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Definição de transporte: uma reflexão sobre a natureza do fenômeno e objeto


da pesquisa e ensino em transportes

Article · January 2014


DOI: 10.14295/transportes.v22i3.655

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1 author:

Marcos Thadeu Queiroz Magalhães


University of Brasília
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Definição de transporte: uma reflexão sobre a natureza do
fenômeno e objeto da pesquisa e ensino em transportes

Marcos Thadeu Queiroz Magalhães¹, Joaquim José Guilherme de Aragão², Yaeko Yamashita³

Resumo: O que é o transporte? Quais seus caracteres distintivos? O que é um sistema e, mais especificamente, um sistema
de transportes? É possível formalizar definições sobre esses aspectos? Com vistas a tornar mais claro o objeto do da pes-
quisa e ensino em transportes, o presente artigo parte dessas questões como elementos motivadores, na tentativa de prover
novos elementos para essa reflexão. E, nesse sentido, traz para a discussão sobre transporte teorias ainda pouco exploradas,
mas de grande fecundidade, para a busca de um arcabouço teórico robusto e definições mais claras. Nesse âmbito, apre-
senta-se a teoria de sistemas de Mario Bunge, e desenvolve-se reflexões sobre a noção de transporte, sistemas, sistemas
de transporte, seus caracteres distintivos e implicações acerca dos métodos para a devida abordagem desses fenômenos.

Palavras-chave: Transportes. Sistema de Transporte. Definição. Teoria de Sistemas. Mario Bunge.

Abstract: What is this thing called Transport? What are its unique features? What is a system and, more precisely, a transport
system? Is it possible to formalize a definition of such things? As to provide a clearer definition of Transport Research’s object,
this paper addresses those questions and brings new elements into discussion. To debate about Transport, we present prom-
ising theories yet to be explored, as a way to provide a more robust theoretic background and a clearer set of definitions. On
this scope, we present Mario Bunge’s System Theory and we discuss the notions of transport, transport system, its distinctive
features and its implications on the adequate methods to address those phenomena.

Keywords: Transport. Transport Systems. Definition. Theory of Systems. Mario Bunge.


 

1 INTRODUÇÃO

Usualmente, utiliza-se o termo transporte ção. Diante disso, as definições pouco precisas
para designar o deslocamento para o trabalho, providas pelo senso comum não se fazem mais
escola, para atividades de lazer, compras, o des- suficientes. De início, algumas questões surgem,
locamento de encomendas e cargas diversas e a exemplo do que é transporte e qual sua distin-
outra gama de fenômenos semelhantes e de evi- ção em relação a outros deslocamentos (como
dente importância na vida cotidiana. A preocu- em “o que diferencia a viagem de uma pessoa
pação de desenvolver meios para possibilitar para seu trabalho e um pedaço de madeira carre-
esses deslocamentos existe desde a Antiguidade, gado pela força das águas de um rio?”). Se não
quando os homens já tinham preocupação com abordadas a contento, questionamentos sobre a
as rotas comerciais, com a marcha dos exércitos, relevância e legitimidade do campo de estudos
com o provimento de água e outros recursos na- poderiam surgir, fundadas em visões providas
turais etc. (MUMFORD, 1998). Apesar disso, o por outras ciências e linhas de investigação. O
desenvolvimento de um campo de estudos ex- que aqui se entende é que o campo pode evitar
clusivamente voltado para o transporte, com os riscos de reducionismos a ciências mais ma-
profissionais e estudiosos voltados para o tema, duras (ou seja, evitar o “economicismo”, “psico-
é bastante recente, tendo tido seu início no sé- logismo”, “fisicalismo”, “sociologismo”, etc).
culo XX. Em outras palavras, apesar de fazer uso de teo-
À medida que esse campo (Transportes) rias de diversas origens, há incomensurabilidade
de estudo avança, espera-se correspondente no fenômeno Transporte em relação às aborda-
amadurecimento e crescente nível de formaliza- gens das demais ciências.
_________________________________________________
Assim, faz-se fundamental definir trans-
porte e distingui-lo, enquanto fenômeno, dos de-
¹ Universidade Federal da Bahia (marcos.thadeu@ufba.br).
² Universidade de Brasília (aragao@unb.br).
mais eventos e fatos que formam a realidade
³ Universidade de Brasília (yaeko@unb.br). vivida pelo homem. Este trabalho aborda alguns
Manuscrito recebido em 31/01/2013 e aprovado para publica-
desses aspectos. Nesse sentido, o presente artigo
ção em 03/06/2014. Este artigo é parte de TRANSPORTES v. está estruturado como segue. Primeiramente, é
22, n. 2, 2014. ISSN: 2237-1346 (online). apresentado o principal arcabouço filosófico-
DOI: http://dx.doi.org/10.14295/transportes.v22i3.655. teórico para abordagem do tema transporte e sis-

TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 1–11. 1


temas de transporte. Em seguida, explora-se o agregado concreto ou material, por
termo ‘transporte’ e a natureza do fenômeno e outro lado, é uma coisa composta, cujos
da noção de sistema de transporte. Por fim, tece- componentes não estão acoplados,
se comentários gerais sobre o trabalho e apre- ligados, conectados ou vinculados, tal
qual um campo constituído por dois
senta-se indicativos para futuras investigações.
outros campos superpostos (...)
Espera-se, desta forma, reavivar as discussões
sobre o objeto da pesquisa e ensino em transpor- e sistema é
tes, com vistas ao surgimento e desenvolvi-
mento de novas pesquisas, métodos e (...) um objeto complexo, cujos
tecnologias para abordagem deste fenômeno tão componentes são inter-relacionados. Se
importante socialmente. os componentes são conceituais, assim
também é o sistema; se são concretos ou
2 BUNGE E A VISÃO DE SISTEMA materiais, então eles constituem um
sistema concreto ou material. Uma
Na pesquisa em Transporte, uma noção teoria é um sistema conceitual, uma
que, historicamente, tem tido uma função estru- escola é um sistema concreto do tipo
tural é a de sistema. Diversas definições foram social.
apresentadas por diferentes autores, principal-
Retomando as definições de sistemas
mente no que concerne a composição do sistema
apresentadas inicialmente, à luz da concepção
de transporte (MORLOK, 1978; HAY, 1977;
de Bunge, fica mais fácil entender por quais ra-
SUSSMAN, 2001; PAPACOSTAS &PREVE-
zões ele as julga inadequadas. A primeira, que
DOUROS, 1993) e, para um panorama geral,
define sistema como um conjunto de elemento
bem como uma análise detalhada de cada uma,
inter-relacionados, se limita apenas a sistemas
pode-se consultar o trabalho de Magalhães
conceituais, uma vez que conjunto é uma noção
(2010, p.119-129). No momento, limitar-se-á a
abstrata e imaterial. A segunda definição é inte-
abordar apenas a noção, e respectiva definição,
ressante desde que a estrutura interna do sistema
de sistema. Sobre isso, Bunge (1979, p.16) co-
não seja relevante (BUNGE, 1979, p.16). Na ter-
menta a existência de diversos trabalhos sobre
ceira acepção, sistema é apenas um objeto con-
o assunto, mas que todos eles podem ser redutí-
ceitual (relações binárias).
veis a uma de três definições mais gerais, que se
tornaram bastante populares, mas, ao seu ver, 2.1 Conceito e definição geral de sistema
inadequadas, a saber: (i) a primeira, entende sis- Em discurso não-formalizado, Bunge
tema como “um conjunto de elementos inter-re- (1979, p.4) afirma que qualquer sistema tem
lacionados”; (ii) a segunda, define sistema como composição definida, ambiente definido e estru-
uma “caixa-preta” com inputs (entradas) e ou- tura definida. A composição do sistema é o con-
tputs (saídas); e, (iii) a terceira que afirma que junto de seus componentes; o ambiente, o
sistemas são relações binárias. conjunto de itens com os quais ele está conec-
Para compreender a razão pela qual Bunge tado; e a estrutura, as relações entre seus compo-
julga inadequadas as definições correntes, é ne- nentes, bem como entre estes e os elementos do
cessário fazer referência ao seu modelo ontoló- ambiente.
gico e sua teoria específica de sistemas. A primeira formalização do conceito de
Inicialmente, ele apresenta a distinção entre sistema conforme proposto por Bunge (1979,
agregado e sistema. Para Bunge (1979, p.4), p.5) é como segue. Seja T um conjunto não-va-
agregado é zio. Então, o terno ordenado é (ou
(...) uma coleção de itens sem qualquer representa) um sistema sobre T, se e são
vinculo entre eles, e portanto, sem subconjuntos mutuamente excludentes de T (ex.
integridade e unidade. Agregados ), e é um conjunto não-vazio de
podem ser tanto conceituais quanto
relações na união de e . O sistema é con-
concretos (materiais). Um agregado
conceitual é um conjunto (mas nem ceitual se T é um conjunto de itens conceituais,
todo conjunto é um agregado e concreto (ou material) se é um conjunto
conceitual: um conjunto dotado de uma de entidades concretas, por exemplo coisas (para
estrutura é um sistema conceitual). Um a definição precisa de coisa, ver Bunge, 1977,
2 TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 1–11.
cap. 1 a 3). de ação é simbolizada da seguinte forma: se uma
Entretanto, segundo o autor, para se obter coisa a age sobre uma coisa b escreve-se que
a definição adequada, as noções de composição ‘ a b’.
( ), ambiente ( ) e estrutura ( ) precisam A noção de A-ambiente de uma coisa x
ser formalizadas. Essas formalizações, con- com uma A-composição é definida como
forme propostas por Bunge, são apresentadas a o conjunto de todas as coisas, que não estão con-
seguir, especificamente para os sistemas concre-
tos. tidas em , que agem sobre, ou recebem a
ação de . Na linguagem formal adotada
2.2 Definição de sistema concreto por Bunge por Bunge, escreve-se:
Para compreender a definição de sistema X ∈ Θ| ∈
dada por Bunge, é necessário ter as definições
V & ∃ ⊏ & ⊳ ∨ ⊳
de A-composição, A-ambiente e A-estrutura –
(3)
esclarecendo que o ‘A’ corresponde ao vocábulo
‘atômico’. Neste texto, as notações serão as
onde
mesmas utilizadas no texto original de Bunge.
Conforme entende o autor, a composição de um : A-Ambiente de x
sistema não é apenas uma coleção de suas par- : A-Composição de x
tes, mas o conjunto de seus “átomos”. E define,
simbolicamente, a composição absoluta e a A- Por fim, a estrutura é o conjunto de todas
composição da seguinte forma (BUNGE, 1979, as relações entre os componentes de uma coisa,
p.5-6): bem como as relações entre estas e as coisas no
ambiente. A formalização da definição de estru-
Seja A   uma classe de coisas e x uma tura, para um sistema concreto, é apresentada no
coisa qualquer (ex. x  ). A composição (ab- próximo item.
soluta) de x é o conjunto de suas partes:
2.3 Formalização das características de
V ∈ Θ| ⊏ (1) sistema concreto por Bunge
onde: Um objeto é um sistema concreto se, e so-
: Composição absoluta de x mente se, for composto por pelo menos duas coi-
‘ ’ designa “y é parte de x” sas diferentes e conectadas (BUNGE, 1979,
p.6).
E a A-composição de x é o conjunto de As três características de um sistema, cu-
suas A-partes (coisas do tipo ‘A’): jas noções foram adiantadas no subitem anterior,
são (BUNGE, 1979, p.7): A-Composição, A-
V V ⋂ ∈ A| ⊏ (2) Ambiente e A-Estrutura.
onde: Seja    um sistema concreto e A  
: A-composição de x uma classe de coisas. A A-composição de  no
tempo t é o conjunto de todas as suas A-partes
Necessário à compreensão de seu modelo, em t. Na linguagem formal de Bunge escreve-se:
Bunge (1979, p.6) introduz o conceito de liga-
ção, conexão ou acoplamento entre componen- V , ∈ A| ⊏ (4)
tes de uma coisa. Para ele, esse conceito – de
conexão – é distinto de relações como “ser mais O A-ambiente de  no tempo t é o con-
velho”, “estar ao lado” etc. Duas coisas estão co- junto de todas as coisas do tipo A, que não são
nectadas quando pelo menos uma delas age so- componentes de x, mas que agem ou sofrem a
bre a outra. E, se uma coisa age ação de componentes de  no tempo t. Em ter-
sobre outra, ela modifica a linha de comporta- mos formais da linguagem utilizada por Bunge,
mento, trajetória ou história da última. A relação escreve-se como segue:

