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Da solidariedade à contingência

Diferentes visões do moderno Estado de Bem-Estar

Leany Barreiro Lemos

Sumário
1. Introdução. 2. O Estado-Providência como
“horizonte natural do progresso social”. 3. O
Estado de Bem-Estar condicionado pela ordem
econômica. 4. O Estado de Bem-Estar como
resposta às necessidades de acumulação e legi-
timação do sistema capitalista. 5. O Estado de
Bem-Estar como resultado do embate político.
6. O Estado de Bem-Estar como decorrência da
capacidade estatal. 7. O Estado de Bem-Estar em
crise. 8. Considerações finais.

1. Introdução
O que significa o Estado-Providência –
Welfare State, ou Estado de Bem-Estar? Qual
suas bases de legitimidade e como se realiza
contemporaneamente? O objetivo deste
trabalho é confrontar distintas visões do
conceito, de relevada importância acadêmi-
ca e para as políticas públicas. Em primeiro
lugar, serão expostos os argumentos da
base solidária, formulados especialmente
por Rosanvallon (1996), numa tradição
aberta por Marshall (1967); em segundo
lugar, serão trazidos vários autores que
trabalham com pressupostos diferenciados,
que a) veem o Estado de Bem-Estar social
como fruto de um determinado momento
do desenvolvimento econômico, possível
Leany Barreiro Lemos é Doutora em Ciên- somente graças ao desenvolvimento in-
cias Sociais, Professora Associada da Univer- dustrial e aos excedentes fiscais gerados;
sidade de Brasília e servidora de carreira do b) veem no Estado de Bem-Estar e em suas
Senado Federal. políticas a legitimação do sistema capitalis-

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ta, representados pelos marxistas; c) enxer- Providência” surge na língua francesa no
gam na variável política a possibilidade de segundo Império, criada por pensadores li-
explicação para o surgimento desse novo berais hostis ao aumento das atribuições do
tipo de Estado; d) por último, autores que Estado, mas igualmente críticos em relação
veem na anterioridade e estabilidade das a uma filosofia individualista muito radical.
burocracias uma variável fundamental. Foi, portanto, gestada antes da vigência de
A política social exerceu, ao longo do ideias keynesianas, que inauguram a inter-
tempo, importante papel na manutenção venção social mais planejada do Estado.
da ordem e da estabilidade política, além Como antecipações preventivas aos movi-
de simplesmente atender às novas neces- mentos trabalhistas, houve o programa de
sidades criadas pela Revolução Industrial. proteção social de Bismarck, no séc. XIX, e,
Historicamente, houve expansão das ati- no início do mesmo período, as concepções
vidades durante crises de desordem civil liberais-reformistas de Lloyd George (WIN-
resultantes de desemprego em massa e re- CKLER; MOURA NETO, 1992).
tração quando a estabilidade foi restaurada A expressão inglesa Welfare State, por
(PIVEN; CLOWARD, 1972). sua vez, é muito mais recente e foi criada na
Assim, a própria estabilidade política década de 40 – embora se falasse de welfare
das democracias do capitalismo avançado policy (política de bem-estar) desde o início
e a legitimidade de seus Estados estiveram do século XX – para designar um conjunto
vinculadas, em boa parte, aos serviços e de procedimentos e garantias institucio-
garantias por eles prestados. Da mesma nalizados aos afastados temporariamente
forma, mas vinculadas a regimes não- do processo produtivo. Embora a Grã-
democráticos, as políticas sociais foram Bretanha tenha sido o primeiro país cuja
usadas para conter distensões (REIS, 1994). assistência social tenha sido organizada de
Não é certamente gratuito o fato de que, forma sistemática, com uma série de poor
na Alemanha e no Brasil autoritários, em laws a partir do séc. XVII, foi em 1942, com
momentos de conflito intenso, elas tenham base no Plano Beveridge, que se construiu
sido usadas com esse objetivo. o sistema britânico de seguros. Essa expe-
Mas, apesar da existência anterior de riência foi a inspiradora de todas as que se
programas de seguro social, é a partir do realizaram nos principais países depois da
pós-guerra que as políticas sociais se gene- Segunda Guerra Mundial. O Plano Beve-
ralizam, chegando quase a se universalizar ridge foi o primeiro documento a exprimir
nas sociedades avançadas. Assim, o Estado os grandes princípios de constituição do
de Bem-Estar – a partir de agora EBE –, Estado de Bem-Estar moderno, com um re-
entendido como o Estado que provê serviços gime de previdência social que rompe com
sociais cobrindo riscos coletivos e individuais a concepção restritiva de seguros sociais
de forma ampla a camadas expressivas da popu- anteriores, na Europa e nos EUA. Repousa
lação, data do século XX e é um fenômeno sobre uma nova concepção do risco social
institucionalizado do pós-guerra nos países e do papel do Estado, era baseado no sis-
capitalistas desenvolvidos. tema centralizado, uniforme, generalizado,
Uma nota importante e esclarecedora é unificado e simples (ROSAVALLON, 1997,
em relação aos termos utilizados no traba- p. 126-127).
lho. Muitos cientistas sociais trabalham in- Como os problemas em tela são exa-
tercambiavelmente com os termos Estado- tamente os que dizem respeito a essa
Providência e Welfare State (ou Estado de nova institucionalidade que é o Estado-
Bem-Estar ), embora eles difiram na origem securitário, será usado o termo “Estado
e no significado. Segundo Rosanvallon de Bem-Estar” para simplificar, embora se
(1997, p. 121-122), a expressão “Estado- sabendo que essa escolha ignora nuances

