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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA


COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

FRANCISCO ANDRÉ LIMA UCHÔA

IDADE MÉDIA: A VISÃO DE JACQUES LE GOFF EM “EM BUSCA DA


IDADE MÉDIA” E A ABORDAGEM DE JULES MICHELET EM “A
AGONIA DA IDADE MÉDIA”

CASTELO DO PIAUÍ - PI
2018
FRANCISCO ANDRÉ LIMA UCHÔA

IDADE MÉDIA: A VISÃO DE JACQUES LE GOFF NO LIVRO “EM


BUSCA DA IDADE MÉDIA” E A ABORDAGEM DE JULES MICHELET
EM “A AGONIA DA IDADE MÉDIA”

Monografia apresentada ao Curso de


Licenciatura Plena em História, do Centro de
Educação Aberta e a Distância – CEAD, da
Universidade Federal do Piauí.

Orientadora: Francilene Cunha de Morais

CASTELO DO PIAUÍ-PI
2018
FRANCISCO ANDRÉ LIMA UCHÔA

IDADE MÉDIA: A VISÃO DE JACQUES LE GOFF NO LIVRO “EM


BUSCA DA IDADE MÉDIA” E A ABORDAGEM DE JULES MICHELET
EM “A AGONIA DA IDADE MÉDIA”

Monografia apresentada ao Curso de


Licenciatura Plena em História, do Centro de
Educação Aberta e a Distância – CEAD, da
Universidade Federal do Piauí.

Orientadora: Francilene Cunha de Morais

Aprovado em __ / ___ /_____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________
FRANCILENE MORAIS

___________________________________________________________________
TALYTA MARJORIE

___________________________________________________________________
FRANCISCA ARLENE DA SILVA PINHO
AGRADECIMENTOS

O ser humano, um ser social por excelência, tem a constante necessidade de


exercer sua sociabilidade. Assim sendo, em cada ação precisa estar em interação
com os demais da sua espécie, em um processo de reciprocidade, onde o ideal é que
todos os lados saiam beneficiados.
Em um processo longo como é cursar uma graduação, essa reciprocidade
precisa ser cultivada entre os elementos envolvidos nessa árdua tarefa, que no caso
específico é a de formar professores de História para a educação básica. Todos os
entes e agentes precisam estar em sintonia: universidade, professores, tutores,
alunos...
Ao longo dos quatro anos do curso se estabeleceu relação intensa entre os
elementos integrantes desse processo, principalmente internamente no corpo
discente, havendo grupos e pessoas com os quais o indivíduo se identifica mais,
outros com os quais não estabelece uma relação tão próxima.
Os membros desses pequenos grupos que se formam “geralmente em toda
turma) estabelecem entre si uma relação de proximidade e amizade mais cultivada,
em que se compartilha felicidades, tristezas e se estabelece uma ligação de ajuda
mútua.
Foi assim durante estes anos do curso de Licenciatura em História, em que
para que conseguisse me manter no mesmo necessitei da ajuda de colegas e
professores. A estes colegas, meus sinceros agradecimentos.
Gostaria de agradecer também aos nossos queridos tutores presenciais,
professora Arlene e professor Odali, pessoas que muito foram compreensíveis e,
portanto, fundamental para que cumprisse essa jornada.
RESUMO

O presente trabalho tem como tema a Idade Média. A finalidade é compreender e ajudar a
compreender esse período da história humana que já está distante, mas que nem por isso
deixa de ser importante para a compreensão da própria humanidade, principalmente no
mundo ocidental, pois sabe-se que a história é cumulativa e estruturas que balizam uma época
ultrapassam essa época a que dão o norte e podem ser elemento constitutivo de uma outra
era. A idade Média, ao longo do tempo, já passou por diferentes pontos de vista, indo da
demonização ao endeusamento. Para buscar melhores informações, este trabalho, em seu
capítulo dois, analisa duas obras, cada uma pertencendo a um autor diferente, que têm visões
diferentes sobre o período; a saber: Jacques Le Goff e Jules Michelet. O trabalho está dividido
em dois capítulos, além de introdução e palavras finais. No primeiro capítulo busca-se uma
visão geral da Idade Média, e no segundo intenta-se mostrar as visões dos referidos autores
em suas obras. A conclusão objetiva mostrar pontos em que esses autores divergem, além
de buscar um raciocínio de síntese do período em questão.

Palavras-chave: Idade Média; Le Goff; Michelet; continuação versus ruptura; renascimentos


RESUMEN

El presente trabajo tiene como tema la Edad Media. La finalidad es comprender y ayudar a
comprender ese período de la historia humana que ya está lejano, pero que ni por eso deja
de ser importante para la comprensión de la propia humanidad, principalmente en el mundo
occidental, pues se sabe que la historia es cumulativa y estructuras que balizan una época
ultrapasan esa época a que dan el norte y pueden ser elemento constitutivo de otra era. La
Edad Media, a lo largo del tiempo, ya pasó por diferentes puntos de vista, yendo de la
demonización al endiosamiento. Para buscar mejores informaciones, este trabajo, en su
capítulo dos, analiza dos obras, cada una perteneciendo a un autor diferente, que tienen
visiones diferentes respecto al período; a saber: Jacques Le Goff y Jules Michelet. El trabajo
está dividido en dos capítulos, además de la introducción y de las palabras finales. En el
primero capítulo se busca una visión general de la Edad Media, y en el segundo se intenta
mostrar las concepciones de los referidos autores en sus obras. La conclusión objetiva mostrar
puntos en que eses autores divergen, además de buscar un raciocinio de síntesis del período
en cuestión.

Palabras clave: Edad Media; Le Goff; Michelet; continuación versus ruptura; renacimientos
SUMÁRIO

 
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7 

CAPÍTULO 1 - CARACTERIZÇÃO DA IDADE MÉDIA: VISÃO GERAL ................... 10 

CAPÍTULO 2 - IDADE MÉDIA: A VISÃO DE JACQUES LE GOFF NO LIVRO “EM


BUSCA DA IDADE MÉDIA” E A ABORDAGEM DE JULES MICHELET EM “A
AGONIA DA IDADE MÉDIA” ..................................................................................... 20 

1.1 A IDADE MÉDIA SEGUNDO JACQUES LE GOFF NO LIVRO EM BUSCA DA


IDADE MÉDIA ........................................................................................................... 20 

2.2 A IDADE MÉDIA PARA JULES MICHELET EM A AGONIA DA IDADE MÉDIA . 37 

PALAVRAS FINAIS ................................................................................................... 48 

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 51 


7

INTRODUÇÃO

A Idade Média é uma das subdivisões da história que tem seu marco inicial
estabelecido no ano de 476, quando o último imperador romano no Ocidente foi
deposto. Seu fim é estabelecido como sendo no século XV, quando ocorre o que ficou
conhecido por Renascimento. São cerca de mil anos delimitados para este período,
sendo fator para esse enquadramento uma suposta estagnação da mente humana. O
nome média, a propósito, se deve ao pensamento de que essa época não teria nada
que a definisse, então restava atribuir-lhe um caráter intermediário entre a Antiguidade
e a Idade Moderna. Posteriormente, média viria a ser algo insignificante, sem muita
profundidade, com limitações.
O fim do Império Romano do Ocidente se dá por diversas invasões bárbaras,
numa situação em que diversos povos, das mais variadas origens adentraram o
território imperial e criaram, de imediato, um certo desnorteamento em sua população,
que mudou seu modo de vida desde então.

O Império Romano não foi subjugado por um povo conquistador que


houvesse assumido as instituições políticas romanas para renovar, a
partir do seu interior, do seu âmago, a pujança da formação imperial-
tributária. Não houve um invasor, mas diversos. As invasões, por sua
vez, não ocorreram subitamente, mas duraram séculos. (SALINAS,
1987, p 21).

Essa nova realidade levou a uma nova forma de organização social, fazendo
com que o povo migrasse das cidades para o campo, diante da insustentabilidade que
a área urbana apresentava, tanto no que concerne à escassez de alimentos como à
situação de insegurança. Esse contexto foi propício ao que ficou conhecido como
feudalismo, baseado na relação de um senhor de terra com os servos que viviam e
trabalhavam em suas propriedades. Essa realidade atravessa toda a Idade Média,
com maior ou menor intensidade em diferentes locais.
Nesse recorte do tempo histórico conhecido como época medieval os
historiadores da atualidade admitem a noção de vários renascimentos, sendo
supostamente o ponto final o renascimento escrito com inicial maiúscula.
O Renascimento se caracteriza pela busca do retorno ao passado, à
Antiguidade Clássica. Não um retorno sem significado, mas dentro de um contexto de
8

buscar inspiração, de retomar as ideias daquela época para nortear seu tempo. A
realidade é que esse desejo de acesso ao passado não é invenção dos intelectuais
renascentistas; o homem medieval há muito buscava a Antiguidade. Muitas vezes
pretendeu retornar a ela para a partir dela – considerada como modelo ideal – formar
uma sociedade mais próxima da perfeição (inclusive no aspecto religioso). Um tanto
quanto irônico essas duas épocas, colocadas como polos opostos pela modernidade,
buscarem o mesmo objetivo.

A luz do saber antigo nunca se extinguiu por completo; mesmo alguns


dos mais piedosos sacerdotes da Igreja de boa vontade reconheciam
o valor da literatura clássica. Além disso, alguns homens desse
período, se não possuíam gênio criador, pelo menos tinham uma
capacidade para a erudição em nada inferior à dos melhores dias da
Grécia. (BURNS, 1968, p 342).

Burns (1968) fala do reconhecimento que o homem medieval tinha acerca da


importância da cultura antiga, e acrescenta que não faltava também capacidade
àquele homem, que tinha um poder intelectual comparável ao de seus antecessores.
Essa afirmação tem um cunho tanto quanto particular, já que há historiadores
que não concordam com a ideia expressa nela pensam no sentido oposto, de que o
intelectual medieval, por ter seu pensamento voltado principalmente para o mundo
religioso, era limitado.
Mas o importante é ter-se a noção de que a história é cumulativa. A divisão
da mesma em períodos ou idades deveria ter fins apenas didático – a periodização
nasce com esse intuito. Não cabe a um determinado tempo condenar as sociedades
do passado. Não há divisão nítida, se levar-se em conta as características que possam
delimitar uma época, entre um período e outro. Até seria impossível, já que muito do
que norteou uma geração servirá de base para as gerações futuras. Assim, quem
condena o passado, condena também o tempo presente. Como se poderá encontrar
na leitura do capítulo 2 deste trabalho, as estruturas que caracterizam uma sociedade
deixam de existir de forma desigual: as estruturas estão em um emaranhado, que não
se esvai todo de uma vez, havendo estruturas que ainda resistem muito tempo depois
que o tempo a que davam norte chegou ao fim.
Porque é um ser histórico, o ser humano deve sempre buscar compreender a
trajetória da sua espécie, no intuito de conhecer sua própria história ou aprimorar
conhecimentos já existentes. Assim, muitas vezes nos obrigamos a voltar ao passado,
9

seja ele mais próximo ou mais distante, para compreender a nós mesmos. Nesse
intuito nasce este trabalho, que analisa obras de dois historiadores com visões
diferentes, muitas vezes até oposta sobre a Idade Média.
10

CAPÍTULO 1
CARACTERIZÇÃO DA IDADE MÉDIA: VISÃO GERAL

Após os exageros denegridores dos séculos XVI-XVII e os exaltadores


do século XIX, hoje temos uma visão mais equilibrada sobre a Idade
Média. É verdade que a divulgação que ela conheceu em fins do
século XX fora dos meios acadêmicos — inúmeras publicações
científicas e ficcionais, filmes, discos, exposições, turismo etc. — nem
sempre implicou uma melhor compreensão daquele período. Mas
reflete um dado essencial: a percepção que se tem da Idade Média
como matriz da civilização ocidental cristã. Diante da crise atual dessa
civilização, cresce a necessidade de se voltar às origens, de refazer o
caminho, de identificar os problemas. Enfim, de conhecer a Idade
Média para conhecer melhor os séculos XX-XXI. (FRANCO JÚNIOR,
2001, p. 215)

Neste trecho Hilário Franco Júnior cita as fases pelas quais a Idade Média já
se apresentou para os tempos posteriores a ela. O primeiro momento foi de rechaço,
vendo-se esse período como abominável, uma mancha na história da humanidade.
Já no século XIX, vê-se o medievo sob uma nova ótica; agora ele é exaltado, é um
período de que se deve ter orgulho. Por fim, as visões mais sóbrias do século XX,
nem por isso completamente realistas, ainda não sendo totalmente satisfatórias,
muitas vezes, para se compreender o período em questão. Mas o que o autor dá por
certo é o caráter de influência desse período passado sobre a atualidade, achando
necessário a compreensão desse para compreender o tempo presente.
Este mesmo autor ainda afirma que a grande diferenciação entre os tempos
ditos modernos e a Idade Média é a rapidez com que os fatos se sucedem, mas que
as estruturas em que a humanidade se apoia daquele e desse tempo são
semelhantes. E o historiador chama a atenção para que “notemos que na verdade as
especificidades ‘modernas’ são apenas quantitativamente diferentes das ‘medievais’”
(FRANCO JÙNIOR, 2001, p. 215). O Renascimento, que se pretendeu uma ruptura
brusca com aquilo que eles lançaram nas trevas, na verdade seguia a mesma lógica
usada pelo homem medieval, como o desejo de retorno à Antiguidade Clássica, por
exemplo.
Humberto Eco, buscando definir o que seja a Idade Média faz as seguintes
considerações:
11

A Idade Média não é um século. Não é um século, como o século XVI


ou o século XVII, nem um período bem definido e com características
reconhecíveis como o Renascimento, o Barroco ou o Romantismo. É
uma sucessão de séculos assim chamada pelo humanista Flavio
Biondo, que viveu no século XV. Como todos os humanistas, Biondo
preconizava um regresso à cultura da Antiguidade Clássica e, por
assim dizer, colocava entre parêntesis os séculos (em que ele via uma
época de decadência) que decorreram entre a queda do Império
Romano (476) e o seu tempo – embora o destino haja decidido que,
afinal, Flavio Biondo pertencesse também à Idade Média, por ter
morrido em 1463 e se ter convencionalmente fixado o fim da Idade
Média no ano de 1492, o ano do descobrimento da América e da
expulsão dos mouros de Espanha. (ECO, 2010, p. 4)

Neste trecho o autor chama a atenção para a complexidade de delimitação e


até de compreensão da Idade Média. É um período bastante longo que assim se
convencionou chamar – inclusive ao condenar a Idade Média, o indivíduo em questão
(Flávio Biondo) se insere um tempo obscuro, pois a periodização, feita após sua morte,
não reconhecia seu tempo como fora dessa época que ele condenava. Entende-se,
assim, que não é um tema simples e que inclusive a compreensão sobre a própria
delimitação no tempo pode variar em diferentes momentos.
Tanto é assim que Franco Júnior (2001) lista uma série de instâncias da vida
do cidadão moderno em que predominam contextos que em nada se diferenciam
daqueles do medievo. Além de citar o protestantismo como algo que não é inovador,
pois durante a Idade Média surgiram diversos outros grupos ou organizações
religiosas que divergiam da fé católica, o autor menciona a centralização política, que
era já buscada por diversos monarcas medievais, como Henrique II, por exemplo
(1153-1189); a estrutura do Antigo Regime, fundamentada no absolutismo, na
sociedade formada por estamentos e no capitalismo comercial – atividades mercantis
intensificadas; a agricultura e o artesanato, que também seguiam um padrão
medieval.
Para autor referido acima, o legado da Idade Média continua vivo – e pela sua
utilidade, parece que continuará assim.

