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1. O QUE É TEOLOGIA?
Muitos estudiosos têm concebido a teologia como sendo um estudo que
trata de Deus e de suas relações com os homens, mas esta ideia carece de
algumas adições complementares.
Não existe inconveniente algum em dizer que a teologia é a ciência se
fizermos algumas distinções importantes. Para falar de um modo estrito, a
teologia não pode ser uma ciência se Deus é o objeto de estudo. Nesse caso,
Deus estaria sob o crivo da pesquisa humana, estando sob o escrutínio
humano. Ainda que o alvo final da teologia seja o de conhecer Deus, a teologia
trata do estudo de Deus mediante a revelação que ele faz de si mesmo. Nesse
caso, o objeto de estudo é a revelação da natureza e a revelação verbal. Então,
podemos dizer que a teologia é uma ciência, porque a Escritura pode ser objeto
de nossa pesquisa, mas Deus não. Passamos a conhecer Deus pela pesquisa
feita na sua revelação. Somente aqui a teologia pode (e deve!) ser entendida
como uma ciência.
Todo o conhecimento que temos de Deus vem dele próprio através de Sua
revelação. Quando estudamos a Sua Palavra, temos algum tipo de
conhecimento objetivo dele. Somente nesse sentido podemos dizer que Deus é
o objeto do nosso estudo.
O Catecismo Maior de Westminster, que favorece a definição de Herman
Bavinck de que a "dogmática é o sistema científico do conhecimento de Deus",
diz que as "Escrituras principalmente ensinam o que o homem deve crer a
respeito de Deus, e qual o dever que Deus requer do homem."1
A teologia é o produto final da obra dos teólogos ou da igreja na sua
capacidade de ensino. A teologia não é algo que recebemos de Deus. De Deus
recebemos a revelação. Contudo, para que conheçamos corretamente a sua
revelação, precisamos da sua graça iluminadora para fazer teologia.
A teologia, portanto, é simplesmente uma obra de homens porque ela é o
entendimento que eles têm da revelação divina. Esta deve ser o ponto de
partida dos teólogos. Uma teologia que não tem como ponto de partida a
revelação verbal de Deus, não é teologia no verdadeiro sentido da palavra,
porque o ponto de partida dela estará sempre no próprio homem.
O estudo de Deus sempre deve ter como ponto de partida as informações
que Deus dá de si mesmo. Se a teologia é formulada sem essa característica,
ela é apenas uma forma de naturalismo, de ideias humanas a respeito de
Alguém que os teólogos desconhecem.
1 Pergunta 5
Portanto, para que se formulemos uma teologia no verdadeiro sentido da
palavra, é necessário que tenhamos um padrão seguro de informação a ser
seguido. O teólogo deve começar sempre com a revelação. Num sentido bem
estrito, sem a revelação verbal não há a possibilidade de uma elaboração de
uma boa teologia. Ademais, o grande problema na formulação de teologia é a
concepção que o estudante tem da Escritura. Há um tipo muito comum de
esquizofrenia intelectual naqueles que aceitam a Escritura como revelação de
Deus, mas não aceitam o que a Escritura diz de si mesma.
É importante que os teólogos aceitem o que a Bíblia testifica de si mesma2
para que possam ter um padrão confiável de informação para a elaboração da
teologia. Se a Bíblia não é aceita pelos estudiosos dela como sendo a Palavra
inspirada de Deus, estes não a aceitam de fato e de verdade, apenas a
examinam com preconceitos em suas mentes que lhes dificulta o verdadeiro
ensino dela.
Entretanto, temos que reconhecer que não é fácil compreender a doutrina
da revelação e da inspiração da Escritura. Se não vemos a Escritura com as
lentes corretas, teremos muito mais dificuldade na elaboração da doutrina da
revelação. Existe a complexidade da sinergia que existe entre Deus e os
homens especialmente no registro da revelação (que é a inspiração) e na
própria revelação.
Sabemos que a revelação tem Deus como o grande autor, mas não
podemos nos esquecer de que ele se serviu de homens para que a sua
revelação fosse registrada e proclamada. Há, portanto, a participação divina e
humana na confecção da Escritura Sagrada, que cremos ser a revelação verbal
de Deus. Além disso, precisamos entender que a Escritura não é um
compêndio de Teologia Sistemática que responde todas as perguntas direta e
inequivocamente.
A interpretação da Escritura é um processo complexo que deve começar
com um estudo cuidadoso do texto. A teologia deve começar com a exegese,
utilizando o método gramático-histórico de hermenêutica. Então, examinando
um texto ou um livro particular da Escritura chegamos às conclusões da
chamada "Teologia Bíblica". A Teologia Sistemática não vem à existência até
que o teólogo tome a Teologia Bíblica e a examine como um todo na Escritura
vendo-a, inclusive, no contexto em que ele vive.
