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343/06 E OS REPETIDOS
DANOS DO PROIBICIONISMO
Maria lucia Karam
A nova lei brasileira em matena de 11.343/06 insiste em apenas distinguir a tutos comíderados, connita com o prin- S
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drogas - Lei nO 11.343/06 - não traz conduta de quem eventualmente oferece cípio da isonomia. Igualmente viola o ""I
qualquer alteração substancial, até por- droga qualificada de ilícita, sem objetivo princípio da individualização, que repe- iSi·
que, como suas antecessoras, suas no- de lucro, a pessoa de seu relacionamen- le generalizações fundadas na espécie abs- c r-
vas ou repetidas regras naturalmente to, para um consumo conjunto, condu- trata do crime, exigindo, ao contrário, em ("l
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seguem as diretrizes dadas pelas proi- zindo à esdrúxula situação de se tratar tudo que diz respeito à aplicação eà exe-
bicionistas convenções internacionais como "traficante" quem oferece ou for- cução da pena, a consideração da situa- 57
...
de que o Brasil, como quase todos os nece, mas não pretende consumir. Pare- ção fática da infração concretamente pra- Q/
demais Estados nacionais, é signatário. ce um incentivo ao consumo, que, para- ticada e da: pessoa de seu autor. Aextra- 3
Anova lei é apenas mais uma dentre as doxalmente, permanece criminalizado na ção de efeitos gravosos da reincidência
mais diversas legislações internas que, vaga tipificação da indução, instigação ou para vedar o livramento condicional aos
reproduzindo os dispositivos crimina- auxílio ao uso. "reincidentes específicos" conflita tam-
lizadores das proibicionistas conven- A Lei nO 11.343/06 repete a Lei nO bém com o princípio da culpabilidade
ções da ONU, conformam a globaliza- 6.368/76 ao prever a "associação" espe- pelo ato realizado, violando ainda a ga-
da inter venção do sistema penal sobre cífica para o "tráfico" de drogas qualitl- rantia da vedação de dupla punição pelo
produtores, distribuidores e consumi- cadas de ilícitas e traz como inovação a mesmo tàto.
dores das drogas qualificadas de ilíci- tipificação, como tiguras autônomas, do Aindevida extração de efeitos gravo-
tas, com base em uma sistemática vio-
lação a princípios e normas assentados
financiamento ou custeio' do "tráfico".
A violação ao princípio da proporcio-
sos da reincidência se repete na previsão
da Lei na 11.343/06 de causa de redução
f
nas declarações universais de direitos nalidade aqui se revela não apenas na de pena que inclui, dentre seus requisi-
e nas Constituições democráticas. com figura da associação, que, como todos tos, a primariedade e bons antecedentes.
base na supressão de direitos funda- os tradicionais tipos de crimes de COllS- Nessa previsão, a Lei na 11.343/06 ainda
mentais e suas garantias. piração, quadrilha e outros assemelha- impede a conversão da reduzida pena pri-
ALei na 11.343/06 aumenta para 5 anos dos, criminalizam meros atos prepara- vativa de liberdade em pena restritiva de
de reclusão a pena mínima para os tipos tórios, mas também, sob outro aspecto, direitos, assim repetindo também a vio-
O
básicos de crimes identificados ao "tráfi- na previsão como tipos autônomos do lação aos princípios da isonomia e da in-
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\I) co", desde logo revelando o desmedido financiamento ou do custeio, que, inse- dividualização.
-
Z rigor penal voltado contra os produtores ridos no âmbito do próprio tipo do "trá- Na co ção das penas de multa para
O
-
e distribuidores das substâncias e maté- fico", poderiam, no máximo, funcionar os tipos de crimes identificados ao "trá-
rias primas proibidas. E com a amplia- como circunstâncias agravantes da pena fico", a Lei nO 11.343/06 exacerba seus va-
-
= ção do já extenso rol de qualificadoras, àquele cominada. lores, afastando-se das regras gerais do
-
as penas previstas para aqueles tipos bá- A violação ao princípio da proporcio- Código Penal. Assim, mais uma vez viola
O
c::: sicos quase sempre ainda sofrerão o au- nalidade se revela também nas penas de- o princípio da isonomia, não havendo
Q.. mento decorrente da qualificação. lirantemente altas, previstas para essa in- qualquer razão para diferenciar o "tráfi-
O Repetindo dispositivos da Lei n° 6 .368/ devidamente criada figura autônoma: re- co" de outras condutas criminalizadas em
Q 76, a Lei na 11.343/06 reafirma a anteci- clusão de 8 a20 anos, a pena mínima sen- que o agente igualmente se move pela
\I) pação do momento criminalizador da do assim superiorà prevista para um ho- busca de proveito econômico.