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que, de toda forma, não serão abordadas seus argumentos é a solidariedade, ou a
no presente artigo. percepção e ampliação de direitos graças
Existem dois problemas básicos ao se a uma positividade própria do EBE.
tentar confrontar diferentes argumentações Marshall (1967), precursor dessa linha
sobre o Estado de Bem-Estar. O primeiro é a teórica, apesar de crer que o EBE tenha
grande produção existente sobre o assunto, surgido num contexto específico de indus-
que requer um esforço de organização e trialização e que tal contexto tenha tido
seleção de textos e autores, impossibili- um papel preponderante para o seu surgi-
tando uma análise exaustiva em pouco mento, encaixa-se nessa visão solidarista.
espaço. Nesse caso, optamos por descrever Ele casa o determinismo econômico com o
primeiramente uma visão – do EBE como evolucionismo, ao propor que os direitos
evolução do progresso social – e, a partir sociais nascem da ampliação progressiva e
daí, indicar as visões de outros autores que natural dos direitos políticos. Seu raciocínio
tratam o mesmo fenômeno, entretanto a parte do princípio de que uma crescente
partir de pressupostos diferentes. igualdade política teria levado à constru-
O segundo problema presente é a cons- ção de políticas sociais minimizadoras das
tante mudança das variáveis analíticas desigualdades econômicas. Note-se que,
usadas ao longo do tempo1. Essa mudança apesar do destaque dado à industrializa-
dos indicadores, ao mesmo tempo em que ção no processo de conformação do EBE,
provocou uma sofisticação da análise e um o ponto nevrálgico de seu argumento
acúmulo de conhecimento, levou alguns não é econômico, mas social: a origem e
autores a reverem suas posições (ARRE- o posterior desenvolvimento do EBE se
TCHE, 1995), o que se poderá verificar ao deram por uma evolução lógica e natural
longo do texto. da ordem social em si mesma (Marshall, 1967,
p. 25). Marshall não nega igualmente que
2. O Estado-Providência como haja certa participação da ação política,
“horizonte natural do progresso social” mas o que destaca em seu argumento é
que a ação política apenas implementa a
Um grupo de teóricos baseia-se em política social, obedecendo a uma lógica
conceitos de cidadania e solidariedade para que é própria do sistema social.
fundamentar o surgimento do EBE e seu Sua conhecida teorização desenvolve
posterior desenvolvimento. Esses teóricos um conceito de cidadania que englobaria
defendem que o Estado de Bem-Estar foi a esfera dos direitos civis, relacionados à
construído graças aos seus próprios bene- liberdade individual; de direitos políticos,
fícios, e não por causa de sua funcionali- que englobariam o direito de participação
dade em relação ao sistema capitalista. Sua no exercício do poder político; e de direitos
linha de caracterização do EBE tem como sociais, que corresponderiam à participação
precursora a argumentação de Marshall na riqueza socialmente produzida. Fundi-
(1967). Os autores consideram o nascimen- dos no feudalismo medieval, esses campos
to do Estado-providência um movimento distintos da noção de direitos teriam sido
natural que supõe a evolução progressiva separados na sociedade industrial e nela
do campo dos direitos, ou da concepção teriam evoluído de maneira diversa. A
de democracia. Embora destaquem o fe- ampliação progressiva do conceito – que
nômeno da industrialização, o centro de primeiramente incluía direitos exclusiva-
mente civis, para incorporar em seguida
1
Nas décadas de 50 e 60 as análises baseavam-se
no indicador “volume do gasto social”. Na década
os direitos políticos e os sociais – ter-se-ia
de 80, passaram a discutir indicadores de “forma e realizado graças à maior democratização
natureza do gasto”. (ARRETCHE, 1995) da sociedade e à industrialização. As esfe-

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ras teriam evoluído provocadas por uma sistema pela certeza securitária, realizável
progressiva incorporação de camadas pelo aumento do expertise e pela evolução
sociais antes privadas de direitos, e essa tecnológica, bem como pelo novo aparato
incorporação ter-se-ia dado via aumento técnico estatal.
da participação popular. Assim, a origem Num primeiro momento, esse Estado-
das “políticas igualitárias do século XX” Providência – que ele chama de “Estado-
(MARSHALL, 1967, p. 84) encontra-se, para Providência da tradição” (ROSAVALLON,
o autor, na evolução histórica e na progres- 1998, p. 25) – fará diminuir as diferenças
siva incorporação de atores, sociedade e de riqueza, especialmente por promover
Estado, “sobretudo pela ação das classes indenizações. Seus mecanismos baseiam-se
altas” (ARRETCHE, 1995). nas compensações trazidas por um sistema
Três pontos sobressaem nos argumentos de seguro social, e a solidariedade se fun-
de Marshall: o primeiro é a importância de damenta na mutualização crescente dos
instituições para o provimento de serviços riscos sociais.
sociais. Esse argumento é retomado hoje Na verdade, o seguro social vem, para
mais fortemente pelos neo-institucionalis- o autor, substituir o contrato social: tem os
tas, cujas ideias serão expostas mais adiante mesmos efeitos de aglomeração e prote-
no artigo. O segundo ponto é o “evolucio- ção, com a vantagem de passar da noção
nismo” de que está impregnado seu argu- subjetiva da conduta e da responsabilidade
mento, a adaptação “lógica e natural” da individual à noção objetiva do risco. Portan-
ordem. Outro ponto de destaque é que, em to, seguro social e solidariedade andam pari
sua rationale, a política social não tem como passu, embora tenham trazido o problema
fim a promoção da igualdade, mas a mini- da “opacidade” das relações sociais: os
mização das consequências do desenvolvi- indivíduos não veem uns aos outros como
mento do sistema capitalista de acumulação agentes dessa solidariedade, mas o Estado.
do capital (caráter compensatório). É como se existisse uma “mão invisível” do
Também Rosanvallon (1996) vê o Estado seguro (Idem), o que, segundo Rosavallon,
de Bem-Estar com positividade própria, numa fase posterior, gerará impasses e
nascida do movimento do Estado-nação levará a uma crise filosófica do Estado-
moderno. Segundo ele, a forma política Providência.
específica do Estado moderno seria exa- A esse aspecto o autor dá especial ênfa-
tamente a do Estado protetor, porque o se: o da substituição da interface entre pes-
contrato social que o instituiu está fundado soas pela interface com o Estado, o que gera
na produção da segurança e na redução uma perda de percepção da solidariedade.
da incerteza. O Estado de Bem-Estar seria, Essa falta de visibilidade das ações sociais,
assim, um prolongamento do Estado pro- intermediadas pelo Estado, seria um dos
tetor clássico. “Os direitos econômicos e problemas centrais do Estado-Providência
sociais aparecem naturalmente como um tradicional.
prolongamento dos direitos civis” (ROSA- Nessa fase primeira, o Estado-Providên-
VALLON, 1997, p. 20-23). cia é portador de um caráter compensató-
De fato, para Rosanvallon (1996; 1998), o rio, repousando no princípio da separação
surgimento do Estado-Providência se dá na entre o econômico e o social: os direitos
correção de princípios postos pelo Estado sociais são simplesmente os de concorrer,
protetor, ampliação do Estado moderno. e o sistema é concebido assim para tratar
Ou seja, para além da segurança física ou situações apreendidas pelos riscos conjun-
da propriedade, o Estado-Providência, turais. É um “Estado-Providência passivo”:
muito mais complexo, reencaixa o social, para indenizar a exclusão do mercado de
ao substituir as incertezas geradas pelo trabalho de uma parte da população, au-

