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A Recepção da Sociologia Alemã no Brasil.

Notas para uma Discussão*

Glaucia Villas B ôas

Nos últimos anos, aumentou notavelmente mento de fundação da disciplina, sobretudo


o interesse pela leitura de sociólogos alemães no nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro,
Brasil. Autores como Simmel, Max Weber, onde a Sociologia cresceu e tomou vulto jun­
Tõnnies e Elias têm sido objeto de discussão tamente com as Faculdades de Filosofia cria­
em salas de aula de cursos de graduação e das na década de 30.
seminários de pós-graduação. Suas idéias e De fato, à primeira vista, a tradição socio­
conceitos fazem parte de quadros referenciais lógica brasileira tem pouca afinidade com o
de teses e projetos de investigação. Novos pensamento sociológico alemão. Não distin­
livros, ainda que em número reduzido, têm sido guimos as ciências da cultura das ciências da
publicados por editoras brasileiras, a exemplo de natureza de modo a conceber a Sociologia
Filosofia do Amor de Georg Simmel, A Racio­ como ciência do espírito ou da cultura, como
nalidade na Música de Max Weber, O Processo ocorreu no contexto alemão à época do surgi­
Civilizatório de Norbert Elias, e também uma mento da disciplina. Tampouco estamos habi­
coletânea de textos de Tõnnies. A leitura desses tuados a distinguir a condição interessada do
autores acrescenta-se àquelas das obras de Ha- cientista social, como sujeito de um saber ins­
bermas, Claus Offe e Luhmann, ampliando e trumental, de um ideal ascético da neutralida­
diversificando o espectro dos autores alemães de de, como exigência fundamental da compreen­
interesse do público brasileiro especializado no são deste “outro” , objeto de conhecimento
campo da Sociologia. sociológico. Ao contrário, a Sociologia brasi­
É curioso notar que este interesse ocorre leira buscou engajar-se no processo de desen­
justam ente nos meios sociológicos brasileiros, volvimento histórico do país.
onde é comum a afirmação de que as ciências Mas, apesar dos contrastes e das diferen­
soei ais, particularmente a Sociologia, seria fru­ ças, há indícios de que a Sociologia alemã tem
to de um casamento bem-sucedido da teoria um lugar na tradição brasileira. Qual seria este
sociológica francesa com os métodos empíri­ lugar? A pergunta leva, quase de imediato, a
cos norte-americanos, casamento mantido até pensar em estudos voltados para o rastreamen-
os dias de hoje. Embora não haja estudo que to de influências recebidas por um autor ou
confirme este traço da disciplina, suspeito que grupo de intelectuais; leva a pensar em filia­
a afirmação se deva aos efeitos da presença de ções a correntes de pensamento e construção
mestres franceses e norte-americanos, no mo­ de genealogias possíveis. A propósito deste

* E ste texto foi apresentado em 1996 no seminário As Relações Brasil-Alemanha: Balanço e Perspectivas, realizado
em Konstanz, sob a promoção da Arbeitgemeinschaft Dutscher Lateinam erika Forschung (ADLAF) e do Instituto
de Cooperação Científica de Tübingen; no grupo do Laboratório de Pensam ento Social do Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), e em seminário promovido pelo Departam ento de Sociologia e Antropologia
da Unesp, campus Marília. Agradeço a contribuição de todos os que leram e discutiram comigo o trabalho.

