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ISSN: 0104-0707
texto&contexto@nfr.ufsc.br
Universidade Federal de Santa Catarina
Brasil
1
Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto III de Microbiologia Médica do Departamento de Microbiologia e Parasitologia do
Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina.
PALAVRAS-CHAVE: RESUMO: Este artigo aborda alguns aspectos do impacto da resistência bacteriana no contexto da
Infecção hospitalar. Resistên- infecção hospitalar. Alerta sobre o importante papel dos profissionais de saúde no controle da infec-
cia bacteriana a drogas. ção hospitalar e do grave problema do uso indiscriminado de antibióticos que tem provocado uma
Antibióticos. pressão seletiva sobre as bactérias do ambiente hospitalar tornando-as multiresistentes.
KEY WORDS: Hospital ABSTRACT: This article lays out some aspects of the impact of bacterial resistence in the context
infection. Antibiotics of hospital infection. It alerts to the important role of health care professionals in the control of
resistance in drugs. hospital infection and the grave problem of the indiscriminant use of antibiotics. These have
Antibiotics. produced a selective pressure upon bacteria in the hospital environment, making them multi-resistant.
PALABRAS CLAVE: RESUMEN: Este artículo aporta algunos aspectos sobre el impacto de la resistencia bacteriana en el
Infección hospitalar. contexto de la infección hospitalar. Alerta sobre el papel importante de los profissionais de la salud para
Resistencia bacteriana a las el control de la infección hospitalar y del grave problema del uso indiscriminado de los antibióticos que
drogas. Antibióticos. han generado una presión selectiva sobre las bacterias del ambiente hospitalario tornándolas
multiresistentes.
assustador, especialmente no ambiente hospitalar. fonte de infecções. Os hospitais são verdadeiras forta-
No Brasil, também, o panorama da resistência lezas das bactérias antibiótico-resistentes. O meio am-
bacteriana é preocupante, e o crescente surgimento de biente hospitalar alberga uma grande variedade de
novas amostras de bactérias resistentes nos hospitais microorganismos, especialmente bactérias. Muitos des-
brasileiros vêm causando preocupação entre os pro- tes agentes bacterianos, embora normalmente não
fissionais de saúde. Para um infectologista, brasileiro, patogênicos, são capazes de rapidamente sobrepuja-
o uso de antibióticos está diretamente relacionado a rem a baixa resistência dos pacientes imunodeprimidos
este aumento da incidência da resistência bacteriana18. e podem causar doenças infecciosas.
O uso inadequado de antibióticos aumenta o risco de O crescente interesse, em estudar e melhor ana-
seleção, de cepas bacterianas resistentes. lisar o problema da infecção hospitalar, está voltado,
Destaca-se que, entre 1990 a 1996, nos Estados principalmente, para o fenômeno das bactérias
Unidos, o Staphylococcus aureus foi o mais comum agente antibiótico-resistentes.
causador das infecções hospitalares, conforme relato Durante os anos de 1960 e 1980, um novo es-
do Sistema Nacional de Vigilância de Infecção Hospi- pectro de agentes microbianos, incluindo “bactérias
talar, daquele país, sendo o líder das pneumonias hos- Gram negativas”, despontou como importantes agen-
pitalares e das infecções de feridas cirúrgicas e é consi- tes causadores de infecção hospitalar.
derado a segunda causa de bacteriemias hospitalares6.
Mais recentemente, outros microorganismos
O problema da resistência do S. aureus à Gram positivos, como os Enterococcus, têm assumido
meticilina foi descrita pela primeira vez, nos anos 60,
uma papel relevante na infecção hospitalar. Enteroco-
tornando-se prevalente desde 1980. São endêmicos,
ccus-Vancomicina-Resistentes (EVR) foi pela primei-
em muitos hospitais, e mesmo epidêmicos em alguns,
ra vez detectado na Europa em 1988, e está emergin-
geralmente sendo resistentes, em 30%, de todas as in-
do como um problema global da saúde pública. Nos
fecções causadas por S. aureus19. Estas amostras resis-
Estados Unidos, a transmissão hospitalar por EVR
tentes de S. aureus à meticilina são denominadas de
de paciente para paciente tem sido enfatizado na gran-
MRSA (Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus).
deza de 3,7-1021.
