fignificar metrico : e ifo cuido que nam fignifica , mas que só
fignifica muitos : porem itionam é nada. A parentezis = Si llanta
Jon las confomancias mias = nam tem conexam, com o que afima di
fe: as confönancias» ou os verfos podem fer choro, e canto 3 que
ro dizer, alegria. Mas nem menos concorda com o que abaixo
diz, o que alima dife: porque nam é boa opozifam efia : Tendº
até aqui feito ver/os amatorios ; agora com muitos dezinganos » ( fe
é que os meus veryos Jam choros) ebóro o amor, e canto *#- -

• 4 •
• • ••
D E E S T U D A R . 243

dia. A palavra canto na primeira quadra deve fignificar, nam quem


canta cantigas , mas quem faz poemas : e nefte fentido a-tomam
todos os Poetas , e o Chagas tambem : pois o que quer dizer é
ifto: Que tendo feito muitos verfos, na fua mocidade 3 agora fe
empregava em outros afumtos. O que fupofio, opondo-lhe na fe
gunda quadra, o choro , diz uma parvoice: pois o contrario a poe
zias amatorias, é cantar coizas graves . Onde contrapondo-lhe o
choro; vem a tomar a palavra canto, como equivoca , que é coi
za indigna de um poema Epico . Tambem aquela antiteze ultima =
lloro el amor, y la tragedia canto = é uma puerilidade . Bem fe
moftra que o Poeta, novamente quer introduzir por-equivoca , a
palavra canto. Alem difo , fe o argumento da-fua obra, é uma
tragedia amatoria ; feparando o amor da-tragedia , diz outra par
voice. Pafemos à fegunda Oitava.
Mufa que cultamente amanecifle
Candida en las auroras de mi oriente;
C Tal alma tantas vezes me infundifle
Tu divino furor, tu afeão ardiente : - -
• Si dignos fon de tu concepto trifle,
: Numeros tiernos de uma voz doliente;
Mi afetio inflama , barè que em dulce rima
Cante el dolor, la confomancia gima .
Tem V. P. nefta Oitava, quazi as mefimas incoerencias. Mufa can
dida , eu nam fei o que quer dizer . Amanecife en las auroras
de mi oriente, íam trez finonimos viciozos: amanhecer na aurora,
é uma parvoice : aurora do-oriente, é ainda maior parvoice . Aque
la repetifam= Tu afetio ardiente = nam tinha lugar defpois de fu
ror: porque a Muza comunica o feu furor, ou veia , quero di
zer, dirige o Poeta no-canto : mas nam comunica o feu afeto -
Concepto trifle, impropriamente fe-aplica à Muza : a qual nam é
trifte: e muito menos, quando inípira Epopeia . Finge-fe que a
Muza feja uma Deuza, toda ocupada em alegrias ; a quem o Poe
ta invoca , paraque lhe-conceda um efpirito , digno do-Parnazo .
Uma voz doliente, fupoem, que o Poeta etá aflito: e ifo é im
proprio em um Poeta, que nam efcreve os feus tormentos, mas
os alheios. Que outra coiza avia dizer Demofonte, fe compuzefe
a fua ifloria ? O ultimo verfo é uma antiteze ridicula., e verda
deiramente coiza de rapaz: novamente opoem aqui o Poeta o cho
ro , ao canta º fendo coizas, que... no-nofo. cazo nam fam opofas
• por
:
- - - •
244 VER DA DE IR O M E TO DO
porque canto aqui nam fignifica cantar. O que diz o Poeta, fe
reduz a iflo: Que a dor á-de cantar, e a confomancia, ou o ver
fo á-de

gemer: eeuquem
Finalmente paro pode
aqui ler ifto fem
: porque rizo ? examinar todas
fe quizefe
as Oitavas, comporia um volume. Bafta que V. P. o-leia, e ex
amine, e achará que todo o livro fe-compoem diflo; e de pala
vras que nam fe-intendem ; e epitetos que nam fignificam nada.
Confefo, que ainda nam vi Poeta, que efcrevendo tanto, disèfe
tam pouco, como o Chagas. Eflas reflexoens que fafo a V. P. fo
bre o Chagas , pofo fazer em outras obras ; nam só de autores
das-duzias, mas ainda daqueles que fe acham joeirados, na Fenix
Renacida; e em outras colefoens de poemas. Mas efcolhi efte au
tor, porque é mui conhecido, e louvado, e procurado de mui
tos : e afim quiz apontar um , para exemplo . O que porem di
go dele, deve-fe aplicar a todos os outros, que feguem o me{mo
efilo . O ponto eflá ter bem na cabefa , as regras da-Poezia; e
examinar fem paixam , as obras ; que facilmente fe-defcobrirám ,
os defeitos.
Se V. P. com efles princípios , toma o trabalho de exami
nar , muitos dos-feus Poetas , ou a maior parte deles 3 achará ,
que tropefam no-me{mo defeito do-Chagas; com a unica diferenfa
de mais, ou menos : e ainda muitos dos-que tem bom ingenho 3
Porque lhe-falta o juizo, para faberem examinar as materias . A
regra que eu obfervo nefte particular , é efta : quando vejo um
Poeta defes , que fe-ferve de exprefoens , que nada fignificam 5
ou que compoem de forte , que o-nam-intendem 5 afento que
nam quiz fer intendido; e em tal cazo, procuro fazer-lhe a von
tade , e nam o-leio . Com efta forte de omens fato o me{mo »
que com os laberintos, e enigmas &c, os quais nunca me-canfei
em decifrar. eles que o-fazem , que fe-divirtam com ifo. Se to
dos afentafem nefte principio , veria V. P. como fe-mudava a Poe
zia nefles paizes : porque feriam obrigados os Poetas , a lerem
fomente as fuas obras : e afim , ou fe-dezinganariam eles me{mos
ccm o tempo ; ou, nam inganariam os outros : e poderfeiam
achar Poetas, de algum merecimento: principalmente fe chegafem
a conhecer , quais fim os requizitos necefarios , para a Poezia -
A razam delles inconvenientes é, porque fe-perfuadem comumen
te, que para fer Poeta, bafta faber a medida de quatro verfos:
e faber ingenhar conceitos exquizitos. Quem fe-funda "…"
** * - - pode
{ … D . E, E S T U D A R. 245
pode faber nada: fam necefarias muitas outras noticias. E nece
fario doutrina, e intender bem as materias que fe tratam - é ne
cefaria a Filozofia, e faber conhecer bem , as afoens dos-Omens,
as fuas paixoens, o feu carater: para as-faber imitar º excitar, e
adormecer. Aqui entra novamente a Retorica » que fupoem to
das aquelas coizas : entra uma pouca de iftoria , para nam dizer
parvoices : entra a ifloria da-Fabula &c. Tudo ifto fe-mofira ma
nifeflamente , nos-melhores poemas que temos da-Antiguidade.
virgilio , e Oracio &c. eram omens que intendiam perfeitamente ,
o que tratavam : e fabiam muita coiza , que introduziam pro
priifimamente, nos-feus poemas; de que fe-compoem, o ornamen
to deles . O me{mo digo , de outros Poetas modernos , e infi
gnes . Onde, quem nam tem efles fundamentos , é verfejador,
mas nam Poeta : e necefariamente á-de dizer, muita parvoice .
Seguia-fe defpois deflas reflexoens gerais, falar efpecialmente,
nos-defeitos das-particulares: mas nem eu tenho tempo para ifto;
nem o-permite, a brevidade de uma carta. Onde, fomente direi
alguma coiza mais geral , que compreenda as compozifoens Pe
quenas 3 e tambem alguma coiza do-poema Epico 3 viftoque o
Dramatico nam tem uzo, em Portugal. Digo pois , que neftes
paízes vejo, mui radicada certa opiniam , de chamar Poeta , a
quem o-nam-é: e dar etimafam a poezias, que a-nam-merecem.
Uma vez que um omem faz um Soneto , com algum conceito 5
ou Decimas, com alguma naturalidade ; acham-fe logo mil admi
radores, que dizem , fer famozo Poeta .… V. P. terá ouvido fre
quentifimamente , que quando em um Oitero, fe-gloza um mote,
com facilidade ; efiam promtos mil aplauzos, para o Poeta : eu o
prezenciei muitas vezes: e efia é a comua opiniam . Mas na ver
dade é um ingano comum, porque aquilo nam é fer Poeta, nem
para lá vai. Semelhantes fortes de compozifoens, nam dam cre
dito a ninguem : iflo perfüade a boa razam , e a experiencia :
. Quanto à experiencia, progunte V.P. ( o que eu ja fiz) a um
defles Glozadores, qual é o artificio da-Poezia; e verá que nam
fabe de que cor é : e namº digo só defles das-duzias , mas ain
da dos-que glozam felizmente : e confeguentemente nam é Poeta.
A razam confirma o me{mo: porque o artificio detas obras nam
é nenhum : a fua contextura é tam facil, que por-mao que feja
º Poeta º fempre acerta com elas. A Decima , a Quintilha , o
Madrigal, as Liras, a Silva, o Romance lirico , Quartetos Pu
----- 1OS 2

N
246 VER DA DE IR O ME TO DO
ros, e de pé quebrado, Tercetos &c, nada mais pedem , que a
naturalidade do-conceito, e exprefam : quando muito, algum bo
cadinho daquele ingenho mixto º que confifte , em ter no-fim al
gum penfamento meigos explicado com alguma fraze agradavel, e
delicada , ou coiza femelhante . Iflo nam pede talento, mas fo
mente alguma imaginafam: a qual nam fe-acha omem tam desgra
fado, que a-nam-tenha . Onde, poíto iflo em trages de Poezia,
faie uma Decima, ou coiza femelhante.
Nam digo, que um bom Poeta, nam pofa fazer eflas coizas
tam bem s que agradem aos omens» de melhor penetrafam: fen
do certo, que quem tem juizo o-mofira, ainda nas coizas peque
nas; como fizeram os Antigos : o que digo é º que explicando
um penfamento , polo modo que aponto , pode qualquer fazer
Decimas &c. que agradem . Antes é muito de advertir , que
quando eftes poemas pequenos fe-efludam muito, e neles querem
moftrar muito efludo ; cheiram a Filozofia , e perdem toda a
grafa . Efe defeito tenho obfervado, em muitos Eípanhocs, e
Portuguezes 3 que fe-Preparam para fazer uma Decima, a uns olhos
azuis ; ou a uma Dama que deixou cair, uma luva em terra ;
ou a um final que fe-defegou do-rofo 5, e outros femelhantes
afumtos , como fe ouvefem de cantar a guerra dos-Romanos, com
Mitridates , ou com Cartago . Ifto é um defeito efencial : e é
nam faber aplicar o poema, ao afumto: fendo certo, que feme
lhantes compozifoens só fe-inventáram, para afumtos ou burlefcos,
ou amatorios 3 ou de coizas dometicas, que nam permitem eflu
do particular : e afim, todo o merecimento de femelhantes obras
confifte , num conceito delicado, e natural . O Poeta perde a
naturalidade , todas as vezes que, procura, com grande efludo,
moftrar ingenho : e nunca dezagrada mais , que quando, procura
# muito : porque o conceito a-de aprezentar-fe, e nam Pro
«CUlT21-1C • -

Por-efle motivo fam dignos de rizo certos Poetas, e Poetezas, que .


fazem Romances , e coizas femelhantes; com tal efludo, que nam
fe-intendem fem comentario. A Madre Joana de Mexico, é uma
delas: tambem Gongora nos-feus Romances : e dos-modernos Eu
genio Gerardo Lobo; que tem alguns, que, ainda depois de mui
to efludo, nam fe-percebem. Finalmente ifo é defeito geral dos
Efpanhoes : e dos-que eu li, nam achei algum, que nam peca
fenito … Dos-Lípanhoes o-receberam os Portuguezes , c poucos
* - Íam
D E E S T U D A R. 247
fam os que fe-excetúam . O Chagas nos-feus Romances , tirando
em certas partes, é dos-mais naturais : tambem o Camoens no-li
rico. Vi tambem nefte genero alguma coiza do-Conde de Tarouca,
morto no-Imperio $ que me-agradou pola naturalidade , e imagi
nafam: e algum outro , mas raro . Dos-ofcuros nam cito exem
plos, porque nam á coiza mais comua que iflo: e neles poderá
V. P. reconhecer , efte defeito. O pior é, que fe um omem faz
uma Decima, ou coiza femelhante, como deve fer ; nam agrada
a efta forte de Poetas, e chamam-lhe coiza trivial: querem ideia
mais fuperlativa: e fempre o ofcuro, inverofimel, arrafado, lhe
parece que encerra , melhor doutrina. Mas o fal, do-negocio con
fifte, em mandar ifto à fua Dama, ou a um amigo, que o-nam
.intende : e ficarem lambendo os beifos, dos-aplauzos. Ito vale o
me{mo, que fe lhe-mandafem uma Ode de Pindaro, ou Anacreon
te , porque umas e outras feram Gregas . Nam é crivel, quanta
gente padece efla infermidade: que para moftrarem ou doutrina,
ou ingenho 3 procuram nam ferem intendidos , nam só nas com
pozifoens, mas ainda nos-difcurfos familiares. Achei-me em uma
Profifam de Freira, onde vi certo *** que fendo dezafiado por
uma Freira, defpois de falar muito, lhe-falou nas precixoens obje
tivas dos-Logicos, e repetio muito verfo Latino . Mas a Freira
nam cedeo : porque fe ele falava Latim , ela falava uma lingua,
que ninguem intendia . Defpois de falar muito tempo , com um
Profiuvio de palavras incrivel ; juro a V. P. que nam pude per
ceber, o que ela queria dizer : pois aindaque as palavras eram
Portuguezas, a fraze porem era tal , que nam fe-podia decifrar.
Efta Freira tem muitos parentes nefte mundo. Conclúo Pois, que
efa imaginafam
ma forte de poemas , que podem
a a ninguem pedem fomente naturalidade,
dar nome, de Poeta. e algu •

O Soneto tambem pertence a efia regra: mas é certo, que


Pola qualidade do-verfo , admite mais elevafam de expefoens,
que os outros poemas nomiados . Contudo ifo defetido , que o
conceito deve fer natural: deve ter verdadeiro ingenho: e só na
maneirº de explicar-fe, é que etá a galantaria do-Soneto. Con
fifte Pois a obrigafam do-Soneto, em propor na 1 ? quadra o afum
to : na 2 º explicálo com algum conceito: de que fe-tire o argu
mento º para os tercetos. Os Poetas , que tem mais cabedal, ex
Poem o afumto nos-primeiros dois verfos : nos-dois fegundos co
mefam a difcorrer . Tal é o Soneto feito à morte de uma Se
nho
248 V E R D A D E IR O METO DO
nhora , cuido que polo Bacelar, e diz afim : " " … * . .
Kenceo a Morte, o Fabio, a Formozura. . . . ,
«Amarilis a bela é cinza fria.
Trocura Amor fazer, que o-mam-fabia,
E efconde o caço, nefa pedra dura cºc. - -

Outras vezes o Poeta expoem na primeira palavra , o afumto :


e defla forte é o Soneto, que citei a V. P. em outra carta, feito
a uma cara mui feia. Mas nem todos os afumtos, fe-podem pro
por afim ; e podendo, nem todos os Poetas fam capazes, de o
fazerem . Porem é grande beleza do-Soneto, que na primeira qua
dra diga algum conceito ; que dê materia a todo o difcurfo da
{egunda 3 e encadeie naturalmente com os tercetos . E fem fair
do-tal Soneto, o-repitirei novamente; porque me-parece que pro
va, o que digo. -

E, feia: mas deforte, que orroroza


A tuatensvifa é bela
tal,a que
feialdade:
• Mas fortuna a enormidade
- Te-confºgue, os tributos de formoza.
-


Cara tamobfervam,
Todos feia, coika tam pafinoza
e move a raridade.
Nam defperta o comum a curvidade :
• Ser rara, é que te-adilla vaidoza.
+ "Ama-fe o Belo, e cega o me/mo afeto .
|- O Feio, pois nam liga o penfamento,
Deixa miudamente ver o objeto.
Ifio faz que fe obferve efe portento.
Ouanto efiás obrigada, a efe afpeto;
Se no-enorme te-dá merecimento ! •

Nefe Soneto, que em tudo é natural, o conceito dos-dois ulti


mos verfos da-primeira quadra , prova-fe na fegunda , e fe-con
firma nos-tercetos : dando materia ao conceito do-fecho , que é
nobre e natural, e diz mais doque foa. Mas nem todos feguem
efe parecer : e verá V. P. infinitos Sonetos, ainda de omens que
prezumem fer Poetas , que pecam contra tudo ifho . Eles tem
dois extremos : ou dizem conceitos inverofimeis , e encarecimen
tos tam fóra do-efcolio, que ninguem os-pode fofrer ; ou dizem
frioleiras; ou finalmente fervem-fe de conceitos , que nam é facil
intender: e o melhor da-galhofa eflá, em que ornam tudo ifto com
frazes , que nam fe-percebem - De tudo achará. V. P. exemplos,
", • fem
D E E S T U D A R. | 249
fêm fair do-Chagas : o qual tem Sonetos em que fe-acham º eftas
trez coizas: inverofimilidades, ofcuridades , e frialdades .
Quanto às inverofimilidades, nam queira V. P. melhor pro
va, que o Soneto Efpanhol, feito ao pè pequeno d'aquela Senho
ra &c. mas ainda á outros. Faz ele alguns Sonetos, a que chama
Eroicos, e entre eles algum ao Conde da-Torre, que matou de um
golpe um toiro. Afumto mui mimozo dos-Portuguezes , ao qual
tenho lido infinitos Sonetos, de diferentes autores. Intende V. P.
que efle titulo Eroico, promete um penfamento nobre e admira
vel ? afim devia fer ; mas nada menos é : e neftes eroicos en
tram
dito, igualmente as futilezas,
oufa o primeiro, e impropriedades
que diz afim : - Se me-nam-dá cre •

Tam grande golpe, o Conde ilufire, dèfles


Nefè amante de Europa que mata/tes;
Oue só o efirago, que ao ferir cauzaftes,
Todos os Signos atroou celefies.
Tam veloz, tam bizarro acomete/les; -

gue, no-impulfo menor com que voa/les;


«Ao golpe orrendo a morte, anticipafles :
E por-demais a execu/am fizefles .
Faltou emprego à efiada, ao brafo forte
Lugar: onde aparece a definedida
Forfa , que enveja Alcides , e Mavorte • •

E intendo que ambiciozo da-ferida, : :


Tºor-fer, o bruto o credito da-morte, - / •

• • Cauza vos-deu, para tirar-lhe a vida.


Efte Soneto que V. P. aqui vê, é mui gavado : mas examinado
ele bem , é parente chegado dos-outros amatorios . Na primeira
quaderna fe-obferva a puerilidade, de chamar ao toiro, Amante
de Europa ; fomente para dizer, que fe-efpantáram os mais fignos
celetes. Tomára que me-disèfe, fc fe-epantou tambem o figno de
Libra &c. Na 2... quadra desfaz, o que dife na primeira : e afir
ma» que o Conde nam matou o toiro; mas fez fomente a eroi
ca, asám º de dar em um corpo morto : e o me{mo confirma, no
primeiro terceto . O que contem o ultimo terceto, nam fe-pode
intender : porque que queira dizer Credito da-Morte , eu nam
fºi o que fei é, que para fazer uma antiteze ridicula, de mor
te» e vida: compoem dois verfos , que nada fignificam . Parece
que queria dizer o Poeta , que o bruto , que era inimigo da
TOM.I. Ii . } InOr
2$3 v E R E A DE IR Q ME TODO
morte , fora com goto oferecer-fe a ela . Mas ifto, alemdeque
defmente o que primeiro difera , que ele nam matára o boi; nam
fe-pode explicar 2 com o ultimo verfo: porque dar cauza º pode
alguem º fem fe-oferecer à morte . Em uma palavra , ifto é um
conceito Grego. E difto achará V. P. frequentemente , no-me{mo
autor . Os feus conceitos eroicos, fam tam fuperlativos , que eu
os-nam-intendo. Em outro Soneto a D. Joam de Cafira , fobre o
mefino afumto, conclue afim : - •

Do-valor forte foi : mas de tal forte,


que a forte foi valor, Cafro bizarro:
Sem fer azar do-bruto o dar-lhe a morte -
•Antes fe-ve, que com feliz de/garro , .A

Lá no carro da-Fama eftá mais forte,


Cue efle que foi de Europa amante e/cravo.
O confoante ultimo parece devia fer efcarro, e nam efêravo : mas
o conceito obriga a dizer , o contrario - Porem ifto é nada : o
que eu digo a V. P. é , que o que qucrem dizer eftes dois ter
cetos , confefo a minha ignorancia , eu nam fei , nem até aqui
achei, quem mo-explicáfe. V. P. terá o trabalho de o-confültar,
com aquele feu amigo , que louva tanto efte autor : e notar de
caminho, fe , efcrevendo em Tartaro, podia fer menos inteligivel.
Quando efles Poetas, querem fugir da-ofcuridade , declinam para
outro extremo; que é, dizer coizas, que nam tem grafa alguma,
a que fe-chama frioleiras . E tal é o fecho de outro Soneto, ao
me{mo afumto, e polo mcfmo autor : que eu repetirei todo, por
que feno-fim é mais claro, nam é menos galante no-Principio -
{ . Foi , o Conde bizarro, de tal forte "º ""
# . A vida defe bruto preçumida ? . . -- … , . * * *
* … . Que o Roxo mar da mais cruel ferida .
º . Julgava efcrito feu alento forte . : -.-
* … Mas só vós, raio ilufre de Mavorte » - ,

- * * . . , Fizereis, com puxan/a nunca ouvida » . :


* * ** * *
- - **
- ue por-onde
Soberba intrafefairarrebatada
nam podea amorte
vida»- • •
- º • •

* . * . Emfim caio o bruto : e parecia,


Que o tom do golpe , que nos-vales dura»
|- Em todo o ar exequias lhe-fazia .
- . . Tois foi tal defa e/pada a forja dura,
|- gue ainda a terra parece que lhe-abria , * #

Com os Jobejos do-golpe, a epultura . 1 - Efte


* Dº É E S T U D A R. · 25 1

Efe Soneto é parente do-antecedente. Efta fraze vida preçumida,


nam fei o que fignifica : muito menos intendo, os dois ultimos
verfos da-primeira quadra: é tam fublime o conceito: que creio,
que nem menos o feu amigo "" fe-atreverá a explicálo , em boa
proza . Tambem aquilo de chamar Mar roxo , ao Mar vermelho;
nam fe-pode perdoar a um omem, que fez, ou intentou, fazer um
poema Epico. A antiteze que fe-acha na 2 ºs quadra , de Sair vi
da, e intrar morte, é outra inglezia. O que eu acho é º que fe
o toiro morreo de uma cutilada, pola me{ma parte por-onde in
trou a morte, faio a vida no-fangue : e ito nam é puxan/* nº
va"; mas é coiza bem uzual . O ultimo terceto º tem um conº
conceito bem ordinario, e em tudo femelhante, ao de outro fa
mozo Soneto ao mefmo afumto, que comefa:
Foi para o raio de afo curta esfera,
e conclue afim : * * * *


"" Que emprego
.Abra fofrerá
o boi forjaa tam
: ra/gue terradura
: e ?defla fort
* * * *

-, . Saia em fobras da-morte, a fepultura .


Mas eu devo dizer o que intendo : acho que em ambas as parº
tes os Poetas diferam , o que diria qualquer omem de ganhar -
defpois de terem engrandecido tanto o golpe , fam mui frios,na
concluzam: Para acompanhar com o Soneto, parece-me que tinham
dois conceitos, mais exquizitos. Um era dizer, que com a forfa
da-caida furára o bruto, o globo terraqueo ; e fora parar , no
emisferio dos-Antipodas . O outro era concluir , que ao toque
da-efpada, fe-anihilára o bruto: tomando eta palavra, no-fentido
filozofico , que fupoem uma forfa mais que umana - Cuido que
ifto era mais conveniente, ao efilo de Portugal. V. P. diga ao feu
amigº º que fafa nota defes dois conceitos 3 para fe-fervir º nas
ocazioens de toiros.
" " Em outra Parte faz o mefino Chagas dois Sonetos , que aca
bam com duas frioleiras infoportaveis. Um é feito, à morte da
Infanta D. Joana » e conclue afim :
• Tran/pofia quando menos admirada,
-Anoiteceo na aurora de uma vida, ** *
• E /e-ecli/ou de um Sol na madrugada. #

-- . . Mas fendo as luzes tantas, quem duvida,


"* ". ..
… . . Se
Queeraº morrer
o viverfoide demuito
poucodevejada,
merecida. • •

… º I i 2 O Cu
252 VERDADEIRO, M E T o D o
O outro é feito, a outro cavalo do-Conde de Sabugal, que cam |
piava bem . Efte autor era tentado com tais afumtos : e creio que
na cavalarifa do-dito Conde , nam deixou animal fem Soneto :
finalmente fez um, que concluia afim : I –* * . ... * *

…… Nó pues de Febo ela tiro, luminofo,


• Nó de Alexandro el Zefiro animado
* * * * Rapido fe compita, o generofo. … -
pues preferiendo a todo lo animado, - ***
Los pufo defayrados en lo ayro/o , , , , , -

- Corridos los dexo con lo parado. -

Eftes dois fechos fam as majores frialdades, que eu ainda vi : nam


fe-podem ler fem compaixam : e ifto alem de terem antitezes , e
verfos, que nam fe-intendem . **
E nam cuide V.P. que ifto fucede fomente no-Chagas, e ou
tros Poetas; acha-fe nos-melhores : e Camoens é um deles. Efte
omem, que no-Lirico tinha muita naturalidade $ querendo intro
duzila nos Sonetos , fez a maior parte deles fem grafa alguma
Ponho nefte numero os dois gavadinhos, que fe-tem glozado cem
mil vezes : comefa um : - , …
• º Sete anos de paflor Jacob fervia : J

e conclu e afim : , - '+


• Comefa de fervir outros fete anos -

Dizendo, Mais fervira, fe nam fora +

Para tam longo amor, tam curta a vida , : >


outro comefa: . • *

"Alma minha gentil que te-partifie : }


e acaba : - -

Roga a Deus, que teus anos encurtou º •

* * * * gue tam cedo de cá me-leve a ver-te,


uam cedo de meus olhos te-levou .
Qonfidere V. P. fem paixam , efles dois Sonetos ; e obferve fe
acha neles, o carater do-Epigrama . Eu digo que nam: Porque:
o Epigrama deve concluir , com algum conceito que agrade : e
arrebate com a novidade; e deixe intender mais, doque nam diz:
e ifo é o que eu nam acho, em nenhum deles. O primeiro con
tem uma ifloria, fem artificio algnm poetico: e conclue com um
comprimento bem uzual. Um amante logrado, que menos podia
dizer que ifto: Mais fervira , fe nãm fora pouco todo o tempo»
para empregar no-feu fervifo? Contudo ifo, nam obtante fer uma
.! * - - COIZA
D E . E S T U D A R, , 253.
coiza fria, eu obfervo outro defeito maior , que é a improprie
dade. Para fazer uma antiteze, de amor longo , vida curta ; fer
ve-fe de uma fraze impropria : pois amor longo , é parvoice 3 por
que refere-fe a tempo: e aqui deve-fe referir a grandeza 3 e di
zer, amor grande : no-qual cazo vai por-terra , o conceito. . Do
outro Soneto digo o me{mo: todo ele fe-reduz a ifto = Tu que,
eflás la no-Geo, pede a Deus, que me-leve a ver-te deprefa : e que
menos fe-pode dizer, a um morto amado ? Efle é outro fecho fê
melhante ao do-Borges, que fazendo um Soneto, à morte da-In
fanta D. Francifca, falando com a Morte, conclúe afim : , •

• Se nam podes ja ter igual projeto, , ' - )

- Tendura, a fouce, e deixa de fer Morte : - }

Se o-disèfe ao principio, e dele deduzife alguma coiza boa ; feria


menos mao: mas rezerválo para o fim, é nam intender efe ofi
cio. Efta efpecie de conceitos, nam é necefario dizelos: etam di
tos por-fi, e todos os-diriam. Nefte me{mo fecho do-Camoens, no
to outra impropriedade. A palavra cedo no-primeiro verfo, refe
re-fe a tempo; e quer dizer, deprefa e logo, fem reparar em ida
de , ou coiza femelhante. O que poto, compara muito mal o Ca
moens um cedo, com outro cedo, fendo coizas diferentes : e vale o
me{mo que dizer : Afim como tu partifies na flor da-idade defe
mundo, afim eu parta logo &c. a qual propozifam manifetamente
fe-ve, fer uma parvoife. Toda a grafa pois do-dito conceito, fe
reduz à palavra cedo: que aqui é um rigorozo equivoco : coizas
indignas de um Soneto. Onde conclúo, que no-Camoens nam ve
jo, o efpirito do-Epigrama 3 porque a fua naturalidade talvez afe
tada, o-faz languido: e o Epigrama, aindaque natural, deve ter
outra elevafam. E afim os que querem fazer bem Sonetos, de
vem evitar nam só a inverofimilidade, e ofcuridade ; mas tambem
a frialdade. º .