BIB, Rio de Janeiro, n. 44, 2.° semestre de 1997, pp. 73-80 73


assunto, M aria Isaura Pereira de Queiroz tidade da sociedade brasileira. Interessava in­
(1989, pp. 378-38), em artigo sobre as ciências vestigar problemas concretos do país, princi­
sociais, chega a dizer que, no Brasil, palmente, conhecer suas peculiaridades para
“o pendor mais forte dos estudiosos é para desco­
saber das suas possibilidades de integrar-se ao
brir as correntes de pensamento vindas do exterior concerto das nações modernas. Os sociólogos
e sua influência sobre os pesquisadores nacionais. imprimiram uma marca própria a esta questão,
M esmo que se reconheça ser necessário analisar tratando de verificar as mudanças sociais do
a situação interna do país, não se leva adiante uma ponto de vista da diferenciação e desigualdade
investigação que esclareça qual é ela e se pode ou sociais. Fizeram a crítica da abordagem cultu-
não exercer uma função determinante” .
ralista dos problemas brasileiros, relegando a
Não é, porém, desta perspectiva que ques­ segundo plano as diferenças de ordem cultural
tiono o lugar da Sociologia alemã no Brasil. — que constituíam o cerne de tantos estudos
Ao desejo de procurar “origens” e “causas” até aquela época — , assim como deixaram de
contraponho, nesta exposição, o desejo de sa­ lado o estudo da atuação do Estado como pro­
ber como as idéias são acolhidas fora do con­ pulsor da nação, problema que ocupava os
texto social onde foram elaboradas e para além historiadores políticos.1
de sua época histórica, privilegiando as esco­ As primeiras pesquisas sociológicas co­
lhas feitas por leitores, portadores de outra meçaram a ser publicadas em livro no Brasil
história, cultura e valores, e as interpretações no final da década de 40 e início dos anos 50.
que deram àquelas idéias. Com isto quero dizer Eram resultado dos primeiros esforços para
que não trato da influência da Sociologia alemã formar pesquisadores no campo das ciências
no Brasil, mas procuro apontar alguns problemas sociais, nas Faculdades de Filosofia, criadas no
relativos à sua recepção, com o propósito de país na década de 30. Quando pesquisei o
conhecer não apenas o fenômeno da circulação conjunto de livros constantes do acervo da
das idéias, mas principalmente, através dele, a
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, obser­
identidade cognitiva da Sociologia brasileira
vei que a produção dos 20 anos do pós-guerra,
Para tanto, recuo no tempo e focalizo o momento
que transcorrem de 1945 a 1964, forma um
de configuração acadêmico-científica da disci­
todo coerente, que se divide em duas partes
plina no contexto brasileiro.
distintas relativamente ao leque temático, às
questões propostas e à metodologia (Villas
O Florescimento da Sociologia no Bôas, 1992).
Brasil nas Duas Primeiras Décadas Nos dez primeiros anos daquele período,
do Pós-Guerra uma parte significativa da produção sociológi­
ca estava voltada para o conhecimento do
Quando a Sociologia surge no Brasil
mundo rural brasileiro. O exame do meio rural
como disciplina acadêmico-científica, não in­
do país levava os sociólogos a focalizarem as
daga dos fundamentos da associação entre os
relações de patriarcas, senhores de engenho,
homens, à maneira dos estudiosos franceses,
coronéis, jagunços, parceiros, arrendatários e
nem da possibilidade teórica e metodológica de
conhecer a sociedade, à maneira dos alemães. trabalhadores rurais. A convivência de novas
Tampouco a ela interessavam as reformas so­ e velhas relações de trabalho, as condições da
ciais ou a integração de grupos de diferentes propriedade rural e a influência do meio rural
origens étnicas nas grandes cidades, a exemplo na vida política do país eram temas que cha­
dos sociólogos norte-americanos que funda­ mavam a atenção dos pesquisadores na época.
ram o Departamento de Sociologia da Univer­ Os livros Os Parceiros do Rio Bonito, de An-
sidade de Chicago. A pergunta que funda a tonio Cândido de Mello e Souza, e Lutas de
disciplina já estava inscrita na tradição de pen­ Família no Brasil, de Luiz Costa Pinto, são
samento sobre o Brasil e dizia respeito à iden­ exemplos do interesse em perscrutar o inundo

