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Carmen Isabel Leal Soares
o Discurso do Extracénico
Quadros de Guerra em Eurípides
Edições Colibri
•
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
(Página deixada propositadamente em branco)
o DISCURSO DO EXTRACÉNICO
QUADROS DE GUERRA EM EURÍPIDES
Colecção: ESTUDOS 16- TORGAL, Luís Reis et alii-Ideologia,
Cultura e Mentalidade no Estado Novo -
Ensaios sobre a Universidade de Coimbra,
Livros Publicados: Coimbra, 1992.
17 - SEABRA, Jorge et alii - O CADC de
1- SCHEIDL, Ludwig-A Viena de 1900: Coimbra. A democracia cristã e os inícios do
Schnitzler, Hotmannsthal, Musil, Kafka, Estado Novo: /905-1934: uma abordagem a
Coimbra, 1985 (esgotado). pw1ir dos Estudos Sociais, Coimbra, 1993.
2- RIBEIRO, António Sousa et alii - A literatura, 18 - ANACLETO, Marta Teixeira - Aspectos da
sujeito e a história. 5 estudos sobre literatura Recepçüo de 'Los siete libros de la Diana'
alemã contemporânea, Coimbra, 1996 em França, Coimbra, 1994.
(esgotado). 19 - MARNOTO, Rita - A Arcadia de Sannaza/'()
3- BURKERT, Walter-Mito e mitologia, e o Bucolismo, Coimbra, 1995.
Coimbra, 1986 (esgotado). 20 - PONTES, 1. M. da Cruz - O Pintor Antônio
4- GUIMARÃES, Carlos e Ribeiro Fen-eira - Cameiro no Património da Universidade de
Filoctetes em Sófócles e em Heiner Miilter, Coimbra, Coimbra, 1997.
Coimbra, 1977 (esgotado). 21 -SANTOS, João Marinho dos - E~tildos
5- FERREIRA, José Ribeiro - Aspectos da sobre os Descobrimentos e a Expansüo
del11ocraciagrega, Coimbra, 1988 (esgotado). Portuguesa, Coimbra, 1998.
6- ROQUE, João LoUl-enço-A poplllaçüo da 22- LEÃO, Delfim Fen-eira-As Ironias da
freguesia da Sé de Coimbra 1820-1849, Fol1Lma - Sátira e Moralidade no Satyricon
Coimbra, 1988. de Petrôllio, Coimbra, 1998.
7- FERREIRA, José Ribeiro - Da Atenas do séc. 23 - SILVA, Maria de Fátima Sousa e (coord.)-
VII a. C. às Reformas de SóloH, Coimbra, 1988. RepresentaçiJes de Teatro Clássico no
8- SCHEIDL, Ludwig - A poesia política alemll P0/11lgal Contemporâneo, Lisboa, 1998.
no período da Revoluçüo de Março de / 848, 24 - MARQUES, Maria Alegria Femandes-
Coimbra, 1989. Estudos sobre a Ordem de Cister em Portu-
9- ANACLETO, Regina-O artista conim- gal, Coimbra, 1998
bricense Miguel Costa (1859-19/4), Coimbra, 25- SCHEIDL, Ludwig-Mitos e Figuras
1989. Clássicas riO Teatro Alemüo - do Século
10 - CRAVIDÃO, Fernanda Delgado - Residência XVI/I à Actualidade, Lisboa, 1998.
secundária e espaço mral. Duas aldeias na 26- BRANDÃO, José Luís Lopes-Da Quod
Serra da Lousã Casal Novo e Talasnal, Coim- Amem - Amor e Amargor na Poesia de
bra, 1989. Marcial, Lisboa, 1998.
11 - SOUSA, Maria Armanda Almeida e, 27 - CARDOSO, João Nuno Paixão Corrêa -
VENTURA, Zélia de Sampaio - Damiüo Sociolinguística Rural - A Freguesia de
Peres. Biobibliografia analítica (/889-/976), Almalaguês, Lisboa, 1998.
Coimbra, 1989. 28 - SOARES, Carmen Isabel Leal - O DiscumJ
12- JORDÃO, Francisco Vieira - Mística e do Extracénico - Quadros de Guerra em
Filosofia. O 1tinerário de Teresa de Ávila, Eur&Jides, Lisboa, 1999.
Coimbra, 1990. 29 - MONTEIRO, João Gouveia - Os Castelos
13 - FERREIRA, José Ribeiro - Participaçc70 e Portugueses dos Finais da Indade Média -
Poder na Democracia Grega, Coimbra, 1990. presença, pel.1il, conselvaçüo, vigilância e
14- SILVA, Maria de Fátima Sousa e OLIVEIRA, comando, Lisboa, 1999.
Francisco de - O Teat/'() de Aristófànes, 30 - SCHEIDL, Ludwig - Dez Anos Apôs a
Coimbra, 1991. Queda do Muro: A Unificaçüo Alel1/ü no
15 - CATROGA, Fernando - O Republicanismo Contexto Europeu, Lisboa, 1999.
em Portugal. Da Fonnaçüo ao 5 de Outubro
de /9/ O, Coimbra, 1992.
Carmen Isabel Leal Soares
o DISCURSO DO EXTRACÉNICO
QUADROS DE GUERRA EM EURÍPIDES
Edições Colibri
*
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Biblioteca Nacional- Catalogação na Publicação
NOTA PRÉVIA.. .......... ......... ..... ...... ... ....... ......... ........................... ........ . 7
INTRODUÇÃO ..... ............. ....... ............ .. .... ..... ....... .............. ... .. .. ...... ..... 13
Poética da tragédia grega: didacticismo e hedonismo.. .. ............ . 13
Tragédia grega: narrativa em fOlma dramática .......................... .. 19
A descrição: algumas considerações .......... .... .............. .. .. .. .. .. ...... 21
A descrição de um exército.. .......... .......... .......... .. .............. ........... 23
I Destinados a leitores mais especializados são os artigos que temos vindo a publicar
desde 1996 na revista Humanitas , também eles correspondentes a fascículos da tese de
mestrado.
o Discurso do Extracénico 9
I Pelo inventário dos passos em que, na sua Poética, Aristóteles se refere expressamente
às tragédias euripidianas ou ao próprio dramaturgo, reconhece-se que o poeta não era
um dos seus preferidos. Critica a falta de economia das suas peças (l453a 29), o trata-
mento desajustado que dá ao carácter de algumas das personagens (a vileza de carácter e
maldade de Menelau no Orestes, 1454a 28 sq. e 1461b 21; a incoerência psicológica da
lfigénia de ijigénia em Áulide, 1454a 31-2; a irracionalidade de Egeu na Medeia, 1461 b
20 sq.), a inoperância de algumas das suas intervenções (discurso de Melanipa, 1454a
31), a utilização do deus ex machina na Medeia (1454a 37-b2), o aniquilamento da
função de actor que o coro desempenhava nas peças de Sófocles (l456a 25-7) e a
preferência por termos correntes a eruditos (1458b 19-22). Quando considera o "reco-
nhecimento" e o relacionamento deste com a acção, o Estagirita revela-se, porém,
menos linear na sua rejeição. Se começa por admitir que o reconhecimento tem que ser
feito por ambas as partes (como é o caso de ijigénia entre os Tauros, 1452b 38), acaba
por censurar a forma como ele é apresentado para Orestes (uma vez que ele não se
baseia em sinais exteriores, 1454 b 31-5) e aplaudir a maneira como ele reconhece a
irmã (apontando-a como o melhor tipo desta cena, de todas a melhor anagnórise, 1455a
17-21). Da relação que o conceito de erro (á[.wpTla) tem com o reconhecimento e a
acção, o autor considera, uma vez que Mérope não executa o filho porque o reconhece
antes, Cresfonte um dos melhores exemplos do tratamento dado pelo poeta ao mito
(I 454a 4-7). O mesmo louvor cabe ainda a ijigénia entre os Tauros (ibidem), mas con-
sequentemente parece excluído de Medeia (cuja protagonista mata os filhos consciente
do seu acto, 1453b 28-30). À história geral da peça, herdada da tradição, o poeta acres-
centa ideias novas, os episódios (o modelo apresentado é o da loucura de Orestes em
lfigénia entre os Tauros, 1455b 2-15). Como paradigmas de tragédias de carácter, temos
uma vez mais um exemplo colhido em Eurípides: Peleu (título comum a peças de Sófo-
cles e Eurípides). Dignos de relevo são também a limitação dada pelo poeta aos temas
das suas obras (1456a 16-8) e o desenlace triste das mesmas (1453b 23-30). A estas
evidências textuais acrescente-se o facto de a própria insistência com que o nosso
dramaturgo é tomado por base de reflexão ser já por si um louvor.
14 Carmen Isabel Leal Soares
2 A noção de que o poeta produz para um público, pelo qual se deixa guiar e de acordo
com os desejos de quem compõe, vem teorizada na próplia Poética (l453a 33-5). Mas a
primeira grande refl exão teórica sobre a interacção dramaturgo-espectador figura já em
um autor anterior. O frag. 23 D.-K. de Górgias dá conta do jogo de ficção (aTTáTT]) com
que pactuam o poeta, como autor do engano, e o espectador, que exibe sabedoria em
deixar-se enganar (ó aTTuTT]9ElS" ao<pWTEpoS"). Sobre esta questão cf. T. G. Rosenmeyer,
"Gorgias, Aeschylus, and Apate", AJPh 76 (1955) 225-60, especialmente 225-42, e
O. Taplin, Greek tragedy in action (Berkeley 1978) 166-71.
3 Discordando do entendimento marcadamente hedonista que M . Heath, em The poetics
of Greek tragedy (London 1987), faz da poética da tragédia, partilhamos da opinião de
N. T. Croally quando afinna: "Heath, no entanto, comete o erro de supor que o prazer
de assistir a um drama e as emoções que ele desperta impedem a possibilidade de nelas
residir qualquer apreciação intelectual da tragédia ( ... ) não há qualquer razão para que o
prazer e o conhecimento sejam mutuamente exclusivos" (Euripidean polemic. The
Trojan Women and the function of tragedy, Cambridge 1994, 23). Já mesmo antes de
Croally, a voz autorizada de S. Halliwell se erguera em defesa de que a proposta da
poética aristotélica entende o prazer estético da tragédia como um processo cognitivo e
didáctico -o que o autor designa por "a process of understanding and learning" (Aristo -
tle's poetics: a study ofphilosophical criticism, London, 1986,64; vd., sobre o "prazer",
especialmente 62-81). Cf. ainda O. Taplin, op. cit., 169.
o Discurso do Extracénico 15
4 Na sua reacção em favor do prosseguimento dessa histólia que lhe era dolorosa de
ouvir, Telémaco assemelha-se mais a Ulisses em idêntico contexto. Não esqueçamos ter
sido o náufrago a sugerir o tema de canto a Demódoco.
5 Contributos para uma reflexão mais aturada desta temática podem encontrar-se em E. E.
Sikes, The Greek vlew of poetry (London 1969, reimp.) I sqq. eM. F. S. Silva, Crítica
do teatro na comédia antiga (Coimbra 1987) 205-29.