O produção e da distribuição das drogas micídio. A ânsia repressora é tal que a Em matéria processual, a supressão de
Z qualificadas de ilícitas, seja abandonan- Lei nO 11.343/06, ignorando a vedação do direitos fundamentais logo surge no dis-
«
Q do as fronteiras entre consumação e ten- bis in idem, ainda inclui os mesmos Il- positivo da Lei nO 11.343/06 que veda a
\I) tativa, com a tipificação autônoma de
n;:lllciamento ou custeio dentre as quali- liberdade provisória. Assim, repetindo
O condutas como sua posse, transporte ou Ilcadoras do "tráfico". regra indevidamente introduzida pela Lei
Q expedição, seja com a tipificação autô- O desmedido rigor penal volta a se na 8 .072/90, a Lei nO 11.343/06, negando a
i= noma de atos preparatórios como o cul- manifestar na Lei nO 11.343/06 que, indo natureza cautelar da prisão imposta no
l.i.I
CL. tivo de plantas ou a fabricação, forneci- além da vedação à graça e à anistia, im- curso do processo, repete a violação à ga-
i.&.I rnento ou simples posse de matérias-pri- posta por cláusula de penalização deslo- rantia do estado de inocência. Reprodu-
c:: mas,
insumos ou produtos químicos des- cadamente incluída na Constituição Fe- zindo regra do Código de Processo Penal
V) tinados à sua preparação, ou mesmo a deral, também veda o indulto, a suspen- que condiciona a admissibilidade de re-
O
fabricação, transporte, distribuição ou são condicional da execução da pena pri- curso interposto contra a sentença con-
l.i.I
simples posse de equipamentos, materiais vativa de liberdade ou sua conversão em denatória ao recolhimentoàprisão do réu
\,O ou precursores a serem utilizados em sua pena restritiva de direitos e, reproduzin- que não ostente primariedade e bons an-
Q
......
produção. Acrimínalização antecipada do dispositivo introduzido no Código tecedentes, a Lei nO 11.343/06, além de
M viola o princípio da lesividade da condu- Penal pela Lei na 8.072/90, impõe o cum- insistir na extração de efeitos gravosos da
ta proibida, assim violando a cláusula do primento de dois terços da pena para o reincidência, além de repetir a violação à
1""1 devido processo legal, de cujo aspecto de livramento condicional, vedando-o para garantia do estado de inocência, ainda
,.... garantia material se extrai o princípio da "reincidentes específicos". viola a garantia do acesso ao duplo grau
CI proporcionalidade expressado no prin- O tratamento diferenciado para apon- de jurisdição.
Z cípio da lesividade. tados autores de "tráfico", a partir tão so- ALei na 11.343/06 refere-se expressa-
i:i:i O princípio da proporcionalidade mente da consideração desta espécie abs- mente à infiltração e à ação controlada
....I também é violado na equiparação do for- trata de crime, sem qualquer relação com de agentes policiais e reafirma a delação C
« necimento gratuito ao "tráfico". ALei nO a finalidade e os fundamentos dos insti- premiada ao se referir também expressa- +-
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IBCCRIM
mente aos colaboradores". Juntando-se e às normas que, assegurando a liberdade reitos e das Constituições democráticas,
à quebra do sigilo de dados pessoais, à individual e o respeito à vida privada, se que, presentes na nova lei brasileira, re
interceptação de correspondências e de vinculam ao próprio princípío da legali produzem as proibicionistas convenções
comunicações telefôrticas, às escutas e dade, que,. base do Estado de direito de internacionais e as demais legislações
filmagens ambientais, previstas em ou mocrático, assegura a liberdade indivi internas crirninalizadoras da produção,
tros diplomas que, integrando a legisla dual como regra geral, situando proibi da distribuição e do consumo das dro
ção brasileira de exceção, permanecem ções e restrições no campo da exceção e gas qualificadas de ilícitas, já demons
aplicáveis a hipóteses de acusações por condicionando-as à garantia do livre exer tra que os riscos e danos relacionados a
alegado "tráfico" de drogas qualificadas cício de direitos de terceiros. tais substâncias não provêm delas mes
de ilícitas, esses insidiosos, indevidos e A simples posse para uso pessoal das mas. Os riscos e danos provêm sim do
ilegítimos meios de busca de prova ob drogas qualificadas de ilícitas, ou seu con proibicionismo. Em matéria de drogas,
jetivam fazer com que, através do pró sumo em circunstâncias que não envol o perigo não está em sua circulação, mas
prio indivíduo, se obtenha a verdade so vam um perigo concreto, direto e ime sim na proibição, que, expandindo o
bre suas ações tornadas criminosas. As diato para terceiros, são condutas que não poder punitivo, superpovoando prisões
regras que os prevêem assim violam di afetam nenhum bem jurídico alheio, di e Suprimindo direitos fundamentais,
reta ou indiretamente a garantia do di zendo respeito unicamente ao indivíduo, acaba por aproximar democracias de
reito a não se auto-irtcriminar. à sua intimidade e às suas opções pes Estados totalitários.