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menta cada vez mais os descontos sobre o são centrais. O problema é cultural-social,
rendimento do trabalho, o que, por sua vez, ainda que as finanças sejam uma variável
gera uma diminuição desse último. Entre- fundamental – seja na origem desse Estado,
tanto, gera-se um benefício seguinte, com seja na crise –, mas não uma suficiente. A
o aumento da inserção social. Rosanvallon crise é, de fato, filosófica.
propõe, contemporaneamente, a criação
de um “Estado-Providência ativo” que en- 3. O Estado de Bem-Estar
riqueça a noção de direito social, capaz de
condicionado pela ordem econômica
gerar novas formas de inserção. Sua teoria
aproxima-se muito da de Marshall não só Uma segunda categorização quanto
por causa de seu “evolucionismo”, mas ao Estado de Bem-Estar sustenta que seus
também pela ideia da anterioridade dos condicionantes seriam predominantemente
direitos civis em relação aos direitos sociais. de ordem econômica. Nesse caso, o EBE
Sob o signo da laicização da sociedade, o seria resultado necessário do processo de
EBE exprimiria a ideia de substituir a in- industrialização das sociedades. A essa
certeza da proteção religiosa pela certeza corrente filiam-se, por exemplo, Wilensky,
da proteção estatal e ter-se-ia originado da Lebeaux e Titmuss.
ampliação dos direitos democráticos. Para Wilensky (1975), os programas
O Estado-providência seria “produto da sociais surgem de forma generalizada nos
cultura democrática e igualitária moderna” países de alto nível de desenvolvimento por
(ROSAVALLON, 1997, p. 35), na medida causa do crescimento econômico e de seus
em que se movimenta em torno da ideia resultados demográficos e burocráticos. As-
de liberar os indivíduos das necessidades sim, o surgimento de padrões mínimos de
vitais. Entretanto, o EBE progrediu do séc. atendimento das necessidades sociais pelo
XIX ao séc. XX de forma descontínua em Estado estaria associado aos problemas e às
face das grandes crises sociais e econômicas. possibilidades colocadas pelo desenvolvi-
As guerras nesse contexto têm um papel mento industrial, e sua viabilidade garan-
fundamental¸ uma vez que, após cada uma tida pela alta arrecadação fiscal. Em outras
delas, reforçaram-se os aparatos de proteção palavras, o argumento se baseia na ideia
social e geraram-se benefícios econômicos. de que o EBE só foi possível, de um lado,
Segundo ele, a ideia implícita no estado graças ao excedente de riquezas gerado
keynesiano é a do compromisso social. Esse pela industrialização, e, de outro, porque
compromisso social entra em crise na atuali- a industrialização, ao provocar mudanças
dade econômica contemporânea dos países sociais tão significativas (vida familiar,
europeus quando a equação keynesiana da crianças que passam de fonte de renda a
redistribuição de renda não funciona mais. fonte de gastos, envelhecimento populacio-
Tem-se então, como resultado, a crise do nal etc.), pressiona a estrutura estatal para
Welfare e das social-democracias (Idem), que que ela atenda às novas necessidades:
será tratada com mais detalhe na seção 7. “As mudanças sociais são os deter-
Para finalizar, o fundamental na tese minantes principais dos problemas
do autor são as relações sociais e os elos sociais, os quais, por sua vez, criam
que elas estabelecem: não há uma visão do a demanda por serviços de welfare”
“indivíduo” ou do “Estado” isoladamente (WILENSKY; LEBEAUX, 1965, p.
tomados. Mesmo o argumento econômico 17).
da viabilidade do sistema – tomado como Em trabalho posterior, entretanto, Wi-
pressuposto, por outros autores, como lensky (1975, p. 28-30) afirma que os fatores
veremos adiante – ou da sua própria invia- de diferenciação não são de ordem cultural,
bilidade fiscal, em fins do século XX, não mas estrutural, mostrando a fraca correlação

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entre sistema político e desenvolvimento quer dizer que o Estado deve tentar
do EBE e uma alta correlação entre “nível manter, ou criar, as condições em
de desenvolvimento econômico” e “esforço que se faça possível uma lucrativa
de seguridade” (gasto estatal). acumulação de capital. Entretanto,
Titmuss (1963) também entende a in- o Estado deve também manter ou
dustrialização como motor dos programas criar condições de harmonia social.
sociais, mas sob outro ângulo. Coloca que Um Estado capitalista que empregue
a origem dos programas de BE está na abertamente sua força de coação para
complexidade da divisão social do trabalho, ajudar uma classe a acumular capital
consequência da industrialização, e na di- à custa de outras classes perde sua
nâmica social que transforma expectativas legitimidade e, portanto, abala a base
individuais e/ou sociais em necessidades. de suas lealdades e apoios. Porém,
Esse é um processo artificial, mas que tem um Estado que ignore a necessidade
do outro lado o surgimento de serviços de assistir o processo de acumulação
sociais para atender a essas expectativas, de capital arrisca-se a secar a fonte
que, por força cultural, transformaram-se de seu próprio poder, a capacidade
em necessidades e que procuram garantir de produção deste excedente (e de
a sobrevivência da sociedade. A ampliação outras formas de capital)”.
dos serviços prestados pelo Estado, assim, Assim, às necessidades societais cor-
corresponde à ampliação progressiva das responderiam duas funções estatais:
necessidades culturalmente construídas. acumulação e legitimação, que implicam
diferentes tipos de gastos estatais: a) capital
4. O Estado de Bem-Estar como resposta social, destinado a garantir a acumulação
às necessidades de acumulação e de capital, subdividido em investimento
social (para aumentar a produtividade dos
legitimação do sistema capitalista
trabalhadores) e em consumo social (para
Uma outra vertente explicativa para rebaixar os custos de produção e da força
o surgimento do EBE é a marxista, que de trabalho); e b) despesas sociais, ou gastos
o explica por sua funcionalidade e como destinados a lidar com os efeitos do pro-
sendo intrínseco ao modo de produção cesso de acumulação e, portanto, garantir
capitalista, portanto, um problema “estru- a harmonia social e a legitimação.
tural”, na sua tradição teórica. Apesar de Na teoria de O’Connor (1977), todas
não abordar especificamente a origem e o as despesas do Estado são efetuadas para
desenvolvimento do EBE, O’Connor (1977), responder às necessidades do capital, seja
em trabalho voltado para a compreensão para garantir diretamente a acumulação,
da dinâmica das finanças governamentais via capital social, seja para corrigir os efei-
norte-americanas, teoriza sobre tais temas tos sociais da acumulação de capital, via
no período pós-Guerra. Além dele, podem despesas sociais. Mesmo a função de gastos
ser colocados como representantes dessa com despesas sociais é vista como uma das
linha Gough, Faleiros, Offe e Lendhart. condições necessárias à acumulação.
O’Connor (1977, p. 19) explica a origem O autor afirma que o setor privado
do EBE como resultado do processo de impulsiona o crescimento da economia,
acumulação de capital no interior do setor principalmente do setor monopolista.
monopolista: Entretanto, ele não se responsabiliza pelo
“O Estado capitalista tem de tentar investimento social necessário à sua ex-
desempenhar duas funções bási- pansão. Esse custo recai no Estado, que vai
cas e muitas vezes contraditórias: arrecadar junto à população. Ou seja, os in-
acumulação e legitimação (...). Isto vestimentos sociais necessários à expansão

