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Resistência ao recrutamento para o

Exército durante as guerras Civil


e do Paraguai.
Brasil e Estados Unidos na
década de 1860
Vitor Izecksohn

Parte significativa das análises comparativas entre Brasil e Estados


Unidos produzidas por historiadores norte-americanos confere grande im­
portância ao tema da cultura política. Uma tradição que vai do trabalho pioneiro
de Frank Tannenbaum (1949) a alentado artigo comparativo de Richard Graham
(1981: 655) defende que os padrões históricos de evolução de cada sociedade
seriam diretamente responsáveis por diferenças acentuadas no desenvolvimento
institucional dos dois países. Sem dúvida, a força da organização de uma demo­
cracia de massas e o desenvolvimento de uma sociedade de consumidores desde

Nota: A pesquisa para este trabalho retebeu suporte financeiro do CNPq. Sou grato aos editores da revista
Estudos Históricos e aos dois pareceriSl3s pelos comentários.

Escudos Históricos, Rio de Janeiro, nO 27, 2001, p. 84-109.

84 •
Resistência ao recrutameJlto para o Exército

as primeiras décadas do século retrasado foram fatores que diferenciaram os


Estados Unidos de quase todas as outras sociedades. A questão a saber é se os
problemas relacionados à organização e administração da guerra podem ser
l
incluídos nessa perspectiva idealista. Teria a rápida ampliação dos respectivos
exércitos, em tempo de guerra, sido muito diferente nos dois casos? Em minha
opinião, os exemplos apresentados a seguir contradizem as hipóteses desses
historiadores, apontando para semelhanças muito maiores do que as possíveis
diferenças. Conseqüentemente, a trajetória política dos dois países não teria
contribuído para atitudes distintas no que concerne ao enfrentamento do
problema da escassez de soldados, durante as crises do recrutamento que ocor­
reram em períodos importantes de cada uma dessas guerras.

Os cenários

As tradições militares brasileira e norte-americana divergiram substan­


cialmente desde o período colonial, divergências essas ampliadas após as inde­
pendências. No entanto, foi através das guerras contra a Confederação (1861-65)
e o Paraguai (1864-70) que os Estados Unidos e o Brasil consolidaram, definiti­
vamente, as respectivas unidades nacionais. Parte importante de ambos os
processos passou pelo estabelecimento de exércitos nacionais pellllanentes, que
seriam independentes das influências regionais. A consolidação, mesmo que
temporária, dessas instituições afetou a operação dos sistemas de clientela, que
tinham sido importantes nas organizações militares dos dois países no período
anterior. Sem entrar em detalhes sobre os antecedentes do funcionamento dos
aparatos militares, parece ser consensual a idéia de que grandes organizações
militares, dotadas de poder e influência, não faziam parte dos planos das elites
dos dois países. Elas foram circunstancialmente necessárias, devido a problemas
surgidos durante as duas guenas, que levaram à ampliação dos exércitos de cada
país. No entanto, os esforços de guerra, nos dois casos, criaram embaraços
constitucionais cuja complexidade pretendo tentar explicar nas páginas que
2
seguem
Durante ambas as guerras, os governos brasileiro e norte-americano
defrontaram-se com os problemas proporcionados pela rápida ampliação dos
seus exércitos e agravados pela ausência de uma burocracia adequada ao recru­
tamento militar. Através da análise comparativa procurarei mostrar que, mal­
grado as diferenças quanto à cultura política, os dilemas de cada governo foram
muito parecidos. Mostrarei também que as soluções implementadas expressaram
antes os limites do desenvolvimento burocrático de cada uma das sociedades do
que perspectivas di vergentes quanto à divisão de poderes ou à idéia de nação em
ambos os países. Não obstante as diferenças quanto à cultura política, e ao caráter

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estudos históricos
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e diversidade das instituições com as quais cada governo contava, as soluções


postas em prática foram bastante similares, ainda que seus efeitos em teIlllOS da
ampliação dos direitos políticos e do funcionamento do sistema partidário
tenham diferido acentuadamente nos anos que se seguiram ao final de cada
conflito.

o p roblema

A mobilização para a guerra é sempre uma questão delicada. Ela implica


um aumento da intervenção governamental e a invasão das prerrogativas locais
a partir de autoridades distantes. Durante a Guerra Civil norte-americana e no
curso das campanhas militares contra o Paraguai, os governos americano e
brasileiro tiveram de responder a diversas questões: quais liberdades individuais
deveriam ser sacrificadas primeiro? Quais grupos sociais contribuiriam mais para
o esforço de guerra? Como o poder central poderia intervir na vida local sem
interferir substancialmente nas relações de poder estabelecidas?
Muitos desses problemas tinham sido comuns às nações da Europa
ocidental, mas nos cenários em questão eles eram agravados, porque nesses países
o exército nacional nao tinha sido essencial para o processo de construção do
- Estado. Por volta de 1860, nenhuma dessas sociedades contava com um exército
nacional de graBde porte, dependendo da cooperação de milícias organizadas nas
localidades, para a manutenção da ordem e a defesa do território. Conseqüente­
mente, essa intervenção se dava contra o pano de fundo de lideranças locais que
tradicionalmente controlaram o processo de extração de recrutas. Muitas dessas
lideranças resistiram à possibilidade de que o poder central viesse a exercer um
monopólio legítimo dos meios de coerção, tal como sugerido por Max Weber para
3
os países europeus.
Durante o curso de cada uma das guerras, a questão central do recru­
tamento foi a da transferência de forças locais para o front e sua submissão à
autoridade de um exército centralizado. Nos Estados Unidos, essa transferência
envolveu o controle do comando e do recrutamento das milícias estaduais pelo
presidente da República, interferindo com práticas consideradas como basilares
pela tradição política liberal daquele país. No Brasil, ela passou pela transferência
dos corpos da Guarda Nacional para o teatro de guerra, levando a uma alteração
profunda no papel daquela instituição. Ambos os processos demandaram al­
terações intensas, ainda que temporárias, nos procedimentos ligados ao funciona­
mento das organizações militares, e ambos fracassaram espetacularmente na
tarefa de prover os exércitos com os contingentes necessários para enfrentar
campanhas de longa duração. A tentativa de centralização tensionou as disputas
sobre o controle local do recrutamento, aumentando a politização em torno do

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Resistência ao recnltamento para o Etército

serviço militar. Esses problemas tinham tradicionalmente interferido na capaci­


dade militar dos dois países, porém, sob o impacto de campanhas militares mais
longas, revelaram-se contradições agudas, alannando os setores responsáveis pela
defesa nos dois países num nível nunca antes alcançado. Muitos grupos identi­
ficaram o alargamento do poder do Estado como um mal permanente e resisti­
ram, com os meios disponíveis, à invasão de suas prerrogativas.

A Campanha do Paraguai - a commte defogo elétl1co

A primeira onda de recrutamento para a guerra (dezembro de 1864 a


maio de 1865) forneceu um contingente que, aliado às forças de linha e às
guarnições da Marinha de Guerra, foi suficiente para expulsar as forças para­
guaias do Rio Grand!! do Sul e completar a invasão do Uruguai, em curso desde
o ano anterior. Durante essa fase das operações, o entusiasmo dos voluntários
impressionou as autoridades, muitas delas acostumadas a lidar com populações
extremamente resistentes a qualquer forma de recrutamento. Parte da motivação
vinha das características da campanha. Afinal, a invasão do território brasileiro,
sem uma declaração de guerra, gerou revolta e alimentou demonstrações patrióti­
cas em muitas regiões do Império. Chama a atenção apenas o fato de que muitas
dessas regiões tivessem pouco ou nenhum contato com os problemas piatinos.
Os exemplos de patriotismo multiplicaram-se pelas diversas províncias.
Em Alagoas, a mais de três mil quilõmetros do from, José Severiano de Mello
requereu ao presidente da província que aceitasse três filhos e três filhas como
voluntários, declarando que seus sentimentos eram devidos a "essa corrente de
fogo elétrico que me puxa para os campos de batalha para tomar parte na gloriosa
4
campanha de meus concidadãos contra os paraguaios,,! A corrente de fogo
elétrico parecia forte. Em muitas províncias, era comum que cidadãos se apre­
sentassem, trazendo protegidos, agregados e parentes para alistarem-se juntos
nos corpos recém-criados de Voluntários da Pátria. O presidente da Bahia
resumiu o otimismo desses primeiros tempos em carta ao ministro da Justiça, na
qual reclamava da falta de recursos para acolher o grande número de voluntários,
reconhecendo que: "O único limite [ao recrutamento] era devido às ordens do
governo [Imperial] ( ... ) paralisando a organização de novos corpos e estabele­
cendo que somente mais um deveria partir para o from". De outra maneira,
assegllrava, "o movimento não teria outro limite que o sentimento que o inspi­
5
rava".
Em outras províncias, esse esforço se traduzia em contribuições pe­
cuniárias. Como observado por Ricardo Salles (1990: 98-101), as doações não
eram restritas aos setores mais ricos, envolvendo também funcionários públicos,
pequenos sitiantes, alfaiates e outros cidadãos. Esse foi o caso da vila de São José