O patrimônio intelectual de origem medieval é impressionante. Dele


fazem parte as universidades, que até hoje preservam de suas origens
no século XII a pedagogia (aulas expositivas e debate de textos), a
concessão de título (tese submetida a uma banca examinadora), a
concessão do direito de exercício profissional (licencia docendi), a
estrutura administrativa (reitor, divisão em faculdades), o auxílio aos
membros necessitados (concessão de bolsas aos estudantes
12

carentes). Também fazem parte desse patrimônio inúmeras técnicas


intelectuais. É o caso da minúscula carolina (século VIII), base da
caligrafia moderna e dos caracteres de imprensa. Dos algarismos
arábicos (século X), precondição para a matemática moderna e,
assim, para as demais "ciências exatas" [...]. (FRANCO JÚNIOR,
2001, p. 226-227) [grifo do autor]

Sobre o fato de lançar a Idade Média nas trevas (Idade das trevas) – fato que
parece hoje não ser mais levado a cabo por historiadores, mas que foi no passado e
se impregnou na mentalidade de muitos indivíduos – tem-se que:

Se com esta expressão se pretende aludir a séculos de decadência


física e cultural agitados por terrores sem fim, fanatismo, intolerância,
pestilências, fomes e carnificinas, este modelo poderá ser aplicado,
em parte, aos séculos que decorrem da queda do Império Romano até
ao novo milénio ou, pelo menos, ao renascimento carolíngio.
Mas os tempos anteriores ao ano 1000 foram um tanto ou quanto
escuros porque as invasões bárbaras, que durante alguns séculos
fustigaram a Europa, destruíram aos poucos a civilização romana: as
cidades estavam despovoadas ou em ruínas, as grandes estradas já
não recebiam cuidados e desapareciam nos matagais, estavam
esquecidas técnicas fundamentais como a extração dos metais e da
pedra, as terras de cultivo estavam ao abandono e, antes do fim do
milénio ou pelo menos antes da reforma feudal de Carlos Magno,
zonas agrícolas inteiras eram de novo florestas.
Se, porém, formos em busca das raízes da cultura europeia veremos
que nestes séculos escuros surgiram as línguas que hoje falamos e
se instalou, por um lado, uma civilização dita romano-bárbara ou
romano-germânica e, por outro, a civilização bizantina e que ambas
modificaram profundamente as estruturas do direito. Nestes séculos
agigantam-se figuras de grande vigor intelectual como Boécio (nascido
exatamente quando o Império Romano se desmoronava e justamente
chamado «o último romano»), Beda e os mestres da Escola Palatina
de Carlos Magno, como Alcuíno ou Rábano Mauro, até João Escoto
Eriúgena [...] (ECO, 2010, p. 6)

A respeito das línguas formadas no período medieval, Franco Júnior (2001)


afirma que elas são faladas por cerca de um terço da população mundial e que
constituem quase a totalidade das línguas ocidentais.
No que se refere às invasões bárbaras e suas consequências em um primeiro
momento desastrosas, para Le Goff (2005a), a invasão bárbara deixa a vida na cidade
triplamente inviabilizada: a violência, que não se inicia com sua chegada, mas
aumenta consideravelmente deixa a população assaz amedrontada; os saques
realizados às riquezas das cidades deixam o povo sem possibilidade de compra – e,
13

como evidenciado pelo autor, os romanos era um povo essencialmente consumidor,


e não produtor. Por fim, os produtos não chegavam mais às cidades romanas.
A inviabilização das cidades e a consequente ruralizarão da população gerou
uma nova forma de organização social, resultando na estrutura que provavelmente
seja a primeira que vem à mente de quem ouve falar sobre o período medieval. Antes
de ser a época das catedrais, o medievo vai ser uma época feudal, sendo o feudalismo
uma forma de produção, de relação social e até mesmo jurídica (“a noção de
feudalismo é essencialmente jurídica, refere-se à posse e transmissão - regidas por
um contrato - de um bem, de um feudo” (LE GOFF, 2005b, p. 43) [grifo do autor]) que
surge da fusão das culturas romanas e germânicas.

Sem dúvida este definhamento [das cidades] não é senão um dos


aspectos de uma consequência geral da violência dos invasores que
provocou destruição, ruína, pobreza, isolamento, retraimento. Sem
dúvida as cidades eram, pela promessa de suas riquezas acumuladas
e sedutoras, uma presa predileta, as vítimas mais pesadamente
mortificadas. Mas se não conseguiram se reerguer de sua provação,
foi porque a evolução geral afastou delas a população subsistente.
Esta fuga de citadinos era uma consequência da fuga de mercadorias,
que não alimentavam mais o mercado urbano. Sua população é
composta por consumidores que se alimentam de produtos vindos de
fora. Quando a evasão de numerário deixa os moradores das cidades
sem poder de compra, quando as rotas comerciais cessam de irrigar
os centros urbanos, os citadinos são obrigados a se refugiar perto dos
locais de produção. É a necessidade de se alimentar que explica a
fuga dos ricos para suas terras e o êxodo dos pobres para os domínios
dos ricos. Aqui ainda as invasões bárbaras, ao desorganizar a rede
econômica, ao deslocar as rotas comerciais, precipitam a ruralização
das populações - mas não a cria. (LE GOFF, 2005a, p. 34)

A partir dessa fuga do homem com menor poder econômico, da cidade para
o campo, se estabelecendo em propriedades daqueles que tinha posses, impõem-se
uma nova forma de relação social.

Fato econômico, fato demográfico, a ruralização é, ao mesmo tempo,


e em primeiro lugar, o fato social que modela a imagem da sociedade
medieval.
A desorganização das trocas multiplica a fome e a fome empurra as
massas para o campo e as submete à servidão dos grandes
proprietários que as alimentam. (LE GOFF, 2005a, p. 35)

A partir desse fato, as relações sociais na Europa medieval se modificaram


completamente. Famílias se submetiam ao poder de um dono de terra, que passaria
14

a ser senhor dessas famílias – que estavam, de maneiras diferentes no tempo,


vinculadas à propriedade na qual estavam inseridas. Um grande número de pessoas
vê sua vida mudar de maneira drástica: antes levavam uma vida na cidade e eram
livres. A partir do momento em que as cidades não lhes eram mais propícias para
viver, passaram a ser rurais e com a liberdade limitada.

Hasta el siglo XII los campesinos no eran verdaderamente libres, y se


los designaba con el nombre de “siervos”, una palabra que viene del
latín servus, “esclavo”. Pero los siervos no se podían comparar
ciertamente con los esclavos de la Antigüedad: la servidumbre era
menos dura que la esclavitud a la que estaba sometida la mayoría de
los campesinos antiguos; los siervos podían casarse y constituir una
familia legal, lo que no se daba en absoluto en el caso del esclavo. A
partir del siglo XI, los señores les concedían la libertad cada vez con
mayor frecuencia, una libertad que ellos exigían como compensación
por su trabajo; por su parte, los señores necesitaban nuevos cánones
a causa de la evolución económica, y no habrían podido obtenerlos si
hubieran mantenido a los siervos en su estado de “servidumbre”. (LE
GOFF, 2007, p.59)

Embora a relação entre senhor e servo não pudesse ser equiparada àquelas
entre escravos e seus donos, na Antiguidade, de certa forma não é totalmente livre.
Le Goff, (2005a, p. 86) apresenta uma dualidade homem livre/servo: “A principal
fronteira era a que separava os homens livres dos servos, e muitos camponeses eram
ainda livres. ” Dessa forma, pode-se ver que o servo camponês não era exatamente
um homem livre.
O servo camponês, além dos laços que mantinha com o seu senhor, tinha
também que prestar contas com a religião.

El buen cristiano tenía que llevar a cabo un determinado número de


actos: rezar a Dios todos los días, comulgar, es decir, recibir el cuerpo
de Cristo mediante la hostia (pan consagrado por el sacerdote durante
la misa), una vez aI año, y en general abstenerse de cometer faltas o
“pecados”, definidos por la Iglesia y enseñados por ella durante la
instrucción religiosa impartida a los niños en la “catequesis”. (LE
GOFF, 2007, p. 82)

O Cristianismo determinava a vida do homem medieval - uma forma


específica do Cristianismo chamado catolicismo - mas o domínio não era tão completo
como podem pensar alguns.
15

Este tempo foi também – tende-se muitas vezes a esquecê-lo – o das


grandes heresias, ou antes, das grandes hesitações doutrinais, porque
a ortodoxia, que nos aparece fixada apenas por uma ilusória visão
retrospectiva, estava longe de ser definida. Não se trata aqui de
adivinhar quais consequências teriam tido o triunfo das grandes
correntes do arianismo, do maniqueísmo, do pelagianismo, do
priscilianismo, para citar apenas os movimentos religiosos mais
conhecidos do Ocidente nos séculos 5º e 6º. Grosseiramente, pode-
se dizer que o êxito da ortodoxia deveu-se a uma via media entre o
simplismo arianista ou maniqueísta e a sutileza pelagiana ou
prisciliana. (LE GOFF, 2005a, p. 112-113) [grifo do autor].

Essa passagem mostra que a religião oficial nem sempre conseguiu manter-
se inquestionável, evidenciando, assim, que os medievais não eram seres tão
passivos diante do que lhes era imposto.
E para reafirmar a ideia de que o mundo medieval não esteve, todo o tempo
na totalidade de seu território dominado pelo Cristianismo, encontra-se em Le goff que

Nos séculos 7° e 8° monges irlandeses participarão, enfim, do grande


movimento de cristianização da Germânia e de suas regiões limítrofes,
movimento que se apoiou muitas vezes em fundações de mosteiros.
Assim, o mosteiro de Saint Gall (fundado por Gall em torno de 610)
abriu caminho ao de Saint-Bavon de Gand (fundado por Saint Amand
em torno de 630), Saint-Emmeran de Rastibonne (fundado por
Emmeran em torno de 650), Echternach (fundado por Willibrord pelo
ano 700), Reichenau (fundado por Pirmin em 724), Fulda (fundado por
Sturm por instigação de São Bonifácio em 744), e ao de Corvey - a
nova Córbia- fundado em 822. Do século 5° ao 11° os mosteiros
tiveram papel preponderante em todas as frentes de evangelização:
nas cidades, nos campos e além das fronteiras da Cristandade. (LE
GOFF, 2005a, p. 119).

Isso quer dizer que a ideia de “homogeneidade religiosa”, que muitas vezes é
denotada em alguns discursos – ou pelo menos não se menciona o caráter
diferenciado da influência da religião católica nas diferentes regiões, o que se pode
perceber em Michelet (1992) – não encontra correspondente na realidade. Nos
séculos VII, VIII e até ainda no século XI, havia missões de evangelização,
evidenciando que não existia a total unidade religiosa na Europa ocidental feudal.
A propósito, é de certa forma previsível que pelo menos em um tempo próximo
à existência da Antiguidade e do Império Romano do Ocidente, existam divergências
religiosas entre os ocidentais. “O paganismo se enfraquecia desde o tempo de Cícero
e ainda se arrasta no tempo de Juliano e além de Teodósio”. (MICHELT, 1992, p. 21).
16

Segundo Le Goff, (2005b, p. 54), a cristianização, propriamente dita, se deu somente


com Constantino. Mas antes do Édito de Milão, o mundo romano tinha como uma de
suas bases uma fé que os cristãos classificam como pagã - nesse édito, segundo
Franco Júnior (2001, p. 264), é concedida a liberdade de culto ao Cristianismo -, e é
possível compreender que uma dimensão tão cara ao ser humano como é a crença
religiosa (principalmente na cultura da época em discussão, em que as divindades
constantemente se relacionavam diretamente com os aspectos do cotidiano) não seja
suscetível de mudança tão brusca, ainda que adotada outra crença pelo Estado. Isto
vale tanto para os nativos das regiões sob o domínio do Catolicismo romano como
para os povos invasores, chamados no mundo romano de bárbaros, apesar de alguns
destes últimos já terem adentrado o território romano convertidos ao Cristianismo.
Sobre os aspectos religiosos desses povos que adentraram o território do
Império Romano, a quem se chamou de bárbaros encontra-se o destacado abaixo.

Embora uma parte tenha permanecido pagã, outra, e não das menores,
tornara-se cristã. Mas, por um curioso acaso, que viria a se mostrar
cheio de consequências, os Bárbaros convertidos - Ostrogodos,
Visigodos, Burgúndios, Vândalos, e mais tarde os Lombardos –
adotaram o arianismo que, depois do Concílio de Nicéia, tornara-se
heresia. Tinham sido cristianizados por Ulfila, o “apóstolo dos Godos”,
neto de capadócios cristãos aprisionados pelos Godos em 264. A
criança, “gotizada”, foi enviada ainda jovem a Constantinopla, onde
acabou sendo ganha pelo arianismo. Retornando como bispo
missionário junto aos Godos, ele traduziu a Bíblia em língua gótica a fim
de os edificar e assim os fez heréticos. Deste modo, o que poderia ter
sido um laço religioso veio a ser, ao contrário, um motivo de discórdia e
engendrou ásperas lutas entre Bárbaros arianos e Romanos católicos.
(LE GOFF, 2005a, p. 26).

