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CELSO FURTADO

BRASIL
A construção interro,npida

2ªedição

EB
PAZ E TERRA
© Celso Furtado
Preparação Ana Maria Barbosa
Revisão Ana Lúcia Rodrigues
Capa Pinky Wainer

'
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro)
INDICE

Furtado, Celso, 1920


Brasil: a construção interrompida/ Celso Furtado.
- Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
1. Brasil - Condições econômicas 2. Brasil - Política econômica
3. Desenvolvimento econômico 4. História econômica - Século 20
5. Relações econômicas internacionais I. Título. Nota justificativa 9

I. A ordem mundial emergente e o Brasil II


92-1656 CDD-338.981
II. A armadilha histórica do subdesenvolvimento 37
III. Retomo à visão global de Prebisch 61
Índices para catálogos sistemático:
1. Brasil: Desenvolvimento econômico: Produção 338.981 IV. A nova concepção do desenvolvimento 73
2. Brasil: Política econômica: Produção 338.981
V. O fim da guerra fria 81

Direitos adquiridos pela


EDITORA PAZ E TERRAS.A.
Rua do Triunfo, 177
01212 - São Paulo - SP
Tel.: (011) 223-6522
Rua São José, 90 - l e andar - cj 1111
200 lO - Rio de Janeiro - RJ
Tel.: (021) 2214066

Conselho Editorial
Antonio Candido
Fernando Gasparian
Fernando Henrique Cardoso

1992
Impresso no Brasilj Printed in Brazil
NOTA JUSTIFICATIVA

As páginas reunidas neste pequeno livro refletem todas,


em graus diverso~ o sentimento deaggústia gerado ~las in-
___c~r:tt:~as. quepairar11 sol:lre () futllro g9I311isJLRelutei em pô-
Jas a9 aka11ce ele .lllll piíblic9 J11aior, q11e trags.c~11ci_e Qê_ cír~
_. losuniversitários, mas decidi-me_~or asst1mir o risco, pois há
-momentos na vida dos povos em que a falta mais grave dos
membros da intelligentsia é a omissão. A ofensiva que visa a
vacinar a nova geração contra todo pensamento social que não
seja inspirado na lógica dos mercados - portanto, vazio de
visão histórica - já convenceu a grande maioria da inocuidade.
de toda tentativa de resistência. Interrompida a construção de
um sistema econômico nacional, o papel dos líderes atuais seria
o de liquidatários do projeto de desenvolvimto que cimentoJJ.....__
a unidade do país e nos abriu uma graude opção histórica.
Re.sístir à visão 1deqJóg1ca dommanty seria um gesto gui-
xotew, __9.11e _servíria apenas 2ara suscitar o riso da platéia,
quandonão odesprezo de seu si_lêncio. Mas como desconhe-
cer que há situações históricas tão imprevistas que requerem a
pureza de alma de um Dom Quixote para enfrentá-las com
alguma lucidez? E .como a História ainda não tenninou, ninguém
pode estar seguro de,.quem será o último a rir OJJ..a..chm:ar
Maio de 1992
Celso Furtado

9

1 .

..AQRDEM MUNDIAL EMERGENTE


E O BRASIL

DESARTICULAÇÃO DO SISTEMA ECONÔMICO


tjACIONAL

Quando escrevi Formação econômica do Brasil, já lá se'


vão alguns decênios, afirmei em seu capítulo final que a in-
dustrialização, ao articular em um sistema econômico regiões
que antes se vinculavam de preferêiiciá com o exterior, contri-
' buíra de forma decisiva para consoJic!_araforrnaçãOnacionaL
de nosso país.
_Não .me escllpava que. o elevado dinami~mo da economia __
_ brasileira,apartirda GrandeDepressãodosanos_}O - dina-,
_n1is1TI_oq~e12.orsua duração não teve paraleloI1a-V<l§§_Q~riferia
_.Q<l_l11Ulld<J capitalista=· era em gran,de garte fruto do processo
, de reajustes nas relações entre economias regionais envolvendo
jmportantes migmções demográficas internas, transferências de
_recursos fmanceiros e de capacidade para importar, e também
. ac<11Tetandoconcentração de renda, tanto no plano espacial como
no funcional.
an,\]ise
. Á. corrente do desenvolvinlento econômico, ao tra-
balhar com conceitos derivados do comportamento de siste-
mas mais homogêneos e integrados do que o nosso, não
permite captar as peculiaridades de um país de dinlegsões conti-
nentais com segmentos formados em épocas e condições his-

11

, tóJicas distint:a,s. No final dos anos 50, quando me detive no ves injustiças sociais, mas é verdade também que contribuiu
estudo da problemática do Nordeste, chamei a atenção para o de forma decisiva para ele o comportamento da economia in-
. fato de que a região mais pobre do país transferia para a mais ternacional. Ora, esse comportameritO sofreu profundã mõdilica-
rica - esta, em processo de rápida industrialização - o re- ção com a transnacionalização das empresas--e a orientação tomada
curso econômico mais escasso e mais estratégico do ponto de pelo progresso tecnológico.
vista do desenvolvimento econômico: a capacidade para im- Na lógica da ordem econômica internacional emergente
portar. E também assinalei que o salário pago à massa da parece ser relativamente modesta a taxa de crescimento· que
população trabalhadora não acompanhava o aumento da pro- corresponde ao Brasil Sendo assim, a processa de fo:nnàçãa
dutividade nas atividades industriais, em razão da formidável de um sistema econômico já não se inscreve naturalmente em
reserva de mão-de-obra disponível nas regiões mais pobres, a nosso destino nacional. O desafio que se coloca à presente
qual fora ganhando mobilidade geográfica com a integração geração é, portanto, duplo: o de reformar asestruturas anac;rô-
do sistema de transportes. nicas que pesam sobre a sociedade e comprOmeiem sua ~sgt-_
. O que permitia aos brasileiros conviver com as gritantes bilidade, e o de resistir às forças que operam no sentido de
injustiças sociais era o inte11sodinamismo da economia. Mui; desarticulação do nosso sistema econô1TI1co, ameaçando a um-
. tos observadores (inseridos nos segmentos sociais privilegia- dade nacional. -·- - · ··········· ·· ··· ·
, dos, evidentemente) descobriam nesse dinamismo uma fonte
de legitimidade para um sistema de poder que gerava tantas
in·usti' as. Outros entre os uai_s me incl_l!()) consideravam A LÓGICA AMBÍGUA DA CRISE
que o 12re<;;o social_ gue estava seu o pago pe o esenvo v1~
mento era exorbitantemente elevado, e sua razão de ser estava . Já não se desconhece a necessidade dê partir de uma visão
·_ na obstinada resistência da aliança de interessef!,,,ohgárqmcos global das transformações em curso nas relações econômicas
à introdução de reformas modernizadoras das estruturas. Mas, internacionais para captar o sentido da crise que atravessa-
pelo menos sobre um ponto, havia consenso: mterromper o mos. Ora, para chegar a essa visão global faz-se necessário
crescimento econômico não contribuiria senão para agravar os entender as profundas mudanças estruturais provocadas pela
prol;)lemas sociais. transnacionalização das empresas, em particufar nos setores
O desafio que se coloca atualmente aos que dirigem o da informação, financeiro e monetário, assim como captar a
. país consiste em encontrar uma forma de legitimidade para a significação do novo recorte geográfico na ordenação das ati-
ordem social existente, sem o que a estabilidade instituc10- vidades econômicas. A iniciativa norte-americana de moota-
nal estará ameaçada, num quadro de estagnação econômica ·gem, há alguns anos, de um sistema de poder trilateral valeu
prolongada como reconhecimento de que a era da hegemonia unipolar
Ninguém de bom senso conta com a po.ssibilidade de re- estava encerradª,, O atual Grupo das Sete Grandes Potências
torno às elevadas e persistentes taxas de crescimento do pas- se inscreve no mesmo quadro evolutivo.
sado, mesmo considerando o amortecimento da expansão de- Em conferência pronunciada em janeiro de 1983, em São
mográfica., É certo que o dinamismo do p~ssado teve muito Paulo, 1 referi-me ao essencial do problema, que, já então, era
que ver com um modelo de desenvolvimento,--,--...
fundado em gra- a mudança estrutural do sistema econômico internacional:
. - ·--·--·---

12 13
-rcÍfi~ /fffi'ftrtt:W do PI«~ í?'C/(?&7!aij ~#<dfiá(c,
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Vivemos atualmente uma dessas fases da história em que o Mas ocorre que o dólar não é apenas uma moeda nacional.
grau de incerteza com respeito ao futuro passa a cota de tolerância, Também é uma moeda veicular internacional e a moeda-reserva pre-
pondo em risco a coesão social e tornando particularmente difícil a ferida pelos bancos centrais e as empresas que atuam internacional-
tarefa de governar Em primeiro lugar, sofremos as conseqüências de menteefra portanto de esperar que a demanda de dólares fora dos
pm desajuste estrutural global, decorrente da rápida intefITação dos •. Estados Unidos viesse a crescer consideravelmente com a rápida ex-
mercados nacionais, ocorrida no período de intenso crescimento com- . pansão do comércio internacional e com a tywsnacionalização de
preendido entre o fim do segundo conflito mundial e a primeira me- um crescente número de empresas. Essa demanda internacional de
- tade dos anos 70. Em segundo lugar, enfrentamos uma crise finan- dólares teria que pesar no sentido de sobrevalorizar essa moeda
ceira internacional, mais precisamente uma crise do sistema bancário
privado internacional, que se expandiu de forma inusitada e fora de Dada a natureza das vinculações externas da economia dos
qualquer disciplina e controle a partir de fins dos anos 60. Por úl- Estados Unidos, toda tentativa de expansão da demanda interna com
.. , timo, e nos dizendo respeito mais diretamente, está o descomunal instrumentos monetários e fiscais agrava o desequilíbrio da balança
processo de endividamento externo dos países do Terceiro Mundo, o de pagamentos e, se os mesmos instrumentos são utilizados para
qual veio aprofundar a situação de dependência que os aflige. reverter o processo, faz-se sentir de imediato pressão no mercado
fmanceiro internacional, em decorrência da redução da oferta de dó-
O processo de integração dos men;a_d()s.p~cjq11ais -proc~.sso lan;i) Os bancos centrais de outros países, preocupados em defender·
,que operou como__mincipal motor dofqrte.ctesciµiento . .-d~-P~ri9d0
1948-73 ---;- não conduziu propriamente à fo~o de um. si~te~,;-
~cgnômico global e sim, a um coníunto de grandes subsisteffi3s
c11jas relacões müt11as eSWQJPJJg$zttje_ êet:_simétri~~-s....Aatnpfiti1ded:
intemção pode ser aferida pelo fato de gue o intercâmbio comercia]
' as respectivas moedas, aplicam políticas restritivas, o qne reduz a
demanda de importações provenientes dos Estados Unidos, contri-
buindo para intensificar a recessão nesse país. A verdade é que fez-
se cada vez mais dificil implementar uma política de criação de
emprego com meios tradicionais, nos Estados Unidos, sem pôr em
entre as economias çapjta1istas desenvolvidas cresceu com intensidade t'narcha um processo de expansão da liquidez internacional com am-
, duas vezes maior do que o produto agregado dessas economias. _J Pias projeções inflacionárias nos demais países industrializados. A
infégTação dos mercados financerros tomou cada vez mais d1hctl
O processo de integração dos mercados assumiu formas diver- para estes últimos países aplicar uma política monetária autônoma
sas. Assim, a economia dos Estados Unidos avançou pelo caminho ·qtfê não seja de caráter recessivo .
.da. integração'. descentralizando parte de seu sistema de produção, ou
, se1a, transnac1onahzando suas grandes empresas. A contrapartida da As insuficiências do aparelho institucional de coordenaçãoe,_,_
alta rentabilidade proporcionada pela transnacionalização consistiu controle:dos circuitos comerciais, monetários e financeiros, e as dis-
.. em que os investimentos c:lentro dos Estados J]nidos fizeram-se simetrias nas relações entre os três grandes blocos que formam o
r menos atrativos: a produtividade crescia relativamente menos nesse, • sistema capitalista atual são os principais ingredíentes· da· cdse· gló-
país ·e a competitividade internacional de sua economia declinava, A bal que atravessamos. Toda tentativa de _r~animar a atividade econô-
tudo isso cabe acrescentar que as empresas norte-americanas insta- . ., mica pelos meios tradicionais tende a agravar as tensões, abrindo
ladas no exterior davam origem a um fluxo de'"'exportações privile- caminho à inflação e/ou à recessão. Alguns especialistas têm emitido
giadas para as suas matrizes ou simplesmente competiam com van- a opinião de que um certo grau de coordenação das políticas mone-
tagem no mercado interno do país. tárias e fiscais das grandes nações industrializadas seria suficien_te
para compatibilizar a absorção do desemprego com a manutenção dos
equilíbrios. Mas seria isso suficiente? As diferenças de comportamento

•· ;,0y/ , f'/~"'Ç, <7, t?./} À <7f}M-</Ú& /';;,d/,fv<íd??~,


14 , ti:df1 ?ttlff/'?j '71c?J /t'ftcJ>.J.} f?11rf' ev 3 ÁÉ6<'v7
que decorrem das formas diversas como se deu a integração dos na montagem de um quadro institucional que se incline a ope-
mercados continuariam de pé. A tendência à baixa relativa de produ- rar sem demasiados atritos uma multipolaridade de contornos
tividade da economia norte-americana não estaria corrigida. Tam- ainda incertos.
pouco a pressão no sentido da agravação do desequilíbrio em conta No correr dos anos 80 os Estados Unido~ ~ntrª'°ªrnJ·:rn_
corrente poderá desaparecer enquanto o dólar mailtiv;= sua situação processo de endividamento externo e de desordem fiscal, ao
de privilégio. ·
mesmo tempo que perdiam a liderança tecnológica em frentes
Existe evidência de que a estrutura atual não permite compati-
• estratégicas e que a sociedade norte-americana se instalava
bilizar uma taxa de crescimento capaz de absorver o deseffiprego em hábitos de endividamento que a mcapacitaiaiii_~éj~·erâr_
,com o necessário equilíbrio. A verdade é que a atual recessão não é a poupança de que necessitav.jl para financiar sua simples
,simples fruto do acaso. Ela reflete certa opção política, na medida reprodução.
em que resulta da incapacidade que demonstraram os governos de Quando nos referimos a uma multipolaridade, estamos
escolher entre introduzir efetivas reformas no sistema de controle e tentando captai:, o desenho do novo sistema de poder decor-,
coordenação <las trallsãÇõeS--illternacionais e retrOCecter no processo . rente do debilitamento dos atuais centros nacionais e da emer-
de integração para instalar-se num protecionismo de grand~ª- bloco;~-., gência e consolidação das estruturas de poder transnacionais.
Sabemos que o Estado nacional, que qesde o século XVIII se
Assim, há um decênio já se fizera perfeitam--;te c!aro definiu como principal agente na ordenação das atividades eco-
que vivemos não exatamente uma crise, no conceito que lhe nômicas, está perdendo, de uma ou outra forma, muitas de
emprestam os economistas, mas uma complexa transição l)S- suas funções mais relevantes. A evolução1nstitucional d o s ~
. tmtnra) com reacomodações nas relações entre os centros de tados Unidos de alguma maneira antecipou esse processQ, ·-··
poder. tanto de natureza econômica como política. donde a importância de observar detidamente o que ocorre
nesse país. A mundialização dos processos econômicos norte-
americanos prefigura o quadro institucional a que se propende
O CAMINHO DA MULTIPOLARIDADE atualmente.
, Aprendemos com a experiência dos anos 80 - cóm sua A transi ão ara uma nova ordena ão econômica mun-
falsa prosperidade fundada na degradação sem precedentes dos dia assumiu iniciahnente a forma de grandes transferências
termos de intercâmbio dos países exportadores.de produtos de recursos em benefic10 de certas areas onde o quadro mst1-
. primários, numa exorbitante elevação das taxas de iuros, gue- - tucional oferece menos resistências à inovação, à concentração
fez crescer desmedidamente as dívidas dos países do Terccir.o_ 6 do poder de decisão, e também à destruição de valores culturais

. Mundo, e em vastas transferências de recursos financeirospara ___ _ do passado e do patrimônio natural. Ao ganhar abrangência, o.,.
os Estados Unidos - que a transição para uma ordem econô- progresso agravou sua tendência concentradora:
mica multipolar não se realizará sem acidentes. ·- .,.se obseryannos a economia dos Estados ünTdos, vemos
Com efeito, a tutela norte-americana, legitimada pela que ela apresenta um quadro de debilitamento inst@<::i9nªl, a .....
guerra fria - exercício de política internacional sem qualquer ponto de tomar-se quase ingovernável. Ora, coincide c_QULe.s.s.a.s
fundamento racional a que se prestou a defunta União Sovié- - mutacões um formidável afluxo de recursos externo_s, Dªº-5.º=---
tica - , entrou em franco declínio sem que se haja avançado mente financeiros mas também tecnológicos e gerenciais. A