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estudos históricos. 2001 - 27

da Penha, no Maranhão, onde tanto o professor quanto o prático mor da


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localidade doaram 10% dos seus vencimentos para o esforço de guerra. O
patriotismo era reforçado pela certeza de que a precária organização militar do
Império seria suficiente para pôr fim à guerra. Através de uma batalha decisiva,
os paraguaios logo se renderiam. O presidente da província do Rio de Janeiro,
Bernardo de Souza Franco, licenciado por motivo de saúde, expressou esse
mesmo otimismo na cana em que passou a província ao seu sucessor, José Tavares
.
Bastos, observando que

o gabinete, inspirado pelo entusiasmo nacional e através


da criação dos corpos de voluntários, viu eles chegarem de todos os cantos
do Império para tomar parte nesta guerra santa. Tornou-se então uma
verdade reconhecida que o Brasil não necessita de um exército �erma­
nente numeroso para manter sua integridade e seus direitos ( .. ).
.

Apesar do entusiasmo, o governo imperial produziu algumas inovações


administrativas, antecipando os possíveis obstáculos. A primeira medida foi
acionada pelo Decreto 3.371, de 7 de janeiro de 1865. Através desse ato, foram
criados os corpos de Voluntários da Pátria. Confotme Peter Beattie (1994: 93-4)
observou, a criação dos Voluntários era parte de uma estratégia mais ampla para
tornar o Exército um espaço aceitável para brasileiros de todas as classes. Sua
criação pretendia cruzar as barreiras de região e de classe, favorecendo a naciona­
lização e a democratização do recrutamento. Para reforçar o voluntariado, o
governo imperial estabeleceu incentivos materiais, tais como: maiores salários,
menores termos de serviço, pensões e terras para os veteranos. Os homens que se
alistassem nos batalhões de Voluntários da Pátria teriam sua baixa assegurada tão
logo a guerra tivesse acabado. Essa situação contrastava com a dos recrutas
regulares, cujos termos de serviço poderiam chegar a até nove anos.
Uma segunda e mais controversa medida foi o Decreto 3.383, de 21 de
janeiro do mesmo ano. Através desse ato, 14.796 soldados da Guarda Nacional
foram transferidos para o fron!. As conseqüências dessa medida foram muito
sérias. De acordo com a Lei 602, de 19 de setembro de 1850, dado o caso de
rebelião ou de invasão repentina do território, tropas da Guarda Nacional
deveriam auxiliar o Exército de linha. Os artigos I e 117 a 134 prescreviam
exatamente os procedimentos implementados pelo Estado imperial a partir de
1865. No entanto, essa lei não era clara em relação ao prosseguimento dessa
8
cooperação quando a campanha fosse levada para o território de um outro país
Foram feitas exceções às tropas gaúchas, mas essas serviam em áreas fronteiriças,
normalmente por períodos bastante limitados, sob o comando dos mesmos chefes
locais que as haviam recrutado. As unidades do Rio Grande do Sul subordi­
navam-se ainda a um regulamento especial, o Decreto 520, de 14 de fevereiro de

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Resistência ao recnltamento para o Exército

1850, que regulamentava uma qualificação especial para as Guardas Nacionais


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das províncias limítrofes com os estados vizinhos. Quando o governo imperial
designou guardas de províncias não fronteiriças para servir em território es­
trangeiro, colocando-os sob o comando de oficiais profissionais pelo período de
duração da guerra, ele tocou numa área bastante sensível, porque aquela insti­
tuição era um bastião do poder local. Ser um membro da Guarda era uma das
melhores desculpas que um homem livre podia oferecer para escapar ao recru­
tamento. Sob a proteção da Guarda muitos indivíduos podiam evitar os procedi­
mentos brutais associados ao recrutamento. Por outro lado, o prestígio de muitos
chefes locais era tradicionalmente associado à proteção que podiam proporcionar.
Ao transferir corpos da Guarda para o from externo e subordiná-los ao Exército,
o governo imperial interferia diretamente na autoridade desses homens. Essa
autoridade era sancionada pelo costume e por uma série de leis não escritas,
10
aceitas como tradiçao.
Apesar das medidas extremas, o impacto da transferência de Guardas
Nacionais não foi sentido imediatamente. A fragilidade da organização militar
brasileira ficou evidente apenas após a batalha de Curupaiti, em 22 de setembro
de 1866. A derrota naquela batalha paralisou a campanha, criando um estado de
grande perplexidade entre as tropas brasileiras estacionadas no Sul do Paraguai.
Mas a paralisia apenas acentuou circunstâncias que vinham sendo observadas
desde a segunda metade do ano 1865. Se o entusiasmo popular tinha sido a marca
dos estágios iniciais do recrutamento brasileiro, sua abrangência parece ter sido
superdimensionada, pois deserções foram comuns desde o princípio, crescendo
no decorrer da guerra. O fogo elétrico já não queimava com a mesma intensi­
ll
dade.

A marcha da cJJasão

Em contraste com o entusiasmo dos primeiros meses, os problemas no


recrutamento são uma constante nos relatórios e cartas dos presidentes de
província escritos a partir de 1866.
O presidente de Minas Gerias produziu um quadro detalhado das suas
dificuldades, na tentativa de justificar os péssimos resultados obtidos naquela
província, uma das mais refratárias ao recrutamento em todo o Império. Em carta
confidencial, ele se queixou ao ministro da Guerra sobre a falta de estrutura para
alojar convenientemente aqueles que deveriam seguir para a Corte, enfatizando
que: "Na prisao eles recebem visitas de pessoas importantes que os aconselham
a resistir aos guardas, forçar as portas e fugir". Esse presidente explicava que a
sabotagem partia de pessoas importantes da sociedade mineira, incluindo padres,
médicos e juízes da paz, que acreditava estarem movidos pela antipatia à Liga

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estudos históricos. 2001 - 27

Progressista, então no poder. No entanto, é mais provável que obedecessem às


suas próprias redes de relações pessoais, libertando agregados, parentes e conhe­
cidos cuja lealdade lhes era muito mais importante que os compromissos com a
guerra.
Por pior que fosse a falta de confiança na condução da guerra, ela não era
tão chocante quanto o destino daqueles recrutas que finalmente seguiam para a
capital do Império. Os trechos mais impressionantes daquela confidencial são
aqueles onde foram detalhadas as condições em que os recrutas marchavam. Ao
discutir esse aspecto da questão, Vicente Pires da Mora oferece algumas das mais
contundentes imagens sobre o grau de apoio popular à deserção. Ao descrever o
risco de motim ao longo da marcha entre Ouro Preto e a Corte, ele justificava o
uso de correntes, mesmo levando em consideração o forte impacto que a visão de
recrutas algemados podia ter sobre a população ao longo dos caminhos: "Dei
ordens para que as algemas sejam retiradas em Petrópolis, para evitar que eles
cheguem à Corte algemados, como partem dos diversos pontos de onde são
enviados. "
Esse presidente lamentava o uso de práticas tão bizarras, mas reconhecia
que sem elas seria virtualmente impossível entregar os voluntários na Corte.
Respondendo à sugestão do ministro de que, para manter as aparências, as
algemas poderiam ser retiradas cada vez que passassem por alguma vila, o
presidente reclamou:

Sempre que precisássemos desacorrentá-los preci­


saríamos de um ferreiro, mas onde encontrá-lo? De qualquer modo,
nessas vilas, fugas seriam inevitáveis. Qualquer habitante, qualquer
fazendeiro e mesmo qualquer autoridade tentaria esconder aqueles que
pudesseY

Teria de fato havido um contraste entre as motivações dos primeiros


meses e a resistência a partir do segundo ano da guerra? Para responder a essa
pergunta é necessário observar os relatórios provinciais que apresentam o fluxo
de recrutas para a Corte. Num dos poucos quadros comparativos disponíveis, o
presidente de Alagoas observou uma grande disparidade entre o número total de
indivíduos alistados naquela província e aqueles que efetivamente foram en­
viados para a guerra.
A terceira coluna permite a comparação entre o número originalmente
recrutado e aqueles que foram efetivamente remetidos para a Corte, demons­
trando que, mesmo no começo das operações, a evasão era um fato significativo.
Durante o primeiro ano da guerra, quando os relatórios provinciais esforçavam­
se para demonstrar o melhor cenário possível, a evasão total em Alagoas estava
acima dos 30%.

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Resistência ao recrutamento para o Exército

Tabela 1
Recrutamento na Província de Alagoas, 1865

Apre- Enviados Percentagem da


sen· para a evasão por
tados Corte cate orla

Voluntários 134 129(%,3%) 3,73

Guardas nacionais
101 73(72,3%) 27,72
destacados

Recrutas 680 422 (61,9%) 38,08

Libenos 26 26(100,0"10) 0,00


To"" 941 650(69,2%) 30,92

Fome: Relatório da Província de Alagoas, 1865.

A situação em Alagoas não parece atípica, quando observamos outras


províncias_ De um total de 910 guardas maranhenses designados em 1865,
somente 546 (60%) embarcaram para o Rio. De 12 guardas que marcharam da
vila de Tutóia naquele ano, somente um se apresentou em São Luis.
A análise dos números apresentados pela província de São Paulo mostra
um crescimento substancial dos segmentos nao voluntários a partir do segundo
semestre de 1865.
Assim, na fOIlnação do segundo e terceiro corpos do Exército, a porcen­
tagem das rubricas "recrutas" e "guardas nacionais designados" sofreu um
considerável acréscimo, quando comparada às rubricas "voluntários da pátria" e
13
"voluntários", que preponderaram nas primeiras levas.

Tabela 2
Soldados recrutados em São Paulo de outubro de 1866 a maio de 1867

Fome Número %
-r
Voluntários 87 6,5
Voluntários para o Exército 81 6,1
Voluntários para a Marinha 51 3,8
Recrutas 693 52,0
Guardas nacionais destacados 419 31,6
Total 1.331 100,0

F01JU: Relatório da Província de S. Paulo, 1867.

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Mesmo no Rio Grande do Sul, tradicional provedor de tropas e animais,


a situação deteriorou-se rapidamente. Numa carta ao ministro da Guerra, em
novembro de 1866, o general Osório, o mais prestigioso líder militar liberal
daquela região, descrevia a precariedade da situação: "Muitas pessoas estão -

escondidas nas matas enquanto outros se refugiaram no Estado Oriental. E muito


14
dificil reunir estes elementos dispersos".
Um problema comum a quase todas as províncias era o alto grau de
politização na designação dos guardas nacionais. A expansão do Exército não
ocorria em paralelo com o crescimento de uma burocracia especializada. Uma
alternativa às demandas crescentes era o recrutamento de adversários políticos.
Os presidentes de província indicavam partidários políticos que se esmeravam
em recrutar os adversários. O presidente de Minas Gerais advertiu que os
trabalhos de qualificação eram bastante irregulares, "ditados pelo espírito de
partido" (RMPG, 1865: 22). No entanto, é preciso notar que essa prática foi
comum a todos os partidos, conforme observou na mesma época Joaquim Manoel
de Macedo, um influente conselheiro imperial: "Nenhum partido ou facção pode
jogar pedras na outra. Todos eles empregam o recrutamento forçado com o fim
lS
imoral de oprimir o povo pObre".
De fato, os pobres eram o principal alvo do recrutamento, que tinha sido
tradicionalmente centrado em um grupo específico: os pobres indesejáveis, quer

dizer, migrantes, mendigos, vadios, em suma, aqueles que não gozavam de algum
l6
tipo de proteção Mas o volume exigido pela Guerra do Paraguai forçou a
algumas modificações na relação entre o governo central, os chefes locais e os
seus agregados. O esforço de guerra forçou 11m número expressivo de agregados
e protegidos para dentro das fileiras do exército. Isso muitas vezes era feito contra
a vontade dos seus protetores, causando grande constrangimento nas localidades.
O resultado imediato foi um aumento espantoso do número de deserções que,
pelo final de 1866, tornou-se um fenômeno nacional. Partidários dos grupos
selecionados em cada comunidade viam o recrutamento como perseguição
política. Conseqüentemente, as disputas sobre quem deveria ou não servir
erodiram a posição da Guarda, demonstrando a sua falta de potencial para ajudar
o país no caso de uma guerra mais intensa. O relatório do Ministério da Justiça
de 1867 claramente reconheceu essa deficiência, enfatizando: "A experiência da
guerra atual confirmou a necessidade de refoIllla da Guarda Nacional. Essa
milícia, que foi criada para defender a ordem e as liberdades públicas, encontra-se
muito longe da sua finalidade" (RMJ, 1867: 4).
A deserção, individual ou coletiva, expressava a insatisfação com a lei e
atrapalhava os esforços dos recrutadores. Seguiu-se um grande número de
rebeliões contra o recrutamento. Essas revoltas expressaram a desilusão de vários
setores com a intromissão de agentes do governo nas suas vidas particulares.

92 •
Rcsistêllcia ao recnltamCllto para o Exército

Muitas delas contaram com o apoio de importantes autoridades locais, que não
viam com bons olhos a interferência do poder central. Sob o impacto de forças
externas, a resistência pela inércia deu lugar a manifestações coletivas violentas.
Isso acontecia porque o recrutamento interferiu em lealdades estabelecidas, que
assumiam a forma de contratos privados entre os chefes locais e seus agregados.
Quando a autoridade local mostrou-se impotente para impedir o recrutamento,
uma explosão de rebeliões buscou retirar os recrutadores das localidades, res­
taurando as condições de convivência previamente existentes. Nenhuma dessas
rebeliões atingiu o nível das revoltas provinciais dos anos 1830, mas algumas
)7
delas afrontaram, seriamente, a execução do poder governamental.
Não havia um padrão definido para a eclosão da violência. Alguns
episódios expressaram a aversão individual ao recrutamento, tal como ocorrido
na cidade de Penedo, Alagoas, no dia 13 de outubro de 1866. Num típico
confronto pessoal, Albino Vieira de Castro, um guarda nacional designado,
matou a pranchadas de espada Manoel Leandro do Nascimento, o segundo
tenente encarregado do recrutamento. O assassinato teve lugar numa praça
pública, quando Albino recebeu voz de prisão (RMJ, 1867: 4).
Muitas vezes a resistência opunha vizinhos, divididos pelas linhas par­
tidárias. Enquanto alguns tentavam executar as ordens do governo, outros
resistiam a elas. Isso aconteceu na cidade de Imperatriz, em Alagoas, onde um
inspetor de quarteirão foi morto enquanto recrutava. Na localidade de Maiobá,
no Maranhão, um garoto foi morto por uma bala perdida do tio de um outro
recruta, que resistia à escolta (RMJ, 1967: 4).
Outras vezes, a resistência unia toda a comunidade contra os recru­
tadores. Nessas ocasiões, a ação podia chegar a um estado de rebelião aberta, como
aconteceu na cidade de Pacatuba, em Sergipe. Muitos desertores estavam escon­
didos nas matas. Uma patrulha foi enviada para recapturá-Ios. O que se seguiu
foi descrito como uma "luta tenaz", durante a qual três pessoas morreram, entre
elas a mãe de um dos foragidos (RMJ, 1866: 4).
Nenhum conjunto de ações minou a autoridade imperial de uma forma
tão intensa quanto os ataques a escoltas e cadeias.
De 1866 a 1868, os relatórios do Ministério da Justiça estão repletos de
casos que se multiplicaram na medida em que aumentou a demanda por recrutas.
Alguns desses incidentes resultavam de rumores sem fundamento. Este foi o caso
em Mar de Espanha, Minas Gerais, onde alguns portugueses que trabalhavam
na estrada União e Indústria atacaram a prisão. Eles supunham, erroneamente,
que alguns concidadãos tinham sido ilegalmente recrutados. O ataque visava a
impedir que marchassem para o Rio. O delegado e alguns dos soldados em serviço
na delegacia ficaram seriamente feridos enquanto resistiam ao inesperado ataque
(RMJ, 1866: 4).

