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Sobre o diagnóstico em psicanálise1


Colette Soler2

Recomeçamos, enfim, por mais um ano e, no que me diz respeito, com satisfação. Vocês já
conhecem meu título, eu o anunciei como “A querela dos diagnósticos”. Dedicarei a ele
apenas a aula de hoje, e lhes direi do que tratarei em seguida.

Atualidade da ética da psicanálise

Introduzirei meu propósito de hoje por meio de uma pequena citação, extraída do texto
“Introdução à edição alemã dos Escritos”, datado de 7 de outubro de 1973. Nesse texto,
Lacan fala dos analistas e observa que eles têm medo do chiste3, ou seja, do fato de que
podemos ser tomados pelo significante, pelas palavras. Na página 13 de Scilicet n.5, ele
afirma que, no fundo, os analistas podem se desculpar de seu medo porque “se beneficiam
do novo destino de que, para ser, eles precisam ex-sistir”4. Entenda-se “para ser” como ser
representante de um desejo específico, isto é, que é preciso que os analistas ex-sistam, para
que haja desejo do analista. Escrito dessa forma, ex-sistir não quer dizer simplesmente estar
presente no mundo; para estar presente no mundo, é preciso pouca coisa, basta estar vivo. A
essa presença, obviamente necessária, é preciso, para ex-sistir, acrescentar um dizer
específico. A ex-sistência dos psicanalistas é a ex-sistência de um dizer próprio ao discurso
analítico, mais além das próprias pessoas. Trata-se de um dizer diferente, que veicula certas
finalidades e também uma ética diferente do discurso comum.
Evoco essa proposição de 1973 porque ela me parece dotada de uma atualidade
renovada, haja vista que começo, ou melhor, comecemos nosso trabalho em uma nova
conjuntura, criada, como vocês sabem, pela emenda Accoyer5 para a regulamentação da
psicoterapia.

1
Primeira aula do seminário de Colette Soler proferida no Centre Hospitalier Ste-Anne. In: Soler, Colette. La
querelle des diagnostics. Cours 2003-2004. Formations cliniques du Champ lacanien / Collège clinique de
Paris: Paris, 2005.
2
Psicanalista em Paris. Membro fundador e AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano
/ França. Professora do Colégio Clínico do Campo Lacaniano de Paris. Autoras de diversos livros.
3
N.T. Witz foi traduzido para o português por chiste. Haroldo de Campos traduziu por “jogo engenhoso de
espírito”. Cf. Dicionário Aurélio: gracejo, dito espirituoso.
4
Publicado originalmente em Scilicet. Paris, n.5, p.11-17, 1975. Cf. a tradução brasileira em LACAN,
Jacques. Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos. In: Outros escritos (2001). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 552.
5
Accoyer foi deputado da UMP (Union pour un mouvement populaire), que fez um projeto de lei
“Amendement Accoyer”, para controlar/regulamentar o exercício das profissões “psi” (psicólogos,
psicanalistas e psicoterapeutas). Destes, claro, foram os psicoterapeutas e os psicanalistas que estavam com o
risco de se tornarem “ilegais”.
2

Creio que estão todos cientes, mas, ainda assim, direi algumas palavras para indicar
um outro debate, situado em outro lugar. Vocês conhecem a efervescência que isso suscita
entre os psicoterapeutas, os psiquiatras e, sobretudo, os psicanalistas. Há ações em curso e,
nas reuniões de que participei com representantes de diferentes associações, pode-se
perceber que, na realidade, a pertinência da observação de Lacan permanece inalterada.
Com efeito, nas discussões com colegas, embora haja um leque de posições, como em
todas as reuniões numerosas, notam-se dois extremos. De um lado, estão aqueles que
dizem: “Nós somos psicanalistas, a psicanálise não é uma psicoterapia, e isso não nos diz
respeito”; do outro, os que afirmam: “Se a titulação deve ser protegida, demandemos ao
Estado o reconhecimento do título de psicanalista”. Não detalharei a argumentação de uns e
de outros.
Trata-se, de fato, de uma dupla luta política. Há uma luta para precisar o lugar, o
papel da psicanálise no campo da saúde e da medicina, isto é, para saber se ela está do lado
do campo da saúde e relacionada à ideologia do direito à saúde, já que estamos no contexto
dessa ideologia; e há também uma luta de opções dentro da própria psicanálise, entre as
duas posições extremas que acabei de situar. Por exemplo, sabe-se – isso consta dos textos
escritos e difundidos – que a Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP) é favorável à emenda
Accoyer; aliás, não apenas é favorável, como lhe vem abastecendo com o que se tem
chamado de comissões de autorização de psicanalistas, nas quais, como defende, deve
haver não só universitários e médicos, mas também psicanalistas. Vocês vêem que se trata
aqui de um terreno muito problemático e que, nos Fóruns e na Escola do Campo lacaniano,
devemos estabelecer nossa orientação comum e, principalmente, nossa linha de
argumentação.
Gostaria de enfatizar rapidamente os dois extremos desse dilema.
Podemos nos precipitar e dizer que “a psicanálise não é uma psicoterapia”? É verdade
que ela não é uma psicoterapia, mas se deve observar que os psicanalistas recebem as
mesmas demandas que os psicoterapeutas, suscitadas, digamos, por sintomas e pelo
sofrimento produzido por nosso mal-estar. Ela transforma as demandas em outra coisa, mas
estas são as mesmas que os psicoterapeutas recebem. Além disso, muitos analistas fazem
apenas análises, muitos outros estão em instituições, todos eles analistas, e o que se pensa é
que não fazem psicanálise nessas instituições; eles, todavia, respondem aos sintomas que
encontram e, muitas vezes, fazem precisamente o que é feito pelos psicoterapeutas. No
melhor dos casos, os psicoterapeutas escutam – nem sempre, pois há os que falam. Assim,
ir adiante com o slogan “a psicanálise não é uma psicoterapia” é não apenas desconsiderar
os psicoterapeutas (evidentemente, não há por que fazer isso com eles), mas também algo
como – fazia essa comparação há algum tempo – um supermercado, cuja propaganda fosse:
“Aqui não se vende comida”.
Creio que a posição correta ainda é aquela de que Lacan nos deu a fórmula – sempre
retorno a ela, mas como fazer de outro modo? –, ao dizer: “a psicanálise é uma terapêutica
diferente das demais”.
3

