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6 Essa situação é diferente dos casos em que: a) os educadores ambientais transitam desde
a EA para o campo empresarial, tornando-se novos profissionais nesse espaço de
intercessão e mútua transformação entre campos sociais diferentes; ou, ainda, b) os
educadores ambientais, desde as instituições sociais (ONGs e fundações) em que
trabalham, realizam um projeto ou atividade de EA numa empresa, como ocorre,
precisamente, com uma das entrevistadas deste trabalho. Essas são fronteiras muito
porosas, uma vez que os processos de formação em educação ambiental tendem a crescer,
abrindo a área para profissionais cuja origem e atuação remetem a campos sociais
diferentes do campo ambiental. Contudo, esse é um processo ainda pouco significativo em
termos de gerar um setor de educadores ambientais identificados às regras do jogo do
mercado empresarial.
o Outro e com a tradição, e, sobretudo, à experiência fundamental humana que é o
defrontar-se com a historicidade como finitude:
Esse conceito permite evidenciar os fios que tecem de modo sincrônico, na trama de um
universo narrativo específico, o campo ambiental e a comunidade dos educadores
ambientais.
A idéia da invenção do sujeito ecológico quer destacar que, entre a busca da
verossimilhança nos auto-relatos e a criação deliberada da narrativa literária, há mais
continuidades do que supõe uma nítida demarcação dos territórios do real e do ficcional.
Assim, os auto-relatos sobre a trajetória profissional dos sujeitos deste estudo
certamente se afastam de uma história natural, como acontece na narrativa de ficção.
Guardadas as diferenças entre esses dois campos narrativos, as biografias narradas
através das trajetórias de vida também poderiam ser vistas como espaços ficcionais, a
partir dos quais, lembrar e contar é sempre reorganizar e reconstruir uma identidade
narrativa.7 Essa auto-invenção, por sua vez, traz consigo a invenção do Outro, das
relações de alteridade e, portanto, da identidade narrativa de um campo intersubjetivo e
cultural em questão. É nesse sentido que a auto-invenção dos sujeitos é,
simultaneamente, posicionada num campo social e demarcadora deste mesmo campo.
Nesse sentido, o que está sendo inventado no ato narrativo autobiográfico dos
educadores ambientais é, para além da dimensão pessoal das vidas narradas, um sujeito
ecológico que, idealmente, é suposto atuar segundo uma ética ambiental. A identidade
narrativa, como uma chave de sentidos para o ambiental e tematizada a partir dos auto-
relatos dos educadores ambientais, instaura-se, neste caso, como horizonte de
possibilidades do sujeito ecológico, comprometido em levar adiante e expandir os ideais
preconizados pelo campo ambiental.
Dessa forma, considerando as confluências entre o campo e as trajetórias, buscaremos,
ao longo deste livro, discutir as condições de produção e configuração dos sentidos do
ambiental, bem como sua inscrição particular na emergência de uma identidade
narrativa — experiência que remete a uma prática social e a um perfil profissional
particular: o educador ambiental. Na busca compreensiva desse universo de sentidos,
estarei particularmente interessada nas antinomias dessa identidade narrativa diante das
questões ético-políticas que atravessam o campo ambiental, em sua refração particular
das transformações em curso no cenário ético-político contemporâneo.
A primeira parte deste livro trata da discussão conceitual sobre o lógos hermenêutico e
os entrecruzamentos do tempo e da experiência como marco interpretativo a partir do
qual é possível aceder à trama dos sentidos que configuram o campo ambiental, seus
sentidos contemporâneos e sua inscrição numa tradição que constitui seu horizonte
histórico abrangente. A tradição ambiental que aqui busco delinear considera
principalmente as sensibilidades naturalistas, românticas e edênicas — esta última
relativa ao imaginário evocado pelo Novo Mundo —, evidenciando os elementos de
longa duração constitutivos das relações entre sociedade e natureza, que se atualizam e
incidem sobre as condições de recepção do fenômeno ambiental contemporâneo.
