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Sumário
1. Introdução. 2. Expansão e conquistas. 3. O
direito. 4. O Estado. 5. Conclusão.
1. Introdução
A única fonte que esclarece o complexo
problema da etnia árabe é o Antigo Testa-
mento.
Por mais que procuremos indicações so-
bre o assunto em pesquisas realizadas por
organismos categorizados, vamos terminar
fatalmente rendidos à narrativa bíblica, sur-
preendentemente coerente com a História
Antiga dos povos do Oriente Médio.
Assim, de acordo com a Bíblia, Abraão
gerou um filho com Hagar, escrava egípcia,
chamado Ismael e, com Sara, sua esposa le-
gítima, um outro filho chamado Isac, o qual
foi pai de Jacob (mais tarde chamado Isra-
el), que, por sua vez, gerou 13 filhos (12 ho-
mens, que deram origem às 12 tribos de Is-
rael, e uma mulher).
Abraão, a pedido de Sara, expulsou Ha-
gar e Ismael, sendo este último a origem da
raça árabe, distribuída ao Sul da então Ter-
ra de Canaã (daí o nome de cananeus), que
mais tarde seria chamada Palestina, e que
principalmente habitou a Península hoje
chamada Arábica.
Não há outra solução histórica até pro-
va em contrário.
Os árabes, da genealogia de Abraão e
Hugo Hortêncio de Aguiar é coronel refor-
mado do Exército e professor de línguas e his-
descendentes de Sem, são por essa razão le-
tória no âmbito do Médio Oriente. gitimamente semitas, não cabendo mais dis-
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cussão sobre isso. O que é muito discutido é A própria Caaba era muito antiga e fa-
o conceito judaico de que os judeus, que têm zia referências a Abraão, um símbolo do
sua origem em Isac, filho ortodoxo, e da li- monoteísmo.
nhagem de Judá, constituem o Povo Eleito Assim, apesar da variada liturgia, já ha-
(de Deus), enquanto os árabes, também da via uma tendência monoteísta na região
genealogia de Abraão, têm sua origem em onde Maomé nasceu e entrou em ação, por
Ismael, filho dito bastardo. Eis, aí, com ori- volta dos 610 anos depois de Cristo.
gem remota, uma divergência tradicional O aproveitamento dessa tendência e a
entre as duas etnias. De passagem, quere- condenação do animismo tradicional cons-
mos lembrar aos leitores que Jesus de Naza- tituíram a base do Islamismo a que o profeta
ré, cujos dois mil anos (na verdade dois mil acrescentou a reprovação total e severa de
e seis ou dois mil e sete) de nascimento esta- todas as transgressões morais que abunda-
mos comemorando com fé e entusiasmo, era vam na península.
um autêntico judeu da linhagem de Judá, Tal foi a proeminência que Maomé, em
embora o seu conceito de Povo de Deus te- sua proclamação inicial, deu ao absolutis-
nha sido o de abrangência a todos os povos mo total, único, universal de Alá que a nova
e raças. Mas isso não é assunto para este religião foi chamada de Islã, isto é, “sub-
artigo. missão a Deus”. O adepto é o muslim ou
O que mais interessa mesmo é que os muçulmano (o mu indica, em árabe, o autor
descendentes de Ismael se estabeleceram na da ação).
Península Arábica a partir do século XVII Não vamos acompanhar a vida tumul-
antes de Cristo, ajustando-se às difíceis con- tuada de Maomé, nem também descrever o
dições de vida da região. Corão, Bíblia dos muçulmanos, pois no Bra-
Em todas as áreas da península predo- sil há centenas de publicações de belo feitio,
minava desde o início o regime monárquico esclarecendo o assunto. Vamos dar atenção
hereditário, autoritário, às vezes com pre- aos aspectos que nos ajudem a compreen-
dominância religiosa, às vezes leiga, e no der os atuais Estados muçulmanos, parti-
deserto, os beduínos, com regime tribal, não cularmente os árabes, no conturbado mo-
menos autoritário. mento internacional que atravessamos.
Havia entre os habitantes crenças pri- As revelações que Maomé proclamou, de
mitivas, semelhantes às de outros povos se- essência moral puríssima, ensejaram, con-
míticos, com base no animismo, adorando tudo, uma compilação desordenada1. Se pro-
astros e objetos de todos os tipos. curarmos no Corão uma ordem dogmática
As tribos adoravam várias divindades, ou um código de preceitos de direito, vamos
como também demônios, que lutavam con- chegar à conclusão de uma grande falta de
tra os deuses. planificação e ordem lógica devida a diver-
O termo Alá significava “deus”, mas sos fatores:
para qualquer divindade. Havia também 1) as revelações eram fragmentadas;
“deusas”. 2) as revelações eram memorizadas pelo
A tribo Coreichita, que dominava a re- profeta e nem sempre copiadas;
gião da atual Meca, considerava Alá o seu 3) o material usado para a escrita era
“Deus”, mas com uma diferença: ele era o precário e variado;
único, a divindade suprema, acima de to- 4) não havia, na época, “mentalidade”
das as “deusas”. de gravar para a posteridade;
Havia também símbolos religiosos, como 5) a estrutura da língua árabe, que pos-
a Caaba, (o nome vem de cubo, sua forma) e sui 3.276 raízes tri-literais (3 consoantes), e
outros mais, de tempos imemoriais, lendá- cuja vocalização veio muito mais tarde, dan-
rios, com peregrinações tradicionais. do origem a traduções diversas, fenômeno