Numa época em que a adoção da religião cristã era decisiva para o apoio da
elite religiosa, já bastante importante no Ocidente, um povo buscou benefícios com
essa religião. Os Francos se converteram ao catolicismo, em um jogo que beneficiou
os dois lados.
O golpe de mestre de Clóvis foi o de se converter, com seu povo, não
ao arianismo, como os demais reis bárbaros, mas ao catolicismo. Com
isto pôde jogar a cartada religiosa e beneficiar-se do apoio, senão do
papado ainda fraco, ao menos do poder da hierarquia católica e do
não menos poderoso monasticismo. Desde o século 6° os Francos
conquistaram o reino dos Burgúndios, no período de 523 a 534, e
depois a Provença em 536. (LE GOFF, 2005a, p. 23).
17

Com o apoio aos Francos os católicos objetivavam expandir sua influência,


indo aonde este povo chegasse. Ao mesmo tempo, Clóvis, o líder franco, buscava
maior apoio e sua legitimação no território que então seu povo ocupava. Esta
“transação” realizada entre as duas partes vai ser bastante significativa, gerando fruto
para os dois lados, e sendo responsável, pelo estabelecimento de grande parte da
ordem e da conjuntura religiosa que levou à configuração que teve a Idade Média. Se
esta situação não foi crucial para a religião alcançar o status e a abrangência que teve,
pelo menos acelerou o processo de cristianização dos povos que ainda se mantinham
pagãos.
Através desse interesse que era exercido em via dupla, a configuração
religiosa e político-administrativa ganharia um novo formato.

Pepino o Breve deu um passo adiante ao conferir importância à


liderança católica dos Francos. Concluiu com o papa uma aliança
favorável às duas partes. Ao pontífice romano, reconheceu o poder
temporal na região da Itália em torno de Roma. Apoiado por um falso
forjado entre 756 e 760 pela chancelaria pontifícia, a suposta Doação
de Constantino, surgiu o Estado pontifício ou Patrimônio de São
Pedro, base do poder temporal do papado que desempenhará tão
grande papel na história política e moral do Ocidente medieval. Em
contrapartida, o papa reconheceu a Pepino o título de rei em 751 e o
sacralizou em 754, no mesmo ano de surgimento do Estado pontifício.
Estavam postas as bases que iriam em meio século permitir à
monarquia carolíngia reunir sob seu domínio a maior parte do
Ocidente cristão, e depois restaurar em seu próprio benefício o império
do Ocidente. (LE GOFF, 2005a, p. 33).

Os povos invasores, portanto, tiveram muitas vezes uma relação bem próxima
com o catolicismo ocidental, seja servindo-lhe de apoio, sendo mantendo relações de
conflitos com o mesmo. Ora tirando proveito próprio dessa religião, ora sendo banido
por ela dos seus domínios.
Sobre essa religião e sobre sua atuação no contexto medieval pode-se afirmar
que não se confirma a ideia um domínio sem questionamento, que os elementos
humanos do medievo não eram simplesmente receptores passivos diante da mesma.
Ideia equivocada também é a que possa sugerir que a Idade Média não
produziu nada nas áreas do conhecimento e da cultura – as denominações que o
período recebeu e recebe se referem a uma ideia de estagnação total ou até de
regresso, como se pode encontrar em Michelet (1992). É o que se buscará mostrar
nos parágrafos seguintes.
18

No campo intelectual-cultural a mentalidade comum se engana. Como já


mencionado – e como também é de conhecimento público – os medievais são vistos
pelo menos avisados como seres que têm como principal característica a submissão,
e, portanto, impedidos de realizar feitos significativos para o conhecimento e a
evolução da humanidade. Assim, estes indivíduos são vistos como desprovidos de
qualquer cultura e segundo essa visão não deixaram um legado positivo para a era
posterior.
Mas uma breve leitura em documentos e textos que se aprofundaram nos
estudos desta época revela uma realidade diferente.

Se puede decir que la Edad Media fue una gran época musical, que
creó y desarrolló instrumentos como el laúd, una especie de violín, y
el órgano. Éste adquirió proporciones tales que tuvieron que
habilitarse en las iglesias galerías especiales con cajas de órgano
cada vez más grandes. Pero el principal instrumento musical de la
Edad Media fue la voz humana. Entonces se inventaron, en efecto)
nuevas notaciones de música, notas de solfeo, nuevas maneras de
cantar, en especial de un modo colectivo: es la “polifonía” (una palabra
que viene del griego y significa “varias voces”). Añadiré que, en el siglo
XIV la música se modernizó bajo formas especiales a las
que se llamó ars nova, el “arte nuevo”. (LE GOFF, 2007, p. 107)

A música, apesar de ter limitações quanto ao tema, que quase sempre era
voltado para o lado religioso, enriqueceu-se, ganhando novas técnicas de execução e
novos instrumentos para a sua realização. Da mesma forma, a literatura não ficou
adormecida durante os mais de mil anos que são considerados como um atraso para
o mundo, e principalmente para o ocidente.

[…] la literatura era muy reputada en la Edad Media, y entonces se


gestó una “creación literaria” muy brillante. En los siglos XII y XIII se
compusieron ciclos de historias y de leyendas, a menudo de forma
anónima (no se conocía el nombre de los autores): son los “cantares
de gesta”, es decir, las canciones que relatan hazañas guerreras como
las de Carlomagno (en La Canción de Roldán). Por otra parte, estaban
las “novelas corteses”, en las que el amor tenía una gran importancia,
y un gran autor originario de Champaña: Chrétien de Troyes (siglo XII).
[…] también […] las novelas que narraban la leyenda artúrica. Pero
todo el mundo está de acuerdo en que el mayor escritor y poeta de la
Edad Media fue el italiano Dante, quien a comienzos del
siglo XIV escribió una inmensa “epopeya” en verso, La Divina
Comedia. En ella se cuenta el viaje del poeta italiano, guiado por otro
gran poeta, Virgilio (éste perteneciente a la Antigüedad romana), por
el más allá: Infierno, Purgatorio y Paraíso, donde la
19

amada difunta, Beatriz, tomará el relevo de Virgilio como guía. (LE


GOFF, 2007, p. 107-108)

Ainda nas artes, reaparece o teatro, que por um tempo havia deixado de existir
por ser considerado incompatível com a religião dominante.

El teatro había desaparecido en los primeros siglos de la Edad Media


porque los cristianos lo consideraban un arte pagano. Pero volvió a
aparecer, en el siglo XII, en los conventos y sobre todo, en el siglo XIII,
en las ciudades. En Francia, había una ciudad muy reputada por su
actividad literaria y teatral: Arras. En las tierras del sur de Francia,
donde se hablaba la “lengua de oc”, (¡de donde viene el nombre de la
región occitana!). Toulouse fue el centro de una sociedad de poetas y
artistas que organizaba los “juegos florales”. (LE GOFF, 2007, p. 108
-109).

As artes, a literatura e até a vida intelectual da Idade Média pode ser


questionada, como por exemplo o faz Jules Michelet, a partir do prefácio do tomo VII
de sua obra História da França. Estavam, em sua grande maioria, estas áreas
vinculadas à religião do papa, que lhe definia as diretrizes. Outros autores, como por
exemplo Le Goff, reconhecem a importância do cultivo dessas áreas para as eras
posteriores, buscando uma visão mais equilibrada sobre o tema: reconhecendo as
limitações, que eram patentes, mas não se limitando a considerar essas limitações na
análise do contexto medieval.
O próximo capítulo trata justamente das visões de Le Goff e de Michelet, em
obras específicas, sobre a idade medieval.
20

CAPÍTULO 2
IDADE MÉDIA: A VISÃO DE JACQUES LE GOFF NO LIVRO “EM BUSCA DA
IDADE MÉDIA” E A ABORDAGEM DE JULES MICHELET EM “A AGONIA DA
IDADE MÉDIA”

1.1 A IDADE MÉDIA SEGUNDO JACQUES LE GOFF NO LIVRO EM BUSCA DA


IDADE MÉDIA

Jacques Le Goff, nascido em 1924 e falecido em 2014, aos 90 anos de idade,


foi um historiador francês membro da Escola dos Annales. Tornou-se especialista em
Idade Média, tema de que tratou em diversas obras.
O historiador em questão busca uma análise da época conhecida com Idade
Média que supere as mentalidades e posturas adotadas ao longo do tempo, que vão
desde o rechaço de tal período até uma mitificação e adoração do mesmo. No primeiro
caso, lhe é atribuído um valor negativo. A Idade Média é vista como uma era que
impediu o progresso da humanidade, e, mais que isso, representou retrocesso. A
segunda postura, adotada pelos românticos, busca a identidade nacional dos Estados
europeus e para tanto, tornam o medievo como algo mágico, que determinou de forma
positiva o destino das nações.
Para o próprio Le Goff, tais abordagens foram as primeiras visões*, uma vez
que eram consagradas nos livros de sua época, ou pelo menos na maioria deles.

Tive sorte, graças a Henri Michel** e depois a outros mestres, de


escapar dessas imagens. Que continuam a ter seu peso, ai de nós,
sobre as mentalidades de hoje. A rica escola medieval francesa,
apesar de seus sucessos científicos, parece não ter mudado nada nos
meios de comunicação e nas ideias transmitidas. Às vezes me sinto
desencorajado ao reencontrar intactos os dois clichês vindos dos
séculos XVIII e XIX: de um lado a Idade Média obscurantista e, como
contraste, a Idade Média “dos trovadores”, suave. (LE GOFF, 2005b,
p. 22)

______
* Le Goff começou a gostar de História muito cedo. Na obra Em busca da Idade Média ele
declara que sua paixão por esta área do conhecimento vem desde os dez anos de idade;
aos 12 descobre a Idade Média, lendo Ivanhoé (de Walter Scott), tema pelo qual despertou
profundo interesse.
** Seu professor de História no Quatrième (correspondente aproximado da 5ª série no
sistema educacional brasileiro).
21

É importante salientar o que Le Goff e outros historiadores destacam sobre a


expressão “Idade Média”. Os homens que viveram no tempo que recebe esta
denominação não a denominavam assim. Foi um termo que surgiu com os
humanistas, no século XVI, e tinha o significado de que o tempo por tal termo referido
não tinha importância para a humanidade, sendo apenas algo que se situou entre a
Antiguidade e o Renascimento – como eles mesmos denominam seu tempo (ainda
sem a inicial maiúscula). A periodização da história atende a fins didáticos e é utilizada
para melhor situar os fatos e acontecimentos no tempo, mas nem por isso ela está
vazia de ideologia. É o caso do tema aqui tratado: o termo que surge com os
humanistas para denominar o período que lhes precede traz em si um menosprezo
ao mesmo. É uma forma de se considerarem superiores, uma vez que teriam salvo o
mundo de um retrocesso. A ideia de retrocesso é apoiada pelos iluministas também
seguindo um viés ideológico, já que suas posturas eram anticlericais, e seria
inconcebível um progresso em uma época em que a Igreja determinava os rumos da
humanidade.
O oposto da visão dos humanistas e iluministas também parece ter uma razão
de existir, não sendo simplesmente uma paixão pelo período. Parece haver nesta
postura um intuito mercadológico. Em Le Goff (2005b, p. 23) encontramos que “[...]
essa Idade Média popular [...] seduzia antes da guerra tanto a esquerda como a
direita. Isso permitia, é certo, grandes sucessos, como a apresentação das
companhias de teatro itinerantes [...]”.
Se o termo Idade Média já traz consigo uma ideia de menosprezo, uma ideia
que surge antes dele deixa claro que o período não é bem aceito no mundo que o
sucedeu, visão que vai se enraizar na sociedade moderna, ora estando mais fraca,
ora estando mais forte. Trata-se da ideia de idade das trevas, que foi formulada pela
primeira vez por Petrarca (1304-1374) – “[...]o primeiro a envolver em trevas a Idade
Média é Petrarca” (LE GOFF, 2005b, p. 23).
De fato, até o próprio homem medieval, mesmo sem assim se denominar, não
enxergam seu tempo como uma grande época para o mundo: “eles se julgam
descoloridos - situados entre duas épocas coloridas. A própria Idade Média, assim, se
autodeprecia”. (LE GOFF, 2005b, p. 58)
A depreciação em relação ao medievo se intensifica nos próximos séculos
que o sucedem, quando o homem que julgava ter superado esse período insignificante
julga seu tempo como superior.
22

A "Idade Média" não existe antes do início do século XVIl e o


"Renascimento" só se constitui plenamente no século XIX ... Foi em
1676 que Christoph Cellarius (latinização do nome alemão Keller)
publicou em lena, em latim, uma história medieval. Em lugar de
medium tempus, como se tinha tornado um hábito, ele emprega a
expressão medium aevum. A nuança tem seu valor: aevum, "a época",
substitui tempus, "o tempo". Alguns anos mais tarde, em 1688, Charles
du Cange, em seu Glossarium, retoma uma terminologia similar. Isso
se radicaliza no século XVIII - esse século que se institui a si mesmo
como das Luzes, lançando outra vez a Idade Média na escuridão. (LE
GOFF, 2005b, p. 58-59) [grifos do autor]

Le Goff, como será mostrado neste capítulo, discorda do pensamento de que


a Idade Média em nada tenha contribuído para o progresso e a evolução do ser
humano enquanto ser intelectual. No decorrer do texto se buscará mostrar isso, mas
de imediato cabe citar o pensamento do referido historiador sobre a periodização do
tempo e da história. Ele trabalha com a ideia de que a história se forma com o passar
do tempo, cada época possuindo sua importância para a mesma, deixando legados
que contribuem em maior grau ou menor grau.