Muitas coizas reduzidas a Decima, ou outra tal compozifam,


Parecem bem 3 que em Soneto parecem muito mal. No-efiado em
que eftá oje a Poezia 3 pode intrar no-Soneto, alguma coiza de
ingenho mixto: porque eftes coflumam agradar mais. Creio porem
que é melhor, fazer poucos e bem, que muitos dos-comuns. Ef
ta forte de poemas imperfeitos valem pouco , e nam fam capazes.
de darem nome, a um Poeta. Onde quando nam fam fuperlati
vos » nam fe-podem fofrer. Efe porem é o defeito , de muitos
Portuguezes 3 que, fazendo Sonetos mal , ainda afim nam cefam.
e
254 V E R DA DE IR O M E TO DO
de fazêlos: faram dez e doze a uma roza , e afumtos femelhan
tes: outros em um Oiteiro fazem baftantes glozas, a um só mo
te : e fe os primeiros fam maos, os ultimos fam peite. Mas, tor
nando ao ingenho, concluo, que em toda a forte de poemas pe
quenos, deve o Poeta ter fempre diante dos-olhos ; que o efen
cial deles é, a naturalidade, unida a um penfamento galante, ex
poto com delicadeza. Efta pode confiftir, em um fentido oculto,
que diz muito , quando parece que nam diz nada : em alguma
pancada picante, coberta com um veo modeto : em uma grafa ,
expoíta ironicamente com maneira feria : em um penfamento fino,.
coberto com uma palavra grofeira . No-Soneto porem deve prati
car-fe ifto, com menos meiguife, e mais elevafam. No-que re
provo o eftilo de muitos, que fe-fervem dos-Sonetos, ou Roman
fes Eroicos, para coizas amatorias ; nas quais nam entram bem :
Porque o verfo endecafilabo, pede emprego mais fezudo: o Lirico
é proprio para eftas coizas. • • •

O que digo do-Epigrama Portuguez, digo tambem do-Lati


no , porque as regras fam as me{mas : e com mais razam fe-de
vem nele evitar, os equivocos &c, porque a lingua Latina nam fo
fre, femelhante eflilo. Os Epigramas dos-Gregos eram naturais,
aindaque com grafa : efte eftilo feguio Catúlo . Porem Marcial no
tempo dos-Veípazianos, principalmente de Domiciano ; que era a
declinafam da-eloquencia Latina; e quazi o principio da-idade de
bronze, fegundo os que intendem melhor; foi o que comefou a
introduzir, ou rafinar as agudezas, e equivocos , nos-Epigramas:
o-que agradou entam, porque fe-comefava na-Corte a perder » o
bom goíto da-Eloquencia . Com efeito alguns dos-feus Epigramas
podem pafar, em obzequio daquele tempo ; e tambem do-nofo ,
que ainda efá alguma coiza ocupado, com futilezas: mas fam ra
rifimos, e apoflarei que nam chegam a quinze, os bons . A maior
parte porem fam frialdades, e parvoifes, que os omens de juizo.
tem defprezado; e reconhecem efiar muito abaixo, da-nobreza de
&athlo. Mureto, que imitou tambem Catúlo , que parece o mef>
no autor, chama a Marcial , Bobo de comedia: é o nofo Liliº
Gregorio Giraldo , a quem todos os doutos reconhecem ». Por"
omem de juizo exatifimo nefas materias; diz deles com galanta
fia, que só podem agradar, aos afnos . Temos mais alguns anti
gos Epigr. que podem pafar. Dos-modernos acham-fe alguns bº
mitos : mas incontrei tambem, colefoens-de Epigramas
* •
………… II] I
D E E S T U D A R , º 25%
indignifimos; e a maior parte fam afim : e afim é necefário lelos,
com muita advertencia. O ingenho mixto reina , nefas compozi
foens; principalmente defde o fim do feculo XVI. a eta parte -
Chamo felicidade fazer um Epigrama , que feja bom. Onde diz
com grafa o douto P. Rapin , que o Epigrama fe nam é excelen
tifimo, nada vale : e que tam dificultozo é, fazer um bom , que
fe-pode contentar , quem chega a fazer um , em toda a fus
vida . - - *

Efta materia dos-Epigramas , que fam rigorozas infcrifoens


funebres na fua origem , aindaque ao defpois fe-aplicafem, a outras
materias; me-conduz a falar, nos-Elogios lapidares: que fam um
quid medium, entre a Proza e o verfo; e o Juglar, lhe-chama, libe
ra Toºfis. Nefta materia tenho pouco que advertir a V. P. por
que o-reduzirei a duas palavras. Nenhum omem de juizo, deve fe
guir o eflilo, do-TeRauro, Juglar, Mafenio, Labbé &c. fe é uma
rapaziada condenavel..., introduzir na língua vulgar equivocos, e
futilezas; e que nenhum omem douto faz , que ferá introduzilos
na Latina, em que nós nam temos jurifdifam ? Alem difo, a lin
gua Latina nam permite iflo. os que efimam a bela Latinidade »
devem efcrever, como os da-idade de oiro; ou quando muito de
prata , e nadamais fe-deve imitar. Nos-fins da-idade de prata, é que
fe-comesáram a introduzir tais agudezas, por-culpa de Seneca Filo
zofo, e feu fobrinho Lucano: mas principalmente de Marcial, que
floreceo pouco defpois. Motivo porque muitos bons criticos que
rem, que a idade de prata acabe com Nero, no-ano 67. de Crif>
to : vendo quanto dali para diante , defcaio a Eloquencia . Mas
ainda nos-fins da-idade de prata, nam eflava o cazo tam arruina
do : o que alcanfo, das-inferifoens defe tempo. Do-tempo dos-An
toninos para diante, quero dizer , defde os principios do-fegun
do feculo de Criflo, é que totalmente fe-comefou a arruinar º e
intráram as futilezas: mas pior que tudo, defde a metade do-dito
feculo. Para baixo. Finalmente arruinou-fe a lingua Latina, com o
imperio Romano, no-quinto feculo : dai para diante reinou a igno
rancia, até o meio do-decimoquinto feculo . Contudo atrevo-me
a dizer, que nam só nos-fins do-Imperio, mas nem ainda nos-fe
culos da-ignorancia , fe-acha muita futileza , e equivocos ; fe os
cºmparamos com os nofos. Somente nos-fins do-decimofexto fecu
lo, comesáram a aparecer : mas totalmente fe-rafináram , nos-princi
Pios do decimofetimos e duráram quazi até os fins do-dito: até que
• apa
2,6 vERDADEIRO MET o D o
aparecèram omens, que reprováram efte etilo, e feguiram a An
tiguidade . Ifto bafta para moftrar, que fe-deve defPrezar efta no
vidade 5 que é incompatível, com a beleza das-exprefoens, c ma
getade da-antiga Eloquencia. Os ingenhos pobres, é que vam de
traz deflas ridicularias, para ferem etimados; vito nam o-pode
rem confeguir , por-outro etilo - No-tempo de Auguíto, em que
cozinheiros, pafleleiros, e mofos dos-moinhos, fabiam mais de Elo
quencia, e bom goflo; doque a maior parte defes modernos dou
tores; nam fe-efcrevia afim : as infcrifoens eram naturais, claras,
e em poucas palavras. Abra V. P. o Grutero, Reinecio &c. e ve
rá provado o que digo . Ainda na idade de prata , e bronze, a
maior parte das-infcrifoens fam naturalifimas : o que eu obfervei
muitas vezes , examinando os antigos monumentos, que exitem
em Roma; efculpidos no-quarto, e quinto feculo : como tambem
uma infinidade de fepulturas particulares , dos-feculos inferiores,
efcritas com toda a naturalidade , e grafa . E ifto deve fazer,
quem quer merefer louvor : e nam feguir os Pafos detes ignoran
tes, que fazem Latins novos .
Quanto às divizoens de regras em grandes, e pequenas; é cer
to, que algumas fe-acham na Antiguidade; mas raras: e regular
mente por-necefidade, de comefar outro capitulo &c. Comumente
efcreviam fem divizoens, e muito menos divizoens afetadas 5 co
mo quem efcreve carta. O que eu obfervei muitas vezes: e nam
só nas antiquifimas 3 mas ainda nos-monumentos efcritos , atè a
! ruina do-Imperio, e inferiormente. No-fim do-XVI. feculo, é que
comesáram a introduzir, efta ridicularia. Comefou polos titulos
dos-livros : pafou aos arcos triunfais &c. De entam para cá ef>
tilo lapidar fignifica, um Latim efcrito em diferentes regras ma
iores, e menores, fegundo a eleifam de quem efcreve . Eu cer
tamente nos-principios de livros, &c. deixaria as coizas como eflam:
mas nas inferifoens lapidares, nam me ferveria deflas divizoens de
regras à moderna: porque fe aquilo nam é verfo, que necefidade
á , de difpolo daquela forte ? Alem difo, as infcrifoens lapidares
devem fer brevifimas, e clarifimas : e afim nam é necefario divi
zam º porque nam á motivo, para fe-confundir a gente . Jfto é o que
eu nam pofo fofrer, neftes modernos pouco advertidos; que fa
zem inferifoens eternas. Mas ifto é contra o bom goto : a Anti
guidade explicava-fe em duas palavras: a fimplicidade, e brevidade,
era toda a galantaria das-inferifoens. Li muitas vezes, e fempre
COIT]
D E E S T U D A R , 2 57

com particular gofto, as infcrifoens que ainda oje vemos, nos-an


tigos monumentos, que exiflem em Roma. No-portico do-Pantheon
ainda oje lemos: M. Agrippa L. F. Co/. Tertium Fecit : que quer
dizer, Marco Agripa , filho de Lucio, terceira vez conful, fundou
efe portico . Efia é do-feculo de Augufo. Mas ainda as inferio
res fam afim. Vencèra Tito Vefpaziano os Judeos : demolira Je
ruzalem : concluira uma das-mais obtlinadas guerras, que tiveram os
Romanos: o Senado, levantando-lhe um arco Triumfal perpetuo,
nam dife uma arenga fempiterna 5 contentou-fe de efcrever eftas
palavras : Senatus populufque Romanus Divo Tito , Divi Vejafiani
F. ve/pafiano Augufo. Nó-frontifpicio do-templo confºgrado pola
Senado, ao Imperador Antonino, e fua molher; lem-fe elas pala
vras: Divo Antonino, cº" D. Fauftinae . S. C. No-pedeflal da-colu
na Antonina, le-fe: M. Aurelius Imp. …Armenis, Parthis, Germa
ni/gue bello maximo de vitiis, triumphalem banc columnam rebus ge
fis infignem Imp, Antonino Pio patri fuo dedicavit . E na coluna
Trajana triumtal lemos ainda: Senatus P. R.Imp. Cafari Divi Ner
va. F. Nerve Trajano, Aug. Germ. Dacico Pontif. Max. Trib. Potef.
XVII. Imp. VI. Cof.VI. P.P.ad declarandum quante altitudinis mons,
cy locus tantis operibus fit ege/ius . Deixo de citar outras , por
que é coiza bem vulgar . Neftas inferifcens ve V. P. a naturali
dade , fimplicidade , brevidade : fem divizoens , mas com faze
continuada . Se porem algumas vezes , eram as inferifoens mais
compridas, provinham dos-titulos dos-Imperadores, que fe-coflu
mavam efcrever : ou porque nela fe-nomiavam varias pefoas, ca
dauma com o feu titulo 3 que é o me{mo que diferentes inferi
foens : mas ifo é raras vezes: o comum cra Polo contrario. Nam
afim nos-modernos, que fazem infcrifoens eternas, fem nobreza,
ou grafa alguma 3 e com divizoens importunas e afetadas . Mãs
quando quizefem feguir eflas divizoens, pouco importaria; con
tantoque fugifem , dos-vicios apontados. Uma coiza porem nam
pofo fofrer , e vem afer , efêreverem livros em eflilo lapidar,
com as divizoens ditas. Se eles intendem , que efte eflilo é tam
proprio das-lapides, que nam pode aver lapide, por-outro eflilo;
quizera que me-difefem, porque compoem livros afim : ou é la
pide, cu é livro . Nam á coiza mais ridicula que efla. Mas o
que merece mais rizo é ver , que quando algum compoem um
defles livros, faiem logo os cenfores, canonizando o dito efilo;
e dizendo mal, .dos-que
TOM.I. . defprezam eflas
K krapaziadas. *** Um di

boca
258 V E R D A D E IR O M E TO DO
dinho de melhor goflo na lingua Latina , e um bocadinho mais de
reflexam, pouparia etas criticas injuítas .
Pafando agora às compozifoens modernas, pouco me-fica que
dizer. As mais confideraveis entre as Pequenas fam , a Egloga,
Elegia, Ode. A Egloga nam tem uzo em Portugal: em que nam
fe-aplicam a defcfever, a imagem da-vida Pafloril, cujo carater é
a fimplicidade, e moderafam: nem tambem efta compozifam, pede
muito ingenho : bafta fer acertado. Camoens nas filas Eglogas, in
troduz tanta variedade de verfos, que nam fe-pode ler com gof>
to; porque faz perder, a ideia da-Egloga. Alguma delas confia de
Oitavas , Canfam , Tercetos &c, mas ifto nam fe-deve imitar a
Pode alguma vez variar-fe, a uniam das-rimas: mas na mudanía de
verfos, deve-fe proceder com cuidado ; porque é muito impropria.
As outras duas compozifoens, fim fe-uzam em Portugal: mas co
mumente debaixo de outros nomes . A Elegia , tem por-empre
go, defcrever fentimentos ou amores 5 ou expremir qualquer pai
xam amoroza. Donde vem , que o feu carater deve fer, o en
ternecido, explicado por-um modo animado ; mas quanto mais po
de fer natural: que é o que faz quem chora , ou ama : e aqui
tem lugar, as Figuras proprias defla paixam. Cuido que para ifto
é mais proprio, o Romance Lirico, e a Silva; porque fam com
pozifoens naturais, e que fe-podem animar, como cadaum quer :
o Endecafilabo nam me-parece tam proprio para ifo 3 porque as •

de Camoens em Tercetos, nam foam bem. Nefte particular acho um


notavel defeito , em alguns Poetas, que querem fazer do-Soneto
Elegia : e afetando um só conceito final, mofiram tanto e tudo ;
que defruem a ideia da-Elegia. Uma paixam nam fe-dezafoga, em
14. verfos : pede compozifam mais comprida , e livre de afeta
foens : acrecentando a-ifto, que nem menos o verfo os-ajuda. Mas
ainda o Lirico, fefe-compoem de difcurfos feparados, como fam
as Decimas 3 nam permite liberdade da-exprefam , para dezafogar
a paixam . Tambem nam aprovo os quartetos Liricos , porque
moftram afetafam. Com efeito muitas que eu vi, nefles dois ge
neros , cuido que mais moviam as Damas a rizo , que a com
Paixam .
A Ode é aquela compozifam, com que fe-louvam as afoens
dos-Deuzes, ou omens iluftres. Efia explicafam bata para mof
trar º que pede um grande ingenho , imaginafam elevada, expre
fam nobre e correta; e toda a galantaria e vivacidade , que fe
acha na arte de Perfuadir, Quer-fe juizo, para tecer uma Ode
COTT}
D E E S T U D A R . 259

com magefade, e fem defeitos. A Antiguidade nos-propoem ora


eio , como o melhor exemplo nefa materia : porque foube unir
duas coizas bem dificultozas, a elevafam, com a delicadeza e do
fura. Para ifto na lingua Portugueza parece proprio, o Rcmance
Eroico, a Canfam, Tercetos Eroicos, quero dizer, endecafilabos:
mas o Lirico nam creio que pofa fatisfazer, toda a grandeza do
argumento . Sobre tudo reprovo muito , elogiar as afoens de
um omem, em um Soneto : efe só pode fervir, para uma asám.
O verfo endecafilabo é fezudo, grave, e parece proprio, para efles
argumentos : mas deve a compozifam ter, o comprimento necefa
rio, de outra forte fofóca-fe: motivo porque nunca pude perdoar a
Camoens; principalmente fazer compozifoens amatolias, com o titulo
de Ode. Eflas trez compozifoens, que aqui nomiamos, reduzem-fe
ao poema Narrativo Epico , de que fam partes, ou dependencias,
A Satira é parte da-Comedia , para a qual fe-reduz: contu
do muitos que nam fazem Comedias, divertem-fe em fazer Sati
ras. Mas é necefario muita advertencia, nefa materia. A Satira
nam deve repreender , fenam o que verdadeiramente é viciozo;
para inftruir os Omens , do-que devem fugir : e para confeguir
ifto, quer-fe muita delicadeza. Quem repreende o Vicio aberta
mente com invetivas, conclúe pouco : por-efle motivo nam agra
da Juvenal, que é um declamador. O melhor é, pintar com ga
lantaria , o ridiculo do-Vicio , quazi como quem o-nam-quer mofº
trar. Efte foi o metodo de Oracio; que por-ifo agradou muito:
mas -nam foi ele o inventor; foi o Filozofo Socrates , que tinha
uma arte particular, de defcobrir as ignorancias dos-Omens, mofº
trando de o-nam-querer fazer . Os modernos que feguiram efte
metodo, confeguiram melhor que outros, o feu intento . A ifto
ria de D.Quixote, é nefte genero famoza, e galante: gotei muito
de a-ler. Polo contrario, os que fazem Satiras ofcurifimas, como
'Perfio , e dos-modernos Gracian no-feu Criticon , e Barclai no
feu Euformiam &c. nam fe-podem fofrer : e eu creio, que eles mef>
mos em varias partes , nam intendem o que dizem . Os nofos
Italianos tem um gofto particular, para as Satiras; porque em duas
palavras dizem muito, e com galantaria; deixando intender mais,
doque nam explicam . Tenho vito algumas Latinas belifimas, e
bem modernas: como tambem Comedias, no-feu genero famozas .
Iflo digo da-Satira em comum : nam aconfelho a ninguem,
que fafa Satiras a pefoas particulares , aindaque fejam viciozas 3
2 por
26O VER DA DE IR O ME TODO
A

porque é contra a caridade. Em Portugal ainda nam li uma Sa


tira bem feita, ainda das-particulares : as que vi eram afrontas
e injurias, nam Satiras. Conclúo dizendo, que o verdadeiro mo
do , que os omens inteligentes tem achado, para compor efles pe
quenos poemas; é, depois deflas gerais reflexoens, aprezentar-lhe
os melhores exemplos na materia : e moftrar-lhe com o dedo, o
artificio, e toda a galantaria . Só afim fe-obferva , que coiza é
ingenho, c agudeza , como, e quando fe-pode uzar dela.
Finalmente tendo pafado brevemente, polas compozifoens pe
quenas; direi alguma palavra da-Epopeia , ou poema Epico . Se
ouvèfe de falar nifto como devo , faria um tratado : e afim nam
faindo do-meu etilo, farei fomente algumas reflexoens . Efe poe
ma, como ja dife a V. P., é a coiza mais dificultoza , da-Poe
zia: quer tal ingenho, tal erudifam, tal juizo, que quem o-con
fidera bem , nam fe-atreve a fazêlo : muito mais fe obterva os
defeitos, em que cairam muitos, dos-que o-tem emprendido. Afi
ma dife a V. P. qual é o artificio defle poema, que compreende
em fi, todas as efpecies do-Narrativo : e que por-ifo pede, gran
difimo fundamento de Retorica, para o-poder tratar bem . Nam
é efta a fruta dos-Sonetos, e Decimas, que nacem a cada cantos
é coiza mais dificultoza: as regras fam tantas , e tam dificulto
zas, que fam poucos os que fe-atrevam, e "rarifimos os que nam
pequem º contra algumas. Efte é o motivo, porque nam produ
zirei muitos teflemunhos, principalmente ºfendo o meu argumento»
conter-me nos-limites de Portugal. Certamente nefle Reino, é ra
rilimo o poema Epico. O Condeflavel de Frantifco Rodriguez Lo
bo, o Macabeo de Miguel da-Silveira , a Ulifea de Gabriel Pe
reira de Cafro, por-confifam dos-mefinos Portuguezes de melhor
doutrina, nam merecem efte nome : algum outro que pofa aver
manufcrito, e que agora nam me-ocorre, pertence à me{ma cla
fe. Afim parece, que com razam fe-dife; que a unica Epopeia
que apareceo em Portugal , foi a de Camoens . Mas ifo me{mº
confirma o que digo, da-dificuldade do-poema Epico.
Se V. P. confulta os feus nacionais, os-achará tam prcocupa
dos Polo Camoens; que mais facilmente ouvirám dizer mal , da
religiam º doque do-poema Epico de Camoens. Os que deviam fa
zer, a critica do dito autor , fazem o elogio . Um defles é Ma
noel de Faria e Souza, que de comentador, fe-convertco em pane
girifa : e em vez de explicar, o que o Poeta quiz dizer, nos
diz
<> - D - E -E S T U D A R. · 261
diz o que lhe-parece : vendendo-nos as füas imaginafcens , polas
ideias do-Poeta : e querendo defculpálo ainda nas coizas, em que
é mais, condenavel. Com efeito efle, comentador, moftra intender
pouco, a materia que trata: ao mefino tempo em que diz malº
de , todos os melhores Poetas Eftrangeiros , que certamente ele
nam leo, ou nam chegou a intender ; nam obtante que muitos
o-louvem, como um oraculo. Inacio Garcez Ferreira, que fez as
notas ao Camoens, intendeo melhor a materia. Dos-livros que ele
cita, fe-conhece logo, que á-de ajuizar melhor ; porque fe-fervio
dos-melhores na Poetica, tanto Francezes, como Italianos. Alem
difo, efcreveo em Italia, onde teve tempo de confultar, os omens
mais inteligentes ; fobre as dificuldades , que lhe-ocorrefem . E
com efeito ajuiza melhor: mas nam tam bem , que em algumas
partes nam fe-ingane : como feria facil moftrar, fe tivefe tempo.
Contudo efe Portuguez finceramente reconhece , algumas faltas
fuflanciais no-Camoens. O que bata para me-livrar da-calunia, dos
que me-quizefem condenar, por-meter colherada , neta materia -
Mas como eu intendo bem, a lingua Portugueza 3 parece-me que
nam fou improprio, para julgar. •

Avemos de confefar, que Camoens teve muito ingenho, ima


ginafam fecunda e grande : e que fe-tivefe efludado ou tratado,
com quem enfináfe bem, as coizas que devia 3 poderia dezempe
nhar, o argumento da-Epopeia. Com efeito o que fez de bom,
tomou dos-nofos : pois nas fuas obras reconhefo eu , que inten
dia o Italiano, e que fe-aproveitou bem do-Petrarca, Boccaccio,
e outros . Teve finalmente muitas qualidades de Poeta : e para
aquele tempo, em que nam avia, os conhecimentos que oje á» é
maravilha , que efcrevèfe tam bem . Mas querèlo comparar com
Omerº? como fazem muitos : ou querèlo colocar, fobre os das-ou
tras Nafoens todas 3 com a razam, de que o feu poema o-tradu
zio um Francez na fua lingua ; e o Paggi na nofa Italiana > ifo
nam deixa de fer temeridade , fundada em uma prova fóra
- do-cazo. Tambem um curiozo fe-divertio , em traduzir o Vieira
em Italiano ; e contudo ninguem faz cazo de tal tradufam, e au
tor : e o me{mo fucede ao Camoens ; que a maior parte dos-no
fos bons Poetas, nam fabem que o-ouve no-mundo. Alcm difo,
feria necefario provar primeiro , que eftes tradutores eram Poe
****, e nam Verfejadores : que intendiam bem a materia ; e nam
"º alucináram na tradufam. As verfoens Epanholas nem menos
-
QQIl
262 VER D AD P I RO ME TO DO
concluem : porque foram feitas , debaixo do-mefino clima . Os
outros Eftrangeiros que o-louvam , fundam-feno-que dizem os
Epanhoes, ou Portuguezes, como V. P. pode cbfervar : e alguns
que chegáram a lelo , ram dizem bem dele.
Na verdade o Camoens, entre muito boas qualidades, tem mui
tos defeitos, racidos de dois Fontes: o primeiro, falta de eru
difam: o fegundo, de juizo e dicernimento . Primeiramente, cr
rou o título da-obra . Os mefres da-arte tomam o titulo, ou da
pefoa, como Odyfeº º Eneide 3 ou do-lugar, da-asám, como Iliade,
que é tomado da-Cidade de Ilio primaria da-Trcade. O Camoens
em vez de tomar o dito titulo, de Va/co da-Gama &c. toma-o de
todos os Portuguezes: bufcando para ifto um termo Latino, que
tanto calfa aos Portuguezes navegantes » como aos que ficáram
no-Reino : e o pior é , que o-toma no-Plural , que ram tem
exemplo , na boa Artiguidade . Errcu a propozifam do-Poema :
pois devendo efa corter, uma só asám principal; ele porem em
vez de propor, a navegafam do-Gama, que era a fua asám; pro
poem todos cs varceis illufres , de que fe-compcem a inteira
ifloria de Portugal ; com exprefa divizam das-coizas da-Europa,
Africa, e Azia: e deles expretamente promete a El-Rei D. Se
bafliam, cantar as afoens eroicas: o que diz defde a Eflancia ou
Oitava 12 º do-primeiro Canto, para diante. Com efeito execu
ta literalmente, o que promete : porque no-principio do-Canto
III. defèreve a Europa - e defde a Eflancia 21. defe Canto, até
o fim do-Canto IV, expoem as coizas da-Europa, e Africa até
El-Rei D. Manoel. No-fim do-Canto IV. entra com o defcobri
mento da-India 5 e continua no-V. até o X, em que fala nos
Governadores da-India : e de pafagem toca na America. Defor
teque efte Poeta na propozifam , inclue todas as partes da-fabu
la do-poema: que é um erro maficho. Ifto verá V.P. nas-duas pri
meiras Eftancias. I.
-As armas, e os varoems afinalados,
Oue da-Ocidental praia Luzitana ;
Tor-mares nunca de antes navegados
"Pasáram ainda alem da-Taprobana:
Que em perigos e guerras esforfados, •

Mais doque pode a natureza umana ;


