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CASTELO DO PIAUÍ - PI
2018
FRANCISCO ANDRÉ LIMA UCHÔA
CASTELO DO PIAUÍ-PI
2018
FRANCISCO ANDRÉ LIMA UCHÔA
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
FRANCILENE MORAIS
___________________________________________________________________
TALYTA MARJORIE
___________________________________________________________________
FRANCISCA ARLENE DA SILVA PINHO
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho tem como tema a Idade Média. A finalidade é compreender e ajudar a
compreender esse período da história humana que já está distante, mas que nem por isso
deixa de ser importante para a compreensão da própria humanidade, principalmente no
mundo ocidental, pois sabe-se que a história é cumulativa e estruturas que balizam uma época
ultrapassam essa época a que dão o norte e podem ser elemento constitutivo de uma outra
era. A idade Média, ao longo do tempo, já passou por diferentes pontos de vista, indo da
demonização ao endeusamento. Para buscar melhores informações, este trabalho, em seu
capítulo dois, analisa duas obras, cada uma pertencendo a um autor diferente, que têm visões
diferentes sobre o período; a saber: Jacques Le Goff e Jules Michelet. O trabalho está dividido
em dois capítulos, além de introdução e palavras finais. No primeiro capítulo busca-se uma
visão geral da Idade Média, e no segundo intenta-se mostrar as visões dos referidos autores
em suas obras. A conclusão objetiva mostrar pontos em que esses autores divergem, além
de buscar um raciocínio de síntese do período em questão.
El presente trabajo tiene como tema la Edad Media. La finalidad es comprender y ayudar a
comprender ese período de la historia humana que ya está lejano, pero que ni por eso deja
de ser importante para la comprensión de la propia humanidad, principalmente en el mundo
occidental, pues se sabe que la historia es cumulativa y estructuras que balizan una época
ultrapasan esa época a que dan el norte y pueden ser elemento constitutivo de otra era. La
Edad Media, a lo largo del tiempo, ya pasó por diferentes puntos de vista, yendo de la
demonización al endiosamiento. Para buscar mejores informaciones, este trabajo, en su
capítulo dos, analiza dos obras, cada una perteneciendo a un autor diferente, que tienen
visiones diferentes respecto al período; a saber: Jacques Le Goff y Jules Michelet. El trabajo
está dividido en dos capítulos, además de la introducción y de las palabras finales. En el
primero capítulo se busca una visión general de la Edad Media, y en el segundo se intenta
mostrar las concepciones de los referidos autores en sus obras. La conclusión objetiva mostrar
puntos en que eses autores divergen, además de buscar un raciocinio de síntesis del período
en cuestión.
Palabras clave: Edad Media; Le Goff; Michelet; continuación versus ruptura; renacimientos
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7
2.2 A IDADE MÉDIA PARA JULES MICHELET EM A AGONIA DA IDADE MÉDIA . 37
INTRODUÇÃO
A Idade Média é uma das subdivisões da história que tem seu marco inicial
estabelecido no ano de 476, quando o último imperador romano no Ocidente foi
deposto. Seu fim é estabelecido como sendo no século XV, quando ocorre o que ficou
conhecido por Renascimento. São cerca de mil anos delimitados para este período,
sendo fator para esse enquadramento uma suposta estagnação da mente humana. O
nome média, a propósito, se deve ao pensamento de que essa época não teria nada
que a definisse, então restava atribuir-lhe um caráter intermediário entre a Antiguidade
e a Idade Moderna. Posteriormente, média viria a ser algo insignificante, sem muita
profundidade, com limitações.
O fim do Império Romano do Ocidente se dá por diversas invasões bárbaras,
numa situação em que diversos povos, das mais variadas origens adentraram o
território imperial e criaram, de imediato, um certo desnorteamento em sua população,
que mudou seu modo de vida desde então.