X , ∈ σ| ∉ V , & ∃ ∈V , & ⊳ ∨ ⊳ (5)

TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 1–11. 3


O A-estrutura de  no tempo t é o con- seguintes acepções, estas selecionadas em fun-
junto de relações, em particular conexões, entre ção da relevância para a discussão (HOUAISS
os componentes de  , e entre estes e as coisas et al., 2001):
no A-ambiente de  no tempo t. Em termos for- • (transitivo direto, bitransitivo) levar ou
mais da linguagem utilizada por Bunge, escreve- conduzir (seres animados ou coisas) a (de-
se da seguinte forma: terminado lugar); carregar;
f , ∈ • (pronominal) passar-se ou mudar-se de um
, ⋃ , | , ∅&1 lugar para outro, transferir-se.
(6) A partir disso, chama-se atenção para al-
Onde: guns aspectos do verbo transportar: primeiro,
: conjunto de conexões suas acepções aqui apresentadas referem-se a
mudança de lugar; segundo, no processo, existe
: conjunto de relações que não são de um objeto (seres animados ou coisas); e terceiro,
conexão pode assumir forma reflexiva, indicando que
Ri: uma relação qualquer quem transporta pode ser também o que é trans-
portado. Esses aspectos serão importantes para a
2.4 Tecnossistema discussão do conceito de transporte realizado
A noção de tecnossistema lança luz sobre mais adiante.
um aspecto central desse tipo de sistema: o uso Ainda com relação ao vocábulo, cabe ob-
de artefatos e a produção (outputs) direcionada servar que ele pode assumir forma substantiva,
a membros de uma sociedade. Considerando a transporte, designando, assim, uma classe espe-
noção intuitiva de sistema de transporte, na qual cífica de fenômenos.
a figura dos veículos surge de forma marcante à
mente, a ideia de tecnossistema parece se apro- 3.2 Levantamento de definições em
ximar dessa noção. Para tornar mais clara a ideia manuais especializados
desse tipo de sistema, é oportuno referenciar a Os paradigmas sintetizam os principais
definição oferecida por Bunge (1979, p.202). elementos de uma área de estudos, contendo ele-
mentos ontológicos, teóricos, metodológicos
Um sistema  é um tecnossistema se, e (MAGALHÃES, 2010). Os paradigmas de um
somente se, campo de estudos podem ser identificados nos
(i) a composição de  inclui seres ra- manuais utilizados para a formação dos novos
cionais e artefatos; pesquisadores. Assim, a consulta a esses manu-
(ii) o ambiente de  inclui componen- ais pode oferecer uma definição mais especiali-
tes de uma sociedade; zada do termo transporte, enriquecendo, assim,
(iii) a estrutura de  inclui produção,
a reflexão sobre a natureza do fenômeno.
manutenção ou uso de artefatos.
Morlock (1978, p.5) traz duas acepções para a
Pode-se dizer que um tecnossistema seja palavra “transporte” tiradas de dicionários de
um subsistema de uma sociedade humana mas, língua inglesa:
obviamente, não o inverso. Todos esses elemen-
tos teóricos lançam novas perspectivas para a re- • an act, process, or instance of transporting
flexão sobre transportes e sistemas de or being transported; e,
transportes, perspectivas essas que devem ser • to transfer or convey from one place to an-
melhor exploradas com o avanço da pesquisa na other.
área. A utilização dessa linha como metateoria
para análise e comparação entre teorias sobre As duas acepções apresentadas asseme-
sistemas de transportes, por exemplo, foi explo- lham-se aquelas apresentadas na seção anterior,
rada em Magalhães (2010). incluindo a forma reflexiva (transportar e ser
transportado) observada. Observe, entretanto,
3 DEFININDO TRANSPORTE que a primeira definição apresentada por Mor-
lock faz uma referência circular, não explicando
3.1 Levantamento de aspectos ligados ao o que é transportar. Esse tipo de definição é
vocábulo muito comum em dicionários e é aceito quando
O vocábulo transportar pode assumir as se trata de linguagens naturais. Entretanto,
4 TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 1–11.
pouco tem a oferecer em contextos mais especi- como as pessoas se deslocando de um lado para
alizados. Sua importância, no máximo, reside outro, veículos automotores lotando ruas e uma
em noções sintáticas sobre o vocábulo. infinidade de outros exemplos são apenas uma
Ainda sobre Morlock (1978, p.5), ele traz parte desse processo mais complexo, cuja totali-
a definição de engenharia de transportes como dade não é observável se limitada a essa gama
sendo de “aparências”. Para melhor compreender isso,
tome-se a analogia feita por Andler et al (2005,
a aplicação de ciência e matemática p.567) para explicar a dificuldade de observação
pela qual as propriedades da matéria e da ação intencional:
das fontes de energia na natureza são
utilizadas para movimentar passageiros Imaginemos o caso de Pedro cruzando
e mercadorias de forma útil à humani- na rua com a diretora da escola primária
dade. que seus filhos frequentaram. Ele tinha,
na época, brigado com ela e se pergunta
Antes de discutir a definição dada por se não deveria propor uma reconcilia-
Morlock, cabe reproduzir a definição trazida por ção. O que ele imagina, depois decide
Papacostas e Prevedouros (1993, p.1) para sis- fazer, não é deslocar seu braço e sua
tema de transporte como sendo mão, de modo que seu chapéu seja bre-
vemente levantado, em cinco centíme-
as instalações fixas, as entidades de tros acima de sua cabeça; também não é
fluxo, e o sistema de controle que per- dar, a um fotógrafo de emboscada, a
mite que pessoas e mercadorias vençam oportunidade de ilustrar um artigo sobre
a fricção do espaço geográfico de forma os costumes antiquados de uma cidade-
eficiente, permitindo participar tempes- zinha do interior;(...) o que Pedro faz,
tivamente em alguma atividade dese- deliberadamente (...), é cumprimentar a
jada. diretora da escola que seus filhos fre-
quentaram. O agente escolhe fazer X,
Por hora, o foco de reflexão está voltado e realiza sua escolha fazendo Y: o pri-
para a definição de ‘transporte’ de forma que a meiro “fazer” tem sentido, aparente-
mente, diferente do segundo – no caso
discussão sobre o que seja ‘engenharia’ ou ‘sis-
mais simples, X é realizado pelo
tema de transporte’ não será abordada nesta agente, ao passo que Y só é realizado,
oportunidade. Feita esta ressalva, cabe identifi- de fato, por uma parte do corpo do
car nessas definições, elementos úteis para ex- agente.