Um bom teólogo é aquele que trata cuidadosa e apropriadamente do
texto. Ao mesmo tempo, devemos ter em mente que o teólogo, mesmo que bom,
é um ser humano falível, que sempre reproduzirá os pensamentos infinitos de
Deus através de mentes e pensamentos finitos e, além disso, imperfeitos dos
homens.
A verdade fundamental é que sempre haveremos de ter uma revelação
perfeita, mas nunca uma perfeita teologia. Uma revelação absoluta, mas
nunca uma teologia absoluta. A teologia trata de verdades absolutas
registradas na Escritura, pois elas vêm da revelação de Deus, mas as
conclusões da teologia não são necessariamente absolutas.
2. O QUE É CIÊNCIA?
A ciência envolve um pensamento teórico e sua análise secundária. A
ciência envolve algumas coisas indispensáveis: um pesquisador, uma pessoa
humana, dirigindo sua função analítica, isto é, seu pensamento, sua reflexão,
seus poderes de análise, para um aspecto da realidade que ele teoricamente
abstraiu de uma realidade temporal em sua totalidade e unidade. Por meio de
sua capacidade de pensamento, o cientista abstrai este aspecto da totalidade
na qual ela é experimentada na vida de cada dia.
Uma ciência, contudo, diferentemente da experiência de cada dia, requer
uma análise secundária, um exame e um escrutínio mais profundos. O
pesquisador deve colocar debaixo de seu escrutínio o objeto de seu
conhecimento para um exame acurado, como o cientista faz quando coloca as
folhas de uma árvore num microscópio para conseguir todas as informações
possíveis sobre elas.
A pesquisa científica, como uma atividade erudita e disciplinada, requer
uma análise secundária criteriosa, onde os elementos sejam estudados
microscópica e telescopicamente, dependendo do objeto a ser estudado.
Expressando de uma maneira mais detalhada, uma ciência é caracterizada por
quatro coisas:
1) Um objeto real de estudo;
2) Os meios de estudo apropriados para aquele objeto;
3) Um procedimento sistemático para levar a cabo aquele estudo;
4) A verdade como a meta.3
Vejamos uma análise rápida de cada um desses pontos que nos ajuda a
entender o que é uma ciência:
a) Na elaboração de uma ciência precisamos ter um objeto real de
estudo
Por "um objeto real de estudo" deve ser entendido como "algo que existe
numa realidade objetiva, fora do cientista e de sua subjetividade".4 Não é
possível fazer um estudo sistemático de um objeto que não existe, ou que está
fora das avaliações normais de uma ciência. As coisas que não podem ser
mensuráveis, avaliáveis, examináveis, não podem ser objeto de estudo
científico, no sentido técnico do termo. Nesse sentido, Deus não pode ser
objeto de estudo, porque Deus não se encaixa nos padrões técnicos de uma
ciência.
b) Na elaboração de uma ciência precisamos ter os meios
apropriados para o estudo do objeto
Por "meios de estudo apropriados para aquele objeto", deve ser entendido
que devemos usar as ferramentas próprias para cada objeto a ser estudado.
Cada ciência tem os meios apropriados para o objeto a ser estudado.
3 H. O. J. Brown, "On Method and Means in Theology", Doing Theology in Today's World, edited by John Woodbridge,
(Zondervan, 1991), p. 154.
4 Ibid., p. 154.
Cada ciência tem os seus instrumentos (ou ferramentas) apropriados de
estudo: A Astronomia moderna exige, entre outros instrumentos, os grandes
telescópios para vasculhar as profundezas do universo; a Física exige
instrumentos precisos para averiguar as forças da natureza e como elas se
sustentam no universo; a Biologia e a Genética moderna exigem instrumentos
apuradíssimos para averiguar as profundezas especialmente dos micro-
organismos e das menores partes dos organismos vivos; e assim por diante.
Não é diferente com a teologia: esta também possui objetos de estudo
apropriados. Nenhum teólogo decente dispensa linguística, hermenêutica e
análise textual para interpretar corretamente as obras da natureza e da
revelação verbal. A Escritura é o objeto de estudo, e os vários departamentos
da teologia a fustigam para arrancar dela as verdades de que necessitamos.