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do setor monopolista não são pagos por ele, uma classe dominante com o objetivo de
mas são pela própria sociedade, via impos- maximizar lucros, e isso significa que o pro-
tos (O’CONNOR, 1977). Há uma relação cesso de acumulação capitalista estabelece
direta “necessidades postas pelo processo um limite para a expansão das políticas so-
de acumulação capitalista” – “funções de- ciais, barradas pelas possibilidades postas
sempenhadas pelo Estado”. pela acumulação e pela própria capacidade
Na mesma linha, Gough (1979) diz estar de financiamento dos programas sociais.
de acordo com O’Connor, mas desenvolve Mas as “exigências funcionais”, ou cons-
uma explicação alternativa para a origem trangimentos postos pelo processo de acu-
e o desenvolvimento das políticas sociais, mulação de capital, não são suficientes para
utilizando variáveis analíticas não consi- explicar a origem dos programas sociais.
deradas na abordagem da “teoria da crise Para esse autor, não se segue que, haven-
fiscal” de O’Connor. Aceita a ideia de que do demandas, o Estado irá necessariamente
o Estado capitalista contemporâneo tem atendê-las. A relativa autonomia do Estado
um lado social restrito, que diz respeito à permite a existência de uma margem de
reprodução do conjunto da população, mas manobra nas decisões estatais. O Estado
chama atenção para o fato de que esse lado não age de maneira nenhuma como um
social foi fruto da luta da classe operária no instrumento passivo de uma classe, ainda
aparelho de Estado, dando, pois, relevância que não seja neutro. O que fez surgir o EBE
ao fator político. Além disso, chama aten- no pós-Guerra teria sido o forte movimento
ção para a autonomia relativa do Estado. em direção à organização da classe operá-
Essa autonomia significa que nem todas as ria e à reestruturação do aparelho estatal,
demandas postas pelo sistema capitalista com uma crescente concentração decisória
serão atendidas. no Executivo. A luta de classes dentro do
Gough rejeita as teorias de cunho fun- aparelho do Estado resultou em melhoria
cionalista, segundo as quais o fenômeno das condições de vida dos trabalhadores.
é produzido pelas causas que o geraram, Diferentes formas e graus de intensidade
mas reafirma que o EBE é fenômeno do dessa capacidade de pressão implicariam
capitalismo em um estágio particular de seu distintas modalidades de prestação de ser-
desenvolvimento e, mais especificamente, viços sociais, gerando um Estado capitalista
das sociedades capitalistas avançadas. É com face social.
o processo de acumulação capitalista que Em suma: Gough mantém a perspectiva
gera incessantemente as demandas para a marxista de que o Estado age no interesse
política social. A resposta do Estado sob a da classe capitalista. Mas a ameaça de um
forma de políticas sociais representa uma movimento social forte faz com que a clas-
resposta a necessidades geradas no e pelo se capitalista pense e aja de forma coesa e
modo de produção capitalista. Assim, ain- estratégica e reestruture o aparato estatal
da que o aparato estatal seja relativamente para essa finalidade:
autônomo nas sociedades capitalistas, ele “(...) os fatores que influenciam o
deve agir para responder aos imperativos desenvolvimento de políticas sociais
do processo de acumulação de capital. A são: 1. a luta e influência da classe
economia capitalista tem uma racionalida- trabalhadora; 2. a centralização do
de à qual o Estado deve submeter-se. Estado; 3. a influência dos primeiros
Sua teoria rejeita uma visão marxista sobre esse último (...). Esses fatores
estreita, segundo a qual o Estado seria es- não são de modo algum exaustivos,
sencialmente uma criatura do capitalismo e mas constituem (...) os principais
inteiramente submisso à classe dominante determinantes do EBE”. (GOUGH,
e à sua dinâmica de acumulação. Haveria 1979, p. 68)