plorar o conceito de Transporte.
Nas definições acima, um aspecto em es- Em relação ao Transporte vale a analogia.
pecial é digno de atenção: a noção de que o Os fenômenos observados e comumente chama-
transporte serve a um propósito, um desejo (ex- dos de Transporte são apenas parte da ação in-
presso em “useful to mankind” e “in order to tencional. Esta envolve a escolha do sujeito (X),
participate in a timely manner in some desired a qual é realizada fazendo-se, dentre outras coi-
activity”), ou seja, tem como uma de suas pro- sas, o deslocamento de um objeto (Y), por exem-
priedades a intencionalidade. No entanto, essa plo: (1) o produtor de soja do Mato Grosso quer
propriedade não é enfatizada nas definições en- vender seu produto na Europa, ele realiza essa
contradas até aqui, o que pode levar a uma so- ação exportando o produto através de um porto
breposição entre transporte e outros tipos de no Maranhão; ou (2) um estudante deseja parti-
deslocamentos, interpretação pouco interessante cipar das atividades educacionais, ele realiza
para o desenvolvimento da pesquisa sobre trans- essa ação deslocando-se até a escola na qual está
porte e da própria identidade do campo de estu- matriculado. Cabe observar que seria possível
dos. citar uma série de ações na categoria Y. Entre-
tanto, o ponto destacado aqui é a percepção de
3.3 Transporte e ação intencional que o processo de transporte envolve duas di-
O Transporte é um processo humano in- mensões: uma explícita e observável que não é a
tencional, algumas das definições (se é que o determinante, mas apenas a manifestação de
são) vistas anteriormente sugerem essa noção. uma escolha; e, uma velada, a ação intencional,
Os fenômenos que percebemos no dia-a-dia engajada, que é a determinante. Ou seja, a real
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razão pelo qual os deslocamentos que vemos estado-da-prática pouco evoluiu em 30 anos de
ocorrem não é conhecida senão pelo próprio pesquisa no que diz respeito a compreensão da
“Sujeito de Transporte”. Qualquer observador “demanda” por transporte, produzindo modelos
exterior pode apenas conjecturar sobre as ra- e resultados mais descritivos, e falhando em ge-
zões, ou então questionar diretamente o agente. rar conhecimento capaz de explicar os fenôme-
Entender Transporte como ação intencio- nos de transporte. Apesar de centrar o
nal opera uma mudança profunda na pesquisa desenvolvimento de seu trabalho nas questões
em transportes, exigindo revisão metodológica e inerentes ao levantamento de dados para o pla-
a adoção de novas ferramentas e instrumentos nejamento de transportes, os autores acabam por
hoje ainda pouco conhecidos e explorados den- abordar aspectos diretamente ligados à compre-
tro da área. Sobre essas alterações se falará mais ensão dos fenômenos de transportes em sua in-
adiante. Por ora, cabe fornecer elementos que tencionalidade. Por exemplo, sobre o estudo dos
mostrem que o caráter intencional está incorpo- modelos de demanda eles dizem que
rado, intuitivamente e com limitações, dentro do
método da pesquisa em transporte. um campo emergente na modelagem de
demanda de viagens é o de modelos de
3.3.1 Suporte para a interpretação do trans- processo, ao invés dos modelos de re-
porte enquanto fenômeno humano: uma sultado. Modelos de processo são aque-
les baseados em processos pelos quais
leitura do método da pesquisa e prática
as pessoas tomam decisões, ao invés de
tradicional em transporte se basearem em escolhas observadas,
A afirmação sobre a natureza humana do que podem ter ocorrido através de ope-
transporte não vem do vazio, mas sim de uma rações sobre uma gama de oportunida-
reflexão sobre o objeto de estudo, bem como dos des e restrições, bem como um processo
trabalhos da comunidade científica que há muito comportamental subjascente.
trazem elementos cuja cuidadosa observação (STOPHER; GREAVES, 2007, p.369).
acaba por sustentar essa natureza. A intenção
aqui não é esgotar toda e qualquer evidência so- Observe que a preocupação neste ponto
bre o assunto, mas apenas prover alguns desses não é avaliar a pertinência de um ou outro mo-
elementos que auxiliam na corroboração do ar- delo, mas tão somente fundamentar que a pes-
gumento posto na seção anterior. quisa e a prática em Transportes têm
No que diz respeito à intencionalidade, ao reconhecido em seu objeto de estudo aspectos
se falar sobre planejamento de transportes, sem- que o afirmam como sendo de natureza intenci-
pre se fala sobre as “linhas de desejo”, que nada onal. Na citação acima, os autores colocam em
mais são que a representação de desejos de des- evidência elementos como o processo de tomada
locamentos (supostos ou declarados) dos habi- de decisão, e as escolhas das pessoas, pertencen-
tantes de uma dada região. Essas linhas de tes à dimensão do “Sujeito do Transporte”.
desejo são compiladas, geralmente, tendo como Some-se a esse exemplo, a utilização, em
base dados de pesquisas de campo envolvendo pesquisas de transporte, de métodos como pre-
entrevistas com moradores. Além disso, tradici- ferência declarada como forma de melhor com-
onalmente, são usadas categorias para agrupar preender a dinâmica daqueles movimentos.
as diferentes viagens nos chamados “motivos” Sendo assim, observa-se que a interpreta-
ou “propósitos”. São inúmeros os trabalhos que ção dos fenômenos de transportes enquanto fe-
podem ser usados para exemplificar esse tipo de nômenos humanos, apesar de muitas vezes não
abordagem e classificação, dentre os quais pode- estar explícita nos trabalhos científicos, é um
se citar Papacostas e Prevedouros (1993, p.310- pressuposto fundamental para o próprio método
312), Mello (1975, p.51-52 e p.98-103), Hens- sustentado pelas teorias correntes que orientam
her e Button (2005) e Stopher e Greaves (2007), as pesquisas na área.
com atenção especial para estes últimos, que for- Tendo apresentado alguns elementos de
necem extensa revisão sobre os métodos de co- suporte para a interpretação intencional, cabe
leta de dados e apresenta sugestões e desafios explorar suas implicações inerentes com vistas a
para a coleta de dados em transporte. orientar um programa geral de pesquisa, bem
Stopher e Greaves (2007) apontam que o como sistematizar a produção já existente.