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rural brasileiro neste primeiro momento de apresentam juntamente com as mudanças na
fundação da disciplina. sua positividade.
Havia também uma outra questão a inte­ A partir de meados dos anos 50, fase de
ressar os jovens sociólogos: queriam avaliar a acelerado crescimento industrial do país, uma
mobilidade social de diferentes grupos étnicos: mudança sensível opera-se na configuração da
negros, brancos, migrantes, imigrantes de di­ disciplina. A questão da modernidade se impõe
ferentes nacionalidades, alemães, libaneses, à Sociologia. O transplante de idéias, padrões
japoneses, italianos. Thales de Azevedo pes­ científicos, hábitos e costumes “racionais”
quisou a ascensão social de grupos negros na passa a constituir um dos focos polêmicos da
cidade de Salvador; Luiz Costa Pinto escreveu atenção dos sociólogos. Embora discordassem
sobre as relações entre negros e brancos na quanto à modalidade de integração do Brasil
cidade do Rio de Janeiro; Emílio Willems pu­ no conjunto das sociedades modernas, aceitavam
blicou A Aculturação dos Alemães no Brasil. este desafio como uma exigência histórica, polí­
Além dessas pesquisas, um livro pioneiro an­ tica e intelectual.2 Neste momento, torna-se
tecede os estudos sobre os trabalhadores, suas difícil distinguir os ideais de modernidade al­
associações e sindicatos: O Sindicato Único no mejados pelos sociólogos das tarefas próprias
Brasil, de Evaristo de Moraes Filho, vem a da Sociologia. Os sociólogos apostam na uni­
público também nesta época. versalidade dos processos de racionalização,
N a realidade, estas pesquisas oferecem industrialização e padronização do mundo,
um quadro rico de hábitos, maneiras de pensar abandonando definitivam ente as diferenças
e trajetórias de vida de diferentes atores so­ culturais, consideradas resquícios de um pas­
sado indesejável.
ciais. Não são conhecidas das gerações seguin­
Não apenas se amplia o leque temático da
tes de pesquisadores. Creio que a crítica, às
disciplina, como se ampliam suas diretrizes
vezes avassaladora, feita à Sociologia da déca­
teóricas. Os pesquisadores passam a tratar de
da de 50 — vista, no seu conjunto, como uma
temas rurais e urbanos tendo agora como qua­
Sociologia desenvolvimentista e economicis-
dro de referência o processo de transformação
ta, por vezes funcionalista e marxista — não
da sociedade de base agrária em sociedade
permitiu distinguir e avaliar com clareza a
industrial. São muitas as obras deste período.
produção daquela fase. Somente nos últimos
Entre outras, destaco as de Florestan Fernan­
anos as revisões do pensamento sociológico
des, M aria Isaura Pereira de Queiroz, Guerrei­
têm chamado a atenção para elas, que come­ ro Ramos, Fernando Henrique Cardoso, Ma-
çam a ser reeditadas e lidas em cursos e semi­ rialice Forachi, Octávio Ianni, Luiz de Aguiar
nários de formação. Algumas obras incluem Costa Pinto e Juarez Brandão Lopes.
meses de trabalho de campo, entrevistas e de­ Três características são significativas na
poimentos de representantes de diferentes gru­ produção sociológica deste período. Primeiro,
pos sociais; outras se baseiam em farta e minu­ a Sociologia alarga os horizontes teóricos da
ciosa docum entação histórica. Tratam de tradição de pensamento no Brasil, mostrando
problemas concretos da vida de grupos sociais, a diferença social entre os homens a partir de
sua mentalidade, ideais, desejos e maneiras de sua inserção desigual no processo de trabalho.
realizá-los. Não concebem o país como uma A diferenciação das coletividades deixou de se
totalidade histórica e social em transformação, basear nas suas origens étnicas, na cor da pele,
porém delineiam um quadro realista da vida de na religião e na cultura para encontrar na cate­
coletividades menos afortunadas, mediante o goria trabalho um critério válido. Dando con­
qual trazem à discussão o problema das desi­ tinuidade ao que esboçara na fase anterior, a
gualdades e da necessidade de mudanças so­ Sociologia marca época descortinando as de­
ciais. Não há, nesta fase, uma recusa do passa­ sigualdades sociais com base neste critério.
do da sociedade brasileira. As continuidades se Não eraporisso um aSociologiam arxista; nem