Entre gente remota edificáram
Novo Reino, que tanto fublimáram :
II. E tam
D E E S T U D A R. 263
I I .
JE tambem as memorias gloriozas
Daqueles Reis, que foram dilatando
. A Fé, e o Imperio: e as terras viciozas
D' Africa, e d'Azia andáram deva/tando:
E aqueles que por-obras valorozas
Se-vam da-lei da-Morte libertando 3
Cantando e/palharei, por-toda a parte 3
Se a tanto me-ajudar o ingenho , e arte .
Tudo o que fe-compreende netas duas Eftancias , é propozi
fam: e tudo iflo ele promete cantar . Mas aindaque na propozi
fam de um poema fe-pofam acrecentar , alem da-asám , algumas
coizas; eflas devem ficar fóra da-fabula, e nam deve o Poeta can
tálas ; e fomente nos-epizodios do-dito poema , é que fe-toca al
guma delas . v. g. O novo Reino que fe-fundou entre gente remota
&c. é acrecentamento , que rezulta da-asám 3 e fomente fe-canta
por-epizodio. O Camoens porem inclue tudo na propozifam, e afim
o-executa : deforteque confiderando os que inculca, na fegunda
Eflancia , bem fe-ve que entram , nam por-acrecentamento , mas
direitamente . Contudo os Reis de Portugal, de que trata no
Canto III., e IV., nada tem que fazer, com a principal asám, e
entram por-epizodio. Os que por-obras valoroças fe-vam da-lei da
morte libertando , que fam todos os outros Portuguezes iluftres »
tanto antigos , como modernos ; tambem eflam fóra da-principal
asám , que é a navegafam do-Gama . Com efeito o Camoens lá
os-introduz por-epizodio, no-principio do-Canto VIII, mas nam ob
fante ifo , na propozifam do-poema mete-os direitamente, com os
outros. Os que foram governar a India, tambem entram por-epi
zodio , no-principio do-Canto X, mas fem reparar nifo , ele os
# Propoem com os outros , no-5. e 6. verfo da-2. Eflancia . Afim
na Primeira Oitava confunde , os que foram com o Gama con
quitar a India º com os que ao depois foram governála : e de
uns e outros diz, que edificáram novo Reino . Efle defeito é de
toda a confiderafam, nefa materia . Garcez os-reconhece em Ca
moens : mas querendo defculpar nele, o ter propofto muitos varoense
com o exemplo de Caio Valerio Flaco: ; é moftrar que ignora, a
Pouco conceito que os eruditos tem , das-obras de Flaco ; nas
quais acham mil defeitos contra a arte ; e nenhuma grafa, ou be
leza? deforteque os feus erros, nam podem fervir de defculpa, aos
de Camoens . Er
264 VER DA DE IR O M E TO DO
Errou alem difo o Camoens , em nam fuflentar fempre o ca
rater, e grandeza do-feu eroe : que abaixa fenfivelmente no-Can
VIII, do-meio para diante. Errou, nas enfadonhas digrefoens que
introduz , por-toda a parte . , Errou , em acabar quazi todos os
Cantos , com cfclamafoens mui fóra de propozito, e muito con
tra o eflilo da-Epopeia . Tambem errou confideravelmente , in
troduzindo no-feu poema , as Divindades dos-Etnicos : nam ale
gorizando a coizas fantas , como Puerilmente pertende o Faria :
nam aos Planetas perfonalizados, como benignamente interpreta o
Garcez, o qual fingio uma nova conflelafam para Baco, que nam,
fe-intende o que é: mas em fentido proprio, damefina fórte que:
faláram os idolatras Romanos; pois mete Venus , e Baco impru->
dentemente por-toda a parte . Iflo é tam claro no-feu poema, que.
mc-admiro muito, que aja quem o-queira defculpar, neta mate
ria. Se nam quizer-mos dizer º que fe-fervio de palavras fem,
{ignificado; que feria outro erro. -
Mas deixando muitos outros erros , em materia do-Epico ,
que fe-podiam apontar 3 tem outros nam menos cenfuraveis , em
todo o genero de Poezia. Muitos verfos errados , por-exceto de
filabas: outros por-falfidade das-rimas, que nam fam confoantes &c.
muitas palavras Latinas fem necefidade alguma; vitoque em Portu
gal á batantes igualmente boas . Tem alem difo outros defeitos,
comuns nefte Reino : entre eles a prezunfam, de dizer fempre fen
tenfas: o que nam nega o Garcez, nega porem , que Camoens fe
ja ofcuro ; e afirma , que os # verfos fam caroros . E eu.
confefo a V.P. que acho efles dois defeitos exprefamente no-Ca
moens : e que reconhefo, que um douto Francez, que o-centura
nifo , tem muita razam . Os verfos de Camoens fam languidos,
e pola maior parte fem grafa . Efcreve comumente muitas vogais
feguidas : e como os Portuguezes coftumam na pronuncia , comer
as ditas vogais , umas com outras 3 é necefario , para nam errar
o verfo, tomar frequentes refpirafoens, e fazer muitas pauzas no
meio do-verfo: o que faz perder a armonia. A prova difto é ler
o Camoens: pois a cada pafo fe-incontram os exemplos : , que fe
eu quizefe citar , feria necefario fazer um livro... Mas deixando
outros muitos , obferve V. P. efles , no-principio do-primeiro,
Canto - -

O quarto, e quinto Afonfo, e o terceiro.


Em vós os olhos tem o Mouro frio.
----
Dai

D E E S T U D A R . 2 65
Dai-me agora um fom alto, e fublimado.
E coflumai-vos ja a fer invocado º
Com uma coroa e cetro rutilante .
Guerra Roma tanto fê-afamáram.
Onde o dia é comprido, e onde é breve ,
Da-antiga tam amada fua Romana .
F outro polas onras que pertende.
Deitando paratraz medonho , e irado.
Efrangeiros na terra , lei, e Nafam –
|- JA Natura fem lei, e fêm razam.
Quem difer que eftes verfos , e outros que podia apontar , fam
armoniozos, e enchem bem a orelha; é necefario que tenha, ore
lhas mui compridas. Sam poucos os verfos de Camoens, que nam
tenham algum defeito de difonancia . A ofcuridade ninguem lha
pode negar , quando queira examinar, as fuas compozifoens. Na
ce em primeiro lugar , de uzar de palavras Latinas aportugueza
das , fem necefidade alguma : e ifto nam uma ou outra vez , o
que fe-podia perdoar, e podia enriquecer a lingua , multiplican
do os finonimos da-me{ma palavra: mas frequentifimamente, com
afetafam manifefta. Nace em fegundo lugar , de introduzir pala
vras, e frazes, que nada fignificam ; o que é mais frequente na
Luziada : porque no-Lirico explica-fe naturalmente . v. g. Eftas
palavras : fom Jublimado : furia grande, e fonoroza : efierar jugo,
e vituperio: tenro goflo: Mouro frio : fuprema eternidade : e outras
que fe-acham na-invocaíam que faz, a El-Rei D. Sebaftiam ; fam
palavras que nada fignificam , e cauzam confuzam em quem le -
Nace tambem, de certas aluzoens forfadas, e trazidas de longe,
que frequentemente uza . A 6° e 7 º Eflancia , em que comefa
º comprimento ao dito Rei, é tam ofcura, que nam fe-Pode in
tender fêm comentario : e o mefino podia dizer , de quazi toda
a invocafam . Ifto acha-fé frequentemente, em todo o poema : o
que unido com a negligencia do-verfo, faz, como dife um omem
douto, que cada Efancia feja um mifterio : o que é um confi
deravel defeito, em um poema Epico: cuja difam deve fer, ain
daque nobre, natural, clara, inteligivel. Onde quando o Garcez
quer defender, a clareza de Camoens; motra que nam eftá defpi
do , de toda a paixam : e vem a cair no-mefmo defeito, que ele
condena no-Faria. Eles defeitos fam mui confideraveis, nefe Poe
º ; º mofiram o pouco dicernimento que tinha, das-coizas : e
IOM. I. L l quem
266 VER DA DE IR O ME TO DO
quem os-nam-diftingue » nam intende que coiza é Poezia: Contu
do , tirando efles defeitos , nam deixa de fer um, dos-melhores
Poetas Portuguezes.
Quanto ao poema de Filis , e Demofonte, obra do-chagas,
de que afima falei 3 é ele tal , que eu nam fei como lhe-chame.
Pola figura, parece Epopeia: mas examinado dentro, nam é mais
que uma ifloria de amor, mui afetada. Reconhefo, que o autor
o-deixou imperfeito : como fe-ve do-Canto VIII, que nam tem
mais que 5. Eftancias ; e do-X, que tem 15. mas o corpo da
obra motra mui bem , o que o Poeta queria . O título é etes
Filis, ou Poema Tragico de Filis, e Demofonte. e nifto fe-defcobre,
que o Chagas nam fabia, que coiza era poema Epico, nem como
dele fe-faziam os titulos . A asám do-poema é, a navegafam de
Demofonte, que fe-retirava do-fitio de Troia : e o Poeta perde
logo de vita efte ponto, e ocupa o poema com amores. No-pri
meiro e fegundo Canto, em que defcreve a guerra de Troia, e
o feu naufragio; imita fervilmente Virgilio, quazi palavra por-pa
lavra. Somente o-nam-imita, nas comparafoens: pois fam tam fre
quentes e enfadonhas , as que introduz 3 que nam fe-podem ler
fem faftio. O III. Canto é uma difputa efcolatica, fobre o amor;
com mil conceitos improprios, e de rapaz. No-IV. em uma ca
fada ajufta-fe o cazamento : e copeia fielmente Virgilio , na cova
onde fe-retiráram os amantes &c. O V. Canto confifte na deferi
fam do-lago Averno, caza de Plutam, e outras arengas mais ; em
que entra um facrificio , que nam fe-fabe o que quer dizer : e
finalmente Demofonte mata Ardenio. As duas defcrifoens do-Pa
lacio de Plutam, e da-jornada que efte fez 3 fam as coizas mais
ridiculas, que eu ainda vi. O Canto VI. é uma ifloria tragica»
dos-amores de uma patora; que nada tem que fazer , com a asám
do-poema . Mas a melhor iftoria eftá no-Canto VII, em que o
Poeta reprezenta o feu eroe mui defcanfado, polo efpafo de dez
mezes; fem que pofamos faber, o que fez nefe tempo. DefPois,
quando ele ja nam cuidava mais em Atenas , o-chama feu Paí
cufta-lhe a perfuadir a Filis, que o deixe partir: mas finalmen
te parte . ó VIII. Canto nam diz nada . O IX é uma embru
lhada terrivel . Comefa com as faudades de Filis : efia vai con
fultar a Sibila Delfica, fobre os fucefos de Demofonte . Defere
ve a Sibila e a fua caza mui mal . Poem na boca da-Sibila um
epizodio, da-Geografia de toda a terra; em que miflura umas coi
Zâ5 »
D E E S T U D A R.. 267
zas, com outras , e comete alguns erros. Mofira-lhe a Sibila o
feu Demofonte, adorando a Florisbe. Filis raivoza rompe o efpe
lho magico; e fucede um efpalhafato orrendo , Filis fica efa noite
no-campo, (nam fe-falando mais no-que fucedeo à Delfia) excla
mando contra as ingratidoens de Demofonte : e mata-fe com a
fua propria mam. E aqui defcreve Puerilmente, os efeitos da-fua
morte. No-Canto X, torna Demofonte para Tracia, e fabendo a
morte de Filis , que fe-convertêra em arvore , quer abrasála :
e fucede milagre , que no-me{mo infante produzio a dita »
folhas , frutos , e aromas : os ramos tangèram , e balháram as
flores.
Efta em duas palavras é a ferie , e analize do-poema : na
qual verá V. P. que efte Poeta nem menos fabia , o que figni
ficava poema Epico . Efta fua compozifam , nam tem unidade de
asám: Porque toda a asám fe-acaba em poucos dias , com o ca
zamento: a viagem ultima, foi um divertimento . Nam tem fa
bula: porque fe-ve claramente, que é uma iftoria, fem enredo,
nem folutam . A defcrifam da-Terra que faz a Delfia, nam tem
parentefco algum, com a asám . ifto é uma embrulhada, que eu
nam vi tal . A transformafam de Filis em arvore , e o milagre
das-flores ; é outra parvoice , que ali nam tinha lugar . Só fal
tou ao Poeta dizer, que Demofonte fe-enforcára na dita arvore :
e acabava a tragedia. Tambem lhe-falta a unidade de tempo &c.
Quanto ao modo de dizer 5 em quazi todas as partes fe-ferve de
Palavras , que nada fignificam : as frazes fam afetadas : os con
ceitos fam pueris : e quando diz alguma coiza mais efludada, ve
fe uma afetafam condenavel em tudo. Ignora totalmente o decoro,
e carater dos-fugeitos : o que fe-ve , quando introduz no-Canto
III. um guerreiro como Demofonte , difputando uma queflam
amatoria 5 como faria um academico , a quem encarregafem efte
afirmtoº ou tambem quando deixa uma Rainha como Filis, uma
noite inteira º no-meio de um bofgue medonho , fem compa
nhia ; o que mofira, a fuma inverofimilidade: alem de muitas coi
zas º que podia notar . Onde torno a concluir , que de poema
Epico, o Chagas nam fabia nada : e que pode V. P. aconfelhar ao
nofo """ que nam tenha dificuldade, de empretar o tal poema =
Porque fe o-perder, perde pouco.
Outro Portuguez chamado Francifeo Botelho de Morais , e
Fº/concelos , publicou dois poemas : um intitulado El Nuevº
Ll 2 Miln
268 VER DA DE IR O ME TO DO
Mundo : cujo argumento é, o triumfo de Ofiris , na corte de
Atlantide : e efte nam pude ver . O que porem vi averá anos,
foi o outro poema intitulado , El Alfonfo: em que com XII.
Cantos defcreve, a primeira conquita de Portugal, por-Afonfo I.
Polo que agora me-lembro, cuido que nam fe-pode chamar Epo
peia: mas uma fimplezitoria da-dita guerra , alterada com algu
mas fabulas : defortequenam tem artificio algum , de Epopeia .
Efte Poeta quiz imitar em tudo, Lucano : e nam o-podendo imi
tar naquilo , que tem melhor ; fomente o-imitou , nas enfado
nhas digrefoens , e exclamafoens , que às vezes introduz : fendo
uma deflas tam grande, que ocupa um inteiro Canto . Tambem
o-quiz imitar na afetafam , de moftrar-fe Aftronomo , e Fizico :
pois nos-ultimos cantos, faz fem necefidade varios difcurfos efcolaf.
ticos , neta materia : a qual , Polo que moftra , intendia mui
pouco. As fabulas fam afetadas , e com baftantes inverofimilida
des: entre etas ponho a da-Deuza que vinha polo ar , acavalo
em um grande leam &c. os verfos fam duros: e em todo o poe
ma reina, uma ofcuridade infofrivel : o que creio provêm tam
bem, de efcrever em Efpanhol . Nunca pude intender , por-que
razam um Portuguez deixa a fua lingua, para efcrever na Elpa
nhola, que pola maior parte nam alcanfa bem. Mas eta afetafam
é mui vulgar, em muitos defles feus nacionais, que querem pa
recer eruditos. Ifto é o que agora me-ocorre, fobre efte Poema :
o que digo , porque nam fei fe V. P. tem noticia dele , por-fer
imprefo fóra de Portugal . Dos-outros Poetas nam digo nada :
porque fendo uzuais, do-que tenho dito, pode V. P. formar con
ceito, das-fuas obras.
Os Romances, a que os Portuguezes chamam Novelas, fam
verdadeiras Epopeias em proza ; e devem fer feitos damefma
forte. Contudo acham-fe poucos, que merefam efte titulo : pois os
Portuguezes, e Efpanhoes que fe-acham, nada mais fam, que iflo
rias de amor mui inverofimeis. O Telemaco de Monfieur de Salignac
é uma Epopeia das-mais bem feitas , e efcritas , que tem apare
cido.
Do-poema Dramatico direi pouca coiza , vifloque os Portu
guezes» nam fe-aplicam a ele; por-fe-perfuadirem que o Drama ,
nam tem tanta grafa em Portuguez , como em Efpanhol . Mas
efte Prejuizo comum , nam tem fombra de verofimilidade . Re
conhefo e que toda a Poezia foa melhor, na lingua Italiana, que
InOUl
D E E S T U D A R. 269
noutra alguma : o que confefam os eruditos das-outras Nafoens,
que chegáram a Pofuir bem, a lingua Italiana : e ainda alguns
Francezes doutos: nam obflanteque outros queiram, que a Fran
ceza feja propria, para a Poezia - (no-que, com fua licenfa, in
tendo que dizem muito mal : porque nam á coiza mais infulfa,
que o verfo duodecafilabo , de que uzam comumente os France
zes, e o modo de rimar deles - no-Lirico , e algumas cantigas,
fam mais toleraveis. Mas geralmente falando, a lingua Franceza é
pouco propria º Para a Poezia: porque nam tem nervo , nem ar
monia ) Mas o certo é que º defpois da-Italiana, as duas melho
res linguas fam, a Portugueza, e Efpanhola. E eu acrecento mais,
que a Portugueza parece-me mais Propria, para alguns generos de
Poezia, doque a Efpanhola : porque é fezuda e grave, e nam
tem aquele falfo brilhante, que muitos loucamente admiram , na
Efpanhola. Se tiramos as terminafoens em aõ , ou am ; e aons,
e oens &c. nam fei que melhoria tenha a Efpanhola, fobre a Por
tugueza; para dizerem , que aquela é propria para o Drama , e
efta nam. Muito mais grave que a Efpanhola, é a Latina; e con
tudo ninguem lhe-nega, o poder fervir no-Drama. Onde, os que
por-efte principio deixam de compor Dramas, em Portuguez; vi
vem mui preocupados, e nunca confideráram bem a materia. Mas
a razam ultima é, porque a eftes modernos nam agrada, o modo
de compor, a Comedia antiga: e só fe deleitam, com efia moder
na: (de que parece ter fido inventor, Lope de Vega ) e como ef>
ta é compofia de mil futilezas, e coizas femelhantes; por-ifo gof
tam das-Efpanholas , que abundam difto . Mas como efte etilo é
muito mao, e fe-deve praticar outra coiza diferente 3 daqui vem,
que devem reconhecer, que a lingua Portugueza é tam capaz Pa
ra º Drama, como a Efpanhola. -

o Drama, ou feja Tragedia, ou Comedia, nam é mais que


uma infrufam, que fe-dá ao Povo, em alguma materia. A Tra
gediº, tratº2 de algum cazo extraordinario, fucedido ape(oa gran
de . Com ifo fe-modéra, a grande ambifam dos-Omens, enfinan
do-lhe a conhecer º que as condifoens defla vida efiam fugeitas,
a todas as infelicidades. Alguns defeitos fe-tem introduzido, na
Tragedia moderna : pois devendo ela conter fomente, coizas eroi
cas 3, introduziram muitos, imitando aos Efpanhoes, eroes aman
tes. E ainda os nofos Italianos, para agradarem ao Povo, que
tºm fºcreta inclinafam, para ouvir etes enredos amantes , o-pra
$1Capm :
27o VER DA DE IR O METO DO
ticam : aindaque os omens inteligentes defprezem efe etilo, que
só é proprio da-Comedia. Nam é crivel, que arte Particular fe
requer na Tragedia, Para fer boa. Nela fe-á-de ver, um enredo
bem ideiado : um argumento digno e nobre : uma elevafam de
spenfamentos grande : uma particular arte de excitar as Paixoens,
com pinturas exatas , e difcurios Proprios das-pefoas que falam :
finalmente tudo á-de fer animado, grande, fingular, fem fer afe
tado: O que na verdade é mui dificultozo: e ainda muitos omens
grandes,
todas. em algumas defas qualidades ; nam confeguiram , unilas
- •

A Comedia é uma pintura, do-que fucede na vida civil e do


me{lica. Ela enfina mil coizas aos ouvintes , moftrando de nam
querer enfinar, mas fomente divertir : Porem nefe me{mo diver
timento, eflá o enfino: porque ela pinta deforte, os defeitos dos
Omens 3 que quem os-ve» ou ouve » nam pode menos, que enver
gonhar-fe deles, e condenálos. Efle é o fegredo da-Comedia, fa
ber imitar bem a natureza; porem em modo que o-vejamos, fem
advertir-mos o artificio. Convem pois com a Tragedia, em tudo:
só diverfifica no-argumento. E afimcomo na Tragedia nam bafta,
enredar bem um fucefo; mas é necefario obfervar, a verofimili
dade; desfazer naturalmente, o nó do-argumento, obtervando ef>
crupulozamente, os carateres das-pefoas; afim tambem a Comedia:
na qual deve reinar em tudo a naturalidade, mas judiciozamente
difpofia : porque daqui rezulta, aquela particular galantaria e fal,
que os omens de juizo acham, nas boas Comedias . quando en
tra nelas afetafam, acabou-fe a grafa.
Por-efle principio digo a V.P. que nunca achei Comedia Ef>
panhola, que fe-pudefe fofrer . Raras vezes o Efpanhol imita a
natureza: reina a afetafam , e as futilezas em tudo . O me{mo
bobo, que deveria reprezentar, a figura de um louco ; fala com
tanta defcrifam, como o omem mais eloquente , e judiciozo : as
molheres todas fam doutoras : todos dizem grafas , e agudezas :
e afim nam fe-obferva , a verofimilidade dos-carateres. Querendo
afetar tanta grafa , fam os omens mais infulfos , que ainda vi -
Porque a grafa deixa de o-fer, todas as vezes que aparece o ar
tificio , e nam nace das-entranhas da-materia . A nofa Comedia
Italiana é mais natural: e aindaque alguns tenham introduzido, ou
tro etilo florido, os omens mais doutos o-tem deprezado. A no
fa lingua é Propria para a galantaria, e dofura da-Comedia. ?in
• genho }
D E E S T U D A R, 271

genho do-Poeta prepára a materia, para fazer rir, e a galantaria


da-exprefam, ajuda efa me{ma materia º para agradar mais: o que
fe-acha frequentemente, na nofa lingua. Na verdade é dom da-na
tureza, faber inventar materias agradaveis , e expolas em modo
que agradem: mas alem dete ingenho requer-fé juízo , para fa
ber diftribuir as galantarias, onde devem intrar . Parece facil, o
argumento da-Comedia: contudo é dificultoza a executam : e fen
do tantos os que compoem, fam poucos os que o-fazem com fe
licidade. A maior parte daquelas Comedias, que em Cidades in
teiras tem tido, grandes aplauzos; examinadas de perto , mere
cem compaixam . Os Poetas ajuntáram muitas ideias ridiculas º
com que pudefem divertir os ignorantes , e adular as fuas incli
nafoens : e como eftes fam os mais , daqui nace , que fe-dam
aplauzos a coizas , que os-nam-merecem . O omem de juizo vai
à Comedia, com outros olhos, que nam o ignorante , e rude •
Efle pára na fuperficie do-que ouve: aquele penetra com a con
fiderafam , a intenfam do-Poeta : e quando nam acha o que de
ve, em vez de rir, vem-lhe vontade de chorar.
Alem do-que afima difemos, acha-fe outro defeito, no-mate
rial das-obras de teatro, quero dizer, na fua reprezentafam : vem
afer, quererem unir em tudo a reprezentafam , com o original.
Alguns, para infpirarem orror, reprezentam nas Tragedias, a mor
te de um omem , e outras coizas improprias. Era melhor, que o
matafem detraz dos-batidores , para poupar efia defcortezia aos
ouvintes : batando que expuzefêm , o corpo morto. Vi algumas
vezes nas Comedias, intrar omens acavalo em verdadeiros cava
los : vi carros triunfais tirados por-quatro cavalos brancos ; com
Perigo de darem quatro coices, e deitarem abaixo os batidores;
ou fazerem alguma porcaria no-teatro : vi arrebentarem bombas,
e foguetes: vi dar fogo a uma Cidade, e uma Armada: e mui
tas coizas femelhantes. Mas ifo é uma impropriedade, indigna
de omens Prudentes - A Comedia é imitafam do-natural , e to
dos fabem ito: e afim nam fe-devem introduzir coizas, que def
mintam o que é Comedia . Muitas vezes ve-fe voar um omem,
na Comedia: outras vezes um diabrete vivo dece do-teto, pre
zo por-uma corda : parecem-me os bonifrates do-Prezepio , que
tem um arame na cabefa. Tambem aquilo de introduzir um Rei,
e Rainha em uma camera , rodiados de foldados armados; ou
aquilo de dar uma batalha fobre o teatro , nada tem de mel:

vero{i-
272 VER DA DE IR O METO D o
mel: Porque nem o Rei -, quando eftá falando com a Rainha ;
cem as guardas de corpus na me{ma fala : nem uma batalha fe
pode dar , em quatro palmos de terra. Um bom Poeta dará me
lhor ideia de uma Armada, ou batalha, com uma famoza deferi
fam 3 e poderá com ela infpirar, fentimentos mais grandes, e no
bres; doque com aqueles acidentes exteriores , e improprios da
quele lugar . Mas o Povo vai à Comedia , para a-ver", e nam
para ouvir: e só fica fatisfeito, com efas coizas. Nam afim os
omens, que podem julgar, do-merecimento das-obras: eftes nam po
dem deixar º de condenar ito; e fugerir ao Poeta, que difeonha
melhor as fuas figuras . Ifto é o que agora me-ocorre . Acre
cento fomente , que as Comedias de Camoens nam me-agradam;
aindaque uma delas parece mais fofrivel . Outras que vi moder
nas em Portuguez, tinham mais artificio: e na verdade eram me
nos más.
Tendo pois apontado a V. P. os defeitos mais comuns dos
feus Poetas; fegue-fe examinar, fe etas reflexoens podem fer utis,
e como o-podem fer aos rapazes. E quanto à utilidade , é fem
duvida, que a noticia das-regras é necefaria , para intender os
autores: e a dos-verfos , para intender a diferente armonia das
fuas obras : efpecialmente na lingua Latina, porque a beleza dos
verfos confifte, na fua cadencia. Alem difo , a leitura dos-hons
Poetas, eleva o intendimento para perceber, e ajuizar nobremen
te; e ajuda muito a Eloquencia : e como nam fe-pofam intender
os Poetas, fem faber as regras; é necefario ter, alguma noticia
delas.
Quanto ao modo, ja dife em outra carta a V. P. que é lou
cura obrigar os rapazes, a fazerem verfos: e mifturar os verfos,
com as outras compozifoens; como fe fofe coiza necefaria , para
intender o Latim: os que fazem ifto , nam intendem a materia :
parece-me que o modo mais natural é efe. A Poezia deve-fe en
finar, em uma efcola feparada, em que nam fe-trate outra coiza
Examinando primeiro o rapaz , fe tinha ou nam genio Para a
Poezia; lhe-proguntaria exprefamente, fe a-queria feguir: e quan
do ele me-disèfe , que fim ; e eu com a experiencia vife , que
tinha propenfam para ifo; lhe-daria uma arte Poetica Portugueza,
feita por-efte modo. Na primeira parte devem-fe conter 2 as re
gras gerais da-Poezia, e a diverfa notícia de poemas : vifloque as
regras fam as mefinas, em todas as linguas: e ito ifloricamente,
porem
D E E S T U D A R= 273
porem ornado com algum exemplo . Na fegunda parte , deve-fe
primeiro tratar, das-diferentes compozifoens Portuguezas , e algu
mas particulares do-Reino : e aqui explicar, como fe-fórma a De
cima, Soneto &c. apontando um exemplo, em cada coiza : notan
do efpecialmente, a cadencia dos-verfos, e eftilo da-fraze poetica.
Iflo nam parece coiza de momento , aos que nam fam da-profi
fam : mas é de infinito prefo , aos que entram em femelhan
te efludo, e o-profundam . Acham-fe mil Poetas, que tem veia;
mas porque lhe-falta a doutrina, pecam contra as leis da-arte, e
nam brilham.
Nefle tempo deve-fe propor-lhe uma Decima, ou Soneto ef>
crito &c. que ele nunca vife; e obrigálo a que em efcrito, fafa
a analize da-dita obra , fe é boa, ou má , que defeitos, ou be
lezas encerra. Efte eftilo de mandar pór a lifam por-efcrito, fer
ve infinitamente , para a inteligencia das-coizas que efludam ; e
para a memoria : e repetido varias vezes , quando ja tem noti
cia das-regras, poupa infinitas explicafoens , e faz-fe com toda a
felicidade : e tem o rapaz tempo de confiderar, e emendar.
Defla primeira parte , deve pafar à fegunda , tambem em
Portuguez; em que fe-trate, das-particulares compozifoens Latinas,
e fua verfificafam. Aqui deve-fe repetir o mefmo , que difemos
da-lingua Portugueza. Notará efpecialmente, as diferentes fórmas
de verfos, de que fe-formam as diferentes compozifoens Latinas,
como a Elegia , Epigrama , Ode, Idilio &c. Depois a cadencia
do-verfo, tanto a fimplez, que é comua a todo o poema, como
as particulares: as fufpenfoens, elizoens &c. e as que fam pro
prias, de varias paixoens do-animo . Deípois o eflilo e fraze poe
tica; que é aquele particular idiotifmo, de que fe-fervem os Poe
tas ; que fe-compoem de exprefoens elevadas, com que fe-vareia
muito o difcurfo; expondo as coizas grandes , com muita nobre
2a 3 e as Pequenas, com muita galantaria. Finalmente aqueles epi
tetos propriosº tam belos no-verfo, como afetados na proza : e
mil outras coizas, que fam particulares do-efilo poetico , e que
conflituem a fua beleza. Eflas coizas a um rapaz, que lê um poe
ma, fomente para intender a Latinidade ; nam fam necefarias : mas
º um que quer compor, fam fumamente importantes: e fem elas
fará verfos , mas nam ferá Poeta.
A Compozifam feria a ultima coiza , que eu mandáfe fazer
aos rapazes : porque pede uma memoria, cheia de muitas efpecies:
TOM. I. Mm o que:
274 V E R DA DE IR O M E TO DO
o que nam pode ter um rapaz. Deve-fe comefar, polas compozi
foens Portuguezas : dando afumtos facis , e nam mandando com
por, fenam obras breves; para terem ocaziam º de as-emendar.
E neta ocaziam pode o metre explicar-lhe melhor, quais fam as
exprefoens proprias, para expremir o que quer : e dar-lhe por
efte meio, uma boa noticia da-fua lingua. Com o tempo, e ob
fervando a capacidade do-eftudante, pode ir aumentando, o numero
das-compozifoens: fendo fempre melhor, mandar compor uma obra
boa, a um certo afumto, doque muitas más, a diferentes. Fei
to iflo, nam é crivel, quanto fe-facilita a compozifam no-Latim.
Será pois efia a ultima parte da-compozifam: tendo a me{ma ad
vertencia, de comefar por-Difticos , Epigramas &c, afumtos bre
vifimos: pois nam enfatiam os rapazes 3 antes com eles fe-dezem
barafam muito, para as outras obras. E aqui , quando o metre
lhe-enfina, a compozifam Latina 3 lhe-deve enfinar tambem , o mo
do de pronunciar o Latim. Certo é, que a Lingua Latina, def
pois da-Grega , excedeo muito as modernas todas , na armonia
das-fuas exprefoens: a qual coiza como nós nam fabemos, por-ifo
nam achamos nela a beleza, que achavam os Antigos. Contudo
devemos procurar de imitar, a boa pronuncia : o que principal
mente é necefario, no-verfo . Quanto aos exemplos, devem eles
fer poucos, e bons : e deve o me{tre fugir de Regia Parnafi, e
outros livros defles, que eftragam o bom goto da-Eloquencia, e
Poezia : porque na leitura dos-melhores autores , aprende-fe me
lhor. Afimque, nam achando itto feito, pode o metre nos-mef
mos autores moftrar os lugares, que fam necefarios: e encomen
dar muito aos rapazes , que os-leiam , e decorem : pois só afim
fe-faz algum progrefo, na Poezia. Defla forte pode fer, que ou
vefem mais Poetas bons, doque nam á 3 entre tantos mil verfeja
dores, que V. P. eflá ouvindo todos os dias.
A Pcezia nam é coiza necefaria, na Republica: é faculdade
arbitraria, e de divertimento. E afim nam avendo necefidade de
fazer verfos, ou fazêlos bem, ou nam fazêlos: por-nam fe-expor
às rizadas, dos-inteligentes. Se eu vife que o eftudante » nam tí
nha inclinafam à compozifam, explicaria brevemente, as leis Poe
ticas 3 que é uma erudifam feparada da-compozifam, e que todos
Podem aprender; ao menos para intenderem as obras: e o-deixa
ria empregar, no-que lhe-parecèfe. Defta forte , livres os eflu
dantes daquele cativeiro , podiam empregar-fe em coizas utis, e
dar
D E E S T U D A R. 275
dar outro luftre à Republica. Sei, que nem todos os metres fam
capazes, de efcreverem femelhante arte , mas fe alguem a-fizefe,
e fe-imprimife; podia ajudar muito a todos . Certo amigo meu,
omem mui douto, me-dife um dia defes , que um feu conheci
do , avia pouco tempo tinha acabado um manufcrito, polo eftilo
que dizemos. Eu ainda o-nam-vi: mas formo tal conceito de quem
mo-dife , que julgo nam ferá mao : fe o-puder confeguir , nam
deixarei de avizar a V. P.
Finalmente com ifto acabo efta carta , que ja me-parece lon
ga: aindaque fe olho para o que devia dizer, é curta . Tenho
dito nela a V.P. o que me-ecorreo fobre uma materia, que ave
rá bafiantes anos que deixei : e confeguentemente nam fei fe te
rei fatisfeito, a fua expetafam, fobre a Poezia Portugueza : da
qual, como ja protefiei, tenho pouca noticia. Mas V.P. que me
obriga a falar, em todas as materias; deve eftar preparado, para
ouvir coizas boas, mediocres, e algumas mal ditas. E afim agra
defa-me fomente a boa vontade, e promtidam com que obedefo,
ao que me-manda. Deus Guarde &c.
276 VER DA DE IR O ME TO DO

C A R T A O I T A V A,
S U M A R, I O.

Rata-fe da-Filozofia. Mao metodo com que fe-enfina , em Por


tugal. Advertencia das-outras Nafoens, em procurar a Ciencia.
Necefidade da-ifloria FiloRofica , para fe-livrar de prejuizos.
Ideia da-ferie Filoxofica . Danos , e impropriedades da-Logica
vulgar . Da-fe uma ideia , da-boa Logica •
EU amigo e fenhor , Dirá V. P. que eu fou
| mui preguifozo em refponder , e confervar a
conrepondencia, com os amigos: mas fe-fou
befe como eu tenho eflado, reconheceria, que
nam falto , fenam com juflificada cauza . Eu
fou filho da-obediencia ; e efla me-ocupou baf
tantes dias: a ifto fe-feguio, a minha cotuma
=l da indifpozifam da-cabefa, que me-impedio ler
coiza alguma. Tambem me-lembrou, que tinha remetido a V. P.
um proporcionado livro, com o titulo de carta ; e que nam lhe
faltava que ler . Agora livre de algum modo , de um e outro
impedimento 3 pego na pena para continuar, o nofo comercio li
TCT2I1O -

Nas duas ultimas me-pede V. P. com inflancia, que me-dila


te bem fobre a Logica, e que nam me-poupe, a nenhuma outra
parte da-Filozofia. Eu nam fei, fe poderei dignamente fatisfazer»
a curiozidade que V.P. moftra, nefas materias: porque finalmen
te á muito que dizer nelas ; e muitas coizas , que nam am-de
agradar : mas finalmente direi. Lembro-me, que na nota ultima
converfafam me-dife V.P. que as efcolas de Filozofia defle Rei
no , necefitavam ainda maior reforma, que as outras : porque o
mao metodo das-efcolas baixas, alguma coiza fe-pode emendar com
o tempo: porem uma vez que o efludante comefou a provar, o
ergº? e atqui , e a brincar com eles, e excogitar fofifmas, e me
tafizicas ofcuras; de tal forte fe-ocupa, com aquele negocio, que
nam é pofivel por-lhe remedio: de que nace, a confuzam na Me
dicina »
| D E E S T U D A R . 277

dicina, Teologia, e mais Ciencias. Como V. P. reconhece de an


temam eta verdade , me-animo a dizer-lhe finceramente, o meu
Parecer -
Eu verdadeiramente nam fei, fe as efcolas de Filozofia def>
te Reino , tem pior metodo , que as efcolas baixas : fobre ifo
avia muito que dizer: o que fei porem é, que nefies paizes nam
fe-fabe, de que cor feja iflo, a que chamam boa Filozofia. Efte
vocabulo , ou por-ele intendamos ciencia , ou com rigor grama
tico, amor da-ciencia ; é vocabulo bem Grego neftes paizes. Ve
rá V. P. que fe-dá efte nome , a coizas bem galantes : Univer
fais, Sinais , Proemiais , e outras coizas deflas . Os pobres ra
pazes pafam os feus trez e quatro anos , lendo arengas mui
compridas : e faiem dali, fem faberem o que lêram, nem o com
que fe divertiram . Falo do-eftilo das-Univerfidades : porque o
das-outras efcolas é o me{mo, quanto à materia 3 e ainda pouco
diferente, quanto à difeozifam.
No-primeiro ano fe-pafa com dois tratados , a que chamam
Univer/ais , e Sinais; cadaum dos-quais terá quando pouco , os
feus 2o. cadernos, de duas folhas: e ja vi mefire, que ditou 4o.
cadernos , fomente de Univer/ais . No-fegundo ano acabam-fe os
Sinais : e parte do-ano fala-fe muito , em Materia Trimeira , e
Caugas : ao que chamam Fizica . No-terceiro ano efludam-fe In
telefoens, Noticias , Topicos , e algumas queftoens de Metafixica,
digo do-Ente em comum : e com eflas quatro , e as duas do
primeiro ano, fe-faz o Bacharel. No-quarto explica-fe um trata
do , a que chamam Gera/am e Corru/am : e avendo tempo , ou
tro a que chamam de Anima in communi. Deípois fazem conclu
zoens, nas ditas materias, ou femelhantes: que é um ato em que
muitas vezes fucede, que o defendente nam tem º argumento al
gum . Segue-fe o Licenciado , que é um exame fobre as 6. ma
terias do-Bacharel, com mais outras que apontamos : e temos o
omem graduado, Filozofo.
Se ifo pode fer bom metodo ; fe tais materias podem for
mar, um bom Filozofo , eu o-deixo confiderar , aos pios leito
res . Progunte-lhe V. P. aqueles Univerfais, e Sinais, de que
coiza fervem , quando fe acaba a Filozofia . Diga-lhe que lhe
*Pontem, em que parte da-Teologia fam necefarios : que dogma
fe-explica com tal doutrina ; faía-lhe outras proguntas deflas, e
Verá que limpamente lhe-confefam , que tudo aquilo "; COII]
2 C1CQ
278 V E R D A D E IR O M E TO DO
a efcola . Se repetir a progunta em outras materias , concluirá o
me{mo . E eifaqui tem V. P. o que fignifica Filozofia , neftes
Paizes .
Mas ifto feria nada : o melhor da-fefta eftá , na fatísfafam
com que ficam, de terem efludado tudo aquilo . Se alguem lhe
contradiz um ponto ; fe alguem quer tomar o trabalho de lhe
moftrar, que nada daquilo vale un figo ; ou que Arifloteles nam
falou naquele fentido 3 ou que a Filozofia fe-deve tratar de outra
maneira ; e que afim a-tratam naqueles paizes , que dam leis ao
mundo , em materia de erudifam; e ainda em Roma, nas bar
bas do-Papa &c. acabou-fe tudo , e vem o mundo abaixo com
gritarias . A tal propozifam é uma erezia , contraria diametral
mente à Efcritura , e às definifoens dos-Concilios , e Padres ; e
ao coflume da-Igreja Catolica ; que canonizou as obras de Arif>
toteles , e tambem a doutrina dos-Arabes . Galilei , Defcartes »
Gazendo, Nevvton , e outros defles que a-nam-feguiram , chei
ram a Ateifas; ou polo menos eftam um palmo diflantes , do
erro. Eftas Filozofias só reinam, em paizes de Erejes. Os efiran
geiros que defendem ifto, fam quatro bebados, que impugnam o
que nam intendem , e nam intendem o que proferem . Ifto , e
outras coizas femelhantes, tenho eu ouvido algumas vezes.
Proguntava eu em certa ocaziam a um me{tre , que me-pa
recia bom omem ; e cujo defeito cuido que era , nam malicia»
mas ignorancia : Tem V. P. lido nos-originais , a doutrina de
Defcartes, Galilei, Gazendo , Nevvton ? tem examinado funda
mentalmente , os que explicáram melhor , a doutrina do-primei
ro 3 como o P. Malebranche, o Baile, o Regis, o Le Grand : ou
os que expuzeram a de Gazendo, como o Saguens, Maignan &c.?
diz, Nam fenhor. Obfervou, continuei, polo menos as objefoens, que
o P. Genari Dominicano propoz ao Saguens, e Monfieur Arnaldo
ao P. de Malebranche em outro fentido; com as refpoflas defes
ultimos º diz, Nem menos. Muito bem: pois diga-me , intende
V. P. na fua conciencia, que pode fer juiz nefa materia, fem ter
examinado, as razoens de ambas as partes: e muito mais formar
uma centura tam rigoroza, como é condenar a religiam , dos-que
fºguem efia Filozofia ? Repondeo o omem : Na verdade eu nam
fou informado, da-materia : mas tenho ouvido dizer muito mal de
la , º ºtros metres, de quem eu formo conceito . Maravilhoza
mentº º "as diga-me, continuava eu, tem V. P. certeza, que efes
1215
D E E S T U D A R . 279
tais examinafem o que digo 5 ou , aindaque o-examinafem, que
julgafem fem paixam , e fofem capazes de decidir o ponto: por
que femiflo deve-me conceder, que, nada provam ? Diz , Eles
alegavam certas palavras, de que eu inferi º que os-tinham viflo.
Mas, profeguia o dialogo, poderá V. P. moftrar-me, que dogma
fe-deflrue, com efla nova doutrina ? Os acidentes Eucarificos, e
«… todo o fifama da Grafa . Muito bem : vifloifo temos, que as
fôrmas acidentais no-fentido de Arifloteles, fam de fè º diz, fem
duvida . Vitoifo , ou na Efcritura , ou por-tradifam nam inter
rompida, digo, polo confenfo de todos os Padres, definifoens de
Concilios , ou Igreja Romana , cfará determinado ito : porque
eu nam reconhefo outros principios, para fundar propozifam de fé.
Mas atreverfeá V. P. a moftrar-me, efa declarafam º Declaro, que
eu tambem fou catolico Romano, e creio que na Eucarifia eftá
Crifto , debaixo dos-acidentes de pam , e vinho : o que digo
é, que os tais acidentes nam fam fórmas, no-fentido peripateti
co : e diflo é que pefo, efa declarafam de fé. Concluio ele di
zendo: Ifo nam pofo eu fazer, porque nam tenho vito a mate
ria. Bem, refpondi eu, pois pefa V. P. a um dos-feus amigos,
que lhe-defcubra ella revelafam , ou decreto ; e entam falaremos
fobre o particular: porque agora tem pozitivo impedimento .
Efle dialogo podia-fe repetir, com mais alguns acrecimos; e
executar-fe com algumas pefoas , que oufo falar nefas materias,
com tanta fatisfafam; como fe foubefem o que dizem , e inten
defem a materia , de que falam . Eu tive alguns ratos de diver
timento, converfando com alguns defles mefres. Eles confundem,
todos os autores modernos 3 e fem mais exame os acuzam, dos
mefmos erros : e com eftranha dialetica os-condenam , de igno
rancia : Como fe um omem doutifimo , nam pudefe uma vez »
dizer um defpropozito ! Os que tem erudifam exquizita , fabem
que no mundo ouve um Defcartes : e algum deles, mais raro que
moícº branca_ºleo alguma coiza, dos-Principios , ou Meditafoens
Metafikicas . E aqui é ela: fobe à cadeira, e vomita mais deci
zoens, contra o Pobre Defcartes ; doque ele nam dife palavras :
E fem examinar, fe ele é feguido em tudo, intende que tudo o
que Defcartes dife» foi, e é recebido, com a me{ma venerafim;
e fam todos obrigados, a feguilo. Em certa jornada que eu fiz,
incontrei em uma eftalagem um Religiozo "" que tivera a feli
cidade º de ler Defcartes: o qual, conhecendo que eu era Efran
geiro 3
23o VER DA DE IR O M E TO DO
geiro , introu logo na materia : e todo o tempo que durou a
ceia, empregou ele em provar , que , fegundo os principios do
tal Filozofo , a Eucariftia eflava fomente, nos-nofos olhos. Veja
V. P. como cfe intendia bem, a doutrina dos-Cartezianos ! Mas
eu que vinha cantado do-caminho , e com fome = para abreviar
a difputa concedi tudo, e meti-me na cama . Nam *#A### • •

odo de reponder, a eta forte de gente. huU casº. {


|wyn Me4/******Eu certamente nam fou Carteziano , porque me-perfuado,
h a 4* que o tal fiftema em muitas coizas, é mais ingenhozo, que ver
dadeiro : mas confefo a V. P. que nam pofo falar no-tal Filozo
fo , fem grandifima venerafam. Efte grande omem , na Matema
tica foi infigne , e inventou algumas coizas, até ali ignoradas ; e
promoveo outras com felicidade. Em materia de Filozofia , acho
que foi inventor , de um fiftema novo . Ifto nam parece nada ,
aos ignorantes : mas aos omens que intendem , qual é a dificul
dade de invertar, e inventar com tanta propriedade ; que ainda
de{pois de defcubertas as machinas, grande parte das-experiencias
efleja da fila parte ; é final de um ingenho elevadifimo , e de
grande criterio. Alem difo ele foi o primeiro, que abrio a por
ta, à reforma dos-eftudos : pois aindaque Bacon de Verulamio,
e Galileo Galilci, tivefem indicado o metodo , de fazer progre
fos na Fizica ; e alguns outros os-fofem imitando ; é certo porem,
que Defcartes foi o primeiro, que fez um fiftema, ou inventou
ipoteze ; para explicar todos os fenomenos naturais : e por-efle
principio , abrio a porta aos outros , para a reforma das-Cien
cias. E aindaque em tudo nam acertáfe; é tambem certo , que
fe ele nam fofe o primeiro, os outros nam teriam cuidado º de
emendar os feus erros , e de adiantar os efludos, como eflam
oje. •

Onde com todos efles principios , nam pofo fofrer , que


omens totalmente ignorantes da-materia ; e que nam fabem de
Defcartes mais, que o nome ; e aindaque o-leiam, nam tem olhos
para o-intender: ainda afim tam indignamente o-tratem ; e inju
riem um omem , de quem eles nam feriam capazes , de ferem
amanuenfes. Se efles cenfores tivefem lido, a illoria das-Ciencias»
e do-reftablecimento delas , defde o Concilio de Trento a ela
Parte à formariam diverfo conceito deflas coizas : e nam vomita
riam tantos improperios , contra os modernos Filozofos : conto
eu vejo tedos os dias, em varios autores, que podendo motrar,
- o ícu
D E E S T U D -A R , , 28I
o feu merecimento; o-perdem todo, quando entram a falar nef>
tas materias , com tanta feguranfa , como os que as-tem bem
efludado. Dizem mil falfidades, que nunca fucedêram: fingem de
finifoens, que nunca fe-fonháram : confundem a doutrina revelada,
com as opinioens da-Efcola : e querem que os SS PP. aprova
fem profeticamente, a Efcolafica; que fe-inventou alguns feculos;
depois d' eles mortos,. Efta é a celebre cantilena defes metres,
principalmente defe Reino : A qual provêm, da-grande ignorancia
em que fe-vive, da-Itoria antiga, e moderna, e dos-efilos dos-ou
tros paizes : do-pouco conhecimento que tem, de livros : e final
mente de quererem fer metres , em uma materia , em que ain
da nam foram dicipulos. "…; - - -
Sei, que a maior parte dos-Omens, vive mui fatisfeita, dos
efilos, e fingularidades do-feu paiz ; mas nam fei, fe á quem re
quinte efte prejuizo com tanto excefo , como os Efpanhoes, e
Portuguezes. Obfervo, que os Francezes , Inglezes , Olandezes,
que nam fam dos-que tem pior opiniam , e com razam , de fi;
aproveitam-fe com todo o cuidado , dos-excefos que lhe-levam,
as outras Nafoens. Os Francezes, mandam muita gente a Roma,
para fe-aperfeifoarem na Architetura, Efcultura , Pintura ; e em
tudo o que pertence, às antiguidades Romanas. Sabem que eftas
artes, fe-conferváram fempre em Roma, com diflinfam : reconhe
cem , que os Romanos pofuem o melhor , que nefte genero nos
deixou a Antiguidade; e pode fugir à barbaridade, dos-incendios
de Roma: e afim mandam lá os omens mofos e inteligentes, pa
ra beberem o bom gofto, da-Antiguidade . Muitos Senhores In
glezes, Olandezes, Francezes, Alemaens", que correm o mundo,
para formarem os cofumes; demoram-fe tempo baftante em Ro
ma , e nas principais Cidades de Italia 5 para obtervarem efcru
Pulozamente , todas as antiguidades Romanas : e verem com os
feus olhos aquilo , de que efiam cheios os livros . Eu acompa
nhei alguns deles, que faziam efas obfervafoens ; e os-achei fu-.
mamente inftruidos, nas antiguidades Gregas, e Romanas: e com
dezejo exorbitante, de verem com os feus olhos , e aprenderem
o que nam fabiam : e faziam gloria de eftudar » o que ignora
vam . Polo contrario vejo , que os nofos Italianos fe-aproveitam
bem, das-belas edifoens de livros , e outra erudifam exquizita »
que fe-acha nos-livros, defas nafoens Ultramontanas: e que ainda
em materias de Ciencias, fe-regálam polo metodo, das-Univerfi
TOM.I. Nn da
282 VER DA DE IR O M E TO DO
dades de Sorbona &c. das-Academias Regias de Londres , Pariz,
S. Pietroburgo , &c. por-conhecerem , que ali fe-exercitam melhor;
e dali faiem as melhores obras. •

Ito é verdadeiramente conhecer, o merecimento de cada coi>


za. Mas obfervo tambem , que efte metodo é ignorado nas Ef>
panhas, e mui principalmente em Portugal : onde vejo defprezar,
todos os efludos Eftrangeiros, e com tal empenho 3 como fe fo
fem maos coflumes , ou coizas muito nocivas . Lembro-me a
efte intento, da-ifloria do-Efpanhol de Amfterdam . Nela viviam
em uma eftalagem, um Efpanhol , e um Cavalheiro Florentino .
Retirando-fe efte um dia a caza , proguntou ao Efpanhol , que
lhe-parecia Amfterdam : a belifima difpozifam da-Cidade no-ma
terial, e formal: a liberdade do-trato , contida dentro dos-limi
tes do-juflo: emfim ia-lhe repetindo uma por-uma, todas as fin
gularidades de Amflerdam ; e fobre cada uma lhe-proguntava ,
o que lhe-parecia. Mas o Efpanhol, abanando a cabefa, nam ref
pondia palavra . Até que o Florentino enfadado lhe-dife : Valha
me Deus , só vosé a-de fer fingular nefte mundo , nos-feus gof
tos; e só a um Efpanhol nam á-de agradar, uma Cidade como
Amfierdam, em que todos tem tanto que admirar ? A ifo ref
Pondeo o Efpanhol mui laconico: Vaya, para pintada . Eflamef
ma refpofia, com pouca diferenfa, me-tem dado alguns, em ou
tras materias . Quando.fe-vem obrigados com exemplos a reco
nhecer , que os Eftrangeiros lhe-levam, confideravel excefo 3 ref
pondem rindo, que afim
tilifimas. •
é: mas que fomente é, em coizas inu
" " … - - - - -

, , Ifio fupofio acho, que o melhor modo de dezinganar efia gen


te, e motra-lhe os feus prejuizos; é, por-lhe diante dos-olhos»
uma breve ifloria , da-materia que tratam : , e perfuado-me º que
ele é o mais necefario prolegomeno , em todas as Ciencias -
Creia V. P. que com eta notícia , poupa-fe muito trabalho , e
muito efludo : adianta-fe um omem muito, na inteligencia da-ma
teria : e só afim fica capaz, de ouvir o que deve , e dezinganar
fe por-fime{mo . Afimque intendo , que por-eta ifloria fe-deve
comefar . Nam digo , que o efludante deva faber , as opinioens
de todas as fetas de Filozofia ; mas, ao menos quando comesá
ram : quais foram as mais famozas : em que coiza comumente
fe-diflinguiam ; e como fe-continuáram.
A Filozofia é o conhecimento das-coizas» que á nefte "…
C GaS*
D E E S T U D A R. 283
e das-nofas me{mas afoens , e modo de as-regular", para confe
guir o feu fim. Em todos os Povos do-mundo, e em todos os
tempos achamos omens, que mais ou menos fe-aplicáram, a efas
coizas. Mas o nofo efludamte nam é necefario, que fuba tam al
to º bafia que conhefa, os Filozofos da-Grecia . Toda a Filozofia
Grega fe-dividio ao principio , em duas fetas 3 de que nacéram
godas as outras : etas duas fam a Jonica , e Italica . A Jonica
fundou Thales Milefio , um dos-fete Sabios da-Grecia ; o qual,
como diz Diogenes Laercio , nacco 64o. anos antes de Crifto º
Foi grande Aftronomo, Geometra, Filozofo, e efcreveo muito de
Fizica. Teve varios dicipulos, que fe-enfináram fucefivamente : Ana
ximandro, Anaximenes, Anaxagoras, Archelao, e Socrates. Efte
Socrates foi aquele grande omem, que encheo de admirafam a An
tiguidade : e alguns dos-nofos SS. PP. fe-empregáram, na fua de
feza. Socrates teve muitos dicipulos, que fundáram efcolas fepa
radas. Ariftipo fundou a efcola Cirenaica, Phedo a Eliaca , Eucli
des a Megarica, Antiftenes a Cinica : da-qual naceo a Efioica, que
foi famoza: porque Menedemo ultimo profefor da-Cinica, foi me{-
tre de Zenam , que fundou a Eftoica . Dame{ma efcola de So
crates tendo faido Platam, fundou a Academica. Cadauma detas
efcolas fe-diverfificava nas opinioens : o que é necefario , que o
eftudante advirta.
Platam foi o mais infigne dicipulo, de Socrates: naceo 428.
anos antes de Crifto: e foi o primeiro que compreendeo, as trez
Partes da-Filozofia. Na Fizica feguia os fentimentos, de Eraclito,
que fe-reputava o melhor Fizico: na Metafizica feguia em tudo,
a Pitagoras: e no-Moral, e Politico feguia a doutrina, de Socra
tes 3 poifaue fomente ao Moral, efte fe-aplicára. A efcola de Pla
tam fe-dividio em duas, Academica, e Peripatetica. A primeira
continuou os dogmas de Platam : donde vem, que Platonicos , e
Academicos fignificam a me{ma coiza . Nela fucedeo a Platam ,
feu fobrinho Speufippo : a efe xenocrates, Polemon, Crantor, e
Crates. A Crates fucedeo Archefilao dicipulo de Crantor, e tam
bem de outro Filozofo chamado Pyrrho : do-qual Pyrrho apren
deo, um novo metodo de filozofar; com o qual fundou a Aca
demia Media , que durou até Carneades. Efe ultimo, fazendo
nela alguma reforma, intituio a Academia Nova; que durou até
Antioco: que foi o ultimo dos-Academicos, e foi mefre de Mar
co Tullio Cicero. A Peripatetica fundou Ariftoteles, diáriº de
Nn 2. Pla
284 VER DA DE IR O M E TO DO
Platam . Diz, Cicero , que fomente fe-diverfificava da-Platonica,
nas vozes 3 mas nam nos-fentimentos e opinioens. Dava Ariftote
les as fuas lifoens , no-Liceo : e continuou a efcola nos-feus fu
cefores, até Diodoro; que fe-conta por-ultimo Peripatetico : de
forteque ja nos tempos de Cicero, efta efcola fe-achava mui def;
caida. -