Essa nova realidade levou a uma nova forma de organização social, fazendo
com que o povo migrasse das cidades para o campo, diante da insustentabilidade que
a área urbana apresentava, tanto no que concerne à escassez de alimentos como à
situação de insegurança. Esse contexto foi propício ao que ficou conhecido como
feudalismo, baseado na relação de um senhor de terra com os servos que viviam e
trabalhavam em suas propriedades. Essa realidade atravessa toda a Idade Média,
com maior ou menor intensidade em diferentes locais.
Nesse recorte do tempo histórico conhecido como época medieval os
historiadores da atualidade admitem a noção de vários renascimentos, sendo
supostamente o ponto final o renascimento escrito com inicial maiúscula.
O Renascimento se caracteriza pela busca do retorno ao passado, à
Antiguidade Clássica. Não um retorno sem significado, mas dentro de um contexto de
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buscar inspiração, de retomar as ideias daquela época para nortear seu tempo. A
realidade é que esse desejo de acesso ao passado não é invenção dos intelectuais
renascentistas; o homem medieval há muito buscava a Antiguidade. Muitas vezes
pretendeu retornar a ela para a partir dela – considerada como modelo ideal – formar
uma sociedade mais próxima da perfeição (inclusive no aspecto religioso). Um tanto
quanto irônico essas duas épocas, colocadas como polos opostos pela modernidade,
buscarem o mesmo objetivo.
seja ele mais próximo ou mais distante, para compreender a nós mesmos. Nesse
intuito nasce este trabalho, que analisa obras de dois historiadores com visões
diferentes, muitas vezes até oposta sobre a Idade Média.
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CAPÍTULO 1
CARACTERIZÇÃO DA IDADE MÉDIA: VISÃO GERAL
Neste trecho Hilário Franco Júnior cita as fases pelas quais a Idade Média já
se apresentou para os tempos posteriores a ela. O primeiro momento foi de rechaço,
vendo-se esse período como abominável, uma mancha na história da humanidade.
Já no século XIX, vê-se o medievo sob uma nova ótica; agora ele é exaltado, é um
período de que se deve ter orgulho. Por fim, as visões mais sóbrias do século XX,
nem por isso completamente realistas, ainda não sendo totalmente satisfatórias,
muitas vezes, para se compreender o período em questão. Mas o que o autor dá por
certo é o caráter de influência desse período passado sobre a atualidade, achando
necessário a compreensão desse para compreender o tempo presente.
Este mesmo autor ainda afirma que a grande diferenciação entre os tempos
ditos modernos e a Idade Média é a rapidez com que os fatos se sucedem, mas que
as estruturas em que a humanidade se apoia daquele e desse tempo são
semelhantes. E o historiador chama a atenção para que “notemos que na verdade as
especificidades ‘modernas’ são apenas quantitativamente diferentes das ‘medievais’”
(FRANCO JÙNIOR, 2001, p. 215). O Renascimento, que se pretendeu uma ruptura
brusca com aquilo que eles lançaram nas trevas, na verdade seguia a mesma lógica
usada pelo homem medieval, como o desejo de retorno à Antiguidade Clássica, por
exemplo.
Humberto Eco, buscando definir o que seja a Idade Média faz as seguintes
considerações:
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Sobre o fato de lançar a Idade Média nas trevas (Idade das trevas) – fato que
parece hoje não ser mais levado a cabo por historiadores, mas que foi no passado e
se impregnou na mentalidade de muitos indivíduos – tem-se que:
A partir dessa fuga do homem com menor poder econômico, da cidade para
o campo, se estabelecendo em propriedades daqueles que tinha posses, impõem-se
uma nova forma de relação social.
Embora a relação entre senhor e servo não pudesse ser equiparada àquelas
entre escravos e seus donos, na Antiguidade, de certa forma não é totalmente livre.
Le Goff, (2005a, p. 86) apresenta uma dualidade homem livre/servo: “A principal
fronteira era a que separava os homens livres dos servos, e muitos camponeses eram
ainda livres. ” Dessa forma, pode-se ver que o servo camponês não era exatamente
um homem livre.
O servo camponês, além dos laços que mantinha com o seu senhor, tinha
também que prestar contas com a religião.