16 17
_ lógica dos amplos ajustamentos em curso só a captmno~ se temos • importa assinalar é que a coerência sistémica declina, invali..
em conta o processo de globalização em escala planetária do dando os instrumentos clássicos de govemabilidade. "
qual essa economia éavanggarda.
Um cálculo - feito pelo World Institute for Development
Economics Research, da Universidade das Nações Unidas, re- _A METAMORFOSE DA ECONOMIA DOS
ferente ao último ano do decênio de 80, indica que do fluxo ESTADOS UNIDOS
líquido de capitais transferidos em escala mundial, fluxo esse
que alcançou 154 bilhões de dólares, cerca de 80 % se dirigi- Há múltiplos indícios de que se operam nos Estados Uni-
ram para os pstados Unidos. dos transformações estruturais cujo alcance ainda não pode
. Ora, a taxà de poupança líquida desse país declinou con- ser aferido, Em todo caso, é certo que já não cabe observar a
sideravelmente, sendo essa, aliás, uma das principais causas realidade norte-americana a artir de referências conceituais
do desequilíbrio da economia mundial. A taxa de poupança que nos vêm da macroeconomia convenc10na . ão mmtas as
norte-americana nos anos 80 reduziu-se a menos da metade de empresas norte-americanas cujo campo de operação se situa
seus valores históricos observados no período 1950-80, sendo pnnqpalmente fora do território do país, pautando-se seu com-
menos de um terço da média dos países da OCDE e menos de portamento por uma lógica que transcende o âmbito nacional.
um quarto da taxa japonesa. Por outro lado,,os investimentos gue ali se efetivam, em parte
O extraordinário endividamento, tanto do governo como da muito significativa, são financiados com recursos captados por -
população, retirou toda eficácia aos instrumentos de política mo- agentes nacionais ou estrangeiros, domiciliados no exterior.
netária. Assim, as baixas recentes das taxas de juro administradas Explica-se, assim, que o_ declínio da taxa de poupança não
pela Reserva Federal reduziram o interesse dos credores exter- haja modificado na mesh!a dimensão o volume dos investi-
ó nos, particulannente japoneses, pelos bônus do governo, e pouca
- mentos. A acentuada tendência ao endividamento dos agentes
_consumidores não se explica sem ter em conta a situação pri-
influência tiveram sobre a propensão a investir das empresas ri-
vilegiada que ocupa a sociedade norte-americana na ordem
vadas, que preferiram seguir uma
mundial. O fato de poder emitir uma moeda fiduciária com
sivo endividan1ento,
poder liberatório mundial e títulos que são retidos por todos
Os dados disponíveis deixam claro que é o declíniÕ da
os países como reserva de câmbio abre à sua economia linhas
poupança, e não o aumento dos investimentos, que está por-.
de crédito a custo praticamente nulo, que se estimam atual
trás do considerável crescimento do endividamento externo
mente em cerca de 400 bilhões de dólares.
norte-americano. Com efeit<;, a taxa de investimento líquido
,As disparidades no custo da mão-de-obra estão na base
,.quanto ao produto declinou sensivelmente nos anos 80, com .do amplo processo _de locaHzação no exterior de fração cres- _
relação aos dois decênios antenores. Daí o mus1tado cresci- , cente de empresas mdustna1s norte-americanas desde inícios _
mento da dívida externa.
Esses desajustamentos refletem um complexo processo
·- dos anos 70. Por essa época, o salário médio mensal do traba-
.Jhador atingia 1.220 dólares. Ora, em Taiwan, ele se situava
de abertura externa, que inclui ampla localização no exterior -
da atividade das empresas norte-americanas e uma não menos -
-ªº redor de 45 dólares, na Coréia do Sul, não passava de 68
...dólares: em Cingapura, de 60, e em Hong-Kong. de 82 dóla-
ampla implantação, no país, de empresas estrangeiras. O que ' res. A luta para utilizar a mão-de-obra barata do Sudeste asiá-

18 19
.,tico passou a ser a frente mais dinâmica dos i~vestimentos das gem em grande medida a terceiros países, entre os quais apa-
multinaéionais norte-americanas. Em confonmdade com as se- rece, em primeiro lugar, o mercado norte-americauo .
. ções 806/807 dá lei de tárifas dos Estados Unidos, estão 1sen- · ··. Os fluxos de capitais constituem uma boa indicação das
tas de impostos as partes dos produtos que reingressarem nesse modificações estruturais em curso na economia mundial, em
país, limitando-se a incidência tributária ao valor adiciona~o particular da forma como nesta se entrosa a economia norte-
no estrangeiro, ou seja, essencialmente aos custos salana1s. americana. No período 1983-89, a inversão estrangeira direta
Graças a essas facilidades, o valor das importações chamadas nos Estados Unidos duplicou a inversão direta norte-ameri-
de "806/807" subiu entre o final dos anos 60 e o dos anos 80 cana no estrangeiro. E, ainda assim, isso não representou mais
de rrienos de 1 bilhão para 40 bilhões de dólares. do que 30 % das entradas globais de capitais nesse país.
Nas· palavras de um estudioso· dá mátéria: "Enquanto a Até 1982, os Estados Unidos eram exportadores líquidos
taxa de lucro dos investimentos americanos em 1984 era na., de capitais; ora, no período 1983-88, passaram a absorver uma
Europa de 4,3 %, e na América Latina, de 7,2 %, na Ásia média anual de 45 bilhões de dólares, provenientes da Comu-
alcançou 14 %, sendo de 21,8 % em Taiwan, e ainda mais alta nidade Econômica Européia, e de 39,9 bilhões de dólares pro-
2
em Cingapura e na Coréia do Sul". venientes do Japão.
Os investimentos diretos das firmas multinacionais vêm O entrosamento da economia norte-americana com o ex-
sendo substituídos com vantagem por formas ~ariadas de sub- terior adquire complexidade crescente, sem que seja previsível
contratação, dentro de especificações técnicas rigorosas, con- o que resµltará dessa mudança. Em 1988, as empresas norte-
servando o produto final a marca de fábrica original. Assim, americanas localizadas no exterior realizaram vendas, nos mer-
firmas cómo a Sears, Hewlett-Packard, Texas Instruments, IBM . cados locais, num montante de 607 bilhões de dólares. e nos
· e General Electric dominam as exportações de Taiwan, sendo mercados de terceiros países, no valor de 220 bilhões, totali-
· a última delas o maior exportador do país. Daí que um obser- zando essas cifras 827 bilhões de dólares. No mesmo ano, as
vador se haja referido a essa ilha como sendo uma "coleção empresas estrangeiras operando nos Estados Unidos efetua-
de subcontratistas internacionais orientados para o mercado ram vendas de 794 bilhões de dólares e compras locais de 558 ·
. " 3
norte-amencano . bilhões de dólares. As empresas estrangeiras operando no mer-
As chamadas zonas de processamento de exportações, ins- cado norte-americano contribuiram para o déficit desse país
taladas na Córéia do Sul, em Taiwan, nas Filipinas e em ou- · com 60 bilhões de exportações e 150 bilhões de importações.
tros países do Sudeste asiático são um conjunto de facilidades · Tidas em conta as operações globais das empresas transnacio-
destinadas a atrair empresas multinacionais. Pelas conces_sões nais (vendas nos mercados interno e externo e operações in-
que .oferecem em todos os planos, inclusive no jurídico ~ no. trafirmas), o déficit comercial dos Estados Unidos reduz-se a
que respeita à política salarial, essas zonas podem ser assnm- menos da metade. Portanto, a economia norte-americana já
ladas aos sistemas de "capitulações" do passado. Bom exemplo não deve ser vista como um sistema econômico nacional, cujo
da dispersão dos investimentos é o automóvel produzido pela_ comportamento pode ser apreendido com os meios de análise
empresa japonesa Mitsubishi, com partes manufaturadas em_ tradicionais. Com efeito, o faturamento das empresas norte-
Cincrapura, na Malásia e nas Filipinas, e com motor prove- americanas no exterior alcançou, em 1988, 827 bilhões de dóla-
nie;e do Japão. Os produtos dessa diáspora industrial se diri- res, superando o valor global do comércio exterior (exportações~

20 21
, importações), o qual atingiu nesse ano 765 bilhões de dólares. zonte transnacional e o Estado se financia no exterior. Em tais
,. O comércio intrafirmas respondeu por mais de 47 % das ex- circunstâncias, a estabilidade cambial e monetária em geral
4
• portações e mais de 50 % das importacões. ganha primazia sobre as demais dimensões da política econô-
Se as transformações em curso na estrutura da economia mica, o que explica o elevado nível de desemprego crônico.
mundial estão acarretando autêntica metamorfose na dos Esta- Já nos anos 60, a taxa de poupança líquida nos Estados
dos Unidos, não menos significativo é o processo de margina- Unidos correspondia à metade da taxa da Alemanha e apenas
lização das economias do Terceiro Mundo, conforme se com- a 40 % da do Japão. Nos anos 80, a taxa norte-americana
prova no quadro seguinte, preparado com dados do MITI estava reduzida a menos de 40 % da alemã e a menos da
japonês. quinta parte da japonesa.
Certo: a propensão a poupar declinou substancialmente
Fluxo de inversões estrangeiras diretas em Íodos os países de elevado nível de vida. Assim, a percent-
(em bilhões de dólares)
i 1 1975-79 1 1980-84 1985 1989 1
. ~~ea~o~ª7~e~t:fi:f1-0~v~~~d~}~d%pp~iâ i~n~~~ Ia~i;,~~~i-
IPaíses desenvolvidos 1 21,0 1
36,9 95,9 161,2 ' 15 % para 12 % na Alemanha. Nos Estados Unidos, a baixa
i Países subdesenvolvidos 1 6,6 1 16,4 12,5 18,1 1 foi de 1O % para menos de 5 % .
• Nesse contexto de globalização. as relações comerciais
. dos Estados Unidos com a América Latina perderam impor-
O incremento no fluxo de inversões diretas para os paí-
ses subdesenvolvidos esteve constituído, em sua quase totali- ; tância relativa para o país do Norte e se fizeram mais dissimé-
dade, por aplicações nos países recentemente industrializados tricas. Nos anos 80, sua participação nas exportações latino-
do Sudeste asiático. americanas cresceu de 42 % para 52 %. Por outro lado, as
" Com efeito: os fluxos comerciais traduzem cada vez mais o .. 1mpÜrtaçõês prüveníeritêsOõsEsfaciôsOn!Oós pãssarãm âê4J-
,intercâmbio entre paises desenvolvidos, cujas economias se entro-_ ..-r,(o para 57 %. Ora, a parcela da America Latina no conjunto
sam~1em}?llte. Assnn, a sua participação nas importações das importações norte-americanas baixou de 15 % para 1O %,
japonesas passou de 32 para 50 %, nas importações dos Estados e no 'destino das exportações dos Estados Unidos, de 18 %
Unidos, de 51 para 64 %, e nas da CEE, de 74 para 84 %. para 14 %. No mesmo período, a participação do Japão nas
Esse progressivo entrelaçamento das economias desen- importações norte-americanas subiu de 13 % para 21 %.
volvidas pode ser observado em um país como a França, até . A tese de que a simples criação de facilidades nos merca-
recentemente preocupada em preservar um grau elevado de dos latino-americanos às exportações dos Estados Unidos po-
autonomia de decisão em setores produtivos estratégicos, e derá restituir dinamismo às economias do Sul ainda está por
que mantivera ainda há pouco um elaborado regime de con- ser demonstrada. A verdade é que a tarifa aduaneira média
trole dos fluxos financeiros externos. Em 1990, as empresas ponderada que se aplica atualmente nos Estados Unidos aos
francesas investiram no exterior cerca de 30 bilhões de dóla- produtos provenientes da América Latina já é extremamente
res, ao mesmo tempo que entravam no país recursos (princi- reduzida, não excedendo 2 %. E as barreiras não-convencio- ,
palmente sob a forma de subscrição de obrigações do Estado) nais não podem ser eliminadas fora de entendimentos multila-
num montante ainda maior: as empresas investem no hori- . terais que transcendam o âmbito regional. É o caso das cotas,, .

22 23
de importação aplicadas a produtos como o açúcar, os tecidos, · mico são uma característica do subdesenvolvimento, a qual
o aço, o algodão, os lácteos, entre outros. • surge nítida nos países de grande extensão territorial.
O problema da perda de govemabilidade se apresenta com
maior gravidade nos sistemas econômicos ainda em forma-.
A PERDA DE GOVERNABILIDADE ção, como são os países subdesenvolvidos. Nada é tão impor-
tante para assegurar a govemabilidade quanto a regulação da
Se observarmos globalmente o comportamento das eco-
liquidez, não surpreendendo que a idéia em si mesma de sis-
nomias desenvolvidas, duas tendências de fundo prendem a
tema econômico haja sido um subproduto da emergência dos ~
nossa atenção .• Por um lado, uma nítida elevação da propen-
bancos centrais. Até fins do século XIX, os países eram enti- ,. _
são para consumir, ou seja, um declínio da ~upanç~essoa[
dades políticas e não propriamente econômicas. A moeda de
Durante algum tempo, pensou-se que essa era uma conseqüência
curso internacional aberto era o ouro. Outras, como a libra, o •
natural dos avanços institucionais que se traduziram em maior • •
substituíam na medida em que gozavam de conversibilidade •
segurança pessoal; hoje, admite-se que, por trás dessa tendência,
garantida a cem por cento. A utilização dos impostos como ~
também está 9 avanço tecnológico, que importa em privilegiar o instrumento auxiliar da regulação da atividade econômica pres- •
.. curto prazo e reduzir o tempo de vida dos produtos,_JaJ.c:>§ q]:1~ supõe uma visão macroeconômica sistémica. ..
se observam nas economias ~ercado, com a elevação do • Tudo leva a crer que a estrutura das sociedades desenvol-
._,nível de renda da população. · vidas evoluiu buscando privilegiar o curto prazo e acarre.tando._
A segunda tendência diz respei~ à perda de eficácia das ,.elevação nas taxas de juros e drenagem da poupa.!lÇa_p.ara.fil
_políticas macroeconômicas, ou seja, o declínio dos efeitos de . países de alto nível de renda, com concentração da riqueza
•. sinergia decorrentes das complementaridades inerentes ao nesses mesmos países. Por outro lado, o declínio da governa-
funcionamento das economias como sistemas. Os resultados ' bilidade reduziu o ritmo da acumulação. São mudanças estru-
, de uma crescente abertura para o exterior são de início positi-""' : turais que se traduzem em baixa da taxa de crescimento e
• vos, pois permitem que se intensifique a competitividade e • , concentração geográfica de rendi!; Ora, é sabido que essas for-
_promovem o acesso a economias de escala. Mas essa abertura, ças buscam agravar o desemprego nos países ricos e aprofun-
~ ao reduzir o grau de govemabilidade, repercute negativa- dar a miséria nos países pobres. E, posto que se trata de pn
mente no nível de emprego . , processo de globalização, é pequena a possibilidade de modi-

A atrofia dos mecanismos de comando dos sistemas econô- "' fjcar-lhe o rumo com meios de ação de alcance nacional.
micos nacionais não é outra coisa senão a prevalência de estrutu- São muitos os indícios de evolução global orientada para
ras de decisões transnacionais, voltadas para a planetarização dos a desarticulação dos sistemas econômicos nacionais, que são
circuitos de decisões. A questão maior que se coloca diz respeito substituídos por espaços contidos em parâmetros políticos e ~
.ao futuro das áreas "i:m que o processo de fonnaç.ãu...d.CL.Esíadl2. culturais. No passado, eram as alfandegas que circunscreviam
' nacional se interrompe precocemente, isto é, quando ainda não se as atividades comerciais, interferindo na formação dos preços.
• há realizãdo a homogeneização nos níveis de produtividade e nª§_ Na Europa ocidental caminha-se para uma situação similar num
. técnícas produtivas que caracteriza ~ regijies. desenvolvídas ..As ___ _ espaço plurinacional: como as alfandegas intra-européias estão

- disparidades de áreas geográficas de um mesmo sistema econô-

24
desaparecendo, o conceito de sistema econômico nacional perde "'

25
valor explicativo,i... os atuais países passam a identificar-se,~ necessidades reais de suas respectivas popul.ações, sendo ape-
simplesmente, como áreas culturais. No caso da Euro a oci- ~ nas nma forma de desnerdíc10.
enta , ta evo uçao con uzrra a um reforçamento eKpressivo No decênio de 80, durante o qual o consumo de recursos,
· dos centros de comando comunitários e/ou a transforma ões incluído o desperdício, cresceu em 6 trilhões de dólares nos
as estruturas econômicas, os mecanismos dos mercados e as países ricos, estes reduziram em 4 bilhões a ajuda aos países
'empresas assummdo funções ainda mais ai>ran entes do ue . do Terceiro Mund2a,Ademais, o fluxo líquido de recursos, in- "
· as atuais. ssa transição terá graves repercussões no plano so- • cluído o serviço da dívida, foi desfavorável aos países pobres,
• eia!, como o desemprego, redomiciliando fatores produtivos e e a perda acumulada destes, causada pela degradação dos ter-
muito provavelmente forçando a baixa dos salários em certos mos de intercâmbio, naquele mesmo período alcançou 1 tri-
países. As rupturas sociais que se pode prever são tão profun- lhão de dólares, soma superior ao montante da dívida externa
• das, que tudo leva a pensar que só a longo prazo podem se dar desses países. 6 "
: tais transformações. A experiência dos últimos decênios no .. A liberalização do comércio internacional na fase que se ~
. esforço de relocalização internacional da indústria têxtil
,., (acordo multifibras) e apelo crescente a barreiras não-tarifá-_
seguiu à Segunda Guerra Mundial deveu-se essencialments: à ~
, hegemonia exercida pelos Estados Unidos, em parte legitimada
., rias constituem clara indicação da complexidade do processo. pela guerra fria. No início desse período, o comércio exterior
Mas o quadro que já se configurou como tendencial.é o (exportações de bens e serviços) não representava mais do que 4
do apagamentc\ das articulações que constituem os atuais ·sis- % do produto nacional desse país, de longe a mais importante
temas econômfoos nacionais e de emergência de mecanismos. economia nacional. A liberalização dos fluxos comerciais teve
de articulação de decisões descentralizados e transnacionais.
A Europa comunitária constitui, sem lugar a dúvida, o labora-
a seu favor sólido-; argumentos de racionalidade econômica,
,ao mesmo tempo que favorecia os interesses da nação que
.
tório mais vasto em que se dão as experiências de formação controlava os principais circuitos comerciais e fmanceiros e_._
de novos mecanismos de articulação e coordenação de ati- . ue ocu ava osições de vanguarda nos setores industriais mais •
vidades econômicas em um_espaço diferenciado política e _' atuantes. Tolerava-se o protecionismo nos pa1ses e industna-
culturalmente. • lização retardada, enquanto os países desenvolvidos eram convo-
•• Nos países desenvolvidos, o dinamismo tem estado mais . cados para integrar progressivamente seus mercados, situação
.,e mais na dependência da produção de artigos supérfluos. Cada . que assumiu a forma 1de criação de mercados comuns e de
ano que passa suas economias acrescentam 400 bilhões de zonas de livre câmbio regionais. O êxito desse trabalho de
dólares à sua renda, sem que isso se traduza em melhora per- integração foi considerável, podendo-se afrrmar que ele esgo-
ceptível do bem-estar de suas populações. O que se comprova tou suas possibilidades no plano comercial já no final dos
..,,-::é,.:a'-'p"-e.:.,r,:.emc::·ccda=de'-"-'d.:..o~d_e.:..se~m,_P.cr:c:eSfgC:.o'--,da==mi=ia;;;.s"-sa"-:::dc..e...cdc'e-'-:st:"itu=íd~o"'-s~,..,.ª.,.d_e_t_e-_ anos 70. Os obstáculos que ainda enfrenta a integração dos
. rioração nos serviços de saúde, a alienação de jovens e idosos, mercados dos países desenvolvidos são_ de natureza não-co-
a diminuição na participação nas tomadas de decisão, o con- mercial, como os que se conhecem no setor agrícola e na mo-
: geshonamento dos sistemas de transporte e a poluição endê- bilidade de fatores, inclusive mão-de-obra. Para prosseguir
~ mica. E se pode comprovar que nos países ricos pelo menos com o objetivo integracional, requerem-se hoje em dia avan- •
30 % da produção agrícola e industrial não correspondem às ços colaterais no plano institucional na linha do que os euro-