16 Carmen Isabel Leal Soares
6 Através da mimese poética obtém-se tanto prazer como conhecimento, e não um deles
em exclusivo. Pois, como resumem as palavras de N. T. Croally (op. cit., 33), "a
tragédia ensina, mas é igualmente uma experiência emocional e intelectual; fornece
conhecimento acerca do próprio, do outro, e suas construções; e ao fazê-lo dá prazer. De
uma maneira apropriadamente dionisíaca, por vezes proporciona o que é simultanea-
mente doloroso e agradável, mas que continua ainda a ser didáctico".
7 Trata deste conceito também em Ética a Nicómaco 7, 12-15 e lO, 1-5, de que referire-
mos, a título de comparação, eventuais divergências ou, como complemento, alguns
passos que se revelem interessantes para o nosso estudo. Embora nesta obra o autor
confira maior desenvolvimento à temática em análise, não nos parece, contudo, oferecer
informações que directamente se possam ligar à discussão dos fundamentos da poética
da tragédia.
8 Opinião contrária vem expressa em Ética a Nicómaco 1174a 16-19. A esta conclusão
chega-se pelo confronto da natureza imperfeita do movimento com a natureza perfeita
do prazer (idem 1174b 4 sq.). O prazer é um todo (idem 1174b 9-14).
9 A mesma ideia vem igualmente expressa mais adiante (Retórica 1372a 2 sq.).
o Discurso do Extracénico 17
Após estas reflexões podemos inferir que tornar atractiva a sua pro-
dução exige do poeta uma releitura do mito e uma diversificação de téc-
nicas compositivas e recursos retórico-estilísticos. Pela força do verbo,
igualmente ricos de pathos podem ser os episódios que relatam factos que
não se vêem, mas se antevêem na imaginação de cada personagem, de
cada espectador. Como sublinha o Estagirita, na verdade é necessário que
a fábula seja composta de tal maneira que quem ouve contar os aconte-
cimentos, mesmo sem os ver, fique arrepiado e tomado de compaixão
(idem 1453b 3-5). Aliás, Aristóteles, numa provável reacção contra a
sobrevalorização dos recursos espectaculares na produção teatral da sua
época, afirma que o espectáculo, embora sendo o que mais seduz o públi-
co, é o que há de mais estranho à arte e menos próprio à poesia. Num
indirecto preferencialismo do texto face à mise-en-scene, o autor defende
que a tragédia subsiste mesmo sem recinto e actores (Poética 1450b 17-
-20). Como escreveu W. B. Stanford, "os poetas são altistas da palavra,
não dos efeitos visuais"14. São precisamente cenas de 'apresentação indi-
recta', aquelas em que a atenção do espectador é predominantemente
atraída para o texto, pois é ele que veicula as acções descritas e não repre-
sentadas diante dos olhos do público, as que cativaram o nosso interesse.
Há, no entanto, uma questão que, não obstante a menor valia confe-
rida pelo tratadista da Poética aos factores cénicos, o dramaturgo não
pode descurar. As suas peças são apresentadas para um público, cujo
nanativa aos passos por nós considerados: "Uma tragédia grega é uma
narrativa apresentada em séries de actos formalmente separados"21 . Não
excluímos, contudo, a natural importância da orientação interpretativa
cuja tónica reside na "especificidade" teatral, a ausência de um nanador-
-mediador entre personagens e espectador-leitor. Contudo os trechos que
iremos considerar, por se referirem a actos passados fora da vista do
espectador, exigem sempre um natTador, intermediário entre o cénico e o
extracénico.
21 M. Heath, op. cit., 137. Se se entende a designação acto como sinónima da grega
epeisódion, o juízo de Heath torna-se incorrecto. De facto as intervenções corais
também podem assumir um teor narrativo. Contudo, na definição que de tragédia grega
nos dá, cont1rma a proximidade existente entre os modos literários narração e drama:
"A tragédia grega é uma narrativa em forma dramática" (124).
22 'Texto' é aqui tomado como sinónimo de texto literário não dramático, cf. Ph. Hamon,
Du descriptif(Paris 1993) 86. Sobre a evolução histórica do conceito 'descrição' , feita a
partir das principais obras de retórica da época clássica e pós-clássica, veja-se esta
mesma obra, cap. I - 'Éléments pour une histoire de l'idée de description' . Para
confrontar a concepção actual e posições teóricas tomadas por di versos estudiosos cf.,
ainda, a entrada 'Descrição' em C. Reis e A. C. Lopes, Dicionário de narrat%gia
(Coimbra 1990) 87-97 e bibliograt1a aí indicada.
22 Carmen Isabel Leal Soares
A descrição de um exército
1. Do discurso à imaginação
Conforme de imediato testemunha a relação etimológica com o
verbo 8páw ('agir'), a essência do drama reside nas acções. Como escre-
veria Aristóteles, sem acção não pode haver tragédia (Poética 1450a 23-
-4). Das seis componentes que constituem a tragédia, a acção (praxis) é a
privilegiada (idem 1450a 9 sq. e 23-25), pois o mythos é o princípio
(archê) e a alma (psychê) da tragédia (idem 1450a 38 sq.)27.
A acção pode ser encenada diante do público ou apresentada indi-
rectamente pelo discurso das personagens. Pelos limites que lhe eram ine-
rentes, nomeadamente o número reduzido de actores e a observância da
lei do decorum, a tragédia clássica não podia trazer à cena um exército
ocioso ou preparando-se para o combate, nem tão-pouco o espectáculo
grandioso e sangrento do choque de falanges. Nestes casos o foco dramá-
tico transpõe o espaço teatral - 'através do discurso narrativo [o drama-
turgo grego] pode expandir muito mais o seu campo de operações e tratar
29 Para um estudo dos conceitos 'lista' e 'catálogo ', veja-se C. R. Beye, "Homeric battle
narrative and catalogue", HSPh 68 (1964) 345-73.
26 Carmen Isabel Leal Soares
mais real a sedução óptica que um exército pode despertar nas jovens
coreutas de lfigénia em Áulide ou em Antígona parthenas, isto é, 'virgem'
(Fenícias 106). No caso de Antígona, à sedução óptica alia-se também o
sentimento de afecto e saudade por um irmão há muito exilado. É ainda
em Fenícias que uma figura de ancião e pedagogo se apresenta como
detentora do conhecimento necessário para informar e guiar a princesa
cadmeia na descrição do exército sitiante. No capítulo II analisam-se os
quadros apresentados por personagens peltencentes ao grupo militar
(Demofonte, rei de Atenas, e o mensageiro, soldado de Hilo, ambos em
Heraclidas; mensageiros de Suplicantes e Fenícias) . Porque é menos
clara a atribuição de um estatuto "civil" ou "guerreiro" aos mensageiros
de Helena e Orestes e porque há uma nítida subversão do modelo épico
que inspirou as cenas descritas, entendemos abrir um III capítulo a dar
conta dessa desconstrução. Na verdade, o Frígio de Orestes é um servo
(138), cuja função é abanar o leque da sua senhora (1426-30). E mesmo o
facto de trazer consigo um punhal (1482) não o torna um membro da
comunidade guerreira. O mensageiro de Helena, por seu turno, é um
servo de Teoclímeno, remador da nau da rainha grega.
A característica de marca comum aos passos que iremos analisar é,
portanto, a variatia a todos os níveis - fábula, nalTação e discurso.
I
A MULHER E O FASCÍNIO
DO ESPECTÁCULO BÉLICO
reconhece-lhe o mérito de boa conselheira (VIII. 101 , 6) -numa ocasião esse conselho
é ignorado (VIII. 68-69) e noutra acatado (V III. 103). O louvor do monarca persa passa
pelo reconhecimento naquela mulher de atributos masculinos (de que os homens, na sua
comparação, saem diminuídos, VlII. 87, 14 sq.) e por lhe contiar o acompanhamento
dos seus próprios tilhos até Éfeso (V lll. 103,4). Com estas duas distinções, o rei persa
reconhece a plenitude de Artemís ia numa dupla faceta, enquan to estratega e mulher.
Sobre a patticipação da mulher da Atenas clássica na vida pública, social e económica,
cf. o estudo sintético e bibliograticamente bem documentado de D. Cohen, "Seclusion,
separation, and the status 01' women in classical Athens", G&R 36 (1989) 3- 15.
o Discurso do Extracénico 29
3 Sobre o estudo comparativo das duas teichoskopiai, leia-se M. F. S. Silva, 1985-86: 15-18.
4 Antilabê é a divisão de um mesmo verso por duas falas de personagens diferentes (nos
vv. 122,132,133,161,171,180).
5 Leitura já notada em E. Basade, "Canto tercero de la Ilíada", Hell11antica II (1960) 419.
32 Carmen Isabel Leal Soares
• Fenícias 88-201
A posição da crítica textual quanto à autenticidade dos versos em
questão não tem sido unânime. Com base no argumento 3, onde se lê que
a cena de Antígona a observar a partir das muralhas não faz parte do
drama, Verrall foi o primeiro a impugnar a originalidade da cena l2 . Ale-
gando razões de diversa ordem, outros se lhe têm seguido. Não está den-
tro do âmbito do presente trabalho fazer uma avaliação aturada dos argu-
mentos contra ou a favor da origem euripidiana do texto. Há, no entanto,
uma série de factores internos à peça favoráveis a esta última posiçãol 3 .
Estamos a pensar na estrutura do prólogo em Eurípides, que, normal-
mente, na segunda ou terceira cena, quando a há, contém - como aqui -
metros líricos e anapestos. Ainda tipicamente euripidiana é a repartição
do amebeu pelos trÍmetros de uma voz masculina e o canto de uma femi-
nina. A própria "ingenuidade da cena", como lhe chama Mastronarde,
14 Como já notara U. Albini , " Na verdade, a cena de Antígona serve de excelente contra-
ponto a um prólogo denso e opressivo". A teiclzoskopia funciona como contrapattida do
prólogo, pois "a informação sobre a situação interna" - fornecida por este - "é comple-
tada pelos dados da situação externa" que aquela contigura ("Miracolo e avventura nell '
Elena", pp 28, 1973-74, 394).
15 Na Ilíada, essa imobilidade é especiticada por Príamo, ao incitar Helena nos seguintes
termos: senta-te junto de mim (3. 162). A situação contrália, ou seja, quando uma
personagem passa em revista um cenário tixo mas complexo (rua, paisagem, monu-
mento), serve o conceito de "personagem móvel" (passeante, visitante, turista, explora-
dora). Cf. Ph. Hamon, "Qu' est-ce qu' une description?", Poélique 12 (1972) 468 sq.
36 Carmen Isabel Leal Soares
16 A úni ca percepção visual que tem do exército é a poeira que ele na sua marcha eleva
acima das muralhas (8 I).
17 Este pormenor será analisado mais adiante (cf. pp. 38,41 e 46).
18 "De facto os actores tornam-se os herdeiros do palhos que na tragédia de Ésquilo
impregnava os kOl11l11oi corais, e, para nos convencermos di sso, basta observar a
reelaboração diversa que de um mesmo motivo, a descrição dos exércitos dispostos em
torno de Tebas, assunto do vivo kommos de Ésquilo e do párodo da Antígolla sofoclia-
na; ela é apresentada, por sua vez, em Eurípides através do dueto entre Antígona e o
pedagogo, cena em que é protagonista e o coro é suprimido" (M. Baldi, "Cm'attere,
funzione ed evoluzione deI lirismo euripideo", Dioniso 16, 1953, 123).
o Discurso do Extracénico 37
21 Vv. 9 1,96, 101, 118, 127, 131, 142, 144, 147, 161, 195.
22 Aqui só se retratam seis deles, pois Adrasto é apenas nomeado como ponto de referência
para Antígona situar Polinices, que se encontra próximo daquele (160).