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realizou estudos das classes sociais de forma rências a Georg Simmel, W erner Sombart, Al-
dogmática. Continuou a estudar os grupos desfa­ fred V ierkandt, R ichard T hurnw ald, Karl
vorecidos, imigrantes, migrantes, negros etc., dos Dunkmann (do círculo sociológico de Berlim),
quais, acreditava, dependia a realização do pro­ mas também a Ferdinand Tõnnies e Leopold
jeto da sociedade moderna no Brasil. Certamen­ von Wiese. Um exemplo encontra-se em Lutas
te, deve-se à Sociologia da década de 50 a legiti­ de Família no Brasil, de Luiz de Aguiar Costa
midade de uma nova abordagem das diferenças Pinto, publicado em 1949. Costa Pinto estava
sociais. interessado, particularmente, na distinção do
Segundo, a Sociologia incorpora definiti­ paterfamilias; queria mostrar, através do estu­
vamente uma concepção moderna de história. do de casos, os conflitos pelo poder de famílias
D iz Hannah Arendt que, proprietárias de terra. Além de referências a
“[...] na época m oderna a história emergiu como
autores franceses, ele discute trabalhos de
algo que jam ais fora antes. E la não mais se com­ Vierkandt, Dunkmann e, sobretudo, deT hum -
pôs dos feitos e sofrimentos dos homens, e não wald, que tratou daqueles problemas de manei­
contou mais a história dos eventos que afetaram ra exaustivanasua Etnologia do Direito. Outro
a vida dos homens; tornou-se um processo feito exemplo é o livro de Evaristo de Moraes Filho,
pelo homem, o único processo global cuja exis­ O Sindicato Único no Brasil, publicado em
tência se deve exclusivam ente à raça hum ana” 1952. Moraes Filho examina e discute o conceito
(Arendt, 1979, p. 89). de grupo social fazendo uso de autores franceses,
Com raras exceções, a idéia de processo norte-americanos e alemães. Entre estes últimos,
contida na visão moderna, teleológica e “eta- novamente aparecem Tõnnies, Simmel, Vier­
pista” da História marca os fundamentos teó­ kandt, Dunkmann, Sombart, e também obras de
ricos dos estudos sociológicos desta época. O Max Weber (embora não se refira ao seu Econo­
projeto histórico de transformação do país mia e Sociedade).
tom a conta da capacidade de analisar sua in­ Os sociólogos alemães recebidos neste pe­
serção na modernidade — não se consideram ríodo são representativos de uma vertente cuja
mais as diferenças culturais e históricas. O concepção de sociedade tem como fundamento
atraso do Brasil deve ser superado a qualquer as relações, interações e ações de indivíduos e
custo. A Sociologia torna-se programática. grupos. A idéia de grupo social impunha-se,
Terceiro, um dos temas mais discutidos naquele momento, como um instrumento so­
pelos sociólogos é o seu próprio papel numa ciológico importante na definição da identida­
sociedade de mudanças. Nesta segunda fase, de da disciplina. Não só a diferenciava da
os sociólogos passaram a se considerar atores Antropologia feita até aquela época, como se
das mudanças sociais. Deixam de ocupar o mostrava mais adequada para a realização das
mero lugar de espectadores da cena das mu­ pesquisas empíricas do que o conceito genéri­
danças para nelas atuar, fazendo uso de seus co de humanidade contido no pensamento de
conhecimentos. O engajamento político e inte­ Comte e Spencer. Em um trecho de seu livro,
lectual dos sociólogos serve, em grande medi­ Evaristo de Moraes Filho deixa isso claro:
da, para legitimar a Sociologia como um saber “ [...] a Sociologia abandonando o conceito gené­
científico válido. rico e universal de sociedade global, abrangendo
a humanidade inteira como um todo, para cingir-
se a conceito mais modesto e limitado de grupo
Os Sociólogos Alemães Escolhidos
social. A Sociologia do século XX é a ciência
social. D escobriuelaque, dentro da grande hum a­
A estes dois momentos da fundação da
nidade, existe uma infinidade de grupos concre­
Sociologia brasileira correspondem, proviso­
tos, de todos os matizes e com os fins mais
riamente, de acordo com minhas primeiras ob­
diversos possíveis” (Moraes Filho, 1978, p. 19).
servações, duas modalidades distintas de re­
cepção das idéias e autores da Sociologia Como chegavam ao Brasil, nos anos 40-
alemã. No primeiro deles, observam-se refe­ 50, justamente aqueles sociólogos alemães que

