Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Essa viragem não foi suficiente para alguns, que entendiam ser a filosofia uma mera variante da
teologia: em ambos os casos, mantinham, se proclamava que o conhecimento era decretado
pela autoridade, seja de padres, seja de filósofos. Estes críticos insistiam na necessidade de
provas a partir de estudos da realidade empírica. Tais provas, segundo eles, seriam a base de
uma outra forma de conhecimento, a que chamavam de “ciência”. No século XVIII, os
protagonistas da “ciência” rejeitavam abertamente a filosofia, que consideravam ser uma mera
dedução especulativa, e proclamavam que a sua forma de conhecimento era única racional.
Esta rejeição da filosofia parecia, por um lado, defender uma recusa das autoridades. Nesse
sentido, ela era “democrática”. Os cientistas pareciam afirmar que qualquer um poderia
produzir conhecimento, desde que utilizasse os “métodos” adequados, e que a validade de
qualquer conhecimento apresentado por qualquer cientista poderia ser posta à prova por
qualquer outra pessoa simplesmente através da replicação das observações empíricas e da
manipulação dos dados.
Uma vez que parecia também capaz de dar origem a invenções práticas, este método de afirmar
o conhecimento apresentava-se como um modo de conhecer com um poder especial. A
“ciência” não tardou, assim, a alcançar uma posição dominante na hierarquia da produção do
conhecimento.
Ciência procura a “verdade”. E a teologia e a filosofia reivindicam sobre o bem. Essa distinção
entre a “verdade” e o “bem” desenvolveu duas culturas. A filosofia foi relegada para a procura
do bem (e do belo). A ciência instituiu a busca da verdade.
O caminho da ciência empírica era, de fato, menos democrático do que parecia apregoar.
Depressa foi suscitada a questão de saber a quem competia julgar reivindicações científicas da
verdade que concorressem entre si. Os cientistas respondiam que apenas a comunidade de
cientistas o podia fazer. Mas, uma vez que a especialização do conhecimento científico era
inevitável e crescente, isso significava que apenas subconjuntos de cientistas (em cada sub-
especialidade) eram considerados parte do grupo que podia reivindica a avaliação da verdade
científica. P. 126.
Foram lançados dois ataques à divisão tripartida do conhecimento, entre ciências naturais,
humanidades e ciências sociais, e nenhum deles teve origem no interior das ciências sociais.
No início do século XX, a física newtoniana enfrentou a física quântica que partilhava ainda a
premissa fundamental da física newtoniana de que a realidade física era determinada e
apresentava simetria temporal e que, por isso, estes processos eram lineares, e que as
flutuações regressavam sempre ao equilíbrio. Nessa perspectiva, a natureza era passiva e os
cientistas podiam descrever o seu funcionamento em termos de leis eternas que poderiam,
eventualmente, ser afirmadas sob a forma de equações simples.
Os estudos culturais atacaram o mesmo determinismo e universalismo que foi alvo dos
cientistas da complexidade. Mas a maior parte dos que partilhavam esta perspectiva
negligenciou a distinção entre a ciência newtoniana e a ciência da complexidade ou, em muitos
casos, não tinha consciência da existência da segunda. Os estudos culturais atacaram o
universalismo, antes de mais, por entenderem que as afirmações sobre a realidade social feitas
em nome deste não eram, na verdade, universais.
Ao mesmo tempo em que estudos culturais representaram um ataque ao modo tradicional dos
estudos huamísticos, que afirmavam valores universais no domínio do bem e do belo (os
chamados cânones) e analisavam os textos como se estes encarnassem essas apreciações
universais. Os estudos culturais insistem em que os textos são fenômenos sociais, criados num
determinado contexto, e lidos ou apreciados também em determinados contextos.