Por enquanto, a vancomicina é a única droga que
Ao mesmo tempo, o marketing dos antibióticos,
pode consistentemente tratar S. aureus-resistente-à-
meticilina. Infelizmente, em 2000, no Japão já foram promovido principalmente pelas indústrias farmacêu-
isoladas, em um hospital pediátrico, algumas cepas de ticas, da venda destas drogas como eficazes para com-
S. aureus resistentes à vancomicina. bater infecções bacterianas prossegue aceleradamente
em todo o mundo. Assim, nas últimos anos, novos
Contudo, desde 1989, hospitais têm relatado um
antibióticos de amplo espectro têm sido introduzidos
rápido aumento da resistência à vancomicina no gêne-
na clínica médica.
ro Enterococcus20, uma bactéria Gram positiva, que tam-
bém causa infecção hospitalar. Até pouco tempo, a prolongada luta contra as
doenças infecciosas parecia estar, em parte, pratica-
Assim, a infecção hospitalar, que representa um
mente resolvida, pois as vacinas protegiam aproxima-
grave e relevante problema de saúde pública, requer
damente 8 de 10 crianças do mundo contra doenças
uma vigilância epidemiológica constante, rigorosa e
mortais (como, varíola, difteria, tétano, tuberculose) e
exige também uma atenção redobrada de todos os
a “droga milagrosa”, os antibióticos tratavam eficaz-
profissionais de saúde, da administração hospitalar, da
mente um grande número de doenças infecciosas. Com
Comissão de Controle de Infecção Hospitalar e do
efeito, essas medidas criaram, no meio médico, uma
Governo.
falsa sensação de segurança, assim, os médicos passa-
ram a usar o antibiótico de modo indiscriminado ou
O HOSPITAL COMO MEIO AMBIENTE
inadequado.
DA RESISTÊNCIA BACTERIANA
As doenças infecciosas ainda continuam sendo
É ingênuo acreditar que a única influência da a principal causa de mortalidade no mundo. Atual-
hospitalização sobre a doença é diminuir ou parar o mente, morrem vitimadas por doenças infecciosas 17
seu progresso. A internação do paciente, em um hos- milhões de pessoas, em sua maioria, crianças peque-
pital não é passaporte para a saúde. Muito pelo con- nas16.
trário, hospitais constituem uma forte e importante Para o infectologista do Hospital das Clínicas
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de São Paulo , infelizmente, a formação clínica de ente é imunodeprimido (subnutrição, AIDS, câncer,
alguns colegas médicos, de diversas especialidades, no uso de corticóides e antibióticos), possui maior pre-
que se refere à prescrição correta do uso de antibióti- disposição para adquirir infecção hospitalar. 3)
cos, é muito deficiente. Ressalta também que cerca de microorganismos que usualmente não são patogênicos,
50% a 60% dos medicamentos utilizados no ambien- são capazes de causar infecção hospitalar24. O autor
te hospitalar são antibióticos. Comenta, ainda, que esses completa dizendo que as infecções hospitalares ocor-
medicamentos são prescritos de forma excessiva e, rem, em parte, devido à prevalência de pacientes do-
muitas vezes, a escolha do grupo de antibióticos para entes e à presença de microorganismos patógenos que
aquela determinada infecção é inadequada. são amplamente selecionados, em cepas antibiótico-
O uso indiscriminado de antibióticos, na área resistentes no ambiente hospitalar.
médica, é um fato citado em diversos trabalhos naci- O uso indiscriminado dos antibióticos, para o
onais e internacionais6-7, 11, 20, 22. controle das infecções, carreiam com eles o risco de
Neste contexto, a resistência de microorganismos selecionar organismos resistentes, muitos dos quais não
aos antimicrobianos tem aumentado de maneira es- serão mais controlados, se causarem futuras infecções25.