Com efeito, não vendemos psicoterapia, se vocês me permitem a expressão, porém


aceitamos demandas terapêuticas e, portanto, é delas que tratamos. De fato, nós as tratamos
para além da escuta psicoterápica. Podemos ser mais precisos e dizer que a psicanálise tem
duas bússolas indissociáveis. De um lado, trata-se de uma exploração do inconsciente, e
isso consiste em construir e, construindo-o pela fala, em explorar significantes, palavras,
desejos que nele circulam. Essa é sua vertente epistêmica. Ao mesmo tempo, a psicanálise
obtém modificações dos sintomas, o que chamamos de terapêutica. Aqui, o importante aqui
é que essas duas vertentes são indissociáveis. Em psicanálise, cuidamos dos sintomas pela
exploração do inconsciente, e essa é nossa diferença, formulada de maneira simples, em
relação às psicoterapias da escuta, do conselho, do alívio e tutti quanti. Por isso, creio que
não se pode dissociar a psicanálise de seu alcance terapêutico, que, além disso, atesta o
inconsciente linguagem. Já abordei isso diversas vezes, e deixo-o de lado.
Não me deterei tampouco nas demandas que alguns fazem ao Estado para serem
reconhecidos como psicanalistas. Trata-se de posições marcadamente pragmáticas, talvez
relativamente desencaminhadas e desencaminhadoras. É preciso discutir isso com todos,
mas observo que se vê bem a pertinência desta frase de Lacan: uns, para fazer existir a
psicanálise pura – a psicanálise do psicanalista –, gostariam de se subtrair, de serem
exceção, de se extraterritorializarem das questões do discurso contemporâneo, ao passo que
outros estão prontos a cessar de ex-sistir, no sentido da produção de um dizer específico, o
do discurso analítico, para estar presentes no mundo, permanecer presentes no mundo. São
duas respostas a um mesmo dilema: como ex-sistir no discurso corrente comum, em sua
atual forma capitalista, sem desaparecer?
Como acabo de dizer, não acredito na possibilidade de curto-circuitar a psicoterapia,
bem como não creio que o Estado pode se transformar no Outro da psicanálise, já que é
assim que leio essas tentativas: como se poderia regulamentar a competência do analista
nos termos em que isso é feito em relação à competência de um técnico? É claro que todos
gostariam de se assegurar da competência do analista, mas como se pode fazer isso sem
eliminar a consideração do inconsciente, de um lado, e da ética do sujeito, de outro, dois
fatores que introduzem o incalculável no cálculo das competências?
Essas questões permanecem em aberto e é bom que seja assim; continuaremos a
tentar elaborá-las um pouco mais. Ademais, essas questões, prementes hoje em dia, não são
novas, razão pela qual citei a frase de Lacan de 1973. Há muito, ele denunciava, com
ironia, aqueles que gostariam de voltar – eram estes os seus termos – “ao bom caminho da
psicologia geral”6: ele se referia aos universitários – Daniel Lagache e outros – que
buscavam unir os conceitos da psicologia e da psicanálise, como se estivéssemos em um
campo homogêneo. Hoje, não procuramos mais um abrigo conceitual. Isso corresponderia,
sobretudo, a buscar um refúgio de saúde pública, o que está um degrau abaixo.

6
N. do T. No original: “au bercail de la psychologie générale". Em sentido estrito, bercail quer dizer curral,
aprisco, redil. Logo em seguida, a autora utiliza as seguintes expressões: “un bercail conceptuel” e “un bercail
de santé publique”, traduzidas, respectivamente, por “um abrigo conceitual” e “um refúgio de saúde pública”.
4

Para mim, todos esses problemas estão muito presentes na questão dos diagnósticos, e
assim retorno ao meu tema, a questão dos diagnósticos e as polêmicas que implicam.