Digo imediatamente: privilegio a dupla continuidade/virada em prejuízo


da noção de ruptura. A história transcorre de modo contínuo. Uma
série de mudanças – que frequentemente são simultâneas – delimitam
evoluções. Quando um certo número dessas mudanças afeta
domínios tão diferentes como a economia, os costumes, a política ou
as ciências; quando estas trocas acabam por interagir umas sobres as
outras até constituir um sistema, ou, em todo caso, uma paisagem
nova, então sim podemos falar de uma mudança de período.
Nenhuma troca, porém, tem como referência uma única data, um
único fato, um único lugar, num único domínio da atividade humana.
(LE GOFF, 2005b, p. 54)

Sendo assim, não faz sentido o homem delimitar um determinado período da


história e condená-lo ou menosprezá-lo em detrimento de outro (s). Nas palavras de
Le Goff (2005b), o homem da Idade Média não fora sensível a esta mudança de era,
ou seja, quem vivia no que se convencionou chamar de idade medieval e chegou até
o que se chamou de Renascimento, não sabia que estava saindo da Idade Média para
a “modernidade”.

Historiador da arte e da civilização, próximo de Nietzsche, amoroso da


Grécia, Borchardt - pioneiro - instaura firmemente a periodização a que
estamos amarrados até hoje. Apoiando-se em sua paixão pelos
Antigos, entusiasmado pela arte italiana do Quatrocentto (nosso
23

século XV), ele estabelece a teoria da ruptura. É ele que inventa o


Renascimento, com R maiúsculo, isola-o da Idade Média e estabelece
esse corte definitivo. Burckhardt joga com a antítese. Opõe esse
período - o Renascimento - ao tempo das trevas, que ainda não estava
claramente circunscrito, nem datado. (LE GOFF, 2005b, p. 60)

Na realidade, embora os historiadores tenham um certo consenso sobre o que


se pode chamar de fim da Idade Média, geralmente colocado como o século XV, livros
diferentes trazem datas diferentes, mesmo porque, como deixa claro o autor aqui
analisado, não há mudanças bruscas nas civilizações a ponto de se considerar a
constituição de uma nova era.

Muitos defendem, como fim da Idade Média, o ano de 1453, queda de


Bizâncio, fim do Império Romano, se bem que os europeus do século
XV, salvo exceção, não viveram o acontecimento como um
traumatismo. (LE GOFF, 2005b, p. 61)

Le Goff (2005b) vai ainda mais longe. Não considera que o fim da Idade Média
tenha se dado no fim do século XV, mas bem depois. Ele considera que as mudanças
significativas, de fato, só vão ocorrer no século XVIII, época das revoluções, quando
se desenvolve uma nova forma de pensar, com o avanço das ciências, dos meios de
produção e as reformas políticas. Como já ressaltado, o autor não considera fatos
isolados como o indicativo de uma mudança de período, sendo necessária a
combinação de várias modificações nos elementos que constituem uma sociedade e
suas sustentações para que realmente se reconheça uma época como nova, e ainda
assim, com características da anterior, já que a história é cumulativa, e as rupturas,
de que muitos historiadores falam, não se aplicam na prática, havendo sempre uma
linha tênue entre cada um dos períodos que compõem a história, afinal, os
acontecimentos não se dão em datas específicas, podendo os fatos e a conjuntura
motivadores de um determinado evento estarem em um tempo não tão próximo a ele.

Os humanistas julgavam que estavam saindo de um período sem


nome, de um intermédio. Os sábios dos séculos XIII e XIV julgavam,
aliás – retomando uma teoria judia das Idades do Mundo -, que a
humanidade se achava justamente na sexta e última Idade, ponto final
de um declínio contínuo. Alguns até dizem, contra as evidências, que
os homens se apequenavam e “envelheciam”: seriam anões em
relação aos “gigantes” dos tempos heroicos, intrinsicamente gastos.
Outros chegavam a pretender que nascemos mais “velhos” do que
nossos ancestrais. (LE GOFF, 2005b, p. 57) [grifo do autor].
24

Ainda a respeito da delimitação do período conhecido como Idade Média, o


consenso coloca seu início para o ano de 476, ano que também no consenso é o fim
do Império Romano do Ocidente, mas Le Goff afirma que

A ideia de um fim brutal da Antiguidade greco-romana felizmente foi


abandonada. Fala-se de Antiguidade tardia. Esse grande período,
ainda imperial, leva à Idade Média ocidental, certamente, mas
igualmente às civilizações do Oriente bizantino e do islam - que talvez
seja preciso parar de designar como medievais. (LE GOFF, 2005b, p.
79).

As visões mais tradicionais e simplistas sobre o período medieval dão uma


ideia de uma homogeneidade, tanto no aspecto da formação da sociedade, quanto no
aspecto religioso e no pensamento de um estatismo ou inércia no decorrer dos anos
e até dos séculos. Isso quer dizer que a falta de informação ou a existência de
informações incorretas não dão à sociedade medieval o seu devido lugar, que é de
uma sociedade complexa, formada por vários povos (além da grande dimensão
territorial que era englobada pelo poder da Igreja – o que implica diferentes povos e
culturas -, há também os povos invasores que vieram a se estabelecer na Europa
ocidental, aumentando ainda mais a complexidade nesse emaranhado cultural). A
ideia de estagnação cultural e intelectual também não permite reconhecer mudanças
mais significativas no decorrer do tempo.
Sobre o primeiro ponto de vista, o da constituição da sociedade, falando sobre
os povos invasores Le Goff afirma que

A Idade Média ocidental não é programada. Nasce de uma


aculturação na qual se confundem pouco a pouco os usos e costumes
greco-romanos com os dos "bárbaros.,. Nasce também da
confrontação com o Islam. Na origem, de fato, nada predispunha o
Império do Ocidente - que englobava a África do Norte - a se tornar
"europeu". Da conquista muçulmana na Espanha (século VIII) até a
hegemonia otomana nos Bálcãs (século XIV), o Ocidente não se
concebe em si mesmo como entidade geopolítica. Estrutura-se
apenas por sua existência diante de um mundo que se mostra hostil.
(LE GOFF, 2005b, p. 80-81).

Também o aspecto religioso é visto pela grande maioria como formado por
um corpo harmônico, uma grande massa que segue o que cristianismo determina,
sem ter a ideia nem o direito de discordar do que a Igreja determina (“a acusação de
heresia, [...] é a arma mais terrível da Idade Média - ainda que raramente empregada,
ao contrário do que tantas vezes se acredita ” (LE GOFF, 2005b, p.112)). De fato,
25

sabe-se da grande repressão do clero às ideias que divergissem das determinadas


pela cúpula do catolicismo era grande, mas houve momentos em que vigoraram
movimentos que não seguiam exatamente o que estava prescrito. Inclusive, durante
a Idade Média haverá casos, mesmo que isolados, de rebeldia e desobediência às
imposições da doutrina religiosa preponderante.
Sobre este tema, encontra-se que

Durante a Antiguidade tardia, houve violentos conflitos sobre


importantes pontos do dogma, especialmente a definição da Trindade
ou a natureza divina do Cristo. E rapidamente apareceu a noção de
heresia, palavra grega que na origem significa "escolha sectária". A
crise da iconoclastia, que foi sangrenta, encerrou-se com o triunfo, no
Oriente, da ortodoxia, quer dizer, da ''justa doutrina": os que não a
aceitam são desde então heterodoxos, "pessoas que professam uma
outra crença (e não a justa)". (LE GOFF, 2005, p. 65-66) [grifo doa
ator]

Essa parte já mostra que o cristianismo não se fundou sob uma base
totalmente coesa, havendo divergências sobre que crença seguir, que aspectos se
tornariam corretos dentro da religião. E ainda se encontra na mesma obra referida
acima que houve movimentos que discordavam da posição oficial das autoridades
religiosas. Além de grupos que praticam heresias “puramente doutrinais” (LE GOFF,
2005b, p. 167), há ainda pessoas e grupos que discordam, mesmo de dentro da
religião: “Nesse período de mobilização pela reforma da Igreja [a partir do século XI],
os que denunciam radicalmente sua corrupção passam por hereges, ainda que sua
adesão aos dogmas fundamentais do cristianismo pareça ‘ortodoxa’” (LE GOFF,
2005b, p.166-167)
A ortodoxia nem sempre teve a força que alcançou com a inquisição –
“Gregório IX (que reinou de 1227 a 1241), ele próprio jurista, faz da Inquisição o
principal instrumento do papado em sua luta contra a heterodoxia” (LE GOOF, 2005,
p.165). Essa passagem denota que a intensificação da inquisição se deu a partir do
século XIII. E mesmo assim, ela não está tão eficaz quanto se possa pensar:
“Conhece-se a tendência da Inquisição quanto a procedimentos e códigos, sem
exclusão do uso da tortura. Sabe-se também que essa obsessão da heresia é uma
das faces mais sombrias do cristianismo medieval. E seu sucesso foi limitado” (LE
GOFF, 2005b, p. 165)
26

Ademais, sobre a religião e a orientação que ela exerce sobre todas as


instâncias da vida humana, Jacques Le Goff, falando especificamente sobre a vida
sexual e o controle exercido sobre ela, diz que

Jean-Louis Flandrin, que fez um estudo inovador da sexualidade


medieval, achava que as prescrições da Igreja, em parte, caminharam
lado a lado com algumas tendências profundas da cultura e da
mentalidade das massas: noção de tempo sagrado, atestado pelos
calendários provinciais, sentido da impureza, respeito às proibições.
Não se deve imaginar uma domesticação implacável do povo pelas
elites clericais. Nada teria funcionado sem algum consentimento - e
nada prova que tudo funcionou com o rigor obsessivo que deixam
entrever os manuais de confessores. (LE GOFF, 2005b, p. 190)

A citação em questão demonstra que, apesar dos pensamentos de que na


Idade Média o controle da população se dava pela violência da religião comandada
pelo papa, tal visão não se configura totalmente como real. Não que a conivência do
povo com a Igreja deva ser vista como uma “domesticação”, mas houve por ele a
internalização do espírito religioso.
É inegável o poder da Igreja, que se impôs e ganhou lugar, na mentalidade
de toda a população, o que ocorreu em um processo gradual, que durou bastante
tempo para lograr uma centralização em torno de si. Assim, o medievo foi sim uma
época de comando da religião cristã, mas também foi um período em que esta religião
precisou demonstrar sua legitimidade para se afirmar e justificar seu domínio. Nem
sempre a relação existente entre a Igreja e o povo era propriamente de repressão,
havendo uma espécie de contrato sob o qual determinadas normas estabelecidas
deviam ser observadas no desempenho das funções humanas e sociais pelos
membros da sociedade.
Sem dúvida a Idade Média é uma época de contradições. Qualquer
pesquisador que se aprofunde nesse universo vai se deparar com realidade que
abrigam contextos e situações que exigem um esforço intelectual para que façam
algum sentido, pelo menos dentro daquele estado de coisas em que se aplica.

Constato - é uma evidência -que em todas as épocas as sociedades


não escapam disso que tentamos definir como incoerências. Essas
contradições internas se devem em particular ao amálgama imperfeito
dos estratos históricos que cada época herda e das diferenças de
caminhada dos diversos elementos constituintes da civilização. Uma
sociedade não caminha em tudo com o mesmo passo. O tempo
concreto da história é heteróclito. E, ais que de contradições, as
27

sociedades históricas parecem-me atravessadas por tensões cujos


conflitos afinal constituem a dinâmica da sociedade. (LE GOFF,
2005b, p. 143)

Nesse mundo de contradições que banha o período aqui estudado, o autor


destaca algumas de cunho social, econômico-social e religioso. Serão destacadas
algumas delas, talvez as principais citadas no livro analisado.
No aspecto religioso, a era medieval é uma fase de aprimoramento. O
Cristianismo, adotado já próximo do fim do Império Romano, está repleto de erros e
acertos, havendo grupos que divergem entre si. O catolicismo consegue hegemonia
e ganha voz no que se refere à determinação do caminho a ser seguido pela religião.
A ideia do purgatório, “essa grande invenção medieval” (LE GOFF, 2005b, p.
116) cria um choque entre as concepções adotadas dentro da crença cristã, que opõe
o céu e o inferno de maneira extremamente profunda.

O purgatório é, se assim se pode dizer, uma sala de espera destinada


aos pecadores médios e ordinários (medíocres, em latim), que não
podem ir diretamente para o paraíso, mas que também não merecem
o inferno. Quase todo cristão podia então pensar que passaria por
esse purgatório para limpar-se de suas faltas. Era reconfortante.
Todos supunham que poderiam escapar do inferno. Mas
representava-se muito mal esse lugar vago e cinzento onde a alma
suspirava por estar tão próxima de Deus, sem, entretanto, chegar até
Ele. A visão que se construiu dele é a de um inferno menos terrível,
porém de qualquer modo temporário. (LE GOFF, 2005b, p. 144)

O espírito “desencarnado”, que antes da ideia de purgatório não ocupava mais


lugar no tempo nem no espaço, agora precisa estar situado em algum lugar, esse
lugar que representa dor e sofrimento, “tão penoso quanto o inferno - com essa
diferença de não ser eterno, mas de duração variável” (LE GOFF, 2005b, p. 145) –
tempo que também leva a uma contradição, já que o universo do espírito não se
submete a esta ideia.

O inferno é monstruosamente terrestre, tão terrestre que é


subterrâneo. Isso não surpreende. Os malvados estão li, punidos de
acordo com o que pecaram. Estão condenados ao prolongamento
perpétuo daquilo que há de pior no espaço-tempo, tornado mais
pesado em consequência de seus atos. Ao invés, há um esforço para
representar o paraíso de maneira sempre mais aérea, celeste,
inefável: sugere-se desse modo um espaço e um tempo tão
desligados de si mesmos que só é possível dar-lhes expressão
através de imagens.
28

Se também se pensa que existe, depois da morte, uma recuperação


possível, isso cria uma contradição. A ideia de purgatório obriga a
definir uma certa forma de espaço e uma certa forma de tempo lá onde
a Igreja ensina, por outro lado, que não há mais espaço nem tempo. É
preciso elaborar um espaço intermediário entre o mundo e o além,
entre a morte individual e a Ressurreição coletiva.
Quando se reza pelas almas do purgatório, quando se manda dizer
missa pelos mortos, quando se faz um esforço para obter
indulgências, tudo isso a Igreja conta para os fiéis sob a forma de dias.
Os cristãos obtêm assim, enquanto estão vivos, para si mesmo ou
para os outros, uma redução em seu tempo de espera. Segundo as
orações, as penitências ou as somas depositadas, pode-se diminuir
essa purgação em dezenas, até em centenas de dias, longos como
sejam esses dias no além. Há tarifações precisas, das quais zombarão
os protestantes. Que são dias em um tempo no qual, segundo
professamos, não há mais dias, afinal? "Mil dias são a teus olhos, diz
o Salmo 90, como o dia de ontem que passa, como uma vigília na
noite." ... (LE GOFF, 2005b, p. 144-145) [grifo do autor]

A partir da introdução da noção de purgatório, entende-se que o destino da


alma depende de duas instâncias: a terrena, representada pela Igreja, e a celestial.