26 27
peus ocidentais estão empreendendo no momento. Contudo, .,12aíses subdesenvolvidos, particularmente onde prevaleciam regi-
as projeções, nos planos político e social, ainda estão por ser • .· mes políticos autoritários.
reveladas. O quadro descrito, em que o dinainismo econômico se ori-
O dinamismo que a economia dos países desenvolvidos ginava de maneira endógena, modificou-se de forma dramática a
derivou do comércio internacional correspondeu, portanto, a partir dos anos 70, em decorrência de autênticas mutações estrutu-
_um processo de integração de mercados ei[ansnacionalizaçao rais no plano internacional. A perda do controle dos fluxos de
liqµidez internacional pelos bancos centrais e a rápida integração
. de empresas que iria necessariamente perder impulso. Esse_
dos sistemas monetários e financeiros deram origem a uma situa-
processo explica qu)'. as atividades transnacionalizadas hajam -
ção nova em que a própria idéia de sistema econômico nacional "
-sido, por muito tempo, o segmento mais dinâmico do comér-
passou a ser apresentada como anacronismo.
• cio internacional. Tudo leva a crer que uma nova fase de dina-
• mismo deverá fundar-se em avanços institucionais que permi-
,· tam maior coordenação macroeconômica no interior de grandes O FATOR POLÍTICO DA FORMAÇÃO NACIONAL
,. blocos ainda em formação. Mas a falta desse dinamismo
externo não impediu que certos países, como o Brasil, alcan- No vasto território que veio a constituir o Brasil foi a
çassem elevadas taxas de crescimento. Nesse caso, a trans- emergência precoce de um sistema político que criou condi-
nacionalização de atividades econômicas deu-se de forma . ções para que se realizassem transferências inter-regionais de
circunscrita, sendo o verdadeiro motor do crescimento a ._população e renda de alcance histórico na formação nacional '
formação do mercado interno a partir de um potencial de re- Assim, tudo leva a crer que a população que se fixou na re-
~ cursos naturais e de mão-de-obra subutilizadÕs. Contudo. condi- gião amazônica na segunda metade do século XIX ter-se-ia
ção sine qua non desse dinamismo era que as atividades eco- dispersado com a crise da borracha, não fosse a reserva de um
nômicas operassem articuladas em sistema isto é com al a mercado interno que se expandiu rapidamente a partir dos anos
• orma de solidariedade entre os elementos qu~ a constituem. 20 deste século. A importação de borracha a baixo preco teria
Assim, a produtividade não podia ser aferida apenas microe- .- .,.§ido a solução indicada pela lógica dos mercados. Evitar o
conomicamente; a criação de emprego e a economia de divi· esvaziamento demográfico da região era uma opção pofítica
sas também eram variáveis estratégicas. Mas não há dúvida de de elevado custo econômico no horizonte de tempo cqru que
que esse desenvolvimento, apoiado de preferência num mercado • operam os mercados.
• ~A existência de um Estado nacional introduz a dimensão
interno em formação, conhecia evidentes restrições. Em.pri-
meiro lugar, o seu custo em divisas tendia a aumentar mais política nos cálculos econômicos, tornando-os mais elusivos e
rapidamente do que a capacidade do país para gerar essas di- , - complexos. Exemplos de prevalência de critérios políticos na
visas, o que com o tempo teria de reduzir o acesso a tecnolo- . tomada de decisões em matéria econômica podéfu ser facil-
gias mais sofisticadas.. Em segundo lugar, a insuficiente com- • mente encontrados em qualquer país, particularmente na sua •
,, petitividade gerava cartelização entre ·as empresas, inclusive fase formativa e nos momentos de crises maiores.
entre as estrangeiras. Essas e outras tendências degenerativas Quando se instalou a indústria automobilística brasileira, "
• exigiam uma ação corretiva dos poderes competentes e ativa uma região como o Nordeste, que desfrutava de um saldo sig-
• vigilância da sociedade civil, o que não era fácil alcançar em nificativo em seu comércio com o exterior, teve de renunciar

28 29
à importação de veículos para adquirir um produto nacionaJ. volta à economia de mercado em estado puro, na forma em
de preço mais alto e nem sempre da mesma qualidade. Era que a concebeu Adam Smith, e que exclui toda organizacão
uma decisão política, portanto fora do alcance da racionali- .• de mercados e o domínio destes por uma só empresa ou de mui-
dade dos mercados, a menos que destes se tenha uma visão cy; por coalizão. Ora, esse sistema de concorrência pura e perfeita
"nacional", portanto, política.
Seria ingênuo ignorar que a evolução das técnicas con-
_9uz à planetarização dos circuitos econômicos sob o contiüle
. . está mais distante das estruturas transnacionalizadas do que ..QL
sistemas econômicos nacionais que-
se busca destruir.
• As elevadas taxas de crescimento gue conheceram as eco-
•. nomias desenvolvidas na segunda metade deste século são em :é
de empresas transnacionais. Mas como desconhecer que o es-
vaziamento dos sistemas decisórios nacionais será de conse- _ grande parte fruto da abertura crescente de seus mercados. a
qüências imprevisíveis para a ordenação política de vastas áreas qual estimulou a concorrência e permitiu a grande concentra-
do mundo, em particular para os países subdesenvolvidos de çao de poder econom1co que esta na base das empresas trans-
grande área territorial e profundas disparidades regionais de ,..... iíaêfonais. Mas o fator dec1s1vo desse extraordinário período
renda, como é o Brasil? de crescimento foi o progresso das técnicas de coordenação e
Um dos traços característicos do desenvolvimento atual regulação macroeconômica, viabilizado pela chamada revolu-
é a lenta absorção de mão-de-obra, o que se traduz em desem- ção keynesiana. Contudo, enquanto não emergir um confiável
: prego crômco e em pressão para a baixa de salários da mãa- sistema de regulação plurinacional, essa coordenação será in- •
, de-obra não especializada. O que se vem chamando de "socie- · suficiente, o que se traduz em desemprego crônico de recur-
dade de serviços" constitui uma mistura de elevada taxa de• sos produtivos. Por outro lado, à medida que avance o pro- •
desemprego com uma parcela expressiva de população traba- cesso de integração de espaços plurinacionais, é de esperar
lhando em tempo parcial e precariamente. Nos Estados Uni- que ocorram amplas transferências inter-reg~onais de recur-
dos, 60 % dos empregos criados nos anos 80 são pagos com sos, intensificando-se inclusive as migrações demográficas. O
salários inferiores ao piso histórico. freio a esse processo de integração virá de fatores culturais,
Um sistema econômico nacional não é oÜtra coisa senão. pois não será surpresa se grupos de população lutarem para
a ptevalênc1a de cnténos políticos que permitem su erar a preservar suas raízes culturais e valores específicos ameaça-
..ng1 ez a og1ca econom1ca na usca o bem-estar coletivo. · dos de desaparecer pela homogeneização dos padrões de com-
O conceito de produtividade social, mtroduz1do nos anos 30 ' portamento que a racionalidade econômica impõe. '
no estudo das economias em prolongada recessão, não. tem • .Q. ~pido crescimento da economia brasileira entre os anos · .
aplicabilidade nas economias cuja dinâmica se funda na âber- 30 e 70 a oiou-se em boa medida em transferências inter-re- '"
tura externa. Para as empresas transnacionais, o conceito de ·· gionais de recursos e em concentração socia de renda facili- '
produtividade social carece de qual uer conteúdo ex licativo. -· .-tada pela mobilidade geografica da população. Se houvesse.·
, contu o, sem esse conceito o estudo do subdesenvolvimento obstáculos institucio!lais à mobilidade da mão-de-obra, os sa-
se empobrece consideravelmente. lários reais ter-se-iam elevado de forma bem mais acentuada
Se deixarmos de lado toda referência a sistema econô- nas regiões em rápida industrialização do Sul do país. Nesse
mico nacional e a produtividade social, a idéia mesma de po- caso, o crescimento global da economia teria sido menor. e a
lítica econômica perde seu significado corrente. Estaremos de urbanização, menos intensa.

30 31
Ora, a partir do momento em que o motor do crescimento ção dos espaços econômicos respectivos, as transferências re-
deixa de ser a formação do mercado interno para ser a integra- gionais de recursos, condicionadas a parâmetros culturais, se
ção com a economia internacional, os efeitos de sinergia gera- estimam em dezenas de bilhões de dólares; é o que está ocor-
dos pela interdependência das distintas regiões do país de- rendo no ·caso da incorporação dos países ibéricos à CEE, e,
saparecem, enfraquecendo consideravelmente os vínculos de em escala ainda maior (e em mais curto prazo), no queres-
solidariedade entre elas. Se se instalam plataformas de expor- peita à incorporação das províncias que formavam a antiga
tação no Nordeste, no esti.Jg_g_ª'L'maqmladoras" mexic_a~ a • Alemanha Oriental. Mas, no caso da CEE e da Alemanha em
. mtegração reg10nal com o exterior se fará_por vários meias,... particular, existe a ampla margem de mão-de-obra expatriada
em detrimento da articulação em nível nacional. (magrebinos e turcos, entre outros), que pode ser contraída
Na lógica das empresas transnacionais, as relações exter- para facilitar a transição. Tratando-se de uma economia sub- ~.
nas, comerciais ou financeiras, são vistas, de preferência, como desenvolvida, a exaustão dos efeitos de sinergia provocada
operações internas da empresa, e cerca de metade das transa-· pela integração internacional indiscriminada terá necessaria-
__ções do comércio internaciOnal iá são atualmente operações , mente resultados mais amplos no plano social. E de esperar
_. realizadas no âmbito interno de empresas. As decisões sobre o que o espírito corporativo se exacerbe com a contração do
.,__gue importar e o que produzir localmente, onde completar o pro- mercado de trabalho e que, em conseqüência, se caminhe para
cesso produtivo, a que mercados internos e externos se dirigir são uma redução, de forma disfarçada, da mo_tilidade geográfica
. _!ornadas no âmbito da empresa, que tem sua própria balança de da mão-de-obra. Havendo solidariedade entre patrões e em-.
• pagamentos externos e se financia onde melhor lhe convém. pregados que dificulte o acesso a segmentos privilegiados do
Nessas circunstâncias, já não se contará com a integração mercado de trabalho, os reflexos no plano político virão sem •
das economias regionais e a formação do mercado interno em demora, compartimentando-se regionalmente os interesses en-
geral como um motor do crescimento (engine of growth, na volvidos. É a gestação de conflitos regionais cujo alcance co-
expressão dos teóricos do imediato pós-guerra). A alternativa nhecemos da história trágica de outros povos .
consiste em apoiar-se, de preferência, no mercado internacio- .. A regionalização dos interesses políticos, que se mani-
nal, o que significa depender da dinâmica das empresas trans- festa tão fortemente por todas as partes, foi contida no pas-•.
naciona_i~. Ora, o estilo de desenvolvimento que estas impõem , sado, em seus efeitos centrífugos, pelo exercício de um poder:_
caractenza-se por uma lenta geração de emprego, ou seja, uma hegemônico regional, o qual foi sendo substituído pela inter-
~ margem crescente de desemprego estrutural. A experiência dos dependência dos interesses econômicos, que emergiu com a •
' • y
paises que mtegram a CEE tem demonstrado sobejamente que , formação de um sistema nacional,. Ter acesso a um mercado
5
, o enfraquecimento das formas de coordenação e regulação ma- _ mais amplo ou poder deslocar-se territorialmente em busca de
' croeconom1ca, no plano nac10nal, traduz-se por um debilita- emprego são fatores que emprestaram um conteúdo real à idéia
- rp.ento clã acumulação e aumento da margem de desemprego. de gnidade nacional. Mas se a lógica dos interesses é dita:-----
E natural que esses efeitos se manifestem agravados em paí-. ,.minada pelas conexões internacionais, e os mteresses corpora- _
ses que interrompem a formação do mercado nacional para _ tiyos se organizanI para dificultar a mobilidade da mão-de-obra,
privilegiar a integração internacional. _()s___ vínculos de solidariedade entre regiões terão neces-
Nos países desenvolvidos que empreenderam a integra- sariamente que se debilitar.

32 33
Os deslocamentos de população permitiram no Brasil,. .,r.eduzido de países, mas deixam bem claro que se caminha
durante muito tempo, baratear a mão-de-obra nas áreas que • para uma ordem econômica caracterizada or baixas taxas de
absorviam o essencial dos investimentos industriai.,.. Cancen- • crescimento e pe o ec 1mo a iniciativa pública no campo__
•·· trava-se a renda, mas ao mesmo tempo cresciam os investi- , das atividades econômicas. O crescimento econômico fica
~- mentos e o mercado interno. Na fase atual em que se pretende na estrita de endência da iniciativa das grandes empresas
. derivar o dinamismo da integração internacional, o que im- que atuam no plano transnacional. Contudo, a CEE está rea 1-
porta é fomentar o espírito competitivo em atividades com : zando esforço financeiro para corngir os desníveis regionais
.vocação para a exportação, o que aponta para um perfil indus- -!!de renda, esforço que está fora do alcance de países pobres
.,trià1 de alta capitalização e reduzido nível de emprego. Nessas como o nosso.
circunstâncias, o que mais interessa ao empresário é obter Em um país ainda em formação, como é o Brasil, a
•. uma elevada perfonnance no uso dos equipamentos especializa- .. predominância da lógica das empresas transnacionais na orde-
•. dos que utiliza, e, acima de tudo, a disciplina e regularidade no ' nação das atividades econômicas conduzirá quase necessaria-
• trabalho, sem o que a integração transnacional se inviabiliza ~mente a tensões inter-regionais, à exacerbação de rivalidades
A ordem econômica que se está implantando na Europa corporativas e à formação de bolsões de miséria, tudo apon-
ocidental constitui uma antecipação do modelo que se nos· ofe- tando" para a inviabilização do país como projeto nacional.
rece como paródia. Tudo se subordina à preservação da esta- . Em me10 m!lêmo de fostóna, partindo de uma constela-
bilidade dos preços, a que se pretende chegar mediante a cria- ção de feitorias, de populações indígenas desgarradas, de es-
'ção.de bancos centrais no estilo do Bundesbank da Alemanha, cravos transplantados de outro continente, de aventureiros eu-
e
:. que formalmente mdependente dos poderes públicos. A ca- ropeus e asiáticos em busca de um destino melhor, chegamos
. racterística desse tipo de instituição financeira é que ela não a um povo de extraordinária polivalência cultural, um país sem
tém o dire1to de emprestar ao governo, o que s1gmhca que a paralelo pela vastidão territorial e homogeneidade lingüís-
emissão de moeda deixa de ser uma válvula de alívio das au- tica e religiosfj_. Mas nos falta a experiência de provas cru-
~tüiídades monetárias. Ora, essa prática coloca o problema. de . ciais como as ue conheceram outros ovos cuja sobrev1ven-
]como operar um governo que não tem liberdade para se endi- : s;ia chegou a estar ameaçada. E nos falta também um ver a eiro
~· v1dar, cabendo-lhe apelar para o mercado financeiro interna- conhecimento de nossas possibilidades, e principalmente de
• cional com as limitações que daí derivam no plano cambial. nossas debihdades. Mas não ignoramos que o tempo füstonco
Em tais circunstânc1as, deixam de ter operac1onahdãde os dois _ se acelera, e que a contagem desse tempo se faz contra nós.
instrumentos básicos de regulação macroeconômica: a polí- Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta
tica monetária e a política fiscal. O sistema que se está im- na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as for-
ças que se empenham em interromper o nosso processo histó-
, plantando na CEE é definido por parâmetros ngidos: o déficit
rico de formação de um Estado-nação .
• orçamentário não excederá 3 % do PIB, a dívida pública_!)ão
_ poderá superar 60 % desse mesmo PIB, e b déficit pUblico,
limitar-se-á ao montante dos investimentos públicos, cujo teto .
também será de 3 % do PIB. Essas exigênc1às vão certamente_
limitar o acesso pleno à Comunidade Européia a üm número

34 35
NOTAS II
M
1
1. Essa conferência teve lngar no CEBRAP e foi incluída em meu _
livro Não à recessão e ao desemprego, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983. •
Uma versão em que se dá ênfase aos aspectos internacionais foi publicada .
no número de fevereiro de 1983 em Le Monde Diplomatique, sob o título
"L'Incertaine logique de Ia crise". A ARMADILHA HISTÓRICA DO
2. Walden Bello, "Toe spread and impact of export-oriented indus-
•· SUBDESENVOLVIMENTO
trialization in the Pacific Ring", trabalho apresentado no 1991 People 's
Forum, Bangkok, Tailândia.
3. Asian Wall Street Journal, 8 de junho de 1987.
4. Ver CEPAL, Internacionalisación y regionalisación de la econo-
mia mundial, LC/L. 644, setembro de 1991, Santiago do Chile.
5. UNCTAD, TradeandDevelopment, 1991,pp. 88-9. O PERFIL CLÁSSICO DO DESENVOLVIMENTO
6. Cf. "Third World prospects in the world economy in the l990s",
Havelock R. Bremster, in TW Economics, 16-31 de julho de 1991. Já lá se vão quarenta anos desde que Prebisch nos ensi-
_nou a observar o capitalismo como um proc,,esso~(l_í;.,_difu.s.i,to~do.
, progresso técnico, difusão irregular, comandada pelos interes-
1
• ses das economias criadoras de novas técnicas. Quem diz pro-
gresso técnico diz aumento de produtividade, portanto condições •
r
propícias à concentração dinâmica da renda impulso à acu-
mulação, vetor da difusão de novas técni~. Esse processo, conhe-
~ cido como desenvolvimento econômico, foi descrito em modelos __ _
mentais singelos pelos economistas clássicos, tudo lhes parecendo
.• um incremento do "excedente social", processo que mais cedo ou
mais tarde encontraria os seus limites. Partiam da evidência de
que os salários eram estáveis, dada a abundância de mão-de-obra
em atividades de baixo nível de produtividade, e da convicção de·
que, ao contrário do que acontecia com os senhores de terras,
os empresários industriais eram virtuosos, empenhados em ca-
nalizar para a acumulação a quase totalidade do fruto dos incre-
mentos de produtividade. Havia concentração de renda mas, em ,,
compensação, intensificava-se a acumulação, que se traduzia em
absorção da mão-de-obra pelas atividades beneficiárias dos aumen-
tos de produtividade. Para os primeiros clássicos, isso não impe-
dia que se formasse um desequilíbrio entre oferta e demanda. Daí