23 Mesmo que Capaneu se deslocasse para fazer esta relação, o elemento móvel não é
relevante para o seu retrato.
24 Cf. M. F. S. Silva, "A mulher, um velho motivo cómico", in F. Oliveira e M. F. S. Silva,
O teatro de Aristófanes (Coimbra 1991), especialmente 233-8. Passo exemplar da paró-
dia à maledicência feminina é o seguinte: ... vamos nós mesmas e as nossas escravas
arranjar, em qualquer lado, umas cinzas para lhes tirarmos os pêlos das vergonhas,
para ela aprender, já que é mulher, a não dizer mal das mulheres daqui em diante (trad.
de M. F. S. Silva, As mulheres que celebram as Tesmofórias, Coimbra, 21988, vv. 537-9).
40 Carmen Isabel Leal Soares
25 Cf. H. van Wees, '"The Homeric way of war: The Iliad and the hoplite phalanx", G&R
41 (1994) 131.
26 Sobre a distinção entre discurso subjectivo e objectivo, bem como sobre os vários tipos
de registo que aquele pode oferecer, veja-se C. Reis e A. C. Lopes, op. cit. , 340-5.
o Discurso do Extracénico 41
28 Esta ideia é retomada nos vv. 141-4, quase unanimemente julgados espúrios (cf. D. J.
Mastronarde, op. cit., 192-3).
29 "Na tragédia, referências feitas a algo apenas visto na arte pode significar implicita-
mente a falta de uma experiência em primeira mão da personagem [que descreve] ou a
monstruosidade ou estranheza do objecto referido" (D. 1. Mastronarde, 017. cit. , p. 187).
Assim, Antígona compara Hipomedonte a um gigante figurado na pintura para realçar a
singularidade do porte e o seu desconhecimento de tal figura no mundo real.
30 D. 1. Mastronarde, op. cit., 647-50, fornece um estudo pormenorizado da geografia de
Tebas.
o Discurso do Extracénico 43
31 A beleza de Partenopeu é um dado presente também nos vv. 1159-62 desta peça e em
Suplicantes 889, 899 sq. e Ésquilo, Os Sete contra Tebas 532 sq.
44 Carmen Isabel Leal Soares
continua a ser a curiosidade. Como observa H. van Looy, "nos seus dramas tardios,
Eurípides mostrou uma predilecção bastante pronunciada por um coro composto de
estrangeiras -estrangeiras em relação ao protagonista. É este o caso de Fenícias e
também o de lfigénia em Áulide, onde as mulheres chegam da Cálcide e, como único
motivo dessa vinda, indicam a curiosidade" ("II coro deli' lfigeneia iI! Aulide", Dioniso
55, 1984-85,250).
38 Ficam ainda disseminadas pela obra alusões a um condicionamento social dirigido a
lfigénia e sua mãe, presenças femininas impróprias em um acampamento guerreiro e
cujo contacto com os seus elementos pode ser alvo de repreensão (678, 753, 825 sq.,
830,993,998-1001,1338-40,1357).
48 Carmen Isabel Leal Soares
relevo assumido pelo par Aquiles-Eumelo (ao qual são dedicados 23 ver-
sos contra uma média de 3 para cada outro dos pares), cuja posição em
final de estrofe é indiciadora de um estatuto de corolário, de motivo cen-
tral do quadro.
Do ponto de vista da técnica enunciativa, o tragediógrafo confere ao
texto características semântico-retóricas próprias do designado efeito de
"catálogo". Isto é, assiste-se à enumeração de cinco pares de sujeitos,
retratados mediante alguns requisitos comuns. Procurando conferir varia-
tio a um tipo de enunciação por natureza repetitivo, o poeta, pela oposição
movimento/estatismo e pela não utilização simétrica dos requisitos para
caracterização das diversas figuras, distingue os pares. Assim, o primeiro,
segundo e terceiro pares de guerreiros são representados imóveis. Os dois
Ajantes estão sentados juntos (192)39; Protesilau e Palamedes são descri-
tos na mesma posição, como indica o complemento de lugar 'sobre os
bancos' (195); de Ulisses e Nireu não há qualquer informação sobre a sua
actividade, tão-só da sua proveniência geográfica (vindo das montanhosas
ilhas, perífrase de Ítaca, 203). Contrariamente a estes, os restantes dois
pares irmanam-se pelo movimento que os caracteriza. No que diz respeito
a Diomedes e Meríones é apenas ao primeiro que se atribui acção (o lan-
çamento do disco, 200), o que não retira ao grupo o movimento como
elemento de realce, pois Meríones parece estar ali unicamente com a
finalidade de fazer parceria de observador, conforme sugere o comple-
mento de lugar junto dele [estava] Meríones (201) . No retrato do Pelida,
aos epítetos de significação motora - de pés rápidos como o vento e veloz
(206 sq.) - somam-se formas predicativas ou nominais de verbos do mes-
mo campo semântico: vi ... Aquiles em corrida pela praia pedregosa (208-
-11), contornando a marca da vitória (215), agitava-se (226). Do todo
que formam o auriga e o seu carro, a noção de movimento vem atribuída,
através do substantivo 'corrida' (8pó~0S' , 224), ao elemento que mais se
evidencia e maior fascínio exerce no coro (o mesmo é dizer junto do
poeta), os cavalos.
São dois os aspectos comuns contemplados no retrato das várias
figuras de guerreiros: ascendência e epíteto(s) . Se exceptuarmos o caso de
Eumelo, para quem o apelido Feretíada indica o nome do avô 40 , todas as
39 A apresentação dos dois Ajantes lado a lado é de nítida inspiração homéIica. De facto
são numerosos os exemplos registados na Ilíada para esta realidade (2. 406; 4. 273 e
280; 5. 519; 6. 436; 7. 164; 8. 79 e 262; 10. 228; 12. 265, 335 e 353; 13.46,47, 197,
201 e 313; 15.301 ; 16. 555, 556; 17. 531 , 668, 707, 732 e 752; 18. 157 e 163), com
especial relevo para o símile dos bois, sinónimo da inseparabilidade dos dois guerreiros
(17. 703-8).
40 Seu pai era Admeto (Ilíada 2. 714).
o Discurso do Extracénico 51
41 De Ares rebento é variante da forma homérica muito comum rebento de Ares. Também
a expressão maravilha entre os mortais é uma modificação da homérica maravilha de
se ver. Note-se que neste último caso parece-nos que essa alteração resulta de um
acréscimo na superlativização do chefe. Como homem que era, o termo de comparação
são os mortais, para quem ele surge como algo admirável. Quanto à beleza de Nireu
(205), ela figura já na Ilíada como seu plincipal atributo (2. 673 sq.).
52 Carmen Isabel Leal Soares
42 Esta modalidade foi adicionada ao programa dos Jogos Olímpicos de 520 a. C. Segundo
o escoliasta de Aristófanes As aves 292, os concon·entes envergavam o elmo, a que se
juntavam ainda o escudo e as grevas (W. E. Sweet, Sport anel recreation in Ancient
Greece, London 1987,31 sq.). Sendo desconhecida a data exacta do aparecimento, a
nível não oficial , desta modalidade, e estando Aquiles num acampamento militar, a
apresentação de semelhante prova desportiva não nos parece necessariamente um
anacronismo do poeta em relação ao tempo mítico da história. Configura-se, antes,
como uma forma de sublinhar a excepcionalidade daquele que em Homero recebe o
epíteto distintivo de pés velozes.
o Discurso do Extracénico 53
OBSERVAÇÃO DO EXÉRCITO
PELA COMUNIDADE GUERREIRA
Heraclidas 389-409
Depois da apoteose de seu pai, os Heraclidas são alvo da persegui-
ção de Euristeu, o novo senhor de Argos, e inimigo mortal de Héracles.
Obrigados a procurar protecção no exílio, os filhos do herói, guiados pelo
velho companheiro de aventuras do pai, Iolau, e pela avó, AJcmena, aca-
bam por chegar a Maratona. O rei de Atenas, Demofonte, oferece o apoio
dos seus guerreiros a Hilo, o Heraclida primogénito. Euristeu acabará por
ser feito prisioneiro e receber a condenação à morte.
Nos versos 389-409 é chegado o momento de Demofonte apresentar
as medidas práticas que anunciara providenciar para segurança da família
suplicante de Héracles (335-40). Contra a investida do exército argivo e
do seu rei faz os preparativos segundo três itens:
a) convocatória dos cidadãos para o combate (335);
b) vigilância dos movimentos do adversário (337-38);
c) realização de sacrifícios (340).
4 Porque nos vv. 335-40 se trata de anunciar intenções, o tempo em que elas são expressas
é o t'uturo:farei (335), disporei (336), enviarei (338), sacrificarei (340). A mesma ideia
é ainda veiculada pelo recurso à oração consecutiva (de maneira que enviarei, 336 sq.) e
à tinal (para não ser surpreendido, 338). A concretização destas medidas é colocada no
passado, pois estamos perante uma "descrição ulterior": vi (390).
5 Y. Garlan 1972: 63 .
6 A propósito do relacionamento estreito entre política e guerra, cf. ainda C. Mossé,
Dictionaire de la civilisation grecque (Bruxelles 1992) 244.
o Discurso do Extracénico 57
7 "É assim que em Atenas, no séc. V, os membros da primeira classe censitária (penta-
kosiomedimnoi) tinham o privilégio da trierarquia, a principal das liturgias, que lhes
conliava o armamento da frota; para se ser escolhido como cavaleiro, era necessário
pertencer pelo menos à segunda classe, a dos hippeis, e para fazer parte da falange dos
hoplitas, possuir pelo menos o censo da terceira classe, a do zeugita; ao passo que os
mais desfavorecidos, os tetas, apenas podiam prestar serviço na infantaria ligeira ou
serem remadores." (Garlan 1972: 63).
8 Y. Garlan 1994: 66.
9 Sentimento que, segundo Platão, tem em comum com os outros animais, pois, como se
pode ler em República 467b: "Além disso, todo o animal luta por forma excepcional, se
estiver perante a sua descendência" (trad. de M. H. Rocha Pereira, 017. cit., 240). Daí que
o guen·eiro devesse fazer-se acompanhar dos 1ilhos para ter mais vigor no combate.
10 Para a rel ação agticu ltura/guerra cf. os capítulos IV e V do Económico de Xenofonte.
Entre os Persas, a caça era tida como a ocupação que mais semelhanças tinha com a
guerra (idem I. 2, 10). As reservas que uma obra como a Ciropedia, de nítidas aproxi-
mações ao actualmente designado romance histórico, pode suscitar sobre a veracidade
das suas alirmações podem ser colmatadas pela colação com uma reflexão mais extensa
do mesmo autor em um pequeno tratado sobre a actividade venatória. A caça não só
permite o melhor treino para a guelTa (Ciropedia 4. I , I) como também é dos homens
que se exercitam em tal prática que nascem bons soldados e generais (idem 4. 12, 8).
Além de uma preparação física adequada, a caça ajuda ainda a enformar um carácter
con·ecto (idem 4. 12, 7).