Essa passagem mostra que a religião oficial nem sempre conseguiu manter-
se inquestionável, evidenciando, assim, que os medievais não eram seres tão
passivos diante do que lhes era imposto.
E para reafirmar a ideia de que o mundo medieval não esteve, todo o tempo
na totalidade de seu território dominado pelo Cristianismo, encontra-se em Le goff que
Isso quer dizer que a ideia de “homogeneidade religiosa”, que muitas vezes é
denotada em alguns discursos – ou pelo menos não se menciona o caráter
diferenciado da influência da religião católica nas diferentes regiões, o que se pode
perceber em Michelet (1992) – não encontra correspondente na realidade. Nos
séculos VII, VIII e até ainda no século XI, havia missões de evangelização,
evidenciando que não existia a total unidade religiosa na Europa ocidental feudal.
A propósito, é de certa forma previsível que pelo menos em um tempo próximo
à existência da Antiguidade e do Império Romano do Ocidente, existam divergências
religiosas entre os ocidentais. “O paganismo se enfraquecia desde o tempo de Cícero
e ainda se arrasta no tempo de Juliano e além de Teodósio”. (MICHELT, 1992, p. 21).
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Embora uma parte tenha permanecido pagã, outra, e não das menores,
tornara-se cristã. Mas, por um curioso acaso, que viria a se mostrar
cheio de consequências, os Bárbaros convertidos - Ostrogodos,
Visigodos, Burgúndios, Vândalos, e mais tarde os Lombardos –
adotaram o arianismo que, depois do Concílio de Nicéia, tornara-se
heresia. Tinham sido cristianizados por Ulfila, o “apóstolo dos Godos”,
neto de capadócios cristãos aprisionados pelos Godos em 264. A
criança, “gotizada”, foi enviada ainda jovem a Constantinopla, onde
acabou sendo ganha pelo arianismo. Retornando como bispo
missionário junto aos Godos, ele traduziu a Bíblia em língua gótica a fim
de os edificar e assim os fez heréticos. Deste modo, o que poderia ter
sido um laço religioso veio a ser, ao contrário, um motivo de discórdia e
engendrou ásperas lutas entre Bárbaros arianos e Romanos católicos.
(LE GOFF, 2005a, p. 26).
Numa época em que a adoção da religião cristã era decisiva para o apoio da
elite religiosa, já bastante importante no Ocidente, um povo buscou benefícios com
essa religião. Os Francos se converteram ao catolicismo, em um jogo que beneficiou
os dois lados.
O golpe de mestre de Clóvis foi o de se converter, com seu povo, não
ao arianismo, como os demais reis bárbaros, mas ao catolicismo. Com
isto pôde jogar a cartada religiosa e beneficiar-se do apoio, senão do
papado ainda fraco, ao menos do poder da hierarquia católica e do
não menos poderoso monasticismo. Desde o século 6° os Francos
conquistaram o reino dos Burgúndios, no período de 523 a 534, e
depois a Provença em 536. (LE GOFF, 2005a, p. 23).
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Os povos invasores, portanto, tiveram muitas vezes uma relação bem próxima
com o catolicismo ocidental, seja servindo-lhe de apoio, sendo mantendo relações de
conflitos com o mesmo. Ora tirando proveito próprio dessa religião, ora sendo banido
por ela dos seus domínios.
Sobre essa religião e sobre sua atuação no contexto medieval pode-se afirmar
que não se confirma a ideia um domínio sem questionamento, que os elementos
humanos do medievo não eram simplesmente receptores passivos diante da mesma.
Ideia equivocada também é a que possa sugerir que a Idade Média não
produziu nada nas áreas do conhecimento e da cultura – as denominações que o
período recebeu e recebe se referem a uma ideia de estagnação total ou até de
regresso, como se pode encontrar em Michelet (1992). É o que se buscará mostrar
nos parágrafos seguintes.