6 TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 1–11.


3.4 Analisando o fenômeno transporte: um
modelo
Para analisar os fenômenos de transporte, dispõe para realização das diversas ações,
postule-se que existe um processo de transporte notadamente aquelas que promoverão
e que é composto por alguns momentos distin- esse deslocamento;
tos, conforme descrito abaixo: • Momento 03: Caso exista alguma forma
• Momento 01: Uma pessoa (ou grupo de que atenda às suas expectativas, ela de-
pessoas) precisa desenvolver alguma ati- cide por acionar ou não os recursos que
vidade com vistas a satisfazer alguma ne- dispõe;
cessidade. Ela sabe, ou acredita, com base • Momento 04: Uma vez acionado, os meios
no senso comum ou outra forma de conhe- realizam o deslocamento segundo os re-
cimento, que a viabilização de sua partici- quisitos postos pela pessoa;
pação em uma atividade implica uma série • Momento 05: O deslocamento é finali-
de ações concatenadas, dentre as quais in- zado. A pessoa (ou grupo de pessoas) pode
clui aquelas que resultarão no desloca- desenvolver a atividade que desejava e sa-
mento de um objeto material específico tisfazer sua expectativa.
(objeto tem sentido sintático, ou seja, ele Isto posto, o processo de transporte pode
“sofre” a ação); ser apresentado conforme figura abaixo:
• Momento 02: Ela procura as formas que

Figura 1 - Elementos determinantes do fenômeno de Transporte. Fonte: Magalhães (2010).