[...]historicamente, o homem vivente dependia na terra do direito de


jurisdição da Igreja, o foro eclesiástico. O homem morto, por sua vez,
estava na dependência única do foro divino. Mas, com o purgatório,
as almas (humanas, dotadas de uma espécie de corpo) dependem daí
em diante do foro conjunto de Deus e da Igreja. A lgreja faz transbordar
seu poder, seu dominium, para além da morte. (LE GOFF, 2005b, p.
145-146) [grifo do autor]

No que se refere à adoração da mãe de Jesus, existe também uma


contradição, não na devoção em si, mas na própria constituição do fato da
maternidade de um ser divino por um ser terreno, uma de suas próprias criaturas. “[...]
a Trindade não foi suficiente e [...] a Idade Média a ela integrou uma quarta Pessoa,
uma mulher: a Virgem. ” (LE GOFF, 2005b, p. 202)

Sem estarem oficialmente formuladas sob a forma de dogmas, essas


duas noções teológicas [Imaculada Conceição e Assunção] já
estavam institucionalizadas. No século XII afirma-se a ideia segundo
a qual a mãe do Salvador não pode, depois de sua morte, ter sofrido
a corrupção corporal: ela subiu ao céu como corpo e alma (a
Assunção). No século XIV, um debate apaixonado se desenvolve para
saber se a Virgem tinha nascido, como todos os seres humanos,
marcada pelo pecado original, ou se Deus a tinha preservado disso -
e dessa forma o Cristo, sem pecado, não nasce de uma pecadora (é
isso a Imaculada Conceição de Maria). A liturgia, e sobretudo a
29

devoção popular, inclinam-se em favor de uma pureza perfeita de


Maria, desde a sua concepção. (LE GOFF, 2005b, p. 202-203)

O historiador ilustra seu texto com um pequeno trecho da obra de Dante, no


qual se mostra esse conflito de ideia, de alguém nascer de sua própria filha, e tem-se
o que parece ser a explicação encontrada para essa contradição.

“Ó Virgem mãe, filha de teu Filho / humilde e elevada mais que toda
criatura / fim determinado do desígnio eterno, / és aquela que
enobreceu de tal forma / a natureza humana que Aquele que a fez /
não abriu mão de ter sido feito por ela ...”
Acha-se de saída aqui a contradição - aparentemente dominada,
transcendida - entre a igualdade e a desigualdade ("Mãe filha de teu
filho"'). Essa contradição está no coração do sistema feudal, mas
também no conjunto das relações entre o alto e o baixo, o céu e a
terra. (LE GOFF, 2005b, p. 203) [grifo do autor]

Além da citada incongruência, com a ideia da elevação de Maria ao céu,


cambia-se a dinâmica estabelecida entre espaço celeste e espaço terreno.

Com a Assunção e a Imaculada Conceição, vemos cumprido o tema


da Escada. Uma escada liga o céu à terra, a terra ao céu, como se vê
no Gênesis (28, 12), com o sonho de Jacó [...]
A separação entre a realidade terrena e o além, rígida até os séculos
X e XI, é abolida de maneira irreversível. A escolástica segue a mesma
tendência: ela é a um tempo ciência de Deus e sabedoria dos homens,
teologia e filosofia. (LE GOFF, 2005b, p. 204)

Vinculado também ao aspecto religioso, mas não somente a ele, há também


conflito de ideias a partir do surgimento da figura do mercador-banqueiro. Esse
surgimento rompe com a realidade de um longo período, tempo em que o papel
desempenhado pelo comércio era muito reduzido. “Até os séculos XI e Xll, as trocas
eram muito reduzidas. Exceção feita a esse indispensável agente de conservação [o
sal], necessário, fundamentalmente, para a alimentação dos homens e dos animais
de criação e para o tratamento dos solos. ” (LE GOFF, 2005b, p 95)

[...] a Idade Média faz surgir uma categoria social nova: o mercador-
banqueiro. Os dois ofícios são então indissociáveis. Até o século XI, o
comércio permanecia pouco desenvolvido. Algumas trocas,
entretanto, eram feitas através dos monges e, sobretudo, por duas
categorias de "estrangeiros": os judeus e os sírios, nome genérico para
os orientais do Oriente Próximo. Havia poucos comerciantes
especializados. Como já acontecia na Antiguidade, onde o comércio
30

não constituía, em Roma, por exemplo, mais do que uma das funções
da classe equestre, a dos "cavaleiros". Ora, eis que aparece, no século
XII, o mercador, cuja atividade apresenta rapidamente uma outra face:
o banco. (LE GOFF, 2005b, p. 96)

Merece destaque o surgimento do banco. Vale lembrar que a Igreja condena


a usura, portanto, a priori, os banqueiros, que eram encarnados na figura dos
mercadores estariam em desacordo com os dogmas de Santa Sé. Mas os mercadores
sentiam a necessidade de exercer esse papel, sem o qual sua atividade comercial
ficaria comprometida ou até mesmo inviabilizada.

O mercador, quando circula, precisa mesmo trocar sua moeda, torná-


la reconhecida, etc. Essa atividade de troca, que tira seu nome do
balcão onde a pessoa se instala (banco, em italiano), permite aos
mercadores jogar com a diferença de cotação. Intensificando-se o
comércio, os mercadores evitam o transporte de numerário graças à
invenção da letra de câmbio. Essa letra permite a um mercador pedir
emprestado a um outro mercador, por documento escrito, uma soma
que lhe será reembolsada mais tarde em algum lugar. Esse mercador
cria, portanto, o crédito a termo. Intervém também num outro lugar com
uma outra moeda. O crédito se cruza numa operação de troca. (LE
GOFF, 2005b, p. 96-97) [grifo do autor]

Surgia assim o dilema não só para os religiosos, mas também para os leigos
mercadores, que queriam manter sua salvação, além da figura de bom cristão perante
a sociedade e as autoridades religiosas.

Bons cristãos, querem justificar esse dinheiro. Compensam esse


contato "impuro" com um dinamismo cultural que os eleva ã altura das
duas únicas categorias sociais prestigiosas até o século XI: os nobres
e os prelados mecenas e comanditários daquilo a que chamamos obra
de arte (a expressão não existe na Idade Média, a arte no sentido
moderno aparece no século XlX).
[...]tentaram cristianizar sua atividade. Iam à missa, mandavam rezar
missas, observavam as obrigações quanto aos sacramentos; assim
como a Igreja constatava sua existência, sem hostilidade particular.
Não lhes indicava, entretanto, os parâmetros necessários. Não havia
pensamento muito elaborado quanto à sua ação, fora a desconfiança
tradicional diante do dinheiro. Limitando-se a repetir a condenação de
"Mamon" - o dinheiro enganador -, a Igreja comportava-se de modo
instável, uma vez que, de alguma forma, deixava livres para agir esses
mercadores que ela não sabia como enquadrar.
(LE GOFF, 2005b, p.97-98)
31

Essas pessoas que participavam e formavam um mundo de comércio não


tinham, como se pode perceber, a intenção de desobedecer a Igreja em um ato de
desrespeito. Muito pelo contrário, sempre buscaram, como se pode encontrar no livro
em análise, a evidenciação e a comprovação de que desempenhavam um trabalho
digno, de que não caracterizavam, com ele, uma afronta a Deus, a seus ensinamentos
nem a seus representantes na terra. Para isso, vão precisar de argumentos para se
manterem em atividade.

O problema da usura finalmente permitiu desenvolver a reflexão.


Quando há benefício legítimo? Quando há usura? Como se distingue
um caso do outro? Até onde a especulação pode ser aceita? Quando
a especulação se torna um pecado? Essas interrogações remetem à
questão de duração: os mercadores vendem tempo, mas o tempo só
pertence a Deus. (LE GOFF, 2005b, p.98)

A Igreja, também, como pode-se depreender de nosso autor, não perseguia


os usurários por uma questão arbitrária: estava defendendo uma ética, e assim
defendia o próprio usurário do sofrimento eterno. Combate, aparentemente com
feracidade esses profissionais no início, mas a visão sobre os mesmos vai se modificar
um pouco com o passar do tempo. Como pode-se perceber até no meio social, mesmo
hoje a questão do dinheiro não foi banalizada completamente, nem mesmo se tem
uma visão liberal sobre o mesmo. “A fórmula de François Mitterrand contestando os
ganhos na bolsa, os lucros daqueles que "enriquecem dormindo", poderia ter saído
de um sermão da Idade Média. ” (LE GOFF, 2005b, p.101). Mas as visões não se
mantêm rígidas e intocadas com o passar dos tempos. Encontra-se que

Os clérigos então passam a se esforçar para legitimar esse novo tipo


de usurários-que pouco a pouco vão deixando de ser designados
como tais, e se tornam aquilo a que chamamos "mercadores-
banqueiros". Reconhece-se em primeiro lugar que eles exercem um
trabalho. Não, eles não enriquecem "dormindo": eles trabalham! Disse
São Paulo: "A quem dá seu trabalho (merces [ofício] na Vulgata), o
salário não é favor: é-lhe devido" (Romanos 4, 4). Daí o adágio
famoso: "Todo trabalho merece salário'. O trabalho é que o legitima. E
isso deve ser creditado, se posso dizê-lo, aos mercadores.
Mercadores que também se beneficiam do princípio de utilidade.
Importam bens que a cristandade não produz, e que são
indispensáveis. Desde que o comércio ganha impulso, os homens da
Idade Média têm consciência de seu caráter "internacional"; quer
dizer, essencialmente, persistem as ligações entre Ocidente e Oriente.
A essas duas legitimações dos mercadores pela Igreja, acrescenta-se
uma terceira, que parte dos próprios mercadores. Rapidamente eles
32

se distinguem por seu mecenato na arte e na cultura - dois domínios


então estreitamente unidos à vida cristã. Esse mecenato permite aos
mercadores a "remissão" de seus pecados. Permite-lhes também
exprimir seu gosto, suas expectativas, tanto na ordem do espiritual
como na ordem do imaginário. (LE GOFF, 2005b, p. 103) [grifo do
autor]

Após um primeiro impacto com a nova realidade, que confunde a todos, sejam
leigos ou autoridades religiosas, busca-se uma melhor análise da conjuntura. Uma
das formas de justificar o acúmulo de riquezas pelos banqueiros vem das próprias
escrituras sagradas, havendo a defensa de que quem trabalha merece receber
pagamento por isso: então, os mercadores estavam apenas colhendo o fruto de seu
trabalho, e não retirando indevidamente as posses de alguém. Seu trabalho também
gerava bens e mostrava-se útil e até necessário. Esta última afirmação serve também
como uma forma de justificação: com seu trabalho, que era de intercâmbio, faziam
adentrar no ocidente produtos que não eram produzidos por seus habitantes; mostra-
se útil essa atividade.
Le Goff (2005b) confirma que as condenações por usura não foram casos tão
isolados, mas que a grande perseguição que habita o imaginário de alguns não passa
de fantasia, uma imagem criada já em tempos posteriores ao que chama de medievo.

Não se pode, por isso, falar de um enfrentamento: Igreja contra


mercadores. O lugar-comum segundo o qual a Igreja se oporia à
economia e ao progresso é parte do velho arsenal das Luzes,
retomado no século XIX. A verdade é totalmente outra: a partir dos
séculos XI e XII desenvolve-se uma legitimação do dinheiro. Há uma
consciência do perigo que o dinheiro representa, há uma consciência
do obstáculo em que ele se constitui no caminho da salvação, mas
não se deixa de reconhecer cada vez mais sua legitimidade embutida
numa verdadeira "economia" moral. (LE GOFF, 2005b, p. 101)

Ainda no campo das contradições encontram-se as guerras, os


enfrentamentos pela violência. Em Le Goff (2005b), encontra-se que a atividade
guerreira é definitivamente proibida aos clérigos por Gregório VII. O ideal cristão é o
ideal da paz, por isso, essa proibição já está implícita, inclusive para os leigos, que
aliás, renovam sua dignidade a partir da época comandada pelo referido papa, e
ganham cada vez mais responsabilidades, embora sejam considerados cristão de
segunda classe diante dos clérigos, que estão acima dos demais.
33

A posição em relação às guerras, segundo Le Goff (2005b), é ratificada em


1095 pelo papa Urbano II, que determinou o cessamento dos conflitos internos no
Ocidente.
A contradição vem justamente por esse papa, Urbano II, que abre espaço para
as cruzadas, indo de encontro ao princípio cristão de ser sempre movido pela paz e
em busca da paz. Mais uma vez foi preciso a busca da justificação dos atos.

O ideal cristão continua sendo a paz. A guerra é uma das numerosas


consequências do pecado original. Só se legitima - ela não é "justa" -
se declarada por uma pessoa a quem Deus tenha concedido a
auctontas (a autoridade) e apotestas (o poder). Agostinho determinava
precisamente com isso que a "autoridade" reportava-se ao príncipe
detentor do poder, e não a qualquer chefe de clã. A lgreja condena,
portanto, todas as formas de guerra que não sejam decididas e
conduzidas por aquilo que designaríamos como o Estado, o poder
público. A Igreja se reserva igualmente o direito de aprovar ou
condenar a guerra, uma vez que é ela a auctoritas suprema. (LE
GOFF, 2005b, p. 184) [grifo do autor]

Só quem tem a autoridade pode determinar se uma guerra é legítima, e só


quem possui autoridade suprema pode definir se ela é justa. Quem tem a autoridade
suprema na sociedade medieval é a Igreja, portanto ela disporá sobre tal assunto.
Mas parece que os critérios não são tão objetivos e tão fáceis de definir.