58 Carmen Isabel Leal Soares
15 l.-P. Vernant, "Théorie générale du sacrifice et mise à mOlt dans la 8vcy[a grecque", in
O. Reverdin et B. Grange, Le sacrifice c/alls L' Antiquité, vol. 27, Fondation Hardt
(Vandoeuvres 1981) 2.
16 "S inistros e diferentes, os sphagia antecipavam o derramamento de sangue da batalha e
marcavam o seu início ritual" (A. Henrichs, op. cit., 2 15 sq.). "A matança, quase inofen-
siva, acessível, é uma antecipação premonitória da batalha com os seus perigos impre-
visíveis, é um iniciar" (B urkert 1993: 135).
17 Sobre o sacli fíc io humano em geral veja-se M. H. Jameson, op. cit., 213-17, R. Aélion,
Euripide héritier d'Eschyle (Paris 1983) 171 sq. (para MacáIia) e 201-3 (para Meneceu)
eM. F. S. Silva, "O sacrifício voluntário: teatralidade de um motivo euIipidiano", BibLos
67 (1991) 15-41. Para o de donzelas em pmticular, atribuímos pmticular destaque às
seguintes referências bibliográficas: A. Henrichs, op. cit., 195-208; Burkelt 1983: 58-72
(sobretudo 65-7); 1. Wilkins, "The state and the individual: Euripides' plays of vo luntary
sell~sacIitice", in A. PowelI (ed.), Euripides, women and sexuality (London 1990) 177-94.
60 Carmen Isabel Leal Soares
Heraclidas 667-79
Depois de a filha de Réracles se ter retirado para execução do seu
sacrifício voluntário, o coro, Iolau e os restantes descendentes do semi-
deus permanecem em cena abatidos por tamanho infortúni021. Quando
tudo parece perdido, quando uma mOlte assim inesperada anula as espe-
ranças de vida, eis que surge um servo de Rilo com notÍCias capaz de dar
novo alento à frente ateniense. O seu senhor chegara com tropas aliadas,
uma promessa de maior à-vontade no confronto do inimigo.
A Iolau cabe a iniciativa de interrogar. Certamente por razões afecti-
vas, começa por querer saber de Rilo, em particular, para só depois ques-
tionar sobre o seu exército, em geral. Também o interlocutor não isenta o
seu discurso informativo de notas de limitação cognitiva. Desde logo à
pergunta sobre a quantidade de aliados trazidos pelo seu chefe (668) ele
responde com um genérico 'muitos', admitindo, de imediato, a impossibi-
lidade de precisar o número. Continuamos a ter o discurso modalizante ao
serviço da verosimilhança, pois seria pouco provável que o guerreiro
conhecesse com exactidão tais dados. Ainda inserida nesta restrição de
conhecimento, surge a fala: seguinte de Iolau: Estão a par dessa situação,
julgo eu, os chefes atenienses. Note-se que a estrutura pergunta-resposta
linha a linha, de verdadeira configuração esticornítica, adquire, nestas cir-
cunstâncias, uma variante estilística dinamizadora do ritmo do discurso.
Iolau não questiona sobre o conhecimento que os generais aliados têm da
ajuda trazida por Rilo, mas apresenta esse elemento como um facto, em
seu entender, adquirido. Não deixando, contudo, a fala do antigo compa-
nheiro de Réracles de ser sentida como uma interrogativa22 , o servo de
Rilo, repetindo em anáfora a forma 'LcYaO'LV ('estão a par, sabem'), confir-
20 Em outros passos da sua produção trágica, Eurípides põe na boca das suas personagens
o contraste existente entre "ouvir dizer" e "testemunhar com os próprios olhos"
(cf. Helena 117 sq. e Troianas 481-84).
21 A filha de Héracles permanece como figura anónima na peça. O nome Macária remonta
ao argumento que lhe foi posteriormente adicionado, bem como à lista das drama tis
personae (cf. Wilkins 1993: 111 sq., n. 474).
22 Aliás, das edições consultadas, duas delas, as de Garzya e Méridier, optam pela inter-
rogativa, grafia que melhor exprime o valor inquiridor que subjaz ao presente verso.
62 Carmen Isabel Leal Soares
24 Cf. Narrative in drama. The artofthe Euripidean messenger-speach (New York 1991) 115.
25 Registam-se verbos do campo semântico de 'ver' nos versos 848 de Heraclidas; 652,
653 e 684 de Suplicantes; 1099, 1139 e 1165 de Fenícias; 1459 de Orestes. Há opiniões
cépticas, expressas na própria produção euripidiana, que consideram um só homem
incapaz de contar todos os pormenores de um vasto campo de batalha -Teseu (Supli-
cantes 849-52) e Orestes (Electra 377 sq.).
26 Outros exemplos anteriores a Eurípides colhemo-los, nomeadamente, em: Ilíada 2. 484-
-7; Odisseia 8. 487-91; Heródoto 2. 44, 75, 106, 148, passim.
64 Carmen Isabel Leal Soares
27 Heraclidas 801, 842; Suplicantes 653, 719 sq.; Fenícias 1099, 1103, 1133, 1142, 1143,
1171, 1189, 1196, 1468 sq., 1461, 1468 sq., 1472, 1475.
28 et: D. 1. Mastronarde (ecI. comm.), EuripU:les. Phoenissae (Camblidge 1994) 523, n. 1335.
29 Cf. A. Rijksbaron, " How does a messenger begin his speech? Some observations on the
opening lines ofEuripidean messenger speeches", Miscellanea tragica in honorem J. C.
Kamerbeek, ed. 1. M. Bremer, S. L. Radt, C. J. Ruijgh (Amsterdam 1976) 305 sq.
30 Não podemos por isso concordar com opiniões sobre o mensageiro euripidiano do tipo:
" ... o mensageiro deve transmitir um relato racional de factos objectivos, a existência
dos quais nada tem a ver com ele pessoalmente, excepto na medida em que por acaso os
observou" (S. A. Barlow, op. cit., 60); "A presença impessoal do mensageiro junta-
mente com a precisão gráfica do seu relato produzem no auditório um estranho senti-
mento de distanciamento emocional e proximidade visual" (1. M. Bremer, "Why
messenger-speeches?", in Miscellanea ttagica in honorem J. C. Kamerbeek, ed. 1. M.
Bremer, S. L. Radt, C. J. Ruijgh. Amsterdam 1976, 46). Posição em favor do
envolvimento do mensageiro nos acontecimentos descritos oferece ainda O. Taplin em
Greek tragedy in action (Berkeley 1978) 82, ao afirmar que o mensageiro "geralmente
tem uma identidade protissional, uma razão para estar envolvido e alguma reacção
pessoal aos eventos que relata".
31 Outros passos da mesma natureza são: Suplicantes 694; Fenícias 1133 .
o Discurso do Extracénico 6S
tudo fizemos e não foi sem sofrimento que pusemos em fuga o contingente
argivo, Heraclidas 841). As figuras de retórica, por sua vez, enformam o
discurso figurado, vincadamente presente, entre outros, no recurso à aná-
fora (Suplicantes 656-9; Heraclidas 855-8), ao oxímoron (Heraclidas
idem), ao poliptoto (Suplicantes 666 sq.) e à hipérbole (Suplicantes 710).
Uma vez que, como vimos, está relacionado com algumas figuras
principais da peça, o mensageiro não pode produzir um relato imparcial.
Nitidamente simpatizante com uma das pattes do conflito, é sobretudo em
momentos de exaltação e empolamento narrativo que ele mais se com-
promete. Em Heraclidas, ao indagar a respeito de Euristeu E foi um tal
sujeito que veio para submeter os descendentes de Héracles? (816 sq.),
desvaloriza a figura do chefe argivo. Mas, no contraste que se depreende
da sua indignação, realça as qualidades de Rilo. De igual modo o seu
homónimo de Suplicantes exulta em manifestações de regozijo. Enquanto
os guerreiros tebanos, em sinal de abandono, fogem para as portas da
cidade em busca de protecção, ele salta de alegria e dança ao compasso
das suas palmas (719 sq.).
Podemos, então, concluir que esse empenhamento do mensageiro é
sobretudo uma inovação euripidiana que se distingue da tradicional figura
estereotipada e muito contribui pat'a o enriquecimento da personagem.
A fala do Mensageiro
É também na atticulação da rhesis com os restantes passos de repre-
sentação directa e na sua estrutura discursiva e conteudística que Eurípi-
des logra conferir-lhe o 'aspecto de dramaticidade' que justifica a sua
inserção no texto mimétic0 32 .
Diferentemente do que se passara na teichoskopia de Fenícias, a nar-
ração dos acontecimentos é, em todos os passos que iremos analisat·,
posterior ao confronto das falanges. Todavia não perde, com essa ulterio-
ridade, o seu interesse para o desenhar do plano geral do enredo. Na ver-
dade trata-se de descrições motivadas, uma vez que a personagem enun-
ciadora domina um conhecimento que a personagem-ouvinte e/ou os
espectadores-leitores não possuem, mas desejariam possuir. Por conse-
guinte, quando as falas dos mensageiros não trazem o desfecho a um con-
flito previamente anunciado, atribui-se-lhes uma função dramática tran-
sitiva33 . Esta é a tipologia em que se enquadra Fenícias 1090-1199.
IV - Confronto:
1 manobras
(Heraclidas 823 sq. ; Suplicantes 674-83; Fenícias 1104-40 e 1466 sq.)
2 choque:
a) 1° embate
(Heraclidas 832-8; Suplicantes 684-700; Fenícias 1141-3 e 1468-72)
b) 1a exortação à luta
(Heraclidas 824-9; Suplicantes 701 sq.; Fenícias 1143-8)
c) 2° embate
(Suplicantes 703-6; Fenícias 1149-86)
d) 2 a exortação à luta
(Heraclidas 838-40; Suplicantes 7l0-2)
3 - desfecho:
a) vitória de uma parte e derrota da outra
(Heraclidas 841 sq.; Suplicantes 718-23; Fenícias 1187-95 e 1471 sq.)
b) aristeia e/ou androktasia de um guerreiro
(Heraclidas 843-7 e 859-63; Suplicantes 707-17)
V - Comportamentos pós-batalha:
1 evita-se o saque e recolhem-se os mortos para lhes prestar
honras fúnebres (Suplicantes 723-5);
2 - agradecimento à divindade pela vitória, erguendo um troféu de
guerra a Zeus; despojar dos inimigos; recolher dos corpos para
posterior prestação de honras fúnebres (Fenícias 1472-7).
VI - Sentença final:
a funcionar como moralidade ao relato acabado de fazer (a
inconstância da fortuna, Reraclidas 863-6, Fenícias 1196-9 e
1478 sq.; elogio da sophrosyne e condenação da hybris, Supli-
cantes 726-30).
Heraclidas 799-866
Já se encontra disposta frente a frente e pronta para o combate a
infantaria dos dois exércitos, quando Hilo avança para o meio do campo
de batalha. A descrição faz-se, segundo uma técnica "cinematográfica"
tão do agrado do poeta, partindo do geral para o particular. Após um
grande plano do objecto descrito, o campo de batalha, o sujeito da enun-
ciação centra o seu foco num agente individual, o Heraclida (802 sq.) .