Ou seja, o transporte depende de três ele- exemplo anterior, a fábrica pode não ser a res-
mentos para a sua realização: o sujeito do trans- ponsável pelo deslocamento, podendo contratar,
porte, o meio de transporte e o objeto do por exemplo, um serviço que se responsabilize
transporte. O Sujeito do Transporte é aquele que por apanhar o produto onde quer que ele esteja,
possui alguma necessidade ou desejo cuja satis- e entregá-lo no local desejado pela fábrica. O
fação requer o deslocamento de um objeto qual- Meio de Transporte é, assim, o responsável efe-
quer. O Objeto do Transporte, por sua vez, é tivo pelo fenômeno que observamos de um ob-
aquilo cujo deslocamento é necessário para a sa- jeto mudar de um lugar para o outro.
tisfação das expectativas do Sujeito de Trans- Mas atenção, pois não se deve confundir o
porte. Para exemplificar, tome-se uma fábrica meio de transporte do exemplo anterior com, por
que deseja produzir seus produtos e para isso exemplo, um rio que carrega seixos e outros ma-
precisa que insumos sejam levados até sua uni- teriais. Como foi visto anteriormente, entende-
dade produtiva. A fábrica é o Sujeito de Trans- se que esses dois exemplos tratam de fenômenos
porte, e o insumo, o objeto. bastante distintos: o primeiro, que aqui é cha-
No que diz respeito a uma ação específica mado de ‘transporte’ é intencional; o segundo,
de transportar, a relação entre o Sujeito e o Ob- não (Uma breve explanação sobre a distinção
jeto é mediada por um outro ente, o Meio de entre fenômenos intencionais e não-intencionais
Transporte. O Meio de Transporte é aquilo que foi oferecida anteriormente, na seção 3.3).
efetivamente transporta o objeto. Continuando o Além disso, o esquema apresentado pode,

TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 1–11. 7


por vezes, conduzir a entendimentos equivoca- assim, surge a questão: porque defende-se aqui
dos e deve-se ter atenção. Para ilustrar, cabe ci- que Transporte, mesmo sendo um tipo de deslo-
tar alguns casos exemplares: camento, não é capaz de ser suficientemente ex-
 Situação 01: Uma indústria de automóveis plicado por apelo a processos e teorias da física
contrata o transporte de seus produtos a uma (incluindo aquelas derivadas da teoria da gravi-
concessionária situada em outra região geo- tação)?
gráfica. Eis a razão: a Física ensina que os deslo-
• Sujeito do Transporte: a indústria de au- camentos têm uma causa, uma força (física) que
tomóveis; determinou seu início. A abordagem dessa ciên-
• Meio de Transporte: o sistema que envolve cia se restringe a explicar o relacionamento entre
a infraestrutura de transporte existente as forças e os deslocamentos. No entanto, não
(veículos, vias, edificações, equipamen- há a preocupação em explicar a finalidade do
tos), o operador do serviço, dentre outros fenômeno, ou seja, para que ele ocorre, o que
agentes; seria equivalente a uma explicação teleológica
• Objeto do Transporte: os automóveis. das forças que o determinam (por exemplo, que
 Situação 02: Um estudante desloca-se a pé resposta poderia ser dada para a questão de qual
para a escola. seja a finalidade do movimento dos planetas?).
• Sujeito do Transporte: o estudante; Para a Física, eles não são intencionais, não têm
• Meio de Transporte: o sistema que envolve propósito, e esse corte ontológico e epistemoló-
a infraestrutura de transporte existente gico é que a distingue e a incompatibiliza ao ade-
(calçadas, calçadões, passarelas e outros quado tratamento do fenômeno Transporte.
espaços do pedestre), e parte do corpo do Agora, retome-se as definições de trans-
estudante (seu sistema locomotor); porte vistas anteriormente. Transporte seria, en-
• Objeto do Transporte: o estudante (espe- tão, dentre os deslocamentos, aqueles cor-
cificamente, seu corpo). respondentes ao de pessoas e mercadorias. Aqui,
A vantagem do modelo ora proposto é que generalize-se esses dois elementos, pessoas e
este força o analista a tornar explícitos a tornar mercadorias, para objetos materiais, palpáveis –
explícitos a composição ( ) e ambiente ( ) “coisas” na acepção dada por Bunge (1977),
do sistema sob foco. Isto auxilia não apenas no pois dessa forma os distinguimos de coisas
processo mecânico de modelagem - que exige, como “informação” e “energia”. Ainda, obser-
ainda, a indicação da respectiva estrutura ( ) – vando mais atentamente, e recuperando o co-
como também, do ponto de vista teórico, põe em mentário final da seção anterior, os fenômenos
evidência os aspectos que exigem abordagem in- de transporte seriam carregados de intencionali-
terdisciplinar e multisetorial dade, o que significa dizer que acontecem por
uma razão, uma vontade ou propósito. Assim
3.5 Diferenciando o transporte sendo, determina-se uma distinção crucial: a in-
Na definição do fenômeno Transporte, em tencionalidade.
consequência do que foi visto até aqui, faz-se ne- Então, pode-se definir transporte como
cessário contornar alguns indesejáveis traços de deslocamento INTENCIONAL de um objeto
forte fisicalismo (apelo ou crença que a Física, material, palpável.
sozinha, seria abrangente o suficiente para expli- Diante desta definição fica evidente a li-
car os mais diversos fenômenos). mitação da abordagem da Física para tratar as
O senso comum, ainda pautado na física questões relacionadas a Transporte: ela descon-
clássica, nos diz que deslocamento é qualquer sidera a intencionalidade enquanto elemento ne-
mudança de posição espacial de um objeto ou cessário para a explicação dos fenômenos,
ponto material no decorrer do tempo. Assim, o sendo, portanto, insuficiente para prover teorias
deslocamento das águas, a queda de uma maçã, e instrumentos para o estudo desta classe espe-
o vôo de uma ave, o fluxo de automóveis e pes- cial de fenômenos.
soas nas ruas, todos são exemplos de desloca- Os fenômenos de transporte são de natu-
mento. No campo das ciências, a Física (e dentro reza humana e, portanto, abertos a interpretações
dela a Cinemática e Mecânica) é a aquela tradi- de cunho teleológico, para os quais as ciências
cionalmente associada ao estudo desses fenôme- naturais não possuem arcabouço teórico, meto-
nos, tendo ela própria definido o termo. Sendo dológico nem instrumental adequados, apesar de
8 TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 1–11.
serem passíveis de intepretação por essas ciên- a relação no sentido sujeito-meio é ‘aciona’ e no
cias. Essa é uma das implicações cruciais da de- sentido meio-objeto é ‘transporta’. O resultado
finição de transporte colocada aqui. Como da possibilidade de estabelecimento dessas rela-
exemplo da abordagem teleológica para o plane- ções determina uma propriedade ao objeto: a
jamento de transportes pode-se citar o Sistema mobilidade, a propriedade daquilo que pode ser
de Indicadores finalísticos desenvolvidos para o transportado. A acessibilidade é, por definição,
Ministério dos Transportes para avaliação dos uma propriedade do meio do transporte que
programas nacionais do setor no PPA (BRASIL pode interagir com o sujeito e com o objeto, no
– MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 2007). âmbito específico do transporte. Desta forma, a
Então, coloca-se a questão: qual a finali- acessibilidade pode ser decomposta em dois
dade do transporte?. E, nisso, Morlock (1978, componentes: a acessibilidade sujeito-meio e a
p.5) e Papacostas e Prevedouros (1993, p.1) já acessibilidade meio-objeto.
ensaiaram uma resposta, a qual é escrita aqui de Compreende-se, assim, que estudar o
forma mais geral: a satisfação de uma expecta- transporte é abordar os elementos aqui coloca-
tiva individual ou coletiva. dos, suas propriedades e relações. É, ainda, a
Ou seja, a finalidade do transporte é a sa- construção teórica de sistemas de transporte e a
tisfação de uma expectativa individual ou cole- compreensão de seu mecanismo. O objeto de es-
tiva. E, assim sendo, aí reside seu telos. Isso tudo de Transportes são os Sistemas de Trans-
significa dizer que, para explicar os fenômenos porte. Dito isso, é possível formalizar algumas
de transporte, deve-se explorar e estudar os con- ideias aqui apresentadas dentro da notação utili-
dicionantes postos pelo Ambiente ( ), partes zada por Bunge.
de outros sistemas e subsistemas sociais. (i) o trabalho da pesquisa em transporte é produzir
modelos de sistema de transporte, cuja forma mí-
3.6 Explorando as relações entre os ele- nima é:
mentos fundamentais do transporte: a
busca de pistas na compreensão do me-  t  Và ?Xà ?f à
canismo
Como visto anteriormente, a interação en- onde:
tre três elementos é fundamental para a produ-  t : sistema de transporte
ção do fenômeno de transporte: o Sujeito do
Và : composição do sistema de transporte
Transporte, o Meio do Transporte e o Objeto do
Transporte. Para que o fenômeno do transporte Xà : ambiente do sistema de transporte
possa acontecer, uma relação deve ser estabele- f à : estrutura do sistema de transporte
cida entre o Sujeito e o Meio e entre o Meio e o
Objeto, no sentido do transporte. Como foi visto,