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estudos hist6ricos .2001 - 27

Gráfico I
Ataques a cadeias - 1867 - Percentagem por regiáo

Sudoeste

Norte •

Sul

Nordesle I

10 30 50 70

Fonu: Relatório do Ministério da justiça, 1868.

Algumas vezes, após serem capturados, os recrutas conseguiam escapar


no caminho para a prisão. Esse foi o caso de São João Del-Rei, Minas Gerais, onde
um grupo de 17 recrutas e desertores recapturados se amotinou contra a escolta,
o que resultou na morte de uma pessoa e em três feridos. Outras vezes, os ataques
partiam dos próprios desertores, que organizavam grupos de resgate. No distrito
de Cruz do Espírito Santo, Rio Grande do Norte, o que foi descrito como "um
grupo de desertores e criminosos" atacou uma escolta do recrutamento e a cadeia
,

locai, libertando todos os prisioneiros. Na paróquia de Aguas Belas, em Pernam-


buco, um soldado foi morto quando grupos armados atacaram a patrulha (RMJ,
1868: 7).
Em certas ocasiões, esses ataques eram comandados por parentes dos
recrutas. Algo que havia começado como um simples ato de defesa acabava
evoluindo para um protesto contra o recrutamento. Na cidade de Icó, Ceará, um
grupo numeroso de parentes e amigos libertou o guarda nacional designado.
Satisfeita com o sucesso da ação, a multidão desfilou em triunfo pelas ruas da
cidade carregando o homem libertado. O presidente daquela província culpou a
linguagem pouco conveniente da imprensa conservadora, que segundo ele, tinha
como finalidade "( ...) desmoralizar a guerra e derramar na população o gérmen
da resistência". Cinqüenta praças foram enviados para "restaurar ali a força moral
18
da autoridade".

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Resistência ao rccnltamento para o Exército

Normalmente, os revoltosos valiam-se do apoio das autoridades locais.


Este apoio podia ser indireto, como na vila de Pau D'Alho, em Pernambuco. Um
grupo de homens armados atacou a cadeia, libertando 34 pessoas, entre recrutas
e presos comuns, e matando três sentinelas. Os desertores buscaram refúgio nas
matas em volta do engenho do tenente coronel Luiz Albuquerque Maranhão,
que foi indiciado como o principal mandante do movimento (RMJ, 1866: 3) .

Outras vezes, o envolvimento podia ser mais direto. Isso aconteceu em Aguas-
Belas, Pernambuco, onde o segundo tenente da Guarda Nacional Manoel Caval­
canti de Albuquerque Barão, seguido por vários indivíduos, assaltou a cadeia
local para liberar um recruta (RMJ, 1866: 3). Muitas vezes, a ação coletiva era
seguida pelo envolvimento de autoridades, como ocorreu no distrito de São
Caetano da Raposa, Pernambuco, onde parentes do guarda nacional Joaquim
Manoel Outeiró atacaram a cadeia municipal para libertá-lo. Manuel foi solto
durante a luta, mas outro membro da família, Antonio Leite Lima, que havia
comandado a ação, foi aprisionado. Imediatamente, dois grupos se apresentaram
em frente à casa do chefe de polícia para demandar a sua libertação: um era
comandado pelo juiz de paz e o outro por um segundo tenente da Guarda. Ao
falharem no intento de libertar Antonio, eles invadiram a cadeia (RMJ, 1866: 3).
Na vila de Imperatriz, Pernambuco, o tenente coronel Joaquim da Silva Corrêa
apelou ao chefe de polícia pela liberdade de um dos seus soldados. Não con­
seguindo o seu objetivo por "meios pacíficos", o mesmo tenente coronel reuniu
150 homens e, em aliança com o subdelegado, atacou a cadeia, sendo impedido
por 19 guardas nacionais que se mantiveram leais ao delegado de polícia,
repelindo o ataque. Usando de seu prestígio social, esse tenente atacou a vila
uma segunda vez, sendo seguido por uma multidão que incluía familiares e
amigos. O bando realizou o que foi descrito como "uma série de depredações",
mas não foi possível descobrir se conseguiram libertar o guarda designado. De
acordo com o Relatório do Ministério da Justiça, "este espírito vertiginosos não
se coaduna[va] com o espírito pacífico dos brasileiros, e não poderia perdurar
( .)
.. ".

Depois de enfrentar todos os problemas trazidos pelas designações, o


presidente de São Paulo reconheceu amargamente a ineficácia da Guarda num
comentário cético:

Desde que foi convertida para a sua presente finalidade


a Guarda Nacional tornou-se muito opressiva para a maioria da popu­
lação. Atualmente foi preciso banir todas as esperanças associadas à
expressão nação em armas ( ... ) A experiência da guerra atual apagou todas
as ilusões ( ... ) A resistência oferecida pela inércia é pior do que aquela
oferecida pela violência. (RMJ, 1868: lI)

95


estudos históricos. 2001 - 27
_.

A Guerra Civil americana: do voluntarismo à conscrição

Quando a Guerra Civil americana começou, a capacidade do Norte para


estabelecer um exército forte estava limitada pelas rradições da cultura cívica
norte-americana. A maioria dos americanos era historicamente hostil à idéia de
um exército permanente e centralizado, assim como tinha sido historicamente
hostil a um Estado centralizado e a autoridades centrais tributadoras. Localismo,
militarismo e liberdade individual eram prezados acima de quase todas as outras
questões. A interferência governamental nessas questões era vista com preocu­
pação pela maioria dos cidadãos. Como assinalado por Alex de Tocqueville (1969:
228), o recrutamento compulsório era tão contrário aos hábitos do povo dos
Estados Unidos que "eu duvido que qualquer pessoa arriscaria algum dia intro­
duzir esta lei".
No decorrer do século XIX, a principal força militar era aquela fornecida
pelas milícias estaduais. O exército profissional era pequeno, variando entre
quatro e 16 mil homens, espalhados em vários destacamentos nas fronteiras. Os
estados detinham a responsabilidade pelo recrutamento das tropas quando
alguma situação o requeria. Os governadores de cada estado tinham o controle
virtual de todo o processo. Para manter esse controle, os governadores baseavam­

se no sistema partidário e numa cadeia de lealdades locais, que historicamente
tinha constituído a principal fonte de soldados. Vale ressaltar que grande parte
da liderança política do país, na época da Gutna Civil, tinha servido em
companhias da milícia durante a juventude, incluindo o presidente Lincoln e
boa parte dos seus secretários de governo.

o NOIte e a mobilização inicial

Quando forças confederadas atacaram o Forte Sumter na Carolina do


Sul, no dia 12 abril de 1861, fizeram mais do que iniciar a guerra, elas conseguiram
unir a opinião pública do Norte, que estava muito dividida desde a eleição
presidencial. O patriotismo cresceu com o ataque e, com ele, o estímulo ao
alistamento voluntário. Durante os dois primeiros anos da guerra, a maioria dos
que se alistaram o fizeram por livre escolha. O secretário da Guerra da União,
Simon Cameron, refletiu o entusiasmo inicial no relatório da sua pasta: "Aqui
cada homem tem um interesse [pessoal] no governo e acorre em sua defesa
quando perigos o assaltam". 19
No dia IS de abril, Lincoln convocou 7S mil soldados para alistarem-se
por três meses de serviço. Essa convocação inaugurou a mobilização do Norte
para a guerra, mas também expressou um cálculo pouco realista das dimensões
do conflito. Da mesma forma como aconteceria durante a Guerra do Paraguai,