Santo Agostinho tem uma resposta. Uma guerra é justa quando não é
inspirada "pelo desejo de prejudicar, pela crueldade na vingança, pelo
espírito implacável incontido, a vontade de dominar e outras atitudes
semelhantes". Em resumo, a Igreja condena a guerra de conquista.
Aceita a guerra defensiva. Tratando-se das Cruzadas, bastava afirmar
que o agressor era o islam. A cristandade não pretendia conquistar a
Terra Santa, mas retomar um território do qual tinha sido espoliada.
"As guerras justas vingam as injustiças", dizia ainda Agostinho. (LE
GOFF, 2005b, p. 185) [grifo do autor]

Ainda se encontra na mesma obra que

Houve necessidade de muitos teólogos da Reconquista prelados de


origem cavaleirosa como o futuro papa Urbano II, ou pregadores
populares como Pedro, o Eremita e muitos outros para considerar que
existia uma forma superior de guerra justa - a guerra dita "santa”. (LE
GOFF, 2005b, p.186-187)

O próprio autor, extrapolando as explicações dadas pela religião, que buscou


dar a esse combate por ela engendrado, que se conhece por cruzadas, expõe causas
34

sociais que possivelmente tenham sido a razão ou uma das razões para que essa
guerra fosse incitada e iniciada.

Enquanto se construía o sistema das senhorias e dos feudos,


enquanto o desenvolvimento do comércio amplificava a
progressão demográfica, um excedente de juventude punha o
equilíbrio da Cristandade em perigo. Numa sociedade em que é
fundamental o direito de primogenitura, que fazer de todos esses
cavaleiros irmãos mais moços, privados de terras por seus
irmãos mais velhos, mas também privados de mulheres? Antes
que começassem a disputar a Europa entre si, promete-se-lhes
um patrimônio no berço da cristandade. Desvia-se sua
vitalidade, sua violência, contra o abominável muçulmano,
contra o Infiel. (LE GOFF, 2005b, p.183-184)

Desta forma, Le Goff aponta mais que os motivos declarados pelo catolicismo
para o advento das cruzadas: evidencia um problema social, que parece ter
encontrado nesses conflitos contra os muçulmanos sua válvula de escape.
Sobre a concepção de uma Idade Média estática, sem inovações ou sem
criações, entende-se se tratar de uma ideia falsa, quando se aprofunda na análise
desse período. É bem verdade que o homem medieval tinha medo do novo. “A palavra
novitas, novidade, enche de medo e de hostilidade aquele que a ouve. ” (MICHELET,
2005, p. 67) [grifo do autor]. Mas isso não significa que nada tenha sido criado nesse
tempo. Muito se criou, e aliás, muito das estruturas dos tempos modernos tem uma
origem medieval: a sociedade que condena uma que está no passado se utilizando
de estruturas legadas por esta.

Eis porque falei de urna longa Idade Média, uma Idade Média que -
em certos aspectos de nossa civilização - perdura ainda e, às vezes,
desabrocha bem depois das datas oficiais. O mesmo se pode dizer em
relação à economia, não se pode falar de mercado antes do século
XVIII. A economia rural só consegue fazer desaparecer a fome no
século XIX (salvo na Rússia). O vocabulário da política e da economia
só muda definitivamente - sinal de mudança das instituições, dos
modos de produção e das mentalidades que correspondem a essas
alterações - com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. É
também o momento em que se chega à construção de uma nova
ciência que já não é medieval (Galileu, Harvey, Newton, etc ...). (LE
GOFF, 2005b, p. 66-67)

Para Le Goff (2005b) a Idade Média foi responsável por inovações, por
criações, mas nega isto. O autor afirma que a todos que se imputa alguma criação,
35

prontamente se recebe uma negação. A ideia que admitem é a de “renascimentos”:


as ideias já existiam, só foi redescoberta ou lhe dada uma nova perspectiva; “só alguns
audaciosos, alguns provocadores recorriam à novidade entendida de maneira
positiva. ” (LE GOFF, 2005b, p. 68)
Mas o que se pode ver em Le Goff (2005b) é que, ou revivendo ou adaptando
ideias ou as criando, o homem medieval não era um ser ignorante e sem participação
na construção da história. Nesse sentido os historiadores atuais trabalham com a ideia
de vários “renascimentos”, referindo-se a períodos mais produtivos, em termos de
legado cultural e intelectual ou no aspecto econômico, dentro da própria Idade Média.

O primeiro desses renascimentos é com toda evidência o


Renascimento carolíngio (fim do século VIII-século IX). Assinalaram-
no muito cedo historiadores como Jean-Jacques Ampère (1800-1864),
filho do célebre físico Ampère em sua Histoire Littéraire de la France
sous Charlemagne 1839). [...]
[...] o tempo de Carlos Magno – caracterizado pela busca de uma
edição autêntica da Bíblia e pela reforma da escrita - constrói os
fundamentos de uma civilização. Temos a exegese, de um lado. Do
outro, a arte de ler e escrever. A Idade Média vai ser o tempo do Livro
e dos livros. (LE GOFF, 2005b, p. 68-69).

Após o surgimento da noção de renascimentos dentro da Idade Média – a


saber, Le Goff (2005b), em seu primeiro capítulo, considera o Renascimento (com
inicial maiúscula) em acontecimento medieval – aparece a subjetividade dos
historiadores, que querem deixar para o mundo as suas impressões, expressando-as
como verdadeiras. Há a sugestão de muitos renascimentos, muitos se mantendo
como fato verdadeiro somente para seus “descobridores” ou criadores.

Para falar a verdade, uma vez introduzida a noção de renascimento,


alguns medievalistas a veem por toda parte, tão constante é a
aspiração por um renascimento, por uma reforma, na Idade Média.
Contudo, para que a periodização seja prática – de outra forma,
periodizar não serviria para nada -, exigências se impõem, pois há
risco de os historiadores esquematizem, como sempre, evoluções
cada vez mais sutis. O grande medievalista ítalo-americano Roberto
Sabbatino López levantou há pouco a questão: “o século X seria
também um Renascimento? ” (The Tenth Century, still another
Renaissance?).
Tratava-se, para este historiador, de situar a questão da “decolagem”
do Ocidente por volta do Ano Mil, questão que recentemente suscitou
discussões inúteis. Não houve nada no Ano Mil, mas, como George
Duby mosrou com toda a evidência, o período 980-1040 é um
momento de efervescência decisiva no domínio econômico e social
36

(desenvolvimento dos arroteamentos, do cavaleiro, dos castelos, da


aldeia e logo da senhoria), e no domínio espiritual (movimento da paz
de Deus, construção de igrejas, mito de Jerusalém preparando a
cruzada). É razoável, então, levar em consideração as análises feitas,
em 1927, pelo americano Charles Homer Haskins, e que foram em
seguida objeto de numerosas pesquisas. Haskins lançava a ideia de
um segundo Renascimento, no século XII. (LE GOFF, 2005b, p. 71-
72).

De qualquer maneira, a forma de pensamento – que os autores têm sobre


renascimentos na vigência da Idade Média – mencionados por Le Goff (2005b)
evidencia que a época em discussão não se constitui em total inércia, ainda que
muitos dos fatos e dos contextos em que aconteceram não possam ser chamados de
“renascimentos”. Assim o autor repassa à humanidade uma nova chave para acessar
a Idade Média.
Ainda sobre a sociedade medieval, o livro analisado (Em busca da Idade
Média) destaca que a organização político-social que primeiro vem à mente de quem
pensa sobre o medievo está equivocada.

Hoje, fazemos a história da Idade Média quase sem recorrer à noção


de feudo - o que mostra a extensão das mudanças.
Para deixar essa abordagem excessivamente jurídica, foi preciso
ampliar o estudo das fontes; foi preciso consultar tudo aquilo que os
historiadores não liam no século XIX, ou não julgavam digno de ser
lido: sermões, manuais de confissão, teologia prática, contas
comerciais, etc. Descobre-se assim uma Idade Média diferente. E uma
História diferente. (LE GOFF, 2005b, p.43)

O Meio rural foi, durante quase toda a Idade Média, o principal local para viver
e para produzir, somente ganhando um pouco de destaque as cidades a partir do
século XII, como vê-se em Le Goff (2005b), na página 207. Mas nem por isso, a vida
do homem daquela época se restringia a sua relação com a terra – e com a religião.
A própria noção de feudo é diferente do que habita o imaginário popular. Ele
é visto como um entrave a uma unificação, quando na verdade, para Le Goff, foi ele
que constituiu base indispensável para a formação das administrações sobre
territórios unificados.

Observemos apenas que o sistema dos feudos, a feudalidade, não é,


como se tem dito frequentemente, um fermento de destruição do
poder. A feudalidade surge, ao contrário, para responder aos poderes
vacantes. Forma a unidade de base de uma profunda reorganização
37

dos sistemas de autoridade, o quadro indispensável ao aparecimento


dos Estados. (LE GOFF, 2005b, p. 158)

Falou-se anteriormente nas contradições da Idade Média. Esta fragmentação


sendo parte funcional na gestação de uma unificação parece mais um desses
contrassensos, mas a afirmação do autor é de que este tipo de organização apareceu
em um momento em que foi necessária e some quando não é mais essencial.
Com esta parte do capítulo, buscou-se fazer um apanhado, em caráter de
resumo, das principais concepções de Jacques Le Goff (2005b) sobre a Idade Média.
Através de seus estudos, ele mostra que atribuir um juízo de valor sobre este período
não é algo fácil, talvez nem possível. Pode-se concluir, portanto, que as visões
superficiais que nos são geralmente oferecidas não podem satisfazer, pois ignora a
complexidade desta sociedade. Não há, portanto, conclusões fáceis e totalmente
objetivas sobre o medievo.

2.2 A IDADE MÉDIA PARA JULES MICHELET EM A AGONIA DA IDADE MÉDIA

Depois de ter por muito tempo passeado por uma Idade Média que o
entusiasma e o enternece, porque ele encontra o povo verdadeiro na
pessoa de Joana d'Arc ou de Jacques Bonhomme - camponês
imaginário, simbólico-, Michelet faz o prefácio em 1869 do tomo VII de
sua História da França com um espírito totalmente novo. Ruptura
violenta com o primeiro romantismo. Não existe nada de
verdadeiramente bom, diz ele, antes do Renascimento, aurora dos
tempos presentes, cujos símbolos são dois gigantes: Rabelais e
Lutero. (LE GOFF, 2005b, p.63)

A Agonia da Idade Média, reeditada como livro atualmente, na verdade é o


prefácio dos tomos VII e VIII da História da França de Jules Michelet.
Pela primeira vez aparece em suas obras a Idade Média das trevas, que causa
repúdio, que representa um retrocesso. Antes, sob uma visão romântica, esse período
da história era exaltado como profícuo, como algo que dava orgulho à Europa.
Mais que repudiar a Idade Média, Michelet agora culpa a si e aos que seguiam
a linha de defensa da mesma. Esta postura surge, ou em conjunto com um espírito
anticlerical e de menosprezo ao Cristianismo ou mesmo dentro deste espírito. A Igreja
38

e a fé agora são algozes do povo; são fatores de escravidão, de alienação, enfim,


tiram do ser humano mais que sua dignidade: tiram também a sua humanidade.
Nessa linha de pensamento, o Renascimento vem para salvar a humanidade
do abismo a que ela foi atirada. Adiado muitas vezes, acontece no século XVI, tendo
como principal característica estrutural a retomada da liberdade pelos indivíduos.

A agradável palavra Renascença não evoca aos amigos do belo senão


o advento de uma nova arte e o livre desenvolvimento da fantasia.
Para o erudito, é a renovação dos estudos da Antiguidade; para os
legistas, o dia começa a brilhar sobre o dissonante caos de nossos
velhos costumes. (MICHELET, 1992, p.19)

A Idade Média, para Michelet (1992) é artificial, por isso resiste tanto. Ela
morre e renasce inúmeras vezes. O historiador sustenta essas afirmações e ainda
considera que a longa duração é a única coisa que o período tem a mostrar.

Quantas vezes ela expirou!


Ela expirava desde o século XII, quando a poesia laica opôs à legenda
trinta epopeias; quando Abelardo, fundando as escolas de Paris,
arriscou o primeiro ensaio de crítica e bom senso.
Expirou no século XIII, quando um ousado misticismo, suplantando a
própria crítica, declara que ao Evangelho histórico sucede o
Evangelho eterno, e o Espírito Santo a Jesus.
Expirou no século XIV, quando um leigo, apropriando-se dos três
mundos, encerra-os em sua comédia humana, transfigura e fecha o
reino da visão.
E, definitivamente, a Idade Média agoniza nos séculos XV e XVI,
quando a imprensa, a Antiguidade, a América, o Oriente, o verdadeiro
sistema do mundo, essas luzes fulminantes convergem seus raios
sobre ela. (MICHELET, 1992, p.21)

Nas considerações feitas na referida obra, o surgimento de uma racionalidade


no século XVI é de um heroísmo tremendo. As revoluções que ocorreram e ocorrem
no mundo têm suas bases em momentos anteriores, mas para Michelet (1992), o
século XVI surge de um abismo profundo, que não dá nenhuma base para a
racionalidade.
A pretensa dualidade entre o poder terreno e o poder divino alienou ainda
mais o homem. O poder dos reis e o poder dos papas, que se constituem como
entidades diferentes a partir do século XII, mantêm entre si uma relação pelo menos
de semelhança, sendo o principal fator a falta de liberdade para o povo, a liberdade
para exercer sua humanidade. O fato de haver essa poda do ser humano dá ainda
39

mais louvor ao século XVI, que consegue superar esse domínio que aparentava ser
irredutível.
O século XII é, segundo o autor, um século literário. Mas é uma literatura vaga,
que aliena, e que vai piorar no século seguinte. As Canções de Rolando, na análise
do autor, recebem apenas uma versão nessa época, já que é bastante rica em análise
e em crítica e, portanto, não poderia ter sido gestada em uma época de tão pouca
capacidade criativa.