* A outra feta de Filozofia , a que chamam Italica , foi fun


dada por-Pitagoras, naquela parte de Italia, a que chamáram Ma
gna Grecia. Efte Pitagoras florecia 564 anos antes de Criflo: e
defpois de longuifimas perigrinafoens , para aprender ; fe-eftable
ceo em Crotona Cidade de-Calabria : e e… com grande a
plauzo, a Filozofia. Efta feta foi famozifima, pola frequencia dos
ouvintes, e pola fua durafam. Dela nacêram varias : a Eleatica ,
que uns atribuem a Xenocrates, outros a Democrito . Anaxarcho
ultimo dos-Filozofos Eleaticos , foi me{tre de Pyrrho , que fun
dou a feta Tyrrhonica , ou Sceptica . Tambem da-Eleatica faio a
Epicureia , uma das-mais celebres fetas da-Antiguidade ; e talvez
a que durou mais : pois no-fegundo feculo da-Igreja, ainda eta
va em flor . Eftes fam os diverfos ramos, da-feta Italica . Tam
bem um feculo defpois de Crifto comefou outra, a que chamáram
Ecletica, a qual teve baftantes dicipulos. O feu principal intitu
to era, nam jurar nos-dogmas de nenhuma feta : mas tirar de
todas , o que parecia melhor . De alguns defles ainda temos as
obras: o ultimo foi Damafcio . Efta feta agradou muito aos Pa
dres, dos-primeiros feculos da-Igreja , porque parecia a mais ra
cionavel.
Eflas fam as diferentes fetas , da-antiga Filozofia... Deflas a
Academica, Etoica, Pyrrhonica, Epicureia, e Peripatetica , durá
ram na Grecia com pouca diferenfa , até o tempo de Augufo •
quero dizer , até Crifto . Nos-ultimos dois feculos da-Republica
Romana achamos, que os Romanos comesáram a efludar, a Filo
zofia. Nam que eles fundafem fetas, como os Gregos ; mas iam
eftudar à Grecia: ou ferviam-fe em Roma dos-Gregos , que VI
nham à Italia: e feguiam quem uma, quem outra feta de Filozo
fia Grega. Pola maior parte eram Academicos , e Etoicos : al
guns foram Epicureos: rarifimo Peripatetico. Os livros de Ariflo
teles , que ele deixára a Theophrafo feu dicipulo» efte os-deixou
a Neleo: os erdeiros do-qual, para os-roubar à curiozidade d'El
Rei de Pergamo , de quem eram fuditos ; o qual Procurava li
- VrOS »
D E E S T U D A R, { 283
vros, para a fua Biblioteca ; os-enterráram: d'onde foram cazual.
mente tirados, polos feus decendentes; que os-vendèram a Apel
lico Ateniez, quazi todos comidos da-umidade. Onde , para fe
copiarem, foi necefario encher, todos os vazios da-corrufam: com
o que fenfivelmente fe-alteráram, as opinioens . Defpois da-mor
te de Apellico, Silla Ditador Romano os-tranfportou de Atenas,
para Roma 3 e fe-entregáram a Tirañio, para os-emendar , e dif>
por em melhor ordem. E tendo-fe feito muitas copias , fem as
conferir com os originais 3 foi pior o fucefo em Roma, que nam
tinha fido em Atenas. Comefou entam a fer conhecido melhor,
efe Filozofo : e os Romanos comesáram a fazer uzo, principal
mente das-fuas doutrinas politicas . Entre os Filozofos Romanos
fingularizou-fe Cicero : ouveram tambem alguns outros , de que
ainda temos as obras. Até que finalmente, com a ruina do-Im
perio no-Ocidente, fe-arruinou tambem 2 a noticia das-Ciencias.
Nos-principios do-VIII. feculo de Crifto , os Principes Ara
bes dicipulos de Mahomet, os quais uzurpáram grande parte da
Africa, Azia, Grecia, Efpanha, e Sizilia ; nas invazoens que fi
zeram, nas Cidades da-Grecia , entre os roubos com que fe-re
colhèram, foram alguns dos-livros dos-feus autores . E agradan
do-fe detes efludos, fizeram em modo, que Almanon Califo ou
Imperador Saraceno, no-ano 82o. mandou pedir ao Imperador de
Confantinopoli, aonde as Ciencias ainda fe-confervavam; os me
lhores livros Gregos: os quais fe-mandáram traduzir em Arabio.
Nam fendo o genio dos-Arabes inclinado a Poetas , Iftoricos, e
Oradores ; fomente fe-aplicáram aos Filozofos , e Matematicos: e
entre eles efcolhêram trez, que foram, Ariftoteles, Ipocrates, e
Galeno. Aplicáram-fe a etas Ciencias ; e principalmente à Chimi
ca, Magia, Geometria, Algebra, e Fizica. Fundáram Univerfi
dades em Tuniz, Tripoli, Fez, Marrocos, e algumas partes da
Efpanha: d’onde fairam alguns omens infignes, para aquele tem
po: . Entre os quais fe-fingularizou Averroes: o qual na Univer
fidade de Cordova, fez o feu grande comento, fobre Arifloteles,
no-meio do-feculo duodecimo.
Nefte meio tempo a fama de Ariftoteles, que, eflava tambem
eftablecida, entre os Arabes; comefou a divulgar-fe, entre os Crif
taons . A comunicafam que os Napolitanos tinham, com os Sizi
lianos» lhe-deu noticia dos-cfludos, eflablecidos entre os Arabes
da-Sizilia. Tambem a vizinhanza da-Franfa com a Epanha, abrio
2 CO
286 VER DADE IR O ME TODO º
a comunicaíam aos efludos: e fe-cre, que por-ete meio pasáram
a Franía , os livros de Arifloteles ; e intráram na Univerfidade de
Pariz. Ja lá fabiam, que avia Dialetica, e a-eftudavam: mas da
Fizica Ariflotelica , nada fabiam . Finalmente ou para poderem
difputar com os Judeos, e Maometanos, como fundadamente fuf
peita Monfieur de Fleury; ou por-outra razam que nam fe-fabe;
os Teologos recebêram benignamente Aritoteles, e pouco a pou
co o-introduziram, na Teologia. Os primeiros foram introduzindo
as Dialeticas, como Abellardo, Roberto Pullo , Pedro Poitiers,
e alguns outros no-duodecimo feculo. Daqui pasáram a introduzir,
as doutrinas Fizicas : o que fucedeo, no-feculo decimoterceiro. Os
primeiros foram Alberto Magno, Alexandre de Ales: defpois To
maz de Aquino, e alguns mais. Depois de S. Tomaz veio Efco
to , que fundou efcola feparada : e defpois dete , feu dicipulo
Okam tambem Francifcano, fundador da-feta dos-Nominais . De
modoque defpois do-feculo XIV. a Filozofia fe-dividia em trez
fetas, Tomitas, Efcotiflas , e Okamiflas : as quais com alguns
mudanfas duráram, atè o Concilio de Trento, celebrado no-meio
do-feculo XVI. .
Nam falo no-metodo de Raimundo Lullo de Maiorca, porque
pola fua ofcuridade, nam teve fequazes : excetuando alguns Maior
quinos, mais loucos que ele. No-ano 1565. Bernardo Telefio de
de Cofenza em Italia, publicou a fua Filozofia, que teve alguns
fequazes... Pouco defpois Jordano Bruno Dominicano , publicou
muitos livros, em que, entre algumas coizas boas, dife muita ef>
travagancia 3 fobre o Univerfo infinito, e diverfos mundos. Def>
Pois defle, Tomaz Campanela, tambem Dominicano Calabrez, Pu
blicou algumas obras de Filozofia, quazi fegundo os principios do
Telefio.
Nefte me{mo feculo XVI, do-meio para diante, quero dizer,
polos tempos do-Concilio de Trento , comefou a eftablecer-fé o
fiftema Fizico-celefe, de Nicolao Copernico : que refucitando a
opiniam de Filolao, e Eraclides Pontico, fobre o movimento da
terra arredor do-Sol; teve muitos fequazes , que afentáram , fer
um fiftema preferível aos outros. No-fim do-feculo XVI. faio à
luz o fiftema de Tico Brahe, que tambem teve fequazes . Mas
ninguem mais deo tanta luz à Fizica, quanta Francifco Bacon de
Verulamio Chanceler mór de Inglaterra : o qual no fim do-mef>
mo feculo» e Principio do-feguinte, apontou o verdadeiro …
QG
de adiantar a Fizica, em belifimas obras que a efte intento nos
deixou , principalmente de .Augmentis Scientiarum , e de Novo or
gano. Eu confidero as efpeculafoens defe grande omem, como a
mais famoza epoca, da-verdadeira Filozofia: Porque obfervo de en
tam para diante, uma total mudanfa, e adiantamento fempre Para
o melhor, morreo polos anos 1636. de anos 66. - *

No-mefmo tempo de Bacon, no fim do-XVI, e principios do


XVII. floreceo o infigne Galileo Galilei Florentino; que feguin
do os ditames de Bacon , uzou da-Matematica, para explicar a Fi
zica: e aumentou fenfivelmente a Mecanica; a qual defde Archi
medes até o feu tempo, quazi nada fe-tinha adiantado. Ele def
cobrio muitas leis, do-movimento dos-corpos, tanto folidos, como
fluidos; e tambem da-Gravidade, e da-Luz, e do-Som &c. defor
teque pode-fe, dizer, que ele foi o que comefou a fervir-fe, da
boa Fizica . morreo em 1642. de anos 78. Comefado o feculo
XVII. florecèram Defcartes, e Gazendo: que dando um pafo mais
adiante, defcobriram mais terra, e comesáram a abrir os olhos ao
mundo. Ja fe-fabe as difputas, que os Peripateticos tiveram, com
eftes novos Filozofos; e as injurias, que contra eles vomitáram.
Defde o fim do-Concilio de Trento, em que os melhores Teo
logos tinham aberto os olhos , fobre a Teologia 3 e comefado a
intender, que nam fe-devia miflurar com ela, a Peripatetica 3 ti
nha efta defcaido muito: mas nam tanto , que muitos Regulares
nam intendefem , que devia fer, a mimoza entre as mais . De que
nacia, que com todo o empenho a-defendiam : porque , a falar
verdade, nam intendiam mais, nem tinham outras noticias . Mas
defpois que fe-viram atacados , por-efles modernos Filozofos; os
quais nos-principios defle feculo confpiráram todos, para abrir os
} olhos, ao mundo Literario; nam querendo os velhos, perder as
fuas conquifas, fizeram um efpalhafato orrendo: e o menos que
diferam foi º que fe-tinha levantado uma nova perfeguifam , na
Igreja Catolica 3 com a publicafam deflas Filozofias . Mas como
ifo eram balas de lan , e palavras fem fundamento, nem verofi
amilidade = nam faziam brecha. Polo contrario os Modernos defpe
diam, conflantes experiencias, que eram balas eficazes . Em modo
tal, que a dita Filozofia foi-fe continuando, e com forfa : e só os
Regulares, e nem todos, feguiam a Peripatetica. -

A introduíam das-Academias Experimentais, deu novo esforfo,


a efia Filozofia. Depois da-morte de Cartezio no-ano *# CA

|- • 2 CIC
188 VER DA DE IR O ME TODO
a de Gazendo no-de 1655. ; tinham comefado as ditas Filozofias,
a aquiflar credito: mas ainda com algum medo; pois nam tinham
toda a necefaria protesám , que tiveram pouco defpois. Nam, foi
fenam defpois que fe-abrio, a Academia de Londres no-ano 1662,
ou 63. e a de Pariz no-1666. , que as Ciencias naturais fe-conti
nuáram, com empenho : afflindo-lhe os Reis, com o dinheiro e
protesám. Dilatou-fe aindamais efe cofume, porque o Imperador
ILeopoldo no-ano 167o. movido do-bom fücefo das-duas Acade
mias; fundou tambem , ou , melhor direi, protegeo uma Academia
ja comefada, com o nome de Academia dos-Curiozos da-Natureza.
El-Rei de Prufia em 17oo, fundou tambem a fua Academia expe
rimental. Os nofos Italianos fizeram o me{mo. O Conde de Mar
filli em 1712. inflituio uma em Bolonha , que tambem é famo
za: em Padua e outras partes abriram-fe outras. Em 1725, a
Imperatriz Catarina abrio em S.Petroburgo em Mofcovia, outra fa
moza: deixando por-agora outras muitas , que fe-abriram em di
ferentes partes da-Europa.
Efta dilatafam de efludos naturais chamou a fi, todos os me
lhores Filozofos, principalmente os Seculares. Tambem alguns Re
gulares, nos-fins do-pafado feculo , comefáram a deixar, as futile
zas de Ariftoteles. Porem nefte XVIII. feculo infinitos fe-tem de
clarado, contra o antigo eftilo ; e enfinam publicamente, a Filo
zofia moderna . Em Italia, e ainda em Roma, por-toda a Fran
fa, Alemanha &c. fe-tem divulgado efte metodo : e os me{mos
Regulares, que ao principio o-tinham proibido, nam tem oje difi
culdade alguma , em defendèlo . Verdade é , que algumas Reli
gioens anda o-nam-aprováram: mas tambem é certo, que muitos
leitores delas fam declaradamente, Filozofos modernos. Os dou
tífimos Dominicanos, e Jezuitas, que pareciam os mais empenha
dos, polo antigo metodo ; comesáram a admetir, a nova Filozofia:
nam só em Franfa , mas ainda em Italia . E eu fei de certo ,
que em algumas partes de Italia, os Jezuitas, vendo que nas fuas
efcolas e colegios, faltavam confideravelmente os efludantes , que
concorriam a outros efludos publicos; fe-viram obrigados , a reº
formar o antigo metodo , e introduzir os efludos novos . Tam
perfüadidos eftam todos oje , que o antigo metodo nam ferve 3
para coiza alguma . * •

Efta, em poucas palavras, é a ferie da-Filozofia : na qual fe


compreende mui bem , com quam pouca razam º efles mefres de
- - - Por
1) E E S T U D A R , 289
Portugal, condenem uma coiza , que eflá tam bem introduzida :
e nam entre Erejes, como eles dizem, mas entre Catolicos mui
pios, e doutos:. E tambem fe-conhece , com quam pouca razam
queiram perfuadir-nos, que os SS, PP, aprováram, a doutrina de
Arifloteles : pois nam fendo ela, ou polo menos efia que pafa, com
o nome de Ariftoteles; conhecida antes do-feculo XIII. é bem cla
ro, que os PP. nam podiam aprovar uma coiza , que nam conhe
ciam, nem intendiam, que naceria no-mundo. Seguro a V.P. que
fe efles mefres, que oje exaltam tanto Ariftoteles, conhecefem os
PP. nam polo fobrefcrito , mas por-dentro; e tivefem bem exa
minado as fuas obras; ficariam envergonhados, da-füa grande igno
rancia, e talvez temeridade: pois veriam nos-efcritos dos-Padres,
que nada mais encomendam , que deitar fóra das-efcolas Ariftote
les : evitar todos os fofifmas da-Dialetica : e propor as fuas ra
zoens , com a maior clareza pofivel. Aprovavam na verdade, a
boa Dialetica ; mas defpida totalmente de arengas . E nefta paz
fe-continuou, até o undecimo feculo : no qual, como afima digo ,
introduziram nas efcolas, eitas embrulhadas. Deforteque a exami
nar bem o negocio, Arifloteles é mui moderno, nas efcolas Ca
tolicas : e ainda nefas nam durou, fenam até o Concilio de Tren
to: pois: edeojeentam
mundo todospara cá pouco
os-tem a pouco
mui bem fe-abriram os olhos ao
abertos. •

Intendido ifto muito bem, com o que fe-poupam mil refpof


tas, e embarafos a cada momento; deve o efludante pafar, para a
Filozofia. Mas é necefario, que primeiro intenda, que coiza ela é;
para nam fe-embrulhar, com as coflumadas confuzoens da-Efcola .
Eu fuponho que a Filozofia é, Conhecer as coizas polas fuas cauxas:
ou conhecer, a verdadeira cauza das-coizas. Efta definifam recebem
os mefmos Peripateticos, aindaque eles a-explicam, com palavras
mais ofcuras : mas chamem-lhe como quizerem , vem a fignificar
º mefino . v. g. Saber qual é a verdadeira cauza, que faz fubir
a agua na firinga, é Filozofia : conhecer a verdadeira cauza, por
que a Polvora aceza em uma mina, depedafà um grande penhaf.
co, é Filozofia : outras coizas a efia femelhantes , em que pode
intrar, a verdadeira noticia das-cauzas das-coizas, fam Filozofia.
Mas como no-conhecer as cauzas das-coizas, principalmente
naturais, pode aver ingano; e muitas vezes nos-inganemos , to
mando uma coiza por-outra: alem difo como nos-mefinos difcur
fos, com que nos-querem perfuadir alguma coiza, fuceda frequen
TOM. I. O o temente
2>O V E R D A D E IR O M E TO DO
temente ingano, cuberto com aparencia de verofimilidade; ao que
chamam Sofifina , ou Paralogi/mo : daqui vem , que cuidáram os
omens, em fugir eftes inganos, e defcobrir o vicio do-difcurfo,
paraque nam caifemos nele. lfto primeiro comefou, fem arte al
guma : mas cazualmente um omem defcobrio um erro, outro def>
cobrio outro, e afim os mais. Alguns dos-quais , fazendo uma
colcfam deflas obfervafoens, fizeram tratados , em que fe-pudefe
aprender, o modo de nam fe-inganar. A ifo chamáram Logica
ou Dialeótica: que é muito mais antiga que Arifloteles : mas ele
foi o que a-compilou com melhor metodo, a refpeito do-feu tem
o : aindaque muito imperfeita, fe olhamos para o nofo . Quem
# o autor defla colefam , notará o efludante, quando ler a if
toria da-Filozofia . Os Antigos dizem , que foi Zenam Eleates,
que a-enfinou a Socrates : efle a Platam: do-qual a recebeo Arif
toteles. Mas efla Logica Socratica, era por-outro eflilo, e conven
cia com proguntas. Platam era um pouco mais dogmatico . Co
mumente fe-cre, que Speufippo, e Ariftoteles, ambos dicipulos de
Platam, guiados polos difcurfos dele , fizefem no-mefmo tempo,
e cada um parafi, efta nova coletam, e acrecentafem muita coi
za fua : os Eftoicos com o tempo, acrecentáram muitas mais. Se
ja como for, o cazo é , que os Antigos reconhecôram, que para
conhecer, e difcorrer fem ingano , fobre as cauzas de todas as
coizas, é necefario obfervar algumas regras, a que quizeram cha
mar, Logica . Deforteque efia chamada Logica, nenhuma outra coi
za é mais , que um metodo e regra, que nos-enfina a julgar bem,
e difcorrer acertadamente . Afimque eflablecido efte importante
ponto, fica claro, que fe-deve abrafar aquela Logica , que con
duz a efte fim : e fugir qualquer outra, que nos-defvia dele -
Tendo percebido efle ponto, nam pode aver duvida , fobre
o cazo que devemos fazer , defla chama Logica dos-Efcolaflicos:
bafta examinar, fe o que fe-enfina com efie nome , é util , ou
prejudicial , para julgar , e difcorrer bem . Porque fe achamos»
que nam conduz 3 faie por-legitima confequencia, que fe-deve dei
xar , e efludar outra coiza mais util . Ora eu creio , que fem
grande trabalho fe-conhece, que efia Logica vulgar, nam dá ne
nhuma utilidade, antes cauza fuma confuzam. Os Proemiais fam a
coiza mais inutil do-mundo. Com a fimplez explicafam , do-que
é Logicas fabe um efludante quanto bafta, para intrar nela, e fer
um grande Logico : toda a outra noticia util fe-Pode aprender»
CIIA
* D E E S T U D A R. 29 I

em uma advertencia, a que chamam notando . Que a Logica te-.


nha por-objeto, os atos do-intendimento, ou as coizas» ou os mo
dos de faber ; nada ferve para difcorrer bem : o que importa é,
ter boas regras, e fabelas uzar bem .
Aqueles Univerfais, e Sinais fam coizas indignas de fe-lerem :
o menos que neles acho, é a inutilidade : o pior é o metodo :
parecem a mefima confuzam: e de talforte embrulham a mente, de
um pobre principiante, que nam é facil ao defpois, intender bem
coiza alguma. Em lugar de facilitarem a um rapaz , a inteligen
cia das-coizas; o-confundem com uma quantidade de fofifmas, e
futilezas, tam fóra de propozito 3 que eu nam fei, como os me{-
tres nam fazem efcrupulo, de perderem tam inutilmente o tem
po. Acrecento a ifto, a inutilidade: pois para nenhuma parte das
Ciencias ferve aquilo . O mais que fe-tira dos-Sinais é faber,
que as vozes fervem, para declarar as ideias da-mente, e os afe
tos da-alma : e que mediante as vozes comunicamos aos outros,
o que intendemos, e queremos. Que as vozes nam excitam nos
que ouvem, as ideias de quem as-profere, por-virtude alguma na
tural, que tenham para ifo: mas porque afim o-determináram, os
omens de uma Nafam. Sendo certo que as vozes, que em Portugal
fignificam uma coiza, em outro Reino fignificam coiza diferente,
ou nada fignificam. Efla é toda a noticia util , que fe-tira dos
Sinais: e ifto é coiza que fe-aprende, em um quarto de ora: tu
do o mais que dizem dos-Sinais , fam arengas ridiculas, que ef>
Premidas na mam, nam deitam uma gota de doutrina. V.P. que
perdeo bafiante tempo, com efas arengas; fafa-me a merce de me
moftrar, alguma queftam util, entre tantas que no-tal tratado fe
incluem: efiou certo que , uzando da-füa coflumada ingenuidade,
me-dirá , que nam acha alguma . De que fica bem claro , que
o tal tratado, é fomente divertimento de omens ociozos . Nem
me-faz forfa que o P.*** me-disèfe um dia, que os Sinais eram
o Apex Philo/ophiae : e o feu P. Colegial " " " me-disèfe mui fer
zudamente , que os Sinais tinham feu uzo na Teologia : poifaue
na Trindade fe-falava, em priori fignº &c. nem um, nem outro fa
bia o que dizia , como as fuas refpoflas motram : e, aindaque
fofem leitores de Filozofia, tinham necefidade, de a-eftudar outra
VCZº. # " { - - -

Quanto aos Univerfais da-Efcola, comque fe-gafta tanto tem


Po» nam fam melhores que os Sinais : todos fam talhados, pola
. Oo 2 mcfina
292 VER DA DE IR O M E TO DO
me{ma medida. Pafe V.P. ligeiramente com os olhos, por-aqueles
tratados 3 e me-dirá, o que acha em tantos cadernos. Ali dipu
ta-fe mui largamente: fe fe-dá Univer/al a parte rei , como eles
lhe-chamam ; fe a Unidade de Precizam , e Aptidam fejam da
efencia do-Univerfal: e outras coizas deflas , que quando eu as
confidero, fico perfuadido; que os que falam nifto , nam inten
dem ifo me{mo que Proferem . Que bulha nam fe-faz, fobre a di
vizam em cinco efpecies ! que arengas, fobre cada epecie em par
ticular! que confuzoens» fobre as Precizoens ! Ora eu tomára que
me-difefem, o que fe-tira de todo aquele negocio; e que noticia
util para difcorrer fe-colhe º de todas aquelas confuzoens ? Achei
muitos, que, defpois de alguns anos de Filozofia , e defpois de
terem defendido concluzoens publicas , e com grande aceitafam 5
nam fabiam , por-qual razam fe-introduziram os Univerfais , na
Logica. O que digo dos-Univerfais, deve-fe aplicar aos Predica
mentos ; que uns introduzem na Logica , outros na Metafizica;
e fobre os quais fe-difputa, com igual fervor.
Os omens mais advertidos entre os Peripateticos, reconhecem
a verdade do-que digo , e finceramente confefam , que fe-deviam
cortar, eflas loi guitimas difputas, que para nada fervem. Peripa
tetico , e bem Peripatetico, era o Suares Granatenfe, o Barreto
Portuguez &c. contudo fam do-meu parecer : e o tal Barreto acre
centa (1), que o aumento que fe-deo aos Sinais , é vicio dos
Portuguezes. Mas tornando aos Univerfais, de que falavamos, a
unica razam que eles alegam, para introduzirem eita longa aren
ga de Univerfais, e Predicamentos s é , porque as propozifoens
de que fe-fazem os filogifmos, confiam de predicados univerfais.
TDigo pois, fe aquilo nam tem mais ferventia, que moftrar º que
um nome pode fer univer/al , ou particular &c. de que ferve
aquela arenga fempiterna, que nam conduz para ifo ? Certamen
te que, feguindo os feus me{mos principios, tudo aquilo fe Po
dia reduzir, a meia folha de papel.
Nem cuide V. P. que eu reprovo , toda a forte de exames
das-propozifoens univerfais, e particulares: conhefo, que ifo po
de ter feu uzo, e tem utilidade: mas tambem conhefo, que fc
deve tratar de outra maneira, como em feu lugar direi. Somen
te condeno muito , o que dizem os Peripateticos 3 porque nem
} fer

(1) In Logica, de signis dip. 1. in Prooemio.


ferve para o intento , que eles propoem = nem para outro algum:
confunde as efpecies, e intendimento dos-rapazes : e é o me{mo a
que nos chamamos, perder tempo fem intere{e algum, e fem fa
ber por-qual razam . Mas proligamos o curto , da-Logica Peri
Patetica -
Aos Predicamentos, e Sinais, fegue-fe o enfadonho tratado de
Enunciatione, ou Propozifam. Aqui fazem eles infinitas difputas,
tam fóra de propozito , que eu fico paímado . Confundem a pro
pozifam vocal com a mental , ou ato do-intendimento : ora dif
Putam de uma , ora de outra : deforteque nam fe-pode faber ,
o que eles querem explicar . Sendo aquele um tratado , que
fe-deve explicar mui claramcnte , para intender os feguintes ;
eles o-fazem com tal negligencia , e confuzam , como quem
nam cuidáfe nefte fim . O melhor que eu acho é , que em
vez de proporem as coizas, em que todos convem ; difputam tu
do o que propoem : e a cada propozifam acrecentam , uma lon
ga cadeia de argumentos; e às vezes tam embrulhados, que um
omem adiantado teria trabalho, em lhe-refponder . E como á-de
o principiante, formar conceito das-coizas, e executar os ditames
que le; fe ele nada acha, em que todos convenham : mas em ca
da propozifam acha, quem o-contradiga ? Iflo à o me{mo , que
fe um carpinteiro tomáfe um aprendiz, e em lugar de lhe-enfi
nar, como fe-á-de fervir dos-inftrumentos; fizefe longuifimos dif>
culfos, fobre a divertidade de inftrumentos de Carpinteiro : con
tando-lhe miudamente, que a alguns nam agradam , aqueles inf>
trumentos: que outros efcrevem , que fe-deviam fabricar de ou
tra maneira: e todo o tempo pasáfe com ifto.
Efle é o grande defeito que eu acho , netas Logicas º nam
buffarem aquelas coizas, em que todos convem, para as-explicar
aos efludantes. nam acharem um metodo de enfinar Logica, co
mefando por-documentos claros, que todos intendam : fugindo to
do o genero de difputas , que nam fervem para principiantes -
Pois efe devia fer, todo o feu cuidado : e quem nam pratica efte
metodo, nam quer enfinar Logica. Ifto conhecerá V. P. melhor,
olhando para as longas diputas, que eles aqui introduzem , fo--
bre os atos verdadeiros e falfos. Nam é crivel, a confuzam com
que aquilo fe-trata . nam é menos admiravel , a quantidade de
coizas falfas, que ali fe-fupoem , como fe fofem demontrafoens
matematicas. Diputa-fe com fervor, fe o me{mo ato do-intendi
II]CIl
294 VER DA DE IR O ME TODO
mento, pofa pafar de verdadeiro, para falfo: e outras coizas des
tas. Iflo fupoem manifeflamente , que o dito ato dura algum tem
Po, na alma ; porque fenam duráfe , a quefam feria de nada .
Mas ifto que eles fupoem , é manifeflamente falfo , Bafta olhar,
para as muitas difrafoens involuntarias, que um omem tem ; pa
ra conhecer , que a nofa alma eflá em continuo movimento de
conhecimentos : e que devemos dizer , que ela nam pára em al
gum juizo, ou ato. Ainda quando nos-parece , que fempre cui
damos na me{ma coiza , creio eu que nam perzifle , o me{mo
ato: mas que a alma muitas, e muitas vezes confidera , a me{ma
coiza : que é o mefmo que dizer , com atos diferentes . A ra
zam difto nam me-parece ofcura : pois vejo a violencia , que é
necefario fazer ao intendimento , para o-fixar no-me{mo objeto:
pois um minuto que nos-defcuidamos , ja efiamos em outro obje
to . E ainda quando nos-parece, que confideramos um só , v. g.
um painel , é certo que fazemos muitos atos: pois nam vemos só
um ponto , mas diferentes pontos, e partes do-mefino todo : o
que fe-faz, com diverfos atos. Nam é crivel, com quanta velo
cidade a alma conhece, e pafa de um objeto para outro. Faze
mos todos os inflantes mil afoens, que nam advertimos : e contu
do é certo, que a alma as-conhece todas : mas falas com tal ve
locidade , que parece as-nam-conhece . Defte genero é o conti
nuo movimento de peftanas, que nós fazemos 3 e a alma , por
obediencia da-qual fe-faz, o-conhece ; e contudo nenhum de nós
adverte tal coiza. O que motra bem, quam veloz é a nofa al
ma, em Pafar de um conhecimento para outro . E fendo ifto
tam claro, os-Peripateticos, fem fazerem cazo difto, introduzem
as fuas longas difertafoens, fundadas fobre um fupoto falfo. De
mos-lhe, que feja materia duvidoza; fempre é coiza ridicula, pro
por como coiza certa um fundamento, que tem tantas aparencias
de falfidade: e ocupar o tempo com ifto, devendo enfinar outras
coizas. -