96
Resistência ao recrutame1Jto para o Exército

alguns anos depois, as primeiras convocações produziram grandes demons­


trações de patriotismo, cujo enrusiasmo surpreendeu mesmo aqueles obser­
vadores acostumados ao ímpeto voluntário da sociedade norte-americana. Re­
uniões de apoio à causa da União foram realizadas pelo país afora. A febre da
guerra estendeu-se a todas as idades e classes, cruzando as linhas partidárias. Na
cidade de Keokuk, no estado de Iowa, um jornal local refletiu esse estado de
espírito em abril de 1861, observando que alguns cidadãos declararam publi­
camente já nao se reconhecer como democratas ou republicanos, mas como
amantes da liberdade e partidários da Constiruição dos Estados Unidos, "tal
como estabelecida pelos fundadores do país" (apud Sterling, 1974: 31). Henry
Tapen, um importante quadro republicano, expressou o mesmo espírito quando
escreveu à Lincoln: "Não somos mais democratas ou republicanos. Nós estamos
sob uma única bandeira-a gloriosa bandeira da União" (apud McPherson, 1997:
20
16)
Nessa etapa, a organização das tropas encontrava-se totalmente nas mãos
dos governadores. De acordo com David Osher (1992: 95), esse estado de espírito
refletia a "privatização das responsabilidades cívicas", ou seja, um compromisso
entre a frágil organização do governo federal e o poder das comunidades. Mas
essa cooperação era facilitada pelo fato de que, no início da guerra, todos os
governadores dos estados leais eram republicanos, representando ao mesmo
tempo organizações estaduais e a coalizão nacional que levou Lincoln para
Washington. Esses governadores competiam para apresentar cotas cada vez
maiores de soldados, enquanto milhares de voluntários acorriam para se alistar
antes que a guerra acabasse. As capitais dos estados leais tomaram-se grandes
21
acampamentos durante os primeiros meses. O governador de Ohio, William
Dennison, respondeu à primeira convocação de uma cota de 13 regimentos,
informando que uma cota muito maior havia sido obtida e observando que "sem
que se reprimisse seriamente o ardor popular seria muito difícil parar antes que
20 regimentos tivessem sido organizados".
Apesar de controlarem o processo de recrutamento, os governadores
dependiam da boa vontade dos chefes locais, que aspiravam tornar-se oficiais nas
companhias recém- fOIlIladas. No plano local, o recrutamento estava relacionado
com a popularidade desses notáveis, cujo prestígio era fundamental para que
novos regimentos fossem criados e equipados. Na falta de uma burocracia
nacional, o empenho pessoal e as estruturas partidárias locais forneciam as
melhores fontes para um recrutamento bem-sucedido. Essa dependência foi
observada na retórica de uma convenção republicana local, em 1862, que infor­
mou ao presidente Lincoln que: "A organizaçao republicana, em todos os seus
princípios e práticas, e por todos os seus membros, encontra-se empenhada na

97
estudos históricos .2001 - 27

preservação da União e na derrota da rebelião. Ela é o poder do Estado e o poder


n
da nação"
O localismo era tão forte que, na maioria das companhias, os oficiais eram
recrutados nas mesmas comunidades dos soldados, o que aumentava o grau de
paroquialismo envolvido no recrutamento. Conseqüentemente, ambos, a cadeia
de comando e um complexo sistema de parentesco, governavam as relações
hierárquicas militares no interior dessas unidades. Esses laços eram reforçados
na prática, comum no início da guerra, de eleição dos oficiais de baixa-patente.
Como James McPherson (1987: 54) sublinhou: "Na tradição americana, (... ) os
soldados cidadãos permaneciam cidadãos mesmo quando se IOrnavam soldados.
Eles votavam para o congresso e para governadores; por que não deveriam eles
votar para capitães e coronéis?"
O orgulho local e étnico reforçava os vínculos de camaradagem entre
soldados, cuja grande maioria era branca e protestante. O medo de adquirir uma
reputação de covardia nas suas comunidades de origem forçava muilOs a superar
o medo e lutar junto com amigos e vizinhos. Essa forma particular de disciplina
era reforçada pelo falO de que muitas unidades eram organizadas a partir de
atividades comunitárias, tais como: associações antialcoólicas, escolas domini­
cais, igrejas etc. Em outros casos os regimentos eram diretamente recrutados em
comunidades étnicas específicas, reforçando os vínculos entre as comunidades
imigrantes e o orgulho local. As relações entre os primeiros voluntários e suas
comunidades permaneceram fortes até o final da guerra. Elas mantiveram muitos
dos veteranos empenhados na causa da união, aliando o prosseguimento da
23
guerra com um senso forte de identidade de grupo

Problemas

As dificuldades para organizar um exército começaram a aparecer assim


que os primeiros regimentos foram reunidos nos campos. A tradição mili tar
norte-americana, o facciosismo político e a falta de estrutura, aliados à falta de
equipamento militar adequado e à má administração, contribuíram para uma
deterioração rápida das condições nos campos. Após as primeiras batalhas, as
concepções românticas sobre glória e heroísmo rapidamente se dissiparam. A
Guerra Civil introduziu novas tecnologias de armas de longo alcance que IOr­
naram obsoleta a concepção napoleônica de baralha decisiva. As novas armas
reforçaram a capacidade defensiva, favorecendo os confederados nos confrontos
direlOs. Essas circunstâncias prolongaram a guerra, multiplicando o grau de
severidade das baixas para além de qualquer patamar conhecido. Elas também
transformaram a natureza da guerra, de forma que os exércitos foram obrigados
a empreender períodos longos e constantes de terror e violência, em que a

98
Resistência ao recrutamento para o Exército

infra-estrutura civil de transportes, indústrias e agricultura tornaram-se alvos


críticos. Ilustrações e gravuras feitas nos campos de batalha e publicadas nos
magazines expunham as realidades da guerra para populações muito distantes
dos combates. Dessa forma, as comunidades do Norte logo estavam bem infor­
madas sobre os riscos enfrentados por aqueles que se alistavam. A circulação de
listas de baixas também contribuiu para o decréscimo do entusiasmo, uma vez
que elas mostravam que grande parte dos soldados morria devido à ação de
doenças infecciosas, que avançavam em razão da falta de boas condiçoes
. .
samtanas nos campos.
,

Durante o inverno de 1862, o recrutamento no Norte foi praticamente


paralisado. A maioria dos recrutas potenciais estava com medo de sofrer as
conseqüências da falta de cuidados. O medo de perder a chance de ajudar amigos
e parentes nas colheitas também contribuía para arrefecer o ímpeto guerreiro,
pois a guerra não seria curta como fora apregoado nos chamados iniciais. Aliada
a tudo isso havia uma inflação crescente, que contrastava com os salários
congelados dos soldados. Na medida em que a guerra se arrastava, a permanência
no Exército tornava-se mais custosa para os familiares na retaguarda. Ela também
impedia os indivíduos alistados de aproveitar as oportunidades oferecidas pelo
bool/l econõmico que se alastrou em muitas partes do Norte, como conseqüência
das demandas cada vez maiores da guerra. As eleições do segundo semestre de
1862 refletiram a insatisfação popular. O Partido Democrata ampliou considera­
velmente a sua representaçao no Congresso e nos legislativos estaduais conquis­
2
tando também os governos dos estados de Nova Iorque e Nova Jersey. 4
A crise no recrutamento, aliada à resistência confederada, levou os
membros da coalizão no poder a perceber que seria preciso tomar medidas
drásticas para ganhar a guerra, entre as quais incluía-se o reforço do poder
federal. "Esses inimigos precisam entender", Lincoln explicou a August Bel­
mont durante o verão de 1862, "que eles não podem experimentar dez anos
tentando destruir o governo e, se eles falham ( ... ) voltar para a União ilesos"
(apud Nevins, 1960: 166). Nos dois anos seguintes, uma guerra entre exércitos se
tornaria um conflito entre sociedades, levando ao aniquilamento das forças
confederadas. Essa transformação implicou enormes mudanças na organização
do Exército norte-americano assim como na estrutura do governo americano,
especialmente no que se refere ao escopo da capacidade federal para recrutar,
interferindo em tradições e práticas de comunidades grandes e pequenas através
do país. O governo federal centralizou decisões a um nível sem precedentes,
estendendo o alcance do recrutamento a ponto de incluir um grande número de
cidadaos que não se alistariam voluntariamente. Silas Wright, um assessor do
governador republicano de Indiana, expressou a transformação desse estado de
espírito na mente daqueles diretamente envolvidos nos esforços militares: "Nós