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Se puede decir que la Edad Media fue una gran época musical, que
creó y desarrolló instrumentos como el laúd, una especie de violín, y
el órgano. Éste adquirió proporciones tales que tuvieron que
habilitarse en las iglesias galerías especiales con cajas de órgano
cada vez más grandes. Pero el principal instrumento musical de la
Edad Media fue la voz humana. Entonces se inventaron, en efecto)
nuevas notaciones de música, notas de solfeo, nuevas maneras de
cantar, en especial de un modo colectivo: es la “polifonía” (una palabra
que viene del griego y significa “varias voces”). Añadiré que, en el siglo
XIV la música se modernizó bajo formas especiales a las
que se llamó ars nova, el “arte nuevo”. (LE GOFF, 2007, p. 107)
A música, apesar de ter limitações quanto ao tema, que quase sempre era
voltado para o lado religioso, enriqueceu-se, ganhando novas técnicas de execução e
novos instrumentos para a sua realização. Da mesma forma, a literatura não ficou
adormecida durante os mais de mil anos que são considerados como um atraso para
o mundo, e principalmente para o ocidente.
Ainda nas artes, reaparece o teatro, que por um tempo havia deixado de existir
por ser considerado incompatível com a religião dominante.
CAPÍTULO 2
IDADE MÉDIA: A VISÃO DE JACQUES LE GOFF NO LIVRO “EM BUSCA DA
IDADE MÉDIA” E A ABORDAGEM DE JULES MICHELET EM “A AGONIA DA
IDADE MÉDIA”
______
* Le Goff começou a gostar de História muito cedo. Na obra Em busca da Idade Média ele
declara que sua paixão por esta área do conhecimento vem desde os dez anos de idade;
aos 12 descobre a Idade Média, lendo Ivanhoé (de Walter Scott), tema pelo qual despertou
profundo interesse.
** Seu professor de História no Quatrième (correspondente aproximado da 5ª série no
sistema educacional brasileiro).
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Le Goff (2005b) vai ainda mais longe. Não considera que o fim da Idade Média
tenha se dado no fim do século XV, mas bem depois. Ele considera que as mudanças
significativas, de fato, só vão ocorrer no século XVIII, época das revoluções, quando
se desenvolve uma nova forma de pensar, com o avanço das ciências, dos meios de
produção e as reformas políticas. Como já ressaltado, o autor não considera fatos
isolados como o indicativo de uma mudança de período, sendo necessária a
combinação de várias modificações nos elementos que constituem uma sociedade e
suas sustentações para que realmente se reconheça uma época como nova, e ainda
assim, com características da anterior, já que a história é cumulativa, e as rupturas,
de que muitos historiadores falam, não se aplicam na prática, havendo sempre uma
linha tênue entre cada um dos períodos que compõem a história, afinal, os
acontecimentos não se dão em datas específicas, podendo os fatos e a conjuntura
motivadores de um determinado evento estarem em um tempo não tão próximo a ele.
Também o aspecto religioso é visto pela grande maioria como formado por
um corpo harmônico, uma grande massa que segue o que cristianismo determina,
sem ter a ideia nem o direito de discordar do que a Igreja determina (“a acusação de
heresia, [...] é a arma mais terrível da Idade Média - ainda que raramente empregada,
ao contrário do que tantas vezes se acredita ” (LE GOFF, 2005b, p.112)). De fato,
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Essa parte já mostra que o cristianismo não se fundou sob uma base
totalmente coesa, havendo divergências sobre que crença seguir, que aspectos se
tornariam corretos dentro da religião. E ainda se encontra na mesma obra referida
acima que houve movimentos que discordavam da posição oficial das autoridades
religiosas. Além de grupos que praticam heresias “puramente doutrinais” (LE GOFF,
2005b, p. 167), há ainda pessoas e grupos que discordam, mesmo de dentro da
religião: “Nesse período de mobilização pela reforma da Igreja [a partir do século XI],
os que denunciam radicalmente sua corrupção passam por hereges, ainda que sua
adesão aos dogmas fundamentais do cristianismo pareça ‘ortodoxa’” (LE GOFF,
2005b, p.166-167)
A ortodoxia nem sempre teve a força que alcançou com a inquisição –
“Gregório IX (que reinou de 1227 a 1241), ele próprio jurista, faz da Inquisição o
principal instrumento do papado em sua luta contra a heterodoxia” (LE GOOF, 2005,
p.165). Essa passagem denota que a intensificação da inquisição se deu a partir do
século XIII. E mesmo assim, ela não está tão eficaz quanto se possa pensar:
“Conhece-se a tendência da Inquisição quanto a procedimentos e códigos, sem
exclusão do uso da tortura. Sabe-se também que essa obsessão da heresia é uma
das faces mais sombrias do cristianismo medieval. E seu sucesso foi limitado” (LE
GOFF, 2005b, p. 165)
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“Ó Virgem mãe, filha de teu Filho / humilde e elevada mais que toda
criatura / fim determinado do desígnio eterno, / és aquela que
enobreceu de tal forma / a natureza humana que Aquele que a fez /
não abriu mão de ter sido feito por ela ...”