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Outro importante autor, Claus Offe “(...) padrões ideológicos não são ape-
muda suas percepções sobre o EBE ao lon- nas ausentes, mas seriam inaplicáveis
go do tempo. Uma parte de seu trabalho mesmo se existissem (...). Plataformas
filia-se no mesmo campo que O’Connor. dos partidos e resultados eleitorais
Em alguns trabalhos, Offe (1972, 1979, parecem não ter influência na por-
1984a) argumenta que o EBE é funcional centagem do orçamento estatal que
às exigências de reprodução do capital; é gasto para fins do WS ou em novos
a política ou a ideologia não têm papel a programas de welfare que são criados.
exercer e há drástico determinismo econô- Muito mais importantes como deter-
mico. Em outro estudo, e já alterando sua minantes das políticas (policies) são
visão anterior, Offe e Lendhart (1984) fazem as variáveis econômicas (...)”. (OFFE,
uma abordagem político-institucional do 1972, p. 484).
problema, afirmando que a dinâmica das Nega, assim, qualquer determinante
políticas sociais está ligada às instituições e de ordem política na emergência de pro-
depende do processo de acumulação num gramas sociais ao afirmar que “a decisão
grau muito menor do que o anteriormente política no Welfare State está fadada a ser
acreditado. Portanto, em sua revisão de bastante reduzida” (OFFE, 1972, p. 484). O
diagnóstico, a variável política, antes me- EBE é um processo contínuo de adaptação
nosprezada, passa a ser fundamental para aos problemas sociais postos pelo desen-
o surgimento do Estado de Bem-Estar. volvimento do capitalismo.
Na fase inicial, Offe classifica o EBE como “A lógica do WS não é a realização de
fenômeno das sociedades capitalistas avan- algum objetivo humano intrinseca-
çadas. Segundo ele, essas sociedades cria- mente válido, mas antes a prevenção
riam estruturalmente problemas endêmicos de um problema social potencialmen-
e necessidades não atendidas, e o EBE seria te desastroso (...). Essa maneira tecno-
apenas uma tentativa de tratar desses novos crática e absolutamente apolítica de
problemas. Assim, sua origem estaria nas reagir a pressões sociais emergentes
mudanças estruturais da sociedade capita- condena o WS a um infindável e er-
lista e também como uma resposta funcional rático processo de auto-adaptação”.
ao seu desenvolvimento. Além disso, o EBE (OFFE, 1972, p. 485)
não representaria nenhum progresso nem O argumento da política social como
uma “revolução” social, porque não muda a compensação das disfuncionalidades da
situação dos indivíduos diante do sistema de operação do sistema capitalista se repete
produção capitalista nem lida diretamente posteriormente, quando Offe (1979) trata da
com as necessidades humanas fundamen- natureza do Estado intervencionista. Com
tais. Lida somente com os problemas criados o argumento de que o Estado se adapta às
pelo crescimento industrial (OFFE, 1972). novas condições postas pelo sistema de pro-
Em seu desenvolvimento, o capitalismo dução capitalista, Offe afasta-se da corrente
destruiria formas anteriores de vida social, ortodoxa marxista, em que o Estado capita-
gerando disfuncionalidades que se expres- lista permanece o mesmo em suas funções
sariam sob a forma de problemas sociais. essenciais, e da corrente social-democrata,
O EBE apresentaria, portanto, formas de na qual a novidade do pós-Guerra seria
compensação às perdas percebidas pela uma substancial alteração da essência do
sociedade. Mas o Welfare seria desdobra- Estado capitalista.
mento necessário, e não escolha. As condi- Na década de 80, Offe e Lenhardt (1984)
ções econômicas e sociais determinariam reafirmam a funcionalidade do EBE ao
a emergência do EBE e não haveria lugar modo de produção capitalista e descarac-
para opções no campo político: terizam a política social como compensação

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das perdas. Agora, as políticas sociais são sistêmica. Alterando sua visão expressa
centrais ao processo produtivo capitalista, em 1972, quando dizia que o Estado res-
proletarizando os trabalhadores e transfor- pondia automaticamente às necessidades
mando-os em trabalhadores assalariados: de produção capitalista, Offe afirma agora
ela passa a ser responsável pela constituição que o Estado tem uma dinâmica própria.
da própria classe trabalhadora2. Essa dinâmica diz respeito a um processo
A política estatal surge então a partir de elaboração interno, a um processo de
de uma estrutura econômica de classes, mediação de necessidades e a exigências
baseada na valorização privada do capital no seu interior que o torna sujeito a uma
e no trabalho assalariado livre. Explicar a dinâmica muito mais institucional que eco-
origem das políticas sociais significa definir nômica, ligada ao processo de acumulação.
quais são as funções que lhe competem, Sua problemática é político-institucional
considerando essas estruturas. (instituições alteram o resultado final das
“A política social é a forma pela qual policies), preservada a necessidade de acu-
o Estado tenta resolver o problema mulação de capital (OFFE, 1984a).
da transformação duradoura de tra- Para Offe, uma das razões para que o
balho não-assalariado em trabalho Estado garanta as condições de reprodução
assalariado”. (LENDHART; OFFE, ampliada do capital é sua dependência es-
1984, p. 15) trutural dessa reprodução, principalmente
Os autores distinguem dois conceitos: porque a saúde financeira do Estado depen-
o da proletarização passiva, processo pelo de da saúde da economia. Essa dependên-
qual o indivíduo é destituído dos meios cia é um princípio seletivo no processo de
próprios de subsistência, e o da proletariza- decisão interno ao Estado, para a definição
ção ativa, disposição para que o indivíduo de políticas estatais.
venda sua força de trabalho no mercado,
sendo que a passagem de um para outro 5. O Estado de Bem-Estar como
não é automática ou natural. A política resultado do embate político
social entraria para criar as condições de
existência da classe operária: “A função Uma quarta abordagem bastante signi-
mais importante da política social consiste ficativa é a de Esping-Andersen. Sua inter-
em regulamentar o processo de proletariza- pretação dá grande importância aos recursos
ção”. (LENDHART; OFFE, 1984, p. 22) de poder disponíveis e à mudança na confi-
Essa função só pode ser exercida pelo guração de forças dentro da arena decisória.
Estado porque o processo de integração Segundo ele, foi graças à ascensão da social-
daquela classe supõe a existência de uma democracia que se construiu o EBE.
associação política de dominação: o poder Sua pesquisa, baseada em 18 países capi-
estatal. Seguindo essa lógica, o desenvol- talistas desenvolvidos, articula a existência
vimento das políticas sociais representaria de três distintos regimes de distribuição de
um processo em que se tenta compatibi- serviços sociais às condições de sua emer-
lizar duas exigências que se contrapõem: gência. Sua hipótese central é a de que “(...) a
as exigências da classe trabalhadora e as reforma social foi uma questão vital desde o
necessidades de acumulação de capital. início do processo de organização da classe
A dinâmica de desenvolvimento das trabalhadora, quer esta tenha ocorrido sob
políticas sociais responderia a uma estraté- lideranças reformistas ou revolucionárias”.
gia estatal que buscaria realizar ao mesmo (ESPING-ANDERSEN, 1985a, p. 146)
tempo a integração social e a integração A defesa das políticas sociais fez parte
do próprio processo de constituição da clas-
2
Ver também Offe, 1984a. se trabalhadora enquanto classe “para si”