Mas, para abreviar efte exame, pafe V. P. comigo, ao tra


tado de Priori re/olutions . Na primeira parte fe-diputa eterna
mente, fobre os termos , e diverfos modos , com que fignificam
as coizas . Ifto explicado bem com clareza , e brevidade º podia
fervir ao efludante de alguma coiza : mas ifo é o que eles nam
fazem: e todo o tempo pafam em difputar º fe o verbo Efi po
de fer termo 3 e outras galantarias deítas. O que dizem das-Prº
po
º D E · E S T U D A R. 295

pozifoens? da-fua Converfam, das-Modais, é tam embrulhado, e


tam inutil; que nam fei, que pior colza fe-pofa dizer. Seguro a
V. P. que, ja achei Peripateticos , que ingenuamente me-confesá
ram, que a maior parte daquelas coizas eram inutis.
Mas fem grande trabalho , cuido que moftrarei a V. P. que
tudo aquilo, que neitas efcolas fe-difputa, fe-deve totalmente pór
de parte. apontarei uma unica razam, que compreende o Priori ,
e Poferiori, da-Logica vulgar. Examine V. P. com toda a aten
fam, quanto fe-difputa naquelas duas partes da-Logica, e fafa-me
a merce de notar mui diftintamente , algumas coizas . I ? Se o
que ali fe-difuta, é materia inteligivel . Cuido, que a refpofia
ferá clara , fe olhar-mos para o que fucede nos-eftudantes : pois
é certo, que defpois de muitas, e muitas explicafoens, comumente
nam intendem , o que ali fe-diz. Apelo , para o que cadaum ex
perimenta em fi, e para o que os mettres experimentam, nos-dicipu
los. Sei Polo contrario, que os meninos intendem muito bem as
coizas, felhas-explicam bem : e fabem dar razam do-feu dito. v.g.
fe diferem a um rapaz : «Aquele ramo que ves naquela porta , é
final que ali fê-vende vinho: porque em todas as partes em que fe
vende vinho, fe-cofiuma por aquele final; porque afim determináram,
os nofos antigos: etou certo, que á-de intender facilmente, o que
lhe-dizem . 8, fale-lhe V. P. por-eflas palavras : Aquele ramo é
final ex inflituto do-xinho : que fe-conflitue na razam de final, por
um refeito de dependencia do-ato da-vontade , que o-deputou para
fgnificar vinho : polo que fe-diflingue do final natural, que fe-confº
titue, por-um refpeito de independencia : Defpois de toda efia aren
ga filozofia, o tal rapaz intenderá muito menos, o que lhe dizem,
doque fe lhe-falafem em Caldeo . De que vem , que ainda as
coizas que fe-deviam dizer, fe-dizem de um modo tal, que nam
fe-intendem . Ifio é quanto ao modo de fe-explicar : patemos à
II]2[C11a •

A 2 º coiza que V. P. deve notar é , a ferventia que tem


aquelas regras, para difcorrer femingano, em toda a materia.
Traga V. P. à memoria, tudo o que tem efludado de Priori , e
Tºoferiori, e tenha o fofrimento de confiderar; fe lhe-fervem , ou
nam º para intender , e difcorrer bem em qualquer materia : ou
Para Provar alguma coiza , que lhe-feja necefaria ; nam só nos
atos Publicos quando argumenta, ou, defende ; mas ainda no-feu
bolete º quando compoem em alguma materia ; ou ainda no-dif>.
(Uli -
296 V E R DA DE IR O M E TO DO
curfo familiar . Tenho tantas provas, da-fua candura de animo,
que nam tenho receio que diga , ter experimentado utilidade .
Mas éu nam quero por-agora, um juiz tam alumiado como V.P.
contento-me que me-refpondam os me{mos , que perdem os anos
com eflas arengas . Eu os-fafo juizes nefa difputa : e lhe-deixo
confiderar, fe , quando eles provam o que lhe-negam, ou difcor
rem familiarmente; o-fazem porque fe-lembram das-regras; ou fe
o-fazem, porque afim fe-cofluma difcorrer no-mundo : e a lifam
que tem tido , lhe-fuminiftra os argumentos e meios termos : e
a natural penetrafam que cadaum tem, lhe-moftra, com a maior
promtidam , a conexam das-partes ? O que eu pofo dizer nefte
particular é, que muitos Efcolafticos , como ja apontei , me-di
feram , que era inutil toda aquela machina de regras : e li al
guns , dame{ma opiniam . O P. Arriaga no-prologo da-fua Filo
zofia diz claramente , que nam ditou muitas queftoens da-fórma
Silogifica , porque lhe-parecèram efcuzadas: e que avendo vinte
anos que era me{tre; nunca vira, que pefoa alguma fe-fervife da
ponte dos-Afnos , para argumentar , ou refponder . E quanto a
ela parte da-Ponte dos-afnos , achará V. P. muitos , que dizem
fer inutil :
Mas eu pafo adiante com o difcurfo, e creio, que nem me
nos me-moftrarám omem, que fe-firva das-Figuras, ou de algu
ma das-outras regras ; quando quer provar alguma coiza feria .
Conhefo, que os que argumentam # materia , para moltrarem
que a-tem efludado; ou os que nam querem argumentar com ra
zcens , mas com palavrinhas, àmaneira dos-fofifas; poderám fa
zer algum uzo delas : o que digo é , que quando um omem
quer provar, o que lhe-negam, nunca fe-ferve º de tais arengas.
Se ele tem ingenho , e doutrina , mais de prefa fe-lhe-oferece
o meio termo, e modo de o-dizer ; doque a regra , que o-enfi
na. Se nam tem ingenho, eflou certo que nem regras , nem fi
guras , nem modos , nem coiza alguma lhe-ocorrerá 3 com que
pofa difcorrer fundadamente. Nunca me-fucedeo que, difcorrer do
comigo, me-viefe à imaginafam , fervir-me do-filogifmo - nunca
vi tratar negocio algum grave, com o meio da-Dialetica : ainda
fendo as partes, pefoas de toda a penetrafam ; e tendo perdido
muito tempo, com a Dialetica. Ifto da-Logica é o me{mo º que
a Retorica : os ignorantes das-regras, fe tem ingenho e alguma
lifam , oram e provam melhor o que dizem, doque os C gº
- Ura
D E E S T U D A R- 297
e Oradores da-Efcola . O omem ignorante das-regras , nam perº
de tempo com palavrinhas, mas vai direito à razam, e bufca a
quelas que conduzem, ao feu intento . Ora é fem duvida, que
as razoens, e nam as palavras , fam as que perfiladem , e pro
vam o que fe-quer. Poderám as palavras , e modo com que fe
diz, dar mais luz às razoens: mas palavras fem razoens nada pro
vam. E efia é a razam, porque os Logicos finos difcorrem pior,
que os que nam fam Logicos. E efia me{ma razam me-dá funda
mento para dizer , que é melhor que nam fe-fale , em tais
regras .
Acho ainda outra razam, e cuido fer mais forte , para nam
feguir efte metodo do-filogifmo 3 vem afer, que o filogífino nam fer
ve em modo algum, de ajudar a razam, para que aumente os feus
conhecimentos, e neles difcorra bem . Quando fe-á-de perfuadir,
e difcorrer bem , o primeiro e principal ponto eflá , em defco
brir as provas: o fegundo, em difpolas com tal ordem, que fe
conhefa clara e facilmente, a conexam e forfa delas : o terceiro,
em conhecer claramente , a conexam de cada parte da-dedufam:
o quarto , em tirar uma boa concluzam do-todo . Eftes diferen
tes graos fe-conhecem muito bem, em qualquer demontrafam ma
tematica. Uma coiza é º perceber a conexam de cada parte , ao
me{mo tempo que um metre vai explicando a demonfirafam: ou
tra coiza diferente , conhecer a dependencia., que a concluzam
tem, de todas as partes da-demontrafam : terceira coiza muito di
ferente, conhecer por-fimefmo clara e diftintamente, uma demonf
trafam: e finalmente uma quarta coiza , totalmente diferente das
trez, ter achado as provas, de que fe-compoem a demonfirafam . O
que fupoto, o filogifmo nam faz mais, que moftrar a conexam
das-partes, fem enfinar a bufcar as provas: onde fica claro, que
nam é de grande focorro à razam. Muito mais , porque a alma
pode conhecer , e conhece , muito mais facilmente por-fimefmo,
a conexam das-partes ; doque por-nenhum filogismo . Quantos
omens nam vemos todos os dias, que intendem mui bem , toda
a forfa de uma razam 3 a falacia , e eficacia de um difculfo com
prido ; e difcofrem mui acertadamente ; fem terem ouvido falar
em filogifmos ? E nam digo fomente , entre os omens de boa
educafam 5 mas quem quizer confiderar , a maior parte da Afri
ca, e America ; achará omens que difcorrem tam futilmente, co
• mo os nofos Europeos ; fem faberem reduzir um argumento à
TOM. I. PP for
298 V E R DA DE IR O M E TO DO
fórma . Achei negros vindos de la , tam maliciozos, e fingidos 3
que nam fe-pode dizer mais . Ja eu dife a V. P. em outra par
te, que me-tem feito muitas vezes mais forfa , as razoens de
muitos rufticos , doque de alguns Logicos , e Oradores de pro
fifam.
Ainda daqueles mefmos que efludam Logica, rarifimos fam que
cheguem a conhecer, por-que razam trez propozifoens, combinadas
de um certo modo, produzam uma concluzam juíta : e que fai
bam com toda a individuafam , por-que razam de mais de 6o.
combinafoens diferentes , só umas 14. fejam boas . A maior par
te defles eftudantes contentam-fe, com uma Dialetica tradicional:
e nada mais fazem doque grer , o que lhe-dife feu mefire, que
certos Modos reduzidos a certas Figuras, fam bons; outros, fam
maos : fem chegarem a certificar-fe, que na verdade afim é. Ora
daqui faie por-legitima confequencia , que º fe é verdade o que
eles dizem , que o filogifmo é o verdadeiro e unico inftrumento
da-razam , com o qual é que fe-pode chegar , ao conhecimento
das-coizas ; antes de Arifloteles , ninguem raciocinou bem , nem
teve
nam conhecimento
fe-achará um, certo : e defpois
que goze dele ., entre vintenil omens
efa fortuna •

Mas eu creio que feria louco, quem tiráfe tal confequencia:


obfel vando-fe claramente, que os Omens intendem as coizas bem,
fem o dito focorro . Tomára que me-difefem , com que outra
Dialetica conheceo Ariftoteles , que muitos daqueles Modos eram
certos, e outros falazes ; fenam com a peneti afam da-fua mente,
que reconheceo a conveniencia que fe-dava , entre umas ideias,
e difconveniencia entre outras ? A nofa mente tem de fua nature
za a facilidade, de conhecer a conexam deflas ideias, e polas em
bca ordem , e tirar delas concluzoens juítas 3 fem que para illo
a-preparem , com artificio algum . Dizei a uma molher ruftica »
convalecente de uma grande infermidade , que afopra um nor
defe agudo, e que o Ceo ameafa grande chuva : ela facilmente
perceberá , que nam é tempo para fair de caza . O feu juizo
une com tota a facilidade, elas diferentes ideias : Nordefe , Nu
vens, Chuva, Umidade , Frio, Recaida , Perigo de morte : e ito
em um abrir de olhos ; fem ter necefidade daquela fórma arti
cial, e embarafada de quinze ou vinte filogifmos . Ora é certo,
que o filogifmo nam fuminiftra efta faculdade de perceber ,
e ordenar as ideias = nem fuminifra as ideias para ifo : e co
EnO
D E E S T U D A R. 299

mo deflas duas coizas dependa tudo ; fica bem claro , que nam
ferve para difcorrer bem .
Se V. P. obferva o que dizem os doidos , achará , que eles
nam fe-inganam nas confequencias, mas nos-principios: e por-ifo
difcorrem mal. Uniram-fe por-alguma cauza, no-intendimento de
um doido, duas ideias; v. g. a que tem de fi, e a que tem de
um Rei ; potas as quais, difcorre o omem mui bem: quer Ma
getade : quer gentilomens , e treno de foberano &c. Eflas con
fequencias decem mui bem, daquele principio : todo o mal eflá,
nas ideias que ele abrafou, e unio mal . Dame{ma forte os que
nam fam doidos: nam confifte o ingano nas confequencias , por
que a alma com toda a facilidade as-infere , e percebe a cone
xam delas com os meios : todo o ponto eflá , nos-principios , e
pôr as ideias em boa ordem . Ifto nam fuminiftra a Silogiftica, e
afim nam me-parece que pode fervir, para o que fe-pertende.
A nota mente naturalmente inclina , para admetir uma pro
pozifam por-verdadeira , em virtude de outra admetida por-tal;
ao que chamam inferir : e acha com facilidade , uma terceira
ideia, que tenha conexam, com ambas as duas . Progunto ago
ra: ou a mente bufcando a ideia terceira , fe-certificou da-cone
xam dela, com as primeiras, ou nam ? Se a-procurou afim, fez
um conhecimento certo: fe a-nam-procurou , fez um erro : mas
em ambos os cazos fez tudo, fem filogifmo. Se o omem nam ti
vefe conhecido, a conveniencia da-terceira ideia, com as duas ex
tremas ; nunca pudera afirmar, a confequencia. Ora é certo, que
o filogifmo em nada contribue a moftrar , e fortificar , a cone
xam do-meio com os extremos : ele moftra fomente , a uniam
dos-extremos entre fi, em virtude da-conexam com o meio, que
ja etá conhecida . Em uma palavra , aindaque eu conhefa , a
quantidade , e qualidade de duas propozifoens, nam fei fe fam
verdadeiras : e a Silogifica fomente enfina, a inferir ; nam a co
nhecer as Premifas: fe uma delas for falfa , ferá falfa a conclu
zam . Afimque nam é o filogifmo o que enfina, a difcorrer bem:
antes tudo o contrario , conhece mais facilmente o juizo, a co
nexam de muitas ideias, todas as vezes que etam potas em or
dem natural ; doque reduzindo-fe às embrulhadas do-filogifino :
como a experiencia todos os dias enfina.
Acrecento a iflo, que fem a boa ordem das-ideias , nam
fe-Pode dar boa ordem , aos filogismos
P p 2 . Ponha V. P. umCIIl

juizo
3OO VER DA DE IR O M E TO DO
embrulhado , com mil ideias incoerentes , e verá fe pode fazer
algum filogifmo. Polo contrario, ponha em boa ordem, as ideias
de um filogifmo ; e verá com que facilidade fe-intendem fem fi
logifmo, que fempre é mais embarafado . Mais facilmente fe-in
tende a conexam de omem, e vivente , pondo as ideias nefa or
dem natural ; omem , animal , vivente : doque neta ; animal,
vivente, omem, animal: que é a fórma do-filogismo.
Quanto aos que dizem , que o filogifmo ferve , para def
cobrir os inganos dos-fofifmas, e difcurfos retoricos ; é certo que
fe-inganam muito . O motivo por- que nos-inganamos nos-tais
difcurfos é , porque ocupados da-beleza daquela metafora , ou
peníamento delicado, nam examinamos a conexam das-ideias , de
que fe-compoem . Explique V. P. o que diz o fofifa , fepare
umas ideias das-outras; e verá que fe-acaba o fofifma , fem ne
cefidade de filogifmo: porque potas elas na fua ordem natural,
intendem-fe maravilhozamente, fe fam, ou nam coerentes. E que
outra coiza fazem os Dialeticos vulgares , quando refpondem a
algum fofisma ? V. P. oporá um fofisma ; e refpondem-lhe logo:
Difinguo minorem, v.g. materialiter, concedo: formaliter, nego.pe
de V. P. a explicafam dos-tais termos : e eles lha-dam, com um dif
curfo longo, ou curto, mas fem genero-algum de filogifmo. On
de parece-me que fem injuria podemos dizer, que os que defen
dem a necefidade do-filogifmo , como de uma famoza arma con
Era os fofismas; ou zombam , ou nam intendem o que dizem.
Deforteque examinando bem o filogifmo, ele nam dá ideias;
que fam os principios dos-nofos conhecimentos : nam dá a boa
ordem das-ideias , e da-percesám , porque ifo faz a alma por-fi
só. Serve fomente de pór em certa ordem , as poucas ideias que
nós temos : e o maior uzo que tem é, nas difputas dos-Efcolaf
ticos ; aonde às vezes dá a vitoria . O mais informado nefta ar
te» confunde com eles, e convence o que nam é tanto: e ainda
em tal cazo nam o-reduz ao feu partido : porque nunca fe-vio,
que os filogismos produzifem efe bom efeito 3 que aquele que
fica convencido, pasáfe para a opiniam do-contrario . Conhecerá
que nam fabe refpor der : mas nam receberá tanta luz , que aja
Pafar para a parte do-feu adverfirio . Efta é a natureza do-filo
gifmo . -

Mas aindaque efla razam feja mui forte, cuido que dos-mef>
mos principios dos-Efcolaíticos, fe-tira nova razam º para fe-ex
clui
D E E S T U D A R. 3o1.

cluirem, e vem afer 3 que as tais regras do-filogifmo só fervem,


para eftes filogifmos fimplezes , feitos de propozifoens que conf>
tam de dois termos, e Verbo: v. g. Todo o omem é animal = Pe
dro é omem = Logo Tedro é animal. Quando porem intramos nos
filogifmos, compofios de varias propozifoens, e com mil termos
obliquos; é loucura perfuadir-fe , que neles valham tais regras,
tomadas no-rigor da-Logica . Incontram-fe mil difcurfos de eviden
cia tal, que nenhum omem de juizo, pode duvidar da-fua verda
de : vemos cada momento difcurfos , a que os Logicos chamam
Sorites, compofios de dez, e doze propozifoens; tam claros e ma
nifeitos , que todos os-devem admetir , ainda aqueles que nunca
lèram Logica: que é a maior prova da-verdade, e evidencia: e
contudo iam pertencem, a Figura alguma das-ditas. Sei, que al
guns defles Logicos antigos fe-amofinam, para lhe-defcobrir a Fi
gura, e Modo 3 mas fuperfluamente : pois aindaque dizem mui
tas coizas, e apontam outras propozifoens, que expoem as ditas;
e nas quais exponentes querem moftrar de alguma maneira , as
regras; nam provam o que dizem, nem refpondem ao que fe-lhe
progunta: ficando fempre em pé a dificuldade, que o dito filo
gifmo, do-modo que fe-propoem, nam pertence a Figura alguma:
e contudo é verdadeiro, e todos o-intendem com facilidade . E
como nos-difcurfos familiares, nos-difcurfos oratorios , e quando
fe-impugnam propozifoens ou concluzoens ; fomente fe-uze defes
difcunfos compoftos 3 fica claro , que em nenhuma deflas partes
podem ter lugar º as tais Figuras : e que nam só fam inutis»
mas impofiveis.
Seguro a V. P. que tendo lido muito, viflo, e ouvido mui
to , e afiftido a difeutas de toda a confiderafam ; nam vi nin
guem , que fe fervife da-dita Fórma . Nunca vi converter Ereje
algum com fórma Silogifica, nem Ebreo, ou Ateifa. E contu
do tenho-me achado em algumas partes, com efas trez fortes de
pefoas, e converfado com eles larguifimamente . Eles me-refpon
dèram fempre com razoens ou boas , ou más ; mas nunca com .
fórma Silogifica: e quando alguma vez fucedia, que o difcurfo.
caia em queflam de nome ; logo me-advertiam , que deixáfe a
Dialetica, e argumentáfe com razoens. Nem menos falei com al
gum , que me-difefe, ter-lhe fucedido o contrario: nem acho dog
ma algum, que necefite da-fórma Silogifica, para fe-poder inten-: .
der º ou explicar . Nam leio que Crifo, ou os Apofiolos #-
V11CI[\
3o2 VER DA DE IR O M E TODO
vifem do-filogifmo, para perfuadir as verdades, que defendiam?
e propunham : nem acho que a Igreja Romana , ou os Conci
lios uzafem defla fórma, para declarar alguma materia controver
fa : antes tudo o contrario . Vejo que os SS. PP, encomendam
muito, que os Dogmas fe-próvem com razoens folidas , fugindo
de todas as futilezas da-Dialetica : e que efes mefmos Padres pra
ticam muito bem, o que encomendam . O que moftra bem , a
nenhuma necefidade , ou utilidade detes termos da-Efcola , na
Teologia - -

. Alem difto acho outra nova razam, para defprezar totalmen


te eflas doutrinas : vem afer, o enfadonho metodo que introdu
zem, em todo o genero de difcurfos . Nam á coiza mais deza
gradavel e confuza, que um longo difcurfo Dialetico : e nam á
difcurfo, que, reduzido ao metodo da-Efcola , nam feja longuifi
mo. Um paragrafo de difcurfo familiar mui breve e claro, redu
zido a filogifmos, enche boa meia folha de papel. Ouvem-fe cem
vezes os mefmos termos : porque cada filogifino deve repetir,
uma das-propozifoens do-antecedente. E tudo aquilo fe-pode di
zer, em breves palavras, e com muita clareza, fem nem menos
introduzir um filogifmo. Polo contrario, quando entra o filogif
mo, é necefario recorrer, a propozifoens gerais, que nam team
bem, nem provam muito: e tem mais aparencia de declamafam,
que de prova filozofica, e difcurfo fenfato. •

Efta fimplez propozifam : Quero-vos bem, pois vos-tenho obe


decido, e nam podeis duvidar, da-finceridade com que vos-firvo: por
que tendes experiencia confiante, deque a nenhum outro a fa/o: po
de dar de fi bafiantes filogifmos , fe ouver quem a-dilate . v. g.
quem faz a outro, tudo o que lhe pede 5 dá final certo , de lhe
querer bem. Eu tenho-vos feito, quanto me-tendes pedido : logo te
nbo-vos dado um final certo, deque vos-quero bem. O final cervo do
querer bem , nam pode feparar/e , do-me/mo querer bem: logo fe eu
vºs-dou um final certo , deque vos-quero bem , obedecendo ao que
me-ordenais; é certo, que vos-quero bem . Provo a maior. Quem
faz a outro, tudo o que lhe-pede , e o outro nam pode duvidar»
da-finceridade com que lhe-obedece ; dá-lhe um final certo , de lhe
querer bem. Eu tenho-vos feito quanto me-pedifies, e alem dijo vós
nam podeis duvidar, da-finceridade do-afeto, com que vos-firvo : lo
go fazendo-vos o que me-pedis, dou-vos um final certo, de vos-que
rer bem . Provo efia maior . Quem tendo uma experiencia confian
fº 3