Acha-se de saída aqui a contradição - aparentemente dominada,
transcendida - entre a igualdade e a desigualdade ("Mãe filha de teu
filho"'). Essa contradição está no coração do sistema feudal, mas
também no conjunto das relações entre o alto e o baixo, o céu e a
terra. (LE GOFF, 2005b, p. 203) [grifo do autor]
[...] a Idade Média faz surgir uma categoria social nova: o mercador-
banqueiro. Os dois ofícios são então indissociáveis. Até o século XI, o
comércio permanecia pouco desenvolvido. Algumas trocas,
entretanto, eram feitas através dos monges e, sobretudo, por duas
categorias de "estrangeiros": os judeus e os sírios, nome genérico para
os orientais do Oriente Próximo. Havia poucos comerciantes
especializados. Como já acontecia na Antiguidade, onde o comércio
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não constituía, em Roma, por exemplo, mais do que uma das funções
da classe equestre, a dos "cavaleiros". Ora, eis que aparece, no século
XII, o mercador, cuja atividade apresenta rapidamente uma outra face:
o banco. (LE GOFF, 2005b, p. 96)
Surgia assim o dilema não só para os religiosos, mas também para os leigos
mercadores, que queriam manter sua salvação, além da figura de bom cristão perante
a sociedade e as autoridades religiosas.
Após um primeiro impacto com a nova realidade, que confunde a todos, sejam
leigos ou autoridades religiosas, busca-se uma melhor análise da conjuntura. Uma
das formas de justificar o acúmulo de riquezas pelos banqueiros vem das próprias
escrituras sagradas, havendo a defensa de que quem trabalha merece receber
pagamento por isso: então, os mercadores estavam apenas colhendo o fruto de seu
trabalho, e não retirando indevidamente as posses de alguém. Seu trabalho também
gerava bens e mostrava-se útil e até necessário. Esta última afirmação serve também
como uma forma de justificação: com seu trabalho, que era de intercâmbio, faziam
adentrar no ocidente produtos que não eram produzidos por seus habitantes; mostra-
se útil essa atividade.
Le Goff (2005b) confirma que as condenações por usura não foram casos tão
isolados, mas que a grande perseguição que habita o imaginário de alguns não passa
de fantasia, uma imagem criada já em tempos posteriores ao que chama de medievo.
Santo Agostinho tem uma resposta. Uma guerra é justa quando não é
inspirada "pelo desejo de prejudicar, pela crueldade na vingança, pelo
espírito implacável incontido, a vontade de dominar e outras atitudes
semelhantes". Em resumo, a Igreja condena a guerra de conquista.
Aceita a guerra defensiva. Tratando-se das Cruzadas, bastava afirmar
que o agressor era o islam. A cristandade não pretendia conquistar a
Terra Santa, mas retomar um território do qual tinha sido espoliada.
"As guerras justas vingam as injustiças", dizia ainda Agostinho. (LE
GOFF, 2005b, p. 185) [grifo do autor]
sociais que possivelmente tenham sido a razão ou uma das razões para que essa
guerra fosse incitada e iniciada.