Figura 2 - Relações entre os elementos fundamentais do Transporte e as propriedades fundamentais do Meio e do Objeto de
Transporte. Fonte: Magalhães (2010).

TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 1–11. 9


A pesquisa em Transporte deve utilizar, tural e familiar. Os outputs são coisas transpor-
nesse contexto teórico, recursos metodológicos tadas e lixo (coisas residuais não proposital-
e instrumentais para a análise de sistemas com- mente produzidas pelas atividades do sistema).
plexos. Seu trabalho é conjecturar componen- Assim, na análise dos sistemas de transporte
tes, ambiente e estrutura do sistema de deve-se sempre partir desses elementos como li-
transporte, partindo de proposições mais sim- nha condutora para a enumeração dos compo-
ples, e trabalhando em incrementos teóricos. nentes, ambiente e estrutura, conforme abaixo
Para o cumprimento dessa tarefa, são instrumen- ilustrado. A Figura 3 apresenta o modelo
tais as ideias de A-Composição, A-Ambiente e “Caixa-Preta”, um dos recursos mais rudimenta-
A-Estrutura), que possibilitam estabelecer um res para o início da análise de um sistema. Esse
nível de complexidade a partir do qual a análise tipo de modelo busca por em evidência as rela-
deve ser feita. Isso evita que o analista se perca ções entre a Composição do sistema e seu Am-
nos diferentes níveis de complexidade a partir biente. À esquerda representam-se os inputs; à
dos quais a análise pode partir, que é uma das esquerda, os outputs; e, ao topo, ações oriundas
grandes armadilhas do holismo. de outros sistemas mais amplos. Este é O PRI-
Como recurso inicial de análise, cabe en- MEIRO PASSO para a análise dos sistemas de
tender um sistema de transporte como tecnossis- transporte à luz da teoria sistemista de Bunge
tema – subsistemas sociais nos quais os artefatos sendo o passo seguinte, não desenvolvido aqui
e a tecnologia têm especial atenção, ou relevân- pela limitação de espaço, seria a análise da A-
cia - cujos inputs são pessoas e coisas a trans- Composição, A-Ambiente e A-Estrutura, par-
portar, energia, artefatos, além de ações tindo das relações explicitadas na Figura 3.
oriundas dos sistemas econômico, político, cul-

Figura 3 - Modelo “Caixa-Preta” do Sistema de Transporte. Fonte: Magalhães (2010).

