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Universidade do Estado do Pará – UEPA

Discente: Tatiara Ferranti

O documentário “Edifício Master”, dirigido por Eduardo Coutinho, em 2002,


revela traços peculiares da identidade cultural de diversos moradores do prédio. O
senhor Antônio Carlos, por exemplo, apresenta em seu relato questões instigantes de
serem discutidas, as quais fazem alusão a temáticas, como: identidade, tradição,
memória e performance. De acordo com Bonvini (2006, p. 24), “as pessoas sentem
necessidade de expressar, através da fala e da escrita, em poesia e prosa, seus
sonhos disfarçados e as realidades sobre as origens, a condição e o destino do
homem”. Por isso, o personagem do filme, apesar de confessar ser tímido, logo no
início de seu depoimento, mostra-se totalmente espontâneo para compartilhar de um
pouco de sua realidade peculiar, de sua condição humana.
Assim, por meio de sua performance, evidenciada pelo discurso oral, é notório o
seu sentimentalismo recorrente nas lembranças do passado (lembrança do tempo que
sua mãe não tinha condições financeiras de sustentar a casa e do dia que seu chefe
lhe deu folga por merecimento). Desse modo, o choro, as expressões faciais (olhar
sério, pensativo e ora triste), assim como sua maneira característica de gesticular e
franzir o rosto revelam traços constitutivos de sua identidade e resgatam a memória do
tempo em que o personagem foi “pai solteiro”, da época em que ele precisou trabalhar
aos 8 anos de idade como vendedor em um trem, engraxate, atendente no
supermercado e funcionário do Instituto Médico Legal (IML), carregando defuntos, os
ditos “elementos”, conforme preferiu denominar os mortos. Ou seja, as recordações de
Antônio Carlos e sua maneira própria de narrar os acontecimentos por ele vivenciados
carregam em si uma carga identitária muito grande, pois remetem ao seu eu e revelam
parte de sua memória e tradição cultural.
Sem dúvida, apenas os textos orais conseguem expressar o jeito próprio de
dizer algo. Nos textos escritos, não é possível conhecer a aparência física nem a
natureza dos personagens, nem mesmo dos protagonistas. Por isso, Bonvini (2006)
afirma que em muitos discursos orais há uma economia de descrições e palavras, pois
a própria carga semântica dos símbolos imagéticos, em outras palavras, do cenário, da
maneira de proferir o discurso e de se vestir do personagem, por si só, já comunicam,
já denominam de quem se trata o eu, onde vive, o que gosta de vestir, como fala.
Zumthor (1997) comenta, inclusive, que o discurso pronunciado é importante porque dá
espaço a um traço bastante revelador: o “estilo vocal”, que é único de cada ser
humano. Então, a memória do outro é identificada também no jeito de dizer algo, no
tom de fala (se irônico ou não, se feliz ou não...).
Percebe-se, por exemplo, o tom de voz descontraído e feliz de Antônio Carlos ao
contar que foi pai solteiro, que deu conta, sozinho, da responsabilidade de assumir um
filho sozinho. Em certo momento, nota-se ainda que o personagem se emociona ao
lembrar do tempo sofrido que sua mãe “não tinha dinheiro para botar em casa”. Nesta
hora, é visível o som da voz trêmula, o olhar triste e piscante e o semblante
descontente do personagem. Assim, por meio da performance dele e da voz ao narrar,
ao compartilhar um episódio nada feliz de sua vida, o ouvinte aprofunda-se na história
de Antônio Carlos, compartilhando com ele sua memória.
No final do relato o personagem também confessa, orgulhoso, que as
dificuldades e vida amarga e sofrida da infância não fazem dele, hoje, um homem sem
dignidade. Segundo ele, não foi preciso ele “cheirar pó”, “se afundar na cachaça” ou
fazer algo errado que pudesse “pesar nos ombros” para se tornar um homem sem
dignidade. Hoje, ele se considera um bom filho e uma pessoa de bom caráter. Por meio
de algumas memórias, Antônio Carlos lembra, emocionado, orgulhosos e com lágrimas
nos olhos e voz compassada, da vez que seu chefe lhe liberou “por merecimento” para
cuidar de sua mãe no estágio terminal.
A partir da interpretação da performance dele, da voz e do relato, que traz à vista
a sinceridade do discurso do homem bom que foi para sua mãe, é possível o ouvinte se
emocionar também e conhecer um pouco da história do personagem, da sua luta em
tentar passar os últimos dias com sua mãe, da sua eterna gratidão pelo seu chefe, pois
lhe liberou do trabalho no momento que ele mais precisava.
Nessa perspectiva, o instigante também do discurso oral consiste na
interpretação particular de cada ouvinte, nas captações individuais dos símbolos
expressos pela oralidade e pelas características das performances. Para Bonvini (2006,
p. 18), “na apresentação oral, o dever do contador tradicional é fazer a enunciação da
forma mais clara possível e deixar cada indivíduo chegar à sua própria conclusão, se
puder”.
Enfim, embora o depoimento de Antônio Carlos seja curto (durou apenas 4
minutos), cada pessoa consegue captar, mesmo que maneira distinta e divergente,
vários traços importantes relacionados à tradição cultural, identidade, memória e
performance. Esses traços, com certeza, certificam o personagem de sua história e
fazem do discurso oral um caminho sem fim ao qual queremos mergulhar. Assim, por
meio da performance do personagem do filme foi possível ter contato com questões
inerentes ao ser humano, como a subjetividade e identidade dos personagens, entre
eles Antônio Carlos.

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