Note-se a preocupação "cénica" do narrador em fornecer coordenadas
espaciais capazes de funcionar como "didascálias" de um quadro apenas
oferecido à imaginação do seu auditório: nós colocámo-nos uns de frente
para os outros (800 sq.); Hifo desceu da sua quadriga e pôs-se de pé no
meio dos dois exércitos (802 sq.).
Numa nan'ativa impregnada pela dramaticidade, o "discurso citado"
impõe o seu cunho de dinâmica e presentificação de acontecimentos pas-
sados. Hilo apela ao zelo do adversário pelos seus concidadãos (E nem luis-
-de agir mal nem privarás Micenas de um único homem, 806 sq.) e enuncia
as partes do acordo (Se me matares, parte com os filhos de Héracles; se
morreres, deixa-me us~ifruir das honras e do palácio paterno, 808-10) .
Libertar os guerreiros de sofrimentos desnecessários era por celto um dos
argumentos mais convincentes para a aprovação da monomaquia a que se
junta a natural admiração de um combatente por demonstrações de
42 Discurso directo: Heraclidas 804-10,826 sq., 839 sq.; Suplicantes 669-72, 702, 711 sq.;
Fenícias 1145-7,1225-35,1250 sq., 1252 sq., 1365-8, 1373-6, 1432 sq., 1436 sq., 1444-
-53; Helena 1543-6, 1560-9, 1579 sq., 1581, 1584-7, 1589 sq., 1593-5, 1597-9, 1503 sq.
Discurso indirecto: Heraclidas 811 sq., 828 sq.; Suplicantes 724 sq.; Fenícias 1154 sq.,
1174-6, 1461 sq., 1463 sq.
43 Heraclidas 856, 859, 862; Suplicantes 653, 686; Fenícias 1099.
44 Evocação do destinatário: Heraclidas 832, 853, 856; Fenícias 1095, 1123, 1144, 1150,
1164,1169, 1219,1236; Helena 1530,1552,1606,1610,1616. Interrogativas retóricas:
Heraclidas 816 sq., 832 sq; Suplicantes 687-94.
70 Carmen Isabel Leal Soares
45 Outros passos ilustrativos da boa recepção por parte do exército da proposta de duelo
são por exemplo Ilfada 3. ll sq. e Fenícias 1238 sq . Tal como os soldados apreciam
demonstrações de valentia, também os protagonistas de um duelo gostariam de ver
reconhecido o seu valor pessoal (1. J. Glück, "Reviling and monomachy as battle-
-preludes in ancient warfare", AC 7, 1964,3 1).
46 Cf. F. Létoublon, "Défi et combat dans l' Iliade", REG 96 (1983), 42 sq.
47 Para apoiar a sua escolha pelo saclifício de animais, Diggle chama à colação Fenícias
o Discurso do Extracénico 71
1255, onde se lê mas os adivinhos degolavam ovelhas. Se na maioria dos casos não há
qualquer indicação relativa ao nome das vítimas animais, contudo tem-se por lógico
que, pela sua facilidade de deslocação no terreno, os rebanhos de gado ovino e caprino
fossem os que usualmente acompanhavam um exército em marcha [M. H. Jameson,
"Saclifice before battle", in D. Hanson, Hoplites: lhe c/assical Greek battle experience,
London (1991) 198. Veja-se a este propósito o testemunho de Xenofonte Anábase 6. 4.
22. O sacrifício de bois estaria, por seu turno, mais adequado a um exército estacionado
peIto de uma cidade, como é o presente caso.
48 Enquanto E. B. England, a propósito de Ifigénia em Áulide 1083 - ed. comm., The
lphigeneia aI Aulis of Euripides (New York 1979) - opta pela leitura 'pescoço(s)
ensanguentado(s)',1. Wilkins - ed. comm., Euripides. Herac/idae (Oxford 1993) 159 -
considera implausível esta derivação e sugere como correctas as emendas BOTELWV ou
BoElwv. É de assinalar a rejeição comum de ver neste passo uma alusão ao sacrifício
humano.
49 Colocar o combate por meio de carros a par das falanges de hoplitas não deixa de ser
um anacronismo histórico e um reflexo da riqueza intertextual da tragédia eUlipidiana.
No período heróico espelhado nos Poemas Homéricos, os carros não combatem em
batalhões; servem como meio de transporte para levar os guerreiros para a refrega.
O condutor do carro geralmente deixa o seu senhor no campo de batalha e retorna à
retaguarda, onde permanece até chegar o momento de recolher novamente o guelTeiro
ou de lhe prestar outro tipo de auxílio. O caso de Diomedes é uma excepção, uma vez
que é ele que leva o seu can·o. De elevado valor económico e significado social, o carro
e os cavalos deviam ser preservados, (H. van Wees, "The Homeric way of war: The
!liad and the hoplite phalanx, G & R 41 , 1994, 10-12 e bibliografia aí indicada, nota 25).
Sobre o desaparecimento deste tipo de combate com o surgimento dos hoplitas d. A M.
Snodgrass, Arms and armour of lhe Greeks (London 1967) 60, 87 sq.
50 Esta é uma prática comum na guerra entre falanges de hoplitas. Em Homero, porém,
essa arenga dá-se preferencialmente durante o avanço das tropas ou no ponto culmi-
nante do confronto (J. B. Hainsworth, "Joining battle in Homer", G & R 13, 1966, 164).
Como testemunham os vv. 839 sq., Eurípides dá voz a ambas as práticas.
72 Carmen Isabel Leal Soares
palavras citadas valorizam o seu autor diante daquele cujo verbo é apenas
enunciado indirectamente. Não podemos contudo obliterar uma justifica-
ção de natureza física para esta atribuição de discursos. Em abono do
princípio da verosimilhança, o mensageiro retém na memólia mais facil-
mente as palavras de encorajamento do seu chefe do que as do adversário,
situado do outro lado do campo de batalha. Ao nível linguístico, a própria
adjectivação que introduz o discurso directo significa a valoração dada ao
autor do mesmo: O chefe ateniense exortava o seu exército com as pala-
vras que convêm ao homem nobre, 825 .
Em igual número de versos o mensageiro apresenta as palavras pro-
nunciadas pelos dois generais, as quais se aproximam pelo seu motivo
central: apelo ao amor que os indivíduos têm pelo solo com que se identi-
ficam. Contudo tanto os destinatários e a modulação conferida pela selec-
ção vocabular às duas exortações, como o carácter dos seus autores e a
natureza do empreendimento militar que comandam, permitem distingui-
-las. Enquanto o chefe ateniense se dirige a membros da sua comunidade,
aos concidadãos, e apresenta, por isso mesmo, o apelo à defesa da terra
mãe - que alimenta e dá vida - como um imperativo, decorrente dessa
evocação a um amor umbilical (826 sq.); o adversário, por seu turno,
assenta a sua exortação, agora dirigida aos aliados, no respeito por um
código militar que reprime a desonra: "Concidadãos, a terra que vos
alimenta e cria, agora, é preciso defender". O outro insistia com os alia-
dos para que não consentissem na desonra de Argos e Micenas (826-9).
O avanço das tropas e o início do combate são geralmente sinaliza-
dos por uma indicação sonora: o toque da trombeta. Depois de referidos
os sons humanos da guerra (a palavra), faltava transmitir as percepções
acústicas dos seus instrumentos. Ao som alto da trombeta tirrena outros
se sucedem (830 sq.)51 . São eles o retinir do choque dos escudos (832) e o
choro e lamento dos guerreiros de ambas as partes (833).
A comoção que transpira destes versos trai por completo quaisquer
expectativas de uma isenção do sujeito da enunciação face ao enunciado:
Quando o som estridente da trombeta tirrena deu o sinal e eles se engal-
Suplicantes 650-730
Ao contrário das outras figuras de mensageiro, o autor do discurso
em análise não tem uma palticipação activa na batalha que relata. Por cir-
cunstancialismos da história, o seu papel foi o de simples observador.
Como ele próprio revelara anteriormente, é de naturalidade argiva e a sua
condição, no momento do confronto entre as tropas atenienses e tebanas,
é de prisioneiro destas últimas (635-9). A impOltância destes dados bio-
gráficos torna-se relevante pela modulação que traz à focalização da die-
gese.
Tal como Antígona e o Pedagogo no início de Fenícias, este mensa-
geiro instalara-se nas muralhas da cidade para observar a batalha que
decorre na planície dianteira. A localização do observador autoriza-nos a
considerar uma teichoskopia o acto dramático-enunciativo em questão.
Na verdade, o mensageiro não só se encontrava sobre as muralhas (652),
como a paisagem descrita é extracénica. A consideração do tempo da
57 Soluções postas tanto na boca de Etra (24-6) como na de seu filho Teseu (346-8; 385-90).
58 Além do Arauto, temos os discursos directos dos soldados atenienses e tebanos (702) e
de Teseu (711 sq.).
59 Se se considerar a motivação que conduz Teseu a levantar armas contra Tebas e a
o Discurso do Extracénico 79
sensatez com que impede o seu saque no momento da vitória, conclui-se que: "A expe-
dição contra Tebas não visara a conquista, mas apenas a recuperação dos corpos (72 1-
-24). Transpor essa barreira era ultrapassar a medida e cair no excesso. É fácil uma
guen'a justa transformar-se, após a vitória, em insolência e injustiça" (1. R. Fen'eira,
"Aspectos políticos nas Suplicantes de Eurípides" Humanitas 37-38, 1985-86, 106), o
que, como veremos, Teseu não pelmite.
80 Carmen Isabel Leal Soares
60 Sobre a presença natural, e que se tornou uma convenção, de poeira em combates com
canos, cf. Ilíada 11. 151; Sófocles, Electra 714 sq.; Eurípides, Electra 476 sq.
61 Descrições idênticas encontramo-las já na épica (Ilíada 16. 742-50), bem como em
passos da autoria do nosso poeta, ainda a considerar (Fenícias 1149-52, 1192-5).
o Discurso do Extracénico 81
necessária ao seu exército num momento em que lhe parecia que este
estava prestes a sucumbir diante da cavalaria ateniense. Idêntica atitude é
tomada pelos homens de Teseu, que marcharam em frente brandindo as
armas resplandecentes.
Após o espectáculo das movimentações dos guerreiros e da morte, à
visão vem substituir-se outro órgão sensorial, a audição. Da morte passam
a destacar-se o som do choque dos homens armados e as ordens de cha-
cina trocadas, entre os dois exércitos, por meio de grande gritaria (699-
-701) . Desta vez o discurso directo, embora de conteúdo idêntico, tem
autores colectivos e adversários, os guerreiros de ambas as facções 62 .
Incentiva-se à morte do inimigo; quer usando fórmulas mais abreviadas,
como é o caso do imperativo 'mata' (proferido pelos Tebanos), quer ser-
vindo-se de outras mais expandidas - Trespassa com o ferro os Erectidas
(proferido pelos Atenienses; ambas em 702).
Conforme indicado no esquema previamente apresentado, a uma
primeira exortação à luta segue-se novo embate. Apesar de o mensageiro
reconhecer o perigo que representam os rivais nascidos dos dentes do
dragão (704), deixando uma vez mais vir à tona a sua subjectividade, o
combate mantém-se equilibrado (706). Enquanto, por meio do imperfeito
'recuava' (704), o movimento da ala esquerda ateniense é apresentado
como um acto em decurso, o presente 'foge' (706) actualiza com maior
vivacidade a fuga da ala direita dos Tebanos.