36 37
insistirem em que o crrescimento não podia ser senão tempo- É certo que a orientação do progresso tecnológico diri- =
rário• A verdade, entretanto, era @e grande parte dos bens gida para economizar mão-de-obra tem anulado parcialmente
• produzidos pelo setor mais avançado tecnologicamente des- a pressão dos assalariados. Também tem contribuído para anular
tinava-se ao consumo - competia com a produção artesanal pree- essa pressão a transferência para os preços dos aumentos dos
• xistente. Portanto, o sistema era potencialmente apto a absorver salários nominais, ou seja, o desencadeamento de impulsos
elevações dos salários reais. Por um outro caminho, parte dos inflacionários. Ainda assim, a capacitação profissional da força
assalariados viria a ter acesso em grau maior ou menor aos bene- de trabalho e o grau elevado de organização de amplos seg-
ficias proporcionados pela maior produtividade. Que parte era essa, . mentos desta constituem uma barreira à baixa dos salários reais, ·
com que rapidez crescia, são questões que se colocam. Para res- nas fases de declínio da atividade econômica, mesmo ali onde
pondê-las, era necessário descer ao estudo de situações concretas, ·. se forma uma massa de desemprego cromco engendrada pelo
pois o desenvolvimento não se dava fora da história. avanço da tecnologia. Se as pressões inflacionárias se mani-
É fácil compreender que uma grande expansão externa - : . festam com freqüência nas economias capitalistas induslriali::.._
caso da Inglaterra, por exemplo, na sua fase de imperialismo zadas é que elas constituem o único meio efetivo de frear a •
vitoriano - canalizaria parte do incremento do produto social tendência de base ao aumento da participação dos salários no
para investimento no exterior, substituindo a elevação dos sa- produto social. Esse problema se agrava nas economias que
lários na criação de demandad Excluída a hipótese de exporta- lideram o desenvolvimento, as quais enfrentam custos margi-
ção de capitais, a taxa de poupança é governada pela aptidão · nais crescentes das inovações tecnológicas.
para promover novos investimentos. Essa aptidão pode crescer se a As teorias do desenvolvimento são esquemas explicati-
economia absorve recursos primários - mão-de-obra sob a forma vos dos processos sociais em que a assimilação de novas téc-
de imigrantes e novas terras sob a forma de deslocamento da nicas e o conseqüente aumento de produtividade conduzem à
fronteira - , como ocorreu exemplarmente nos Estados Unidos melhoria do bem-estar de uma população com crescente ho-
no curso do século passado. Ademais, vultosos gastos militares e · mogeneização social. Esta última não se deu, conforme vimos,
dispêndios públicos de prestigio, sempre que adequadamente res-. desde o começo da industrialização capitalista. Mas, alcan-
paldados por um esforço fiscal, também podem substituir-se aos çado certo nível de acumulação, ela se fez inerente ao pro-
investimentos na geração de deman~. Mas nada disso impediu ,.. cesso de desenvolvimento. Em certos países de industrializa-
, que a acumulação no setor reprodutivo crescesse no longo prazo ção tardia no século XIX, a fase inicial de forte acumulação e
2
mais intensamente do que a oferta de mão-de-obra. Daí que se concentração da renda deu-se sob a tutela do Estado. Mas
haja manifestado pressão cada vez mais eficaz dos assalariados isso não obstou que em fase subseqüente se manifestasse a
para aumentar sua participação no incremento do produto, ponto tendência à redução das desigualdades sociais.
de partida da homogeneização social que marcará as economias
capitalistas desenvolvidas. O conceito de homogeneização social
• A MODERNIZAÇÃO E O SUBDESENVOLVIMENTO
não se refere à uniformização dos padrões de vida, e sim a que os
membros de uma sociedade satisfazem de forma apropriada as ne- A teoria do subdesenvolvimento cuida cw
caso especial
cessidades de alimentação, vestuário, moradia, acesso à educação de situações em que aumentos de produtividade e assimilação_
e ao lazer e a um minirno de bens culturais. de novas técnicas não conduzem à homogeneização social,

38 39
_ ainda que causem a elevação do nível de vida médio da popu- com base na especialização. O país que absorve os produtos
lação. Essa teoria tem como ponto de partida a visão de Pre- primários lançados ao mercado internacional provavelmente
bisch do capitalismo como um sistema que apresenta uma rup- irá pagá-los com manufaturados cuja produção se beneficia de
tura estrutural, sistema que ele chamou de "centro-periferia". economias de escala.
Prebisch atribuiu essa ruptura ao fato de que em certas áreas o Dessa forma, a difusão de novas técnicas deu-se em cer-
progresso técnico penetrou lentamente, concentrando-se nas tas áreas quase exclusivã~ente pela introdução de novos pro-
, atividades que produziam matérias-primas destinadas a ex~ dutos via importação. Os processos produtivos permaneciam,
tacão. Ele não aprofundou o estudo dessa hipótese, mas as no essencial, nos padrões tradicionais, havendo casos em que
idéias que semeou orientaram a pesquisa na América Latina o regime de servidão ou escravidão era preservado. Isso não _
no curso de minha geração. impedia que todo um novo estilo de vida começasse a ser in- -
• O progresso técniçQ,. cuia magação conformou o sis- .. traduzido na sociedade em beneficio de segmentos da popula-
• tema "centro-periferia", manifesta-se sob a forma de proces- , ção, graças aos incrementas de produtividade criados pela rea-
sos produtivos mais eficazes e também do desenho de novos · locação de recursos no quadro de vantagens comparativas
produtos que são a face exterior da civilização industrial. Assim, externas. Em trabalhos dos começos dos anos 70, chamamos
a propagação de novas técnicas, inerente à acumulação, é antes de modernização a essa forma de assimilação do progresso
de tudo a difusão de uma civilização que instila nas popula- técnico quase exclusivamente no plano do estilo de vida, com
ções padrões de comportamento em transformação ermanente. fraca contrapartida no que respeita à transformação do sistema
rata-se a 1 são e valores que tendem a universalizar-se. de produção.º
Para ter acesso a bens em permanente renovação - a formas Em pequenos países, nos quais as vantagens comparati-
superiores de bem-estar social - , impõe-se galgar uiveis mais vas se baseiam na exploração de recursos não-renováveis -
altos de produtividade. Ora, se pensarmos em termos de uma caso extremo são os emirados petroleiros - , pode ocorrer que a
economia isolada, esses uiveis superiores não podem ser senão modernização conduza à homogeneização social mediante a
fruto de assimilação ou difusão de técnicas mais eficazes. Mas ação redistributiva do Estado. São sociedades que vivem de
se considerarmos o caso de uma economia que se abre ao ex- renda auferida sobre um patrimônio que receberam como dá-
terior, maior eficácia na produtividade também pode ser ob- diva. Para atender às exigências dos custos crescentes das for-
tida pela alocação de recursos que redundará em vantagens mas de vida que adotaram num processo rápido de acultura-
comparativas. Sem quaisquer progressos nas técnicas produti- ção, essas sociedades são levadas a depredar as suas reservas
vas, ou mediante avanços apenas colaterais, como no caso dos de bens não-renováveis. São sociedades que não vivem do
meios de transporte, é possível promover o maior aproveita- próprio trabalho, de hoje ou do passado. Nasceram sobre uma
mento do potencial econômico pela via do comércio interna- mina de ouro. Quanto mais alto o nível de vida das gerações
cional. Passar da agricultura de subsistência para a comercial presentes, maiores os problemas que deverão enfrentar as fu-
de exportação não obriga a modernização dessa agricultura. - turas quando começar a esgotar-se o tesouro que receberam.
Do ponto de .vista dos métodos produtivos, a agricultura de
exportação pode ser do tipo tradicional, sua maior produtivi-
. O subdesenvolvimento é fruto de um desequilíbrio na as-
.similação das novas tecnologias produzidas pelo capitalismo
dade decorrendo simplesmente de acesso a um outro mercado · industrial, o qual favorece as inovações que incidem dir~ta-

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mente sobre o estilo de vida. Essa proclividade à absorção de • mais simples, pouco exigentes em tecnologia e de baixo coefi-
inovações nos padrões de consumo tem como contrapartida o ciente de capital. Mas, à medida que progride, faz-se mais
atraso na absorção de técnicas produtivas mais eficazes. É que exigente, requerendo maiores dotações de capital. Coloca-se
os dois métodos de penetração de modernas técnicas se apóiam então o problema de obter recursos externos e/ou elevar a taxa
no mesmo vetor, que é a acumulação. Nas economias desen- de poupança. Sendo a atividade industrial, via de regra, mais
"volvidas existe um paralelismo entre a acumulação nas forças capitalística do que a primário-exportadora de tipo tradicional,
_ produtivas e diretamente nos objetos de consumo. O cresci- a "substituição" de bens importados por produção local requer
. mento de uma requer o avanço da outra. É a desarticulação maior esforço de acumulação do sistema produtivo, concorrendo
• entre esses dois processos que configura o subdesenvolvimento. com o processo de modernização. Essa pressão sobre a pou-
A industrialização tardia a que fizemos referência - caso pança, gerada pela disputa entre acumulação reprodutiva e
clássico do Japão - teve como ponto de partida um esforço, modernização, está na origem de processos inflacionários crô-
concentrado no tempo, de acumulação e absorção de novas nicos e de tendência ao endividamento externo. Ademais, a
técnicas. Elevou-se a taxa de poupança ao mesmo tempo que atividade industrial é labour-saving comparativamente à pri-
emergia um setor produtor de bens de capital e/ou rµoderni- mário-exportadora, vale dizer, economiza mão-de-obra por uni-
zava-se um importante segmento da indústria produtora de dade de produto final. Bens antes importados agora são obtipos
bens de consumo. Não existe nada especificamente próprio a mediante menor aplicação de mão-de-obra e maior de capital.
esse tipo de industrialização, quando não sejam um mais amplo Não cabe especular se em determinada situação histórica
• papel desempenhado pelo Estado e maior rapidez na reestru- havia alternativa para a "industrialização substitutiva". A nin-
turação do sistema produtivo. guém escapa que, em se tratando de um país relativamente
Nas economias que conheceram o processo que chama- grande como o Brasil, imerso em crise prolongada de seu setor
mos de modernização, inserindo-se no sistema de divisão in- exportador e com uma sociedade previamente moldada pelo
ternacional do trabalho como exportadoras de produtos primá- processo de modernização, a linha de maior facilidade estava
rios, a industrialização se dá por caminhos distintos. Seu na industrialização substitutiva. Outra saída teria exigido a rup-
ponto de partida são atividades complementares das importa- tura com o processo de modernização, o que dificilmente se
ções - acabamento, aviamento, armação de peças, etc. - , faria sem convulsão social. O que importa assinalar é que o
cabendo-lhes abrir caminho competindo com artigos importa- estilo de crescimento estabelecido na fase anterior pela moder-
dos, acabados ou não. Toda vez que a capacidade para impor- nização impunha certo padrão de industrialização. Para esca-
tar entra em crise, melhoram as condições para que as ativida- par dele seria necessário corrigir a distância entre a penetração
des "substitutivas" internas se ampliem. O espaço em que estas da moderna tecnologia no estilo de vida e nos processos pro-
penetram é previamente delimitado pelas atividades importa- dutivos. Mais precisamente, congelar importantes segmentos
doras. Por conseguinte, o progresso tecnológico dá-se inicial- da demanda de bens finais de consumo e intensificar conside-
mente pela via da importação de bens de consumo, vale dizer, ravehnente a acumulação no sistema produtivo. Vale dizer, pôr
no quadro da modernização. Somente em fase posterior tais em andamento um processo político que, pela magnitude dos
avanços chegam aos processos produtivos. - interesses que contraria, somente se produz no quadro de uma
• A substituição de importações se inicia pelas indústrias · convulsão social. Restava, como linha de facilidade, continuar

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apoiando-se na modernização, por conseguinte, reproduzindo sume a industrialização substitutiva, mantém-se elástica a oferta
o subdesenvolvimento. de mão-de-obra. Certo: sendo os salários mais elevados no
Retomemos nosso exemplo anterior de um país que hou- setor industrial do que no conjunto da economia - o que se
vesse alcançado homogeneização social pelo caminho da moder- deve a uma maior produtividade e também à proteção tarifária
nização, graças às exportações de abundantes recursos não-re- de que se beneficiam as indústrias - , a taxa média de salário
nováveis. Advindo uma crise prolongada de capacidade para terá que se elevar na medida em que cresça relativamente o
importar, teria início nesse país um processo de industrializa- emprego industrial. Mas a pressão dos custos de formas de
ção substitutiva. Deixando de lado óbvias dificuldades criadas consumo cada vez mais sofisticadas e as exigências de capital
por deseconomias de escala, temos de reconhecer que se tor- de uma tecnologia poupadora de mão-de-obra reforçam os fa-
naria imperativo elevar a taxa de poupança, e o caminho mais tores que operam no sentido de concentrar a renda. Daí que a
fácil para isso é concentrar a renda. A taxa de investimento industrialização nas condições de subdesenvolvimento, mesmo
reprodutivo ficaria na dependência do grau de concentração ali onde ela permitiu um forte e prolongado aumento de pro-
de renda que fosse alcançado. A desarticulação social, ou seja, dutividade, tenha contribuído nada ou quase nada para reduzir
o subdesenvolvimento, antes encoberto, logo viria à tona. a heterogeneidade social.
• Mas o caso de uma modernização beneficiadora do con-
junto da população não passa de hipótese de escola. Na reali- TEORIA DO SUBDESENVOLVIMENTO
•. dade dos fatos, o processo de modernização agravou a con-
• centração de riqueza e renda já existente, acentuando-a na fase .. Esses dados de observação corrente põem em evidência
de industrialização substitutiva. Somente o segmento de po- que o crescimento da produtividade está longe de ser con-
pulação que controla o setor da produção afetado pelos dição suficiente para que se produza o verdadeiro desen-
aumentos de produtividade - aumentos permitidos pelas vanta- volvimento, o qual conduz à homogeneização social. A velha
gens comparativas no comércio internacional e pela industrializa- . hipótese de Simon Kuznets4, segundo a qual a concentração
ção substitutiva - desfruta os benefícios da modernização. Ex-
cluída a intervenção do Estado, esse processo concentrador • · e industrialização, hoje já não pode ser aceita. Essa visão
somente se interrompe quando escasseia a mão-de-obra e o otimista foi infirmada pela experiência da industrialização
quadro institucional permite que os trabalhadores se organi- substitutiva, da qual se ocupa a teoria do subdesenvolvimento,
zem para pressionar por melhores salários. Ora, condição ne- . • contribuicão relevante dos economistas latino-americanos.
cessária para que se produza a raridade de mão-de-obra é Hoje está em voga a tese segundo a qual o redireciona-
que o essencial dos aumentos de produtividade seja canalizado mento do processo de industrialização para privilegiar as
para a poupança e investido em atividades criadoras de em- exportaç§es - como corretivo ou complemento da substi-
prego. Conforme vimos, esse processo se frustra no quadro da tuição de importações - permite franquear a barreira do subde- •.
modernização. A adoção de padrões de consumo imitados de senvolvimento. Mas, trata-se efetivamente de superar o .
sociedades de níveis de riqueza muito superiores toma inevi- subdesenvolvimento ou de apenas romper o bloqueio ao ·
tável o dualismo social. crescimento? ·~
Dada a orientação tecnológica que necessariamente as-