Um século de diagnóstico em psicanálise

Como seguimos o ensino de Lacan, sustentamos o diagnóstico. Em geral, nós o


justificamos em nome da possível psicose do paciente que se dirige a nós. Por isso, gostaria
de, inicialmente, fazer um breve panorama do que chamarei de as variantes da
sintomatologia em psicanálise.
Em um século de psicanálise, houve evoluções no nível da sintomatologia. Não me
refiro aqui à configuração dos sintomas; sabemos que os sintomas mudam de acordo com o
contexto do discurso. Eles são históricos; desde Freud, não paramos de falar sobre isso. O
próprio Freud, na verdade, percebeu que chamava de psicologia individual algo solidário ao
que chamava de psicologia coletiva.
Hoje, diríamos que os indivíduos, um a um, estão sujeitos a um mesmo discurso. A
sintomatologia é outra coisa. Trata-se da conceituação dos sintomas, ou seja, do saber que
se constrói ou, se preferirem, da teoria que se elabora a respeito dos sintomas; para
empregar um termo simples, trata-se da teoria clínica. As teorias clínicas, pois há muitas
delas, não são exclusivamente teorias causais, explicativas. Começam no nível da
designação, da identificação dos sintomas, com a questão de saber sobre o que chamamos
de sintomas. Voltarei a isso logo adiante.
Desde o começo da psicanálise, impôs-se a Freud e a seus colegas a elaboração de
uma teoria clínica própria à psicanálise, diferente das teorias clínicas da psiquiatria.
Tratava-se de saber se haveria uma clínica psicanalítica que fosse específica ao discurso
analítico e não se resumisse à clínica psiquiátrica da época. Pois bem, a especificidade de
uma clínica psicanalítica, no sentido forte do termo, supõe duas coisas: uma nosografia que
lhe fosse própria, ou seja, uma identificação dos sintomas que lhe fosse própria e, em
segundo lugar, teorias explicativas que lhe fossem características.
Retomo a curva da história acerca dessas questões.
Em primeiro lugar, constatamos que Freud, Lacan e Melanie Klein (no caso desta, é
algo menos nítido, mas ainda assim presente) construíram suas clínicas por meio de uma
derivação da clínica psiquiátrica, isto é, retomaram desta o conjunto das categorias
diagnósticas: psicose, neurose, perversão. Todos os textos iniciais de Freud sobre as
questões da psicose são diálogos sobre suas duas grandes vertentes: a paranóia e a
esquizofrenia. Podemos acompanhá-lo com facilidade. Dá-se o mesmo com as grandes
vertentes da neurose: histeria, obsessão, fobia. A perversão, à primeira vista, mostrou-se
polimorfa. Historicamente, cada uma dessas categorias se liga a um grande nome da
psiquiatria clássica: Kraepelin para a paranóia, Bleuler para a esquizofrenia, Krafft-Ebing
para a perversão e, em resumo, Charcot para a neurose de base que é a histeria.
5

Tanto Freud quanto Lacan retomaram essa nosografia, ao menos como ponto de
partida. No caso de Freud, isso se explica por que era a clínica psiquiátrica de seu tempo,
fim do século XIX, início do século XX. Ele foi contemporâneo da construção dessa
nosografia. No caso de Lacan, dá-se algo um pouco diferente, pois ele, durante sua
formação psiquiátrica dos anos 1930, não estava tão distante dessas elaborações, ao passo
que, no que se refere ao Lacan psicanalista, se situamos seu ponto de partida após o fim da
Guerra, há praticamente cinqüenta anos de distância.
Para nós, a distância é de um século. Além disso, ainda que Lacan parta da psicose e
Freud da neurose, ambos fizeram a mesma operação: retomaram a nosografia psiquiátrica,
os termos, o mapa dos distúrbios identificados pela psiquiatria, e trataram de construir uma
teoria psicanalítica dessa nosografia.
Isso é muito claro em Freud. Desde o começo de sua teorização, Freud faz uma
operação muito simples: toma o mapa dos sintomas e se pergunta qual é a incidência do
inconsciente – descoberto por ele na análise das neuroses – em cada um dos sintomas.
Tateando um pouco nos primeiros anos, responde à sua pergunta com a noção de
psiconeurose de defesa, uma teoria unitária das psicoses e das neuroses. Depois disso,
pode-se seguir, passo a passo, o refinamento de sua pesquisa dos mecanismos diferenciais
cuja base é essa teoria unitária.
Lacan retomou as categorias diagnósticas. Vê-se isso com clareza quando ele se bate
contra o organodinamismo de Henry Ey, seu colega e amigo. Se vocês retomarem os textos
de Escritos, verão que eles estão perfeitamente de acordo com a nosografia, mas contestam
a teoria explicativa. A empreitada levada a cabo por Lacan foi pensar todos os fenômenos
da neurose, da psicose e da perversão valendo-se da estrutura do sujeito determinado pela
estrutura do significante e do discurso.
Tudo isso me parece absolutamente claro na história da psicanálise, razão pela qual
não me detenho em suas nuanças. Em 1973, em “Introdução à edição alemã dos Escritos”,
a posição de Lacan é essa. Ele diz na página 15 de Scilicet n.5: “existem tipos de sintomas,
existe uma clínica [ele chama de clínica a descrição dos tipos]. Só que, vejam: ela é anterior
ao discurso analítico”7. Não se pode explicitar de modo mais claro a admissão dos tipos
clínicos isolados pela psiquiatria. Sua questão, todavia, também está nesse texto: “Será que
se pode demonstrar que os tipos clínicos da psiquiatria decorrem da estrutura?” [Entendam:
“decorrem do efeito de linguagem”].
Gostaria de fazer dois comentários sobre a posição de Lacan em 1973, afinal de
contas isso pode requerer uma interpretação.
Com efeito, em 1973, Lacan não se refere à nova sintomatologia do DSM. O DSM 1
foi publicado em 1952 – não sei se vocês se lembram, ele é velho! O DSM 2 surgiu em
1968. Em 1973, embora seja evidente o fato de que o conhecia, Lacan sequer o menciona...
O que isso quer dizer, como entendê-lo? Minha hipótese, que não desenvolverei
amplamente, é que, de maneira contrária ao que talvez seja a apreciação mais comum, a
7
LACAN, Jacques. Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos. Op.cit., p.554.
6

clínica da psiquiatria clássica e a clínica do DSM não são radicalmente heterogêneas. De