petacular nas últimas décadas, com efeitos devastado- É o caso da Pseudomonas aeruginosa, bactérias-an-
res sobre a luta contra doenças, tais como, tuberculose tibiótico-resistentes, que têm aumentado dramatica-
(que recrudesceu com o advento da AIDS), cólera, mente, ao passo que outras consideradas no passado
desinteria bacilar, pneumonia e infecções hospitalares. inofensivas, como as bactérias que compõem a nossa
O mesmo se aplica a Salmonella, um dos principais flora normal (exemplo: Staphylococcus epidermidis), têm
agentes bacterianos causadores de infecções transmiti- sido agora causa de infecções hospitalares nestes re-
das por alimentos, e as bactérias enterocócicas que centes anos26.
provocam uma multiplicidade de complicações em A Serratia marcescens tem sido freqüentemente
pacientes hospitalizados. causa de infecções sendo isolada de várias fontes do
Assim, longe de estar acabada, a luta contra as meio ambiente hospitalar, entre elas soluções desinfe-
doenças infecciosas tona-se, agora, ainda mais severa tantes e anti-sépticos27. Ressalta-se que esta bactéria
e difícil, pois o uso indiscriminado de antibióticos tem pode apresentar resistência a estas soluções, normal-
aumentado consideravelmente o número de diferen- mente, são usadas nos hospitais como meio de con-
tes espécies bacterianas, resistentes aos antimicrobianos trole de microorganismos.
usados normalmente no comércio. Algumas infecções, Portanto, o ambiente hospitalar suporta a aqui-
como a causada pelo Mycobacterium tuberculosis, estão se sição de microorganismos patogênicos ou potencial-
tornando praticamente incuráveis ou intratáveis devi- mente patogênicos resistentes a antibióticos, compli-
do à resistência do mesmo aos antimicrobianos21. cando o tratamento da infecção causada pelos mes-
O meio hospitalar constitui um vasto e excelente mos.
habitat para bactérias adquirirem resistência aos Vários autores em seus artigos científicos publi-
antibióticos. De um modo geral, o paciente internado cados em todo o mundo e no Brasil referem-se à in-
está imunodeprimido e sujeito a diversas terapias, fecção hospitalar e alertam para o grave problema das
medicamentosas e/ou invasivas que o torna susceptí- bactérias-antibióticos-resistentes e o uso indiscriminado
vel a adquirir infecção hospitalar. Qualquer falha ou destes agentes nos hospitais, quer como profilático ou
negligência, dos profissionais de saúde, em relação as para controle das infecções7,10,12,17,25,28-30. A situação da
medidas de controle de infecção hospitalar (como a infecção hospitalar é mais séria agora, pelo aumento
lavagem das mãos), aumenta a chance de uma infec- do número de amostras bacterianas resistentes a anti-
ção hospitalar23. bióticos8.
Por isso alerta-se que os pacientes hospitaliza- Além da emergência de novas doenças infecci-
dos são usualmente de alto risco para adquirir infec- osas (Hantavírus, Ébola, AIDS), a saúde da coletivi-
ção hospitalar por diferentes fatores predisponentes, dade está ameaçada pelas bactérias que desenvolve-
ressaltam-se entre eles: 1) eles tendem a ser mais sus- ram resistência aos antibióticos, mais notadamente à
ceptíveis para a infecção por causa de sua condição de multi-resistência as drogas, como é o caso do
doente, e este risco aumenta quando eles são expostos Mycobacterium tuberculosis, Enterococcus sp. Staphylococcus sp.
a certos procedimentos invasivos (catéter venoso, e/ Pseudomonas sp.
ou urinário, endoscopia, traqueostomia.). 2) se o paci-
A emergência da resistência das bactérias aos
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A resistência bacteriana no contexto da infecção hospitalar - 69-
antibióticos tem sido exacerbada pelo uso gentemente, uma mudança consciente e radical no
indiscriminado e pela morosidade no desenvolvimento comportamento e de atitudes de todos os profissio-
de novos antibióticos22. nais de saúde, do consumidor (paciente), dos pesqui-
Entre o impacto e as conseqüências do uso sadores, dos empresários das industrias farmacêutica,
indiscriminado dos antibióticos destacam-se: seleção da administração hospitalar e do próprio governo e
de cepas de bactérias resistentes, implicações ecológi- de muitos outros envolvidos no processo do controle
cas e epidemiológicas, risco de super infecções, maior da resistência bacteriana no contexto da infecção hos-
incidência de efeitos colaterais, e, o mais importante, o pitalar.
elevado número de óbitos resultantes daquelas infec- O fenômeno da resistência bacteriana não é um
ções. problema individual, mas coletivo e mundial.