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(a classe tem objetivos históricos de eman- liberal as políticas são desenhadas de modo
cipação). A concepção social-democrata a maximizar o status de mercadoria do
de que a reforma social contribuiria para o trabalhador individual e a distinção dos
fortalecimento da capacidade de pressão da beneficiários é por mérito. Financiado pela
classe trabalhadora viabilizou-se como uma contribuição individual, vincula contribui-
alternativa real de política. Historicamente, ção a benefício, permite pouca intervenção
a implementação de políticas sociais teria estatal e oferece máximo escopo para o
sido a expressão de conflitos distributivos, mercado na distribuição dos serviços. A
que opuseram direita e esquerda em cada universalização é das oportunidades, e
país analisado. A implementação é, na não dos resultados, de modo a estimular o
verdade, reveladora da forma pela qual indivíduo a se autoproteger.
se resolveu em cada país o conflito distri- Em trabalho posterior, Esping-Ander-
butivo, ou como a politics traduziu-se em sen reconceitualiza o EBE. Nessa nova
policies. visão, ex post, o EBE se desenha como um
Seriam três os regimes de EBE identifi- sistema de estratificação, em que não é só
cados pelo autor: um mecanismo que intervém e corrige a
a. regime social-democrata (países estrutura da desigualdade, mas cria novas.
escandinavos): o movimento operário É ele próprio um sistema de estratificação:
expressou-se politicamente por meio dos “é uma força ativa no ordenamento das
partidos social-democratas, que ficaram relações sociais” (ESPING-ANDERSEN,
algum tempo no poder. O EBE é um sis- 1990, p. 23). A assistência social estratifica,
tema de proteção abrangente, cobertura estigmatizando os indivíduos e dividindo-
universal, benefícios desvinculados do os entre capazes e não-capazes: o sistema
montante de contribuição efetuado pelo universalista preconizado pelo EBE só seria
beneficiário; possível se reduzidamente aplicado. Em
b. regime ou modelo conservador outras palavras, só se fossem oferecidos
(Europa continental: Alemanha, Áustria, benefícios modestos em populações redu-
França, Japão, Bélgica e Itália). A Igreja zidas e homogêneas.
tem importante papel nas reformas sociais Para o autor, o surgimento de novas
e, em alguns desses países, houve forte classes médias introduz uma nova hierar-
absolutismo. Marcado pela iniciativa esta- quia: os setores com mais poder aquisitivo
tal, favoreceu um ativo intervencionismo voltam-se para uma proteção social além
estatal destinado a promover lealdade e do mínimo, buscando negociar benefícios
subordinação ao Estado e deter a marcha extras (ESPING-ANDERSEN, 1990, 1991).
do socialismo e do capitalismo. Os sistemas Numa situação de crise econômica, com
de proteção eram marcados pelo corpora- menos recursos, o que resta às classes com
tivismo, e esse regime consolidou divisões mais capacidade de influir no jogo decisório
no interior da classe trabalhadora. O legado é apropriar-se de uma fatia que poderia ser
conservador, em alguns países, representou destinada a outros segmentos, tirando do
obstáculo às reformas de orientação social- EBE seu caráter universalista, redistribui-
democrata quando esse partido assumiu dor de renda e solidário.
o poder;
c. regime ou modelo liberal (tradição
6. O Estado de Bem-Estar como
anglo-saxônica). Movimentos operários
são eleitoralmente fracos e o impulso
decorrência da capacidade estatal
burguês teria sido especialmente forte na Uma corrente mais contemporânea de
constituição da sociedade. Diferentemente explicação para a origem e o desenvolvi-
do modelo social-democrata, no modelo mento do EBE afirma que ele é resultado

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de configurações históricas particulares, de No primeiro trabalho, Bringing the state
estruturas estatais e instituições políticas. É back in (EVANS; RUESCHEMEYER; SKOC-
representada pelos neo-institucionalistas, POL, 1985), os autores rejeitam os argumen-
entre eles Theda Skocpol, Ann Shola Orloff tos society-centered. A variável explicativa
e Margareth Weir. central é o papel das burocracias estatais e
O pressuposto da análise é o de que o dos reformadores sociais na formulação de
Estado é autônomo em relação à sociedade políticas de bem-estar. Os desdobramentos
civil, levando-se a considerar o papel das da teoria são os seguintes:
burocracias públicas como uma variável a. burocracias públicas têm papel de
independente. As burocracias podem for- liderança;
mular e perseguir objetivos próprios, que b. capacidades estatais são medidas pelo
não são um reflexo nem um subproduto insulamento burocrático;
dos interesses presentes e organizados na c. recursos de poder das burocracias
sociedade civil. são derivados do processo de formação
Os neo-institucionalistas opõem-se a to- do Estado.
das as correntes que veem a ação do Estado A sequência histórica democratização-
como resultado de fatores exógenos à esfera burocratização é fundamental na análise
estritamente estatal: proposta pelos neo-institucionalistas. Em
“(...) os institucionalistas argumen- seus trabalhos mais recentes, ampliam o es-
tam que a capacidade estatal (state copo para a estrutura político-institucional,
capacity) para planejar, administrar e deslocando-se de uma perspectiva state-
extrair recursos é uma precondição centred para uma polity-centred. Enquanto
para a emergência de modernos pro- na primeira os “órgãos administrativos do
gramas sociais (...) e que o contexto Estado” constituem foco central da análise,
institucional (...) afeta as orientações, na segunda os autores indicam alterações
a capacidade de organização política importantes nas variáveis analíticas ado-
popular e das elites e, portanto, a tadas: burocracias passam a ser tanto as
formação de coalizões políticas entre indicadas quanto as eleitas; passa-se a uma
classes”. (ORLOFF, 1993, p. 83) análise da formação histórica do Estado
Seu primeiro pressuposto é o de que nacional; as formas históricas de interação
as burocracias públicas têm interesses entre a estrutura estatal e instituições polí-
próprios, consolidam-se dentro de condi- ticas são consideradas; e estuda-se como as
ções históricas particulares e são uma pré- estruturas condicionam o comportamento
condição para o surgimento dos sistemas dos grupos envolvidos na formulação de
modernos de provisão de serviços sociais. políticas (WEIR; ORLOFF; SKOCPOL, 1988;
“O ponto central é que as políticas propos- SKOCPOL, 1992; ORLOFF, 1993).
tas serão diferentes daquelas demandadas Nessa análise polity-centered, mesmo
pelos atores societais”. (EVANS; RUES- regras eleitorais, entendidas como institui-
CHEMEYER; SKOCPOL, 1985, p. 15) ções políticas, podem condicionar as formas
O segundo pressuposto defende que de organização de interesses na sociedade
as estruturas institucionais do Estado in- (SKOCPOL, 1992). Assim, a formação do
fluenciam a formação e o desenvolvimento Estado nacional e das estruturas políticas
dos interesses e das modalidades de ação de cada país constitui variável central na
dos grupos da sociedade civil. Mais que análise. É, pois, na história particular de
autônoma, a ação do Estado tem influência cada país que podem ser encontradas as
sobre a cultura política, sobre a ação política variáveis específicas de explicação de uma
coletiva e sobre a formação de questões determinada forma de desenvolvimento
políticas (SKOCPOL, 1992). dos sistemas de proteção social.