Desta forma, Le Goff aponta mais que os motivos declarados pelo catolicismo
para o advento das cruzadas: evidencia um problema social, que parece ter
encontrado nesses conflitos contra os muçulmanos sua válvula de escape.
Sobre a concepção de uma Idade Média estática, sem inovações ou sem
criações, entende-se se tratar de uma ideia falsa, quando se aprofunda na análise
desse período. É bem verdade que o homem medieval tinha medo do novo. “A palavra
novitas, novidade, enche de medo e de hostilidade aquele que a ouve. ” (MICHELET,
2005, p. 67) [grifo do autor]. Mas isso não significa que nada tenha sido criado nesse
tempo. Muito se criou, e aliás, muito das estruturas dos tempos modernos tem uma
origem medieval: a sociedade que condena uma que está no passado se utilizando
de estruturas legadas por esta.
Eis porque falei de urna longa Idade Média, uma Idade Média que -
em certos aspectos de nossa civilização - perdura ainda e, às vezes,
desabrocha bem depois das datas oficiais. O mesmo se pode dizer em
relação à economia, não se pode falar de mercado antes do século
XVIII. A economia rural só consegue fazer desaparecer a fome no
século XIX (salvo na Rússia). O vocabulário da política e da economia
só muda definitivamente - sinal de mudança das instituições, dos
modos de produção e das mentalidades que correspondem a essas
alterações - com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. É
também o momento em que se chega à construção de uma nova
ciência que já não é medieval (Galileu, Harvey, Newton, etc ...). (LE
GOFF, 2005b, p. 66-67)
Para Le Goff (2005b) a Idade Média foi responsável por inovações, por
criações, mas nega isto. O autor afirma que a todos que se imputa alguma criação,
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O Meio rural foi, durante quase toda a Idade Média, o principal local para viver
e para produzir, somente ganhando um pouco de destaque as cidades a partir do
século XII, como vê-se em Le Goff (2005b), na página 207. Mas nem por isso, a vida
do homem daquela época se restringia a sua relação com a terra – e com a religião.
A própria noção de feudo é diferente do que habita o imaginário popular. Ele
é visto como um entrave a uma unificação, quando na verdade, para Le Goff, foi ele
que constituiu base indispensável para a formação das administrações sobre
territórios unificados.
Depois de ter por muito tempo passeado por uma Idade Média que o
entusiasma e o enternece, porque ele encontra o povo verdadeiro na
pessoa de Joana d'Arc ou de Jacques Bonhomme - camponês
imaginário, simbólico-, Michelet faz o prefácio em 1869 do tomo VII de
sua História da França com um espírito totalmente novo. Ruptura
violenta com o primeiro romantismo. Não existe nada de
verdadeiramente bom, diz ele, antes do Renascimento, aurora dos
tempos presentes, cujos símbolos são dois gigantes: Rabelais e
Lutero. (LE GOFF, 2005b, p.63)
A Idade Média, para Michelet (1992) é artificial, por isso resiste tanto. Ela
morre e renasce inúmeras vezes. O historiador sustenta essas afirmações e ainda
considera que a longa duração é a única coisa que o período tem a mostrar.
mais louvor ao século XVI, que consegue superar esse domínio que aparentava ser
irredutível.
O século XII é, segundo o autor, um século literário. Mas é uma literatura vaga,
que aliena, e que vai piorar no século seguinte. As Canções de Rolando, na análise
do autor, recebem apenas uma versão nessa época, já que é bastante rica em análise
e em crítica e, portanto, não poderia ter sido gestada em uma época de tão pouca
capacidade criativa.
Ele é livre? Não é livre? Ele é livre, pois tem sua família garantida pelo
sacramento. E não é: sua mulher, na realidade não é só sua, assim
como a mulher de um escravo antigo também não é. Seus filhos são
seus filhos? Sim e não. [...]
