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Garrigou-Lagrange e Duns Scot1

Sidney Silveira
quarta-feira, 24 de agosto de 2011

No excepcional livro Dieu, son existence et sa nature – solution thomiste des


antinomies agnostiques, o Pe. Reginaldo Garrigou-Lagrange afirma, a certa altura, que
aludirá às profundas divergências entre as escolas tomista e scotista. E adverte
expressamente que o fará não por amor à polêmica, pois isto seria ridículo: um teólogo
como ele jamais se deixaria levar por um polemismo estéril, próprio do vale-tudo
retórico de conformação erística. Seja como for, o fato do qual estava absolutamente
ciente Garrigou é que, por trás das divergências teológicas entre essas duas escolas,
havia algo profundo: concepções de mundo, de Deus e de Igreja contraditórias, em
pontos cruciais.
O ponto de partida da crítica de Garrigou a Duns Scot é a distinctio
formalis deste último, à qual fizemos referência noutro texto, e é a seguinte:
segundo o frade franciscano do século XIV, existe, anteriormente a qualquer
consideração do espírito, uma distinção atual-formal de estratos metafísicos em cada
ente. Por exemplo, no indivíduo Sócrates haveria várias “formalidades” concomitantes
em ato: animalidade, substancialidade, racionalidade, corporeidade, etc. — idéia
retirada, quase ipsis verbis, da obra de Avicena, com sutis matizações e acréscimos.
Mostra o teólogo e metafísico francês que os escolhos desta concepção scotista
são, em verdade, insuperáveis. A título de exemplo: aplicada a Deus, essa tese não
pode conciliar-se com a absoluta simplicidade da essência divina2. Aqui
indaga o grande neotomista: poderia haver em Deus uma distinção semelhante à que
existe entre a essência da alma humana e as suas faculdades? Neste contexto, o Pe.
Garrigou põe a nu, com várias provas, a absurdidade da idéia scotista (implicada
na distinctio formalis) de que haveria uma realidade intermédia entre o ente real e o
ente de razão: a “representação” ou esse objectivum, que descambará nos idealismos
gnosiológicos mais loucos da filosofia moderna.

1 Disponível em: <http://contraimpugnantes.blogspot.com/2011/08/garrigou-lagrange-e-duns-scot.html>. Acesso


em: 19 mar. 2019.
2 Lembremos que está pressuposta nesta crítica de Garrigou a tese univocista de Duns Scot, mencionada no

texto intitulado “Duns Scot – ancestral da modenidade”, publicado há tempos no Contra Impugnantes.
Ora, nos casos em que o intelecto chega à verdade, a partir dos movimentos de
sua potência imaterial capaz de assimilar a forma dos entes, é absolutamente
necessário que o que o espírito distingue formalmente tenha fundamento nalguma
distinção real no objeto considerado, o qual é existente fora e além do nosso
pensamento, conforme aponta Garrigou — baseado na premissa evidentíssima de que
toda distinção ou é de razão ou será, necessariamente, real; a propósito, uma distinção
formal não realseria mais ou menos como conceber racionalmente um ser sem
entidade — absurdo lógico. Neste contexto, se espanarmos bem os argumentos de Scot,
veremos com clareza que a distinctio formalis nada mais é, na prática, do que uma
mal-disfarçada distinção de razão, equivocada em seus princípios.
Reiteremos, pois: uma distinção atual-formal entre o Ser de Deus e os atributos
divinos é inconciliável com a absoluta simplicidade da natureza divina, demostrada por
Santo Tomás na Suma. A única distinção em Deus — prova-o cabalmente Garrigou
— não é de substratos metafísicos, mas sim entre as três Pessoas divinas. E
tal distinção trinitária é uma distinção de relação, e não formal, devido ao fato
de as Pessoas divinas terem a mesmíssima natureza absolutamente simples, quanto ao
ser. Portanto, distinguem-se as Pessoas divinas tão-somente nas relações que se dão
no operar trinitário (mas mesmo a existência da Trindade só a podemos conhecer pela
Sagrada Escritura). E, no que diz respeito ao esse, com muito acerto proclamara o
Magistério da Igreja, no Concílio de Florença, a absoluta simplicidade divina que
pressupõe a identidade perfeita, em Deus, entre essência e ser: "In Deo omnia sunt
unum et idem” (Denz. n. 705).
A tese univocista de Duns Scot, levada as últimas conseqüências, não
poderia senão descambar, por um lado, no panteísmo (ao modo de
Espinosa), e por outro no monismo absoluto (ao modo de Parmênides). É
o que apontam algumas páginas luminosas de Garrigou — seguindo nisto a tradição da
escola tomista de combate ao scotismo, que tem em Tommaso de Vio, o Cardeal
Caetano, um dos seus notáveis. É evidente que o teólogo francês conhecia
perfeitamente a passagem da Ordinatio na qual Scot afirma que o ser não pertence a
nenhum gênero (o que está correto!), mas demonstra que isto, em si, não implica
creditar ao ser um caráter de unívoco, como em Parmênides, entre outras coisas
porque os modos de ser que diferenciam os entes entre si — e que
distinguem os entes do Próprio Ser (Deus) — se dão na realidade, e
são extrínsecos ao espírito de quem os observa. Em resumo, tudo o que muda,
ou se movimenta, é ser, sim, mas não do mesmo modo...
Ademais, a isto o tomismo histórico já contrapusera, de forma apodítica, o fato
de que a tese de Scot pressupõe a afirmação e a negação de predicados unívocos num
mesmo sujeito, agredindo frontalmente o princípio de não-contradição. E vale dizer
mais: se tal tese está errada quando referida a Deus, como acima mostramos, ela é
problematicamente aporética quando aplicada aos entes compostos de matéria e
forma, ato e potência, substância e acidentes. Isto porque, em sentido metafísico
estrito, a identidadede um ente consigo mesmo é de proporcionalidade, e
não absoluta, como lembra Garrigou citando o Comentário aos Analíticos
Posteriores de Aristóteles, escrito por Santo Tomás. Assim, sem dúvida, cada ente é
idêntico a si mesmo na ordem do ser, pois sempre haverá nele alguma distinção (real
ou de razão) com relação a todos os demais. Isto é um fato. Mas tal identidade não é
unívoca em sentido absoluto, dado o fato de os entes serem compostos — ou que
implica dizer que neles a essência não se identifica em grau máximo com o ato de ser.
Garrigou cita ainda várias tentativas da escola scotista de “atenuar” a tese
univocista, aproximando-a de alguma maneira da analogia tomista. No parecer do
nosso teólogo, isto mostra mais a debilidade do que a força da tese. Ocorre que o
problema é, na verdade, muito mais complexo, chegando a alcançar a distinção
teológica entre natural e sobrenatural, que na opinião de Scot é algo dependente
apenas do livre-arbítrio de Deus, nada tendo a ver com a natureza dos entes e do
Próprio Ser.
Mas este é assunto para outro texto.

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