fato, ambas são estritamente descritivas. Quando há hipóteses causais, elas não participam
da descrição clínica, não a modificam. Existe, de todo modo, uma diferença entre elas: a
clínica do DSM é uma clínica descritiva que passa pela via estatística e, portanto, considera
números elevados e distribuições, ao passo que a clínica clássica, a dos psiquiatras do
começo do século XX, apóia-se no interrogatório dos pacientes, um por um. Pode-se dizer
que essa relação com o um por um, com a observação um por um e a acumulação dessas
observações possui mais afinidade com o método analítico do que a via estatística e a
resposta a questionários anônimos.
Minha primeira observação é que, evidentemente, Lacan não se emocionou com o
surgimento dos DSM no campo da psiquiatria. A segunda é que Lacan não se refere de
modo algum aos novos sintomas que nos são oferecidos pelo capitalismo, sintomas pelos
quais os analistas de hoje têm muita consideração e designam como “sintomas
contemporâneos”. Isso é bastante estranho porque Lacan enfatizou a historicidade do
sintoma em primeiro plano, chegando a produzir o neologismo de escrita hystoire, história
(histoire) escrita com y, como em hystérie (histeria), para indicar que a estrutura histérica
opera na historicidade. Ele, portanto, sensibilizou-se bastante com a evolução dos sintomas,
com sua relatividade condicionada pelo discurso. E ele, no entanto, não fala dos novos
sintomas que já existiam em 1973 – não é preciso acreditar que eles se produziram em
2000! Hoje, insistimos muito nesses novos sintomas, na série depressão, abulia8,
toxicomania, distúrbios da oralidade, passagem ao ato... e nos inquietamos porque vemos
neles manifestações rebeldes, sobretudo na transferência, que resistem à análise. Observem,
todavia, que toda essa série designa distúrbios de conduta que concernem diretamente ao
desejo ou aos gozos pulsionais: depressão e abulia, à deflação do desejo; toxicomania,
distúrbios da oralidade e passagem ao ato, à pulsão em ação... Não se trata de sintomas que
dependam de decifração. Os sintomas e os distúrbios de conduta não são a mesma coisa; a
psicanálise decifra sintomas resultantes de distúrbios diretamente ligados ao desejo e à
pulsão – a psicanálise em sua origem freudiana. É claro, porém, que hoje, trinta anos depois
da frase de Lacan, esses distúrbios, ainda que não sejam verdadeiramente novos,
adquiriram amplidão numérica que não possuíam nos anos 1970.
Mas o que há de novo para que os psicanalistas o lastimem desse modo? Penso que
isso se deve ao fato de, hoje, eles encontrarem esses sintomas mais do que outrora, haja
vista duas razões que não estavam totalmente presentes nos anos 1970.
Porque saíram de seus consultórios, os analistas não se reduzem mais ao conjunto de
analistas liberais. Eles estão um pouco por toda parte nas instituições, nas quais
encontramos sujeitos que tiveram a chance de encontrar um analista, mas que, em geral,
não foram até lá para procurá-lo.

8
Cf. Dicionário Aurélio Eletrônico Versão 3.0. Nova Fronteira: São Paulo, 1999. Abulia: Psiquiatria. Falta
de desejo ou de vontade; incapacidade de tomar decisão; abulomania, disbulia.
7

Além disso, a propaganda que se faz da psicanálise na televisão, na imprensa, nos


livros, na mídia, enfim, é incomparável com o que ocorria há vinte, trinta ou cinqüenta
anos. Difunde-se a idéia de que a psicanálise é um recurso a postos para todos aqueles em
quem há algo que não vai bem, fazendo com que, cada vez mais, recebamos sujeitos,
inadvertidos, diria eu, que não teriam nos procurado há trinta anos. Parece-me que foi isso o
que mudou. Mas devemos nos inquietar com isso? Deixo que vocês o julguem.
Em 1973, de todo modo, Lacan era destemido a respeito dessas questões; é
impressionante, porém, que ele, como enfatizei, tenha feito tantos prognósticos sobre o que
acontecia e o que deveria acontecer (e que hoje se verificam), mas nada tenha dito sobre tal
questão! Até 1973, ele continua a se ocupar com os sintomas típicos que já enumerei.
Noto agora – este é outro senão – o quanto isso contrasta com o que aconteceu na
International Psychoanalytical Association (IPA). Pela mediação de alguns membros, não
todos, seus psicanalistas tentaram inventar novas categorias sintomáticas, valendo-se da
experiência analítica. Podemos criticar essas categorias – alguns podem mesmo dizer: “É
porque eles não conheciam a psiquiatria” –, haja vista que isso se deu principalmente nos
Estados Unidos. Embora manter-se aí equivalha a um raciocínio um tanto curto, é certo que
o “self” de Winnicott, bem como “personalidades como se”, “personalidades narcísicas” e
“personalidades borderlines” não são categorias da psiquiatria clássica. Esses autores
forjaram-nas pautados pela experiência que tinham da psicanálise. Não se trata de neurose,
nem de psicose, mas elas provêm da psicanálise. O que estou dizendo não nos impede de
criticar essas categorias. Não me interesso por elas, mas cabe reconhecer que esses
psicanalistas tentaram criar uma sintomatologia própria ao discurso analítico. Sem dúvida,
uma sintomatologia pragmática, mas específica do discurso analítico.
Para terminar esse panorama, eu gostaria de dizer algumas palavras sobre o que
chamarei de variantes da sintomatologia lacaniana. Acabo de enfatizar que Lacan manteve
a mesma posição até 1973. Em seu último ensino, contudo, deu mais um passo, a partir do
momento em que introduziu o nó borromeano, justamente nos anos 1972 e 1973. Trata-se
do momento em que ele, propriamente falando, introduziu uma nova sintomatologia, ou
seja, novas designações dos sintomas e uma nova construção teórica para tentar dar conta
deles. O mais estranho, enfim, o estranho... é que quase nunca nos referimos a isso.
Referimo-nos a isso ao estudarmos, eventualmente em apresentações, mas na prática,
quando se trata de falar de um caso, usamos muito pouco as últimas elaborações de Lacan –
refiro-me aqui aos lacanianos. Nós, lacanianos, continuamos a nos referir sobretudo às
elaborações anteriores. No que diz respeito à psicose, vamos diretamente a “De uma
questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” e a O Seminário, livro 3: as
psicoses. E claro que não serei eu a desencorajar o estudo desses textos, pois são a base,
mas estamos um pouco paralisados, e isso é o mínimo que se pode dizer!
É preciso reconhecer que Lacan de fato não desenvolveu uma clínica borromeana. Ele
apenas a introduziu, nomeou-a, o que já é bastante. Dispomos de ao menos três exemplos:
um não é lá grande coisa, mas os outros dois são muito importantes.
8