99
estudos históricos. 2001 - 2 7

aprendemos C ... ) que a guerra era uma instiruição tão bárbara que não podia ser
conectada aos princípios democráticos da nossa autoridade civil" Capud Osher,
1992: 233).
No outono de 1862, os líderes da União estavam enfrentando um dilema
parecido com aquele que os burocratas do Império iriam confrontar quatro anos
depois: mudar sua estratégia ou parar a guerra. A decisão foi no sentido de tornar
a guerra ainda mais violenta, o que demandou um alto grau de cooperação das
comunidades do Norte e um governo central forte o suficiente para garantir que
essa cooperação acontecesse. Ainda que houvesse muitas semelhanças entre os
dilemas brasileiro e norte-americano, Lincoln contava com uma estrutura muito
mais sofisticada para enfrentar as dissensões políticas. O destino do Partido
Republicano estava amarrado à derrota da Confederação. Conseqüentemente, o
Partido Republicano funcionou como a força motriz que cimentou a aliança entre
os governadores de estado e o governo federal. Na falta de uma estrurura
burocrática adequada, o partido forneceu a melhor alternativa para aumentar a
capacidade extrativa do governo, limitando os impulsos centrífugos nos estados
e transformando a guerra naquilo que um autor definiu como "uma empresa
25
modernizadora" CLevine, 198 1 : 830)
Os congressistas republicanos buscaram uma legislação mais
abrangente, que previa um aumento substancial do controle do governo federal
sobre o recrutamento. Em 16 de fevereiro de 1863, o senador Henry W ilson
apresentou um projeto que visava a dar ao governo federal poderes excepcionais
para o alistamento de tropas. O projeto foi alvo de muitas críticas dos dois
partidos, que não impediram no entanto a sua aprovação por uma maioria fiel.
O Enrollment Act, como essa lei ficaria conhecida, foi sancionado pelo presidente
Lincoln em 3 de março de 1863. Essa medida deu ao presidente poderes para
criar e organizar regimentos sem a assistência dos estados e tornou todos os
homens entre 20 e 35 anos e todos os homens casados entre 35 e 45 anos sujeitos
ao recrutamento militar. Num passo ainda mais radical, a lei absorveu as milícias
estaduais dentro das forças nacionais. Esse estatuto centralizou e militarizou o
recrutamento, estendendo sua abrangência para muitos grupos que, como os
funcionários públicos estaduais, haviam sido previamente isentos. As eleições de
oficiais e outros vínculos democráticos entre os soldados e as suas comunidades
foram severamente reduzidos ou suspensos. Os soldados também perderam a
capacidade de escolher as suas unidades porque o serviço militar tornou-se
repentinamente compulsório, nacional e burocrático. Refletindo a mudança, um
senador republicano defendeu a supressão dos procedimentos democráticos e a
introdução no Exército de disciplina puramente militar, argumentando que: ( .. ·t
"

2
exércitos controlados pelo sentimento democrático não passam de uma turba".

1 00
Resistência ao recnltamento para o Exército

A mudança mais significativa veio com a designação dos agentes recru­


tadores federais (provoSl marsha/s), subordinados a um agente geral em Washing­
ton. Esses agentes tinham poderes militares, podendo exigir que se realizasse um
sorteio nos distritos que não obtivessem a cota mínima. Eles tinham pemlÍssão
para definir traição e conter qualquer oposição ao governo federal. De acordo
com Iver Bernstein, o Enrollment Act, mais que qualquer outra legislação, "(... )
trouxe a presença do governo federal para a comunidade, o local de trabalho e o
27
lar, envolvendo todos os aspectos da vida da classe trabalhadora".
As comunidades do Norte reagiram ao impacto das novas demandas por
soldados de formas diferentes. Algumas levantaram fundos para a contratação de
substitutos, outras, para pagar a taxa de trezentos dólares para comutação. Mas
essa estratégia só era válida para as cidades e vilas mais ricas. Nas áreas mais
pobres, o resultado imediato foi uma onda de protestos que estourou durante o
verão daquele mesmo ano em várias cidades da costa leste e em alguns estados
do Meio-Oeste. Essas comunidades viam os novos parâmetros como um instru­
mento da hegemonia política do Partido Republicano e do poder econômico de
industriais e comerciantes. Para eles, o recrutamento compulsório penalizaria
principalmente os democratas, os pobres e os imigrantes. Acusações de incom­
petência, desonestidade e imoralidade política proliferaram contra a nova
máquina recrutadora. Robert Sterling, analisando a situação nos estados do
Meio-Oeste, demonstrou ter havido uma correlação forte entre a resistência
popular e as variáveis classe, filiação partidária e religião. Os condados de­
mocratas com menor renda e maiores percentagens de imigrantes, especialmente
irlandeses e alemães, tinham maior possibilidade de sofrer distúrbios do que as
comunidades afluentes da mesma região. A resistência foi mais forte nos estados
de Wisconsin, Illinois e Indiana, no Meio Oeste. Nessas áreas, a resistência
popular variou dos protestos na imprensa até a insubordinação aberta, incluindo
ataques às pessoas e propriedades dos agentes federais. Normalmente os revol­
tosos visavam os livros e as listas que continham os nomes daqueles sujeitos à
conscrição, mas muitas vezes os distúrbios podiam ser tão ou mais violentos do
que aqueles que ocorreram no Brasil. Trinta e oito agentes federais foram mortos
em emboscadas ou por linchamento durante a guerra. Conseqüentemente, mui­
tos agentes passaram a visitar os condados acompanhados de escoltas armadas,
para escapar à fúria das multidões, o que aumentava ainda mais o ressentimento.
Na região carbonífera da Pensilvânia, o recrutamento foi usado como uma arma
política das grandes mineradoras contra os sindicalistas, levando a greves e outras
28
manifestações contra a sua extensão.
Um dos mais dramáticos episódios de resistência contra a federalização
do recrutamento ocorreu na cidade de Nova Iorque, em julho de 1863. Durante
cinco dias, multidões armadas interromperam a execução da primeira conscrição