A segunda parte será dedicada à compreensão das relações recursivas entre campo
social e trajetórias de vida, tomando a condição narrativa dessas interações como
referencial teórico e a análise das trajetórias como caminho metodológico. Nessas
interações, constituem-se mutuamente um campo ambiental, um sujeito ideal ecológico,
bem como as trajetórias profissionais e pessoais dos educadores ambientais, entendidas
como uma expressão particular daquele sujeito ideal. Serão desenvolvidos nos capítulos
que constituem essa parte: a orientação teórico-metodológica e a análise das trajetórias
de vida como identidade narrativa (Ricouer, 1997) que perfila um sujeito ecológico —
projeto identitário aberto, apoiado em uma matriz de traços e tendências supostamente
capazes de traduzir os ideais do campo; os mitos, os ritos e as vias de acesso à formação
do educador ambiental; o percurso da EA como um conjunto de práticas educativas que
buscam legitimidade dentro do campo ambiental e educativo; e, finalmente, as tensões
da ação política no campo ambiental, tratadas a partir de um duplo movimento: os
7 Concordo com Jerome Bruner (1995, p.145) quando este considera: “A estratégica tarefa
do contar — seja a história contada para consumo próprio ou de outrem, e as duas coisas
sempre acontecem — é tornar a narrativa crível. Criar essa narrativa não significa mentir
deliberadamente ou, como devem fazer os escritores de ficção, usar um fragmento da
memória para a elaboração de uma história; ao agirmos assim, buscamos uma
verossimilhança que satisfará a nós e a nossos ouvintes”.(Bruner, 1995: 145)(Bruner,
1995: 145)
trânsitos políticos dos sujeitos ecológicos e as transformações da esfera pública na
contemporaneidade que caracterizam uma política em trânsito.
Parte I
A trama dos sentidos na tradição ambiental
Essas tensões entre o paradigma das ciências naturais e os desafios postos pelos
deslocamentos evocados com a emergência da questão ambiental fundam o campo
ambiental, marcando, desde sua gênese, uma tensão constitutiva. 8 Essa condição
dilemática é fonte geradora de um debate permanente em que disputam legitimidade os
8 A disputa entre diferentes abordagens teórico-metodológicas é uma marca recorrente nos
espaços de debate sobre EA, como sucedeu, por exemplo, no período de 1990 a 1995 na
Associação Norte-Americana de EA (NAAEE), na qual, no interior da Comissão de
Pesquisa, se travou um enfrentamento entre diferentes abordagens classificadas em
empírico-analíticas, interpretativas ou hermenêuticas, e críticas. Para uma boa análise desta
guerra de paradigmas (Gage, 1989) na educação ambiental ver De Alba, 1999, e
Gaudiano, 1999a.
diversos sentidos do ambiental. Como já apontou Gaudiano, o deslocamento teórico-
filosófico do ambiental em relação às ciências naturais marca o campo discursivo de
uma EA não naturalista:
A noção de recepção, cuja origem remete à relação de interpretação de uma obra (obra
de arte, texto literário e outras produções textuais), nesse caso, auxilia a pensar o efeito
da produção de sentidos no plano dos fatos da cultura, ou seja, a produção da própria
historicidade na forma de uma consciência histórica efeitual. Também aqui, faz-se valer
a regra do círculo hermenêutico, em que, nas palavras de Hermann (1996, p.49), diante
da polissemia das vozes interpretativas, “o sentido não é imposto pela razão nem
dominado pelo sujeito-intérprete [...] a interpretação não é unívoca, depende do
horizonte compreensivo dos sujeitos”.
Assim, é importante compreender as margens nas quais se dá a fusão de horizontes
entre a tradição e o evento singular presente, produzindo novas compreensões do
ambiental, no sentido da compreensão como interpenetração do movimento da tradição
e do movimento do intérprete. Para tanto, há que atentar para a tradição como horizonte
em que o sujeito ecológico, de um modo geral, e o educador ambiental, em particular,
vão-se posicionar na condição de intérpretes. As novas compreensões que constituem o
“ambiental” nas condições contemporâneas, portanto, se dão à luz de uma tradição que
as antecede e constitui seu horizonte histórico mais abrangente, afetando o fenômeno
ambiental e suas condições de emergência como fato social contemporâneo.