Em primeiro lugar, há o que ele avançou – eu e outros o comentamos durante uma


apresentação de doentes – sobre o que nomeou “doença da mentalidade”. Não pretendo
explicar o que ele entendia com isso, mas eis uma categoria nova, totalmente desconhecida
do batalhão da nosografia psiquiátrica e que não teria se produzido, se Lacan não tivesse
usado os esquemas decorrentes do nó borromeano, que respondem a uma realidade clínica
precisa.
Há de outro lado, o que ele formulou como “sinthoma Joyce”, e que não é o mesmo
que “sintoma Joyce”. No texto que dedica a isso, de rigor e precisão extremos, trata-se de
algo que se poderia chamar de uma nova formulação de um tipo de sintoma absolutamente
inédito.
Uma vez mais – ainda que, aqui, seja algo muito reduzido –, ele disse no curso de
uma apresentação de doentes: “trata-se de uma psicose lacaniana”. Por que ele disse isso?
Porque se tratava de um sujeito, se me lembro bem, que era, a um só tempo, alucinado e
delirante, mas delirava sobre uma espécie de cosmologia em que havia simbólico,
imaginário e real – era o próprio doente quem usava esses termos, e não me parece que
pudesse tê-lo lido ou tomado emprestado! Por isso, Lacan diz: “trata-se de uma psicose
lacaniana”. Era um gracejo, mas serve para indicar que, a partir de determinado momento,
ele começou a abordar os fenômenos clínicos, à luz de sua nova idéia acerca dos registros
imaginário, simbólico e real.
Como me parece que não estamos inteiramente afinados com esses diagnósticos de
Lacan, minha intenção neste ano é estudar, tanto quanto possível, os fundamentos e as
fontes clínicas da sintomatologia booromeana. Para fazê-lo entrar no título que propus,
poderia dizer: “A querela entre a sintomatologia borromeana e a sintomatologia da cadeia
significante”. Não é, na verdade, uma querela, mas indica a presença de certo hiato que
gostaria de estudar, se o conseguirmos, em relação ao que é a clínica borromeana.

Polêmica sobre o uso do diagnóstico

Após esse panorama sobre a evolução da sintomatologia na psicanálise, gostaria de abordar


outro aspecto: o uso de diagnósticos, seu uso prático diante do paciente. Trata-se aqui de
algo diferente do mapa nosográfico ou da teoria dos tipos sintomáticos. Com efeito, há uma
polêmica viva sobre essa questão, isto é, toda uma corrente de pensamento que recusa duas
coisas.
Em primeiro lugar, a necessidade do diagnóstico em psicanálise. Algumas pessoas
acham que o diagnóstico é inútil no discurso analítico, que não devemos usá-lo. E, não sem
relação com isso, há aqueles que denunciam o uso do diagnóstico como um abuso, o que
não é exatamente a mesma coisa.
Comentei-o no começo do ano e não retornarei ao assunto porque ele não é nada
atual. Essa corrente pertence mais ao passado, tendo florescido nos anos 1970. A época
9

atual é mais “diagnosticista”. Diagnostica-se a torto e a direto, bem ou mal. Os próprios