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Para Orloff (1993), são três os elementos partir de categorias e progressos na arena
centrais da análise: a. formação do Estado social, dando sempre uma importância
nacional; b. contexto institucional, que secundária a imperativos estruturais e bu-
pode alavancar ou barrar as possibilidades rocráticos, a resolução da crise partiria da
de ação política dos grupos politicamen- refundação do contrato social: não sendo
te organizados, que são historicamente uma crise só econômica, mas do sistema de
mutantes; c. processos de policy feedback: relações sociais, não se poderia descuidar
ideologias e valores culturais influenciam da última em benefício da primeira.
o discurso político, mas esse também é Para o autor, a nova sociedade, o novo
influenciado pelas características das polí- Estado-Providência será um que torne
ticas existentes. As políticas sociais previa- visível novamente as relações sociais e
mente estabelecidas afetam a ação política a própria solidariedade, recuperando a
subsequente (SKOCPOL, 1992). “solidariedade curta”: mais possibilidade
Essa corrente, mais recente e em plena de troca direta entre os indivíduos. Isso
produção, tem influenciado bastante os será feito com uma nova pactuação, com a
novos estudos, e sua utilidade é bastante transferência de serviços públicos às cole-
significativa em estudos de caso. tividades e/ou organizações não-estatais.
Embora traga a redução da demanda por
Estado, pode provocar o reencaixe da soli-
7. O Estado de Bem-Estar em crise
dariedade e uma maior visibilidade, posto
Na década de setenta, começou-se a de- que os conflitos tornam-se mais prementes.
senvolver o argumento da deterioração do Entretanto, segundo Rosanvallon, isso faz
EBE. Várias são as causas apontadas para parte dos processos democráticos e não é
a crise. Em primeiro lugar, foi formulada a de forma alguma indesejável.
hipótese da crise fiscal (O’CONNOR, 1977; Ainda para Rosavallon (1997), é preciso
OFFE, 1984). A inflação das demandas e das ultrapassar a dicotomia Estado- mercado,
proteções aos trabalhadores, bem como a superando as tensões e desmistificando
rigidez no processo de trabalho, levariam papéis institucionais consagrados, espe-
a um menor investimento e à crise de acu- cialmente no caso das social-democracias
mulação: europeias, que enfrentam a crise contempo-
“O Estado-Providência está doente. rânea e sentem dificuldade para encontrar
O diagnóstico é simples: as despesas novos modelos exatamente pelo apego a
com a saúde pública e com o setor uma concepção excessivamente estatal da
social crescem muito mais depressa solidariedade.
que as receitas. Daí um lancinante Portanto, é fundamental furar o blo-
problema de financiamento, que se queio de ordem cultural e sociológica que
apresenta nos últimos vinte anos, em emperra o funcionamento dos sistemas de
todos os países industrializados (...)”. proteção dos países industrializados, e tam-
(ROSAVALLON, 1997, p. 7) bém, ao mesmo tempo, reavaliar o papel
Entretanto, como dito anteriormente, desse EBE – deverá permanecer ele como
para ele a crise central é de civilização e o único suporte dos progressos sociais e
filosófica, não de financiamento, e estaria agente único da solidariedade social?
visível nos índices mais altos de violência, Algumas limitações se impõem nas aná-
novos riscos tecnológicos e ambientais, lises de Rosanvallon. Em primeiro lugar, seu
mais greves e no “mal-estar francês”, com viés europeu e, mais que isso, francês. Seus
desemprego em massa, perda de identida- conceitos, soluções apresentadas e mesmo
de e incerteza quanto ao futuro. Da mesma sua rationale estão fundados na tradição de
maneira que sua análise do EBE se dá a seu país. Embora compreensível, reduz seu