O século XII é um século literário. Poder-se-ia acreditar que, por essa


razão, um sentimento de sobriedade elegante lhe fizesse abreviar o
detalhe e condensar as ideias. Mas é exatamente o contrário. O parco
pensamento é sufocado sob as rimas acumuladas. A expansão
imoderada, a exibição de palavras, a amplificação, denota em toda
parte o colégio. No século XII, os poemas eram curtos e cantados;
eram cantos, canções, como diz seu título. No século XIII, não se
pensa mais nos ouvidos, mas sobretudo nos olhos. Escreve-se para a
sala de leitura. A retórica floresce; uma retórica prolixa, inesgotável,
que, de dois ou três mil versos que o poema original possuía, passa a
vinte ou trinta mil. (MICHELET, 1992, p.30-31) [Grifo do autor]

Os responsáveis por estas obras são verdadeiros profissionais, que em nada


parecem compreender a essência das obras que adulteram e comercializam. A época
da criação se torna totalmente estranha e em nada é mais compreendida no tempo
desses profissionais.
O medievo é de contradição. Várias são citadas na obra aqui referida. Uma
delas diz respeito à servidão, que para o autor é uma escravidão disfarçada. A
escravidão, para ele, é contraditória à natureza humana, principalmente no contexto
cristão, em que um messias deu a vida para redimir seu povo. Sobre o homem deste
tempo, Michelet faz as considerações a seguir:

Ele é livre? Não é livre? Ele é livre, pois tem sua família garantida pelo
sacramento. E não é: sua mulher, na realidade não é só sua, assim
como a mulher de um escravo antigo também não é. Seus filhos são
seus filhos? Sim e não. [...]
O servo, nem livre nem não-livre, é um ser bastardo, suspeito, nascido
do sarcasmo. (MICHELET, 1992, p.32)

Os homens, antes livres, passaram a pertencer, juntamente com sua


propriedade, a um senhor, numa relação que o bestializa. Essa é a dinâmica frequente
na Idade Média, com raras exceções. Os alódios, faixa de terra que resistiu ao domínio
40

senhorial, são motivo de escárnio para a sociedade consolidada. A escravidão rindo-


se da liberdade, que constitui uma anomalia, um verdadeiro monstro naquele mundo.
Processo semelhante que ocorreu com o homem do campo que perde sua
humanidade perante a dominação do senhor ocorre na cidade. As comunas,
concebidas no século XI, perdem, no século XIII, sua liberdade, estando a partir de
então sob o domínio de um rei.
A dominação se intensifica com esse advento, o surgimento da figura do rei,
que representa o Estado e a religião. Agora a população se sente desmotivada a lutar.
Qualquer manifestação pode estar sendo monitorada pelas forças do Estado e pode
desencadear um ato de repressão.
Esta figura assume características diferentes de acordo com o lugar. As
comunas italianas, por exemplo, entregam-se ao poder de um rei estrangeiro, que
nada tem internalizado dos costumes de seus povos; as comunas francesas abdicam
de comandar seus destinos em favor de um governante superior, que também é
muitas vezes alheio aos costumes locais.
A própria comuna nasce, para Jules Michelet, nesse prefácio reeditado como
livro, do ridículo, de figuras pretenciosas que são os burgueses. Esta classe,
pretensamente nobre, é, parece, menos que a sombra do que pretende ser.
O autor de A Agonia da Idade Média coloca como seu principal algoz o próprio
espírito daquele tempo. Era uma época que não se reconhecia, e, por isso, não
reconhecia a necessidade de mudança. A suposta intelectualidade desse tempo,
representada principalmente pela escolástica, leva aquele povo e a humanidade para
um abismo profundo, de onde se revelou muito difícil sair-se.

A Antiguidade, com o escravo e com o senhor, teve o estúpido e


o insensato. A Idade Média monástica teve um mundo de idiotas.
Mas o tolo é uma criação essencialmente moderna, nascida das
escolas do vazio e da presunção escolástica; ele floresceu,
multiplicou-se nas classes tão numerosas, onde a vaidade
pretensiosa se infla de palavra e se alimenta de vento.
A academia, o foro, a literatura, o governo parlamentar
proporcionaram a esse grande povo notáveis progressos. Mas,
se quisermos assinalar seu venerável berço, tanto a história
como a lógica só podem atribuir as glórias de seu nascimento a
uma época essencialmente verbal, à época que adorou as
palavras, que impôs ao espírito o culto das entidades vazias das
abstrações realizadas, que partiu do princípio de que toda ideia
[...] tem necessariamente um objeto correspondente na
41

natureza, impondo ao Criador a estranha condição de criar


realidades para dar corpo e fundamento a todas as ideias dos
loucos. (MICHELET, 1992, p.37-38) [grifo do autor]

Encontra-se na obra que essa falsa forma de conhecimento e de filosofia é pior


que nada, o que é a opinião também sobre a Idade Média como um todo. É pior que
nada porque gera conformismo. A proibição do pensamento, da filosofia, geraria
curiosidade, que uma ou outra hora iria ser saciada não obstante as dificuldades
impostas. Mas uma filosofia falsificada gera seres que se julgam conhecedores da
verdade e que, portanto, não precisam buscá-la, já que a detém. Esses hipotéticos
pensadores não se iludem sozinhos, mas criam todo um universo de ilusão, em que
imergem um povo e uma era, uma era que cada vez mais está condenada, e que cada
vez mais condena o que lhe suceder.

Proibir a filosofia, o raciocínio, teria sido estimulá-los ainda mais;


porém, colocar a filosofia em um pequeno círculo legal no qual, sem
avançar, ela poderia girar eternamente; permitir raciocinar um pouco
e, até certo ponto, autorizando a razão apenas a combater a razão,
era mais hábil e mais sábio. Tinha-se encontrado uma vacina para
essa doença perigosa que se chama bom senso. (MICHELET, 1992,
p. 39)

Não se falava, nesses tempos, de suposições ou concepções, mas sim de


verdades; aliás, de verdade, já que não era questionável nem podiam existir
concorrentes. Qualquer sinal de divergência era prontamente combatido.
Dentro do espírito dos conhecimentos deturpados, chega-se a um verdadeiro
número de ilusionismo: os pensadores da Antiguidade, que foram rechaçados por um
longo período e com os quais se tinha perdido totalmente o contato, chegam
novamente ao mundo ocidental. Os sonhados pensamentos de Aristóteles são
revelados ao homem medieval. São consumidos com bastante avidez. Mas na
verdade há uma grande enganação por trás disso tudo: “[...] se tratava de um falso
Aristóteles, mutilado, falsificado, deturpado, do grego ao árabe, do árabe ao latim,
estropiado por Avicena, desfigurado, até chegar a dizer o contrário de seu
pensamento [...]” (MICHELET, 1992, p. 41).
O que poderia servir de libertação, na verdade, serve de algemas. Os judeus
apresentam uma Antiguidade falsificada, ajudando aqueles indivíduos a aprofundar
seu próprio abismo. Os chamados peripatéticos distorcem totalmente as ideias e
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ensinamentos dos antigos pensadores, como Aristóteles, e as transmitem ao mundo


como verdadeiras: são criações novas, que, ao contrário das originais, não nascem
de um esforço racional, mas são uma cópia imperfeita daquelas. O pouco
conhecimento sobre estas obras e a vontade de utilizá-las cria afirmações que são
atribuídas aos antigos estudiosos, mas que, na verdade, não raras vezes, leva a ideias
contrárias às destes.
Michelet, (1992) considera que o falso conhecimento presente na escolástica
empurra cada vez mais o mundo para as trevas. Santo Tomás já era extravagante
com sua suposta sabedoria, mas ainda guardava algum bom senso; superando-o há
Duns Scot, que já não guarda em seus pensamentos sequer resquícios da razão; e,
superando Duns Scot, aparece Raimundo Lúlio. O homem vira uma máquina de
pensar, uma máquina artificial que em nada pode contribuir para o conhecimento
verdadeiro, pois seus pensamentos não mantêm nenhuma relação com a realidade.
Cultivava-se uma capacidade de eloquência voltada para si mesmo, para o orgulho
próprio.

A glória era duelar seis horas, dez horas, sem recuar, e ainda
encontrar palavras. Competições sublimes, maríficas batalhas
que só a noite podia terminar. Juízes e combatentes, todos se
retiravam cheios de admiração por si mesmos, inflados, vazios
e quase idiotas. (MICHELET, 1992, p. 45)

A justificativa e a recompensa para os esforços empreendidos para formular


tais pensamentos e teorias era somente o egocentrismo. De contribuições positivas
esses pensadores pouco ou nada deixaram. Abstrações que não encontravam
correspondência no mundo real, baseadas somente no pensamento de que “[...] toda
combinação de palavras é uma combinação de coisas, de realidades”. (MICHELET,
1992, p.43)

Duas negações afirmam, três negam, quatro afirmam de novo etc. etc.
Os cornificianos (ou fazedores de argumentos extravagantes)
discutiam problemas de extrema importância, por exemplo: “O porco
que se leva ao mercado é retido pelo porqueiro ou pela corda? ”
Conhece-se o asno de Buridan; entre dois móbiles iguais, dois desejos
iguais, duas medidas de aveia, que fará o pobre Bruneau (é o nome
escolástico do asno)? A escola garantia que ele ficaria imóvel e,
portanto, morreria de fome. (MICHELET, 1992, p. 44-45) [grifo do
autor]
43

Nestes tempos referidos, o homem é negado, a natureza é negada, tudo


precisa, necessariamente estar sob o jugo do Cristianismo católico (esta religião que
se desfigura por si só, que perde sua identidade; há uma ideia equivocada de Cristo;
considera-se que ele representa o amor. O Pai e o Espírito Santo são esquecidos. Na
verdade, o Filho representa a inteligência - isso se revela por Abelardo). Esta
afirmação está presente em MICHELET (1992, p. 59). As doenças são algo imposto
como castigo, portanto não se pode assistir as pessoas acometidas por males. Essa
religião focada não no Deus pai, mas no Deus filho, sufoca, induz a humanidade a
afastar-se de si mesma. São Paulo, por exemplo, não aceita o casamento, segundo o
autor, como sendo algo construtivo para o ser humano. O aspecto religioso toma conta
da vida em sua totalidade, e homens e mulheres se entregam à Igreja, destinados a
servi-la exclusivamente. “[...] a família também acaba, e da maneira mais fria, os
esposos se separam de comum acordo, ele; monge, ela, religiosa, bons amigos, e
perfeitamente unidos pela ideia de separação” (MICHELET, 1992, p. 49)
Qualquer espírito científico é rechaçado, e esse é um motivo para se manter
distância em relação a árabes e a judeus; esses povos buscam o desenvolvimento de
seu potencial, de sua curiosidade em relação à natureza, buscando compreendê-la
para então usar o conhecimento adquirido a seu favor.

Esses bárbaros, que inventaram a pólvora, o papel e a bússola,


tiveram a temeridade de erigir observatórios para vigiar de mais perto
o céu, espionar as estrelas; que digo eu? Eles as fazem descer por
meio de um vidro convexo, obrigando-as a depositar sua imagem no
fundo de uma luneta obscura, confessar todos os seus movimentos,
humilhar sob os olhos do homem esses lumes triunfantes que a
Escritura e os padres haviam sabiamente fixado no cristal imóvel dos
céus.
Em resumo, os infiéis, renovando o pecado de Adão, recomeçaram a
comer os frutos da árvore da ciência. Eles procuraram a salvação, não
no milagre, mas natureza; não na legenda do Filho, mas na criação do
Pai. (MICHELET, 1992, p. 47)

Assim se aventuram a conhecer, por meio de equipamentos desenvolvidos


também através da ciência, o céu e sua dinâmica. A astronomia confronta os
religiosos, já que suas verdades, postas como indiscutíveis, tinham apresentado ao
mundo um modelo em que os corpos celestes estavam presos a uma abóboda sobre
a Terra.
44

Surge Roger Bacon (1214-1294). Este frade não se limita aos estudos habituais
de seus pares. Ultrapassou os ensinamentos imediatamente acessíveis, aprendeu
grego, árabe e hebreu em busca de saciar sua sede por um conhecimento que
considerasse satisfatório. Compilou os conhecimentos que estavam disponíveis em
seu tempo e buscou uma relação cada vez mais íntima com a natureza. Chega à
conclusão de que “‘[...] o espírito humano tudo pode servindo-se da natureza’”.
(MICHELET, 1992, p. 52) [grifo do autor]. Esta frase, que evidentemente está inserida
em um sistema de pensamento, que por ser revolucionário é nocivo ao sistema, causa
pânico entre os mantenedores do mesmo. Provavelmente só não teve que pagar seus
pecados nas chamas santas da fogueira porque, ao mesmo tempo que suas ideias
eram ameaçadoras, também traziam esperança, pois “Bacon escreveu um livro sobre
os meios de evitar a velhice”. (MICHELET, 1992, p. 53). Pelo pensamento de que ele
podia lograr superar a morte com seus estudos, conseguiu morrer já na velhice (80
anos de idade) sem precisar se retratar em público por suas ideias.
Pode-se depreender em Michelet (1992) que Bacon foi um dos membros da
resistência ao ideário medieval. Resistência isolada, com seus membros solitários
espalhados através dos tempos: Abelardo, Ockham, Dante, Bacon... são exemplos
deles. Foram responsáveis por lançar focos de luz sobre a Idade Média, mas que não
conseguiam tornar suas ideias protagonistas para a maioria de seus contemporâneos.
Dessa forma, a Idade Média perece e renasce inúmeras vezes.
A Igreja, por sentir medo toda vez que vislumbrava o fim daquele período em
que tinha o domínio, decidiu impor esse medo ao povo. Divergências eram punidas
com uma violência gigantesca, a fim de que essas atitudes fossem inibidas e tudo se
mantivesse exatamente igual.