É neste contexto que se incorpora bem o O impacto da resistência bacteriana aos antibió-
pensamento: nós usualmente pensamos nos hospitais ticos representa uma ameaça para a continuidade da
como locais onde as doenças são tratadas, não lugares vida humana no planeta terra.
onde nós adquirimos doenças30. O cuidar da vida presente e futura da humani-
dade, é uma obrigação de todos mas, particularmen-
REFLEXÕES FINAIS te, dos profissionais de saúde (médicos e enfermei-
ros) que têm a vida de seus pacientes em suas próprias
A visão geral abordada, neste artigo, sobre os mãos.
perigos inerentes à hospitalização e o impacto da
resistencia bacteriana no contexto da infecção hospi-
REFERÊNCIAS
talar, evidência o importante papel dos profissionais
de saúde, especialmente médicos e enfermeiros, no 1 Peccei A. Cem páginas para o futuro. Brasília: Ed. da
controle da infecção hospitalar e da co-participação Universidade de Brasília; 1981.
responsável dos mesmos no intuito de minimizar a 2 Casadevall A. Antibody-based therapies for emerging
emergência de novas cepas de bactérias antibiótico- infectious diseases. Emerg Infect Dis 1996; 2(3):200-8.
resistentes.
3 Lemonick MD. The killers all around. TIME 1994 Sept;
Cabe aos profissionais de saúde refletirem so- 144(11):34-41.
bre as graves conseqüências do uso indiscriminado de
antibióticos e da importância da necessidade de se 4 Richet HM. Better antimicrobial resistance surveillance efforts
are needed. ASM News 2001 Jun; 67(6):304-9.
adotar, rigorosamente, as medidas de assepsia para o
controle de infecção hospitalar. 5 Servolo de Medeiros EA. Prescrição de antibióticos no Brasil
é inadequada. Amplo Espectro 2001 Ago; 6(1): 6-9.
Infecção hospitalar controlada, resistência
bacteriana diminuída! 6 Santos NQ. O uso indiscriminado de antibióticos na ecologia
Não havendo, pois, casos de infecção hospita- das bactérias-antibiótico-resistentes associadas à
problemática da infecção hospitalar: conhecimento e prática
lar, não há necessidade do uso de antibióticos para
de profissionais de saúde, a luz da ética da responsabilidade
tratá-la, diminuindo a pressão seletiva sobre as bacté- de Hans Jonas [tese].Florianópolis (SC): Programa de Pós-
rias do ambiente hospitalar e dos pacientes. Graduação em Enfermagem/ UFSC; 2002.
Os importantes avanços, conhecidos até hoje, 7 Santos NQ. Infecção hospitalar: uma reflexão histórico-crítica.
para o controle total de doenças infeciosas têm sido Florianópolis: Editora da UFSC; 1997.
através de imunizações, dos cuidados de higiene ou
de medidas de assepsia, particularmente, a lavagem 8 Weinstein RA. Controlling antimicrobial resistance in
hospitals: infection control and use of antibiotics. Emerg
das mãos.
Infect Dis 2001; 7(2):188-92.
Logo, é necessário conscientizar os profissionais
9 Pelczar Jr MJ, Chan ECS, Krieg NR. Microbiology: concepts
de saúde para que os mesmos venham adotar, com
and aplications. New York: Mcgraw - Hill; 1993.
responsabilidade, na sua prática assistencial, as princi-
pais medidas básicas para o controle das infecções 10 Weinstein RA. Controlling antimicrobial resistance in
hospitalares e também, quando for o caso, estimulá- hospitals: infection control and use of antibiotics. Emerg
los a prática do uso prudente de antibióticos. Infect Dis 2001; 7(2):1888-92.
Então, há uma necessidade de que ocorra, ur- 11 Burton Gwendolyn RW. Microbiology for the health