101
estudos históricos. 2001 - 27

federal, desafiando a autoridade federal na mais importante cidade dos Estados


Unidos. Os manifestantes voltaram seu ódio contra os republicanos e os negros,
o que resultou na morte de mais de cem pessoas e na destruição de prédios
públicos e propriedades, entre eles um orfanato para crianças negras. Os distúr­
bios tiveram origem na situação política e no ambiente social da cidade, mas
foram potencializados pelas circunstâncias da guerra, especialmente pelas ofen­
sas resultantes da iminência de um recrutamento forçado cujo peso, acreditavam,
iria recair sobre os ombros dos habitantes mais pobres da cidade. Para alguns dos
participantes, os distúrbios significaram um conflito político entre os imigrantes
democratas e os reformistas republicanos. Para muitos observadores, eles eram
simplesmente um desafio às novas regras e leis decorrentes da guerra.
De acordo com Iver Bernstein, a principal autoridade contemporânea
no assunto, os distúrbios podem ser vistos no contexto de um processo sem
paralelo de mudanças urbanas com ramificações nos níveis regional e nacional.
Um aspecto importante foi proporcionado pelas disputas sobre o controle do
mercado de trabalho. Analisando a situação, um editorial do New York Tribltlle
publicado pouco depois dos motins fornece uma indicação de como os partici­
pantes se sentiram: "A turba exulta na crença de que se ela falhou nos seus
objetivos, pelo menos conseguiu assegurar a posse do [mercado de] trabalho na
cidade, expulsando os negros para buscar trabalho em outras paragens" (apud
Foner e Lewis, 1969: 22).
No plano nacional, a principal motivação para os distúrbios veio da
tentativa de implementação do Enrollment Act na cidade. As cláusulas daquele
ato tocavam em três questões explosivas para a vida social de Nova Iorque: as
relações entre ricos e pobres, entre brancos e negros e entre a cidade e a nação.
Conseqüentemente, o que havia começado como um protesto contra o recru­
tamento compulsório tornou-se um ataque direto contra as instituições do
Partido Republicano, assim como umMfom racial grotesco, que só foi interrom­
2
pido com a chegada de tropas federais.
Como conseqüência dos cinco dias de distúrbios, o governo federal
cancelou o recrutamento em Nova Iorque. A administração federal eximiu-se de
uma intervenção mais séria nos assuntos locais, reconhecendo a hegemonia
democrata naquela cidade em troca da sua lealdade táci ta. As cotas de Nova
Iorque foram supridas através do crescimento do recrutamento em outros
estados, num processo que traria novos episódios de tensão política e social nos
meses segumtes.

Pelo final de 1863, um grupo de negociantes e industriais de Boston


expressou bem como o recrudescimento do recrutamento no Norte podia cruzar
as barreiras sociais, afetando até mesmo os grupos mais diretamente beneficiados
pelo esforço de guerra. Numa petição ao secretário da Guerra, eles apontavam

102
Resistência ao recrutamento para o Erército

para as repercussões negativas do recru tamento, no que se refere ao funciona­


mento da economia da Uniao:

Nos estados livres o grande número de indivíduos reti­


rados das oficinas e campos já comprometeu seriamente muitos ramos
da indústria dos quais depende a economia do país (.,,)é desejável reduzir
a pressão sobre esses recursos para o ponto mais baixo que seja consis­
30
tente com o prosseguimento da guerra.

COJlsiderações filiais

A análise desenvolvida ao longo deste trabalho demonstrou que os


problemas do recrutamento foram muito similares nos dois países, aproxi­
mando-se do modelo materialista descrito por Eugene Genovese (1 969: 238-55).
No decorrer das guerras Civil e do Paraguai, a falta de entusiasmo popular aliada
ao estágio pouco avançado da burocracia e à longa duração das campanhas
criaram uma série de conflitos que refletiram a tensão social no campo e nas
cidades dos EUA e do Brasil. Esta análise também demonstrou que, apesar dos
padrões da evolução histórica terem sido muito diferentes, Brasil e Estados
Unidos enfrentaram problemas logísticos similares e que, apesar das culturas
políticas distintas, os esforços governamentais para solucioná-los foram pareci­
dos.
Os conflitos surgidos dessas situações indicaram os limites da ação estatal
nesses períodos de emergência nacional, especialmente quando cada um dos
Estados confrontou suas demandas nacionalistas centrípetas com os interesses
locais de indivíduos e grupos. A maior parte dos conflitos deu-se em função da
extensão do recrutamento e de suas conseqüências para a estabilidade social. Eles
reforçaram a percepção mantida pelos contemporâneos, de sociedades limi tadas
pela falta de especialistas militares e burocratas. Os problemas de Lincoln com
seus generais e a instabilidade do comando brasileiro no Paraguai ilustram bem
esse ponto.
Os esforços de guerra criaram novos problemas, forçando cada um dos
governos a procurar os meios adequados para suprir as suas necessidades. O
recrutamento só se tornou a grande questão quando ficou claro que os sistemas
existentes não eram capazes de manter um fluxo de soldados relevante o sufi­
ciente para abastecer os exércitos invasores. Foram situações emergenciais e
temporárias, que envolveram o levantamento de tropas para enfrentar inimigos
cuja capacidade de resistência não havia sido corretamente prevista no início das
-
operaçoes.

103
estudos históricos. 2001 - 2 7

Multidões armadas no interior do Brasil, assim como os distúrbios


anti-recrutamento nos Estados Unidos eram percebidos como elementos
perigosos e como uma ameaça ao progresso e à estabilidade social. As ameaças
trazidas por esses movimentos de resistência local eram mais simbólicas do que
reais, como ficou claro no decorrer das duas guerras. Elas refletiam atitudes de
desespero em função das mudanças do estilo de vida, não apresentando risco à
ordem social. Apesar disso, os protestos contribuíram para mudanças na formu­
lação das políticas de recrutamento em cada uma das guerras. No Brasil, elas
levaram à formulação de novas propostas no que concerne à organização do
Exército, à introdução do recrutamento universal e à abolição gradual da Guarda
Nacional. Nos Estados Unidos, elas permitiram uma intervenção crescente do
poder federal no Sul, assim como o nascimento de uma concepção nacional de
cidadania cuja implementação foi longa e tortuosa.
A Guena Civil norte-americana produziu uma série de mudanças insti­
tucionais que redefiniram a soberania daquele país em vários aspectos. Houve
mudanças profundas no que concerne às concepções acerca dos direitos dos
estados, às leis de liberdade individual, à centralização do poder e da estrutura
do recrutamento militar. O esforço de guerra reforçou o papel do governo federal
como principal agência recrutadora para as forças armadas. A ênfase nos direitos
estaduais foi progressivamente substituída por uma crescente centralização, com
o governo federal assumindo o papel principal nos assuntos militares, na política
31
fiscal e no desenvolvimento econômico. Essas transformações interferiram em
práticas políticas tradicionais, afetando as relações entre os indivíduos e suas
comunidades, bem como a base social de apoio que muitas comunidades davam
ao governo Lincoln nos seus esforços para expandir e abastecer o Exército.
Simultaneamente à luta contra a Confederação, um conflito sobre a identidade
da União emergiu na retaguarda, numa das mais sérias crises constitucionais
norte-amencanas.

As elites de cada um desses países enfrentaram desafios nas crises que


emergiram como resposta à expansão da ação do Estado. Em cada um dos países,
prevaleceu uma escolha clara pela obtenção de uma vitória militar completa,
apesar dos obstáculos e custos humanos envolvidos nessas opções. Essa determi­
nação limitou os compromissos tanto das lideranças republicanas quanto dos
burocratas imperiais com as localidades de seus respectivos países.
A retórica dos membros das elites em ambas as sociedades expressaram
as principais preocupações sobre o recrutamento, revelando ao mesmo tempo os
limites das definições da cidadania nos dois países. No Brasil, a retórica gover­
namental enfatizou a insegurança trazida pela exacerbação da politização par­
tidária, resultando numa intervenção maciça do poder central para suprimir os
movimentos locais de oposição e manter os esforços para a guerra. No limite, essa

104
Resistência ao remltamento para o Exército

intervenção levou ao cancelamento das eleições na província do Rio Grande do


Sul e à derrubada da Liga Progressista, provocando o retorno dos conservadores
32
sob a influência de Caxias. Nos Estados Unidos, o governo interferiu na vida
dos cidadãos de várias maneiras. Além da legislação centralizadora, já descrita,
houve também mecanismos mais sutis. Para contrabalançar o desgaste político,
Lincoln valeu-se da utilização de um extenso sistema de patronagem cuja base
era o próprio exército da União. Entretanto, ainda que a guerra fortalecesse o
papel do executivo norte-americano, não houve suspensão do calendário elei­
toral, mesmo nas áreas mais afetadas pelas rebeliões. Nos estados de Nova Iorque
e Nova Jersey, administrações democratas contrárias à radicalização da guerra e
a emancipação continuaram no poder. Conseqüentemente, o governo federal
podia influenciar o sistema partidário, mas não podia substituí-lo, nem alterar o
seu calendário. Nessas circunstâncias, a reeleição de Lincoln em novembro de
1864 estaria amarrada à lógica da guerra, enquanto no Brasil, a lógica da guerra
dependeu mais profundamente da vontade política do imperador.