Não podemos ter os mesmos instrumentos para todas as ciências, mas
todas elas devem usar ferramentas básicas de averiguação para que haja
crédito naquilo que se estuda.
c) Na elaboração de uma ciência precisamos ter um procedimento
sistemático para o estudo do objeto
Por "um procedimento sistemático", deve ser entendido o método, e não
somente as ferramentas, para o estudo de uma ciência. Todo conhecimento de
um determinado objeto deve ser sistemático, embora nem tudo que é
apresentado sistemática e ordenadamente deva ser chamado de ciência. Não é
a sistematização de um assunto que o torna científico, mas toda investigação
científica é sistemática.
d) Na elaboração de uma ciência precisamos ter a verdade como
meta no estudo do objeto
Por "verdade como meta", deve ser entendido que toda investigação
científica conduz a um alvo que, em última análise, deve ser a descoberta da
verdade. "Uma pesquisa que pretende provar uma ideia preconcebida não é
científica a menos que o pesquisador esteja preparado para abandonar os seus
preconceitos quando a evidência contra eles se acumula."5 Todos os
conhecimentos científicos começaram inicialmente com uma hipótese, até que
foram testados e provados. A validade de um experimento científico está no
teste. O cientista não deve impor as suas pressuposições às suas conclusões,
mas testá-las devidamente e, então, analisá-las com os métodos de avaliação
próprios até que elas sejam provadas verdadeiras, e a verdade venha à tona.
5 Ibid., p. 155.
fenomênico. As coisas do mundo fenomênico são verificáveis, mas não as do
mundo numênico. Logo, a teologia não pode ser uma ciência. Essa visão
permite o estudo da religiosidade, mas não de Deus.6
Entretanto, se tomamos como verdadeira a ideia de ciência fornecida
Harold Brown, e rapidamente analisada, podemos ver a teologia como sendo
uma ciência. Se teologia é uma ciência, teremos que aplicar os mesmos
princípios usados para a verificação de outras ciências a ela. Como ciência,
portanto, apliquemos mais demoradamente à teologia os mesmos quatro
princípios já analisados brevemente:
6 Nas universidades em geral há cursos de Ciências da Religião (que é o estudo do fenômeno da religião),
mas não cursos de Teologia que estudam o Deus das Escrituras, porque ele não é verificável
cientificamente, e também porque as Escrituras não são uma palavra confiável de Deus, apenas palavras
de homens.
7 Klooster, "How Reformed Theologians 'Do Theology' in Today's World", op. cit. p. 238.
Ele está muito acima do seu alcance pelo fato de sua natureza ser
infinitamente superior e inatingível pelo homem.
Se é assim, como se pode saber alguma coisa sobre Deus? Através da
Sua auto-revelação. Deus é auto-existente, não verificável em Si mesmo, mas é
um ser pessoal que se comunica e se torna acessível, deixando marcas na
história, sendo conhecível através de proposições revelacionais que estão
registradas na Escritura. Esta, sim, é o objeto da investigação do homem. O
homem estuda Deus mediante aquilo que Ele revela de Si mesmo. Portanto, a
teologia pode ser entendida como a "ciência da revelação" ou a "ciência da
Escritura."
Inversamente, dentro do estudo científico da teologia, o pesquisador está
debaixo do "objeto" investigado, porque o investigador depende dele nas
informações de que precisa. Nas outras ciências o pesquisador trabalha com
elementos que não têm resposta voluntária, mas somente reagem a estímulos
que são governados por leis naturais. Mas não é assim na pesquisa científica
da teologia. Nela, o pesquisador não tem controle sobre o "objeto" pesquisado
como acontece em outras ciências. Nesse sentido, a teologia é uma ciência
singular. O pesquisador tem que estar submisso às informações que Deus dá
de Si mesmo na Sua revelação, ficando dependente e sob a autoridade das
Escrituras.
A teologia está enormemente preocupada com o "aspecto pístico"8 que, via
de regra, deve estar vinculado à única fonte de revelação e autoridade que,
para os Reformados, é a Escritura, conforme está afirmado nos seus símbolos
confessionais.
c) O Método da Teologia
Não há como sistematizar se não há dados para a sistematização. Em
outras palavras, não podemos usar qualquer método para uma ciência se não
temos o "objeto" a ser estudado, nem temos os meios apropriados para estudá-
lo.
Tendo os dois primeiros critérios, podemos começar a aplicar o terceiro,
isto é, a sistematização dos dados recebidos. Não existe ciência sem a
11 Ibid., p. 160.
12 Corretamente Brown acrescenta: "Nós sabemos que é possivel para aqueles sem fé em Cristo examinar, discutir, e
mesmo dissecar os testemunhos e registros da vida, ministério e sua mensagem, e escrever volumes a respeito dele...e
a respeito da fé que outros têm nele. De fato, fazendo assim, um número sem conta de "teólogos" profissionais têm
espalhado dúvida e confusão entre os cristãos. Dessa forma, eles se têm confirmado em descrença na sua recusa em
crer no evangelho. Tal teologização profissional é um esforço essencialmente auto-enganoso." (p. 151)
13 Brown, op. cit. p. 149.