D E E S T U D A R. 3O3

se, deque um fugeito que conhece, a ninguem cofluma fervir 5 nam


obflante ifo tem outra experiencia confiante , deque efe me/mo fu
geito o-ferve a ele; recebe um final certo , da finceridade com que
lhe-obedece. Vós tendo confiante experiencia , deque eu nam firvo
a ninguem; nam obfiante ifo tendes outra experiencia confiante, que
eu fempre vos-firvo, e obedefô: Logo tendo vós eflas duas experien
cias, recebeis um final certo , da-finceridade com que vos-obedefô.
Nam quero continuar mais, os filogifmos da-maior : e nem menos
quero continuar , as provas da-primeira menor fub/umpta : o que
dife bata para provar, que qualquer pequena propozifam com
pofia , pode produzir mil filogifmos. Ora é certo, que a primei
ra propozifam é clara, e todos a-intendem : e aquela longa en
fiada de filogifmos é ofcura, e só a-intendem , os que fabem a
fórma Silogiftica : e contudo ifo nam diz mais , doque dizia a
primeira propozifam. Do-que fe-conclue , que o dito metodo fe
deve defprezar , quando nam fofe pol-outra razam mais, que por
fer enfadonho, e cauzar molefia fem utilidade.
Dirmeá V. P. que efle meu difcurfo tem por-fim, condenar
todo o filogifmo : e deterrar do-mundo todos os livros, que fe
explicam por-filogifmos: e moftrar, que nam só fam inutis, mas
prejudiciais: como ja me-refpondeo um Dialetico. Mas a ifto ref
pondo, que nam é efa a minha intenfam. Confefo , que todos
os nofos difcurfos, fe-podem reduzir em filogifmos: um fermam,
um difcurfo familiar, uma efcritura que perfuade, um inteiro li
vro, pode-fe chamar, filogifmo compoto de infinitos termos obli
quos: nas mefmas demontrafoens matematicas , fe-podem defco
brir filogifmos. Ainda digo mais, nam á difcurfo que perfuada »
que nam feja em vigor de um filogifmo, ou claro , ou oculto -
Contudo ifo defendo, que de pouca ou nenhuma utilidade é o
filogifmo, para quem á-de difcorrer bem . Nam é o me{mo in
tevir o filogifino em tudo, que fer a unica arma, com que fe
difcorre bem ; deforteque quem nam tem efa noticia , feja obri
gado a difcorrer mal. Quando Aritoteles efcreveo, as fuas rede »
xoens fobre o filogifmo à nam nos-quiz enfinar, a fazer filogifº
mos; porque ifo fazemos nós fem reflexam, nem efludo algum :
quiz fomente motrar-nos, em que fe-fundava, a verdade dos-no
fos conhecimentos difcurfivos : e como procedia o intendimento»
quando confentia em algum objeto . Porem nam devemos daqui
inferir, que fem praticar advertidamente , tudo o que ele Pro
Poem º
3O4 VER D A D E IR O ME TO DO
poem, nam pofamos difcorrer bem : nam fenhor : a dita noticia
é mais efpeculativa º que pratica . Abráfe. V. P. bons principios,
e evidentes 5 e verá que perfeitos raciocínios fórma, fem noticia
alguma da-Silosifica: explicarmeei com um exemplo. "Para comer
alguma coiza , e com ifo fuflentar-fe um omem, é necefario mover
uma grande quantidade de mufculos , que fe-movem matemati
camente. Quer-fe uma particular difpozifam da-lingua , para em
purrar o comer para cs-dentes, e defpois para a goela : quer-fe
a faliva, para ajudar a triturafam, e o fermento no-eflomago : e
finalmente mil outras coizas, que agora me-nam-ocorrem . Tudo
ifo é tam necefario, e eflas coizas eflam tam unidas , que fal
tando uma, nam fucederia o cazo. Seria porem louco quem, ou
vindo ifto, nam quizefe comer, fem faber primeiro tudo, quan
to tem dito os Matematicos, fobre as leis do-movimento, e fo
bre a Mecanica: como tambem tudo o que tem dito os Anato
micos 3 fobre os ditos mufculos, umores, fermentafoens &c. Ef
te omem morreria de fome, no-me{mo tempo que outro, rindo
fe da-fua loucura, comeria mui defcanfado, e com muito goflo.
A razam diflo é: porque fem tanta erudifam , a machina do-no
fo corpo eflá difpofla em modo , que metendo o comer na bo
ca, e querendo mafligar , ( fora dos-impedimentos) tudo aquilo
fe-faz, fem efludo ou reflexam alguma . Dame{ma forte a ma
china efpiritual da-nofa alma , (fe me-é licito, fervir-me defla
exprefam ) recebeo tal faculdade de Deus, que conhece todas as
coizas evidentes, e efpecialmente a conexam de umas ideias com
outras, fem efludo ou artificio algum : aindaque nefe me{mo ato
de conhecer, pratique aquilo , que fuperfluamente aprenderia de
OutTO •
Daqui fica claro, que fervindo-nos do-filogifmo para perfua
dir, nem por-ifo fomos obrigados, a faber eflas coizas . Contu
do aprovo que fe aprenda, alguma notícia mais geral: o que fe
pode fazer em duas palavras. Pode alem difo o filogifmo ter feu
uzo entre aqueles , que defde rapazes eflam acoflumados a ele -
Quizera porem que a gente reconhecêfe, que o filogi/mo vale dez,
e nam cem , nem mil : e que nam nos-quebrafem a cabefa com
o filogifmo, como uma invenfam fingular, para conhecer a ver
dade , e aumentar os conhecimentos, nas Ciencias - Explico ifto
com outro exemplo, de que ja fe-fervio um grande omem, do
feculo Pafado. Vemos omens de vifa tam curta , que nam po

dem
D E E S T U D A R . 3.O 5
dem ver difintamente os objetos, em alguma ditancia, fem uns
oculos fumamente concavos de uma, ou de ambas as partes. Mas
porque eles nam vem fem eles, nem por-ifo devem julgar o mef.
mo, dos-outros: porque á muitos, que vem maravilhozamente,
fem tal focorro. Dame{ma forte a alma dos-Efcolafticos, nam ve
fem os oculos do-filogifmo : que lhe-fafa muito bom proveito , e
fe-firvam deles quanto quizerem : a alma porem dos-outros omens,
exercitando-fe em difcorrer com advertencia, pode ver a conexam
das-ideias , fem aquele focorro . Sirva-fe cadaum do-que qui
zer , e mais lhe-convier : o que importa é, que os Peripateti
cos nam julguem todos, pola mcfma medida : e da-falta de ocu
los nos-outros , nam infiram , que todo o mais mundo anda às
cegas .
Conhefo, que algumas vezes fe-pode uzar do-dito metodo;
com utilidade; quando fe-quer introduzir um dialogo , para evi
tar os difcurfos compridos , e oratorios . Mas em tal cazo fam
necefarias varias cautelas, para fer util o dito metodo: porque fe
deixamos provar a cadaum o que quer; caimos no-defeito , que
queria-mos evitar. Deve pois evitar-fe toda a fuperfluidade, e to
car unicamente o ponto da-queftam. Mas nefte cazo, nam é tan
to etimado o tal metodo, por-fer Efcolaftico, mas por-fer meto
do de dialogo: no-qual fe-propoem a dificuldade, por-uma parte,
e da-outra fe-lhe-dá a refpofa . Temos um belo exemplo, no-Con
cilio geral Florentino , congregado por-Eugenio IV. Como nele
fe-avia tratar, da-uniam da-Igreja Grega, com a Latina; fobre al
guns pontos em que diverfificavam; efcolhêram-fe feis omens de
cada parte, para examinarem a queflam, e dizerem o que fe-avia
Propor, por-uma e outra parte : e lhe-ordenáram, que, deixados
os difcurfos compridos, feguifem um metodo breve , e dialetico º
Mas quem examina nos atos do-tal Concilio, que coiza era efte
metodo dialetico, acha, que nada mais era , fenam um dialogo
fem. rodeios, nem prolixidades: no-qual de uma parte, um punha
a dificuldade : e da-outra, o feu opozitor refpondia fim , ou nam:
ou brevemente dava a razam, porque duvidava &c. Efta foi to
da a Dialetica, que fe-praticou na dita difputa: o que bem mofº
tra, que muitas vezes fe-chamou dialetico, o etilo de falar con
cizo e breve ; fem aquelas Figuras que conflituem, o efilo reto
rico : e ifto é o mefmo que eu digo, fer muito util. Mas nam
V.P. I.que fe-fizefe cazo, das-ridicular
acharáTOM. • Q_q ias da-Logica vulgar
OUl
:
3o6 V E R DA DE IR O M E TO DO
ou que , fazendo-fe , rezultáfe dai utilidade alguma: que era o
que eu afima dizia .
Nem cuido que V. P. me-moftrará , que às Ciencias rezulta
fe utilidade alguma , do-uzo do-filogifmo. A falar verdade, ne
nhum omem douto cuidou nunca nefas ridicularias : os fofitas
fim. Os feculos do-filogifmo foram os mais barbaros, e ignoran
tes. Ele comefou cá no-Ocidente no-IX, feculo : aumentou-fe com
muito mais excefo no-XI. e durou até o meio do-XVI. E que
coiza boa acha V. P. nefes tempos ? Polo contrario, defde o prin
cipio do-XVII. em que o filogifmo fe-comefou a deixar , e fe
procurou outro metodo; o aumento é tam fenfivel, que feria lou
cura motrálo: muito mais nefte ultimo feculo , em que os olhos
efam mais abertos. Afimque, com eftes exemplos à vifa, nam
parecerá maravilha que eu diga, que o filogifimo vale pouco, e
fem fervido de muito pouco : e que avendo outra ideia melhor,
é loucura, demorar-fe com ele. De tudo ifto concluo, que a Lo
gica que pode fervir no-mundo , é mui diverfa , defla chamada
Logica das-efcolas: a qual por-muitos principios nem menos fe-de
ve ler. Creio que V. P. me-perdoará elta digrefam, com que in
terrompi, o que lhe-queria dizer da-Logica ; fe-quizer refletir,
que nam é alheia do-meu argumento : antes juftifica o que abai
xo lhe-direi, e me-poupa algumas repetifoens. Torno à ideia, que
lhe-queria dar da-Logica.
Digo pois, que o metodo de filozofar nam fe-deve feguir,
porque o diz efle, ou aquele autor: mas porque a razam e ex
periencia moftram º que fe-deve abrafar . Ifto é o que eu nam
pofo meter em cabefa, a muita gente: porque a maior parte do
mundo, nam examina os principios das-coizas 3 mas vam uns de
traz dos-outros como carneiros; fem mais eleifam , que o coflu
me : e antes querem errar, por-cabefa alheia , que acertar pola
propria. Perfuadem-fe , que os velhos nam podem enfimar, coi
za alguma má : e recebem os tais ditames, com a pofvel venera
fam. Nenhum toma o trabalho de examinar, fe a opiniam é boa,
ou má : uma vez que a-diferam os antigos me{tres, é o que baf
ta. De que nace, que omens de ingenho mui perfpicaz, feguem
doutrinas contrarias a toda a boa razam ; e que cles mefmos de
zaprovam , quando lhas-explicam bem. Entre tantos Peripateticos,
que V. P. conhece, nam achará algum que duvidáfe uma só vez,
fe Aritoteles na fua Logica dife bem, ou mal: como confie que
o-dife
D E E S T U D A R . 3o7
o-dife Ariftoteles, é o que bata : nam faltará modo de explicar,
a dita doutrina , ou texto . E defte Principio nacem , aqueles
grandes comentarios, com que amofinam a Paciencia ao mundo;
e fazem perder o tempo, nas efcolas.
Bem claro é que um omem , que efcrupulozamente comenta
um autor, fupoem fer verdade , quanto ele diz : pois de outra
forte, devia fazer um rigorozo exame, na materia que comenta.
E cifaqui tem V.P. que eftes tais, querendo enfinar aos outros
a difcorrer bem, eles fam os primeiros, que difcorrem muito mal.
Falava eu em certa ocaziam, com um me{tre Peripatetico, e cain
do o difculfo fobre uma deflas materias, me-produzio ele um tex
to do-Filozofo, em uma que{lam bem controverfa. Refpondi eu,
que nam me importava , o que dizia o Filozofo , mas o que ele
na dita converíafam me-provava . Aqui admirado o omem cla
ma logo , V.P. nam pode negar o texto : deve explicálo . ao que
eu pontualmente refpondi : Quem lhe-dife a V. P. que eu nam
pofo negar o texto º dife-lho algum concilio Ecumenico , ou al
gum texto da-Efcritura ? Se V.P. me-citáfe, alguma propozifam de
Euclides ; em tal cazo lha-admetiria ; nam porque Euclides o-dife,
mas porque a evidencia mofira, que dife bem; e todos reconhecem
a verdade , das-ditas propozifoens: fóra daqui nam admito fenam
aquilo, que me-provam com clareza, e verdade. Onde é necefa
rio que V. P. primeiro que tudo, me-prove trez coizas. 1. Que
Aritoteles nam podia dizer uma parvoice, advertidamente. 2.que
nam podia inganar-fe . 3. que o que nós oje achamos nos-feus
efcritos , feja verdadeiramente o que ele dife: poflas efas cir
cunflancias confiderarei entam , o que ei-de refponder ao texto -
Até aqui o difcurfo, que eu tive com o dito Padre. Agora acre
cento , que o dito metre , ouvindo eflas minhas razoensº nam
fe-aquietou : mas continuou de admirar-fe dame{ma forte, que fe
nam lhe tivefem repondido coiza alguma.
Concluo pois, que é necefario feja bem louco, quem nam co
nhece, quam grande impedimento feja, para difcorrer bem, feguir
as pizadas de um autor só, ou feja Arifloteles , ou algum mo
derno. A Verdade, e a Razam é uma só . Todos podemos dif
correr, e intender o que nos-dizem : e quem fala em maneira
que melhor o-intendam, e prova melhor o que diz , efe é que
fe-deve feguir, com preferencia aos outros. Se acazo nam prova
o que diz, antes o que diz nam parece bem, ou á razoens Pa
Q_q 2 T2
3o8 VER DA DE IR O METO DO
ra fe-intender, que é mao; nam fe-deve fazer cazo, de tais dif:
curfos . Efta é a pedra de toque , nam só da-Logica , mas de
qualquer outra Faculdade : tomar por-Principios coizas tais, que
as-intendam todos, os que dam alguma atenfam às ditas regras :
mas principalmente é necefario, na Logica; Certamente que a Lo
gica nam foi feita º Para Clerigos, ou Frades, ou pefoas de uma
exquizita erudifam: deve fervir a todos os que falam, e racioci
nam : e nam só em difcurfos efludados ; mas em qualquer forte
de difcurfo, publico ou particular ; ferio ou agradavel. Se ela
ferve, para enfinar a difcorrer bem, deve dar ditames, que po
fam fervir em toda a parte, em que fe-difcorre, e fe-deve dif>
correr bem. Importa pouco, o que dife efte ou aquele, da-Logi
ca: o que importa é º facilitar os meios , para nam fe-inganar :
e bufcar para ifto um metodo, que a boa razam perfuade fer util,
e os omens que tem voto na materia , reconhecem com razam,
e experiencia, fer o unico meio , para confeguir aquele fim . Alem
difo propolo de um modo, que qualquer pefoa de juizo, fe-ca
pacite da-dita verdade. Ifto fupoto, farei a V. P. algumas refle"
xoens , fobre o metodo de dirigir o juizo . Mas devo fupor,
que falo com um omem , fem nenhuma preocupafam : e que
nam tenha lido Logica alguma : ou , fe a-tem lido, que Procu
re efquecer-fe de tudo : mas no-me{mo tempo que tenha juizo
claro , para conhecer as coizas. a efte omem farei, as feguintes
reflexoens .
I DE I. A D A L O G I CºA
Nós temos uma alma capaz de conhecer, todas as coizas defe
te mundo . Recebemos do-Criador efta alma, dotada de maior
perípicacia , doque oje nam temos . O pecado de nofo primeiro
pai, nos-trouxe por-caftigo, fermos fugeitos ao ingano: e por-pe
na do-me{mo pecado fe-nos-limitou, a esfera da-nofa perípicacia: nam
conhecemos tam bem como ele, e fomos mais fugeitos, a conhe
cer mal : Contudo a alma é a mefma, que era ao principio: foi
criada para conhecer a Verdade, e ficou-lhe fempre a propenfam
Para ela : em modo que, quando a alma ve uma verdade clara,
nam pode deixar de conhecèla, e abrasála. Nenhum omem de juizo
duvida º fe é omem: nenhum duvida , fe fala , ou etá calado;
fe eflá em pé, ou afentado : por-forfa á-de admetir uma detas
coizas, Porque fam mui claras ; e uma delas á-de fer verdade :
Por-ifo 0ós Pecamos, e pecando nos-desviamos da-verdade da-lei

D E E S T U D A Rº 309
dívina, que é tam conforme à boa razam 3 porque nam damos
atenfam, à dita verdade : que fe a-defemos º fem duvida ficaria
mos perfuadidos , que fe-devia praticar , o que ela diz . Mas a
rebeldia que experimentamos, no-nofo corpo , que com dificulda
de fe-fugeita, aos ditames d'alma; é a cauza defe mal. Ele nos
inclina fempre, para a parte contraria, com a ifca de coizas agra
daveis : e a alma, divertida com outras confiderafoens , dificulto
zamente volta os olhos para a verdade : e por-ifo a-nam-recebe : e
por-ifo peca. Efta é a origem, de todos os nofos inganos, e de
todos os nofos danos. Se a alma nam fofe arraftada , polos tu
multos da-fantezia , que comumente a-ingana 3 conheceria mui bem
toda a verdade : nam só aquelas que conduzem º para pofuir um
bem eterno ; mas tambem , etas verdades indiferentes das-coizas
naturais : e difcorreria fem ingano, em toda a materia : mas as
cauzas dos-inganos fam tam frequentes, neta vida mortal; que
nam é maravilha , fe os omens ajuizam tam mal : e ajuizando
afim, obrem em tudo mal.
Ito fupoto , a unica medicina que fe-tem achado , para
ajuizar bem, é defviar as cauzas, que nos-conduzem ao ingano -
Ponho de parte, o ajuizar bem para confeguir, a bemaventuran
fa fobrenatural : (aindaque daqui pofa receber muita luz; con
tudo como necefita de outras coizas, e nam é efe o meu argu
mento; por-ifo o-deixo ) e falo fomente do-difcorrer bem , em
todas as outras materias. Digo pois , que o verdadeiro fegredo
de ajuizar bem, é defyiar as cauzas que nos-inganam , e fazem
julgar mal. Para fazer ifto, é necefario examinar os modos, com
que a alma conhece 3 e meios de que fe-ferve , para fe-ex
Plicar -
Nós nam trazemos da-barriga da-maen, conhecimento algum:
todos os-adquerimos depois de nacidos. Bafta olhar, para o que
faz um menino 3 para ver a fua ignorancia, e que nace defpido de
todo o conhecimento. Ele aprende a fila lingua, como nós apren
demos uma lingua efirangeira: quero dizer, afimcomo nós, apren
dendo uma lingua efirangeira , só formamos ideia dos-nomes que
vamos aprendendo, e nam daqueles que ainda nam ouvimos : afim
tambem um menino , só tem ideia das-palavras que ouve, e ne
nhuma das-outras, que nunca ouvio. Mas alem difo nem menos
tem ideia das-coizas, que fignificam os tais nomes, fenam das-que
ve º ou ouve : Um menino nam profere , fenam as palavras que
Ol1VC.
3 Io D E R DA DE IR O M E TO DO
ouve : só intende e fala daquilo , que lhe-tem dito, ou viflo. o
que motra claramente º que iam tem outros conhecimentos , sc
nam os que entram polos fentidos. Os que defendem ideias ina
tas, que mofirem alguma º que nam entre Polos fentidos; ou nam
fe-deduza das-ideias , que intráram por-eles : etou certo , que
nam aparecerá alguma , a que nam pofamos defcobrir , eta ori
Sem -
Sam pois os fentidos , as principais portas , polas quais en
tram as ideias, na alma . Umas deltas ideias entram , por-um só
fentido: v. g. a Solididade dos-Corpos, que entra polo tato : ou
tras entram por-dois fentidos : v. g. a figura , que pode intrar
polo tato, e juntamente, polos olhos . Algumas ideias originam
He em nós , com a meditafam , ou reflexam : deite genero é a
vontade , percejam &c. Outras entram umas vezes por fen/afan;
outras, pola reflexam : v.g. o gºfo , dor , exifiencia , unidade ,
potencia , Jucejam . Finalmente muitas ideias fimplezes , fe-origi
nam em nós, por-meio das-cauzas privativas s tais fam as ideias
que nós temos, das-qualidades dos-corpos : v.g. a ideia de negru
ra &c. O exame dilatado defe negocio , Pertence a outro lugar:
bafla por-agora que o Logico conhefa , que por-todas eflas vias
podemos receber , ideias fimplezes.
Admiravel é a virtude que a alma tem, para unir , e combi
nar eflas diferentes ideias fimplezes , que por-ete modo recebe.
Verdade é , que alma nace defpida , de todo o conhecimen
to atual : mas fica mui bem recompenfada , com a virtude de
que Deus a-dotou º de poder confeguir muitas , e novas ideias,
com diferentes combinafoens . Unindo as ideas , que intráram
polos fentidos , fórma a alma muitas outras ideias: outras vezes
examinando as proprias ideias, nacem diferentes ideias na alma.
Defia diferente combinafam de ideias, nacem todas as ideias com
poftas, que netta vida experimentamos.
Mas aindaque fejam infinitas as ideias compofias, que a al
ma fórma, podem-fe reduzir, a trez fortes de ideias : que fam as
ideias dos-Modos, das-Suflancias , e das-Relafoens . As ideias dos
modos fam aquelas ideias que nós formamos, de diverfas coizas que
nam exiflem por-fi , mas fam dependencias de outras coizas . v.g.
a ideia que eu tenho de um triangulo , de uma coluna , de um
circulo &c Eflas aínda fam de duas maneiras : ou fam ideias de
modos fimpleões» ou de modos mixtos. Chamo modos "… , às
1C1C14$
D E E S T U D A R - 3 II
ideias dos-modos , que fam compoflas , de duas ideias damefima
efpecie: v.g. a ideia que eu tenho de doRe , de cem &c. que é
compota das-ideias, de muitas unidades juntas: a ideia de imen
fidade, que é compofta, da-repetifam de diferentes ideias de dif
tancia , repetidas fêm fim : e como cada diflancia fe-fupoem fer,
uma modificafam de efpacio; a dita ideia é uma ideia compofia.
Chamo modo mixto , uma ideia compofia , de modos de diferen
te e{pecie: v. g. a ideia de beleza, que é um compoto de dife
rentes cores, e proporfoens , que dá goto vendo-fe . tambem a
idea de amizade, mentira , obrigajam & c. Eftas ideias une o in
tendimento, fem examinar fe exiflem , ou nam : e a efias dá o
nome , que lhe-parece . Os omens porem comumente , recebem
eítas ideias dos-outros, que lhe-explicam o fignificado , de mui
tos termos. Deforteque ou por-aplicafam, ou por-experiencia re
cebemos as ideias, dos-modos mixtos.
A fegunda efecie de ideias , fam as das-Sufiancias . Nam
podendo nós intender, como as ideias fimplezes exiflam por-fi só,
nos-acoflumamos a fupor alguma coiza, que as-füftenta: ao que
damos o nome , de Suflancia . Digam o que quizei em , os que
falam de Sufrancia, como de uma coiza, que eles intendem bem
o que é , certo é, que nam tem os omens, mais clara ideia de
fuftancia . Onde ideia de fuftancia , é ideia de uma certa coiza
incognita; a qual, quando nós queremos explicar , nam fabemos
dizer o que é : mas fomente dizemos 3 que é uma coiza , que
nós füpomos fer a baze, daquelas ideias que vemos. E efia igno
rancia é aplicavel, a qualquer forte de ideia de fuflancia. Quan
to às ideias das-particulares fuflancias, efas formamos nós, unin
do quantas ideias podemos ter de uma coiza . v.g. unindo a ideia
de crifalino, durifino &c. formamos ideia, do-diamante. Mas alem
deflas , devemos unir-lhe , a ideia confuza que nós temos , de
uma coiza que as-fuflenta : e daquelas ideias, e deta, rezulta a
ideia compofia , que nós temos nefte mundo , da-fuftancia do
diamante. Do-que fe-fegue, que tam clara ideia temos nós, da
fuflancia do-Corpo, como do-Epirito : pois nenhuma outra ideia
temos mais, que dos-modos ou efeitos, que fe-obfervam 3 unidos
º{2IT]ditaclaramente
ideia de fe-conhecem
uma coiza, que fupomos füfantála: cujos efeitos
do-Efpirito , como do-Corpo . Alem
defas ideias de futancia , formamos outra ideia compofia , ou
complexa de fuflancia , unindo diferentes ideias de fuflancias.
v.g. unin
312 v ER DADEIR o MET o D o
v.g. unindo diferentes ideias de naos , pefas de artilharia , ma
rinheiros , almirante &c. fazemos a ideia complexa de armada :
e dame{ma forte de exercito º mundo &c. A etas damos um só
nome, porque na verdade é uma só ideia.
A terceira forte de ideias, fam as Relafoens , Eflas fórma a
alma, comparando uma coiza com outra: de que nacem mil de
nominafoens, que tem Proprios nomes, e nos-conduzem a conhe
cer, outra coiza : e fêm os tais nomes , nam conhecemos muitas
relafoens. Eftes nomes só fe-Podem dar, quando fe-poem o fun
damento deles . v. g. Pedro é omem : mas fe ele fe-caza , efte
contrato ferve para lhe-dar o nome, de marido . Eftas ideias de
relafoens, fam muitas vezes mais claras, que as ideias das-coizas,
que eftam fugeitas às ditas relafoens; ou das-fuflancias. A ideia
de fai, e irmam é mais clara, que a ideia de omem: e com mui
ta mais facilidade eu intendo , que coiza é um irmam ; doque
intendo , que coiza é um omem . Conhece-fe mais claramen
te , que coiza é um amigo , doque que coiza é Deus . Por
que o conhecimento de uma asám , ou de uma fimplez ideia,
bafta muitas vezes , para me-dar o conhecimento , de uma
relafam . Polo contrario , para conhecer um fer fuflancial , é
necefario um exato conhecimento , de uma colefam de ideias.
Devemos porem advertir , que todas etas relafoens se-terminam,
em ideias fimplezes: aindaque nos-parefa, tudo o contrario : e os
nomes que conduzem a mente, para conhecer outra coiza , alem
do-fugeito da-denominafam ; fempre fam relativos . Que todas as
relajoens fejam compoítas, de ideias fimplezes , é coiza para mim
certa : mas para o-Provar, feria necefario, fazer um longo difcur
fo, fobre todas as efpecies de relafoens : para mofirar, donde vem
a ideia de Cauza , Efeito , Lugar, Extenjam, Identidade, Diverfi
dade &c. como tambem as relafoens morais : v. g. Bem , Mal, Cri
me , Inocencia &c. Mas rezervo-me para explicar ifo a V. P. em
outra ocaziam : e agora continuo as minhas reflexoens . Efta em
breve é a origem, de todas as nofas ideias.
Daqui fica claro , que das-nofas ideias umas fam fimplezes,
outras compofias : umas adventicias , que entram polos fentidos ,
e outras que a mente faz, a que chamam faticias. Deflas umas
fam claras» outras confuzas; umas adequadas, e outras inadequa
das. Finalmente reais, e chimericas ; fingulares , particulares , e
univerfais.
De
— D E E S T U D A R, , 313
De todas as ideias , as que mais frequentemente faz a alma,
|- fam as univer/ais . Eftas fórma a alma , confiderando uma coiza,
que tem outras femelhantes : onde confiderando todas em uma
mafa, fem confiderar diferenfa alguma particular, formamos ideia
univerfal . v. g. Temos trez fortes de triangulos : um fe-chama
Equilatero , outro I/o/celes , e o terceiro E/caleno: cada um dos
quais tem fuas particulares propriedades. Mas confiderando os di
tos triangulos fomente, como uma figura de trez angulos , fem
determinar as propriedades de cadaum, formamos uma ideia uni
verfal , que fe-pode aplicar , a cada triangulo de per-f . Efte
modo de confiderar, fe-chama nas efcolas preciçam : palavra tira
da do-verbo Pra/cindo, ou Praecido, que é o me{mo que cortar,
feparar : porque feparamos os triangulos , das-fuas proprieda
des .
Eflas ideias univerfais tem entre os Logicos , diverfos no
mes. Chamam a uma , Genero: a outra, E/pecie, Diferen/a, Pro
prio , Acidente . Bafta intender brevemente , o fignificado deflas
vozes, para poder fervir-fe na ocaziam ; e intender o que os Lo
gicos querem dizer com elas: nam confidero outra utilidade, nef>
tes cinco Predicaveis . Polo contrario , tudo quanto deles dizem
os Logicos , comumente é falfo : pois fupoem claramente , que
/

nós temos perfeito conhecimento, das-Efencias: o que é manifef;


ta falfidade.
Sendo pois, que as nofás ideias, só fe-podem comunicar aos
outros , por-meio daqueles finais, a que chamamos vozes ; deve
mos fazer alguma reflexam , fobre efas mefimas vozes , ou palav
ras : o que pode conter , alguma coiza util . As palavras nam
fignificam os penfamentos, por-virtude natural; mas porque afim
o-determináram os Omens. A maior parte das-palavras fam gerais»
quero dizer , fignificam ideias gerais : porque feria impofivel, e
inutil , que cada coiza particular , tivefe um nome diftinto : o
comercio umano farfeía infuportavel , e os Omens nam aumen
tariam os feus conhecimentos. Acoflumando-fe os Omens , a fa
zerem ideias abtratas, deram-lhe nomes , a que chamam gerais,
ou univerfais . A nomes para as ideias fimplezes , para os-mo
dos , e relafoens &c. e todos eftes é necefario faber, como fc
formam , e que coizas particulares tem . Sucede às vezes , , que
fe-introduzam imperfeifoens nas palavras, por-cauza que as ideias
que fignificam, fam mui complexas , e fam cauza que os nomes
TOM.I. Rr , fiquem
314 VER DA DE IR O M E TO DO
fiquem duvidozos. Sucede tambem , que os Omens abuzem das
palavras, fervindo-fe de umas, a que nam dam fignificado certo,
ou lho-dam mui ofcuro &c. Devem-fe remediar eftes defeitos :
tendo prezente a origem deles, e o modo com que fe-remedeiam :
o que fe-obferva nos-autores , que explicam ifto . Ifto é o que
Pertence, à Percesam.
Alem da-faculdade que a mente tem , de formar ideias , a
cuja damos o nome de Percefam 3 tem mais outra faculdade , de
comparar uma ideia com outra , e reconhecer a conveniencia , e
difconveniencia delas: ao que chamamos Con/entimento, ou Juizo .
Afimque o julgar nada mais é, que certificar-fe a mente , que uma
coiza convem a outra , ou nam convem : e comparando ela uma
ideia com outra ; reconhece , e fe-certifica da-conveniencia , ou
difconveniencia . Se o juizo fe-explica , com as vozes; chama-fe
Propoxfam, ou Enuncia/am : e em tal cazo , tanto aquilo a que
convem uma coiza , como as vozes porque fe-explica ; cha
ma-fe fugeito da-propozifam : e o que convem , chama-fe pre
dicado.
Decendo pois à diverfidade de juizos, digo , que fe a men
te fe-certifica, da-conveniencia entre duas propozifoens, chama-fe
juizo afirmativo ; fe da-difconveniencia, chama-fe negativo . Nam
digo , que aja juizos negativos , no-fentido em que o-tomam os
Logicos vulgares: mas chama-fe afirmativo, ou negativo , fegun
do a coiza que afirma. Efta diverfidade de propozifoens, ou jui
zos, alcanfa-fe do-fentido, nam das-palavras: as quais fendo ne
gativas , podem ter fentido afirmativo . O que muitos nam ad
vertindo , fazem mil difputas , e arengas fobre coizas bem
claras.
Qualquer dos-nofos juizos, ( o mefmo digo das-propozifoens,
que fempre conrefpondem aos juizos ) afirmativo , ou negativo »
ou explica o nome ; ou explica as nofas ideias; ou explica algu
ma outra coiza que exifte: ao primeiro chamamos, juizo Nominal:
ao fegundo, Ideial: ao terceiro , Real . v.g. Quando eu digo : O
oiro nam é pedra : efe juizo é real . quando digo : A ideia que
eu tenho de pedra , é diferente da-ideia , que tenho de oiro : ele
juizo é ideial . quando digo: Efe nome Amor fignifica , um afe
to da-alma , ou um juizo que formo , da-excelencia de uma pe/04
em algum genero, e utilidade que me-pode rezuliar dela : efte juízo
chama-fe nominal . Do-conhecimento deflas trez fortes de #…
C
D E E S T U D A R . 315

depende o bom ou mao uzo, que fazem os Omens, das-fuas fa


culdades, em qualquer materia que fe-lhe-propoem . A maior par
te das-difutas nace , de que nam intendemos bem , as defini
focns dos-nomes : e cadaum as-toma , no-feu fentido . O mefmo
digo das-definifoens, que explicam as ideias dos-outros , princi
palmente dos-mortos. Atribuimos aos autores que lemos, mil coir
zas que eles nunca diferam . Servimo-nos dos-Dicionarios » como
de oraculos : fem advertir, que aqueles que os-compuzeram º po
diam fofrer o mefino ingano, procurando a verdadeira inteligen
cia dete nome. O me{mo fucede nas definifoens reais, tanto nas
da-efencia, como de algum acidente ou modo . Perfuadimo-nos,
que fempre fam verdadeiras : e defte modo abrafando-as fem exa
me, efiablecemos um principio , que por-forfa nos-á-de conduzir
ao Ingano .
Sobre ifto das-definifoens, é bem vulgar o erro dos-Logicos
comuns, que dizem, que a definifam fe-pode fazer por-uma ideia,
ou fimplez percesam, a que eles chamam, Apreenfam. Ito é fal
fo por-muitos principios : nem fe-pode fazer definifam alguma ,
que nam feja, reconhecendo a conveniencia dela, com o feu obje
to. Quando dizemos, Animal racional: (fuponho agora, que eta
feja a verdadeira definifam do-Omem : de que duvido muito, e
com razam ) ou a mente conhece a conveniencia daquela ideia,
com a ideia de Omem 3 ou nam . Se a-conhece , define : mas
em tal cazo produz um conhecimento, ou confentimento, a que
chamamos Juizo: porque o expremir, ou nam expremir, com a
boca o Efi , nam faz ao cazo. Se a-nam-conhece , nam define ;
mas profere duas ideias feparadas . E' necefario intender , e ad
vertir tudo ifto muito bem, para nam fe-inganar º com o que eles
dizem.
Alem defles juizos, fórma a mente infinitos outros, damef>
ma forte, que difemos das-ideias. Temos juizos fimplezes, com
pofios, fingulares, e univerfais. A eflas fe-reduzem todas as for
tes de juizos , ou propozifoens vocais . Conhece-fe a efpecie, a
que pertence, Pola qualidade do-fugeito . •