4 COMENTÁRIOS FINAIS

Como pôde ser visto ao longo do trabalho, No âmbito filosófico-teórico mais geral,
a natureza dos fenômenos de transporte é essen- a teoria de Bunge se mostra bastante fecunda
cialmente humana, social. Essa mudança de en- para o desenvolvimento e formalização de uma
foque e compreensão requer adequado desen- teoria
volvimento e revisão das teorias e instrumentos dos sistemas de transportes, também sendo uma
correntes para abordagem dos problemas de ferramenta analítica bastante poderosa.
transporte, principalmente no que diz respeito ao No âmbito da previsão, teorias como a dos
planejamento. modelos gravitacionais, oriundos da física clás-
10 TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 1–11.
sica e que possuem postulados ontológicos espe- BRASIL - MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES (2007). Metodologia
Integrada de Suporte ao Planejamento, Acompanhamento e Gestão dos
cíficos, perdem sua coerência teórica com o fe- Programas Nacionais de Transporte (Projeto Indicadores) – Relatório
nômeno, tornando-se, por si, incoerentes e Síntese. Brasília: Ministério dos Transportes/SEGES – Universidade de
Brasília/CEFTRU.
inconsistentes com a natureza do fenômeno que
BUNGE, Mario A. (1977) Treatise on Basic Philosophy - Ontology I:
tentam explicar. Correspondências tornam-se The Furniture of the World. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company.
meras coincidências, pois não há uma teoria ex-
BUNGE, Mario A. (1979) Treatise on Basic Philosophy - Ontology II:
plicativa robusta para sustentar. Mas, se assim A World of Systems. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company.
for, como contornar essas questões e que ferra-
HAY, William W (1977). An Introduction to Transportation Engineer-
mentas podem ser utilizadas? ing. 2.ed. New York: John Wiley&Sons.
Atualmente, no campo da ciência da com- HENSHER, David; BUTTON, Kenneth. (2005) Handbook of Transport
putação e de teoria de sistemas, vêm se popula- Modelling. Oxford: Elsevier.
rizando novas teorias e ferramentas que podem HOUAISS, A; VILLAR, M. de S.; FRANCO, F. M. de. (2001) Dicioná-
ser bastante fecundas para tratar o tema, a exem- rio Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva.
plo de inteligência artificial e sistemas multia- MAGALHÃES, Marcos T. Q. (2010). Fundamentos para a Pesquisa em
gentes. No campo da Economia, a teoria dos Transportes: Reflexões Filosóficas e Contribuição da Ontologia de
Bunge. Tese de Doutorado em Transportes. Brasília: Universidade de
jogos também se apresenta como um arcabouço Brasília.
teórico e instrumental bastante fecundo. A psi-
MAGALHÃES, M. T. Q., SILVEIRA, L. S., GALINDO, E. P., GO-
cologia, por tratar de comportamentos humanos, MES, H. A. S., VILLELA, T. M., YAMASHITA, Y., ARAGÃO, J. J.
pode oferecer também elementos teóricos e ins- G. (2007). Teleological Framework for Transport Planning and Evalua-
tion: A Tool in the Search for Integrated and Meaningful Solutions for
trumentais significativos. Better Results. Proceedings of the Thredbo 10 – International Confer-
O consistente desenvolvimento dessas no- ence on Competition and Ownership of Land Passenger Transport.

vas ferramentas, como também da base filosó- MELLO, José C. (1975) Planejamento dos Transportes. São Paulo:
McGraw-Hill do Brasil.
fico-teórica subjacente, requer enorme esforço
de pesquisa, cujo efetivo resultado pode ainda MORLOCK, Edward K. (1978) Introduction to Transportation Engi-
neering and Planning. Tóquio:McGraw-Hill.
demorar algum tempo. Tudo dependerá do es-
forço de pesquisa dedicado ao tema, e do efetivo MUMFORD, Lewis. (1998) A Cidade na História: suas origens, trans-
formações e perspectivas. Tradução Neil R. da Silva. São Paulo: Martins
envolvimento da comunidade científica no pro- Fontes.
cesso. No entanto, acredita-se que serão resulta-
PAPACOSTAS, C. S.;PREVEDOUROS, P. D. (1993) Transportation
dos bastante coerentes e mais condizentes com Engineering and Planning. Englewood Cliffs: Prentice Hall.
os fenômenos reais, culminando em um planeja- STOPHER, Peter R.; GREAVES, Stephen P. (2007) Household Travel
mento mais efetivo, eficaz e eficiente. Surveys: Where are we going? In: Transportation Research Part A: Pol-
icy and Practice. Volume 41, Issue 5, p.361-381, Science Direct.
doi:10.1016/j.tra.2006.09.005
REFERÊNCIAS
SUSSMAN, Joseph (2000). Introduction to Transportation Systems.
Norwood: Artech House.
ANDLER, Daniel; FAGOT-LARGEAULT, Anne; SAINT-SERNIN,
Bertrand. (2005) Filosofia da Ciência. Volume II. Rio de Janeiro: Atlân-
tica.

TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 1–11. 11

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