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A experiência de muitos países que enveredaram para a cado às importações - do contrário, os produtos brasileiros
autarquia demonstrou que não se alcança a eficiência na fase encontrarão barreiras no exterior-, muitas das indústrias atual-
de maturidade industrial sem abrir o próprio mercado à con- mente protegidas, e que são grandes absorvedoras de mão-de-
corrência externa. Independentemente das deseconomias de obra, entrarão em declínio. Tanto a concentração de investi-
escala, a que somente escapam os mercados de grandes di- mentos em setores de tecnologia de vanguarda para exportação,
mensões, coloca-se o problema da tendência à cartelização e como o sucateamento de equipamentos obsoletos pelos pa-
conseqüente perda de dinamismo. Daí que todos os países, drões internacionais podem ser vistos como contribuições ao
pequenos e grandes, procurem atualmente aumentar sua parti- aumento da produtividade média do setor industrial e da eco-
cipação nos mercados internacionais de manufaturas, gu€veifC nomia como um todo. Nem por isso deixarão de ter reflexos
crescendo mais intensamente do que a produção mundial de fortemente negativos no nível de emprego. Portanto, também
bens manufaturados. Alguns países subdesenvolvidos vêm lo- contribuirão para concentrar a renda, ou seja, para acentuar os
grando importantes êxitos, pois sua participação nesses mer- traços estruturais da economja. Na melhor das hipóteses, retoma-
cados tem crescido significativamente. Assim, o Brasil exporta mos o crescimento sem nos afastar do subdesenvolvimento.
atualmente parte substancial de sua produção manufatureira. , Graças à teoria do subdesenvolvimento, sabemos que a
A substituição de importações estabeleceu o formato inicial do inserção inicial no processo de difusão do progresso tecnoló-
processo de industrialização, traduzindo uma exigência histórica gico pelo lado da demanda de bens finais de consumo conduz
no momento em que o mercado interno já não pôde ser abas- a uma conformação estrutural que bloqueia a passagem do
tecido com produtos importados. Mas, a partir dos anos 60, e crescimento ao desenvolvimento. A consistência lógica interna
particularmente dos 70, a industrialização brasileira orientoú-se •. dessa teoria foi comprovada, e sua validade explicativa, sub-
pelo duplo propósito de construir o mercado interno e con- metida a teste empírico, na medida em que isso ·é possível. por
quistar espaços no exterior. A produção de manufaturas para ex- métodos econométricos. 5 Ali onde se produz o bloqueio a que
portação cresceu por dois decênios com intensidade bem maior nos referimos, o aumento persistente da produtividade não con-
do que a produção de manufaturas para o mercado interno. duz à redução da heterogeneidade social, ou pelo menos não o
Vamos admitir que daqui para o futuro o Brasil siga uma · faz espontaneamente dentro dos mecanismos de mercado.
política deliberada de orientação dos investimentos industriais Certo: não se trata de admitir que estamos em face de um
para aumentar sua participação no comércio internacional. É determinismo histórico, conceito que em si mesmo contém
verdade que não seria fácil imaginar subsídios mais generosos uma antinomia. A própria experiência histórica apresenta des-
do que os que atualmente se praticam, sendo mesmo dificil vios que, se não infirmam a regra, merecem atenção.
admitir que eles possam ser mantidos em sua integralidade, A rigor, o subdesenvolvimento é uma variante do desenvol-
permanecendo o Brasil como membro do GATT. Ora, tal orien- vimento, ou melhor, é uma das formas que historicamente assu-
1' tação beneficia necessariamente as indústrias de tecnologia mais miu a difusão do progresso técnico. O fato de que as estruturas
, avançada, portanto mais intensivas em capital, dado que as que o conformam se hajam reproduzido no correr de anos não
vantagens comparativas fundadas na mão-de-obra barata não nos autoriza a prever sua permanência futura. Mas podemos afir-
'. mar que a tendência dominante é no sentido dessa reprodução.
dão acesso às correntes mais dinâmicas do comércio interna-
cional. Por outro lado, como o Brasil deverá abrir o seu mer- Nesse caso, a teoria explicativa capacita os agentes sociais perti-

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nentes a escaparem do fatalismo da chamada necessidade his- temo. Quanto mais efetivo este, maior será o seu custo em
tórica. De forma similar, a teoria dos ciclos permitiu que se desestímulo à eficácia econômica.
elaborassem instrumentos hábeis para reduzir a instabilidade A experiência chinesa constitui caso à parte, pois não é
macroeconômica nos países capitalistas industrializados. difícil demonstrar que a China jamais reproduzirá os padrões
de consumo das nações capitalistas industrializadas, qualquer
• A SUPERAÇÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO que seja a política que adot~. Tais padrões são demasiado
custosos em termos de utilização de recursos não-renováveis para
Em certas regiões do mundo onde prevalecia um baixo • serem universalizados à escala da população chinesa. Enquanto
nível de produtividade, no quadro de uma revolução social não se desenvolvem tecnologias muito menos criadoras de en-
procurou-se eliminar ou evitar as taras do subdesenvolvimento. tropia,. a China terá que optar entre homogeneidade social a
A China constitui certamente o exemplo mais conspícuo. O modestos níveis de consumo e um acentuado dualismo social
processo de modernizt1çli.õãCfoí evitado, ou extirpado onde já com maiores ou menores disparidades regionais e sociais.
• havia deitado raiz. Assegurada a homogeneidade social, a acu- Essa constatação nos põe diante da evidência de que a civili-
mulação foi canalizada para o desenvolvimento das forças ~ro- zação surgida da Revolução Industrial européia conduz inevi-
dutivas, dentro de um planejamento centralizado. Tal política, tavelmente a humanidade a uma dicotomia entre ricos e po- .
para ser eficaz, supõe o isolamento do país de influências ex- bres, a qual se manifesta entre países e dentro de cada país de
temas.6 Sua força e sua fraqueza decorrem de que ela opere forma pouco ou muito acentuada. Segundo a lógica dessa ci- _
com base em um sistema de decisões de extrema complexi- vilização, somente uma parcela minoritária da humanidade
.
dade e rigidez. Em uma primeira fase, quando o .objetivo . ,
essencial consistiu em introduzir modificações estruturais no s1s-
pode alcançar a homogeneidade social ao nível da abundân-
cia. A grande maioria dos povos terá qu:e escolher entre a ho-
tema produtivo, os resultados alcançados foram altamente positi- mogeneidade a níveis modestos de consumo e um dualismo
vos. Tratava-se de instalar e operar projetos de grande visibili- social de grau maior ou menor. Isso não significa que a po-
dade. À medida que essa etapa ia sendo superada, o problema breza seja sempre do mesmo tipo. A experiência chinesa de-
mais importante passou a ser influenciar o comportamento de monstrou que é possível satisfazer as necessidades básicas da
milhões de unidades produtivas, atingindo-as com informa- população a partir de um nível de renda per capita comparati-
ções pertinentes, e estimular dezenas de milhões de agentes vamente baix~miséria absoluta e a indig~ncia não se apresenta-
disseminados em vastas áreas. Mas a necessidade de descen- rão necessariamente nos países de mais baixos níveis de renda per
tralizar logo se fez imperativa, advindo a reconstituição de um capita, e sím naqueles em que forem mais acentuadas as disparida-
sistema de preços, o retomo a relações de mercado, enfim, a des sociais e regionais.
volta por meios oblíquos à concentração de renda. Para evitar De não mell.or relevância foram as experiências de dois
o pleno retomo à heterogeneidade social foi necessário intro- outros países de matriz cultural confuciana, à semelhança da,
duzir um estrito monitoramento da demanda final. Se efetivo, China e do Japão: Coréia do Sul e Taiwan. Ambos conhece-
tal monitoramento tem um elevado preço em termos de amor- ram a ocupação do Japão imperial até a derrota deste na Se-
tecimento dos incentivos que estimulam a atividade econô- gunda Guerra Mundial. Como as atividades econômicas mais
mica. O mesmo se pode dizer com respeito ao isolamento ex- rentáveis, particularmente as ligadas ao comércio exterior, es-

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tiveram sob o controle da potência ocupante, enquanto durou orientou a formação de capital para estruturar o sistema pro-
a ocupação o processo de modernização foi apenas epidér- dutivo de forma a obter incrementos de produtividade. Até
mico. Ademais, os dois países tiveram de enfrentar, na pri- 1960, a preocupação maior não foi com a acumulação, e sim
meira fase de sua vida independente, o formidável desafio que com a homogeneização soci.aL Na Coréia do Sul, nesse ano, aT
constituiu a vizinhança do modelo alternativo de desenvolvi- taxa de investimento não passava de 10,9 % do PIB. Dez anos·
mento orientado para o social, iµiplantado na Coréia do Norte depois, essa taxa havia alcançado 26,9 %, e em 1980 atingia o'
e na China continental Os notáveis êxitos logrados por estes nível excepcional de 30,6 %. Em seguida, vem a fase do es- ·
dois últimos países, n~ sentido da melhoria do bem-estar do forço para ganbar autonomia tecnológica, numa grande ma-
conjunto da população e no lançamento das bases de uma es- nobra estratégica objetivando mudar o padrão das vantagens _
trutnra econômica apta para o crescimento auto-sustentado, exer- comparativas para inserir-se nos setores mais dinâmicos do
_._c::eram considerável influência nos dois vizinbos que lutavam comércio internacional. O acesso à tecnologia moderna foi ini-
para consolidar uma precária independência. cialmente obtido mediante contratos de cessão, via pagamento-
Assim, em uma primeira fase, tanto na Coréia do. Sul de royalties. O número desses contratos, que na primeira me~,
como em Taiwan a preocupação com o social prevaleceu, pro- •
tade dos anos 60 foi de 33, em 1970 atingia 84 e, em 1978,
9
-cedendo-se a uma reforma agrária que possibilitou a plena uti- 296. Três quintas partes dessa tecnologia foram cedidas por
lização dos solos aráveis e da água de irrigação, fixação de firmas do Japão, o que revela a estratégia desse país de facili-
_parte da população no campo e uma distribuição o mais possí- tar o desenvolvimento de sua antiga "esfera de co-prosperi-
vel igualitária do produto da terra. Simultaneamente, proce- dade". A busca de autonomia tecnológica pode ser aferida pelo
deu-se a intenso investimento no fator humano. Logo foi al- aumento considerável nos investimentos em "pesquisa e de-
cançada a plenitude na escolarização e a total alfabetização da senvolvimento", os quais na Coréia do Sul decuplicaram entre r
população adulta. O esforço se estendeu ao ensino m.édi.o e 1970 e 1980. Nos anos 80, a participação desses gastos no'
superior, prolongando-se em amplo programa de bolsas de es- PIB passou deQ,9.Lpara2 %,. o mesmo nível do Japão. Essei
tudo no exterior para formar pesquisadores. Um programa de esforço naárea de pesquisa tecnológica permitiu um salto quali- ·
crédito subsidiado, que na Coréia do Sul chegou a absorver 1O tativo na composição das exportações.
% do produto interno bruto,7 orientou os investimentos em
função de objetivos estabelecidos pelo governo em planos qüin-
qüenais mais do que indicativos. Em_T~an, onde o sistema·-
. . •
Porque alcançaram um grau elevado de homogeneidade
social e fundaram o próprio crescimento em relativa autono-
mia tecnológica, cabe reconbecer que a Coréia do Sul e Tai-
bancário é de propriedade do Estado, um i.erçõ dá formação wan lograram superar a barreira do subdesenvolvimento, ainda
de capital fixo tem origem nas empresas públicas. Referindo- o: que a renda per capita desses países seja menos de urnJi..quinta
se a este último país, informa um especialista:. "Os incentivos parte da do Japão e não supere a de certos países latino-ameri-
fiscais foram altamente seletivos or roduto, refletindo a clara canos. São países com fortíssima densidade demográfica -
estratégia setorial do governo visando a mu ar a es · · a a na Coréia do Sul se empilham mais de quatrocentas pessoas
8
economia". Assim, uma primeira fase orientada para a conse- por qui16metro quadrado - e quase totalmente destituídas de
cução da homogeneização social (reforma agrária e investi- fontes primárias de energia Em razão dessas limitações, o de-
mento educacional) foi sucedida por outra em que o governo senvolvimento está na estrita dependência de abeJ1ura para o

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exterior, e a conquista de novos espaços no mercado interna- da pobreza"12 . Essa teona . estatu1. que a massa de pobreza
c10nal exige uma combmacão criteriosa de mão-de.::clim quah- existente em determinada economia reflete a distribuição de
ficada com tecnologia de vanguarda. . ativos no momento em que tem início o processo de cresci-
~~· As experiências referidas nos ensinam que/a homogeneiza- mento da produtividade e também a natureza das instituições
ção social· é condicão necessária mas não suficiente para superar que regulam a acumulação dos ativos. Simplificando: ali onde
o subdesenvolvimento. Segunda condição neces_sária é_filriª&.il.Q_ a propriedade da terra está concentrada e o crédito é monopo-
de um sistema produtivo eficaz, dotado de relativa autonomia lizado pelos proprietários, uma maioria de despossuídos não
• tecnológica, o que requer:. áJ descentralizacão de decisões que participará dos benefícios do crescimento, acarretando essa con-
• somente os mercados asseguram, b) ação orientadora do Es- centração da renda. Se esses dados estruturais não se modifi-
. tado dentro de uma estratégia adrede concebida, e c) exposi- cam, o aumento de produtividade engendrará necessariamente
ção à concorrência internacional. Também aprendemos que uma crescente dicotomia social. O único ativo de que a popu-
para vencer a barreira do subdesenvolvimento não é necessá- lação pobre dispõe é sua força de trabalho, e, sendo esta um
rio alcançar os altos níveis de renda por pessoa dos atuais bem de oferta elástica, o seu preço será fixado no mercado em
países desenvolvidos. função de seu custo de reprodução, perpetuando-se a miséria.
Essas idéias foram desenvolvidas por economistas liga-
dos ao Banco Mundial para serem utilizadas pelos técnicos
A TEORIA DA POBREZA dessa instituição que dão assistência aos governos de países
• A corrente do pensamento econômico que domina os gran- subdesenvolvidos. Esses autores reconhecem que, para rom-
des centros acadêmicos ignora a especificidade do subdesen- per o círculo fechado da pobreza, ftiz-se necessária uma "es-
volvimento, pretendendo englobar todas as situações históricas tratégia" de desenvolvimento, vale dizer, uma ação deliberada
de aumento persistente de produtividade em um só modelo do governo, capaz de modificar a "distribuição primária da
explicativo. E a obsessão do monoeconomics a que se referiu renda" - apropriação do produto antes dos impostos e trans-
Hirschman 10 o "falso universalismo" de ue já falava Pre- ferências. A quantidade de ativos em mãos dos pobres pode
bisch em 49. ewndo essa doutrina existe um somo e o ser aumentada mediante redistribuição do estoque existente
de industrializa ão nas economias de mercado, o qua se .es- (reforma agrária), ou mediante modificação do quadro institu-
dobra em fases temporais. Mas a realida e e ca eçu a e riem cional, a fim de que o fluxo de novos ativos também beneficie
--:::s=em=p=re::-zé-:p:-:o:::s::siív::ejl":e::s'=c'=am==o=::te~ai·_'i'la:::_-=-====-~.::::::-2=::...::-==--.. -- os pobres (reforma do sistema de crédito, por exemplo). A
Os dados estatísticos não deixam dúvida de que a ten- segunda estratégia, preconizada por Hollis Chenery, evita um ~-
dência à concentração da renda persiste em todas as fases da choque maior com interesses criados. 13 Irma Adelman reco-
industrialização, quando esta foi precedida por um período de menda a combinação das duas estratégias, mas adverte com perti-
crescimento apoiado na exportação de produtos primários, a nência que a reforma agrária deve ser feita antes da implantação
qual engendra a modernização. E com freqüência tal tendên- da política visando a incrementar a produtividade agrícola, e que
cia se acentua quando o crescimento econômico se intensi- substanciais investimentos em educação devem preceder a polí-
fica.11 Não é de surpreender, portanto, que a especificidade do tica de incentivo à industrialização.14 É evidente que Adelman se
subdesenvolvimento se manifeste conceitualmente na "teoria inspirou nas experiências de Taiwan e da Coréia do Sul, sem

52 53
contudo dar a devida importância às condições históricas que nalar algumas veredas no vasto sertão que ainda está por ser
conduziram esses dois países pelos caminhos que trilharam, desbravado. Ei-las:
em particular o grande desafio representado pela vizínhança de l. Em feliz incursão no âmago do problema, o econo-
outro estilo de desenvolvimento privilegiando o social. mista hindu Amartya Sen demonstrou com clareza que o
Ocorre que o problema verdadeiro não consiste em saber problema das fomes epidêmicas e da pobreza endêmica em
o que devia ter sido feito antes das transformações estruturais amplas áreas do mundo atual não seria resolvido mediante o au-
que conduziram ao processo de modernização, e sim em des- mento da oferta de bens essenciais nos países concernidos. É
cobrir como sair da armadilha do subdesenvolvimento. Os au- o que ele chamou de entitlement approach, ou seja, o enfoque
mentos de produtividade devidos à descoberta de vantagens da habilitação. 15 Para participar da distribuição da renda social
comparativas na agricultura já se deram há muito tempo, e os é necessário .estar habilitado por títulos de propriedade e/ou
seus frutos foram há muito absorvidos pela modernização. Por pela inserção qualificada no sistema produtivo. O que está blo-
outro lado, o ingresso na industrialização também é coisa an- queado em certas sociedades é o processo de habilitação. Isso
tiga, e seu efeito indisfarçável foi aumentar o dualismo social. é evidente com respeito a populações rurais sem acesso à terra
A ninguém escapa que o considerável aumento de produ- para trabalhar ou devendo pagar rendas escorchantes para ter
tividade ocorrido no Brasil nos últimos quarenta anos operou e.sse acesso. O mesmo se pode dizer das populações urbanas
consistentemente no sentido de concentrar os ativos em pou- que não estão habilitadas para ter acesso à moradia. As insti-
cas mãos, enquanto grandes massas da população permane- tuições que permitem a concentração em poucas mãos da _
• ciam destituídas do mínimo de equipamento pessoal com que formidável valorização das terras urbanas respondem pela mi-
se valorizar nos mercado:i., Como modificar o mecanismo que serabilidade de grandes massas da população. A pobreza em
conduz a essa perversa distribuição de ativos, ao nível das coi- massa, característica do subdesenvolvimento, tem com freqüên-
sas e das habilitações pessoais, é a grande interrogação. Não cia origem numa situação de privação original do acesso à
cabe dúvida de que aí reside o fator decisivo na determinação terra e à moradia. Essa situação estrutural não encontra solu-
da distribuição primária da renda. E das forças do mercado não ção através dos mecanismos dos mercados.
se pode esperar senão que assegurem a reprodução dessa 2. A penetração das técnicas modernas nos meios de pro-
situação, e mesmo alimentem a tendência à sua agravação. dução não significou apenas aumento de produtividade, mas
também foi causa de importantes modificações nas estruturas
SUGESTÕES AOS NOVOS PESQUISADORES sociais, facilitando e mesmo exigindo a organização das mas-
sas trabalhadoras. Por essa forma, a capacitação política se
Iniciei este ensaio com a preocupação de demonstrar que difundiu no corpo social, abrindo camínho às formas pluralis-
minha geração deu uma contribuição válida à identificação da tas de organização do poder que estão na base dos regimes
problemática do subdesenvolvimento. Não posso terminá-lo democráticos. Existe evidência estatística de que os regimes
sem expressar minha esperança de que a atual geração de eco- autoritários favorecem a concentração de renda.~ O pro-
nomistas ilumine com idéias novas os dificeis caminhos na cesso de modernização, ao retardar a penetração de novas
busca da superação do subdesenvolvimento. .,. técnicas nos meios de produção, também retardou a emer-
O pouco que sabemos a esse respeito nos autoriza a assi- gência de novas práticas de organização das massas traba-