Perante este impasse, o desfecho do confronto é trazido pela aristeia
e androktasia de Teseu. Estudos recentes comprovam que a aristeia não
deve ser concebida como um acto meramente individualista. É verdade
que se descrevem os feitos militares de um só homem, regra geral um
chefe, mas isso não invalida que, como pano de fundo não explicitado
pelo discurso, tenhamos o auxílio militar dos seus homens espalhados por
várias frentes 63 . É isso que deixam adivinhar as palavras de encoraja-
menta que Teseu dirige aos seus homens, cuja participação na luta, embo-
ra não seja referida em concreto, se torna deste modo evidente. O elogio
feito pelo mensageiro a Teseu é rasgado e exprime-se na primeira pessoa
do sujeito da enunciação: E neste ponto eu podia louvar o comandante,
uma vez que ele prestava auxílio às frentes enfraquecidas do exército
(707-9)64.
A parénese de Teseu num momento crítico do conflito é mais um
dos muitos motivos épicos que povoam a descrição do exército na tragé-
dia euripidiana65 . Do ponto de vista da construção sinestésica de um qua-
dro de guerra, o tom em que é pronunciada é necessariamente bastante
elevado. Noção essa dada pela hipérbole estereotipada Teseu levantou de
tal maneira a voz que toda a terra ressoou (710). Aos guerreiros é pro-
posta uma escolha entre a vida - resultante da vitória sobre o inimigo - e
a morte - trazida pelo sucesso do adversário (711 sq.). Teseu alcança o
objectivo de inspirar confiança nos seus homens (713), que ganham novo
vigor para um desfecho favorável do conflito. Nos quatro versos restantes
da aristeia do chefe de Atenas, o foco centra-se sobre a sua acção indivi-
dual em campo. Esta mais não é do que uma exibição de androktasia.
Os instrumentos de morte são os adereços do quadro (a clava e a funda),
utilizados para ceifar cabeças, extremidade corporal mais fácil de atingir e
símbolo por excelência de vida e beleza humanas 66 .
A vitória, como já víramos para Heraclidas (841), não é um prémio
privado de amargor ou fácil de alcançar. Pelo contrário: Foi com grande
dificuldade que eles [os Tebanosl se puseram emfuga (718). Porque há
vencedores e vencidos, há alegria e tristeza. Ao passo que o mensageiro,
partidário confesso da causa ateniense, exulta em manifestações de rego-
zijo - fazendo acompanhar os seus gritos de satisfação e danças ao com-
passo de palmas (719 sq.)67 - os guerreiros tebanos fogem em direcção às
contudo, de ser em última análise um motivo épico (cf. Ilíada 13. 343 sq.), também
presente na historiografia (Tucídides 7. 71. 4). A propósito deste assunto cf. S. Barlow,
The imagery of Euripides. A study in the dramatic use of pictural language (London
1971) 64, n. 22.
68 J. R. Ferreira, op. cit., 107-14, apresenta argumentos que nos autorizam a ver em Teseu
a imagem ideal do estadista ateniense do séc.V. A propósito da figura de Teseu
cf. ainda M. W. Shaw, 'The ~'ÔOS' of Theseus in The Suppliant Women", Hermes 110
(1982) 3-19. Sobre a insistência no bom comando das tropas cf. 190-2 e 879 sq. Para a
motivação que o saque exerce junto dos guerreiros, veja-se o estudo aplicado aos
Poemas Homéricos de A. Jackson, "War and raids for booty in the world of Odysseus",
in J. Rich, G. Shipley, War and society in the Greek world (London 1995) 64-76.
84 Carmen Isabel Leal Soares
69 Cf. Y. Garlan, Recherches de poliorcétique grecque (paris 1974) 106-23. Esse fosso
poderia mesmo vir imediatamente seguido por um muro, obstáculo mais poderoso à
deserção do inimigo.
70 Y. Garlan, "De la poliorcétique dans les Phéniciennes d'Euripide", REA 68 (1966) 264-
-77. Neste estudo afirma o autor que "através de Fenícias é pois possível destacar um
certo número de digressões e expressões que supõem, todas elas, pela parte de Eurípides
um desejo de fazer emergir o cerco de Tebas-da lenda e de o inserir, sob determinados
aspectos, na história militar grega do final do séc. Y" (271). Sobre o entendimento dado
ao conceito de poliorcética cf. Y. Garlan 1974: 3-7.
o Discurso do Extracénico 85
7! Como refere Y. Garlan 1974: 92-7, as muralhas são um elemento civilizacional por
excelência. No di zer do autor: "Considerada simultaneamente como uma consequência
e uma causa do progresso económico e político que fez sair a humanidade do estado de
barbárie, a fortitlcação urbana era tida por maiOlia de razão como um elemento primor-
dial da vida na cidade. Constatamos, por exemplo, que a construção de uma muraUla
era, a partir da época clássica, a primeira obrigação incumbida aos fundadores de uma
nova cidade" (95).
86 Carmen Isabel Leal Soares
75 Cf. W. K. Plitchett 1971: 105-8. Exemplo ilustrativo do efeito que o entoar de péanes
pode ter na moral do inimigo são os versos 386-95 dos Persas: Mas quando o dia de
brancos corcéis banhou a terra dos seus raios resplandecentes, eis que, do lado dos
Gregos, irrompe um grande clamor, semelhante a um canto, cujo eco é devolvido pelos
rochedos da ilha. O terror invade então todos os bárbaros, iludidos na sua expectativa,
porque não era para fugir que os Gregos entoavam o péan sagrado, lIlas para marchar
para o combate, cheios de determinação e coragem - trad. de M. O. Pulquério, Sófocles.
Persas (Coimbra 1998).
76 O número e nome dos heróis da plimeira expedição de Argivos contra Tebas não são
dados tixos na tradição (A. Schacheter, "The Theban wars", Phoenix 21, 1967, p. 2 e
11. 9). O facto de serem sete a defrontarem-se com igual número de opositores é interpre-
tado como "uma transposição épica de um ritual de purificação em última análise de
origem babilónica" (W. Burkert, "Seven against Theb es: an oral tradition between
Babylonian magic and Greek literature", in I poemi epici rapsodici non Omerici e la
tradizione orale. Atti dei convegno di Venezia 28-30 Settembre, 1977, a cura di Brillan-
te, c., Cantilena, M., Pavese, C. O., Padova, 1981 , 129-51, sobretudo p. 42). Quanto à
existência de duas expedições, a segunda das quais protagonizada pelos filhos dos
heróis da primeira, os Epígonos, esta é tida como uma tradição suspeita (A. Schacheter:
ibidem).
77 Para um estudo comparativo das duas versões cl'. M. F. S. Silva, "Elementos visuais e
pictóricos em Eurípides", Humanitas 37-38 (1985-86) 61-7. Das alterações que Eurípi-
88 Carmen Isabel Leal Soares
des faz à versão do seu antecessor veja-se S. SaYd, "Euripide ou l'attente déçue", ASNP
J5 (1985) 504-9. De acordo com a análi se desta autora, Eurípides não oblitera os dados
de Sete contra Tebas, antes joga com eles. Conforme afirma "o jogo sobre o texto de
Ésquilo pode mesmo ser mais subtil, porque Eurípides não se contenta em deslocar as
características dos guerreiros. Ele chega mesmo a combiná-las" (506 sq.).
78 Euripides. Phoenician Women, ed. trad. comm. E. M . Craik (Warminster 1988) 233 sq.
79 Euripides. Phoenissae, ed. comm. D. J. Mastronarde (Cambridge J994) 456-9.
80 Apenas Tideu (1119) e Adrasto (1 J34) são identificados exclusivamente pelo nome.
8 1 A prática do assalto "nas tragédias áticas aparece como um exutório ao espírito de
o Discurso do Extracénico 89
desmesura que inspira a conduta de heróis como Héracles e Capaneu e os conduz por
vezes à sua perda" (Y. Garlan 1974: 131).
82 ÉrrL01w.a, 1107 e 1125;ullflEla, 1l11;aUllfla, 11l2;UllflElov, 1114.
90 Carmen Isabel Leal Soares
83 A expressão 'no meio do escudo' vem, aliás, repetida em posição final nos versos 1107
e 1114.
o Discurso do Extracénico 91
disso este escudo não deixa de ser uma apologia subtil de um homem do
espectáculo ao sentido de que vive a sua arte, a visã0 84 .
A interpretação que se dá ao escudo de Tideu advém da leitura do
término do verso 1120. Se se aceita ETT' àCJTTLOO<), toma-se que a pele de
leão estava colocada 'sobre o escudo'. Caso se defenda a leitura ETT'
àCJTTLOL, significa que aquela fora cinzelada 'na face do escudo'. A própria
tradição literária faz-nos preferir a primeira versão. Ao herói geralmente
vem associado o javali 85 . Donde não nos parece que o leão fosse usado
como emblema do seu escudo. Atraído primeiro para a forma assustadora
de uma juba eriçada, o olhar da imaginação de personagens e espectado-
res é em seguida ofuscado pelo brilho de uma chama igualmente ater-
radora. Tideu ergue-a na mão direita. Esta imagem traz à memória do
mensageiro uma outra que lhe serve de termo de comparação, o titã Pro-
meteu 86 . Deixando brotar a sua corrente de pensamento, o mensageiro
descodifica a intencionalidade de Tideu: 'como se fosse destruir a cidade'
(1122).
O terror que desperta no inimigo o escudo de Polinices resulta quer
da imagem exibida quer do mecanismo que acciona (1124-7). Sobre ele
estão fixas, por meio de eixos, localizados por baixo da braçadeira, potras
articuladas. O seu movimento de corrida em sentido rotativo resulta de
saltos provocados por algum susto. A profusão destas indicações traduz o
gosto do poeta pelo pormenor técnico. O dispositivo móbil inspira medo
tanto pela visão a três dimensões que proporciona como pelo som provo-
cado pelo seu accionamento. Através da alusão ao medo das potras, Eurí-
pides soube cruzar a realidade figurada no escudo com a da história.
O pânico que as assalta não é outro senão aquele com que se deseja intimi-
dar o inimigo. De fundamental importância para a semântica do escudo
são ainda a adjectivação das potras, denominadas 'potniadas' e a obser-
vação do foro pessoal que, a propósito do movimento dos animais, faz o
mensageiro (1127). Ambas as questões apontam para a mesma ideia.
Podendo o adjectivo aludir à proveniência geográfica ou significar
"enlouquecidas pelas Erínias", apresenta-se a demência como explicação
para o seu comportamento agitado. As potras seriam originárias de Pótnias,
cidade próxima de Tebas, onde os animais que bebessem das suas águas
ficavam loucos87 . O paralelo com as Erínias baseia-se no passo de Orestes
318, onde estas são designadas 'deusas potniadas' (T10TVLá8E<) 'ÔEaL).
Esta última interpretação é tanto mais relevante, pois também Polinices
está sob influência das Erínias, as Erínias de seu pai 88 . Os animais pare-
ciam-lhe estar dementes (1127). Note-se que o mensageiro tem o cuidado
de exprimir pela forma modalizante 'parecer' as limitações cognitivas
próprias do discurso subjectivo. A alusão à história torna-se evidente.