Faz tambem a mente juizos verdadeiros, e falfos. E aqui é ne


cefario o criterio, para nam fe-inganar. Confifte o criterio da-ver
dade, na evidencia com que fe-propoem uma coiza, deforteque nam
deixe duvidar , de fer afim . Nifto fe-inganavam manifeflamente
os Pirronicos ; que chegáram , ou fingiram de duvidar daquilº
- R r 2 mef
316 V ER DA DE IR O ME TO DO
me{mo , que viam com toda a evidencia. Sobre ifto da-evidencia,
á diverfos graos : fe a propozifam é evidente fem prova, chama
fe axioma: fe em vigor das-provas fe-faz evidente, chama-fe ila
fam, ou concluzam evidente . Tambem etas concluzoens eviden
tes, fegundo as materias recebem diverfos nomes : umas vezes
dizemos , que tem evidencia metafiRica ; outras fixica ; e outras
moral , as quais fem muito trabalho fe-intendem . Finalmente
acham-fe juizos duvidozos, verofimeis, e inverofimeis : cuja na
tureza fe-intende, com a fimplez explicafam, e um breve exem
Plo . -

Eftas fam as duas operafoens diferentes da-mente, Percefam;


e Juizo. nem á alguma outra de diferente efpecie . Tudo o que
a mente faz é, variar eflas duas em diferentes maneiras: fazendo
de muitas ideias , uma compota : e reconhecendo a conveniencia
ou difconveniencia , de uma com outra : e pondo-as em ordem
proporcionada, para fe-conhecerem . Quando os Dialeticos dizem,
que netas trez afirmafoens. }
Todo o omem é animal.
Tedro é omem.
Logo Pedro é animal.
a ultima propozifam é de diferente efpecie, das-primeiras; dizem
uma coiza , que nam poderám nunca provar . O que eu acho é,
que tanto a ultima, como as primeiras, fam juizos, com que o
intendimento reconhece , a conveniencia de duas ideias . Se o
eftar em ultimo lugar , ou reconhecer eta , porque ja tenho re
conhecido as outras , faz mudar de efpecie ; feria necefario ad
metir, outras muitas operafoens do-intendimento.
Itto fupoto , a principal operafam livre da-mente , é o Ra
ciocinio, ou Difturfo. Contifle ele em que, dadas duas, ou trez,
ou dez, ou vinte ideias, fe a primeira convem à fegunda ; e eta
à terceira ; e efta à quarta &c. a primeira á-de convir à ultima.
Defia forte o intendimento corre da-primeira , para a fegunda:
defa , para a terceira &c. E ao juizo com que reconhece , a
conveniencia da-primeira com a ultima , fe-dá o nome , de ra
ciocina/am , inferencia , concluxam , difcurfo, e alguns outros no
mes : o que nam faz mudar a efpecie : pois na verdade é um
juizo, com que eu afirmo eta coiza , porque tenho afirmado ,
as antecedentes. Onde pode a confequencia fer boa , e fer falfa,
fe uma das-premifas é falfa : e fomente ferá verdadeira , fe as
D E E S T U D | A R . 317
premifas o-forem tambem . O que importa pois é, julgar primei
ro bem , e nam fe-inganar nas premifas: porque só afim é, que
nam fe-inganará na concluzam . Para fazer ifto , é necefario no
tar, com infinita diligencia , as cauzas e ocazioens dos-nofos er
ros, para os-poder evitar.
A primeira ocaziam de ingano, fam as nofas mefmas ideias:
Nós percebemos mal, e contudo queremos difcorrer com feguran
fa: os nofos fentidos fam falazes , e fuminifiram-nos frequentes
ocazioens de ingano, em materia fizica. O notar efles erros, pe
dia uma longa difertafam. Bafta notar , que nos-inganamos nas
ideias de gravidade, levidade, a/pereza, go/to, cheiro, e fom &c.
Cuidamos que eftas coizas exiflem nos-objetos, quando na verda
de nada mais fam» que modificafoens do-nofo corpo , e efpirito .
As ideias que recebemos polos olhos, tem mais outra razam, pa
ra ferem falfas: pois fegundo a diverfa figura dos-olhos, de dife
rentes pefoas, devem reprezentar os objetos ou majores, ou me
nores doque fam. E afim nam nos-devemos fiar fempre delas, pa
ra julgar -
A fegunda cauza, fam as ideias que formamos : em virtude
das-quais mil vezes nos-inganamos . Chamo aqui ideias , àquelas
fupozifoens que fazemos, para explicar os efeitos da-natureza. Uma
vez que nos-ocorre , uma fupozifam ou fiftema , que nos-parece
racionavel; fem demora alguma o-abrafamos como verdadeiro: fem
advertir, que muitos fiftemas diferentes, podem explicar provavel
mente, a me{ma coiza . Outra efecie de ideias que fazemos, fam
as ab{trafoens : feguindo as quais, muitos julgam imprudentemen
te. Atribuimos a diverfos efeitos, diverfas cauzas: fem advertir,
que a me{ma cauza pode produzir diferentes, e às vezes incontra
dos efeitos. Daqui nacem, mil inganos na Fizica, v.g. as virtu
des que atribuimos, a muitos medicamentos , que nunca fonhá
ram telas.
A terceira cauza de ingano , fam as palavras de que nos
fervimos . Intendemos , que muitos termos fignificam o mef.
mo, quando na verdade nam fam finonimos. As vozes fervem,
para explicar os Penfamentos : e como nem todos intendem o
me{mo , nem todos vem a explicar o me{mo . Das-fuflancias
inviziveis , nem todos fentiram o me{mo : temos o exemplo
nefas Vozes , Deus, Animus , , Spiritus , Angelus &c, às quais
alguns antigos uniram certas ideias , e outros uniram

dife
1CDtCS.
318 - VERDADE IR O M E T o D o
rentes. O que intende um Deus, de figura umana : o que fi
poem, um Deus igneo: o que o-julga , de um corpo futilifimo:
o que o-cre epiritual: todos fe-fervem do-me{mo nome : o mef.
mo digo de outros nomes . Tambem os Omens fe-diverfificam,
na ideia das-fuflancias corporeas: uma ideia fórma o ignorante,
do-Corpo : e outra mui diferente, o Filozofo. Tambem nas defini
foens de Vicio, Virtude, Piedade, Santidade , Jufifa , obrigajam
&c. fe-diverfificam muito os omens: de que a Itoria fuminifra,
famozos exemplos. Os mcfmos Dicionarios apontam vozes, a que
nós oje damos um fentido ; e antigamente tinham outro: v.g.
Navis, Triremis &c. Onde quem nam diftingue com cuidado ifto,
frequentemente fe ingana, e difcorre mal;
A quarta cauza dos-nofos inganos, fam os afetos do-animo,
que produzem infinitos erros . Eles impedem-nos muitas vezes,
examinar bem as materias, e por-confequencia , julgar bem. E
muitas vezes fazem-nos amar, ou dezejar o duvidozo por-certo.
Os que abrasáram de todo o feu corafam, uma doutrina ; nam
só nam fe-canfam em examinar, as razoens contrarias ; mas nem
o-podem fazer, porque as-nam-vem . Acrecento a ifto , que nem
menos as-querem ver, aindaque lhas-ofelefam : nem ainda outras
obras indiferentes , que faicm dame{ma pena, in odium autoris.
Efte juflamente é o cazo que fucedeo nefte Reino, a um Teolo
go meu conhecido, que tinha abrafado a Ciencia media . Introu
em uma livraria, onde cazualmente abrio um livro , que tratava
dos-prolegomenos da-Efcritura : lidos alguns paragrafos , louvou
muito a materia , e o metodo 5 e Proguntou quem era o autor:
e quando ouvio dizer, que era um Dominicano, fechou logo o
livro, e nam dife mais palavra. Comque, ferá necefario defpir
fe, de todos os prejuízos; para intender as coizas bem, e poder
difcorrer com acerto. -

Conhecidos os erros, é necefario evitalos, procurando a ver


dade. Para o-fazer, é precizo obfervar algum metodo. E pois o
metodo aquela operafam do-intendimento , tam necefaria em to
do o genero de Ciencias : e fem a qual nam fe-pode difcorrer
bem . O difcurfo é aquele progrefo, que o intendimento faz, de
um conhecimento para outro : o metodo é o que prepara a ma
teria , ao difcurfo. Deforteque a mente com o metodo difpoem
as ideias, em boa ordem : e com o difcurfo reconhece a conve
niencia delas. De duas fortes é o metodo. Difeomos as vezes os
nofos
D E E S T U D A R . 319

nofos conhecimentos, de uma tal maneira, que dividimos a coi


za que queremos conhecer, nas fuas partes : paraque afim as-po
famos conhecer todas, e confequentemente o todo . Efte metodo
chama-fe rezolutivo, ou analitico, que vale o me{mo. Emprega
fe comumente, para reconhecer a verdade de muitas quetoens,
e para defcobrir, e adquerir conhecimentos. A outra forte de me
todo é, quando devendo enfinar uma doutrina aos outros, detal
forte difpomos, os nofos conhecimentos; que intendendo cada um
deles, venha o dicipulo a conhecer, todo o corpo da-Ciencia, que
fe-compoem, daquelas particulares doutrinas. Efle metodo chama
fe compozitivo, ou fintetico, que fam finonimos: ou tambem me
todo de doutrina, ou didatico , ou dida/calico: que vale o mef>
mo. E defle uzam comumente os bons me{tres, quando enfinam
alguma materia.
Para nam nos-inganarmos no-metodo, é necefario ter diante
dos-olhos, que nós ignoramos a efencia, de todas as coizas. On
de ignoramos, a efencia da-Materia , do-Corpo, das-Fórmas, do
Efpirito, e das-no/as me/mas ideias : é necefario antes de tudo,
pór efia advertencia. Ifto fupoto, fazem-fe quefloens indifoluveis,
a que nam podemos refponder: que fam as que dependem, do
conhecimento da-efencia das-coizas: e deflas nam falamos. Temos
alem difo quefloens foluveis, que fe-dividem em trez e{pecies :
I, poíto um atributo, progunta-fe qual é o fugeito que lhe-com
pete . II, poíto o fugeito, progunta-fe qual atributo determinado
lhe-compete . III, dado o atributo e fugeito , progunta-fe fe um
compete a outro. Trez fam as fontes donde fe-tiram, as folufoens
de todas as queftoens: Razam, Experiencia, e o Teftemunho dos
autOICS »

As leis do-metodo Analitico fam efas . Intender os vocabu


los: determinar as queftoens : feparar as partes delas : fugir de
todo o genero de equivocos : fugir das-ofcuridades : eflablecer ter
mos comuns, e claros: intender os teftemunhos é autoridades,
em que fe-funda. Alem difo, faber os requizitos que fam necefa
rios , para intrar em uma queflam : v.g. para a Iftoria, as Anti
guidades , Cronologia , Geografia &c. para a Fizica, a noticia
das-melhores experiencias &c. Ler o contexto, e ver as mais coi
zas que apontam os outros, para nam errar no-criterio. Ter pre
2entes os canones, que comumente fe-afinam, para diftinguir as
obras fupotas, das-verdadeiras. ."

O mc
32o VER DA DE IR O ME TO DO
O metodo Sintctico, ou metodo de motrar a verdade, tem
eftas leis. Nam admctir voz fem a-explicar : nam mudar o figni
ficado das-vozes: nam concluir fem evidencia : nam inferir fenam
de principios provados . Quem obterva eflas regras , pode ter a
confolafam, que tem boa Logica.
Tendo vito o modo, com que o efludante fe-deve regular;
no-metodo das-Ciencias ; fica claro, como fe-deve conter nas dif>
putas publicas, tanto argumentando, como refpondendo. Deve pois
argumentar com razoens, e nam com palavras: fugindo de fofif
mas , como indignos de um Filozofo , que finceramente ama a
verdade. Se quizer fervir-fe do-filogifmo para argumentar , pode
fazêlo. Digo porem, que muitas vezes fem filogifmo, exporá me
lhor as fuas razoens: fervindo-fe de um metodo de dialogo cur
to, e claro.
No-que toca a refbonder, fe o arguente fe-fervir de filogif.
mos, com boas razoens, pode feguir o mefino metodo : fe pois
ele comefar com o fofifma , é melhor reduzilo fóra da-Fórma,
para lhe-enfinar a argumentar . Em todo o cazo nam fe-deve dei
xar pafar propozifam ofcura , que nam fe-explique. Se V.P. obri
ga a explicar-fe um fofifa , e pôr em pratos limpos, o que quer
dizer neíta , ou naquela propozifam ; acabou-fe o fofifma . Efta
nam é ideia nova, de que fe-devam admirar os Dialeticos: eles
o-praticam todos os dias argumentando, e refpondendo. Se o que
diftingue uma propozifam, uza de termos incognitos; ou fe o que
argumenta º fe-ferve de femelhantes propozifoens; verá V.P. que
os mais advertidos Peripateticos , fam os primeiros a dizer-lhe,
que explique a propozifam , ou diftinfam. Julgo pois, que o mef
mo deve fazer qualquer defendente, que tem a infelicidade , de
ter um Dialetico por-arguente. Ponha-fe o eftudante nefte primei
ro principio , de nam deixar pafar palavras confuzas , como fa
zem os Geometras ; e verá que fe-acabam, todas as difputas :
as quais comumente verfam , fobre a diverfa inteligencia dos
termos ; e nam tem mais forfa , que aquela que lhe-dá , a
difeozifam artificial do-filogifmo . Deforteque reduzido a Proza
corrente , o que eflava armado em filogifmo , nam tem forfa
alguma -
Tenho dado em breve a V. P. uma ideia da-Logica, que po
de fer util nefte mundo, para todos os empregos . Ifto necefita
va fer provado, com mais extenfam 5 mas ifo excede o …º C
D E E S T U D A R . 321

de uma carta . Do-que aponto , compreende V. P. muito bem,


como fe-deve difpor a Logica , para fervir em todo o genero,
de bom difcurfo. Digno é de admirafam, que aja quem intenda,
que a Logica fomente deve fervir, para a Teologia : e que por
ifo a-encham, de todos aqueles termos , que fe-achãm na Efco
latica comua : e fafam uma Logica , que nam ferve para coiza
alguma. Como fe os omens fomente na Hizica, ou Teologia de
vefem difcorrer bem ; e nas outras coizas mal! Perfuado-me, que
importa igualmente difcorrer bem, em todas as materias da-vida
civil, que naquelas duas. A maior parte dos-Omens, nam feguem
aquela profifam, mas outras diferentes, e nam menos utis à Re
publica ; tanto nos-empregos altos, como baixos : e afim é ne
cefario , que tenham regras , para fe-regular em todos os feus
empregos: quero dizer na politica publica, e privada, a que cha
mam vulgarmente Economia. Cuido , que a Logica que apontei
a V. P. #minifira meios proprios, para nam fe-inganar em ideia
alguma, quanto é pofivel ao Omem evitar os inganos, nefa vida
mortal: e que por-efte principio fe-deve preferir, a todas as ou
tras. Toda a dificuldade oje confifle em determinar, qual deflas
modernas, ( porque das-Peripateticas nenhuma fe-deve ler ) pofa
fuminiftrar, as ideias que procuramos. Nifto direi a V. P. o meu
parecer, no-qual tenho alguns companheiros: vem afer, que ain
da até aqui nam tem aparecido alguma, que fatisfafa inteiramen
te, ao que dezejamos. Tenho lido quazi todas as modernas im
prefas, algumas bem raras, e tambem algumas manufcritas : e achei
que muitos copiáram-fe fielmente. Dos-outros que podemos cha
mar autores, todos tem coizas boas , e deles fe-pode tirar mui
to; mas nem tudo neles é bom : alem difo algum deles é só pa
ra omens confumados, e nam para rapazes: e fam mui difuzos.
Onde para os principiantes, afento , que ainda nam apareceo, a
Logica dezejada. E afim ferá necefario, fervinfe de alguma das
melhores , emendando-lhe os defeitos. Chegando eu aqui, veio
vizitar-me o Senhor * * * e proguntando-lhe com confiarfa de ami
go, fe fabia de alguma boa Logica ; me refpondeo, que o * *
compoz ultimamente toda a Filozofia, por-um modo excelente , que
ele tinha viflo. Proguntei-lhe que me-explicáfe, o metodo da-Lo
gica: e defpois de o-ouvir, e confiderar, afento que fe-unifor
ma muito, à minha opiniam : e pode fer que feja ainda mais cla
ro, e mais util para os principiantes, que efle que afim apon
TOM.I. Ss {C1 •
322 V E R DA DE IR O M E TO DO .
tei. Comque tem V. P. a Logica que dezejava: fabe V. P. mui
bem, de que pezo é o juizo defe amigo. Dife-me que vencidas
certas dificuldades * * faz conta impremila. Deus o-permita. Iflo |

é o que me-ocorre por-agora dizer a V. P. pedindo ao Senhor, o


conferve por-muitos anos -
* •

FIM DO PRIMEIRO TOMO.

ER
E. R. R. O S

Tendo achado que efles erros fam mais frequentes neta edifam;
-, por ifo dou uma regra geral, para fe-emendarem :
os outros notam-fe abaixo •

Achando-fe Leia-fe
engano, dezengano, enganar, de ingano, dezingano, inganar, de
Zenganar . zinganar -
comprimir, imprimir, oprimir, ad compremir, impremir, opremir
mitir, permitir, e outras vozes, * &c.
que fe-formam defles Infinitos:
tirando algumas º que o autor
eXCCUlla -
diminuir &c. deminuir &c.
entrar, encontrar, emportar, en intrar, incontrar º importar, in
formar, engenhar, engenho; e formar, ingenhar, ingenho &c.
outras vozes e nomes que defes
Il2CCII] e

parefe, conhefe &c. parece, conhece &c.


O acento que fe-acha nos monofilabos, já, lá, cá, vê, lê; tam
bem é erro do corretor: porque o autor só o-poem em dê, dá, dás,
más, pôr verbo &c. para os-diftinguir das particulas, e vozes feme
lhantes. Como tambem em pé, pés, só , e outra rarifima .

ERROS EMENDEM-SE :
Pagina 2. regra 3. tal-vez talvez
P. 3. r. II. fuperfia fuperflua
P. 4. r. 5. neceffario necefario
P. 5. r. 6. lifenfa licenfa
p. 6. r. ult. è necefario é necefario
p. 7, r. 6. pola pola pola
P. 9. r. 4. defa lingua defa lingua
r. 24. * maniera maneira
p. 1o. r. 1. neceffario necefario
r. 28. enfina enfina
P. II. r. 22. divido devido
P • I 2• I. 4 propoziçam Prepozifam
SS 2. r. 33
ERROS EMENDEM-SE.
r. 33. caracter CaratCT
I3. rº II. á mam à mam
r. 18. á memoria à memoria
I4. r. ult. à Nafam á Nafam

i
P
I 5.
I7.

zo.
r. Io.
r. 26.
difcípulos
mais mais
- r. 31. , neceffario
Tr I I•
partencentes
dicipulos
mais
necefario
pertencentes
24° 28. indo Gerundio , ou ou alguma
28. I4° Menahaã Menhaã
. 32 naqual na qual
29. I6. neceffario necefario
. ult. afim afim
3.O. I2• che que
- 22 • pronuneiar pronunciar
P. 3 I» 5. efpofta refpofta
II • Ley Hey Ley 3 Hey
• I7. fuficiente fuficiente
18. ditongo, ditongo .
- I3 difcípulos dicipulos
24° ne{tes nefas
r. 9. eftas eftar
T. I I» os feu os feus
r.penul. diver-fe dizer-fe
T •
3. COITO E COITO 1]

4 OUTO oiro
# 29. feguidas feguidas
3 I. algua alguma
27. efcrevem efcrevem
27. odifcurfo o difcurfo
27. final final
9. repouzo repoizo
* 34
28.
prepozifoens prepozifam propozifoens propozifam
mais-linguas mais linguas
I3º grofa obra voluminoza obra …
.ult. erga/tual ergaflula
28. plebejas , plebeias
1'. 29. Furetier Furetiere , • •

I. 24 de-donde
|- donde |- * *

P. 6o.
----
ERROS EMENDEM-SE .
* 6o: r. 26. efcrevo efcreveo
63. r. 7. efperar-fe efperar-fe
64. r.ult. tres {rez
68. r. 37. Coemediam Comoediam

7o. r. 2o. explicaçam explicafam


74. r. 4. Latinidade Latinidade
76. r. 27. ome{mo o me{mo .
79. r. 31. Univerfidade Univerfidade
83. r. 2.5. determinado-lhe determinando-lhe
88. r. 31. Geografia Geografia
95 - r. 4. melhores melhores
r. 2o. diftingia diftinguia
Nota Democrici Democriti |
96. r. 37. nam das nam dar
98. r. 35. fe-coflumam fe-acoftumam
P. 99. r. 1. Valeio JVelleio
IOO• r. 14. a ifloria: a ifloria º
* IO3 r. 1. da-fua da-fua
r. 4. enfinar enfinar
IO4. r. 38. de livos de livros
. II 5. r. I9. Os quer os que
. II 9. r. 17, utiliffimo utilifimo
r. 31. , o fenhor o Senhor
r. 32. tratradinho tratadinho
I26. r. 5. fenfifiveis fenfiveis
r. 7. Advogago Advogado .
I27. r. 16. tofta toda
. 128. r. 17. à afam à asám +

. I3o. r. 6. comuna COII]Ul2

# I33.
. 134
r. 3o.
r. I 6.
r. 24.
r. 25.
mifericordia
Libano
divedido
oque
mizericordia
Libano
dividido
o que
. 137. r. 2o. Panigirifa Panegírita
. I39 - Tº IO• , COII]C COITO

• IAO r. 7. primeiio primeiro

| • IA I *
. I42
- IA4
r. 18. Agoflino
r. 3. major
r. 33... arbitratus
Agoflinho .
maior
arbitratus ..
p. 145 |
ERROS EMEMDEM-SE ,
. 145. r. 23- na-gloria na gloria
r. 32. Encarnafam Incarnafam
p. 146. r. 35. divedidos divididos
p. 148. 3. temou {OITOU1

. I4, as-que as que


. 36. "menham menhan
p. 149. .29. divedir dividir
p. 25o. r. 28. divedir dividir
p. 152. r. 22. pederia pediria
p. 159. r. 15. miferave! mizeravel
p. 168. r. 25. de genere degenere
p. 17o. nota Thilofpborum Thilo/ophorum
P. 174, r. 31. confuza confuza
P. I75 . 2. Manol Manoel
P. 18o. r. 32- Trojananas Troianas
P. 184. r. 18. famozifima famozifima
. 23- frequentemeete frequentemente
p. 185. r. 5- baftaa battava
p. 189. r. 3o- deferir defirir
p. 19o. r. pen. Quantos quanto
P. 19 1. r. 35. cohecimento conhecimento
P. 192° 2. pouquifimos pouquitimos
r. 27. reprenfoens repreenfoens
r. 29. " dizerm dizem
p. 197. 2. triunfo triumfo
p. 199. r. 24. falava falava
p. 2oo. r. ult. pená pena
p. 2oz. r. 16. lhechamar lhe-chamar
P. 2O4. 4. infigne infigne
p. 2o5. r. 33. a provar aprovar
p. 3o3. r. 2. comunemente COmul1nCInte
p. 2 II. r. 4. e tratamento O tratamentO
p. 214, r. 1. juíticar juftificar
p. 217. r. 29. ofizeram o-fizeram
p. 218. r. ult. femelhanza femelhanfa
p. 219, r. 23. bem bom
p: 223, r. 21. ' todos todas
p. 226. r. 35. o-brigam o-obrigam
p. 232. r. 2. otantezimo oitentezimo º -

p. 237.
ERROS - EMENDEM-SE ,
.237. r. 7. em em CIT]

. 239. r. 9. Epigramma Epigrama


. 252. r. 36. algnm algum
. 282. r. 28. moftra-lhe moftrar-lhe
. 285. r. ult, vizinhanza vizinhanfa.
. 286. r. 23. de de de
r. 35. fiftema fiftema

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