Era por vias indiretas que se podia acelerar o fim da Idade Média,
desse terrível moribundo que não podia morrer nem viver e se tornava
cada vez mais cruel ao aproximar-se de sua hora final. A via da ciência
estava obstruída desde a perseguição de Roger Bacon e de Arnaldo
Vilanova. Entretanto, a arte era menos vigiada. Os tiranos sentiam
pouco os laços profundos, íntimos, existentes entre as diversas
liberdades do espírito humano, a oportunidade que a arte livre podia
proporcionar à libertação literária e filosófica. (MICHELET, 1992, p.65)

Houve modificações na pintura, com Giotto, por exemplo, que revolucionou os


tipos de figuras retratadas. Também houve modificações nas cores utilizadas, com
45

Van Eyck. Mas a principal e mais significativa modificação viria na arquitetura, que
nesse tempo era dominada pelo estilo gótico, estilo que recebe severas críticas de
Michelet. Era então o orgulho da arte religiosa medieval, que lhe nutria admiração e
considerava lhe conferia garantias de solidez.

Por que razão, então, ao redor da igreja essa grande quantidade de


arcobotantes, esses enormes contrafortes, essa eterna andaimada
que parece ter sido esquecida pelo pedreiro? Retirai-os; deixai as
abóbadas se sustentarem por si mesmas! Todo esse edifício, visto de
perto, comunica ao espectador um sentimento de fadiga. Ele confessa,
ainda novo, sua caducidade precoce. Inquietamo-nos, somos
tentados, ao vê-lo buscar tantos sustentáculos, a levar nossas mãos a
ele para sustentá-lo.
O que ele deixa do lado de fora, sob a ação destrutiva das chuvas, dos
invernos? Os sustentáculos responsáveis por sua solidez. Dir-se-ia um
fraco inseto mostrando, arrastando um cortejo de frágeis membros,
que, feridos, o farão cair. Uma construção robusta abrigaria, cobriria
seus arrimos, garantias de sua duração. Esta, que deixa ao acaso
esses órgãos essenciais, é naturalmente enferma. Ela exige que se
mantenha a seu redor uma multidão de médicos; não denomino de
outro modo as vilas de pedreiros que vejo estabelecidos ao pé desses
edifícios, vivendo, engordando com essa obra [...] (MICHELET, 1992,
p. 67-68)

Quem chega para confrontar o domínio do gótico é Brunelleschi. Esse florentino


conseguiu, depois de muito empenho e poder de convencimento, terminar a Catedral
de Florença após a morte de seu arquiteto com a obra ainda nas fundações. Ele
queria, pela primeira vez naquela era, realizar uma construção baseada em cálculos,
em observações. Mas para realizar sua vontade, precisava enfrentar e convencer “[...]
esses burgueses de Florença, banqueiros, negociantes, que nada conheciam,
acreditavam compreender tudo e não deixavam de ouvir os ignorantes, os invejosos”.
(MICHELET, 1992, p. 70)
Para provar sua capacidade, Brunelleschi mandou que levassem até o local
da obra arquitetos de todos os lugares. Eles eram incitados a oferecerem um plano
de como terminar esta construção que se mostrava tão complicada devido a seu início
com fundações octogonais. Não souberam indicar outro modo senão o que o autor
chama de forma grosseira, com um pilar para apoiar o domo. É nessa situação que o
revolucionário se destaca, evidenciando seu projeto, que foi o vencedor – mas
somente porque nenhum outro projeto viável foi apresentado. Antes de serem
forçados à escolha, rotularam Brunelleschi como louco. Ainda precisou mostrar um
46

conhecimento universal, necessário para formar novos profissionais, já que seus


operários o abandonaram. Essas informações podem ser encontradas em Michlet
(1992, p. 72-73).
Para Jules Michelet, essa é a essência da Renascença: “A arte e a razão
conciliados [...], a união do belo e do verdadeiro”. (MICHELET, 1992, p. 73)
Mas o florentino foi pouco imitado. O gótico volta à cena novamente, e até os
discípulos daquele renovador empregam estruturas usadas pelos construtores
góticos. Mais uma vez a Idade Média ressurge das cinzas.
No século XV a situação muda um pouco. Surgem figuras como Da Vinci, por
exemplo. Ainda não é exatamente o fim da Idade Média, mas já há algo de novo. Da
Vinci não é muito seguido, mas é imensamente admirado, ocorrendo aí uma
diferenciação em relação ao arquiteto referido anteriormente, que era considerado
lunático. Este florentino do século XV deixa influência em um campo muito vasto,
como as artes, a química e a mecânica, mas por vezes, segundo Michelet (1992), é
levado pela imutabilidade, que era a essência do espírito medieval. A mente
revolucionária, por vezes, a serviço do estatismo, da inércia. E o mesmo ocorre com
a invenção de Gutenberg: a imprensa é, principalmente no início, usada para
multiplicar obras da escolástica, o que foi um dos principais sustentadores da
mentalidade daquela era que estava para ser vencida. As obras da Antiguidade
Clássica só viriam a ser reproduzidas bem depois.
Incessantemente o medievo tenta sobreviver, segundo Michelet (1992). A
ascensão de pessoas do povo se torna, contraditoriamente, um entrave para o próprio
povo, buscando agora explorá-lo para manterem sua posição. Portanto, não há
possibilidade de que a transição seja feita por via revolucionária. O povo também
mostrava grande desalento, grande tédio. Tudo era monótono, nada mais despertava
o interesse. Nesse universo, Michelet (1992) aborda até mesmo o humor e sátira entre
os franceses; para o supracitado autor, essas formas de expressão perderam sua
essência e agora são fator agravante da situação. A repetição, que era o espírito
daquela era, tinha tirado a criticidade antes existente. “Discutia-se sobre o abuso,
nunca sobre princípio. Assim fora a França, tanto menos revolucionária quanto mais
galhofeira e risonha”. (MICHELET, 1992, p.83)
Entende-se em Michelet (1992) que a Idade Média é a época das feiticeiras. O
misticismo das pessoas atribui a causa dos males que as acometem geralmente a
velhas senhoras, quem, no imaginário popular, consegue fazer pactos com o Diabo e
47

impor castigos àqueles que de alguma forma lhe causam desagrado. A população,
que não respeita a anciã pelo fato de ser uma semelhante, passa a respeitar pelo
medo. Essas anciãs passam a ser procuradas para a retirada de feitiços, para a
consecução de curas, para fazer conjuros para que determinado aspecto da vida
daquele que a procura seja exitoso.
A inquisição manda estas senhoras para a purificação na fogueira. Purificação
da alma da condenada e também do próprio povo. O terror implantado por essa
instituição, que passa a se basear principalmente em Sprenger e seu manual, serve
de controle sobre os ânimos da população. O medo toma conta daquele povo; medo
dos demônios, que no século XIII passa a fazer parte da vida cotidiana, podendo
apossar-se do corpo de qualquer ser vivente; medo da inquisição, que ao menor sinal
de que tenha havido possessão, toma suas providências, que não focam no
salvamento do corpo, mas sim da alma.
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PALAVRAS FINAIS

A Idade Média, com toda sua complexidade, não pode ser julgada apenas a
partir de noções superficiais. Afinal, o período que se delimitou para ela ultrapassa mil
anos, tempo em que não cabe uma sociedade totalmente rígida, imutável. A este
período já foram atribuídas caraterísticas extremamente negativas, como também
dele já se fez uma idealização. Nenhuma das formas de pensamento, por seu
simplismo, corresponde à realidade.
As visões mudam à medida que mudam os interesses, mas não só isso: novas
informações também enriquecem a historiografia sobre essa parte da história da
humanidade. Novas informações que surgem, inclusive, com o incremento de novas
fontes.

Tinha lido [...] muitos textos medievais, privilegiando a literatura,


enquanto os medievalistas mergulhavam tradicionalmente no domínio
dos documentos: o jurídico, o administrativo. Também me
interessavam as imagens e, mais amplamente, a arte. Em uma
palavra, o projeto respondia, na minha opinião, às ideias dos Annales,
segundo as quais a história para se renovar deve recorrer a
documentos desconhecidos ou insuficientemente explorados. (LE
GOFF, 2005b, p.123)

No século XX se faz uma “reforma” na História e passa-se então a utilizar


como fonte para o conhecimento novos materiais. Isso possibilita uma compreensão
de uma realidade que ultrapasse o que a(s) classe(s) dominante(s) fazem passar para
a posteridade. Além disso, a análise daquilo que constitui uma produção dentro de um
contexto cultural ou até mesmo cotidiano revela uma realidade que ultrapassa aquela
que os documentos com finalidade informativa possam repassar: entra-se no íntimo
do povo ou da sociedade analisada, podendo-se conhecer até aquilo que possam
querer ocultar, o que podem facilmente fazer por meio dos documentos de registro
formal da história.
Nesse contexto entra também a arqueologia, que especificamente sobre a
Idade Média tem revelado muito à atualidade. Le Goff, (2005b, p. 39) afirma que “a
escavação das ‘aldeias abandonadas’ trouxe muitos conhecimentos novos sobre a
vida rural medieval”. Declara ainda que “a arqueologia medieval nos permite conhecer
49

melhor [a “cultura material”] desde a segunda metade do século XX” (LE GOFF,
2005b, p125).
O estudo da arte também amplia o universo das possibilidades de o historiador
conhecer a Idade Média, além de outros meios, como sermões, contas comerciais e
os manuais do confessor, estudados por Le Goff, por exemplo.
Le Goff (2005b, p. 54) diz que no seu modo de ver, “um fato histórico é sempre
construído por um historiador”. Na realidade, o julgamento que se faz de um fato ou
de um período histórico parece ser mesmo subjetivo. No caso da Idade Média tem-se
Michelet (1992) falando que os indivíduos que se destacaram por um comportamento
e uma postura tida por ele como positiva, que deixam legados cultural e intelectual
para as gerações posteriores, eram pessoas que não estavam em seu tempo; lutavam
contra um sistema, mas muitas vezes foram sufocados. Pode-se encontrar isso sobre
Brunelleschi, sobre Petrarca e diversos outros nomes que se destacaram no medievo.
Além disso, menospreza a forma de filosofia e produção do conhecimento desse
contexto, considerando até pior que a inércia. Já Le Goff usa esses nomes de
destaque para argumentar que a Idade Média não foi estéril, que, mesmo com uma
produção intelectual e cultural mais lenta e mais limitada nos temas, foi uma época
ainda produtiva. Este autor, ainda, não vê uma divisão nítida entre os períodos
históricos, declarando que a Idade Média não acaba no século XVI, pois algumas
instâncias de pensamento e de ação do homem continuaram para muito depois do
ano 1492.
Autores como Franco Júnior (2001) e Eco (2010) encontram ainda hoje
resquícios da medievalidade na configuração da esfera de atuação do ser humano.
Franco Júnior (2001) afirma que apesar da ideia de democracia remontar à Grécia, no
ocidente esse princípio administrativo tem muito mais influência do mundo ocidental
que do grego. As universidades, tipo de instituição nascida em ambiente medieval,
também ainda têm sua forma básica de funcionamento nos moldes daquele tempo
que foi seu início.
Também, através deste trabalho pode-se perceber que a Idade Média foi um
tempo de muitas contradições, sendo uma característica que não se restringe
somente ele. Como expressa Le Goff, cada época possui suas próprias contradições,
portanto, este fato não serve para caracterizar o período referido.
A Idade Média também não tem como característica a homogeneidade que
muitas vezes lhe é atribuída. Pode-se, ao se referir a ela, ter a ideia de que o início e
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o fim não possuem diferenças entre si, que partilham das mesmas estruturas e formas
de pensamento. E ainda, pensa-se na totalidade de um sistema que norteava a vida
dos cidadãos. Sobre esta última parte, Perry Anderson diz que

As formações sociais concretas da Europa medieval eram sempre


sistemas complexos, nos quais sobreviviam outros modos de
produção entrelaçados com o feudalismo propriamente dito: os
escravos, por exemplo, existiram por toda a Idade Média, e os
camponeses livres nunca foram totalmente eliminados em lugar algum
durante este período obscurantista. (ANDERSON, 1991, p.150) [grifo
do autor]

Apresenta-se aí uma declaração sobre a vida do homem medieval. A ideia do


feudalismo é muito presente na mente do ser humano nas idades que sucederam o
medievo, mas precisa-se saber que ele não correspondia a todo universo da vida
daqueles homens e mulheres. Havia formas de relacionamento social fora deles. Além
dessas classes referidas acima, também surge, com o renascimento das cidades, uma
forma de relacionamento própria do universo citadino.
O que, em linhas gerais, se pode concluir é que não é fácil - talvez nem
possível – fazer um julgamento ilativo do período aqui referido, dada sua grande
complexidade. Autores que o fizeram, correm o risco de estarem fugindo à
racionalidade. Felizmente, na atualidade os historiadores medievalistas buscam uma
maior sobriedade ao falar sobre o tema, demostrando limitações e pontos positivos e
se abstendo de fazer um juízo de valor que se proponha conclusivo.
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REFERÊNCIAS

ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao feudalismo. 3. ed. Tradução de


Beatriz Sidou. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991
BURNS, Edward McNall. História da Civilização Ocidental: do homem das
cavernas até a bomba atômica. Trad. Lourival Gomes Machado, Lourdes Santos
Machado e Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1968.
ECO, Humberto. Introdução à Idade Média. In: ______ (Org.) Idade Média: Bárbaros,
cristãos e muçulmanos. Amadora: Publicações Dom Quixote, 2010. p. 4-27.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade média: nascimento do ocidente. 2. ed. rev. e
ampl., São Paulo: Brasiliense, 2001.
LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Tradução José Rivair de
Macedo. Bauru, SP: Edusc, 2005. (Coleção História)
______. Em busca da Idade Média. Com a colaboração de Jean-Maurice de
Montremy. Tradução de Marcos Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
______. La Edad Media explicada a los jóvenes. Con Jean-Louis Schlegel
Traclucción de Jordi Terré. Buenos Aires: Paidós, 2007.
MICHELET, Jules. A agonia da Idade Média. Tradução de Artemis Albuquerque
Coêlho e Plínio Augusto Coelho. São Paulo: Educ, 1992.
SALINAS, Samuel Sérgio. Do feudalismo ao capitalismo: transições, São Paulo:
Atual,1987.
SILVA, A. C. L. F. da; SILVA, L. R da. Jacques Le Goff: uma breve biografia, obras
publicadas no Brasil e influência no Programa de Estudos Medievais da UFRJ. In:
Revista Brathair, v. 16, n. 1, p. 34-59, 2016. Disponível em:
<http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair/article/view/1173>. Acesso em: 15
abr. 2018.

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