O servo, nem livre nem não-livre, é um ser bastardo, suspeito, nascido
do sarcasmo. (MICHELET, 1992, p.32)
A glória era duelar seis horas, dez horas, sem recuar, e ainda
encontrar palavras. Competições sublimes, maríficas batalhas
que só a noite podia terminar. Juízes e combatentes, todos se
retiravam cheios de admiração por si mesmos, inflados, vazios
e quase idiotas. (MICHELET, 1992, p. 45)
Duas negações afirmam, três negam, quatro afirmam de novo etc. etc.
Os cornificianos (ou fazedores de argumentos extravagantes)
discutiam problemas de extrema importância, por exemplo: “O porco
que se leva ao mercado é retido pelo porqueiro ou pela corda? ”
Conhece-se o asno de Buridan; entre dois móbiles iguais, dois desejos
iguais, duas medidas de aveia, que fará o pobre Bruneau (é o nome
escolástico do asno)? A escola garantia que ele ficaria imóvel e,
portanto, morreria de fome. (MICHELET, 1992, p. 44-45) [grifo do
autor]
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Surge Roger Bacon (1214-1294). Este frade não se limita aos estudos habituais
de seus pares. Ultrapassou os ensinamentos imediatamente acessíveis, aprendeu
grego, árabe e hebreu em busca de saciar sua sede por um conhecimento que
considerasse satisfatório. Compilou os conhecimentos que estavam disponíveis em
seu tempo e buscou uma relação cada vez mais íntima com a natureza. Chega à
conclusão de que “‘[...] o espírito humano tudo pode servindo-se da natureza’”.
(MICHELET, 1992, p. 52) [grifo do autor]. Esta frase, que evidentemente está inserida
em um sistema de pensamento, que por ser revolucionário é nocivo ao sistema, causa
pânico entre os mantenedores do mesmo. Provavelmente só não teve que pagar seus
pecados nas chamas santas da fogueira porque, ao mesmo tempo que suas ideias
eram ameaçadoras, também traziam esperança, pois “Bacon escreveu um livro sobre
os meios de evitar a velhice”. (MICHELET, 1992, p. 53). Pelo pensamento de que ele
podia lograr superar a morte com seus estudos, conseguiu morrer já na velhice (80
anos de idade) sem precisar se retratar em público por suas ideias.
Pode-se depreender em Michelet (1992) que Bacon foi um dos membros da
resistência ao ideário medieval. Resistência isolada, com seus membros solitários
espalhados através dos tempos: Abelardo, Ockham, Dante, Bacon... são exemplos
deles. Foram responsáveis por lançar focos de luz sobre a Idade Média, mas que não
conseguiam tornar suas ideias protagonistas para a maioria de seus contemporâneos.
Dessa forma, a Idade Média perece e renasce inúmeras vezes.
A Igreja, por sentir medo toda vez que vislumbrava o fim daquele período em
que tinha o domínio, decidiu impor esse medo ao povo. Divergências eram punidas
com uma violência gigantesca, a fim de que essas atitudes fossem inibidas e tudo se
mantivesse exatamente igual.
Era por vias indiretas que se podia acelerar o fim da Idade Média,
desse terrível moribundo que não podia morrer nem viver e se tornava
cada vez mais cruel ao aproximar-se de sua hora final. A via da ciência
estava obstruída desde a perseguição de Roger Bacon e de Arnaldo
Vilanova. Entretanto, a arte era menos vigiada. Os tiranos sentiam
pouco os laços profundos, íntimos, existentes entre as diversas
liberdades do espírito humano, a oportunidade que a arte livre podia
proporcionar à libertação literária e filosófica. (MICHELET, 1992, p.65)
Van Eyck. Mas a principal e mais significativa modificação viria na arquitetura, que
nesse tempo era dominada pelo estilo gótico, estilo que recebe severas críticas de
Michelet. Era então o orgulho da arte religiosa medieval, que lhe nutria admiração e
considerava lhe conferia garantias de solidez.
impor castigos àqueles que de alguma forma lhe causam desagrado. A população,
que não respeita a anciã pelo fato de ser uma semelhante, passa a respeitar pelo
medo. Essas anciãs passam a ser procuradas para a retirada de feitiços, para a
consecução de curas, para fazer conjuros para que determinado aspecto da vida
daquele que a procura seja exitoso.