sujeitos não deixam de nos pedir: “Diga-me o que sou, o que tenho”. Eles querem rótulos e
talvez isso dê a eles algum tipo de garantia, pois se revela certo desarvoramento.
O fato é que, algumas vezes, há vozes que guerreiam com os diagnósticos em
psicanálise. Para tomar as coisas da maneira mais positiva, portanto menos polêmica,
perguntemo-nos de onde vem o problema? Creio que o saberemos, se nos referirmos às
analises feitas por Michel Foucault em O nascimento da clínica, uma de suas melhores
obras. Há outras interessantes, mas essa é particularmente pertinente. Nela, Foucault estuda
a clínica psiquiátrica, não a psicanalítica, e caracteriza a atividade diagnóstica de uma
maneira que me parece precisa, a saber: diagnosticar é fazer entrar o caso singular em uma
espécie geral. Nós o fazemos por uma preocupação racional, mas é um tanto homólogo ao
que fazemos quando classificamos as espécies animais, vegetais: fazemos jardins botânicos,
zoológicos... por que, então, não se podem fazer jardins de patologias?
Michel Foucault enfatizou com razão que se tratava de uma medicina do visível, do
mostrável, que ela implicava o olho clínico, ou seja, esse olho clínico que, no século XIX,
ultrapassou o campo do macroscópico e chegou ao microscópico com a anatomopatologia.
Essa sintomatologia do olhar, estabelecida pelo médico, sempre é uma sintomatologia
do Outro. Em psiquiatria, faz-se o sujeito falar, é verdade, mas desde que venha a entregar,
no que diz, os signos da espécie mórbida a que pertence. Em sua fala, buscam-se os traços
não de um sujeito, mas de sua doença. Trata-se, assim, de um heterodiagnóstico, um
diagnóstico que vem do Outro e no qual a fala não é constituinte; ela é tão-somente o
veículo dos signos. Isso deixa transparecer imediatamente a existência de um problema em
relação à psicanálise, porque nesta o sintoma acolhido se constitui de modo inteiramente
diferente. Quando digo “o sintoma acolhido”, quero sublinhar o sintoma que se pode tratar,
e não simplesmente aquele que se nos apresenta. Parece-me certo, aliás, que não podemos
tratar de todos eles.
O sintoma que se pode tratar se constitui de modo muito diferente; é um sintoma
necessariamente autodiagnosticado. Em uma análise, é sintoma o que o sujeito avalia como
sintoma. Enquanto ele não avalia um traço como sintoma, este permanece inerte, um
enclave na fala analisante. Há, portanto, uma disjunção entre os sintomas cuja presença ou
ausência é pesquisada pelos médicos e aqueles que permitem entrar em análise.
Parece-me esta, aliás, a razão pela qual se formula a questão da demanda de entrada.
Sabemos muito bem que a demanda pela qual se entra em análise não é qualquer uma. Essa
questão é muito importante precisamente porque não é qualquer estado do sintoma que se
presta à elaboração analisante. Pode-se dizer isso em outras palavras: só é sintoma tratável
aquele que se apresenta como um significante da transferência, ou seja, que supõe um
sujeito. Ora, isso não se vê, não decorre de uma clínica do visível. Que um distúrbio
qualquer suponha um sujeito não é algo visível.
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Pois bem, isso faz com que um sintoma definido na clínica psiquiátrica, na clínica da
observação – seja ele uma conversão, uma fobia etc. – possa se tornar ou não um sintoma
analítico. Fabricar a forma analítica do sintoma corresponde a uma transformação.
Podemos dizê-lo de outras maneiras: o que se chama de sintoma na clínica da
observação não é forçosamente sintoma na clínica autodiagnosticada do sujeito; ou ainda, o
que o Outro social (e o psiquiatra é parte do Outro social) não suporta ou estigmatiza nem
sempre coincide com o que não é suportado por um sujeito. Nesse sentido, a fala, os ditos
do sujeito constituem o sintoma que pode ser tratado pela psicanálise. Só o sujeito pode
dizer o que não anda bem para ele, ainda que ignore sua causa. É claro que tentará
descobri-la. Por vezes, há algo que não vai bem – acho esse caso muito mais demonstrativo
– quando todo o resto vai bem, razão pela qual, com freqüência, os neuróticos são
chamados de “doentes imaginários”. Um “doente imaginário” é um doente subjetivo, ou
seja, aquele de quem o discurso comum diz: “Ele tem tudo para ser feliz”, mas não
consegue. Aqui, damo-nos conta de que há considerável distância entre o sintoma visível, o
que a psiquiatria pode diagnosticar e, eventualmente, também o psicanalista; e o sintoma
invisível, aquele que é vivido pelo sujeito entre o sintoma observado e o sintoma subjetivo.
Recentemente, atendi uma pessoa assim, e foi muito interessante. Tinha 47 anos,
estava no meio da vida. Tratava-se de uma pessoa que havia sido bem-sucedida em tudo
que fizera, e eu me perguntava o que um analista da IPA diria diante de uma pessoa assim,
pois se buscássemos critérios adaptativos no discurso e no mundo, tudo ia bem: o marido,
os filhos, a carreira de sucesso, até mesmo excepcional, de talentos manifestamente
extraordinários. Só que, havia muito tempo, ela pensava na psicanálise e, por fim, veio a
uma consultar, porque com o “tudo vai bem”, alguma coisa, ou tudo, vai mal. O que é isso?
Possivelmente, um sintoma tratável pela psicanálise; não se sabe onde isso chegará, mas, de
todo modo, trata-se de uma configuração que torna perceptível a profunda distância entre a
clínica psiquiátrica e a entrada na clínica psicanalítica.
Creio que essa distância, para dizê-lo da maneira mais positiva possível, explica o
fato de alguns analistas pensarem que o diagnóstico prévio é inútil; de que é na elaboração
da fala que se pode desdobrar o sintoma; de que o sintoma observado na entrada não
interessa ao psicanalista; e de que, no fundo, interessa-lhes o que, sob transferência,
verifica-se nos ditos do sujeito.

A ética dos diagnósticos

Tento explicar a tese da inutilidade do diagnóstico com benevolência, mas uma outra face
dessa tese, aquela que denuncia o abuso de diagnóstico, relaciona-se a um problema ético
sobre o qual gostaria de dizer algumas palavras.
Para resumir o que dizem aqueles que denunciam tal face, o diagnóstico seria uma
espécie de abuso do saber em beneficio de outra coisa. Eles defendem, em outras palavras,
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a idéia de que o exercício clínico, que é um exercício de saber, corresponderia a um álibi do