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ocuparam um lugar de destaque nas primeiras para os Estados Unidos no início do século e
décadas do século nas cidades de Berlim, Kiel encontra seus principais representantes nas fi­
e Colônia? Um dos caminhos foi, sem dúvida, guras de Simmel, Tõnnies e Leopold von W ie­
a revista Sociologia. Fundado em 1939, este se. Max Weber, por exemplo, só vai merecer
periódico exerceu um papel importantíssimo atenção décadas depois. O encontro de W il­
na divulgação da Sociologia alemã no país, lems e Pierson não me parece fortuito. Trata-se
sobretudo naquele contexto histórico, em que de um encontro de pontos de vista próximos,
a produção de livros e o mercado editorial afins, que refletem uma vertente do pensamen­
começavam a dar seus primeiros passos. Du­ to sociológico na qual as interações, relações e
rante largo período arevista ficou sob a direção ações de agentes sociais constituem o ponto de
de Emílio Willems, então professor da Escola partida de estudos concretos. É interessante
de Sociologia e Política, na cidade de São assinalar que esta vertente não terá continuida­
Paulo (Alves, 1993). René König, seu contem­ de, como veremos a seguir, não obstante a
porâneo na Universidade de Berlim no início presença de W illems tenha se prolongado no
dos anos 30, conta que Willems fora assistente Brasil e a grande consideração que por ele
de Richard Thurnwald e emigrou para o Brasil tiveram os sociólogos brasileiros, a exemplo
em 1933 com Herbert Baldus, que desempe­ de Florestan Fernandes. Somente muito mais
nhou papel importante no campo da Etnologia tarde, nadécadade 70, antropólogos brasileiros
(König, 1981a). Willems traduzia os artigos estudiosos da Escola de Chicago vão retomar,
dos sociólogos alemães para a revista, dedican- pela ótica dos especialistas norte-americanos, a
do-se especialmente à obra do mestre Thum- leitura de sociólogos alemães, principalmente
wald. Começa pela Etnologia do Direito e, na Simmel, para abordar problemas da Antropo­
década de 40, traduz Sociologia Econômica e logia urbana.
Teoria do Desenvolvimento do Estado e da N a segunda fase, há um a mudança notá­
Cultura. Thurnwald era conhecido em Berlim vel nas referências à Sociologia alemã. N a fase
como etno-sociólogo pouco apaixonado pelas em que os sociólogos se identificam como
q u estõ es p o lític a s, m as seg u n d o K ö n ig atores das mudanças sociais e fazem valer seus
(1981b, p. 39), seus escritos sobre o desenvol­ ideais de modernidade como tarefas da Socio­
vimento pareciam “um verdadeiro manifesto à logia, as referências a Hans Freyer, Karl M an­
época do surgimento do ‘terceiro mundo’”. O nheim e Max W eber aparecem com muita fre­
perfil intelectual de Thurnwald muito prova­ qüência nos seus escritos. A escolha parece ao
velmente adquiriu novo significado para W il­ menos curiosa, uma vez que os três sociólogos
lems no Brasil, um a vez que, àquela época, alemães integraram circuitos sociológicos dis­
nem o debate sobre o desenvolvimento, nem tintos e tiveram trajetórias intelectuais bem
as fronteiras entre a Sociologia e a Antropolo­ diferentes. Mas ela adquire sentido quando se
gia estavam bem delineadas nos meios intelec­ associam as idéias principais das obras alemãs
tuais brasileiros. citadas e as questões postas pelos sociólogos
Emílio Willems dividiu as responsabili­ brasileiros naquele período.
dades editoriais da revista com Donald Pier­ Os livros de Freyer que aparecem mencio­
son, sociólogo norte-americano, aluno de Ro­ nados com freqüência são A Sociologia como
bert Park, um dos fundadores da Escola de Ciência da Realidade e Teoria da Época
Chicago, que estudara na Alemanha e se tor­ Atual; de Mannheim, Ideologia e Utopia; de
nara importante divulgador da obra de Georg Max Weber, Economia e Sociedade. A tradu­
Simmel nos Estados Unidos. Penso que é im­ ção espanhola de Economia e Sociedade, pu­
portante destacar esta parceria de Willems e blicada em 1944, e a coletânea de textos de
Pierson. Em certa medida, os sociólogos tradu­ W eber organizada por Hans Gerth e Charles
zidos por Willems pertencem à mesma corren­ Mills, publicada em 1946 pela Oxford Univer­
te de idéias da sociologia alemã que “emigra” sity Press, são leituras importantes nos meios