54 55
lhadoras. Um dos traços característicos do subdesenvolvi- , nuo e crescente de aplicação de recursos.. 11~esquisa cientí-
mento é a exclusão de importantes segmentos da população fico-tecnológica, particularmente por parte das empresas.
da atividade política, privados que estão de recursos de poder. 5. Nas economias desenvolvidas, a função reguladora do
Daí a proclividade ao autoritarismo. Essa situação somente se Estado se esgota na consecução de equilíbrios macroeconômi-
modifica com a emergência de formas alternativas de organi- co . Mudan as estruturais, sem re aduais, decorrem de alte-
zação social capazes de ativar os segmentos de população rações nas relações de forças entre segmentos da soc1e a e
politicamente inertes. 17 civíl, originárias ou não de inovações tecnológicas, mas sempre
3. Para o conjunto da população, o ativo de mais peso na com reflexos nas escalas de preferência manifestaãa:snos mer-
distribuição da renda é aquele que está incorporado como ca- cados. O esforço para superar o subdesenvolvlmenro--cunstitui
pacitação no próprio fator humano. Com efeito, outra caracte- quadro distinto, dado que as importantes modificações estru-
rística básica do subdesenvolvimento é a existência de mp. amplo turais requeridas não se fazem sem um projeto político espo-
segmento de população privado de qualquer habilitação pro- sado por amplos segmentos sociais. Sem um projeto fundado
fissional. Inclusive daquela habilitação sem a qual não se tem em percuciente conhecimento da realidade, os ensaios dessas
acesso a nenhuma outra, que é a alfabetização. Os mecani~~-- transformações dificilmente atingirão a eficácia requerida.
mos de mercado tendem a agravar essa situação, pois o acesso Sem o consenso de conspícuos segmentos da sociedade, o
à habilitação é principalmente função do nível de renda do projeto bem elaborado não terá viabilidade. De um lado, estão
• grupo social. Para franquear essa barreira, seria necessário que o a pesquisa e a criação intelectual, sem os quais não existirão
país subdesenvolvido dedicasse ao aperfeiçoamento do fator os ingredientes que permitem construir o projeto; de outro,
humano parcela substancial de seu esforço de poupança, o que estão as iniciativas surgidas na sociedade civil, condensando
significa conviver com taxas de crescimento mais baixas e/ou os recursos de poder necessários, pois a luta . contra o subde-
lograr redução significativa do consumo dos grupos de altas senvolvimento não se faz sem contrariar interesses e ferir pre-
rendas durante período de tempo a ser determinado. conceitos ideológicos.
4. Um dos paradoxos da economia subdesenvolvida está O subdesenvolvimento, como o deus Jano, tanto olha para a
em que o seu sistema produtivo apresenta segmentos que ope- frente como para trás, não tem orientação definida. É um im-
ram com níveis tecnológicos diferentes, como se nela coexis- passe histórico que espontaneamente não pode levar senão a
tissem épocas distintas. Os grupos sociais de alta renda regue- . alguma forma de catástrofe social. Somente um projeto polí-
,. rem uma oferta baseada em tecnologia sofisticada, enquanto l tico apoiado em conhecimento consistente da realidade social
grandes massas de população lutam para ter acesso a bens poderá romper a sua lógica perversa. Elaborar esse conheci-
considerados obsoletos e mesmo produzidos com tecnologia mento é tarefa para a qual devem contribuir as universidades.
rudimentar. Por outro lado, para penetrar nos mercados inter-__.
nacionais, o caminJ:!g__ml!iS eficaz_ consiste em utilizar um misto NOTAS
de tecnologias: tirar partido da abundância de certos fatores
primários e, ao mesmo tempe:, apoiar-se em tecnologias de 1. Ver em particular "Crecimiento, desequilíbrio y disparidades: in-
vanguarda. Essa situação particular requer certo grau de auto- terpretación del proceso de desarrollo económico", in Estudio Económico
nomia tecnológica, que não se obtêm sem _um esforço contí- • de América Latina 1949, EICN, 12/164/Rev. !, 11 de janeiro de 1951.

56 57
2. Sobre a industrialização tardia, a referência básica é A. Gerschenk- , mais pobres da população conheceram um declínio de 17,4 % para 14,9 %
ron, Economic Backwardness in Historical Perspective, Cambridge, Mas- e 12,9 % no correr desses dois decênios de rápida industrialização e ele-
sachusetts, 1966. Ver também B. Supple, "Toe State and Industrial Revo- vada taxa de crescimento.
lution 1700-1914", in The Industrial Revolution, Cario M. Chipolla (org.), 12. Ver Irma Adehnan, "A Poverty-Focused Approach to Develop-
vol. IIl da The Fontana Economic History ofEurope, Londres, 1973. , ment Policy", in Development Strategies Reconsidered, op. cit., e também
3. Cf. "Subdesenvolvimento e dependência: as conexões fundamentàfs", Gary S. Fields, Poverty, Inequality and Development, Cambridge Univer-
in O mito do desenvolvimento econômico, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974. sity Press, 1980. Dados sobre o Brasil encontram-se em La Pobreza en
4. Cf. Simon Kuzuets, "Economic Growth and Income Inequality", América Latina: Dimensiones y Políticas, Estudos e Informes da CEPAL,
0
American Economic Review, vo1. 45, n. 0 1, março de 1955. n. 54, Santiago do Chile, 1985.
5. Uma apresentação da teoria do subdesenvolvimento com aplica- 13. Cf. Hollis Chenery et alii, Redistribution with Growth, Oxford
ção ao caso brasileiro encontra-se em C. Furtado, Análise do "modelo" University Press, 1974.
brasileiro, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972. Ver também, do 14. Cf. Irma Adehnan, op. cit., p. 57, e, da mesma autora, Redistri-
mesmo autor, "Subdesenvolvimento e dependência: as conexões funda- bution before Growth - a Strategy for Developing Countries, Haia, Marti-
mentais", op cit. Uma primeira formalização de um modelo de desenvolvi- nus Nijhof, 1978.
mento conduzindo necessariamente à desigualdade social encontra-se em 15. Ver Amartya Sen, Poverty and Famines: an Essay on Entitlement
Lane Taylor e Edmar Bacha, "The Unequalizing Spiral: a First Growth and Deprivation, Oxford, Clarendon Press, 1981, e também, do mesmo autor,
Model of Belinda", in Quarterly Joumal of Economics, vol. 90, n. 2,
0 Hunger and Entitlement, World Institute for Development Economic Re-
1976. Um modelo formal de economia desarticulada (subdesenvolvida), search, Universidade das Nações Unidas, Helsinque, 1987. Essê Instituto
seguido de teste empírico com dados referentes ao Brasil, encontra-se em está realizando ampla pesquisa na matéria sob o título de "Fome e pobreza
• Elisabeth Sadoulet, Croissance Inégalitaire dans une Economie sous-dévé- - o bilhão mais pobre" .
loppée, Genebra, Droz, 1983. 16. Atul Kohli, "Democracy and Development", in Development Stra-
6. Quem primeiro chamou a atenção para o significado econômico tegics Reconsidered, op. cit.
da "cortina de ferro" foi R. Nurkse nas conferências que pronunciou no 17. Ver Albert Hirschman, Getting Ahead Collectively: Grassroots
Rio de Janeiro em 1951 e que foram publicadas na Revista Brasileira de Experiences in Latin America, Nova York, Pergamon Press, 1984. Vertam-
bém o número de World Development, vol. 15, 1987, dedicado ao papel
Economia.
das organizações não-governamentais.
7. Cf. Colin !. Bradford Jr., "East Asian 'Models': Myths and Les-
sons", in Development Strategies Reconsidered, John P. Lewis e Valeriana
Kallab (orgs.), U. S. Third World Policy Perspectives, n.0 5, Overseas De-
velopment Council.
8. Cf. Colin !. Bradford Jr., op. cit., p. 120.
s
9. Cf. Dilip Mukerjee, Lessons from Korea Industrial Experience,
Institute of Strategic and Intemational Studies, Malásia, 1986, p. 37.
10. Cf. Albert O. Hirschman, "Toe Rise and Decline of Develop-
ment Economics", in Essays in Trespassing: Economics to Politics and
Beyond, Cambridge University Press, 1981, p. 4.
11. As estatísticas oficiais indicam que o 1 % mais rico da população
do Brasil aumentou sua participação na renda nacional de 11,9 o/o, em
1960, para 14,7 % em 1970, e 16,9% em 1980; enquanto isso, os 50 %

58 59
III

RETORNO À VISÃO GLOBAL


DEPREBISCH

Em uma apresentação sintética de seus trabalhos teóri-


cos, 1 Raúl Prebisch referiu-se à idéia de um "sistema de rela-
ções econômicas internacionais", que denominou "centro-pe-
• . riferia", como sendo um subproduto de suas reflexões em torno
das flutuações cíclicas que ocorrem na esfera internacional.
• Parecera-lhe evidente que os ciclos têm origem nas economias ·
dos países industrializados, propagando-se em seguida na es-
fera internacional. Or!!, nesse processo de propagação os paí-
ses especializados na produção e exportação de produtos pri-
' mários têm um comportamento passivo, se bem que as
. flutuações no nível das atividades econômicas neles se apre-
sentem de forma ampliada.
Dessa reflexão em torno da propagação dos ciclos veio-
lhe a percepção de que o sistema de divisão internacional do
trabalho surgira para atender prioritariamente aos interes-.
ses dos países que estão à frente do processo de industrializa-
ção. "Os países produtores e exportadores de matérias-primas
estão ligados a esse centro em função de seus recursos natu-
rais, constituindo assim uma vasta e heterogênea perife-
ria, incorporada ao sistema de diferentes formas e em
graus diversos. " 2
Essa visão global da economia capitalista, que permitia
nela identificar uma fratuni est:ruturalgerada pela lentapropa-

61
gação do progresso técnico e perpetuada pelo sistema de divi- que outros países industrializados ativassem suas economi<1s e
são internacional do trabalho que então existia, constituiu cer- aumentassem suas exportações, o efeito estimulante sobre o
tamente a contribuição teórica maior de Prebisch, e foi o ponto Reino Unido se faria sentir rapidamente, ampliando-se pronta-
de partida da teoria do subdesenvolvimento que dominaria o . mente as importações britânicas. Daí que não existisse ten-
pensamento latino-americano, tendo amplas projeções em ou- dência para a acumulação de reservas de ouro no centro
tras regiões do mundo .• Para Prebisch, o subdesenvolvimento principal.
procede da limitação do progresso técnico às atividades ex- Esse quadro modificou-se qualitativamente, segundo Pre-
portadoras de produtos primários. "dando origem a estruturas_ bisch, a partir do momento em que os Estados Unidos assumi-
, sociais heterogêneas, nas quais grande parte da ~opulação não ram a função de centro principal da economia capitalista, em
_ tem acesso aos beneficies do desenvolvimento". razão do fato de que seu coeficiente de importações era suma-
Nessa síntese tardia de suas idéias, Prebisch restringiu o mente baixo .. Se a reativação cíclica tinha início nos Estados
alcance explicativo da visão "centro-periferia" às assimetrias Unidos, o poder indutor externo gerado por suas importações
. estruturais engendradas pela lenta difusão do progresso téc- era reduzido; se se iniciava em outra economia industrial, a
nico, assimetrias responsáveis pela tendência à degradação dos resposta da economia norte-americana era de extrema lenti-
, termos de intercâmbio dos países exportadores de matérias- dãQ. Esse quadro desfavorável às economias periféricas - que
primas. Ora, em seu texto clássico de 19494 Prebisch empe- _para crescer dependem do impulso externo - fez-se ainda
-: nhou-se em construir, a partir da visão"C"eiltrO-fferirenã''5;0 mais adverso em razão da tendência a um persistente declínio
• núcleo de uma teoria dinâmica da economia internacional. Par- . do coeficiente de importações desse país, o qual caiu de 6 o/;;-
tira ele da crítica da teoria corrente em tomo dos desequilí- em 1925 para 3,1 % em 1949.
brios das balanças de pagamentos, a ,qual era uma simples Prebisch via a economia internacional ,não como uma
prolongação da teoria quantitativa da moeda - considerada, estrutura que apenas se reproduz, mas como um sistema em
nesse caso, como uma mercadoria de demanda ilimitada (o expansão cíclica sob o impulso da propagação do progresso
ouro). Prebisch denunciara o caráter estático dessa teoria "que técnico. Afastando-se do enfoque tradicional que considera o
se limita a observar que toda perturbação supõe a passagem intercâmbio externo como simples prolongação da atividade
de uma situação de equilíbrio para outra". 5 Em realidade, sua produtiva interna - uma troca de excedentes, que permita
crítica ia mais longe: a teoria predominante poderia ter tido aumentar a produtividade dos fatores relativamente mais abun-
alguma validade quando a economia capitalista tinha como dantes ? , Prebisch atribuiu-lhe um dinamismo autônomo. E
centro principal o Reino Unido, dada a profunda integração esse dinamismo reflete a forma como se articulam as econo-
' deste no sistema de divisão internacional do trabalho. Assim, mias cêntricas e a eficiência com que o centro principal exerce
em razão do alto grau de abertura da economia britânica (seu funções reguladoras.
coeficiente de importação alcançou urna média superior a 30 À diferença do que está implícito na teoria tradicional
% entre 1870 e 1914), a capacidade de resposta desse país a das balanças de pagamento, o elemento tempo desempenha
qualquer estímulo externo era considerável. As exportações um papel fundamental na visão de Prebisch: o tempo de pro-
desempenhavam na economia do Reino Unido "uma função pagação das ondas cíclicas é função do grau de abertura ex-
dinâmica semelhante à dos investimentos de capital". 6 Sempre terna do centro principal.

62 63
.,. A difusão do progresso técnico dá-se a partir das econo- No período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial e,
mias cêntricas, as quais são influenciadas pelo comportamento se estendeu até fins dos anos 50, os Estados Unidos se benefi-
'. do centro principal. Esse processo de interação das economias • ciaram de amplo saldo comercial em conta corrente, o que
.. dominantes conheceria profundas modificações quando os Es-, • lhes p=itiu financiar vultosos gastos no exterior e acumular
tados Unidos assumiram o papel de centro principal. enom,es reservas de câmbio. Foi a época da chamada "escas-
Ao contrário da primeira vertente da visão "centro-peri- sez de dólares", fenômeno que muitos economistas atribuíram
feria" - ponto de partida da teoria do subdesenvolvimento - , a um diferencial positivo de produtividade em favor da econo-
esta segunda não foi devidamente elaborada nos anos que se mia norte-americana. Aceitava-se então como certo que a po-
seguiram à sua formulação, se bem que os desequilíbrios de sição de vanguarda, no que respeita à produtividade - fruto de
balança de pagamentos houvessem passado a ser o problema gastos importantes em pesquisa e desenvolvimento - , asse-
principal da economia internacional a partir do decênio de 60. guraria aos Estados Unidos por muito tempo a função de
Prebisch chamara a atenção para o fato de que o coefi- centro principal da economia capitalista. O crescimento relati-
ciente de importação do Reino Unido, no seu apogeu como vam~nte mais rápido da produtividade, observado no imediato .
centro principal, era muito superior a seu coeficiente de ex- pós-guerra em outros países industrializados, encontrava ex-
portação. Mas isso era o final de uma longa evolução. Ao. fi- plicação no processo de "recuperação econômica" em que estes
nalizar o decênio de 20, o Reino Unido pagava um terço ou se ~mcontravam empenhados. Dava-se por certo que, quando
mais de suas importações com rendas derivadas de seus inves- se iproximassem do nível mais alto em que se situava a pode-
• timentos no exterior. No papel de centro principal, essa econo- rosa nação americana, já não lhes seria fácil manter tão ex-
mia se havia afirmado inicialmente como vanguarda do pro- pressivas taxas de incremento da produtividade.
.. gresso tecnológico, o que lhe valeu uma grande capacidadede · __Ma.s...o que se abservrn1 a partir dos anos 60 foram modi-
penetração nos mercados dos demais países. Dessa maneira, • ficacões profundas nas relações entre as economias cêntricas.
parte importante da poupança britânica se canalizara natural- que afetaram seriamente a posição norte-americana como centro
mente para o exterior. Nessa primeira etapa, o centro principal principal. O sistema de taxas de câmbio fixas, que vinculava o
exercera o papel de grande difusordo progresso técnico gerado ~ dólar ao ouro, dava lugar a uma evidente s.obrevaloriza_Ção--
na época. Em uma etapa subseqüente, ele se beneficiaria com o dessa moeda o ue re ercutiu negativamente na competitivi-
retomo desses investimentos feitos no exterior: a moeda se sobre- dade externa da economia norte-americana. De orma para o-
valorizara graças ao retomo de lucros e dividendos, o qlJe favore- xal, essa situação favoreceu os investimentos das empresas
cera o crescimento das importações em relação às exportações. , norte-americanas no exterior, o que também se traduziu em
Essa situação final expressava o estado de apogeu de uma eco- pressão sobre as reservas de ouro do centro principal. Em 1963,
nomia que se beneficiava de importantes retornos gerados no . o governo Johnson introduziu a lei chamada Interest Equali-
exterior pelos investimentos realizados anteriormente. " zation Act, tentando frear a saída de capitais - primeiro sinal
Prebisch não voltou a dar atenção aos problemas de ajus- -· de debilidade de uma economia que desempenhava o papel de
tamento de balança de pagamentos dos países cêntricos após o centro motor do mundo capitalista. Ora, conseqüência dessa
seu estudo clássico de 1949. A vigência das instituições de medida foi o reforçamento do emergente mercado do eurodó-
Bretton Woods parecia haver dado o assunto por encerrado. lf e lar, já que as empresas norte-americanas gue operavam no ex-