Prevendo o prosseguimento de dili soais. Não estando autorizado a penetrar Além de ocultar os riscos e danos à
gências policiais após o início do proces no âmbito da vida privada, não pode o democracia, o discurso proibicionista
so e encaminhamento de seus resultados Estado intervir sobre condutas de tal na oculta também o fato de que a proteção
até três dias antes da audiência de instru tureza. Enquanto não afete concretamen da saúde pública, que estaria a formal
ção e julgamento, a Lei nO 11.343/06 viola te direitos de terceiros, o indivíduo pode mente fundamentar a criminalização das
as garantias do contraditório e da ampla ser e tàzer o que bem quiser. condutas relacionadas às drogas qualifi
defesa, assim violando a própria cláusula Assim, ao contrário do que muitos cadas de ilícitas, é afetada por esta mes
do devido processo legal. Proposta e ad querem fazer crer, a nova Lei nO 11.343/ ma criminalização, que impede um con
mitida a ação penal condenatória, nenhu 06 não traz nenhum avanço nesse campo trole de qualidade das substâncias entre
ma prova de interesse da acusação pode do consumo. Uma lei que repete viola gues ao consumo, impõe obstáculos a seu
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rá ser produzida fora do processo, nenhu ções a princípios e normas constantes das uso medicinal, dificulta a informação e a
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.." ma prova poderá ser produzida sem a declarações universais de direitos e das assistência, cria a necessidade de apro
Z participação da defesa, nenhuma prova Constituições democráticas jamais po veitamento de circunstâncias que permi
o poderá ser produzida sem concomitante derá ser considerada um avanço. Nenhu tam um consumo que não seja descober
Ü submissão ao contraditório. ma lei que assim suprime direitos funda to, incentivando o consumo descuidado
Cõ A cláusula do devido processo legal mentais pode merecer aplausos ou ser to ou anti-higiênico propagador de doen
também é violada quando a Lei nO 11.343/
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lerada como resultado de uma confor ças como a aids e a hepatite.
06 atribui aO réu o ônus de provar a ori mista "política do possível". Além de ocultar os riscos e danos à
c.. gem lícita de bens alegadamente obtidos Claro assim que tampouco merece democracia, além de ocultar os riscos
o através do "tráfico". Além dessa inversão qualquer aplauso ou representa qualquer e danos à saúde pública, o discurso proi
Q do ônus da prova, a Lei nO 11.343/06, re avanço a explicitação na Lei nO 11.343/06 bicionista oculta ainda o fato de que,
f.n petindo dispositivo introduzido pela Lei da equiparação à posse para uso pessoal com a intervenção do sistema penal
nO 9.613/98, ainda condiciona a aprecia das condutas de quem, com essa mesma sobre as condutas de produtores e dis
•.... .< ção do redido de restituição do bem ao finalidade, prepara, semeia, cultiva ou tribuidores das substâncias e matérias
Q comparecimento pessoal do réu. colhe plantas destinadas à preparação de primas proibidas, o Estado cria e fo
.." A Lei nO 11.343/06 mantém a crimina- pequena quantidade da substância proi menta a violência, que só acompanha
Q lização da posse para uso pessoal das dro bida. Aqui também se cuida de condutas suas atividades econômicas porque o
Q gas qualificadas de ilícitas, apenas afas privadas, que não podem ser objeto de mercado é ilegal.
L.I.I cia, prestação de serviços à comunidade, cial brasileira em matéria de drogas já global que conduza a uma ampla refor
CII::
comparecimento a programa ou curso sinaliza que as reflexões suscitadas por muI ação das conveflções internacionais
1.1) educativo e, em caso de descumprimen sua edição não devem se esgotar no exa e das legislações internas, para legali
o
to, admoestação e multa. Não traz assim me de seus novos ou repetidos disposi zar a produção, a distribuição e o con
LI.l
nenhuma mudança significativa, na me tivos. As reflexões devem avançar e co sumo de todas as substâncias psicoati
\C dida em que, dada a pena máxima de de locar em pauta o repúdio à repressão e a vas e matérias-primas para sua produ
tenção de 2 anos prevista na Lei nO 6.368/ afirmação da liberdade, revelando os ção, regulando-se tais atividades com a
M 76, a indevidamertte criminalizada posse riscos, os danos e os enganos globalmen instituição de formas racionais de con
.;;:t
M para uso pessoal já se enquadrava na de te produzidos pelo proibicionismo, trole, verdadeiramente comprometidas
.,.... finição de infração pertal de menor po questionando o discurso que oculta L, com a saúde pública, respeitosas da
.,.... tencial ofensivo, a que aplicável a impo tos, demoniza substâncias e pessoas, dignidade e do bem-estar ·de todos os
c sição antecipada e "negociada" de penas molda opiniões conformistas e imobili indivíduos, livres da danosa interven
z
não privativas da liberdade. zadoras, censura e desinforma, entorpe ção do sistema penal. ()