88 Revista de Informação Legislativa


valor explicativo e a capacidade de gene- do país, seguida por amplo apoio quando
ralização de seus argumentos para outras se iniciam programas de corte. Ele salienta
realidades, mesmo a de outros países social- que mesmo os políticos eleitos sobre uma
democratas europeus. Outra limitação, a plataforma de cortes em benefícios sociais
do militante político ativo, embora traga e diminuição dos impostos (Thatcher, Kohl,
a vantagem do pragmatismo, pode pelo Reagan, por exemplo) têm suas políticas
mesmo motivo pecar profundamente. rejeitadas pela população, ressurgindo o
Como contraponto, existem ainda auto- apoio à manutenção daqueles benefícios
res que acreditam que a retração do EBE, logo após as tentativas de corte:
saindo da abstração e partindo-se para “expectativas de grandes mudanças
dados empíricos, de fato deu-se muito mo- apoiaram-se em parte na aplicação
destamente. Conforme demonstra Pierson implícita de modelos da expansão do
(1996), em estudo que trata da retração do WS, que podem ser lidos de forma a
EBE em quatro países – EUA, Inglaterra, sugerir que as mudanças econômicas,
Alemanha e Suécia –, apesar da crise fiscal o declínio do poder dos sindicatos ou
das décadas de 80 e 90, e a despeito de ter a presença de Estados vigorosos são
havido de fato mudanças dos partidos uma pré-condição para uma retração
no poder nesses países, passando-se de radical. Encontrei poucas evidências
social-democracias a governos de direita ou para essas afirmações (...)”. (PIER-
centro-direita, o EBE, que se encontrava em SON, 1996, p. 176)
estado avançado, resistiu bem e os cortes
foram insignificantes. Sobressai em seu
8. Considerações finais
estudo a continuidade dos programas de
EBE, e não a ruptura, como a literatura até Neste trabalho, foram apresentadas
então colocava. Ele chama a atenção para algumas versões sobre como surgiu e
a relativa estabilidade do EBE. evoluiu o Estado de Bem-Estar no capita-
A inexistência de mudanças radicais lismo avançado. A cada ponto de partida,
nos programas se deu, segundo o autor, surge um diagnóstico diferente – desde o
porque a criação do EBE fez surgir novas e evolucionismo de Marshall e a ênfase de
poderosas forças políticas que estabilizam o Rosavallon nas relações sociais e na so-
EBE, mudando a forma política dos proces- lidariedade, passando pelos autores que
sos de tomada de decisões, possibilitando adotam pressupostos de ordem econômica,
não mais que alterações incrementais nos até os que enxergam a gênese do EBE nas
programas existentes. Além disso, Pierson lutas políticas ou nos fatores internos à
atribui a estabilidade do EBE a dois motivos própria dinâmica do Estado.
básicos: o primeiro seria o conservadoris- Em todos eles, fica visível a tensão
mo das instituições democráticas. O EBE Estado-mercado-sociedade, havendo em
representa agora o status quo, com todas as cada um a preponderância de um dos
vantagens políticas que esse status confere. elementos sobre os demais. No caso de
Assim, como mudar pode ter um custo Rosanvallon, da sociedade; dos marxistas,
maior do que não mudar, permanece-se na do mercado e da busca de legitimação do
mesma condição. Estado diante das necessidades capitalistas;
A segunda razão da força política do de Esping-Andersen e neo-instituciona-
EBE seriam os custos eleitorais geralmen- listas, a preponderância do Estado e seus
te associados às iniciativas restritivas. O processos sobre as exigências do mercado
padrão nas pesquisas de opinião tem sido, ou da sociedade.
naqueles países, uma leve oposição ao EBE Portanto, mais que avaliar qual das li-
quando há fraco desempenho econômico nhas mais se aproxima de um diagnóstico

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preciso, este trabalho propôs-se a resumir Assim, mesmo o objetivo apenas par-
os pontos de vista e explicitar o encadea- cial – muito longe do ideal libertário do
mento das teses, a partir dos pressupostos indivíduo autônomo – de vincular o êxito
assumidos, com o intuito de explicitar econômico a uma agenda social não é um
a variedade de interpretações para um fenômeno generalizável do ponto de vista
mesmo fenômeno, ainda que não de forma global, nem mesmo nos países mais prós-
exaustiva ou profunda. peros, haja vista o efeito, por exemplo, das
É de igual importância chamar a atenção imigrações nesses países.
para o fato de que nem todos os autores
veem uma positividade intrínseca no EBE
e em suas políticas compensatórias. Embora Referências
alguns vejam avanços na realização de suas
pautas, outros enxergam, mais do que a ARRETCHE, Marta T. S.(1995). Emergência e desen-
desobrigação das necessidades básicas que volvimento do welfare state: teorias explicativas. BIB,
pode levar os indivíduos à autonomia e à n. 39, p. 3-40. Rio de Janeiro, 1995.
liberdade, a legitimação das desigualdades, ESPING-ANDERSEN, Gosta. Politics against markets:
por meio de instrumentos que atendem não the social democratic Road to power. Princepton
aos indivíduos, mas ao processo de acumu- University Press, 1985.
lação capitalista, ou a grupos privilegiados. ______. The three worlds of welfare capitalism. Princeton
Daí que não só não libera os indivíduos, University Press, 1990.
mas os escraviza, reduzindo suas neces-
______. As três economias políticas do welfare State.
sidades ao consumo e a aspirações dadas; Lua Nova , v. 24. São Paulo: CEDEC, 1991.
ou os condena, ao reproduzir assimetrias
ou, pior, aprofundar privilégios de grupos EVANS, P.B.; RUESCHMEYER, D.; SKOCPOL, The-
da. Bringing the state back in. Cambridge University
articulados. Press, 1985.
Outro dado importante a se considerar
nas análises aqui referidas diz respeito GOUGH, Ian. The political economy of the welfare state.
Londres: MacMillan Press, 1979.
aos países de capitalismo avançado. Mais
especificamente Europa e Estados Unidos, LENDHARDT, Gero; OFFE, Claus. Teoria do estado
embora mais centradas no primeiro, dado o e política social: tentativas de explicação político-
sociológica para as funções e os processos inovadores
caráter mais restritivo dos segundos. Mui- da política social. In: OFFE, Claus. Problemas estruturais
tas dessas políticas alcançadas nos países do estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
europeus de capitalismo avançado, e que 1984.
hoje estão em crise, não se conformam como
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio
parâmetro para os países de capitalismo de Janeiro: Zahar, 1967.
periférico.
O CONNOR, James. EUA: a crise fiscal do Estado.
Na verdade, e o caso da América Lati-
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
na é típico, tais políticas – lá superadas e
em fase de reforma – representam ainda OFFE, Claus. Advanced capitalism and the welfare
state. Politics & Society, v. 4. 1972.
fortes demandas. Esse sistema construído
no pós-Guerra e “centralizado, uniforme, ______. The theory of the capitalism state and the
generalizado, unificado e simples” não se problem of policy formation. In: LINDBERG, Leon et
al. Stress and contradiction in modern capitalism. Londres:
concretizou na região e encontra diversos
Lexington, 1979.
tipos de óbices para concretizar-se, espe-
cialmente no que diz respeito à uniformi- ______. Contradictions of the welfare state. Londres:
dade e universalidade, e em vista do ritmo Hutchinson, 1984.
de desenvolvimento e da capacidade de ORLOFF, Ann Shola. The politics of pensions. University
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90 Revista de Informação Legislativa


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