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sociológicos brasileiros no período em foco. O mente as idéias que justificavam seus ideais,
mercado editorial começava a se consolidar no sem que houvesse interesse em examinar com
Brasil, mas os sociólogos alemães ainda eram mais acuidade os fundam entos da obra desses
lidos em língua espanhola ou inglesa; as tradu­ autores. Anos depois, novas orientações na
ções para o português só surgem depois de Sociologia vão m otivar outras escolhas. Nos
meados da década de 60, em sua maioria em dias de hoje, não se fala em Hans Freyer nos
coletâneas (cf. Souza Lima, 1994). Contudo, a meios sociológicos brasileiros. Ideologia e
recepção da Sociologia alemã não estará mais Utopia de M annheim ainda é referência em
ligada a uma figura de peso, como fora Wil- estudos nos campos d a História das Idéias e da
lems na primeira fase. Dependerá, sim, da lei­ Sociologia do Conhecimento. Max W eber tor-
tura e da interpretação de especialistas de tra­ nou-se, porém, de enorme importância na dis­
dição sobretudo anglo-saxônica, como é o caso cussão sobre o caráter autoritário da idéia de
da conhecida introdução de Louis Wirth à edi­ totalidade histórico-social que marcara a So­
ção inglesa de Ideologia e Utopia, traduzida ciologia de meados dos anos 50. Não somente
para a edição espanhola. a Sociologia tem buscado argumentos para sua
O que interessava aos sociólogos brasilei­ autocrítica no pensam ento weberiano; também
ros nas obras alemãs escolhidas? De maneira a Antropologia Social, que põe em xeque o
sintética, pode-se dizer que o conceito man- caráter universal dos fenômenos e discute o
etnocentrismo da civilização européia, procura
nheimiano de “freischwebenden Intellektuel-
fundamentos para suas orientações em Max
len” foi de grande importância; justificava uma
Weber.
participação singular dos intelectuais/cientis­
tas no domínio da política. Na leitura de Hans
Freyer importava a ênfase no papel da ciência Conclusão
no processo de desenvolvimento histórico. E,
finalmente, em Max Weber, a idéia de racio­ Em ambas as fases, a leitura da Sociologia
nalidade, cujo valor se opunha aos valores das alemã recai sobre autores ou obras que estive­
ram em evidência ou foram escritas nas primei­
práticas sociais “tradicionais” e era útil para
ras décadas do século XX, no contexto histó­
detectar o “moderno” emergente na sociedade
rico intelectual alem ão. Há, portanto, um
brasileira naqueles anos de acelerado cresci­
descompasso que interessa assinalar. No mo­
mento industrial. A recepção de Mannheim e
mento em que a Sociologia se institucionaliza,
Freyer está inscrita nos escritos mais progra­
se legitima e com eça a ser publicada em livro
máticos de Florestan Fernandes, Guerreiro Ra­
no Brasil, a Sociologia alemã se encontra em
mos e Costa Pinto, nos quais procuravam de­
plena fase de reconstrução. Ao término da
linear as bases da Sociologia que deveria ser Segunda Guerra M undial, os especialistas ale­
feita no Brasil. De outro modo, o conceito de mães discutiam a retom ada de sua própria tra­
racionalidade de Max Weber difundiu-se em dição e as influências dos métodos empíricos
numerosos trabalhos de pesquisa sobre a passa­ norte-americanos, que chegavam ao contexto in­
gem do tradicional para o moderno no Brasil, telectual alemão na mesma época em que eram
como mostra o artigo pioneiro de Fernando Cor­ recebidos no Brasil. Pouco recebemos desta dis­
rêa Dias (1973). cussão. Helmut Schelsky, T.W. Adorno e René
Mais uma vez, as idéias e os conceitos König, provavelmente os sociólogos mais co­
tomados da Sociologia alemã a partir de mea­ nhecidos naqueles anos, não foram lidos no Bra­
dos dos anos 50 mostram-se coerentes com a sil. Adorno foi recebido décadas depois, toman-
orientação assumida pelos sociólogos brasilei­ do-se mais significativo no campo da Filosofia e
ros. Interessados na construção da sociedade da Teoria da Comunicação, da ensaística literá­
moderna no Brasil e na participação ativa dos ria, do que no da Sociologia.
cientistas sociais neste processo, valorizavam Durante o período abordado, há duas mo­
na obra de Mannheim, Freyer e W eber justa­ dalidades de recepção da Sociologia alemã.