Como teremos oportunidade de constatar, o retrato que o mensageiro, no
seguimento do seu discurso, oferece dos quadros do confronto de massas
ou de heróis individuais carece também ele de razão, de medida; é assus-
tador, confuso, irracional. Características essas que saem mais vincadas
numa guerra movida por um fi lho contra a terra pátria e num duelo fratri-
cida. O mito apresenta estas éguas como devoradoras do seu dono, pelo
que ainda podem simbolizar a ideia de autodesttuição.
No escudo de Capaneu a atenção recai novamente sobre formas em
relevo trabalhadas no bronze da face (1130). A ligação entre a iconografia
e a história não levanta dúvidas. A imponência de um gigante filho da
telTa, aí desenhada, traduz uma força sobre-humana, desmesurada, que
permite um feito titânico: arrancar uma cidade inteira pelas suas funda-
ções (1131 sq.). É esse o excesso que transbordará mais tarde do carácter
do herói. A aproximação do guerreiro à imagem do seu escudo está auto-
rizada pelo próprio texto e pela tradição literária. Antígonajá o comparara
a um gigante (128) e é essa a designação que recebera em Sete contra
Tebas (424). As palavras que encerram a referência ao arrnamento de
Capaneu são mais uma confissão do entendimento pessoal que o mensa-
geiro tem daquele emblema, como parece sugerir: na minha opinião, de
igual modo perecerá a cidade (1133). Ele profere em voz alta aquilo que
todos - personagens e espectadores - interpretam como sendo a mensa-
gem de Capaneu. O herói veio para desttuir uma cidade, a cidade de Tebas.
Somos chegados à sétima e última porta, na qual já se encontra
Adrast0 89 . O emblema que ostenta tem uma dimensão patriótica. As cem
víboras que cobrem o escudo são o orgulho argivo (1137)90. Do ponto de
91 O uso da primeira pessoa do plural ('lutávamos ' , 1142; 'vencíamos' , 1143) recoloca a
perspectiva da acção do lado do porta-voz do relato, ou seja, do lado cadmeu.
92 Cf. exemplos da tragédia (Ésquilo, Persas 459-64 e Eurípides, Andrómaca 11 32 sqq.)
ou da historiografi a (Heródoto 1. 214. 2).
93 Sobre a realização dessas escaramuças no espaço situado no meio das duas frentes
opositoras, o I-lETu lXlllO<;-, cf. W. K. Pritchett 1985: 51-4.
94 Carmen Isabel Leal Soares
95 O motivo do "abandono dos pais" já surgia na épica como uma das contrapartidas nega-
tivas da guerra (cf. 1. Griftin, Homer on life and death, Oxford 1980, 123-7).
96 Outras duas interpretações para o nome do herói são as que vêem nele uma alusão ao
longo período em que sua mãe conservou a sua virgindade ou ao facto de, em criança,
ter sido exposto no monte Parténio (cf. P. Grimal, Dicionário de mitologia grega e
romana, trad. de Victor Jabouille, Lisboa 1992, s. v. Partenopeu).
97 As pedras podem ser armas defensivas dos sitiados, capazes de provocar bai xas mortai s
no inimigo (Y. Garlan 1974: 135).
96 Carmen Isabel Leal Soares
98 Sobre a prática de dirigir insultos à facção inimiga, como prelúdio da batalha, veja-se
1. J. G lück, 01'. cit., 25-3 1 e sobretudo n. 127.
99 Cf. W. K. Pritchett 1979: 6 sq.
100 A mutilação e desfiguramento dos cadáveres era tal que por vezes se tornavam
iITeconhecíveis (1. GIitlin, 017. cit., 137 sq; P. Vaughn, "The identification and retIieval
of the hoplite battle-dead", in V. D . Hanson, Hopliles: lhe classical Greek ballle expe-
riel/ce, London 1991 ,38-62).
o Discurso do Extracénico 97
versões do combate singular dos dois Labdácidas são fornecidas por Ésquilo, Sele
contra Tebas 804 sqq., Apolodoro 3. 68, Pausânias 9. 5. 12, Estácio, Tebas 9.447-579
e Diodoro Sículo 4. 65. 8. Para urna visão mais global da presença do duelo na história
militar e na história da Europa em geral veja-se V. G. Kiernan, The duel in European
hislory (Oxford 1988).
103 No canto III da Ilíada, Páris é retirado por Afrodite do campo de batalha e Menelau,
por conseíSuinte, impedido de concretizar a vitória. Com o cair da noite, o duelo entre
Heitor e Ajax termina o canto VII sem dar uma das partes por vencedora. Tanto num
caso como no outro, continuam os recontros entre Troianos e Aqueus. Porém, a mono-
maquia entre Heitor e Aquiles é decisiva, na medida em que termina com a morte
daquele e confere um alento determinante às tropas gregas (Ilíada 22.247-404).
o Discurso do Extracénico 99
104 Os aspectos que da narrativa do duelo figuram no seu texto já apareciam em exemplos
anteliores da épica (Ilíada canto III - duelo entre Páris e Menelau - e canto VIl- duelo
entre Ájax e Heitor) e da historiogratia (Heródoto 9. 26), como nos dá conta Mastro-
narde 1994: 487 sq.
100 Carmen Isabel Leal Soares
figura do seu motor, Etéocles (ponto a). Foi a este que coube a iniciativa
do combate singular. Como ficara evidente na esticornitia em que se
defrontara com o irmão, ele é um hábil manuseador das palavras, instm-
mento ao serviço de ambições pessoais. No presente momento o seu
objectivo consiste em obter, do irmão, o consentimento e, dos dois
exércitos, a aprovação à realização do duelo. Escudando-se nas vantagens
que para a colectividade pode ter essa resolução do diferendo que o opõe
a Polinices, apresenta como destinatários do seu discurso os exércitos
beligerantes e não o seu directo opositor. A subtileza da captatio beneuo-
lentiae vem espelhada no facto de ele evocar primeiro o adversário:
Estrategos da terra helénica, escol dos Dânaos, que aqui chegastes, e
vós, povo de Cadmo, nem por Polinices negocieis as vossas vidas, nem
por mim (1125-8). A sua proposta apresenta como selo de garantia a pre-
servação da vida alheia. São frágeis, porém, os alicerces desse altmÍsmo.
Nem as personagens nem o público esqueceram que já muitas vidas pere-
ceram na batalha acabada de travar às portas de Tebas. Logo o patriotis-
mo de Etéocles só pode ser oportunista. Neste contexto é pertinente notar
uma certa hipocrisia na facilidade com que agora se auto-intitula salvador
da situação: Eu próprio, afastando este perigo, sozinho vou travar com-
bate com o meu irmão! (1229 sq.) A formulação das partes do pacto des-
vanece por completo essa fachada de preocupação cívica. O que o move é
tão-só a ânsia de um poder pessoal, como revela a insistência em formas
do adjectivo 'só' (Ilóvov), como vimos no verso anterior e que repete
imediatamente a seguir: Se eu o matar, governarei sozinho o meu palá-
cio, mas se for vencido só a ele [Polinicesl o cederei. E vós, Argivos,
abandonando os confrontos, regressareis à vossa terra sem deixardes o
vosso corpo aqui, como os Tebanos, que em abundante número jazem
mortos (1231 -9). O que está de facto em jogo é o ceptro de Tebas e não a
vida dos concidadãos e muito menos dos gueneiros inirnigosl05 . É claro
que Etéocles dá ao colectivo inimigo uma contrapartida, o regresso à terra-
-mãe, que, ironicamente, o tempo há-de revelar falsa, pois a muitos será
negado. Apenas foram aumentar o número de mortos, que neste momento
o retórico Etéocles dá tão-só como Tebanos.
Em sinal de aceitação (ponto b), Polinices destaca-se das linhas do
exército. Tal como em Heraclidas (813-5), o mensageiro não faz qual-
quer citação das palavras proferidas por um dos rivais. Reproduzir em
105 Diferentemente da personagem esquiliana, "o novo Etéocles revela-se com uma iden-
tidade de homem egoísta e mesquinho, que, à frente dos interesses dos concidadãos,
põe os próprios e sobre o pedestal da sua veneração não a pátria, mas Tupavvls- 'o
Poder', a mais poderosa das divindades" (M. F. S. Silva, "Etéocles de Fenícias: Ecos
de um sucesso", Humanitas 45, 1993,61).
o Discurso do Extracénico 101
exortação pelo presente do indicativo, o que confere aos factos uma cer-
teza, que bem se adequa à personalidade autoconfiante da personagem.
Mas a consciência da motivação egoísta daquela disputa não a obliteram.
Pelo que lhe lembram agora, obtida esta brilhante vitória, é que ficas
senhor do ceptro (1253).
Antes de se dar o choque dos adversários, é necessário consultar QS
desígnios divinos (ponto f), cujo aval é imprescindível para o início da
refrega. Das vítimas sacrificiais os adivinhos interpretam as chamas, as
fissuras e os líquidosI07 . Os omina não são tranquilizadores, pois a previ-
são que anunciam é dupla: um sinal de vitória e um de derrota. A ambi-
guidade poderia funcionar como elemento dissuasor do combate fratri-
cida, o que não se verifica. Por conseguinte, esta é mais uma achega à
vontade irredutível dos dois irmãos de se matarem um ao outro l08 .
107 Este é um dos passos da tradição literária que demonstra a similaridade funcional dos
rituais sacriticiais dos hiera e sphágia. A forma verbal Ea<pa(ov adequar-se-ia prefe-
rencialmente aos sacrifícios de sangue, realizados em campo de batalha imediatamente
antes do choque dos guerreiros. Porém, ao signiticar 'degolar', ela pode ser aplicada a
qualquer acto sacrificial. Por sua vez, o exame da chama é próprio dos hiera. Sendo
assim "o poeta provavelmente não está a descrever o ritual que antecede imediata-
mente o início da batalha, mas a distinção de tempo e função pode ser bastante restrita"
(M. H. Jameson, "Sacritice before battle", in V. D. Hanson, op. cit., 208 sq.).
108 Desejo que já tinh am revel ado na esticomitia em que se defrontaram, vv. 596 e 621 sq.
o Discurso do Extracénico 103
Duelo (1356-1424)
Continuando a descrição do duelo, iniciada pouco mais de uma
centena de versos atrás (1217), o mensageiro retoma os acontecimentos
imediatamente a seguir ao armamento dos heróis (1359)109. Define os
componentes humanos do cenário: os jovens filhos do velho Édipo (1360)
e os exércitos, para o meio dos quais eles avançaram (1361) . É na acção
de uns e reacções de outros que se centra o foco do natTador e a atenção
dos ouvintes. A alternância no discurso entre esses dois conjuntos de per-
sonagens proporciona à descrição um ritmo bipolar, sedutor em tão alon-
gado relato. Ao nível intradiegético, a forma como cada um dos exércitos
se preocupa (1370 sq.; 1388 sq.) ou aplaude o seu chefe (1395; 1398 sq.)
assemelha o duelo a uma competição desportiva. O incentivo dos
apoiantes não substitui o efeito psicológico da bênção divina. Cada chefe
evoca Q deus patrono da cidade sob a égide de quem combatei 10. Assim
sendo, Polinices apela ao auxílio de uma divindade de adopção. É ele
próprio que explica o seu relacionamento indirecto com Hera. O matri-
mónio com uma Argiva, filha de Adrasto, e a residência forçada em solo
estrangeiro, é que lhe impuseram aquela devoção (1365 sq.). À protectora
de Tebas, Palas Atena, cabe ao irmão dirigir a sua súplica (1373)111 . Se
bem que, pelo emprego do discurso directo, o mensageiro se oculte e as
personagens ganhem maior proeminência, o dar da palavra a Polinices e
Etéocles não se traduz na exclusão de interferências do eu-narrador na
história descrita. Desde logo designar o discurso de Polinices por 'impre-
cações' e não 'preces', quando ele se dirige à divindade, disso é prova.