64 65
• terior começaram a reter fora do país seus ativos líquidos. Ao _<kcênio de 1970. Também contribuiu para esse resultado o
acumular-se uma grande massa de liquidez em dólares nos , peso dos gastos gue realizou o governo norte-americano na ··
bancos centrais de alguns países cêntricos, e também em ban- , mon~gem _de um sistema de segurança que compreendia ins-
cos privados norte-americanos no exterior, a convertibilidade. ta]açoes. militares em todos os continentes. O fato de que a
do dólar em ouro tomou-se insustentável. economia dos Estados Umdos.. era relativamente pouco aberta
• A suspensão dessa convertibilidade ocorreu em 1971 e . para º. exterior restringia sua capacidade de realizar gastos que
_ provocou forte valorização do ouro. O valor deste em dólares mcomam em cus~o.s em divisas. Com o correr do tempo, os
e, em menor escala, em outras moedas das reservas mantidas enorm~s gastos !Illhtares forçariam o governo de Washington
nesse metal aumentou inusitadamente, inflando-se a massa de a cobnr os ~esembolsos no exterior com emissões de papel-
liquidez internacional. Não tardou o abandono do regime de moeda de crrculação internacional forçada, vale dizer, obri-
câmbio fixo pelo governo dos Estados Unidos, que se produ- gando os bancos centrais de outros países a acumular excessi-
ziria dois anos depois. Não obstante a intervenção dos bancos vas reservas em dólares, as quais se transformavam em títulos
• centrais mais poderosos, a desvalorização da moeda ameri- da dívida pública do Tesouro dos Estados Unidos. Basta ob-
cana em relação às moedas dos demais países cêntricos foi servar o comportamento dos gastos militares, realizados em
considerável, provocando a fuga para ativos reais, numa sigm- proporção crescente fora do território do país nos anos 60,
ficativa onda de especulação nos mercados internacionais. para comprovar.ª magmtude .das deslocações que se produ-
A prolongada sobrevalorização do dólar - a partir da ziam na economia norte-amencana, levando-a a uma situação
• Segunda Guerra Mundial até 1973 - não terá sido estranha de dependência ffnanceira com respeito a outras economias
ao desgaste da posição dos Estados Unidos como centro prin- cêntric11z. Em 1973, os gastos militares representaram 5,6 %
cipal. Para defender essa posição, teria sido necessário mapter do ~NB desse país. Esses gastos reduziam o potencial de in-
o nível de reservas e uma acumulação de ativos reprodutivos_ vestrrnento do setor público em atividades econômicas e sociais.
no exterior, capazes de colocar o dólar a salvo de qualquer_ E, a partir desse ano, observa-se uma sensível diminuição dataxa
ameaça, independentemente do nível da atividade econômica de crescimento da produtividade média da economia.
norte-americarw. Cabe ao centro principal emitir a moeda que No decênio que se inicia em 1973, o crescimento da
serve de reserva ao conjunto do sistema capitalista, prerroga- produtividade não superou a metade do que havia sido nos
tiva ue su õe uma osição de balança de pagamentos em_ dez anos anteriores. Ora, essa desaceleração do aumento da
conta corrente excepcionalmente sólida. oli a com respeito r??utividade não im ediu ue crescesse o peso dos gastos
às modificações da conjuntura internacional e também frente militares. os guais alcançaram 6,6 % do PNB em
às mudanças bruscas de sua própria conjuntura interna, pois a Ademais, a taxa de poupança se reduziu, naquele período,
política monetária do centro principal deve assegurar fluidez . de 9,5 % para 6,7 o/'l,: Cabe reconhecer que a sociedade
às correntes internacionais de caJ)_ital a curto prazo. ..norte-amencana não se havia preparado para exercer a posi-
Se aprofundarmos a análise desses fatos, veremos que ..ção internacional dominante que ocupou como resultado da
não foi somente a sobrevalorização do dólar que atuou no sen- Segunda Guerra Mundial.
tido de comprometer a posição de centro principal que certa- . • A não existência de um centro principal dotado de efetiva
mente ocupou a economia norte-americana até começos do capacidade ordenadora certamente não é alheia aos grandes

66 67
, desequilíbrios ocorridos na economia internacional a ~~rfü d~ rápida desvalorização de um dólar antes sQbrevalorizado, de-
início dos anos 70. Manifestação flagrante desses desequ1hbnos e sencadeou uma onda de elevação de preços no plano interna- .
a enormidade da dívida externa das economias periféricas. cional._ Nos países que buscavam aumentar suas exportações,
A desordem implantada no sistema monetário-financeiro financiando-as nos bancos que administravam o excedente
internacional, em razão do excesso de liquidez gerado pela de liquidez internacional, manifestaram-se pressões inflacioná-
· crise do dólar, foi o ponto de partida do processo de endivida- rias adicionais. Produziu-se assim uma corrida para os ativos
mento de quase todos os países da periferia. As taxas de juros reais e para a acumulação de estoques. Os preços dos alimen-
em 1973 não passavam de 2 % negativos, no ano seguinte tos elevaram-se no mercado internacional em 54 % em 1973
alcançaram 6 % negativos, e até fins do decênio se mantive- e em 60 % em 1974, e os preços dos metais aumentaram em'
ram extremamente baixas. Esse quadro de desajustes foi agra- 45 % e em 25 % nesses dois anos, respectivamente. Uma in- ·
vado no segundo semestre de 1973 pela elevação brutal dos fiação de dois dígitos se manifestou por todas as partes no ,
preços do petróleo, o que permitiu a um grupo de países sem mundo capitalista industrializado, fato sem precedente desde a
capacidade para absorver grandes recursos financeiros acumular Segunda Guerra Mundial.
de maneira precipitada enormes reservas sob a forma de certi- 9. o overno norte-americano decidiu abandonar
ficados de depósito em bancos internacionais. O desequilíbno a atitude negligente face à inflação e optou por uma política
provocado nas contas externas dos países cêntricos - quase • de choque, de tipo cruamente monetarista. Mas ocorre que o
todos eles grandes importadores de petróleo - levou-os a buscar sistema monetário internacional se baseia no dólar, e a criação

,por todos os meios o aumento de suas exportações. O esforço do eurodólar não é mais do que um multiplicador de cré-
de abertura adicional das economias industriais, realizado em dito, a partir de depósitos em dólares realizados fora dos
seguida à comoção do aumento do preço do petróleo, teve Estados Unidos. As autoridades monetárias nbrte-americanas
como contrapartida o incremento das importações dos países têm, portanto, o poder de atuar sobre o mercado monetário
periféricos, assim como uma transformação do exces.so de li- internacional mediante a manipulação da base monetária de
quidez dos bancos internacionais em créditos sobre ess.es países. seu paí:,.,.Se as taxas de juros são elevadas pela Reserva Fede-
As economias subdesenvolvidas, que lutavam tradicionahnente .ral, forma-se imediatamente uma corrente de recursos finan-
com grande escassez de capital, encontraram-se repentinamente ceiros em direção a esse país, junto com a alta das taxas de
em face de uma oferta completamente elástica de recursos finan- • juros no mercado internacional.
ceiros no mercado internacional a taxas de juros negativas. Nessas circunstâncias, ao aplicar uma política moneta-
A conjunção de uma oferta de capitais sem restrições no rista restritiva, o governo de Washington descobriu as facili-
plano internacional e do empenho dos países cêntricos em corri- dades de que dispõe para financiar-se no exterior; estava por-
gir o desequilíbrio de suas contas externas - provocado pela tanto aôerta a porta para uma expansão descontrolada de seus
brusca elevação dos preços do petróleo - explica a rápida · gastos. Com efeito, a balança em conta corrente dos Estados
acumulação de dívida externa por países que buscavam meios·. Unidos, que se mantivera equilibrada até 1978, fez-se nega-
para intensificar seu crescimento ou simplesmente para elevar tiva desde começos dos anos 80: seu déficit alcançou 45 bi-
o nível de seus gastos. lhões de dólares em 1983 e cresceu até atingir, em 1987, o
O regime de tipos de câmbio flutuante, que permitiu a nível assustador de 147 bilhões de dólares.

68 69
Por outro lad(l, o déficit na conta de transações corrente~- mia dos Estados Unidos é que no último trimestre de 1987 o~.
dos Estados Unidos veio a traduzir a segunda grande desloca- pagamentos de juros e dividendos no exterior foram superiores
~ção produzida nas estruturas internacionais da economia capi- às receitall,; A posição líquida dos investimentos no exterior
talista. Esse déficit é a causa básica da inusitada elevação das • era, em ) 980, favorável aos Estados Unidos em 106 bilhões
taxas de juros reais ocorrida no último decênio. Em 1980, essas , de dólares. cabendo notar que passou a ser negativa em 1985.
, taxas já passavam de 8 %, e em 1982, haviam chegado a 12 %.

I
nas economias
.
Dessa maneira, dois -processos de ajustamento ocorridos
cêntricas - o primeiro, ligadu ao .esforco de
Os ativos norte-americanos no exterior somavam, em 1986,
1,068 trilhão de dólares, enquanto os ativos estrangeiros nos
Estados Unidos ascendiam a 1,332 trilhão. 8
· ..recuperação do eqmhbno externo dessas economias .em se- É natural, portanto, que se indague como, nas circunstân-
guida à primeira elevação dos preços do petróleo e tomado cias atuais, está sendo desempenhada a função de centro prin-
,possível pela abundância descontrolada de liquidez interna- cipal. Os Estados Unidos continuam exercendo parte dessa
' · cional; o segundo, no tocante às políticas monetárias restriti- função, pois o sistema monetário internacional se baseia no
vas do governo norte-americano e à forma como vem sendo dólar, mas já não exercem a função de grande provedor de
financiado o déficit fiscal desse governo - se encontram no recursos financeiros internacionais. papel que vem sendo exer-
ponto de partida da enorme dívida_q11eJ)e~a atualmente sobre cido pelo Japão e pela Alemanha. Basta observar as contas
os países que constituem a periferia do sistema capitalista. - correntes das balanças de pagamento dos últimos anos. Em
O declínio relativo da taxa de aumento da produtividade • J987, o déficit dos Estados Unidos. no montante de 147 bi-
e a redução simultânea da taxa de poupança, que se manifesta- lhões de dólares, teve como contrapartida um superávit de 84
ram no início dos anos 70, incapacitaram os Estados Unidos . bilhões do Japão e outro de 50 bilhões da Alemanha. Trata-se
de exercer a função de centro principal. Essa situação agra- de uma situação ~v.ictel1tem~ntejt1stáyeLpois:jII1plicao endi-
vou-se depois de 1980, ao manifestar-se um déficit fiscal que -"idamento crescente dos.Estados Unidos com .respeito a ou-
absorveu quantidade superior ao total da poupança privada. A tras economias cêntrica~. Enquanto se mantiver esse desequi-
mudança qualítativa na posição internacional da econon)i.a norte- Ííbrio. as taxas de juros permanecerão elevadas, o gue se
arnericana pode ser aferida no comportamento das empresas._ • traduz em degradação progressiva da posição norte-ameri-
• Os investimentos japoneses diretos nos Estados Unidos subi- , cana. São evidentes as conseqüências.negativas para os países
ram de 4,7 bilhões de dólares, em 1980, para 53 bilhões, em ". sobreendividados.
1988, período em que os investimentos norte-amencanos di- Para que a economia internacional volte a funcionar ade-
retos no Japão cresciam__de 6,2 bilhões para 16,9 bilhões .• quãdamente, na ausência de um centro principal, é necessário
de dólares. O mesmo se observa com respeito à Comunidade que se criem formas de regulação por consenso dos países
Econômica Européia, pois os investimentos diretos dos países _ • cêntrjcos principais. E o caso de indagar se não constitui um
que a compõem, nos Estados Unidos, subiram de 50 bilhões . • passo nessa direção a emergência de grupos coordenadores
de dólares, em 1980, para 193 bilhões, em 1988, enquanto os dos dez e dos sete governos das principais economias. Con-
investimentos diretos norte-americanos na CEE passavam de tudo, os países que disputam a posição dominante são apenas
7
80 bilhões para 126 bilhões de dólares no mesmo período. doi~ e cabe perguntar se lhes convém prolongar o processo
Indicação significativa da mudança de posição da econo- : atual de aumento da dependência financeira dos Estados Uni-

70 71
dos. Em todo caso, está fora de dúvida que nos encaminhamos IV
para um sistema de regulação por consenso, o qual será a ex-
pressão da vontade de poucos, ficando por definir o peso rela-
tivo destes. Mas a possibilidade de que uma só economia
exerça o papel de centro principal já não existe.
NOVA CONCEPÇÃO DO
NOTAS DESENVOLVIMENTO
1. Raúl Prebisch (1984), "Cinco etapas en mi pensamiento sobre e!
desarrollo", in G. M. Meier e Dudley Seers (orgs.), Pioneros dei desar-
rollo, publicação do Banco Mundial, Madri, Tecnos, 1986, p. 178.
2. Op. cit., p. 179.
3. Op. cit., p. 180.
O trabalho intelectual a que me dediquei durante toda a
4. Ver CEPAL, "Crécimiento, desequilíbrio y disparidades: interpre- vida teve como ponto de partida o desejo, que cedo me em-
tación del proceso de desarrollo económico", Estudío económico de Amé- polgou.._ de conhecer as razões de nosso atraso no processo de
rica Latina 1949 (EICN. 12/164/Rev. 1), Nova York, primeira parte, 11 de industrialização que marca a história contemporânea a partir
0
janeiro de 1951. Publicação das Nações Unidas, n. de venda: 1951, G. 1. do final do século XVIII. Havendo apreendido a importância do
5. Op. cit., p. 38. · impacto da Revolução Industrial na divísão internacional do tra-
6. Op. cit., p. 36.
7. Dados de Survey Cun·ent Business, reproduzido em Le Monde,
ª
. balho, compreendi sem tardança natureza do fenômeno do
· subdesenvolvimento, o que me permitiu montar o quadro con-.
Paris, 31 de outubro de 1989.
8. UNCTAD, Infonne sobre e/ comercio y e/ desarrollo, J988
ceitual dentro do qual construiria o essencial de meu trabalho
(UNCTAD/TDR/8), Genebra, 1988. Publicação das Nações Unidas, n. de
0 teóricQ, Daí a visão global em que se incluemAêsenvolvi-
venda: E. 88, II, d. 8, p. 68. .. ~ , inento e subdesenvolvimento como dimensões de um mesmo
proéesso históricq{é a idéia de dependência como ingrediente
desse processo .
• Pareceu-me que, para entender a formacão do sistema
• .. econômico - que tendeu a mundializar-se e teve como ponto
!,:
• de partida a aceleração da acumulação e do progresso técnico
que marca o começo da era contemporânea - , impõe-se ob-
servar esse processo de dois ângulos. O primeiro enfoca as
,
0
t_!:1JQ§fürmª_çj'í€ê~ do1nC>dode_proc!11ção,ou seja,_ a destruição
total ou parcial das formas senhorial, coq,orativa e artesanal
de organização da produção, e a progressiva implantação de
mercados dos fatores produtivos: mão-de-obra, os instrumen-
tos de trabalho, a tecnologia e os recursos naturais apropria-

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dos privadamente. O segundo ângulo de observação concerne senvolvimento não se daria ao impulso das simples forças do_
à ativação das relações comerciais ligadas à implantação de mercàdo, exigindo um projeto político apoiado na mobiliza-
um sistema de divisão do trabalho inter-regional. Nesse sis- ção de recursos sociais, que perinita empreender um trabalho
tema, as regiões em que .ocorreu a intensificação da acumula- de reconstrução de certas estruturas. Daí que me haja empe-
ção especializaram-se nas. atividades produtivas em que a nhado, desde a época em que trabalhei na CEPAL nos anos
revolução em curso no modo de produção abria maiores 50, em elaborar urna técnica de planejamento econômico que
possibilidades ao avanço das técnicas, transformando-se em • viabilizasse com mínimo custo social a superação do subde-
focos geradores do progresso tecnológico. Por seu lado, a senvolvimento. Essa técnica objetivava modificar estruturas
especialização geográfica, graças aos efeitos das vantagens com- bloqueadoras da dinâmica sócio-econômica, tais como o lati-
parativas em um mercado em expansão, também propor- fundismo. o coi;porativismo, a canalização inadequada da pou-
cionava aumentos de produtividade ali onde se procedia a urna
utilização mais eficaz dos recursos produtivos disponíveis, in- sua drenagem para o exterior. As modi cações estruturais eve-
dependentemente de avanços nas técnicas de produção. Esses riam ser vistas como.um prgc_essgJiberadordeenergias criati-
aumentos de produtividade, apoiados essencialmente no inter- vas, e não como um trabalho de engenharia social em que
câmbio externo, serviam de correia de transmissão das inova- tudo está previamente estabelecido. Seu objetivo estratégico
ções na cultura material que acompanhavam a intensificação seria remover os entraves à ação criativa do homem, a qual,
da acumulação nos países que formavam a vanguarda da Re- nas condições do subdesenvolvimento, está coarctada por ana-
volução Industrial. Dessa forma, em regiões privilegiadas o cronismos institucionais e por amarras de dependência externa.
progresso técnico penetrou sem tardança nas formas de produ- Não me escapava que o verdadeiro desenvolvimento dá-
ção, ao mesmo tempo que os padrões de consumo se moder- se nos homens e nas mulheres e tem importante dimensão po-
nizavam. Ao passo que em regiões marginalizadas essa pe- lítica. A história subseqüente não fez senão confirmar minhas
netração se circunscreveu inicialmente aos padrões de · opiniões iniciais. Assim, como ignorar que foi porque a partir
consumo, limitando seus efeitos à modernização do estilo de • de 1964 o Brasil paralisou seu desenvolvimento político - em
vida de segmentos da população. É verdade que o processo de realidade, retrocedeu nesse plano enquanto sua sociedade
industrialização em fase subseqüente tenderia a universalizar- cre,scia e se fazia mais complexa - , como ignorar, dizia- .
se mediante o que se chamou de substituição de importações. mos, que nos tornamos uma nação de dificil governabili-
Mas a industrialização tardia regida pelas leis do mercado levou dade, que destrói recursos escassos e acumula problemas de
ao reforçamento das estruturas sociais existentes em razão de, forma alucinante?
sua fraca absorção de mão-de-obra e da forte propensão a consu- A visão global também me fez perceber, desde começos
mir das camadas modernizadas da sociedade. dos anos 70, que a fratura do subdesenvolvimento se faria
O subdesenvolvimento, por conseguinte, é uma confor- mais deformante à medida que se aprofundasse a crise mani-
mação estrutural produzida pela forma como se propagou o festa que aflige a civilização consumista em vias de planetari-
progresso tecnológico no plano internacional. zaçã~. Que é inerente a essa_civili2'.ação um processo depreda-
Essa visão global do processo histórico do capitalismo dor já o sabíamos há muito tempo: as fontes de energia em
industrial levou-me à conclusão de que a superação do subde- • que se funda o estilo de vida que ela estimula caminham para