gozo do clínico. Essa tese parte eminentemente de Michel Foucault, de quem se acaba de
republicar o curso O poder psiquiátrico, proferido em 1973 e 1974. A data é importante
porque, nesse momento, ainda se estava no ardor dos anos pós-1968. Comprei esse livro
com muita esperança, pois Foucault escreveu muitos textos importantes. Este, todavia, não
é dos melhores, acontece! Pareceu-me muito fraco e, principalmente, muito datado, apesar
de comumente encontrarmos em seus trabalhos uma massa de informações e erudição
sempre útil ao leitor.
Qual é a tese de Michel Foucault? Em primeiro lugar, ele estigmatiza a posição do
poder do psiquiatra, referindo-o essencialmente ao século XIX e ao início do século XX. A
esse respeito, cita textos extremamente convincentes, nos quais vemos que os psiquiatras
dessa época se consideravam não apenas homens de saber, como também retificadores dos
desvios morais e sociais. Foucault estigmatiza o poder do psiquiatra sobre o pobre
psiquiatrizado, que está à sua mercê. Em seguida, isola – dou apenas as linhas gerais – duas
empreitadas que chama de despsiquiatrização, situando-as nem um mesmo plano. Se vocês
não leram esse livro, dificilmente adivinharão que elas são a farmacologia e a psicanálise,
uma vez que despsiquiatrizam e, de algum modo, abalam o poder moral do psiquiatra. Na
verdade, porém, isso é uma manobra que visa à apologia da antipsiquiatria, a única que
teria efetivamente desfeito o abuso psiquiátrico.
Essa tese de Michel Foucault me parece bastante representativa de outra que circula
entre alguns autores, a tese do abuso inerente ao diagnóstico que faz do saber um álibi do
gozo. Trata-se, aqui, não tanto do gozo do olhar quanto do gozo do poder.
É óbvio que Michel Foucault não está no campo psicanalítico, mas neste há ecos do
que disse. Gostaria de citar um exemplo não porque seja representativo, mas porque o li: o
livro de René Major chamado La démocratie en cruauté. Como ele teve a gentileza de
oferecê-lo a mim, eu o li e encontrei uma tese que, para dizer a verdade, surpreendeu-me
bastante. O livro possui diversas coisas interessantes, mas, em resumo, René Major,
inspirado por Derrida, formula a seguinte noção: “a hospitalidade incondicional do
analista”. Trata-se de uma bela noção, e cabe dizer que a hospitalidade, condicional ou
incondicional, é uma prática que se tem perdido. Sua idéia, inicialmente muito simpática,
afirma que: “a hospitalidade incondicional oferecida ao paciente derrota tudo o que posso
saber – jamais sei o suficiente –, toda apreensão nosográfica do outro; todo rótulo que eu o
faria portar [é, portanto, essa hospitalidade incondicional que exclui todo olhar nosográfico]
seria um dispositivo imune [ele escreve bem!] a toda vinda imprevisível, inesperada,
surpreendente e é, por assim dizer, uma medida de hospitalidade limitada”. Quando lemos
isso, dizemos: “ah, sim...”. Só que, nas vindas imprevisíveis, inesperadas e surpreendentes,
há algumas vezes, por exemplo, o suicídio do sujeito melancólico... o que é uma questão.
Ele acrescenta: “a hospitalidade incondicional mantém sob reserva todo saber e toda
inquisição”. Há aqui uma tese muito forte, pois ele diz que a posição nosográfica é
inquisitorial.
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Em seguida, ele afirma que essa hospitalidade exclui o cálculo, a antecipação e o


apropriável, imputando tudo isso ao que chama de crueldade, que é um nome do gozo do
poder.
Enfim, René Major talvez tenha razão no que concerne ao contexto já fixado, já
delineado da psicanálise acerca do sujeito neurótico. Nesse contexto, é possível sustentar o
que ele diz, e que é bastante próximo do que dizia Freud, ao nos convidar a esquecer tudo o
que sabemos para abordar um novo caso como se fosse o primeiro. Tratava-se também da
hospitalidade incondicional, mas não antes da entrada em análise, e sim depois.
O que podemos reter dessas críticas? Diagnóstico inútil ou abusivo? Na condição de
alunos de Lacan, estamos persuadidos da necessidade do diagnóstico prévio, para saber se e
como a pessoa que recebemos pode ou não se beneficiar do procedimento analítico.
Vocês sabem que Freud considerava a psicanálise inoperante diante da psicose. Essa
não é exatamente a posição de Lacan, nem dos pós-freudianos. A posição de Lacan é muito
simples: o saber clínico orienta a ação. Se não sabemos como uma psicose se constrói,
quais suas condições e a natureza de seus fenômenos, como diz no final do texto De uma
questão preliminar a todo tratamento possível da psicose, estaremos nos esfalfando com “o
barco encalhado na areia”. Em outras palavras, estaremos agindo em vão. Remar na areia é
inútil. Se fosse apenas inútil, não seria grave, mas isso também pode ser perigoso e
incômodo. Por exemplo (há outros), quando temos de nos haver com um sujeito
melancólico, que pode parecer bastante com um neurótico, é preferível nos darmos conta
disso e não imaginar que a fala é remédio para tudo. Ele pode precisar também de
medicamentos e mesmo de um abrigo hospitalar, casos em que a “hospitalidade
incondicional” seria, sobretudo, culpada.
Para concluir esse assunto, a necessidade do diagnóstico é solidária ao racionalismo
da orientação lacaniana, isto é, do postulado segundo o qual a relação analítica com sua
experiência de fala e com o instrumento da linguagem, de um lado, e o campo tratado por
ela, ou seja, os sintomas, do outro – relação analítica e sintoma –, pautam-se por regras.
Isso quer dizer que há leis, mecanismos e, portanto, um cálculo possível. Evidentemente, o
cálculo não é tudo, não exclui a incidência da causa subjetiva singular própria a cada um,
em que há o incalculável. Em psicanálise, o melhor que se pode fazer é um cálculo que leve
em conta o incalculável.
Gostaria agora de enfatizar o seguinte: em todo diagnóstico – e talvez seja isso o que
aqueles que denunciam o diagnóstico tenham percebido –, há algo que excede o juízo de
saber. Obviamente, é melhor que o diagnóstico seja correto, porém, correto ou não, ele
sempre implica um juízo ético que não é um juízo de saber. Se preferirem, podemos dizer
um juízo de gosto, para retomar o termo de Kant. Nós o percebemos com clareza nos dias
de hoje, quando ouvimos falar do sintoma da homossexualidade. Quando os psicanalistas
falam do sintoma da homossexualidade, encontramos um exemplo atual que nos deixa
apreender que, nos diagnósticos, não há apenas o elemento de saber.
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Há fenômenos discretos que mostram essa dimensão de juízo ético no diagnóstico,