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U m a delas ocorre de forma direta, através de pa na Sociologia brasileira — somente se as­
Em ílio Willems; a outra é indireta e depende sociados às questões e aos problemas que ocu­
d a leitura e interpretação que sociólogos brasi­ pam os estudiosos brasileiros em diferentes
leiros fizeram da interpretação que autores nor- momentos históricos. O exemplo da Sociolo­
te-americanos ou ingleses deram aos textos ale­ gia feita no Brasil nas duas primeiras décadas
mães. Não gostaria de chamar esta segunda mo­ do pós-guerra indica que a recepção de idéias
dalidade de uma recepção de “segunda mão”, está intimamente relacionada com as questões
imprimindo-lhe uma qualidade negativa. Ao relevantes postas no campo da Sociologia na­
contrário, esta é uma questão importante que quele período. Neste caso, o exame do des­
distingue a recepção da Sociologia alemã, a qual compasso não seria tão importante quanto o
seria preciso aprofundar, analisando os diferentes estudo do lugar próprio da Sociologia alemã,
valores contidos nas diversas leituras. cujas peculiaridades valeria investigar em es­
Creio, entretanto, que o descompasso no tudo aprofundado.
tem po e o “descompasso” na interpretação das
idéias e conceitos tomados da Sociologia ale­
m ã se tomam significativos — para a com­ (Recebido para publicação
preensão do lugar que a Sociologia alemã ocu­ em outubro de 1997)

Notas
1. N a minha tese de doutorado mostro como se delineiam os temas e as questões de diferentes
disciplinas, inclusive da História. Cf. Villas Bôas (1992).
2. Discuto esta questão em Villas Bôas (1994).

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Resumo
A Recepção da Sociologia Alemã no Brasil: Notas para uma Discussão
O artigo tem como finalidade mostrar que a Sociologia alemã foi recebida no contexto brasileiro
dos anos 40 a 60, muito embora se considere que no Brasil a disciplina tenha resultado de
casamento bem-sucedido entre a teoria francesa e os métodos empíricos norte-americanos. Sugere
duas modalidades de recepção: a primeira delas “direta”, ligada ao trabalho de Emilio Willems
na revista Sociologia, fez, sobretudo, a leitura de conceitos e idéias de sociólogos do “Círculo de
Berlim”, entre eles Simmel e Sombart, típicos representantes de uma concepção de sociedade
fundada nas relações e interações dos indivíduos; a segunda “indireta” foi apadrinhada por autores
ingleses ou norte-americanos. Corresponde à fase em que os sociólogos se identificam como atores
das mudanças sociais e fazem valer os ideais de modernidade como tarefas da Sociologia. Para a
construção da “boa sociedade”, a referência a Hans Freyer, Karl Mannheim e Max W eber torna-se
de enorme importância.

Abstract
The Reception o f German Sociology in Brazil
The article seeks to demonstrate that German sociology penetrated Brazil during the 1940s-1960s,
contrary to the prevailing belief that this field made its way into the country solely as a successful
marriage of French theory and US empirical methods. Sociological thought was in fact introduced
via two paths. The first was a direct one, linked to Emilio W illems’ work in the revista Sociologia.
It was essentially a reading of the concepts and ideas defended by sociologists from the Berlin
Circle — including Simmels and Sombart, typical representatives of a view of society grounded
on relations and interactions between individuals. The second, indirect route was “sponsored” by
English or US authors. It corresponds to the phase when sociologists identified themselves as
agents of social change and posited the ideals of modernity as tasks of sociology. In the
construction of the “good society”, reference to Hans Freyer, Kurt Mannheim, and Max W eber
is vital.

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