N o tas

1. O tema da escravidão forneceu o maior regencial é feito por Schulz (1994: 23-52).
volume de comparações históricas entre Coelho (1976: 3445) definiu a política
os dois países. Estudos feitos após o imperial até a guerra contra o Paraguai
término da Segunda Guerra criaram um como erradicação. Izecksoho (1992: 64)
campo de análise histórica rico e observou que: "A monarquia não foi, em
multidisciplinar. Ao discutir as diferentes princípio, avessa à profissionalização do
correntes de análise sobre a escravidão, exército; apenas destinava a ele um papel
Eugene Genovese dividiu-as em dois um papel técnico e secundário na vida
grupos: um, formado pela corrente política nacional".
"idealista", constituída por Frank 3. Max Weber (1982: 98) definiu o Estado
Tannenbaum, Stanley Elkins e seus como "C . ) uma comunidade humana que
. .

seguidores; e outro, pela corrente pretende, com êxito, o monopólio do uso


"materialista", constituída pelos críticos legítimo da força fisica dentro de um
do modelo Tannenbaum-Elkins, com determinado território". Weber partia da
destaque para os trabalhos de David B. afirmação de Leon Trotsky, em Brest­
Davis e earl Degler. Para uma discussão Litovsky, segundo a qual: "Todo Estado
mais detalhada dessas correntes ver se fundamenta na força". O uso do termo
Genovese (1969: 238-55), Fredrickson "pretende", por Weber, sugere que os
(1875: 30-58) e Higham (1989: 251-6). Estados modernos não conseguiram
estabelecer completamente esse monopólio.
Z. Para um esrudo da tradição militar
none-americana, ver John Whiteclay 4. José Severiano de Mello para
Chambers II (1987: 1 3-40). O debate Desembargador João Baptista Gonçalves
sobre a minimização do papel do Campos. Taperaguá, 4 de abril de 1 865.
Exército no Brasil desde o período RPA (1865: 23-4).

1 05
estudos históricos . 2001 - 27

5. Comendador Manuel de Souza Damas setembro de 1867. IHGB, caixa 276, pasta
para José Tomás Nabuco de Araújo. 19. Também citado em William Dudley
Salvador, 1 ° de março de 1 866. RPB (1972: 68).
16. Uma visão ampla do impacto do
( 1 866: 21).
6. Augusto César Reis para Visconde de recrutamento sobre os pobres
Camamú. São Luis, 25 de abril de 1 865. desprotegidos pode ser encontrada em
Arquivo Nacional, SPE/lG 125, folha 1 86. Joan E. Mezoar, (1992: 335-51). Ver
7. Bernardo de Souza Franco para José
também Hendrik Kraay (1995: 234-5).
Para Kraay, cuja pesquisa centra-se no
Tavares Bastos. Niterói, 10 de maio de
recrutamento na Bahia: "In the
1865. RPRJ ( 1 865: 5).
impressment ofsuch men, as in the
8. CLIB, tomo XI, parte I, parágrafos I e repression of lhe Sabinada, state and
1 1 7 a I 34, p. 237- 58. ruing-class inrerests coincided, as both
9. Idem, p. 3. De acordo com Fernando collaborared to prateet propeny righls,
Uricoechea (1978: 251-52), no Rio Grande maimain public arder, and obligate rhe
do Sul, "o impactO burocrático dos free poor to work - in short, to uphold
militares profissionais sobre a corporação class rule".
(Guarda Nacional) foi mais permanente, 17. Nada poderia definir melhor o
mais sistemático e mais generalizado que conceito de "resistência da inércia" que a
em outras regiões do país". descrição feita por Marc Bloch (1968: 352)
10. A referência direta é o trabalho de E. sobre a situação na Europa medieval: "O
P. Thompson (1991: 185-258) sobre o abuso da força pelos senhores não
universo da revoltas populares inglesas encontrava qualquer contrapeso exceto
do século XVIII. Para as hierarquias pela impressionante capacidade da inércia
ligadas à economia moral do das massas rurais, que era geralmente
recrutamento no Brasil, ver Mendes muito eficiente, e da desordem da própria
(1998: 81-96). administração senhorial".

11. Sobre o desânimo após a batalha de 18. Pedro Leão Veloso para Zaearias de
Curupaiti e as alternativas políticas Góes e Vasconcelos. Fortaleza, 3 de
disponíveis, ver Izecksohn (200 1 : 157-86). fevereiro de 1868. Museu Imperial 1 -
ZGV - 6 -1- 868, caixa 6, n. 2. RMJ
12. Vicente Pires da Mota para o Marquês ( 1 868: 8).
de Paranaguá. Ouro Preto, 24 de maio de
1 867. Arquivo Histórico do Museu 19. Simon Cameron, I'Reporl from Lhe
Imperial, I-DPP-22.1-1867 - met.c. Secretary ofWar", dezembro de 1861.

13. Tenente Coronel José Caetano Vaz 20. McPherson (1997) definiu esse estado
Júnior para o Conselheiro José Antônio de espírito como rage miliraire - uma
Saraiva. Sâo Luis, 14 de agosto de 1865. expressão normalmente associada às
Arquivo Nacional, SEP/lG 125 - Caixa experiências francesas no início da
530, folha 76. Primeira Guerra Mundial.
Desconhecendo os riscos e as
14. Do General Osório para o Visconde conseqüências da guerra total, que iriam
de Paranaguá. Pelotas, 15 de dezembro de experimentar em breve, muitos desses
1 866. Instituto Histórico e Geográfico do voluntários partiram para o que
Brasil, lata 312, pasta 31, Coleção
pensavam ser uma aventura curta, que
Marquês de Paranaguá.
ofereceria a oportunidade de conhecerem
15. Joaquim Manoel de Macedo para o realidades diferentes das de suas cidades
Conde D'Eu. Rio de Janeiro, 5 de e vilas.

106
Resistência ao recrutamento para o Exército

21. Uma boa descrição das relações entre Congresso norte-americano pode ser
Linco!n e os governadores leais pode ser encontrada em James W. Gcary ( 1984:
encontrada em Hesseltine (1972). 562-82).
22. Atas da Convenção Republicana do 28. As lutas dos mineiros da Pensilvânia
Condado de Oneida, Nova Iorque, contra o recrutamento compulsório
realizado em 26 de setembro de 1862 foram descritas no excelente trabalho de
(apud Skowronek, 1993: 30). Grace Palladino ( 1990).
23. A relação estreita entre os voluntários
e suas comunidades durante os primeiros 29. Alessandra Lorini (1990) descreveu
anos da Guerra Civil foi discutida em os ritos de violência desenvolvidos
Wiley ( 1992: 17·44). durante os distúrbios em Nova Iorque.

24. Para as eleições de 1 862, uma boa 30. Amos A. Lawrence et a1. para E. M.
fonte é o trabalho de Silbey (1977: 30-61).
Stanton, 10 de dezembro de 1863 (apud
25. De acordo com Levine (198 1 : 830), Berlin et aI., 1982: 1 08-9).
"rcpublicans insistence on the lack of
conflict berween social classes and their 31. Uma síntese dessas transformações
basically middle-c1ass perspective failed pode ser encontrada em Curry (1968).
to obscure an obvious disdain for a
permanent underclass incessant toiling 31. O cancelamento das eleições no Rio
for wages and incapable to economic Grande do Sul foi discutido na Reunião
independence because of an inability to do Conselho de Estado, realizada em 23
conform to lhe values and virtues de agosto de 1866. A maioria dos
necessary for success in a modernizing conselheiros entendeu que a realização
sociery. " das eleições e a violência inerente ao
processo cleiLOral naquela província não
26. Senador James W. Nesmith (Oregon),
seriam compauvels com o processo
• • •

16 de fevereiro de 1863. Congressional


3 eleitoral. Para maiores detalhes, ver
Globe, 37° congresso, 3 sessão, 989.
Rodrigues (1978: VI, 49-59). A derrubada
27. Uma descrição pormenorizada da do gabinete progressista foi discutida em
trajetória desa legislação e dos debates no Izecksohn (1992: 130-6).

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