entre os quais algo muito simples: o fato de que ser diagnosticado é sempre muito
desagradável. Fala-se daquele que diagnostica, mas também há o diagnosticado. Às vezes,
ser diagnosticado implica sentir-se muito desamparado.
Além disso, há a freqüente prática do diagnóstico selvagem: tratam-nos de maluco,
histérico, paranóico, esquizo... O fato de fazermos esse uso no cotidiano é um indício de
que é possível injuriar com um diagnóstico, especialmente nos meios psicanalíticos e
psiquiátricos, em que há diagnósticos de corredor, maledicências do tipo: “Você sabe,
fulano é um...”. Esses pequenos fatos discretos presentes no dia-a-dia devem ser situados
em uma estrutura muito mais geral, formulada por Lacan de modo muito simples: “Todo
significante faz injúria ao sujeito”, ou seja, todo juízo que atribui um significante a um
sujeito é violento. Isso quer dizer que o caráter injurioso deve-se menos ao sentido do
significante e mais à própria exortação que provém do Outro, ou seja, de um Outro que
formula: “Tu és isso ou aquilo”, de maneira tanto positiva quanto negativa. O isso ou
aquilo, o significante exortado, injuria o sujeito. Isso quer dizer que ele recalca e aliena seu
próprio ser. Há uma violência da exortação e a exortação do diagnóstico não escapa a essa
estrutura geral. As palavras a nós imputadas nos são violentas.
Nesse sentido, o diagnóstico é o oposto do nome próprio – refiro-me aqui não ao
patronímico usado por nós, mas sim a uma definição do nome próprio como aquele que
identifica nossos traços como singulares, únicos, justamente não predicáveis, e que só se
promovem por meio de atos e obras. Isso nos permite dizer que o nome próprio ex-siste ao
Outro. Não é um significante do Outro, ainda que sejam precisos muitos outros para
ratificá-lo. Assim, nem todo sujeito tem um nome próprio, e penso que uma análise digna
do nome, se começa pela injúria do necessário diagnóstico prévio, do qual dependem as
indicações de análise, deve terminar com um nome próprio que permita ao sujeito
apreender o que está referido ao seu ser singular fora do Outro, fora da alienação.
Não cabe, portanto, tampar o sol com a peneira: reconheçamos a violência do
diagnóstico. Se pudéssemos escolher entre violência e não violência, seria muito simples,
mas não é esse o caso. É preciso escolher entre diferentes tipos de violência: há uma
violência do diagnóstico que não deve ser a última palavra de nossa prática, mas que é
necessária para evitar desastres.
Lacan não tinha o hábito de tapar o sol com a peneira e jamais dissimulou o juízo
ético implicado em suas categorias diagnósticas. É surpreendente a maneira pela qual
explicitou, passo a passo, como as categorias diagnósticas implicavam avaliações éticas; já
me referi a isso.
Podemos seguir essa evolução: por exemplo, inicialmente, vemos que há muita
simpatia pelo neurótico, e Lacan se refere a ele como uma vítima comovente (isso é
gentil!), ou seja, ele vê nos neuróticos sujeitos em dificuldades com seu desejo (é o caso),
mas que, por isso mesmo – virtude do sintoma, portanto –, revelam que o próprio desejo
implica dificuldades. Não são apenas eles que têm dificuldade, o próprio desejo veicula
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dificuldades estruturais. Os neuróticos não apenas o revelam, diz Lacan, como também o
consideram, e acrescenta – eis aqui o juízo ético – que isso não os deixa muito mal na
escala humana.
Evidentemente, tal avaliação, tendo em vista os dias de hoje e, por exemplo, o
relatório do Sr. Cléry-Melin9, que gostaria de fazer passar todos pelo crivo da normalidade,
é um juízo, pode-se dizer, que se gostaria de reencontrar.
Mas Lacan, que valorizava o sintoma neurótico enquanto elaborava a dimensão do
desejo na experiência, avalia-o de outra maneira assim que começa a se interessar pelo que
não é desejo, mas gozo, retomando um termo enfatizado por Freud na fala do Homem dos
Ratos: covardia, frouxidão. Isso quer dizer que o neurótico, em razão do recalque, da defesa
e tutti quanti, recua quando se trata de reconhecer e assumir seu próprio gozo.
Por isso, em 1967, Lacan elogiava o perverso por enfrentar “muito mais de perto o
impasse sexual”.
Vocês vêem, assim, que, nessas duas etapas, Lacan explicita o juízo presente no
diagnóstico em função da perspectiva que toma em relação a ele. Isso faz com que, penso
eu, seja sempre útil, em cada juízo de diagnóstico proferido ou que se pretenda proferir,
interrogar não apenas sua pertinência nosográfica, como também a perspectiva da qual se
avalia o sintoma. Sempre se passa silenciosamente sobre isso, mas se quisermos percebê-lo,
é preciso desentocá-lo, ou seja, é preciso reconhecer que a ética do diagnóstico não é a
mesma na psicanálise e na psiquiatria. Isso não surpreende. Para o psiquiatra, na condição
de agente de saúde mental, os diagnósticos, em última análise, sempre se referem à
adaptação social, à sua periculosidade ou não.
A avaliação ética do diagnóstico psicanalítico não tem essa referência, pois se liga ao
que a psicanálise visa, a saber, ao encontrar-se no inconsciente. Trata-se de um dever
relativo a esse discurso, e não de um dever generalizado! De fato, podemos interrogar-nos
quanto ao diagnóstico, quanto à maneira como um sujeito singular responde ao destino que
lhe é feito por seu inconsciente, como ele se situa em relação à sua própria verdade e como
se situa em relação ao gozo real que tende a desconhecer um pouco mais ou um pouco
menos.
Concluirei com a questão do abuso do diagnóstico. Acredito que aqueles que
denunciam o uso dos diagnósticos erram o alvo. Nos planos epistêmico e prático,
precisamos dos diagnósticos, sob pena de sermos irresponsáveis. O abuso possível, se de
fato ele existe, ocorre no nível da exortação ética e do que inspira o juízo ético inerente ao
diagnóstico. Aqui, com efeito, pode haver usos diagnósticos pouco recomendáveis.

Paris, 12 de novembro de 2003.


Tradução Contra Capa.

9
Philippe CLERY-MELIN escreveu o “Plano de ação para o desenvolvimento da Psiquiatria e da Saúde
mental”, apresentado ao Ministério da Saúde em 15-9-2003.

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