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"a exaustão, eleva-se a temperatura em nosso ecúmeno e é pro- olítica em fun ão de uma nova concepção do desenvolvimento,
gressivo o empobrecimento da biosfera. osto ao alcance de todos os ovos e capaz e preservar o equiII-··--
Não podemos escapar à evidência dê que a civilização brio ecolócico. O ob.etivo deixaria de ser a repro ução os pa-
criada pela Revolução Industrial aponta de forma inexorável
para grandes calamidades. Ela concentra riqueza em beneficio . ssidades fundamentais do conjunto a popu aça9 ·e a
de uma minoria cujo estilo de vida requer um dispêndio cres- educa ão concebida como desenvo v1mento as po enc1ál1_da-
cente de recursos não-renováveis e que somente se mantém des humanas nos planos ético, estético e a ação so 1 aria ..
porque a grande maioria da humanidade se submete a diversas• criatividade humana, hoje orientada de forma obsessiva para a
formas de penúria, principalmente à fome. Uma minoria dis- inovação técnica a serviço da acumulação econômica e do
põe dos recursos não-renováveis do planeta sem se preocupar poder militar, seria dirigida para a busca da felicidade, esta
com as conseqüências para as gerações futuras do desperdício entendida como a realização das potêíiciàlidadés e aspfrações
que hoje realiza. dos indivíduos e das comunidades vivendo solidariamente.
É certo que a engrenagem do subdesenvolvimento cons- A idéia nova que começa a despontar é a de responsabili-
titui um eficiente mecanismo para minorar a pressão sobre os dade dos países que constituem a vanguarda da civilização
recursos, ao reduzir o nível de consumo da grande maioria da industrial com respeito às destruições, custosamente repará-
humanidade, se bem que também contribua para elevar o coe- veis, causadas ao patrimônio comum da humanidade consti-
ficiente de desperdício, ao difundir padrões de consumo sem tuído pelos bens naturais e pela herança cultural. A Conferência
correspondência com os baixos níveis de renda das popula- das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
çõe~. Para assegurar que essa discriminação seja efetiva, em a realizar-se no Rio de Janeiro em 1992, constitui a plataforma
·- face da incitação a novas formas de consumo gue irradiam em que pela primeira vez se defende a tese de que existe uma
dos centros culturalmente dominantes e da pressão demográ- fatura ecológica a ser paga pelos países que, ocupando posi-
.fica nos países pobres, é de presumir que métodos cada vez . ções de poder, se beneficiaram da formidável destruição de
mais drásticos sejam postos em prática. A pressão finan.c.cira recursos não-renováveis, ou somente renováveis a elevado custo,
exercida sobre os países pobres que caíram na armadilha do que está na base do estilo de vida de suas populações e do modo
endividamento externo parece antecipar os sistemas de con- ºde desenvolvimento difundido em todo o mundo por suas empre-
trole que poderão ser exercidos no futuro com o objetivo de sa~ Em trabalho recente da CEPAL, apresentado à Conferência
conter a expansão do consumo no mundo subdesenvolvido. de Tlatelolco, no México, foram definidas as responsabilidades
_ O desafio que se coloca no umbral do século XXI é nada dos países ricos em cinco áreas em que é particularmente grave a
menos do que mudar o curso da civilização, deslocar o seu degradação do meio ambiente: o esgotamento da camada de ozô-
eixo da lógica dos meios a serviço da acumulação, num curto • nio, o aquecimento do planeta, a destruíção da biodiversidade nos
_h"'o"'n"'·"'zo"'n"'t~e~d.,,e~te~m~p"'o"',~P"'ª""r"'a'-'u""m"""a'"'l"'ó""g"'ic"'a'--d"'o'"s'-"fi"n"'s_,e,,m,,_.,fun""'"'çã.,,o"--"d"'oc._~ países do Terceiro Mundo, a poluição dos rios, oceanos e sol<fs, e
bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação • a exportação de resíduos tóxicos.
entre os povos. Devemos nos empenhar para que essa seja a A partir de duas idéias-força - prioridade para a satisfa-
tarefa maior dentre as que preocuparão os homens no correr. ção das necessidades fundamentais explicitadas na Declaração
do próximo século: estabelecer novas prioridades para a ação Universal dos Direitos Humanos, no quadro de um desenvol-

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vimento orientado para estimular a iniciativa pessoal e a soli- rumo de uma civilização dominada pela lógica dos meios, em
dariedade, e responsabilidade internacional pelo desgaste do que a acumulação a tudo se sobrepõe.
patrimônio natural - , é possível desenhar o modelo de desen- Essa mudança de rumo, no que nos concerne, exige' que
volvimento a ser progressivamente implantado no próximo abandonemos muitas ilusões, que exorcizemos os fantasmas
século. de uma modernidade que nos condena a um mimetismo cultu-
• Os obietivos estratégicos são claros: ral esterilizante. Devemos assumir nossa situação histórica e
, Primeiro: preservar o patrimônio natural, cuja dilapül<1:.-_ ' abrir caminho para o futuro a parttr do conhecrmento de nossa
ção atualmente em curso conduzirá inexoravelmente ao declí- · realidade. A primeira condição para liberar-se do subdesenvol-
nio e ao colapso de nossa civilização. vimento é escapar da obsessão de reprodpzir o perfil daqueles
, Segundo: liberar a cnattv1dade da lógica dos meios (acu- que se auto-intitulam desenvolvidos. E assumir a própria
mulação econômica e poder militar) para que ela possa servir identidade. Na crise de civilização que vivemos, somente a
ao pleno desenvolvimento de seres humanos concebidos com confiança em nós mesmos poderá nos restituir a esperança de
w um fim, portadores de valores inalienáveis. chegar a bom porto.
Esses objetivos devem ser vistos como um projeto cuja I Nesse novo quadro que se configura, o destino dos povos
realização requer, senão a cooperação de todos os povos, pelo dependerá menos das articulações dos centros de poder polí-
menos a conscientização progressiva da maioria deles. Diante
--r '! tico e mais da dinâmica das sociedades civis. Não que o Es-
da ameaça de destruição da espécie humana surgida com a :1 tado tenda a deliqüescer, conforme a utopia socialista do sé-
acumulação das armas termonucleares, emergiu o embrião f culo XIX, mas a possibilidade de que ele seja empolgado por
de um corpopolítico que está dando origem a. . vínculos.. de •f. minorias de espírito totalitário se reduzirá, se a vigilância da
intêidêperidêricia dos povos, que transcendem as relações tra: .i.I•. emergente sociedade civil internacional se fizer eficaz. A cons-
dicionais de dominação. Começou .então um longo e. dificil ·" ciência de que está em jogo a sobrevivência da própria espécie
aprendizado de convivência entre povos que continuam a con- . i humana cimentará um novo sentimento de solidariedade e favo-
frontar-se por motivos econômicos, religiosos, culturais, ou recerá a emergência da figura do cidadão empenhado na defesa
simplesmente em razão de uma herança histórica. Esse corpo
político ainda embrionário são as Nações Unidas, organização
f_'

t
i de valores comuns a todos os homens, numa luta que não com-
porta discriminações, exceto em defesa da própria liberdade.
a que dediquei dez anos de minha vida e onde aprendi a ver o lf Não podemos fugir à evidência de que a sobrevivência
mundo como uma Babilônia de contradições, que é ao mesmo ·I humana depende do rumo de nossa civilização, primeira a dotar-
tempo uma aldeia em formação, pois forças poderosas alimentam ;f se dos meios de autodestruição. Que possamos encarar esse
um processo de entrosamento entre os povos, fazendo da solidarie- j desafio sem nos cegarmos é indicação de que ainda não fomos
dade um imperativo, Ú!Úça alternativa ao desaparecimento. ..•·.•.I privados dos meios de sobrevivência. Mas não podemos des-
.. A ameaça de destruição termonuclear, primeiro, e a heca- ~ conhecer que é imensa a responsabilidade dos homens chama-
tombe ecológica que agora começa a configurar-se não dei- -~ .. ~- dos a tomar certas decisões políticas no futuro. E somente a cida-
-::x'=am':::'-=a-=o-:::s'-:p='o::v"'o='s~e:'.sc='a=p:-:a7tor'r:;1,::a-,p=-=a=ra~s;,o;b,c:r::,.ev;:1;:v:;;e:;;r==r~o::;,r;;:a;_d;,a~c:;:o:;:o=p:;.er:;;a;_-__ ''I dania consciente da universalidade dos valores que unem os
_.,_ç=ãº=c·c.c::E_o.:_;cccam=i=nh=o-'d"'e"'s-=-sa=-=c..::o..::o""p.:cer:.::a:2ç;;;.ão.:;_;p::a:::s;:.;sac:..rp..::e.ccla~m~u=d=a=n=ç=a~d=e~--.. , homens livres pode garantir a justeza das decisões políticas.

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1! 79

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V

O FIM DA GUERRA FRIA

São muitas as pessoas que hoje indagam que lugar ca-


berá ao Brasil no mundo que está emergindo desses autênticos
movimentos tectônicos que se manifestam nas esferas política,
social e econômica neste final surpreendente do século XX.
Vejamos o que é mais significativo nas reacomodações das
estruturas de poder ocorrentes em escala planetária.
Em primeiro lugar cabe referir a li uida ão das expe-
riências do socialismo fundado na concepção de Esta o-par-
tid do na esfera econômica através de planejamento
centralizado. Não que essas experiências hajam s1 o a as
•.desde o começo.:. Elas permitiram que se realizassem, em paí-
ses menos desenvolvidos, importantes modificações nas estru-
turas econômicas, dotando-se de capacidade de crescimento ..
autogerado, e abriram o caminho para que os frutos do desenvol- _
vimento se distribuíssem mais egüitativamente no conjunto da
sociedade. Esses aíses apresentam um perfil de distribuição
de renda mais igualitário do que os paises capita 1stas de.níve1-
de renda per capita similar. Em contrapartida, não construí-
ram sistemas produtivos eficazes e clinâmicos, err1razão do ___
eso da centraliza ão de decisões e da inoperância dos meca-
. nismos de incentivo à criatividade e ao tra a o. a ta e
espírito participativo não é senão um aspecto de uma organi-
zação social que não abria espaço à capacidade criativa dos indi-
víduos, limitando-lhes as oportunidades de afirmação pessoal.
Em segundo lugar está o processo de reorganização

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política da Europa ocidental. O projeto em curso de realiza- ,nos Estados Unidos, país do qual ele importa principalmente
ção, voltado para a abertura plena das fronteiras internas, cria- . produtos não-elaborados, como os agrícolas.
ção de moeda comum e coordenação das políticas sociais no Por último, e quiçá o dado mais importante a ter em conta,
âmbito da atual comunidade de doze países, a completar-se está o desaparecimento da confrontação ideológica como legi-
em 1993, foi de alguma forma atropelado pelo processo de timação do poder na disputa pela hegemonia mundial. Foi
reunificação da Alemanha. Não esqueçamos que a República ·· a confrontação ideológica que propiciou aos Estados Unidos
Federal da Alemanha é atualmente o único dos grandes países exercer uma firme tutela sobre as demaís· n~õês capitalistas,
da Comunidade Econômica Européia em processo de forte ex- pequenas e grandes. O custo financeiro dessa confrontação
pansão financeira. Seu saldo comercial superou em 198_9 os mostrou-se considerável para os Estados Unidos e principal-
80 bilhões de dólares, igualando-se ao do Japão. Isso md1ca a mente para a antiga União Soviética. O desmantelamento do
. dimensão de seu potencial de investimento. Com a reunifica- império soviético e a crise estrutural norte-americana têm aí
" ção, é de esperar que esse potencial seja em grande 2artsca:.._.. sua causa principal. À medida que arrefece a corrida arma-
nalizado para o mercado interno ampliado, devendo a econo- mentista entre as duas superpotências,há uma liberação de
mia alemã alcançar uma dimensão que a2ro=dãmente dobra _ recursos: de mão-de-obra, de capital e de capacidade tecnoló-
. em relação à da França, segunda economia da Comunidade. gica. A forma como esses fatores venham a ser absorvidos
Nessas circunstâncias, a integração econômica da Europa oci- será de importância decisiva na configuração do mundo de
dental será quase necessariamente umct reordenação em .tomo .. amanhã.
da economia alemã, e isso dificilmente se fará sem reacomo- Se tentarmos compor o quadro global com esses elemen-
dações no plano político. tos, veremos que o fator mais abrangente, e quiçá de conse-
Em terceiro lugar, cumpre considerar a crise estrutural da qüências mais duráve~. é o fim da confrontação ideológica,
economia dos Estados Unidos, afetada por um declínio pro- , conhecida como "guerra fria", dado que ele afeta profundamente
longado da taxa de incremento da produtividade e por acen- · • o comportamento dos principais sistemas de poder. Estes já
tuada retração da taxa de poupança. A partir dos anos 80, o começam a reciclar-se. Tudo indica que esse processo gera
"crescimento da economia norte-americana sustentou-se, prin- amplos ajustamentos econômicos; na área da antiga União So-
cipalmente, no endividamento externo. Se essa situação se pr~- viética, para atender ao desafio do enorme atraso acumulado
longar, dificilmente o dólar poderá conservar a sua pos1çao nos investimentos destinados a satisfazer as necessidades
privilegiada de moeda reserva, e haverá uma canadização da de consumo e para adaptar-se a uma grande contração de su-
economia dos Estados Unidos, vale dizer, importantes seg- _ perestrutura política; nos Estados Unidos, para reconstitu.ii:..it_.._
mentos dela serão controlados do exterior, em particular por capacidade de poupança, reduzir a dependência de financia-
interesses japoneses. . , . _ .. mento externo e reestruturar o~istema produtivo para fins pa-
Em quarto lugar. convém mencionar a emerg;encia do Japao cíficos. Não se esqueça que, desde o torpedeamento da "Grande
como potência financeira e tecnológica dominante em escala Sociedade" do presidente Jolmson pela guerra do Vietnã, os
mundial. Os seus bancos ocupam hoje posição de força nos Estados Unidos vêm acumulando atraso social e perdendo ter-
sistemas fmanceiro e monetário internacionais. A penetraçãº-- · . reno nos setores de 2esguisa e desenvolvimento não direta-
comercial e financeira do Japão realizou-se, de 2referência, , mente ligados ao esforço armamentista.

82 83
Conseqüência não menos importante do fim da confron-. a solução des~{)l:,lem.a,_ ao. criar a possibilidage de_çort_e __
tação bipolar é o afrouxamento da tutela nas antigas zonas de substancial uas gastas militares do governo de Washington.
influência respectivas. Na esfera da antiga URSS esse pro- · Na fase_ formativa em que se encontra a economia brasi-
cesso assume aspectos dramáticos; do lado norte-americano as lei_ra o essencial é a ativa ão do otencial produtivo interno e
conseqüências, por serem mais indiretas, não deixam de ter a mtegração dos mercados regionais, principais fatores e 1-
grande repercussão. É que nesse lado os atores são de maior
peso e a hegemonia norte-americana no plano econômico vem estimulada e completada pelas linhas ordinárias de crédito
sendo contestada há bastante tempo. Superado o maniqueísmo , comercial externo, é suficiente para permitir alcançar índices
ideológico que cimentou a unidade do mundo capitalista, e adeqJJadas de crescimento, como ocorreu nos três decênios
prosseguindo o desarmamento das superpotências, a ordem inter- , compreendidos entre 1950 e 1980. ·A cooperação de empresas trans-
nacional assume novos contornos. E de admitir que surja uma n~cionais dá-se espontaneamente rnr-medida em que a econo-
nova hierarquia de poder, de corte mais policêntrico, e que os mia se expande. Mas, se se atribuir a elas a iniciativa do estilo
recursos econômicos, financeiros e tecnológicos ganhem im- de desenvolvimento, caminharemos inexoravelmente para a
portância ainda maior. desarticulação do sistema econômico nacional.
Em um mundo liberado de excessivos gastos militares, • Em poucas _áreas do mundo a relação homem/recursos
em que os Estados Unidos não absorvam capitais forâneos em naturais, inclusive solo e água pará a agricultura, é tão favorá-
grande escala,.é de esperar que a com_p_etiçãQeconômica se di"L vel carna_ entre uás Q cp1e s<: pode esperar da ordem interna-
entre blocos plurinacionais. Cabe indagar que espaço de ma- . ciaual é cpie ela uãa uas prive de autonomia para governar-
nobra haverá para os países latino-americanos e, particular- nos, autonomia seriamente éomprometida a partir do momento
mente, para o Brasil, no quadro desse novo policentrismo. Sub- · o em que as taxas de juros foram brutalmente elevadas em con-
metidas a uma tutela financeira intermediada por instituições seqüência do desequilíbrio financeiro do governo dos Estados
multilaterais, como o FMI, que na realidade são instrumentos
do governo de Washington, as economias latino-americanas bas1ca da açaa gavemamentl!J no Brasil. E não esqueçamos
operam hoje em dia essencialmente para produzir excedentes que a dependência se faz mais' custosa nas fases de declínio da
potência dominante. ··
• comerciais em beneficio das nações credoras, pnnc1palmente
dos Estados Unidos. Entre 1982 e 1989, os países da Améric<t_
Latina transferiram para o exteri.9r__recursos no !llontante de
203 bilhões de dólar~_Q que I11íojII1JJ.ediu que sua dívida ex-
terna haja, no mesmo período, crescido de 350 par.a_4l§_bi:_
!hões de dólaresj::onv~m não esquecer que essa transferência
de recursos é uma das formas que assume o financiamento do
déficit da conta corr.~nte (!a 1:lalanç<! de pagamentos dos Esta- -
dos Unidos. E umá situação anômala que não podérã-sér sa-.
nada enquanto a economia norte-_am~i:icaJ1a não recuperar o
seu equilíbrio. o fim da guerra fria abre uma perspectiva para

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C~ltura e Desenvolvimento em Época de Crise, Rio de Ja-
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