A inquisição manda estas senhoras para a purificação na fogueira. Purificação
da alma da condenada e também do próprio povo. O terror implantado por essa
instituição, que passa a se basear principalmente em Sprenger e seu manual, serve
de controle sobre os ânimos da população. O medo toma conta daquele povo; medo
dos demônios, que no século XIII passa a fazer parte da vida cotidiana, podendo
apossar-se do corpo de qualquer ser vivente; medo da inquisição, que ao menor sinal
de que tenha havido possessão, toma suas providências, que não focam no
salvamento do corpo, mas sim da alma.
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PALAVRAS FINAIS
A Idade Média, com toda sua complexidade, não pode ser julgada apenas a
partir de noções superficiais. Afinal, o período que se delimitou para ela ultrapassa mil
anos, tempo em que não cabe uma sociedade totalmente rígida, imutável. A este
período já foram atribuídas caraterísticas extremamente negativas, como também
dele já se fez uma idealização. Nenhuma das formas de pensamento, por seu
simplismo, corresponde à realidade.
As visões mudam à medida que mudam os interesses, mas não só isso: novas
informações também enriquecem a historiografia sobre essa parte da história da
humanidade. Novas informações que surgem, inclusive, com o incremento de novas
fontes.
melhor [a “cultura material”] desde a segunda metade do século XX” (LE GOFF,
2005b, p125).
O estudo da arte também amplia o universo das possibilidades de o historiador
conhecer a Idade Média, além de outros meios, como sermões, contas comerciais e
os manuais do confessor, estudados por Le Goff, por exemplo.
Le Goff (2005b, p. 54) diz que no seu modo de ver, “um fato histórico é sempre
construído por um historiador”. Na realidade, o julgamento que se faz de um fato ou
de um período histórico parece ser mesmo subjetivo. No caso da Idade Média tem-se
Michelet (1992) falando que os indivíduos que se destacaram por um comportamento
e uma postura tida por ele como positiva, que deixam legados cultural e intelectual
para as gerações posteriores, eram pessoas que não estavam em seu tempo; lutavam
contra um sistema, mas muitas vezes foram sufocados. Pode-se encontrar isso sobre
Brunelleschi, sobre Petrarca e diversos outros nomes que se destacaram no medievo.
Além disso, menospreza a forma de filosofia e produção do conhecimento desse
contexto, considerando até pior que a inércia. Já Le Goff usa esses nomes de
destaque para argumentar que a Idade Média não foi estéril, que, mesmo com uma
produção intelectual e cultural mais lenta e mais limitada nos temas, foi uma época
ainda produtiva. Este autor, ainda, não vê uma divisão nítida entre os períodos
históricos, declarando que a Idade Média não acaba no século XVI, pois algumas
instâncias de pensamento e de ação do homem continuaram para muito depois do
ano 1492.
Autores como Franco Júnior (2001) e Eco (2010) encontram ainda hoje
resquícios da medievalidade na configuração da esfera de atuação do ser humano.
Franco Júnior (2001) afirma que apesar da ideia de democracia remontar à Grécia, no
ocidente esse princípio administrativo tem muito mais influência do mundo ocidental
que do grego. As universidades, tipo de instituição nascida em ambiente medieval,
também ainda têm sua forma básica de funcionamento nos moldes daquele tempo
que foi seu início.
Também, através deste trabalho pode-se perceber que a Idade Média foi um
tempo de muitas contradições, sendo uma característica que não se restringe
somente ele. Como expressa Le Goff, cada época possui suas próprias contradições,
portanto, este fato não serve para caracterizar o período referido.
A Idade Média também não tem como característica a homogeneidade que
muitas vezes lhe é atribuída. Pode-se, ao se referir a ela, ter a ideia de que o início e
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o fim não possuem diferenças entre si, que partilham das mesmas estruturas e formas
de pensamento. E ainda, pensa-se na totalidade de um sistema que norteava a vida
dos cidadãos. Sobre esta última parte, Perry Anderson diz que
REFERÊNCIAS