11 2 Note-se que a forma 'matar' também figura no di scurso de Etéoc1es, mas, conforme
indicam as chavetas, em passo julgado pela maiori a dos críticos espúlio ( 1376).
o Discurso do Extracénico 105
117 Para uma análise desta questão e de outras suscitadas por 1407-13, cf. E. K.
Borthwick, ''Two scenes af cambat in Euripides" , JHS 90 (1970) 17-21.
118 Cf. Ilíada 22. 17.
o Discurso do Extracénico 107
119 O termo <pl/..OS', aqui traduzido por 'membro da família', não comporta, necessaria-
mente, uma conotação afectiva marcada. Nos Poemas Homéricos ele vem aplicado
pelo agathos em situações tão diferentes como as partes do corpo, os seus haveres, a
família, os dependentes e amigos. E, embora Polinices seja dos dois irmãos o que
maior afectividade exibe, não nos parece que o seu relacionamento com o irmão possa
ter por base laços de amizade ou amor fraterno. Sobre o entendimento a dar a esse
conceito, cf. M. Scott, "Philos, philototes and xenia", AC 25 (1982) 1-1 9.
o Discurso do Extracénico 109
o "pano" cai sobre uma cena de tripla morte, num regresso dos
filhos ao tão sofrido seio materno: A mãe, perante o espectáculo de um
tal infortúnio, consumida pela dor, arrebatou uma espada de entre os
cadáveres e cometeu um acto que causa horror: trespassa o colo com o
gládio e, no meio dos entes queridos, jaz morta, abrançando-os a ambos
nos seus braços (1455 -9)
\20 "A batalha grega de falanges começava com o ritual dos sphágia, depois de os dois
exércitos opositores estarem dispostos para o combate, seguia-se o entoar do péan -isto
é, do "hino para afugentar os males"- a acompanhar o avanço das tropas; e terminava
com o ritual de erecção do troféu no campo de batalha" (W. K. Pritchett 1979: 87).
\2\ "O troféu era um monumento comemorativo erguido em campo de batalha, no local
onde as linhas inimigas tinham sido derrotadas. Era parcialmente constituído por armas
capturadas e era dedicado ao deus a quem a vitória fora atribuída. (... ) Aquele que
erguia o troféu era o senhor reconhecido do campo de batalha e podia permitir ao
inimigo sepultar os seus mOItas durante uma suspensão das hostilidades" (W. K.
Plitchett 1974: 275; sublinhado nosso).
\22 Ainda na tragédia temos alguns outros exemplos desse hábito de dedicar armas aos
deuses: Ésquilo, Agamémnon 579, Sete contra Tebas 278; Sófocles, Ájax 92;
Eurípides, Andrómaca 1123, Bacantes 1214, Héracles 695, Troianas 576. Por vezes
ofereciam-se as armas de um corpo inteiro de guerreiros. Os Fócios dedicaram os
quatro mil escudos capturados ao inimigo tessálico, metade para Abas e outra para
Delfos (Heródoto 8. 27). Esparta é uma excepção nesta prática. Não espoliavam o
inimigo morto porque as suas eram armas de cobardes (Plutarco, MOI·alia 224B).
\ 23 "O vencedor, quer por motivos de piedade, auto-estima ou propaganda política, pode
dedicar o seu próprio equipamento bélico, como fez Hierão, ou o que arrebatou do
inimigo, como fez Filipe" (w. K. Pritchett 1979: 245).
o Discurso do Extracénico 111
mais rico fosse o armamento, mais destaque tinha a oferenda e maior era
o prestígio do ofertante.
Da sepultura a dar aos guerreiros mortos em combate só se alude à
recolha dos cadáveres dos Cadmeus. A dos vencidos teria lugar após o
estabelecimento de tréguas para o efeito, o que ainda não sucedera l24 .
Como moralidade da sua fala, o mensageiro equaciona o significado
antagónico do conflito que dilacerou o palácio de Édipo (1478 sq.). No
momento do balanço, a cidade é apresentada como a principal atingida
pelas consequências daquele dissídio. Sobrevieram-lhe sopros benfazejos
da fOltuna - a vitória sobre os invasores - mas dos seus amargos também
degustou o paladar, o duelo mortal dos príncipes. A teia de relações que
se estabelece entre o colectivo e o individual é de tal forma intrincada que
este se reflecte naquele (uma disputa familiar põe em guerra dois povos) e
vice-versa (os sofrimentos da casa real são dados como infoltúnios para a
cidade de Tebas).
A máxima que se extrai deste quadro repete a dos anteriores.
A fortuna é inconstante. A postura a assumir pelo homem deve ser de
moderação e humildade.
124 Sobre o sepultamento dos mortos de guerra na Grécia antiga cf. W. K. Pritchett 1985:
94-259.
(Página deixada propositadamente em branco)
III
COMBATES IMPROVISADOS:
A DES-CONSTRUÇÃO DO MODELO ÉPICO
junto do seu marido, para conseguir, se não a salvação, pelo menos a vin-
gança.
Passaremos de imediato às reflexões pmticulares que cada um dos
excertos suscita.
Helena 1526-1618
Comecemos por aquele que retoma em maior extensão o paradigma
do nosso trabalho. Desta longa fala a primeira cinquentena de versos cor-
responde ao apetrechamento do navio e embarque dos passageiros (1526-
-76) . Funciona como antecedente próximo do combate, a respeito do qual
já fornece alguns indícios l .
Porque o seu rei lhes ordenara obediência plena às directivas do
comandante grego (1415-7), os marinheiros egípcios, embora achem sus-
peitos determinados factos e comportamentos, não ousam desobedecer.
São vários os indicadores de uma atmosfera de engano e de dissimulação
de caracteres. Os andrajos de náufragos não ocultam a robustez dos cor-
pos, designados "bem parecidos" (ElJEL8EL:;, 1540). A compaixão de
Menelau por aqueles homens é falsa (1542), pois viria a revelar-se parte
do dolo forjado para os tripulantes bárbaros. As lágrimas vertidas de
maneira astuta (1547) e o elevado número de acompanhantes estrangeiros
(1550 sq.) tornaram o quadro mais suspeito para os remadores egípcios
(1549). Há ainda indicações concretas da refrega que os aguarda. De
facto, dispostos em igual número tanto a estibordo como a bombordo e
sentados uns imediatamente ao lado dos outros, os Gregos assemelhar-se-
-iam a falanges de hoplitas (1573 sq.)2. A condição de meros tripulantes
ocasionais é fraudulenta, pois como se viria a descobrir posteriormente,
eles encobriam espadas debaixo das vestes (1574 sq.).
Nítido mau presságio para a viagem é a resistência que a vítima
sacrificial oferece em transpor a prancha de acesso ao navio 3 . Outros
sinais do desagrado do animal são o revolver dos olhos e o arquear de
dorso e chifres (1557 sq.). A entrada tem, por conseguinte, de ser força-
da. Só aos ombros os Gregos o conseguem introduzir na nau (1562) .
carnificina (1613), o que lhe permitiu vir relatar ao seu senhor o infortú-
nio dos companheiros e anunciar-lhe a sua própria desventura de noivo
enganado. Termina, pois, insistindo na culpabilização de Teoclímeno.
A virtude principal do indivíduo reside no bom senso. E este é também, e
sempre, uma forma da "justa medida", de aw<ppoaúvTl. Tal como os seus
homónimos já considerados, o mensageiro de Helena parte da apologia
dessa virtude para moralizar sobre a conduta de um dos protagonistas q,a
peça. Conclui ele, então, que não há nada mais útil aos homens do que a
prudente desconfiança (1617 sq.). Turbado o espírito de paixão pela Tin-
dárida6 , Teoclímeno confiou de mais nas suas palavras, promessas de um
matrimónio tantas vezes ansiado como recusado. Foi a imprudência do
excesso de amor ou auto-estima que o impediu de questionar a repentina
cedência de Helena ou a precipitação de uma viagem de desagravo pela
alma de Menelau, de quem a certeza de estar morto residia na palavra de
um grego naufragado (o próprio Menelau) e na concordância da mulher
pretendida, mas até então tenazmente irredutível na recusa da sua entrega.
Orestes 1474-89
Da longa monódia do Frígio cingimos a nossa reflexão aos dezasseis
versos que retomam e des-constroem o motivo do embate de guerreiros.
Pela segunda vez - a primeira fora na teichoskopia de Fenícias - o dra-
maturgo adequa a descrição do combate ao ritmo patético do canto7 .
Como todos os mensageiros abordados, o Frígio relata aconteci-
mentos de que foi testemunha ocular (1456) e participante activo 8 . Jun-
tamente com o mensageiro de Helena, opõe-se aos mensageiros de Hera-
elidas, Suplicantes e Fenícias no facto de estar comprometido com a
parte vencida. Contudo o Frígio distingue-se, neste ponto, do servo de
Teoclímeno na afirmação mais impressiva da sua subjectividade. O que
se pode ver no retrato pouco digno que faz dos seus compatriotas, apre-
sentados como cobardes e militar-mente inferiores aos Gregos (1484 sq.).
9 "Este [o FIigio] é tão-só um escravo e um eunuco que o poeta utili za para uma cena
brilhante e espectacular e não para caracterizar os FIigios em geral" (R. Aélion,
Euripide héritier d'Eschyle, tome l, Paris 1983, 184). Também o dramaturgo não
partilharia desse juízo, segundo parecem sugerir outros passos da sua obra, ilustrativos
exactamente do contrário (Troianas 386-402, 742 sq., 1136-8, 1161 sq.).
10 Cf. M. L. West (ed. trad. comm), Euripides. Orestes (Warminster 31990) 277.
120 Carmen Isabel Leal Soares
II Nos vv. 722-24, Orestes traduz a equivalência que para ele há entre salvação e fuga.
Sobre o retrato desconstrutor do protagonista da peça, veja-se H. PatTy, "Eulipides'
Orestes: the quest for salvation", TAPhA 100 (1969) 337-53 e S. L. Schein,"Mythical
illusion and historical reality in Euripides' Orestes", WS 9 (1975) 49-66. Para uma
atlálise detalhada das diversas leituras feitas ao presente excelto de Orestes e seu
entendimento como uma figura de um estatuto dramático simultaneamente idêntico e
diverso do da figura convencional do Mensageiro veja-se, J. R. Porter, Sludies in
Euripides' Orestes (Leiden 1994) 172-213.
12 J. R. Porter, op. cit., 212.
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122 Carmen Isabel Leal Soares
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(Página deixada propositadamente em branco)
Execução Gráfica
*
A guerra, um flagelo quase tão antigo quanto a
própria humanidade, é, sem dúvida, um tema uni-
versal e de todos os tempos. Entre as vozes, na sua
maioria anónimas, que incessantemente se er- FACULDADE DE LETRAS
guem para não deixar apagar os seus malefícios, as UNIVERSIDADE DE COIMBRA